da construÇÃo social Às prÁticas: (re) significação e ... · 1 da construÇÃo social Às...

32
1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa de produção 1 Roberto Martins Mancini (PPGSoc-UFMA) Resumo: Partindo de um caso empírico, uma cooperativa de produção localizada no município de Açailândia (MA), criada por uma organização da sociedade civil com a finalidade de evitar a (re)incidência de pessoas no chamado trabalho escravo contemporâneo, através do oferecimento de uma alternativa acessível de ocupação profissional e renda nos moldes da economia solidária, procuramos observar o envolvimento desencadeado pelos cooperados envolvidos no empreendimento com os princípios e modelo de trabalho proposto pela economia solidária. Neste panorama, buscamos estabelecer uma correlação entre o processo de construção social da economia solidária, que lhe proporcionou certo grau de objetivação, e o modo como transcorrem seus princípios no âmbito das práticas locais. Deste modo, o ponto fundamental da análise aqui desenvolvida é a investigação de duas questões: o processo de (re)significação e incorporação dos princípios da economia solidária a partir da realidade social e econômica dos agentes envolvidos no empreendimento, bem como a natureza dos vínculos sociais que estabeleceram entre si. Através da observação direta e da realização de entrevistas com os cooperados e organizadores do empreendimento, observou-se como estes, através de suas práticas e significações locais, incorporaram e ressignificaram categorias exógenas como é o caso dos princípios e representações que permeiam a ideia de economia solidária. Palavras-chave: Economia solidária. Cooperativismo. Trabalho escravo contemporâneo. Introdução O presente artigo propõe analisar a ressignificação e processo de incorporação da economia solidária entre os agentes envolvidos (organizadores e cooperados) na criação e manutenção de uma cooperativa de produção no município de Açailândia, mesorregião oeste maranhense. Trata-se da Cooperativa para Dignidade do Maranhão (CODIGMA), experiência produtiva dividida em três núcleos produtivos (artefatos de madeira, artefatos de papel reciclado e carvão ecológico - de uso doméstico), que se busca moldar pelos princípios da economia solidária, e que se constitui como caso empírico da nossa pesquisa. A cooperativa está ligada a uma organização da sociedade civil, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), que desde 1996 atua no desenvolvimento de esforços para a erradicação do chamado trabalho escravo 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN

Upload: others

Post on 05-Jul-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

1

DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da

economia solidária em uma cooperativa de produção1

Roberto Martins Mancini (PPGSoc-UFMA)

Resumo: Partindo de um caso empírico, uma cooperativa de produção localizada no

município de Açailândia (MA), criada por uma organização da sociedade civil com a

finalidade de evitar a (re)incidência de pessoas no chamado trabalho escravo

contemporâneo, através do oferecimento de uma alternativa acessível de ocupação

profissional e renda nos moldes da economia solidária, procuramos observar o

envolvimento desencadeado pelos cooperados envolvidos no empreendimento com os

princípios e modelo de trabalho proposto pela economia solidária. Neste panorama,

buscamos estabelecer uma correlação entre o processo de construção social da

economia solidária, que lhe proporcionou certo grau de objetivação, e o modo como

transcorrem seus princípios no âmbito das práticas locais. Deste modo, o ponto

fundamental da análise aqui desenvolvida é a investigação de duas questões: o processo

de (re)significação e incorporação dos princípios da economia solidária a partir da

realidade social e econômica dos agentes envolvidos no empreendimento, bem como a

natureza dos vínculos sociais que estabeleceram entre si. Através da observação direta e

da realização de entrevistas com os cooperados e organizadores do empreendimento, observou-se como estes, através de suas práticas e significações locais, incorporaram e

ressignificaram categorias exógenas como é o caso dos princípios e representações que

permeiam a ideia de economia solidária.

Palavras-chave: Economia solidária. Cooperativismo. Trabalho escravo

contemporâneo.

Introdução

O presente artigo propõe analisar a ressignificação e processo de incorporação

da economia solidária entre os agentes envolvidos (organizadores e cooperados) na

criação e manutenção de uma cooperativa de produção no município de Açailândia,

mesorregião oeste maranhense. Trata-se da Cooperativa para Dignidade do Maranhão

(CODIGMA), experiência produtiva dividida em três núcleos produtivos (artefatos de

madeira, artefatos de papel reciclado e carvão ecológico - de uso doméstico), que se

busca moldar pelos princípios da economia solidária, e que se constitui como caso

empírico da nossa pesquisa. A cooperativa está ligada a uma organização da sociedade

civil, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), que desde 1996

atua no desenvolvimento de esforços para a erradicação do chamado trabalho escravo

1Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN

Page 2: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

2

contemporâneo2, a partir de ações voltadas ao suporte a denúncias, prevenção de

ocorrências e reinserção social de pessoas “regatadas”3 neste tipo de relação de

trabalho.

A Cooperativa em questão está inserida no eixo de ações praticadas pelo

CDVDH destinadas à “reinserção social” de trabalhadores “resgatados”, de modo que

estes não retornem às ocupações econômicas caracterizadas pela prática do trabalho

escravo. A experiência também atua na finalidade de evitar que trabalhadores não

“resgatados”, provenientes de famílias em situação econômica precária, cogitem o

trabalho escravo como uma opção de labor, oferecendo-lhes uma alternativa real de

trabalho e renda.

A forma como as particularidades do nosso caso relacionam-se com o modelo

de trabalho proposto da economia solidária, apresentaram-se como um dado de relevo.

O enraizamento da cooperativa com a questão do trabalho escravo contemporâneo

contribuiu no processo de (re) significação, operado tanto pelos organizadores quanto

pelos cooperados, dos princípios da economia solidária.

A economia solidária é o resultado de todo um processo de construção social

(o que implica também um processo intelectual) emergido, sobretudo, no cenário de

modificações econômicas desencadeadas partir dos anos 1980, sendo ao mesmo tempo

o veículo de uma série de representações acerca do mundo do trabalho. Tornou-se uma

referência polissêmica e portadora de múltiplos sentidos (GONÇALVES, 2008): uma

alternativa ao desemprego - opção em momentos de crise econômica (LIMA, 2004);

um discurso acerca da humanização do trabalho por conta da socialização dos meios de

2O “Trabalho escravo contemporâneo” – como é referido por autores (ESTERCI, 1994; MOURA, 2006)

e organizações que tratam da questão no Maranhão (CDVDH) e no Brasil (REPÓRTER BRASIL), e

mesmo pelo Estado brasileiro (como expresso em documentos oficiais como o “Plano Nacional para a

Erradicação do Trabalho Escravo” - 2003/2008) - é caracterizado, sobretudo, pela constituição de uma

dívida “fictícia” que o trabalhador contrai no local de trabalho pela compra de alimentos e/ou

equipamentos usados no serviço a preços superfaturados, resultando numa forma de exploração e

controle sobre a força de trabalho pelo “contratante”, acabando por manter, dessa forma, o trabalhador

imobilizado no seu local de trabalho enquanto a dívida não for saldada (MOURA, 2006); somando-se a

situações de condições insalubres e inadequadas de alojamento, alimentação, utilização de equipamentos

de trabalho e segurança, irregularidades na situação trabalhista, dentre outras tópicos observados pela

auditoria fiscal do trabalho durante a fiscalização. Em estados como Maranhão e Pará, as práticas mais

relacionadas ao trabalho escravo envolvem atividades em fazendas (pecuária) e carvoarias (produção de

lenhas para produção siderúrgica nos dois estados). Entre 2003 e 2011, Maranhão e Pará lideravam o

ranking de origem de trabalhadores resgatados no Brasil (CPT/MTE/MPT, 2013 apud CARVALHO DA

SILVA, 2013). No Brasil a prática é considerada crime, ratificada pelo artigo 149 do Código Penal

Brasileiro. 3Terminologia utilizada pelos órgãos responsáveis por fiscalizar a prática do trabalho escravo

contemporâneo, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Delegacia Regional do Trabalho (DRT),

“uma vez que as ações de fiscalização são consideradas de resgate de trabalhadores que se encontravam

em situação de trabalho escravo” (MOURA, 2006, p.14).

Page 3: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

3

produção e do processo decisórios (autogestão) (GAIGER, 2003, 2007; SINGER, 2000;

2002); como uma economia – “a outra economia” – que materializa princípios

econômicos alternativos e que evidenciam os laços sociais de reciprocidade em relação

aos interesses economicistas individual (utilitários) (LAVILLE, 2002, 2009; LAVILLE

& GAIGER, 2009); e, pela voz dos mais auspiciosos, como o vetor de uma cosmovisão

socialista que entende a economia solidária como um exercício para autogestão, sendo

um ambiente pedagógico de reeducação coletiva, onde se aprenderiam os princípios de

uma nova lógica do trabalho (cooperativa), passível de se estender para toda a

sociedade (SINGER, 2000, 2002).

Neste contexto de construção social e intelectual da noção de economia

solidária, um caso empírico desperta algumas questões relativas à maneira como

membros de certa localidade apropriam-se e a redefinem a partir de suas características.

Isto porque, hoje em dia a economia solidária movimenta-se do espectro da definição e

legitimação estatal ao espaço das práticas ocorridas localmente, no que se

convencionou a chamar de empreendimentos econômicos solidários. Cosoante a esta

realidade sistêmica, por assim dizer, estruturamos a nossa problemática buscando

perceber como as características sistêmicas da economia solidária desdobram-se em um

nível micro: o processo de incorporação ou não incorporação dos princípios da

economia solidária, “objetivados” pelo processo de construção social, assim como o

processo de (re) significação destes princípios a partir da realidade social e econômica

dos agentes envolvidos no empreendimento.

O estudo dos vínculos sociais que constituem a urdidura de tais experiências

torna-se um problema relevante na oportunidade de investigar um caso empírico

exposto a este modelo de trabalho. A investigação empírica dos vínculos sociais tecidos

entre os cooperados nos interessa na medida em que, no Brasil, uma explicação de

verve economicista seja mais adequada à filiação e permanência num empreendimento

solidário, especialmente no caso brasileiro, onde tais iniciativas “estão intimamente

relacionadas a situações de exclusão socioeconômica e de precarização do trabalho”

(CASTANHEIRA & PEREIRA, 2008, p. 117). Contudo, sendo um modelo de trabalho

construído para promover a coletivização das ações, amplamente relacionado com uma

ideia de solidariedade que lhe propõe escapar das formas de racionalidade econômica

dominante, o estudo da natureza dos vínculos sociais estabelecidos entre os membros

torna-se salutar para a uma compreensão que vá além da economicista, e que possa

então, revelar (ou não) empiricamente a especificidade da economia solidária: em que

Page 4: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

4

sentido estes vínculos operam no sentido de construir ou manter um bem coletivo, e em

que momento são solapados por interesses individuais e economicistas.

Efetivamente, a busca pelo processo de incorporação e (re) significação tanto

dos princípios da economia solidária como da própria solidariedade em si, nos leva as

práticas e representações produzidos pelos membros na convivência diária da

cooperativa. Isto nos incorre que estamos diante de dois polos de definições de uma

mesma situação: o conjunto de representações socialmente construídas, que cumprem

um papel na constituição de novas práticas sociais, através de categorias exógenas

próprias da doxa douta e do mundo social; e de outro lado, as significações e

representações produzidas pelos membros localmente. Emerson et al. (2010), diante

destas duas dimensões de definições, sugerem “perseguir” as significações produzidas

pelos membros (“nativos”), privilegiando seus próprios significados para explicar seus

eventos cotidianos, e assim evitar importar categorias e significados exógenos4,

percebendo como ambas as definições confluem para configurar o caso empírico em

questão.

As reflexões e dados aqui apresentados se baseiam em pesquisa bibliográfica,

sobretudo na literatura brasileira especializada em economia solidária, na teoria da

dádiva e economia plural e em discussões acerca do trabalho escravo contemporâneo

no Brasil e no Maranhão. A coleta de dados foi baseada na observação direta da

realidade pesquisada, na consulta a arquivos digitais cedidos pela administração da

cooperativa e pela realização de entrevistas semi-abertas com os cooperados e membros

do CDVDH.

1 Contexto de surgimento e construção social da economia solidária

A literatura sobre o que se convencionou a chamar, no Brasil, por economia

solidária, desenvolve-se através de trabalhos com enfoque ora militante, inserindo o

tema em projetos políticos reformistas revolucionários; ora institucional – analisando o

efeito de políticas públicas orientadas para o desenvolvimento local e comunitário

emolduradas pela economia solidária -; ora conduzem sua análise através da sociologia

e antropologia econômica, com foco nas possibilidades e limites econômicos e sociais

4Como Bourdieu (2011) propôs em sua concepção de senso prático, em que preferiu não refutar ou negar

inteiramente nem as abordagens objetivistas (estruturalistas) nem as subjetivistas (interpretativas), mas

extrair o que ambas tem de positivo, não nos lançamos em apropriar unilateralmente nem as categorias

exógenas (“estruturais”) da economia solidária, fruto da doxa douta dos cientistas e especialistas, nem

tampouco as significações produzidas localmente pelos membros.

Page 5: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

5

das atividades que se associam ao projeto da economia solidária, evidenciando os

princípios de ação plurais e alternativos – em relação ao capitalismo - passíveis de

existir em empreendimentos solidários assim como nos aspectos simbólicos que tais

atividades envolvem; e aqueles outros, menos auspiciosos, que focalizam a economia

solidária como uma ampliação da precarização do trabalho, e atuante no processo de

(re)significação do trabalho no bojo das políticas estatais, atuando no sentido de

contribuir para legitimação da cultura ao auto-emprego e desvalorização do trabalho

formal (PEREIRA, 2011 apud MASCARELLO, 2013, p. 48).

Indo além de uma modalidade de atividade econômica, a economia solidária

penetrou em diferentes áreas de interesse ao torna-se pauta de agendas políticas

(municipais, estaduais e federais) e estudos acadêmicos (LECHAT, 2002; SANTANA

JR., 2009). Hoje, a noção de economia solidária é associada não somente as suas

manifestações concretas, através das atividades que lhe circunscrevem, ou aos estudos

acadêmicos que abordam suas diferentes nuances, mas a todo um aparato institucional

presente não somente na escala da sociedade civil (em sindicatos, organizações não

governamentais, entidades religiosas, universidades), mas, inclusive, no seio do

aparelho burocrático do Estado, lhe atribuindo uma espécie de consagração oficial

enquanto nova categoria de percepção do mundo social (LENOIR, 1996); neste caso,

como uma representação que invoca um processo de reinvenção e novas possibilidades

para a organização trabalho.

A forma como a economia solidária atualmente estrutura-se, nos leva

questionar em qual contexto sócio-economico e político, a economia solidária,

enquanto modelo e conjunto de representações sobre o trabalho, foi socialmente

produzida e através de quais meios foram operados o “trabalho social” de seu

reconhecimento e legitimação (BOURDIEU, 2001). Concernente a este contexto, é

necessário nos lançarmos numa “sociologia da construção da noção” (LENOIR, 1996),

observando alguns aspectos que foram determinantes no processo de construção social

da noção aqui em pauta.

I

O contexto de surgimento das idéias que vieram a conformar o que

entendemos por economia solidária, é apresentado por autores (LIMA, 2009;

POCHMANN, 2004) como iniciado, sobretudo, nos anos 1990, quando se intensificou

Page 6: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

6

o surgimento de cooperativas devido ao conjunto de medidas que engendraram o

processo de reestruturação econômica, ocasionando no aumento do desemprego como

uma das conseqüências. Autores como Pochmann (2004), identificam de forma mais

estrita um nexo entre a crise de desenvolvimento do capital e as modificações no

modelo e divisão social do trabalho que passou a ser predominante a partir das décadas

de 1980 e, em especial, em 1990 no Brasil, e o processo inicial de construção da

economia solidária no país.

Os traços prementes que contribuíram para desenhar o cenário profícuo a

construção da economia solidária possuíam a finalidade de ajustar o capital nacional

aos novos padrões de acumulação global, tais como: adoção de políticas neoliberais,

que contribuíram para privatização do setor produtivo estatal, terceirização do setor

público, internacionalização de setores econômicos importantes (LIMA, 2009;

POCHMANN, 2004). Estas medidas obtiveram respostas negativas no segmento

organizado do trabalho5, o que se refletiu no agravamento do desemprego, contenção

de aberturas de novas vagas assalariadas formais, flexibilização da legislação de

trabalho e aumento do setor não organizado do trabalho, como no caso do trabalho

informal, e de contratos de trabalho que escapavam a formalidade do assalariamento,

característicos do novo modelo de acumulação do capital – subcontratação,

terceirização, trabalho parcial, etc. (ANTUNES, 2005).

Para além do recrudescimento do setor não organizado do trabalho e aumento

do desemprego, um dos efeitos da retração do mercado de trabalho formal foi o

aumento considerável de cooperativas urbanas no Brasil, entre os anos de 1990 e 2000

(CASTRO, 2011). No bojo do crescimento não organizado do trabalho, composto por

formas de trabalho, em geral precárias, desenvolvidas nos interstícios do capitalismo,

floresceu o germe do que se convencionou a chamar de economia solidária, a partir do

movimento e confluência de um “conjunto de militantes sociais críticos e engajados na

construção de alternativas de organização social e laboral no Brasil” (POCHMANN,

2004, p. 24). Tendo, em geral, como alvo populações em situação econômica precária,

desempregados e aqueles de ocupações degradantes, agentes diversificados –

religiosos, universitários, sindicalistas, etc. - estiveram envolvidos na criação de

5Na visão de Pochmann (2004) o “segmento organizado do trabalho” refere-se “aos empregos

assalariados regulares e relativamente homogêneos, gerados por empresas capitalistas” (p.23), e que

também contemplam o conjunto de direitos sociais e trabalhistas que lhe competem.

Page 7: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

7

experiências de ocupação e renda, assim como a possibilidade de fomento e incubação

de tais alternativas.

Neste processo de construção, é elementar a presença do economista Paul

Singer. O embrião daquilo que viria ser economia solidária é expresso publicamente

pela primeira vez num artigo publicado por Singer no jornal Folha de São Paulo em

1996. Na ocasião, Singer estava envolvido com a campanha de Luiza Erudina a

prefeitura de São Paulo, onde elaborou - para a proposta de programa de governo - uma

alternativa ao desemprego em que os próprios trabalhadores se (re) inseririam no

mundo do trabalho; a sugestão do nome foi lançado por Aloizio Mercadante, candidato

a vice-prefeito na época (CASTRO, 2011). A solidariedade é inserida na proposta por

conta da conscientização de Singer que percebeu que nem sempre a transformação de

trabalhadores em microempresários será bem sucedida, pelo contrário. Neste aspecto, o

ideal seria inserir os novos microempresários num mesmo setor econômico,

conformado para possibilitar suas possibilidades de sucesso; onde a solidariedade

definir-se-ia pela cooperação dos empresários entre si na troca de serviços e produtos

mútua (CASTRO, 2011).

A partir deste momento Singer concebe a economia solidária como uma

estratégia de combate ao desemprego e exclusão social, e passa a desenvolver o

elemento central da sua proposta de trabalho, a saber, um modelo de trabalho fundado

na autogestão e que isso seria determinante para demarca a economia solidária

enquanto um modo de produção distinto do capitalismo, onde o laço fundamental dar-

se-ia com os marginalizados do mercado de trabalho (SINGER, 2000), e cujo pródromo

residiria nas lutas – contra o capitalismo industrial - empreendidas pelo movimento

operário nos meados do século XIX, sobretudo na experiência cooperativa de

“Rochdale” – de onde Singer retirou os princípios que viriam a nortear toda

organização do trabalho “solidário”. Segundo Castro (2011), a associação com o

movimento operário do século XIX garantiu um caráter transhistórico para a economia

solidária, e a descontextualizou de cenários históricos ou sociais específicos, e demarca

a mudança de uma simples proposta contra o desemprego para um meio revolucionário

(socialista) e estratégico de lutas para os trabalhadores.

No âmbito acadêmico a economia solidária foi abordada sob outras

perspectivas, distinta ou divergente da perspectiva militante e política de Singer.

Contudo, a amplitude da economia solidária enquanto discurso e prática não restringiu-

se somente ao espaço acadêmico, mas incorporou-se nos planos e projetos de diferentes

Page 8: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

8

segmentos da sociedade civil, que com interesses e estratégias de ação diferentes,

contribui para configurar a multiplicidade de sentidos e significados que a economia

solidária possui atualmente (GONÇALVES, 2008).

No final da década de 1990 a economia solidária passa a integrar a agenda

política de governos estaduais, inicialmente no Rio Grande do Sul, posteriormente se

integrado na pauta de outros governos estaduais, municipais e, a partir de 2003,

também no governo federal, através da criação no âmbito do Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE) da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES).

A criação da SENAES possibilitou a realização, entre os anos de 2005 e 2007,

em parceria com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), do primeiro

mapeamento nacional da economia solidária, identificando em todo país atividades

passíveis de serem relacionadas à categoria. Os resultados da extensa pesquisa

resultaram na origem do Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES), que

corroborou em grande medida para o processo de construção social da noção de

economia solidária, na medida em que sua conformação estatística possibilitou seu

reconhecimento social para além daqueles que estavam diretamente envolvidos no

processo

Divulgar os dados era um objetivo do mapeamento, entendido como forma

de dar visibilidade à Economia Solidária. Fazer existir para todos os que

existiam apenas para os próprios agentes da economia solidária passa por

fazer chegar a boa nova também às pessoas que não fazem parte deste

mundo. (...). O Atlas foi apresentado naquele momento como prova material

da existência da economia solidária e possibilitou ver concretamente como

funcionavam e onde estavam os empreendimentos. (MOTTA, 2010, p. 180-

184 apud MASCARELLO, 2013, p. 53-54).

O processo de construção estatística da economia solidária possibilitou a

definição operada pela SENAES do que se considerar ou não como pertencente à

economia solidária (LECHAT, 2004). A definição do que viria a ser economia

solidária, seus principais fundamentos, foi elaborado e reelaborado por anos, sobretudo

por aqueles intelectuais que, na análise de Lechat (2004), são os atores centrais do que

chama de “campo da economia solidária”: Paul Singer, Luís Inácio Gaiger e Marcos

Arruda. Atores ao mesmo tempo do mundo acadêmico e com estrita relação com

organizações da sociedade civil, e com o engajamento geral na construção da economia

solidária enquanto prática e representação reconhecidas e institucionalizadas

socialmente.

Em rateio, nas definições que foram sendo elaboradas por estes autores, é

possível identificar certos princípios que seriam próprios aos empreendimentos

Page 9: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

9

passíveis de receber a qualificação de “solidários”. Os princípios que estes

materializariam são identificados, sobretudo, pelo modo distinto (em

relação às empresas capitalistas comuns) pela qual se organiza o trabalho nos

empreendimentos que lhe estariam relacionados. Isto implica dizer que, na leitura de

alguns autores brasileiros (GAIGER, 2003, 2007; SINGER, 2000, 2002), a economia

solidária é entendida fundamentalmente pela: i) posse coletiva dos meios de produção;

ii) gestão democrática do empreendimento, isto é, o poder de decisão pertence aos

trabalhadores (autogestão); e, iii) repartição mais igualitária dos rendimentos do

trabalho, assim como do excedente (denominado “sobras”) através de critérios

aprovados por todos os membros; relacionando-se, ainda, com todo um esteio ético:

solidariedade com a população trabalhadora em geral, sobretudo com os mais pobres;

proteção ao meio ambiente; além de produzir serviços e produtos sócio-políticamente

atinentes (essenciais para a população pobre e que possibilite o desenvolvimento local e

comunitário). (LECHAT, 2004).

É possível sintetizarmos esse processo de construção e reconhecimento social

da economia solidária, através das balizas desenvolvidas por Lenoir (1996) em sua

análise da construção dos “problemas sociais”, em sua proposta de “sociologia da

construção da noção”. Por mais que a economia solidária não se evidencie enquanto um

“problema social”, mas como uma espécie de alternativa e/ou resposta, o foco de

Lenoir era, antes de tudo, nas “categorias que servem de base para a construção da

realidade social e que, por conseguinte, se apresentam diante do sociólogo, [e que] são

o resultado de lutas” (p.105). A economia solidária antes de referir-se a um conjunto

de práticas que ganharam impulso a partir dos anos 1990 refere-se a representações e

categorias de percepção – de determinadas modificações – do mundo do trabalho.

Consoante a tal processo, a economia solidária tornou-se tema de

investigações acadêmicas, sobretudo nas áreas da sociologia, economia e

administração. No entanto, considerar a economia solidária um datum bruto, é ignorar

o seu dinâmico processo de construção através da articulação de diferentes segmentos

da sociedade civil e do estado; ocorrência esta já assinalada em Gaiger (2012) e Lechat

(2004).

Bourdieu (2001), ao propor um processo de objetivação do objeto que tomamos

por objeto, reforça a consideração de Lenoir (1996) sobre o trabalho sociológico, que

“não poderia consistir em registrar os dados construídos segundo categorias que são o

produto de um trabalho social” (p.75). É neste ponto que, seguindo as etapas gerais de

Page 10: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

10

construção de uma nova categoria ou representação do mundo social demarcadas por

Lenoir, que podemos melhor compreender a economia solidária no âmbito deste

processo de construção social, assim como a conformação do seu “campo”.

Seriam três etapas fundamentais: a) As transformações que afetam a vida

cotidiana dos indivíduos ocasionada por transformações em aspecto(s) da sociedade; b)

um “trabalho social” que envolve o reconhecimento – que implica em tornar visível,

digna de atenção, a “ação de grupos socialmente interessados em produzir uma nova

categoria de percepção do mundo social a fim de agirem sobre o mesmo” (p.84) – e

legitimação, que envolve o processo de promoção e imposição da questão na esfera

pública; c) a última etapa refere-se à institucionalização do problema; o que significa

que o “problema foi colocado e resolvido ao ponto de torná-las evidentes para todos”

(p. 95). É o momento em que o problema já foi discutido publicamente e direcionado a

uma solução, neste caso, materializada através de instituições ao nível estatal. É quando

também as categorias em jogo são imobilizadas e fixadas e tornadas evidente para

todos.

Observando os aspectos gerais de construção social da economia solidária,

anteriormente apontados, é possível identificar estas três etapas da seguinte forma:

i) as transformações nas estruturas econômicas ocasionando no desemprego e

modificações nas relações de trabalho correspondem ao primeiro estágio elencado;

ii) todo processo de formulação teórica (a organização de obras voltadas para

o tema, em geral conjunta, inclusive no caso de dicionários destinados a explicitar

verbetes relacionados à temática6, constituem um importante aspecto da construção

teórica da noção); formulação política e propaganda da economia solidária por

diferentes autores (sobretudo nos três aqui mencionados), além da presença do debate

nas mais diferentes reuniões, comissões, fóruns, na constituição de redes de

pesquisadores, a nível nacional e mesmo internacional, a fim de debater sobre as

práticas da “nova economia” e trocar experiências acerca das diferentes realidades

nacionais; a apreensão de diferentes organizações da sociedade civil da noção e prática

proposta pela economia solidária e dentre outras medidas que contribuíram para a sua

visualização e reconhecimento no espaço público;

6 Como o livro A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego, organizado

por Paul Singer e André de Souza, e o caso do dicionário A outra economia, organizado por Antonio

David Cattani e Luís Inácio Gaiger - uma referência para o estudo da temática. Dentre outras

publicações. Cf. Lechat (2004).

Page 11: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

11

iii) a terceira e última etapa relaciona-se com o processo de legitimação estatal

e institucionalização da economia solidária, quando estava passa a ser política pública

em escala federal, estadual e municipal, contando inclusive com secretárias e setores da

gestão pública direcionada a sua difusão e desenvolvimento.

O que é possível perceber é que a forma como estes autores construíram a

economia solidária reverberou na reconfiguração da realidade socioeconômica e

política. Tal ocorrência não parece ser um fato isolado. Nas ciências sociais o

conhecimento produzido possui uma maior probabilidade de transformar o seu próprio

objeto, pois a própria prática é o objeto da teoria (GIDDENS, 2009). Lechat (2004) faz

constatação semelhante ao observar a produção e trajetória intelectual e militante dos

autores anteriormente mencionados:

vimos o quanto essas representações da realidade ajudaram na constituição

e a transformação desta realidade, a tal ponto que em certos momentos estas

representações aparecem como sendo a própria realidade. É nisto que

consiste, em parte, a participação destes intelectuais na construção do campo

da economia solidária no Brasil e na sua transformação num movimento

social (p. 290).

O processo de construção social, combinando utopia e realidade concomitante a

uma postura entre os seus principais atores - em maior ou menor medida - contra a

lógica econômica dominante (LECHAT, 2004), resultou em um grau de objetivação da

economia solidária. Seus fundamentos, por sua vez, estão, em certo sentido, pré-

fabricados antes de serem incorporados em uma localidade específica. Um caso

empírico pode demonstrar como uma comunidade de trabalho específica7 não somente

incorpora (ou não) os princípios “objetivados” da economia solidária, mas (re)

significam em consonância as suas peculiaridades sociais, culturais e econômicas.

2 Tópicos recorrentes em economia solidária

A economia solidária vem suscitando inúmeros debates em diferentes partes

do mundo nos últimos anos. No Brasil, o debate floresceu nos anos 1990, quando se

intensificou o surgimento de cooperativas devido ao conjunto de medidas que

engendraram o processo de reestruturação econômica, ocasionando no aumento do

desemprego como uma das consequências (LIMA, 2009). Entretanto, as finalidades que

envolvem a criação de cooperativas - nos dias de hoje - vão desde a criação de

alternativas ao desemprego a empreendimentos organizados visando o rebaixamento de

7 Uma comunidade de trabalho no sentido de que os vínculos (ou laços) sociais de reciprocidade entre os

membros co-determina a racionalidade econômica (GAIGER, 2007).

Page 12: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

12

custos de empresas (via terceirização) ou empreendimentos organizados por

trabalhadores e voltados para o mercado, ou mesmo como “veículos” de propostas

políticas (enquadrando a economia solidária em agendas políticas que buscam o

socialismo ou uma forma de produzir alternativa ao capitalismo), e formas de geração

de trabalho e renda como possibilidade à inclusão social de pessoas em situação

econômica precária - geralmente capitaneado por ONG’s, movimentos sociais,

programas governamentais e organizações como a Cáritas Brasileira (LIMA, 2009).

Os termos atribuídos às atividades relacionadas ao que se chama de economia

solidária, no caso brasileiro – nos seus diversos formatos jurídicos: cooperativas,

associações, clubes de trocas, fábricas recuperadas em processo falimentar, etc. -, em

outras partes do mundo correspondem a termos como economia popular, economia

popular solidária, terceiro setor, economia plural, serviços de proximidade, e etc.

(ICAZA&TIRIBA, 2009; LAVILLE, 2009; LECHAT, 2002); sendo a economia

popular mais própria dos Países do Sul, com atividades econômicas destinadas a

subsistência, onde a América Latina seria seu espaço de desenvolvimento, e os serviços

de proximidade, próprios dos Países do Norte (experiência europeia) – historicamente

amparados pela forte proteção social que caracterizou o chamado “Estado

providência” e a “sociedade salarial” que lhe estava implicada-, voltada para a

expansão e facilidade de acesso a serviços diversos (LAVILLE, 2009).

De todo modo, há um chão comum que subjaz a todos estes termos que reside

na busca de uma outra economia, na possibilidade de materialização de princípios

alternativos à economia capitalista predominante.

Por trás da diversidade de conceitos que visam a instituir novos modos de

organização do trabalho e da produção – economia social, economia de

proximidade, economia solidária ou de solidariedade, socioeconomia

solidária, economia social, humanoeconomia, economia popular, economia

do trabalho, economia do trabalho emancipado, colaboração solidária –

existe uma busca comum de se recuperar o sentido original do vocábulo

economia, que em grego significa a gestão, o cuidado da casa. (ARRUDA,

2003, p. 234 apud IASKIO, 2006, p. 122)

O elemento basilar destas atividades - pressupõe-se - é o da solidariedade; em

contraposição ao homo oeconomicus utilitarista, “não socializado, onisciente e movido

unicamente pela busca do ganho máximo” (STEINER, 2006, p. 3), o arquétipo de

agente econômico próprio da economia de mercado capitalista - tal como é entendido

Page 13: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

13

pela economia clássica e neoclássica-, estas atividades proporcionariam um laço social8

de reciprocidade que sustentam as suas relações de cooperação. Isto quer dizer que

existe uma reciprocidade de atos e interesses entre os membros que se manifesta,

sobretudo, através de ações voluntárias e gratuitas, que dão suporte a associação

voluntária (LÉVESQUE, 2009). Contudo, na literatura brasileira sobre economia

solidária, considera-se o elemento da solidariedade como resultado da materialização

dos princípios acima citados, deixando a dimensão da investigação dos laços sociais de

lado:

Essas atividades apresentam em comum a primazia da solidariedade sobre o

interesse individual e o ganho material, o que se expressa mediante a

socialização dos recursos produtivos e a adoção de critérios igualitários

(LAVILLE & GAIGER, 2009, p.162).

A economia solidária, por conta desta sua “racionalidade específica”

(GAIGER, 2007) de princípios, desperta dois tipos de posturas acerca dos seus efeitos

sociais e econômicos: uma crítica e outra utópica. Enquanto existem autores que

enfatizam o papel atenuador e de alternativa ao desemprego em momentos de crise

econômica que as cooperativas, por exemplo, incorporam (LIMA, 2004), restritas a

atuar nos interstícios do capitalismo, existem outros, mais auspiciosos, que enquadram

a economia solidária como o ponto nevrálgico para a construção de uma sociedade

socialista, como é o caso de autores de verve marxista como Singer (2000, 2002) e

Nuñez (1998). Para Paul Singer, a economia solidária representa a possibilidade da

superação gradual do capital, sendo uma oportunidade real dos trabalhadores

praticarem a autogestão, e (re) socializarem-se numa nova prática de relação com o

mundo do trabalho; pois a economia solidária comportaria os germes de um modo de

produção (socialista).

Um tópico cadente na literatura especializada em economia solidária refere-se à

relação que os empreendimentos que lhe circunscrevem desenvolvem com o mercado

capitalista (majoritário). O modo predominante de se produzir para o mercado “tem

sido a produção capitalista que implica trabalho assalariado e propriedade privada (e

alheia ao trabalhador) dos meios de produção” (TAUILE, 2002, p.110). Não estando

estabilizada a sua própria rede de trocas (ou redes solidárias) como uma forma de

resistir às pressões externas do ambiente econômico (e assim, conservar as suas

particularidades), os empreendimentos econômicos solidários, caso estimem a sua

8Entendemos “laço social” tal como postulou Grossetti (2009, p.60):

“Um conhecimento e um compromisso recíproco fundados nas interações que dão lugar a formas

específicas de confiança entre os companheiros”.

Page 14: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

14

sobrevivência enquanto empresa, inserem-se no mercado capitalista e passam a

concorrer com outras empresas que escapam ao “modelo solidário”, e assim “estão

sujeitos aos efeitos da lógica de acumulação e às regras de intercâmbio imposta ao

conjunto dos agentes econômicos” (GAIGER, 2003, p. 201).

Nos últimos anos a economia solidária tornou-se objeto de análise sociológica

através do ramo da sociologia econômica, cujo projeto maior é o estudo dos fatos

econômicos considerando a dimensão das relações sociais que lhes circunscrevem e

ampliando analiticamente a dimensão do comportamento egoísta do agente econômico

(SWEDBERG, 2003 apud STEINER, 2006, p. 1). Este projeto corresponde às

atividades atribuídas à economia solidária que, em geral, estão relacionadas a uma

pluralidade de princípios econômicos, como é o caso da reciprocidade (os demais são

redistribuição e troca), que implica “na relação estabelecida entre grupos ou pessoas

graças à prestação de serviços que só ganha sentido pela vontade das partes

interessadas em estabelecer um laço social” (LAVILLE, 2002, p.29-30).

Ao lado da pluralidade de princípios econômicos identifica-se outra dimensão

das atividades que a economia solidária comportaria – o que conformaria uma dupla

dimensão -, que do mesmo modo amplia os fenômenos econômicos para além da forma

como é concebido pela análise econômica (neo) clássica: a dimensão (sócio) política

(LAVILLE, 2009, 2002). As manifestações da economia solidária representariam uma

espécie de liame social, corporificado numa tomada de posição da sociedade civil

atuando na construção de atividades que não teriam sido concebidas pelo mercado ou

estado, originando os “serviços de proximidade”, muito próprio dos “Países do Norte”

(idem, 2002).

No caso brasileiro, no liame social voluntário, próprio da sociedade civil, há

uma forte atuação de organizações, como é o caso de sindicatos - como a Agência de

Desenvolvimento Solidário (ADS) da Central Única de Trabalhadores (CUT) -, das

Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP`s) instaladas em algumas

universidades, secretarias municipais ou estaduais que criam setores específicos para

estes tipos de atividades (LECHAT, 2002; LIMA, 2004), e mesmo a Cáritas Brasileira,

entidade ligada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – que apoia

grupos de “economia popular e solidária” com a finalidade de promover emancipação

social e econômica de comunidades em situação econômica precária. Compartilhando a

definição de economia solidária institucionalizada socialmente, atuam no intuito de

Page 15: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

15

fomentar e fornecer suporte para empreendimentos que se propõe, de alguma forma,

receber a qualificação de “solidários”.

3 Á procura de práticas e vínculos solidários

Iniciativas de economia solidária vêm sendo reconhecidas como “formas

contemporâneas de solidariedade” (GAIGER, 2012; FRANÇA FILHO, 2002). A

investigação destas novas solidariedades ancoradas em práticas permite valorizar o

espaço efetivo onde estas transcorrem.

Azais (2009) refere-se às “práticas solidárias”9. Tais práticas operariam no

sentido de gerar não somente bens e serviços, mas também vínculo social. Este tipo de

prática reinseriria a “dimensão relacional” na atividade econômica, “combinando

engajamento social a iniciativa econômica” (FONTAINE & GIRARD apud AZAIS, p.

52). Desse modo, as práticas solidárias - sempre combinadas às representações e

significações - produzem vínculo social no momento mesmo da produção de bens e

serviços por e entre agentes. Nesse ponto a teoria da dádiva contribui para o

aprofundamento empírico e teórico das investigações acerca da natureza dos vínculos

sociais circunscritos a experiências de economia solidária.

Os delineamentos teóricos da teoria da dádiva foram construídos, em grande

medida, pelo Movimento Antiutilitarista em Ciências Sociais (M.A.U.S.S) escola

francesa filiada a tradição teórica de Marcel Mauss. Fundada em 1981, o M.A.U.S.S,

tinha como fundamento a crítica a todo tipo de economicismo, isto é, a tendência de

encarar o homem como sendo, em primeiro plano, um homo oeconomicus, pautado em

ações “utilitaristas”. O antiutilitarismo deste movimento reside na crítica à forma de

pensamento que se tornou hegemônica na ciência econômica – sobretudo em suas

vertentes clássica e neoclássica-, paradigmática nas Ciências Sociais através do

paradigma da escolha racional (Ractional Action Theory – RAT) e mesmo em políticas

econômicas praticadas por Estados (neoliberalismo) (GODBOUT, 2002).

A fundação teórica fulcral do antiutilitarismo encontra-se no célebre Ensaio

sobre a Dádiva, publicado em 1923-24 por Marcel Mauss. O aspecto fundamental

descoberto por Mauss (2003) foi a tríplice obrigação de dar, receber e retribuir,

9Azais (2009), apoiando-se na definição dicionarizada e de Fontaine & Girard, define prática como “toda

atividade em geral, e principalmente aquela que implementa os princípios de uma arte ou de uma ciência

(...) uma maneira de atuar, um procedimento (...)” (p.50).

Page 16: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

16

identificada como um dos fundamentos da vida social de sociedades primevas. A

tríplice obrigação representa uma circulação de reciprocidades (incorporadas em bens,

serviços, rituais, etc.) entre “pessoas morais” (tribos, famílias, etc.) que consiste em

rivalizar (de maneira agonística ou não) níveis de generosidade para com o outro. Neste

aspecto, o que Mauss descobriu, de fato, foi um operador sociológico que engendra

uma específica forma de relacionamento humano, de laço social, fora do âmbito do

contrato ou das trocas mercantis.

A presença do dom – e dos laços que gera – em tempos mais recentes, é

colocado por Mauss: ainda subsiste entre nós, em certos costumes e tradições, a

obrigação (ao mesmo tempo uma liberdade) de retribuir ou dar. O sociólogo francês

Alain Caillé relaciona a dádiva à ação associativa em geral, definindo-a como o

“oferecimento aos outros de um bem ou serviço sem garantia que haverá retribuição,

mas com esperança de que ocorrerá correspondência, situação que pode estabelecer

relações de aliança e de amizade” (CAILLÉ, 2009b, p.103).

A dádiva deve ser entendida como uma tipologia da ação que tenta fugir do

reducionismo analítico explorando diferentes matizes da ação. A dádiva não pode ser

entendida sem uma dimensão simbólica: a ação possui reverberações simbólicas no

vínculo que inicia e mantém; seja confiança, prestígio, lealdade, ou qualquer outro

simbolismo que resgata a noção maussiana de “hau” (do “espírito da coisa”). Enquanto

tipologia da ação, a dádiva se propõe uma teoria pluridimensional (CAILLÉ, 2002b),

comportando quatro móbeis de ação: obrigação-liberdade e interesse (por si)-

desinteresse (interesse pelos outros). O oferecimento da dádiva demonstra uma

disposição em se tomar parte do jogo da associação e da aliança (CAILLÈ, 2002),

intercalando-se entre a manutenção de um endividamento e a liberdade que o doador

pode colocar em ação para atenuar o peso da obrigação de retribuir por parte do

donatário.

Na compreensão de ações associativas a teoria da dádiva possibilita a

compreensão das sociabilidades primária e secundária. Tal aspecto relaciona-se com as

chamadas novas formas de solidariedade que se revestem de uma forma associativa em

prol da resolução de certas problemáticas locais (FRANÇA FILHO, 2002). Estas novas

formas desenvolvem-se na interface da sociabilidade tradicional, própria de um

comunitarismo herdado, emoldurado por relações personalizadas, e da sociabilidade

exigida pela sociedade contratual, onde predomina as funções impessoais. Entretanto,

tais formas não são como as comunidades tradicionais onde predomina a sociabilidade

Page 17: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

17

primária (como uma família ou vizinhança), elas possuem “um registro do tipo

comunitário, no sentido em que este repousa em um princípio de socialização ativa,

deliberada, facultativa e revogável” (CAILLÉ, 2002b, p.197). É o que Godbout (apud

CAILLÉ, 2009) denomina de “dádiva entre estranhos” e Caillé (2002b) de “espaços

públicos primários (ou privados)”.

Esta forma de solidariedade fincada numa associação, na escolha e construção

de um bem comum, facultado, e não imposto pelo costume (FRANÇA FILHO, 2002);

implica em interconhecimento e reciprocidade entre os participantes. Uma das formas

de solidariedade implica em reciprocidade (LECHAT, 2004), neste caso, no

compartilhamento de interesses que resulta na construção conjunta de um bem coletivo

através de vínculos sociais (democráticos) efetivos10

. Este tipo de solidariedade

desenrola-se entre iguais, e corresponde ao que Laville (2001) designa por

“solidariedade democrática”, contrapondo-se a uma “solidariedade filantrópica”,

ocorrida entre desiguais, que coloca a solidariedade num viés caritativo, beneficente,

unilateral, de preservação da paz social e alívio dos pobres.

4 A Cooperativa para Dignidade do Maranhão – CODIGMA: gênese e trajetória

Desde meados do século XIX, socialistas como Louis Blanc e Ferdinand

Lassalle enxergavam no cooperativismo a possibilidade dos trabalhadores (operários,

artífices e camponeses) sobrepujarem as condições de vida e trabalho compelidas pelo

capitalismo (HENDERSON, 1979). De lá pra cá, a economia solidária esteve sempre

muito cogitada como uma opção de superação do capitalismo e, no caso de não chegar

a tanto, tornar-se ao menos uma forma social de produção distinta daquelas encontradas

sob o capital (GAIGER, 2003; SINGER, 2000).

Os germes do projeto da CODIGMA encontram-se em 2007, quando foram

aplicados pelo CDVDH questionários nos bairros de Açailândia11

que, na sua

experiência, possuíam uma maior frequência de pessoas envolvidas com o trabalho

10O que nos leva de encontro a noção de economia plural (LAVILLE, 2002; 2009), entendida como uma

economia que promove a hibridação entre recursos e princípios de diferentes tipos de economia: recurso

mercantil e princípio do mercado (venda ou troca de serviços e/ou produtos), recurso não mercantil e

princípio da redistribuição (recursos angariados através dos poderes públicos e parapúblicos) e recursos

não-mercantil e não-monetário e princípio da reciprocidade (ações de voluntariedade e gratuidade que

dão consistência ao vínculo associativo). A voluntariedade em manter o vínculo social, a gratuidade nas

ações dos membros pode funcionar como um elemento recursivo que atuam no sentido de manter a

comunidade de trabalho acima de tudo. Autores como Laville, Gaiger e França Filho identificam tal

pluralidade de princípios de ação como um dos traços de empreendimentos solidários. 11Pesquisa realizada em parceira com o Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Sociedade (GEPTS) da

Universidade Federal do Maranhão.

Page 18: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

18

escravo. De um universo de 428 famílias investigadas, a equipe do CDVDH identificou

100 pessoas - selecionados de acordo com o nível da renda, se provinham de trabalho

escravo (critério predominante no processo de seleção) ou se tinham algum parente

envolvido com este tipo de prática e, alguns que não tinham passagem pelo trabalho

escravo, mas, na visão dos agentes do CDVDH, estavam em “risco” de incidir, pois não

possuíam inserção formal no mercado de trabalho. Destas 100 pessoas, foram

destacadas 40, que foram os primeiros cooperados.

A finalidade do projeto da CODIGMA consiste em ser uma alternativa de

trabalho e renda para desempregados em situação econômica precária, embora sem a

verve anticapitalista muito encontrada no movimento da economia solidária12

. O

objetivo do CDVDH ao criar um empreendimento solidário é colocá-lo no bojo de

ações de combate a uma forma específica de relação de trabalho, de erradicá-la, pois

nela identificam o ultraje à dignidade e o desrespeito à condição de humanidade dos

trabalhadores envolvidos neste tipo de prática: o chamado trabalho escravo

contemporâneo.

A expectativa para uma cooperativa balizada pelos princípios da economia

solidária, neste caso, é proporcionar tais condições de trabalho e humanidade solapadas

pelas relações de trabalho usualmente encontradas em ocupações relacionadas ao

trabalho escravo contemporâneo. É todo um processo de ressignificação do sentido da

economia solidária operada através dos interesses estratégicos dos membros do

CDVDH, a partir de uma conjuntura social e econômica encontrada no oeste

maranhense; muito embora, geralmente na América latina o conceito de economia

solidária refira-se a experiências de geração de trabalho e renda que possibilitam o

aumento da qualidade vida e participação cidadã (GAIGER, 2012).

A CODIGMA possui três núcleos produtivos: o núcleo de produção de

artefatos de madeira, o núcleo de produção de carvão ecológico, ambos localizados no

mesmo bairro (Vila Ildemar), e o núcleo de produção de artefatos de papel reciclado

localizado num outro (Vila Bom Jardim). Ambos os bairros possuem considerável

número de famílias em situação econômica precária – sendo um dado recorrente,

segundo informações do CDVDH, trabalhadores resgatados em situação de trabalho

escravo provenientes de Açailândia, residir nestes bairros.

12Mesmo porque, a maior parte dos seus cooperados nunca estiveram inseridos numa relação formal de

trabalho, o que certamente prejudica o fomento de uma “mentalidade crítica” diante das relações de

trabalho sob o capitalismo e/ou dos desdobramentos que a crise do mundo do trabalho iniciado na década

de 1970 trouxe para estas mesmas relações.

Page 19: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

19

Por estes núcleos de produção estão distribuídos 16 cooperados: 5 no núcleo

de produção de carvão ecológico, 7 no de produção de artefatos de madeira e 4 no de

produção de artefatos de papel reciclado. Cada um desses núcleos possui seus próprios

cooperados e uma equipe de suporte específica (monitores). Operacionalmente, a

função dos monitores é estabelecer uma relação direta com os clientes e fornecedores e

controlar a gestão interna de cada núcleo produtivo (matéria prima, produção, vendas,

despesas, cooperados, finanças, cuidados com o imóvel e máquinas). A cooperativa

possui ainda um coordenador geral, que se enquadra na mesma perspectiva dos

monitores: gerenciar e executar um plano estratégico de negócios, a fim de garantir a

sustentação do empreendimento. Esta equipe gerencial é mantida pelo CDVDH, que

angaria recursos – através da apresentação do projeto da cooperativa – de fontes

diversas (como PETROBRAS e Catholic Relief Services - entidade norte-americana

ligada a Igreja Católica e filiada a Cáritas Internacional, e que também apóia outras

ações do CDVDH), com a finalidade de proporcionar estabilidade financeira a

CODIGMA.

Quando se trata de uma cooperativa formada por/para populações carentes (de

baixa renda e de baixo nível de escolaridade), como é o caso da CODIGMA, a

existência de um núcleo de assessores internos – ou externos – é reconhecido como um

importante elemento no seu processo de estabilização (SINGER, 2000). Isto porque, de

modo geral, empreendimentos solidários são constituídos por trabalhadores com baixa

escolaridade, que dominam o processo produtivo, mas não estão familiarizados com a

“dimensão empreendedora” que uma empresa solidária comporta, relativa à “gestão dos

fatores produtivos com vistas à realização das metas do empreendimento” (GAIGER,

2007, p.61). Muito embora, no caso aqui analisado, esta característica seja um fator de

irradiação de determinadas indisposições por parte dos cooperados, como mostraremos

mais adiante.

A CODIGMA ainda não tinha alcançado a sua autonomia financeira. Tal

ocorrência mostrou-se patente na dificuldade para manter um capital de giro próprio, e

ter maior autonomia (financeira e administrativa) frente à entidade que lhe fomentou

(CDVDH). Segundo Lima (2009), é recorrente EES desenvolverem uma relação de

dependência com as suas entidades fomentadoras (como ONG`s) ou com redes de

terceirização que muitas vezes estão inseridas. Todos os núcleos produtivos passavam

por dificuldades financeiras, por decorrência da dificuldade em comercializar os seus

produtos no mercado local. Dentre eles, o núcleo de produção de carvão ecológico foi o

Page 20: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

20

que mais sofreu com os percalços financeiros, ficando sem retiradas (para os

cooperados) e mesmo sem produzir durante meses. Tais ocorrências engendraram laços

sociais de reciprocidade com sentidos, como veremos, bem distintos.

4.1 O perfil socioeconômico dos cooperados

Para se compreender as posturas expressas pelos cooperados na realidade

apresentada, e o tipo de envolvimento que desenvolvem com a cooperativa, é salutar

descrever um pouco do perfil sócio-econômico que possuem.

Entrevistamos nove cooperados, dentre os quais oito são mulheres, onde mais

da metade está acima dos quarenta anos, e das quais cinco possuem o ensino

fundamental incompleto e somente dois concluíram o ensino secundário. Entre cinco

cooperados, os pais não freqüentaram escola e entre dois possuíam o ensino

fundamental incompleto. Dos nove entrevistados, sete possuíam pais agricultores, e por

decorrência também tinham trabalhado em ocupações agrícolas (no cultivo de roças).

Cinco cooperados tinham no seu trajeto a passagem por fazendas e carvoarias – o que

na maior parte, com base nos relatos, na condição de trabalho escravo contemporâneo -,

e outros dois atuaram na ocupação de empregada doméstica. A participação na

CODIGMA também representou, para sete dos entrevistados, a primeira oportunidade

de cursar um curso profissionalizante, visto que no início do projeto foram oferecidos,

pelo CDVDH, cursos de iniciação a economia solidária, cooperativismo, técnicas de

reciclagem, e etc.

A maior parte dos cooperados não possui algum tipo de trabalho paralelo –

com a exceção de dois -, o que significa que a cooperativa desempenha um papel

importante na reprodução familiar diária dos mesmos. Tal ocorrência torna ainda mais

aguda as reverberações dos percalços financeiros (vivenciado pelos núcleos produtivos)

no comportamento expresso pelos cooperados aqui analisados.

5 Os desafios à implantação de um empreendimento solidário com egressos de

escravidão contemporânea: potencialidades e debilidades de um modelo de

trabalho

A implantação de uma iniciativa de economia solidária entre pessoas

resgatadas de situação de trabalho degradante e desempregadas corroborou a

dificuldade do processo de incorporação dos seus princípios e modelo de trabalho. Os

primeiros cooperados que formaram a cooperativa foram aqueles que melhor aceitaram

Page 21: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

21

os princípios solidários e proposta cooperativista prevista para a CODIGMA. Segundo

relatos de membros do CDVDH os primeiros cooperados foram aqueles que:

manifestaram interesse de serem cooperados, que compreenderam que eles

seriam auto- gestores daquela cooperativa, e que eles não seriam

empregados daquela cooperativa (...) foi um dos pontos que a gente teve que

batalhar muito, porque eles achavam que a gente estava levando um

emprego pra eles; que íamos contratar eles pra trabalharem (...) Nas nossas

formações foi bastante complicado fazer eles entenderem isso, de que eles

não seriam empregados, que eles seriam auto- gestores (Entrevista,

Educadora social do CDVDH, 25/11/2011)

O exercício da autogestão, conforme trabalhos de estudiosos do tema

(GAIGER, 2003, 2007, 2012; SINGER 2000, 2002; TAUILE, 2002), é sempre

elencada como um elemento indefectível na qualificação de um empreendimento

econômico como solidário. A autogestão ainda é um projeto em construção na

CODIGMA. A “construção” aqui se dá pela equipe de assistência, através do estímulo

diário a tal prática, e mesmo pelo “esclarecimento” da importância do cooperado

exercer funções além das relativas ao processo produtivo da cooperativa.

A gente tenta integrar eles em tudo, né? Todos os passos que vamos dar

tentamos envolver eles: se a gente vai sair pra vender levamos um

[cooperado]; dinheiro de entrada eles estão lá fazendo todas as anotações; só

que eles se limitam demais: ‘ah, não sei fazer isso’,‘ah, não consigo fazer

aquilo, faz tu mesmo’.Mas a gente está sempre tentando inserir eles, porque

queremos que futuramente eles possam dar os passos sozinhos, que a gente

não precise estar lá fazendo o serviço que é pra eles fazerem. Então, é um

serviço devagar, mas a gente está, à medida do tempo, inserindo eles.

(Entrevista, monitora do núcleo de papel, 26/10/2011).

Muitos fatores podem estar ligados a esse lento processo de assimilação da

prática da autogestão pelos cooperados. O primeiro deles pode estar relacionado com os

tipos de trabalho realizados anteriormente pelos membros da CODIGMA que, quando

não eram ocupações relacionadas à super-exploração da mão-de-obra – como em

carvoarias e fazendas -, transcorriam sob uma rotina de trabalho mais rígida, como é o

caso do trabalho de empregada doméstica. Estes trabalhos têm como ponto comum o

fato de que o trabalhador – em geral - somente executa ordens, não compartilhando,

portanto, de uma rotina de trabalho mais dinâmica e imprevisível que normalmente

ocorre num empreendimento econômico.

A necessidade de desenvolver o negócio, como trabalhador e como gestor,

coloca numerosos desafios para o cooperado da CODIGMA, que, de forma semelhante

ao que ocorre em outros empreendimentos da economia solidária, precisa elaborar uma

visão mais abrangente de sua atuação. Como destacou Singer (2002, p.19), “a

autogestão exige um esforço adicional dos trabalhadores na empresa solidária: além de

Page 22: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

22

cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas

gerais da empresa”. Isto porque, ao lado da dimensão solidária, que implica a

cooperação produtiva e autogestão por parte dos sócios, um EES não deixa de estar

relacionado a uma “dimensão empreendedora” (GAIGER, 2007), que implica na

capacidade do empreendimento gerir-se de forma adequada tanto às formalidades

trabalhistas (capacidade de proporcionar férias e remuneração regulares aos sócio-

trabalhadores, por exemplo) quanto as mercantis (visão estratégica para comercializar

os produtos, independência a financiamentos).

Os obstáculos encontrados no processo de incorporação da prática da

autogestão, o que significa um parco envolvimento dos sócios na vida cotidiana do

empreendimento, são colocados como uma das fragilidades presentes em

empreendimentos cooperativos (GAIGER, 2007). Há quem identifique este tipo de

situação tanto com a baixa escolaridade dos sócios, como pela ausência de trabalhos no

histórico dos cooperados que exijam atividades com funções além das produtivo-

operacionais (ALVES; SOARES apud GONÇALVES, 2008; LIMA, 2004), como bem

é o caso da CODIGMA:

Outros fatores contribuem para a falta de participação dos associados: um

deles estaria relacionado à baixa escolaridade da maioria dos trabalhadores;

outro, ao fato de inexistir o hábito de se manifestarem em assembléia, o que

poderia decorrer da reduzida confiança nas suas possibilidades de

intervenção (LIMA, 2004, p.56).

Entretanto, na CODIGMA, a baixa escolaridade dos membros e a ausência de

ocupações em suas trajetórias que exijam atividades além das produtivo-operacionais,

parecem ter contribuído para a dificuldade da incorporação da autogestão, mas em

conjunto com estas o trabalho empírico revelou outras questões interdependentes: as

dificuldades financeiras vivenciadas pela cooperativa (ocasionada, sobretudo, pela

dificuldade em comercializar os produtos no comércio local e pela ausência de capital

de giro), a expectativa ou a concepção de certos cooperados em serem assalariados, e a

própria experiência com o trabalho escravo contemporâneo, enraizado em parte das

trajetórias dos cooperados e da própria cooperativa. Este conjunto de fatores engendrou

na comunidade de trabalho reações, frente às mesmas situações, ambivalentes, onde se

alternam momentos em que se evidencia uma maior incorporação da proposta

autogestionária e cooperativista, ancorada em vínculos de reciprocidade que atuam no

sentido de manter um bem coletivo, e outros em que a reciprocidade é solapada por

Page 23: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

23

interesses economicistas, fruto da dependência material dos cooperados em relação ao

empreendimento – e uma baixa incorporação dos princípios solidários.

Em nosso caso encontramos uma situação emblemática sobre a baixa

incorporação da prática da autogestão por parte – de alguns13

– dos associados da

CODIGMA: os cooperados do núcleo de produção de carvão ecológico, por

decorrência da dificuldade de venda do carvão no mercado local e estagnação pela qual

estavam passando, trataram de organizar uma espécie de “movimento grevista”, algo

que – idealmente - deveria ser inconcebível em se tratando de um empreendimento

econômico solidário. A proposta de realização da “greve” foi explicada dessa forma por

um dos cooperados:

P. No momento o núcleo está produzindo?

R. Não... aquela que estava aqui [cooperada entrevistada anteriormente] fez

a parceria com nós pra gente parar até receber algum tostão, algum

dinheirinho.

P. Aí vocês combinaram de não produzir enquanto não...

R. Enquanto a gente não receber.

P. Então não teve produção essa semana?

R. Não, teve não.(Mª da Graça, cooperada do núcleo de carvão ecológico,

25/10/2011).

Além da dificuldade em conceber a nova situação trabalhista vivida – como

autogestores do empreendimento - a proposta de realização da “greve” deve ser

considerada como uma resposta, lançada por alguns cooperados, à situação de extrema

dificuldade a consecução da sua reprodução econômico-social.

Aqui, primeiro a gente ganhava até um dinheirinho, uns R$ 400/300 reais a

gente tirava, às vezes tirava mais. Mas só que agora, este ano aqui, tá uma

coisa muito complicada pra nós, porque nem o carvão não tá saindo; não tá

saindo de jeito nenhum, nós estamos com dois meses que não sai um saco de

carvão. E o carvão tá aí, como você pode ver, dentro do depósito, ali na

estufa; não saiu ainda um carvão. Aí nós estamos sem ganhar nada

(Aldenora, cooperada do núcleo de carvão ecológico, 25/10/2011).

Isto demonstra como os “elementos culturais presentes no assalariamento (...)”

podem dificultar a “compreensão de uma proposta autogestionária” (LIMA, 2004,

p.54). Perante a este tipo de situação, foi possível notar uma disparidade entre a forma

como estavam incorporados, pelos membros do CDVDH, os princípios da economia

solidária, assim como a estrutura de funcionamento de uma cooperativa, e o modo

como estava assimilado pelos cooperados, que pareciam ainda carecer de uma melhor

adaptação à lógica que está implicada neste tipo de empreendimento. Ainda que fosse

13De alguns cooperados, pois outros já assumiam cargos da gestão da cooperativa (tesoureiro e

secretário), sobretudo do núcleo de produção de artefatos de madeira – o núcleo que na trajetória da

cooperativa possui uma melhor estabilidade financeira.

Page 24: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

24

possível encontrar alguns cooperados com um maior nível de compreensão da proposta

cooperativista:

Eu comecei a trabalhar aqui, até mesmo a conhecer as coisas: que a gente

trabalhava cooperado, que a manutenção daqui tinha que ser participado

pelas pessoas; todo rendimento daqui de dentro tinha que ser dividido com

as coisas: se fosse faltar uma peça, uma máquina,se fosse pro negócio da

fécula, da muinha [matérias-primas do carvão ecológico], tudo em quanto, a

gente tinha que cooperar, porque é cooperativa (Mª das Dores cooperada do

núcleo de carvão ecológico, 25/10/2011).

A constante fragilidade financeira dos núcleos de produção, que leva muitos

cooperados a abandonarem a cooperativa em busca de alternativas de trabalho com um

retorno financeiro mais imediato, representa uma constante e também uma das maiores

dificuldades enfrentada pela CODIGMA. Além da dificuldade em manter os

cooperados no período dos cursos de qualificação, a situação de escassez financeira e

retorno de benefícios somente a médio/longo prazo, ocasiona, desde o preâmbulo da

cooperativa, no retorno de alguns cooperados a atividades associadas ao trabalho

escravo contemporâneo.

(...) uma das grandes dificuldades que encontramos era que as pessoas

precisavam de um apoio financeiro imediato, pois até que eles fossem

aprender a se qualificar e receber algo do próprio projeto, geraria um tempo.

Como não houve um apoio [financeiro] imediato ficava difícil de se manter

no projeto; houve casos em que eles voltaram [para uma situação de

trabalho escravo]... como o projeto não tinha condição de mantê-los... ele

não tem como ficar 3 meses, 6 meses aqui na cidade sem receber uma bolsa

(Entrevista, assessor jurídico do CDVDH, 12/07/2011).

Em grande medida, a própria compreensão e incorporação dos princípios

solidários estão, no caso aqui apresentado, relacionados à experiência de alguns

membros na prática do trabalho escravo. Esta ocorrência nos fez buscar compreender a

possibilidade de existir algum tipo de nexo entre a rotina de trabalho na cooperativa, e

aquela vivenciada em fazendas/carvoarias. Neste sentido, a noção de humanização do

trabalho, presente na literatura especializada em economia solidária, fez-se relevante. A

questão da autogestão é bastante relacionada a uma forma de humanização das relações

de trabalho. A humanização das relações de trabalho se realizaria

porque a economia solidária melhora para o cooperador as condições de

trabalho, mesmo quando estas continuam deixando muito a desejar. Afinal

de contas, assumir o poder de participar das decisões e portanto de estar

informado a respeito do que acontece e que opções existem é um passo

importante para redenção humana do trabalhador (SINGER, 2000, p.18).

Argumento semelhante é encontrado em Gaiger (2007, p.57):

(...) embora limites e debilidades sejam identificados nessas experiências, é

perceptível sua tendência geral a realizarem os seus fins, de preservação da

Page 25: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

25

vida em condições dignas, através da participação democrática e da

reciprocidade.

De acordo com esses autores, a possibilidade dos trabalhadores participarem

mais ativamente na vida da empresa, além de estarem no controle dos seus próprios

meios de produção, proporcionaria “uma experiência integral de vida laboral e ascende

a um novo patamar de satisfação, de atendimento a aspirações não apenas materiais ou

monetárias” (GAIGER, 2003, p.27). Este aspecto de humanização que existiria em EES

serve para corroborar a contraposição – e o cotejamento - entre empresa solidária e

empresa capitalista, com a idéia de que “nesta, o capital emprega o trabalho; naqueles

[EES], os trabalhadores empregam o capital” (ibidem, p.27).

Mesmo que na CODIGMA a autogestão esteja em processo de construção, é

possível identificar de algumas formas o aspecto da “humanização”, sobretudo se nos

ativermos à questão do trabalho escravo que está enraizado na sua existência. Quando o

núcleo de produção de carvão ecológico esteve parado durante seis meses em 2011,

dois dos seus cooperados, que já tinham passagem por trabalho em carvoaria,

retornaram para esse tipo de ocupação como uma forma de assegurar o sustento da sua

família – um dos cooperados foi trabalhar em Rondon no estado do Pará e outra no

próprio município de Açailândia. Quando o núcleo de carvão foi reativado através de

recursos angariados pelo CDVDH, estes cooperados retornaram para as suas atividades

na cooperativa:

P. Porque tu retornaste pra CODIGMA?

R. É porque eu achei que aqui era melhor pra mim porque ficava perto da

família; porque eu saia e passava um mês fora e a família aqui... A mulher

gestante ficava longe sem saber o telefone, sem nada... Nem meio de

comunicação a gente tem lá onde trabalha [na carvoaria]; geralmente tem

uns lá com celular, mas eles não liberam ninguém para fazer a ligação (...)

(Carlitos, cooperado do núcleo de carvão ecológico, 25/10/2011).

O motivo para a outra cooperada ter retornado para a CODIGMA é

semelhante: “Ah, porque aqui fica perto de casa, né? Quando a gente fica perto da casa

da gente é bom, que toda hora a gente sai de casa, na hora do almoço é bem pertinho”,

e complementa:

Aqui só é melhor porque têm os horários livres, ninguém fica mandando; a

gente mesmo faz as obrigações da gente (...) Na “carvoeira” [carvoaria] tem

a vantagem porque (...) ganha mais (...) [aqui] o problema é só esse negócio

da venda do carvão (Aldenora, cooperada do núcleo de carvão ecológico,

25/10/2011).

Estes cooperados escolheram voltar para a CODIGMA, mesmo sabendo das

suas restrições financeiras; mas, ainda sim, parecem identificar um maior bem estar e

Page 26: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

26

melhores condições de trabalho na cooperativa. Conforme os relatos, este bem estar e

qualidade nas condições de trabalho alegado pelos cooperados, pode-se supor,

relaciona-se com o fato característico de manifestações da economia solidária buscar

sempre enraizarem-se nas comunidades de origem dos seus cooperados (SANTANA

JR., 2009), possibilitando uma integração com a realidade local do cooperado; o que

não se fazia possível nos trabalhos em carvoarias ou fazendas, sempre distantes do

domicílio. Ao mesmo tempo, as condições – de humanização do trabalho - favorecidas

pelo esforço de construção da autogestão na cooperativa - possibilidade de gestão da

rotina de trabalho, poder de decisão nas mãos dos sócios -, ganharam aqui um

significado particular para os cooperados por conta do contraste estabelecido com a

rotina de trabalho vivenciada nas carvoarias:

Só no bem estar da pessoa ficar perto de casa, tem um horário da gente

chegar e (...) sair daqui; almoça na hora que a gente quer; e lá [na carvoaria]

tem que ter o horário certo do café, do almoço e da janta, nem na cozinha

você pode ir pedir um café. E aqui não, se a gente quiser trazer a garrafa de

café a gente traz, que não tem problema. Se quiser parar: ‘vamos trabalha

só até meio dia, à tarde nós não vamos trabalhar’. E lá [na carvoaria] não,

se você parar à tarde [ou] na hora da janta eles vão logo descontar da janta,

se você não trabalhar eles descontam (...) (Carlitos, monitor do núcleo de

carvão ecológico, 25/10/2011).

A relação que tais empreendimentos buscam com o seu entorno comunitário,

vincula-se com a possibilidade de experiências de economia solidária propiciar a

superação não apenas da pauperização econômica, mas também cultural e política14

(GAIGER, 2012). Para alguns membros, o trabalho na CODIGMA representa uma

forma de abrangerem os seus conhecimentos, de alcançarem coisas positivas que nem

imaginavam que existiam, e tampouco que podiam vir a possuir.

P. O que mudou na tua vida depois que tu entraste aqui na cooperativa?

R. (...) já muda porque a gente deixa de viver presa dentro de casa, já tem

alguma coisa pra gente pensar mais na frente, aprender mais; porque sempre

quando a gente sai de casa a gente aprende alguma coisa a mais (...) Tem

muita coisa que eu nem imaginava na minha vida, que eu já fiz, já aprendi.

Se eu for fazer eu já sei fazer, ou seja, já muda alguma coisa na vida da

gente (Antonia Lebre, cooperada do núcleo de papel reciclado, 26/10/2011).

Outra cooperada apresenta uma estima semelhante pelo aprendizado

propiciado pelo trabalho na cooperativa:

Mudou porque (...) me deu um pouco mais de “profissão”. Mudou mais

porque eu não sabia de nada. [A cooperada descreve o processo de

reciclagem do papel]: reciclar o papel, selecionar ele todinho, botar de

molho, passar no liquidificador, aí nós vamos enchendo as telas e botando no

14Abordagens que buscam explorar o caráter antropológico de iniciativas de economia solidária - via

etnografia - enxergam nestas experiências um universo simbólico onde convergem diferentes aspectos da

vida social, conformando-se numa espécie de “fato social total” (GONÇALVES, 2008).

Page 27: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

27

sol. Aprendi o que eu não sabia (...) aqui na cooperativa (Joana, cooperada

do núcleo de papel reciclado, 26/10/2011).

Contudo, os percalços financeiros vivenciados pela cooperativa somada ao

próprio fato do trabalho análogo ao escravo funcionar como um parâmetro pré-

existente – neste caso, negativo – de trabalho, acabou por criar obstáculos para uma

maior assimilação dos princípios solidários por parte dos seus cooperados. A reação

dos cooperados frente à complicada situação financeira vivenciada pela cooperativa

variou entre aqueles que demonstraram descontentamento e incredulidade, como o

“movimento grevista” anteriormente relatado, e entre situações em que predominou a

solidariedade e o fortalecimento de laços de reciprocidade a fim de conservarem a

comunidade de trabalho. As reações que demonstravam descontentamento

contradiziam o próprio propósito de geração de renda e trabalho digno presentes no

projeto da CODIGMA, pois identificavam precarização em condições de trabalho

presentes na cooperativa, por decorrência da ausência de retiradas:

Aqui só é bom porque a gente tem as amigas que trabalham aqui; o serviço

não é pesado (...) só que é escravizado igual [a carvoaria], assim sobre... [o

ponto de não receber um pagamento certo]. Na carvoaria a gente passa de

dois a três meses sem receber, né? Aqui também é do mesmo jeito. Do

mesmo jeito... Aqui a gente só trabalha, só trabalha e nada (...) (Mª da Graça,

cooperada do núcleo de carvão ecológico, 25/10/2011).

O fato da criação da cooperativa não ser fruto da expressão da deliberação

voluntária dos cooperados para se associar, sendo, inclusive, apontada como possível

motivo para a débil assimilação da prática da autogestão, não implica dizer que

posturas de voluntariedade, expressas por laços sociais de reciprocidade entre os

cooperados, não exista. No caso da CODIGMA, a voluntariedade manifesta-se por

outras vias, e nos permitem uma melhor compreensão da natureza dos laços tecidos na

comunidade de trabalho. Ao lado da situação dos cooperados que optaram por retornar

da carvoaria para a cooperativa, mesmo sabendo que ganhariam menos, está o caso de

membros que continuaram como cooperados, com certa boa vontade e ânimo em

relação ao futuro do empreendimento, mesmo quando suas retiradas eram parcas ou

mesmo inexistentes. As dificuldades financeiras provocaram diferentes reações nos

cooperados, sendo possível identificar certa gratuidade e doação nas ações de alguns,

próprias da reciprocidade passível de existir em empreendimentos solidários, e que dão

consistência a ação associativa (CAILLÉ, 2002b).

Uma cooperada expressou bem esse tipo de comportamento:

Quando eu entrei aqui tinham 22 pessoas. Só que essas pessoas foram

desistindo devido ao ganho que era pouco (...) As pessoas que hoje estão

Page 28: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

28

trabalhando aqui estão querendo que um dia isso aqui fique melhor, tenha

um futuro melhor(...) A gente trabalha, mas é pelejando para que isso aqui

se levante, nunca caia. A gente já trabalhou muito tempo com produção sem

ganhar nada, a gente trabalhando só pra comprar material (...) (Eleonora,

cooperada do núcleo de artefatos de madeira, 25/10/2011).

O que se pode notar através deste fragmento é a existência de um engajamento

entre alguns cooperados, sobretudo do núcleo de produção de artefatos madeira, não

somente com a sua reprodução diária, mas com um compromisso direcionado a própria

existência da cooperativa. Neste caso, as dificuldades financeiras pelas quais passa a

cooperativa engendraram um comportamento voluntário entre os cooperados, em que

os laços sociais sobrepujaram os aspectos econômicos, mesmo sendo adversos. O

esforço para a manutenção dos vínculos de reciprocidade, que significa o próprio

esforço para manter a comunidade de trabalho, apresenta um caráter recursivo, na

medida em que as práticas de entreajuda entre os cooperados operaram como fator

determinante para a continuidade da cooperativa, ao lado das vendas dos produtos no

mercado, e do apoio do CDVDH através de assistência gerencial e, eventualmente,

financeira.

Tais ocorrências nos levam a perceber a ambivalência de posturas que uma

desfavorável situação financeira que se impõe causa, assim como a pluralidade de

princípios e recursos econômicos (princípio da reciprocidade, recurso não-monetário),

próprio do que se denomina economia plural (LAVILLE, 2002), operacionalizados

através da dádiva e gratuidade presente nas ações dos membros, e que contribuem para

alargar os princípios e recursos (mercantil e monetário) usualmente utilizados em

atividades econômicas.

Considerações finais

A situação financeira que se impõe ocasionou reações ambivalentes entre os

cooperados. As dificuldades financeiras que se impunham foram, por si mesmas, fruto

de aspectos negativos relacionados ao modelo de trabalho da economia soldaria: a falta

de capital de giro e a dificuldade de comercialização no mercado capitalista

predominante – e não em circuitos (solidários) próprios -, gerou comportamentos que

incorporavam descontentamento e incredulidade dos cooperados acerca da cooperativa

e do modelo de trabalho que esta buscava seguir. O “movimento grevista” não é

meramente o reflexo duma débil assimilação dos princípios solidários, mas também

Page 29: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

29

uma resposta dos cooperados a dificuldade de garantir a sua própria reprodução social

diária.

De outro modo, estes mesmos percalços financeiros irradiaram reações que

expressavam uma das maiores positividades atribuídas à economia solidária: a

possibilidade de superação do homo oeconomicus utilitarista, no momento em que as

repostas às adversidades econômicas materializaram-se através de laços sociais de

reciprocidade entre os membros, que compartilharam (e agiram em benefício de)

interesses maiores que os individuais.

O enraizamento do trabalho escravo contemporâneo em parte das trajetórias

dos cooperados, e no próprio bojo de ações do CDVDH, corroborou para o processo de

(re)significação da experiência da cooperativa e, acima de tudo, dos próprios princípios

e modelo de trabalho da economia solidária. O que demonstra a capacidade de

diferentes agendas e estratégias político-sociais confluir em torno da ideia de economia

solidária (GAIGER, 2012).

Nestes tipos de situações extremas, que atingiam a própria subsistência dos

cooperados, certas debilidades do modelo de trabalho da economia solidária

identificadas por autores brasileiros, evidenciaram-se na pesquisa empírica. Entretanto,

conforme apresentado, em meio a um dos problemas apontados por esta literatura para

a existência de tais fragilidades, a questão da tutela a que tais empreendimentos muitas

vezes dependem, quando envolvem populações carentes e de baixa escolaridade, pôde-

se identificar um dos aspectos sociais mais singulares e tratados como positivos em tais

experiências: a existência de momentos em que vêm à tona a voluntariedade e

gratuidade recíproca, uma solidariedade construída entre os cooperados através de laços

sociais concretos que se tornaram recursivos para salvaguardar um bem maior: a

comunidade de trabalho que é a cooperativa. Para além das condições objetivas que

conformou a noção de economia solidária no Brasil, e todo o contexto socioeconômico

do município de Açailândia que levou ao surgimento da CODIGMA, e mesmo dos

motivos que impulsionaram os cooperados a participarem do empreendimento (em

geral em busca de renda), os princípios e modelo de trabalho da economia solidária

passaram a ganhar sentido e significado para os agentes envolvidos através do

desenvolvimento de suas subjetividades concretizadas nas suas práticas cotidianas.

Page 30: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

30

Referências

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a

centralidade do trabalho. 10º Ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora

Universidade Estadual de Campinas, 2005.

AZAIS, Christian. Economia solidária ou práticas solidárias? Um questionamento a

partir da sociologia econômica. In: MONDADORE, A. P. C; PEDROSO NETO, A. J;

LEITE, E. S, et. al., (Orgs). Sociologia econômica e das finanças: um projeto em

construção. São Carlos: Edufscar, 2009.

BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: BOURDIEU, P. O

poder simbólico. 3° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

_____. O senso prático. Petropólis, RJ: Vozes. 2011.

CAILLÉ, Alain. Antropologia do dom: o terceiro paradigma. Petrópolis, RJ: Vozes,

2002a.

______. Dádiva e associação. In: MARTINS, Paulo Henrique (org.). A dádiva entre os

modernos: discussão sobre os fundamentos e as regras do social. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2002b.

______. Dádiva. In: LAVILLE, J. L; CATTANI, A. D. et al. (orgs). Dicionário

internacional da outra economia. Coimbra: Edições Almedina. 2009.

______. Antiutilitarismo. In: LAVILLE, J. L; CATTANI, A. D. et al. (orgs).

Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Edições Almedina. 2009.

CARVALHO DA SILVA, Fabrícia. O Enfrentamento ao trabalho escravo na

Amazônia Maranhense: uma análise da atuação do CDVDH/CB no município de

Açailândia/Ma. Dissertação de mestrado. (mestrado em Serviço Social). Universidade

Federal do Pará. Belém, 2013.

CASTANHEIRA, E. M; PEREIRA, J. R. Ação coletiva no âmbito da economia

solidária e autogestão. Revista Katál. Florianópolis, v.11, n.1, p.116-122, jan-jun.,

2008.

CASTRO, B. A autogestão na economia solidária de Paul Singer e a retórica do

empreendedorismo. In: ARAÚJO, A. M. C; OLIVEIRA, R. V de. Formas de trabalho

no capitalismo atual: condição precária e possibilidades de reinvenção. São Paulo:

AnnaBlume, 2011.

EMERSON, Robert M.; FRETZ, Rachel I. and SHAW, Linda L. Prendre des notes de

terrain. Rendre compte des significations des members. In: CEFAI, Daniel. L’

engagement ethnographique. Paris: Editions EHESS, 2010, p. 129-168.

ESTERCI, N. Escravos da desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da força de

trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI: Koinonia, 1994.

Page 31: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

31

FRANÇA FILHO, G. C. Terceiro setor, economia solidária e economia popular:

traçando fronteiras conceituais. Bahia Análise & Dados. Salvador, SEI, v. 12, n. 1, p.

9-19, jun. 2002..

GAIGER, L. I. A economia solidária diante do modo de produção capitalista. Caderno

CRH, Salvador, n. 39, p. 181-211 – jul/dez. 2003. Disponível em:

http://www.cadernocrh.ufba.br/viewarticle.php?id=171. Acesso em 15 mai. 2012.

______. A outra racionalidade da economia solidária. Conclusões do primeiro

Mapeamento nacional no Brasil. Revista crítica de Ciências Sociais, n. 79, p.57-77,

2007.

______. Por um olhar inverso: prismas e questões de pesquisa sobre a economia

solidária. Revista Sociedade e Estado. v. 27, n. 2, maio-agosto, 2012.

GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade, São Paulo: WMF Martins Fontes,

2009.

GODBOUT, Jacques. Homo donator versus homo oeconomicus. In: MARTINS, Paulo

Henrique (org.). A dádiva entre os modernos: discussão sobre os fundamentos e as

regras do social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002b.

GONÇALVES, A. F. Experiências em economia solidária e seus múltiplos sentidos.

Revista Katál. Florianópolis, v.11, n.1, p.132-142, jan-jun., 2008.

LAVILLE, J. L; GAIGER, L. I. Economia Solidária. In:______; CATTANI, A. D. et

al. (orgs). Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Edições Almedina.

2009

______. A economia solidária: um movimento internacional. Revista Crítica de

Ciências Sociais, 84, p.7-47, março, 2009.

______. Fato associativo e economia solidária. Bahia Análise & Dados, SEI, v. 12, n.

1, p.25-34, jun, 2002.

LECHAT, N. M. P. Economia social, economia solidária, terceiro setor: do que se

trata? Revista de Ciências Sociais, Civitas, n. 1, Ano 2, p.123-140, jun., 2002. ,

Campinas, 2004.

______. Trajetórias intelectuais e o campo da economia solidária no Brasil. Tese

de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências

humanas

LENOIR, R. Objeto sociológico e problema social. In: CHAMPAGNE, P. et

al. Iniciação à prática sociológica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

LÉVESQUE, B. Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do

desenvolvimento sustentável: elementos teóricos de sociologia econômica e

socioeconomia. Política & Sociedade, n. 14, p. 107-144, 2009.

Page 32: DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e ... · 1 DA CONSTRUÇÃO SOCIAL ÀS PRÁTICAS: (re) significação e incorporação da economia solidária em uma cooperativa

32

LIMA, Jacob C. O trabalho autogestionário em cooperativas de produção: o paradigma

revisitado. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, nº 56, p. 45-62, 2004.

______. Os trabalhadores e as cooperativas: alguns dilemas. In: MONDADORE, A. P.

C; PEDROSO NETO, A. J; LEITE, E. S, et. al., (Orgs). Sociologia econômica e das

finanças: um projeto em construção. São Carlos: Edufscar, 2009.

MASCARELLO, M. L. A economia solidária no Brasil: do contexto de origem aos

significados da expansão. In: XIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de

estudos do Trabalho (ABET), 2013, Curitiba, PR. Anais, Curitiba, PR. 2013. p. 35-

61.

MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades

arcaicas. In: ______. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosa Naify, 2003.

MOURA, Flávia A. Escravos da Precisão: economia familiar e estratégias de

sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó (Ma). 2006. Dissertação (Mestrado

em Ciências Sociais)-Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2006.

POCHMANN, Marcio. Economia solidária no Brasil: possibilidades e limites. In:

Mercado e Trabalho – nota técnica IPEA. 2004, p. 23-33.

SANTANA JUNIOR, G. Problematizando a economia solidária. In: MONDADORE,

A. P. C; PEDROSO NETO, A. J; LEITE, E. S, et. al., (Orgs). Sociologia econômica e

das finanças: um projeto em construção. São Carlos: Edufscar, 2009.

SINGER, P. Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In: ______;

SOUZA, A. R. A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao

desemprego. São Paulo: Contexto. 2000.

______. Fundamentos. In: Singer, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo:

Ed. Fundação Perseu Abramo, 2002, Capítulo 1, p.7-23.

STEINER, P. A sociologia econômica. São Paulo: Atlas, 2006.

TAUILE, J. R. Do socialismo de mercado à economia solidária. Revista Economia

Contemporânea. Rio de Janeiro, 6 (1): 107-122. jan/jun, 2002.