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1 CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI APOSTILA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL ESPIRITO SANTO

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI

APOSTILA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

ESPIRITO SANTO

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PRINCIPIOLOGIA CONTRATUAL

http://revistadireito.com/wp-content/uploads/2013/03/1296233627116_509.jpg

1.1. Princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt

servanda)

Este princípio traduz a ideia de que o contrato é de observância

obrigatória pelas partes. Esta ideia já teve seus tempos de absolutismo, que

foram desfeitos ao longo do século XX.

Obs.: este princípio encontra-se mitigado pela denominada teoria da

imprevisão.

1.2. Princípio da equivalência material

Este princípio sustenta o necessário equilíbrio entre as partes do contrato.

Todo contrato deve assegurar justiça entre as relações pactuadas.

Isto não quer dizer que uma das partes não pode fazer um mal negócio.

Impede que uma das partes assuma obrigação excessivamente onerosa.

Este princípio tem reflexo no enunciado 22 da I Jornada de Direito Civil.

1.3. Princípio da autonomia privada

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A autonomia privada foi primeiramente estudada pela escola jus

naturalística, traduzindo a ideia de que cada homem pode dispor livremente de

suas ações.

No âmbito do direito contratual, a autonomia privada traduz a liberdade

contratual, condicionada a princípios de índole constitucional. Ela não é uma

autonomia absoluta.

Sempre haverá margem de autonomia, ainda que seja para aderir ou não

ao que foi proposto.

1.4. Princípio da relatividade dos efeitos do contrato

http://concursospublicos.primecursos.com.br/arquivos/uploads/2014/03/direito-

processual-civil-dc.jpg

Segundo este princípio, um contrato só deve repercutir juridicamente

entre as próprias partes contratantes.

O CC brasileiro não traz um dispositivo específico para este princípio,

diferentemente dos códigos italiano, espanhol e francês.

Este princípio também é mitigado, excepcionado. Ex.: seguro de vida

(estipulação em favor de terceiro), contrato com pessoa a declarar (Luiz Roldão

de Freitas se dedicou a esta figura).

Obs.: contrato com pessoa a declarar é uma promessa de fato de terceira

regulada a partir do artigo 467, CC.

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Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes

reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e

assumir as obrigações dele decorrentes.

A moderna doutrina (Judith Martins-Costa, Antônio Junqueira de

Azevedo) tem sustentado ainda a mitigação deste princípio da relatividade

argumentando que todo contrato firmado entre as partes é dotado de uma

tutela externa, no plano da eticidade, para impedir intervenção desleal de

terceiro.

Ler texto de Judith Martins-Costa sobre o caso de Zeca

Pagodinho – disponibilizado no site do TJ de Rondônia

(http://www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2004/ABRIL/0704/ARTIGOS/A01.htm)

http://aaapucrio.com.br/wp-content/uploads/Direito-Processual-Civil1.jpg

1.5. Princípio da função social do contrato

Um conceito aberto traduz simplesmente um preceito normativo vago ou

indeterminado, a ser preenchido pelo juiz do caso concreto. Ex.: justa causa,

atividade de risco etc.

Já a cláusula geral, além de conter um conceito aberto, traduz uma

disposição normativa de observância obrigatória no exercício da atividade

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judicial. É mais do que um conceito aberto. Ela tem um Plus: traz no seu bojo

uma espécie de munição, traduz uma disposição normativa impositiva ao juiz,

traduz ao juiz um preceito normativo cogente. A cláusula geral dirige a

atividade do juiz. Ela traz um comando normativo ao juiz. Ex.: função social,

boa-fé objetiva.

O princípio da função social tem base no art. 170 da CF, que consagrou

uma ordem social harmônica, visando a evitar abuso de poder econômico.

Giselda Hironaka escreveu que a noção de função social é antiga, mas

não se pode confundir o princípio da função social com a ideia de interesse do

estad. Atender ao princípio da função social não significa atender ao interesse

do estado. O interesse da sociedade não se confunde com o interesse do

estado.

Atender à função social é respeitar valores socialmente objetivados.

A função social, cláusula geral de natureza princípio lógica, atua

como fator limitativo da autonomia privada, nos planos interno e externo

da relação contratual, conforme o artigo 421 do CC brasileiro.

No plano interno, a função social se projeta não só para determinar o

equilíbrio contratual, mas também para impor a lealdade recíproca entre os

contratantes.

No plano externo, a função social incide na interface existente entre o

contrato e a própria sociedade. Ex.: um contrato foi celebrado para instalação

de uma fábrica (contrato de engineering) e ele está violando o meio ambiente.

Neste caso, ele está violando a função social no âmbito externo.

1.6. Princípio da boa-fé objetiva

Roma é a matriz da boa-fé, quando tratou da noção de ética individual.

Mas quem construiu a noção boa-fé objetiva foram os alemães.

A noção de boa-fé objetiva, embora com raiz no direito romano, foi

desenvolvida pelo CC alemão (§ 242, BGB). Os alemães recepcionaram e

reconstruíram o direito Romano, consagrando a boa-fé objetiva como regra.

Eles transformaram a boa-fé em uma regra de conduta, objetivaram a boa-fé.

Os alemães utilizaram a expressão “treu und glauben” para se referir à

boa-fé objetiva.

Qual é a diferença entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva?

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A boa-fé subjetiva traduz um estado psicológico de inocência ou

desconhecimento. Quando se diz “o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos

colhidos”, refere-se à boa-fé subjetiva.

A boa-fé objetiva não é meramente psicológica.

A boa-fé objetiva, cláusula geral de natureza principiológica, baseada no

art. 422 do CC, traduz uma regra de conteúdo ético e exigibilidade jurídica. As

partes devem observar em todo e qualquer contrato, quer ela esteja implícita

ou explícita.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão

do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Antônio Menezes Cordeiro, grande teórico da matéria, anota a existência

de funções da boa-fé objetiva:

A) Função interpretativa – orienta a interpretação do juiz.

B) Função delimitativa da autonomia privada

C) Função constitutiva de deveres anexos ou colaterais ou de

proteção – são deveres implícitos de conteúdo ético e exigibilidade jurídica,

tão importantes quanto o dever principal. Eles estão presentes em qualquer

contrato. Ex.: (1) dever de assistência, (2) dever de sigilo ou de

confidencialidade, (3) dever de informação.

Obs.: o descumprimento desses deveres anexos reveste-se de tamanha

gravidade que a doutrina, em tal caso (violação positiva do contrato), tem

sustentado a responsabilidade civil objetiva do infrator (enunciado 24 da I

Jornada de Direito Civil).

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http://www.iped.com.br/img/cursos/24244.jpg

Crítica ao art. 422, CC – a norma diz que o princípio da boa-fé objetiva

deve ser observado durante a conclusão e a execução do contrato. A doutrina

sustenta que a regra disse menos do que deveria, pois, a boa-fé objetiva incide

também nas fases pré e pós-contratual.

Na fase pré-contratual, a depender da casuística, é possível causar no

outro uma legítima expectativa de contratar, causando danos a ele, caso seja

descumprida.

Ex.: caso dos tomates no sul do país – empresas que todos os anos

compravam a safra de tomates de determinados produtores, em determinado

ano, deixou de comprar, sob o fundamento de que não haviam assinado

nenhum contrato.

Os desembargadores entenderam que, neste caso, houve quebra da boa-

fé objetiva.

Pós-eficácia objetiva da obrigação traduz a ideia de que mesmo após

consumada a relação obrigacional, efeitos jurídicos podem persistir,

especialmente no campo da eticidade. Em suma, significa a aplicação do

princípio da boa-fé objetiva pós-contratual. Ex.: um sócio que se retira da

sociedade não pode divulgar segredo da empresa onde trabalhava, pois isto

representa quebra do princípio da boa-fé objetiva pós-contratual.

2. TEORIA DA IMPREVISÃO

2.1. Breve histórico

Tem previsão na lei 48 do Código de Hamurabi. Outra fonte histórica da

teoria da imprevisão é a cláusula rebus sic stantibus, do Direito Canônico. Esta

foi à fonte histórica mais significativa. Ela ficou séculos esquecida. Por conta da

deflagração da I Guerra Mundial, a jurisprudência francesa sentiu a

necessidade de buscar fundamento para revisão do contrato. A partir daí, no

começo do século XX, surge na França a Teoria da Imprevisão.

2.2. Conceito

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A teoria da imprevisão é a doutrina que justifica a revisão ou a resolução

do contrato, caso acontecimento superveniente e imprevisível desequilibre a

base econômica do negócio, impondo a uma das partes obrigação

excessivamente onerosa.

Só há interesse em invocar esta teoria em contratos que tenham uma

execução a médio ou longo prazo.

Obs.: Não se pode confundir lesão, vício invalidante do negócio jurídico,

que nasce com o próprio contrato, com a teoria da imprevisão. Isso porque,

esta última pressupõe um contrato que nasce válido e se desequilibra depois.

Além disso, a teoria da imprevisão não pretende invalidar nada, apenas resolve

ou revisa o contrato.

2.3. Requisitos

Fundamentalmente três são os elementos da Teoria da Imprevisão:

a. Superveniência de acontecimentos imprevisível;

b. Alteração da base econômica do negócio;

c. Onerosidade excessiva experimentada por uma das partes.

Obs.: teoricamente, isso não significa que a outra parte tenha de

experimentar vantagem exagerada ou enriquecimento sem causa.

O CDC, em seu artigo 6º, V, ao tratar desta teoria, para facilitar a defesa

do consumidor, dispensa o requisito da imprevisibilidade, por isso, denomina-

se apenas teoria da onerosidade excessiva.

2.4. Previsão legal

O CC, mantendo o requisito da imprevisibilidade do acontecimento, regula

a matéria nos arts. 317 e 478 e ss.

O art. 317 permite uma aplicação mais específica da teoria da imprevisão,

com o propósito de permitir ao juiz corrigir o valor da prestação de um contrato.

Já o art. 478 é mais abrangente, permitindo revisão mais ampla do contrato ou

até mesmo a sua resolução.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção

manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução,

poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto

possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a

prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema

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vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e

imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da

sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar

equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das

partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o

modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

O art. 478 trouxe expressão desnecessária: “com extrema vantagem para

outra”.

Obs.: visando aprimorar a interpretação do art. 478, o enunciado 365 da

IV Jornada sustenta que o requisito da extrema vantagem é meramente

acidental, ou seja, pode existir ou não.

À luz do princípio da função social do contrato, o juiz não está adstrito ou

condicionado à vontade do réu, nos termos do art. 479, para efeito de revisar o

contrato. Mesmo que a outra parte não queira revisar, o juiz pode, aplicando a

teoria da revisão fazê-lo, por entender ser mais justo, naquele caso, revisar do

que resolver o contrato.

O projeto de lei 3.619/08, de autoria do Dep. Carlos Bezerra, com

substitutivo do Dep. Colbert Martins, pretende alterar o CC para retirar do art.

478 a menção à imprevisibilidade do acontecimento. Se o projeto for aprovado,

o CC vai ficar como o CDC, ou seja, a revisão do contrato ocorrerá mesmo que

o acontecimento não seja imprevisível.

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http://d1hw6n3yxknhky.cloudfront.net/029518383_prevstill.jpeg

3. VÍCIO REDIBITÓRIO

3.1. Conceito

Vício redibitório, por definição, são defeitos ocultos que diminuem o

valor ou prejudicam a utilização da coisa, recebida por força de um contrato

comutativo.

Contrato comutativo é um contrato de prestações certas.

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser

enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a

que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações

onerosas.

3.2. Vício redibitório X Erro

O erro é psicológico, subjetivo, está na mente do sujeito, interferindo na

vontade. Inválida o negócio.

Já o vício redibitório não está na vontade, nem é psicológico. Ele é

objetivo, exterior ao agente. Ele está na coisa. É defeito oculto na coisa que

prejudica o uso ou diminui a sua economicidade.

3.3. Ações edilícias

A previsão legal do vício redibitório é uma garantia do adquirente.

Que nome se dá ao instrumento judicial por meio do qual o adquirente

insurge-se contra vícios redibitórios?

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Ações edilícias (art. 442): redibitória ou quanti minoris. Ou se ajuíza uma,

ou outra.

A ação redibitória, de impacto maior, visa a desfazer o contrato, rejeitar a

coisa defeituosa, exigindo de volta o preço pago, com eventuais perdas e

danos.

Caso ajuíze a quanti minoris, o adquirente pretende ficar com a coisa

defeituosa, exigindo abatimento no preço.

Nos termos do art. 443, se o alienante conhecia o defeito oculto, poderá

ser compelido a, ainda, pagar perdas e danos. É razoável a tese, segundo a

qual, a título de compensação, pode justificar na quanti minoris um desconto

maior.

3.4. Prazos decadenciais das ações edilícias

É decadencial, pois exerce-se o direito potestativo de redibir ou minorar o

valor da prestação.

É uma das poucas situações de prazo, no NCC, que foi mojorado.

Estes prazos se encontram no art. 445.

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento

no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for

imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se

da alienação, reduzido à metade.

§ 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde,

o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo

de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para

os imóveis.

§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios

ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos

locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras

disciplinando a matéria.

Obs.: vale lembrar, no campo do direito do consumidor, que consagra um

sistema mais protetivo para o exercício do direito potestativo de reclamar por

vício parente ou oculto de produto ou serviço, os prazos estão regulados no art.

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26 da lei consumerista (30 dias para bens não duráveis e 90 dias para bens

duráveis).

Regra geral:

1 ano -> imóvel

30 dias -> móvel

Obs.: a parte final do art. 445 deve ser vista com cautela, uma vez que a

lei não estabeleceu tempo mínimo de posse. Assim, em uma interpretação

literal, um único dia de posse antes de se formalizar a alienação da coisa pode

resultar na perda de metade do prazo, o que não é justo.

Pablo entende que alguns artigos do CC são aplicados subsidiariamente

às relações de consumo, a exemplo do art. 446.

O art. 446 do CC sustenta que a garantia legal não corre enquanto estiver

em curso a garantia contratual.

À luz do dever de informação, decorrente da boa-fé objetiva, se, durante a

garantia contratual, o defeito se manifestar, o adquirente deve comunicar ao

alienante sob pena de perder a tutela jurídica.

4. EXTINÇÃO DO CONTRATO

http://www.contractti.com.br/portal/images/stories/contrato-.jpg

A dissolução do contrato pode ser dar de três maneiras:

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4.1. Resolução

Tecnicamente, traduz a dissolução do contrato por inadimplemento (arts.

474 e 475). A cláusula resolutiva, quando prevista no contrato, é útil e

econômica, pois evita que o credor precise interpelar o devedor para desfazer o

negócio.

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita

depende de interpelação judicial.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do

contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos

casos, indenização por perdas e danos.

4.2. Rescisão

Rescisão tem dois sentidos no Direito Brasileiro: parte da doutrina utiliza a

palavra rescisão no mesmo sentido de resolução; pode significar também, com

base na doutrina de Messineo, invalidação do contrato em caso de lesão.

Alguns autores estendem até o estado de perigo. Seria a invalidação do

contrato viciado pela lesão.

4.3. Resilição

Resilição nada tem a ver com inadimplemento ou invalidade. Significa,

simplesmente, o desfazimento do contrato por simples manifestação de

vontade da parte.

Resilição traduz, simplesmente, a dissolução do contrato por mera

iniciativa de uma ou ambas as partes.

A resilição bilateral decorre do entendimento entre ambas as partes. Ela

também é chamada de distrato (art.472, CC).

A resilição pode ser também unilateral, decorrendo da iniciativa de uma

das partes. A resilição unilateral, iniciativa de uma das partes, quando cabível,

opera-se mediante denúncia comunicada à outra parte.

Em geral, os contratos que permitem a resilição unilateral são os

contratos de atividade.

A resilição unilateral opera-se, em regra, mediante denúncia (ato jurídico

que opera a resilição unilateral do contrato). A denúncia deve ser antecedida

de um aviso prévio.

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou

implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

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Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das

partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a

denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível

com a natureza e o vulto dos investimentos.

A fidelização tem base neste parágrafo único do art. 473.

5. EVICÇÃO

5.1. Conceito

Evicção remete à ideia de perda.

A evicção, regulada a partir do art. 447, consiste em uma garantia

contratual protetiva do adquirente que vem a perder a posse e a propriedade

da coisa em virtude do reconhecimento judicial ou administrativo de direito

anterior de outrem.

A figura da evicção envolve três personagens: o alienante (vendedor), o

adquirente (destinatário da garantia) e o terceiro.

Se o terceiro entrar com uma ação contra o adquirente, demandando a

coisa, o adquirente denunciará a lide ao alienante.

A garantia legal da evicção protege o adquirente e responsabiliza o

alienante.

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção.

Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta

pública.

Hasta pública traduz uma fase procedimental em que os bens objeto de

constrição ou penhora são levados a leilão ou praça.

O terceiro que prova direito anterior sobre a coisa é chamado de evictor.

E o adquirente é chamado de evicto.

No caso de bem adquirido em leilão, quem será responsabilizado pela

perda do bem: o credor (exequente) ou o devedor (executado)?

Em primeiro plano, a ação de evicção deverá ser proposta contra o

devedor, de cujo patrimônio a coisa perdida foi retirada; no entanto, caso este

devedor seja insolvente, o arrematante poderá se voltar contra o próprio credor

que recebeu o pagamento por conta de bem pertencente à terceiro.

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Araken de Assis vai mais além: caso o credor não possa ser

responsabilizado, a responsabilidade pela evicção será do estado que permitiu

que o bem fosse à hasta pública.

5.2. DIREITOS DO EVICTO

Que direitos assistem ao evicto?

A matéria está disciplinada no art. 450 do CC:

Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da

restituição integral do preço ou das quantias que pagou:

I - À indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;

II - À indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que

diretamente resultarem da evicção;

III - à custa judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído.

Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor

da coisa, na época em que se evenceu (perdeu), e proporcional ao desfalque

sofrido, no caso de evicção parcial.

Regra geral, havendo evicção o evicto tem todos os direitos elencados no

art. 450, CC.

5.3. Extensão da cláusula de garantia da evicção

Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou

excluir a responsabilidade pela evicção.

Pablo não vê problema em as partes reforçarem as garantias da

evicção. Pablo não concorda com a possibilidade de exclusão da

responsabilidade pela evicção e não simpatiza com a possibilidade de

diminuição.

A exclusão da responsabilidade pela evicção opera-se de duas maneiras:

exclusão legal (art. 457) e exclusão convencional (art. 449).

Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a

coisa era alheia ou litigiosa.

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção,

se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa

evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

Nos termos do art. 449, caso o contrato contenha cláusula que exclui a

responsabilidade pela evicção, se esta se der, tem direito o evicto pelo menos

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ao preço que pagou; mas, caso esteja ciente do risco de perda e o assuma,

não terá direito a nada.

http://www.andrecanuto.adv.br/contratos.jpg

6. ARRAS OU SINAL

6.1. Conceito

Trata-se de uma disposição convencional pela qual uma das partes

entrega determinado bem ou valor a outra em garantia da obrigação pactuada.

Arras não é garantia real.

6.2. Espécies

Há duas espécies de arras: confirmatórias e penitenciais.

Arras confirmatórias são aquelas que, quando pagas, marcam o início

da execução do contrato, excluindo o direito de arrependimento.

Obs.: No caso das arras confirmatórias, uma vez que espaço não há para

arrependimento, se qualquer das partes voltar atrás, haverá a perda do valor

do sinal, nos termos do art. 418, CC.

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a

outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as

arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua

devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices

oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

No caso das arras confirmatórias, o art. 419 admite indenização

suplementar se a parte inocente provar maior prejuízo.

Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar

maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte

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inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as

arras como o mínimo da indenização.

As arras penitenciais, reguladas no art. 420, posto tenham natureza

indenizatória, garantem o direito de arrependimento. Neste caso, o direito de

arrependimento deve estar expressamente previsto. Assim, o pagamento do

sinal será tido como arras penitenciais.

Logo, aqui, quando a parte volta atrás, não há inadimplemento, mas a

parte que se arrepende perderá o valor do sinal (como na arras confirmatória).

Lembrando que, como a parte pode se arrepender, não há direito a

indenização suplementar.

Obs.: Não se pode confundir arras e cláusula penal. Dentre várias

diferenças, as arras são sempre pagas antecipadamente, ao passo que a

cláusula penal é sempre paga a posteriori. Além disso, as arras podem garantir

arrependimento, o que não acontece com a cláusula penal.

DIREITOS REAIS

http://dicasderoteiro.files.wordpress.com/2010/06/contract.gif

1. CONCEITO

Consistem no conjunto de regras reguladoras das relações jurídicas

referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, segundo uma

finalidade social.

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Leitura recomendada: Comentários ao CC – vol. 11, tomo I

(Arruda Alvim)

2. POSSE

2.1. Teorias fundamentais da posse.

A. TEORIA SUBJETIVA (Savigny)

Segundo a professora Mariana Santiago, França, Portugal, Itália,

Espanha e Argentina sofreram maior influência da teoria subjetiva. Alemanha,

Suíça, China, México e Peru, maior influência da teoria objetiva.

Savigny escreveu o seu famoso tratado da posse em 1823, com 24 anos.

A ideia fundamental de Savingy era que a posse poderia e deveria ser

decomposta em dois elementos: animus + corpus. Ele entendia que haveria

posse na situação em que esses dois elementos estivessem reunidos.

Para Savigny, a posse consistiria no poder exercido sobre determinada

coisa com a intenção de tê-la para si. Nessa linha, a posse seria decomposta

em dois elementos: animus (a intenção de ter a coisa) + corpus (o poder

material de apreensão sobre a coisa).

B. TEORIA OBJETIVA (Ihering)

Mais precisa do que a teoria de Savigny, a doutrina de Ihering afirma que

a posse traduz uma situação em que o sujeito atua como se proprietário fosse

imprimindo distinção econômica à coisa.

Qual foi a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro?

O art. 1.196 do CC, em nosso sentir, consagrou a teoria objetiva de

Ihering, reconstruída na perspectiva da função social. A teoria de Ihering deve

ser interpretada de acordo com a CF.

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o

exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Obs.: em determinados pontos, posto não seja a teoria predominante, a

doutrina de Savigny faz-se presente.

2.2. Natureza jurídica

Há duas correntes fundamentais. Uma primeira corrente afirma que a

posse, de per si, seria um direito. Ihering seguia essa linha. Uma segunda

teoria afirma que a posse, em verdade, é uma situação de fato tutelada pelo

ordenamento jurídico e constitutiva de direitos subjetivos. A posse não é em

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sua situação ôntica um direito real, por isso mesmo que ela não está prevista

no art. 1.225, que elenca, taxativamente, os direitos reais. Pablo entende que a

2ª corrente é a melhor.

2.3. Questões especiais de concurso relativas à posse

a) O que é fâmulo da posse?

Fâmulo da posse é também chamado de gestor ou servidor da posse.

Trata-se do mero detentor da coisa, na forma do art. 1198, CC. Ex.: caseiro,

bibliotecário, motorista. O detentor cumpre instruções, ele não imprime

destinação econômica à coisa.

b) O que é autotutela da posse?

Trata-se de um meio legítimo de autodefesa, exercido segundo o princípio

da proporcionalidade, nos termos do § 1º do art. 1210, em duas situações:

legítima defesa e desforço incontinenti.

c) O que é patrimônio de afetação?

Consagrado pela lei 10.931/04, o patrimônio de afetação visa a imprimir

maior segurança jurídica no mercado imobiliário, garantindo, assim, a posse e

a propriedade dos compradores na medida em que vincula ou afeta bens ou

valores ao empreendimento imobiliário.

2.4. Posse de direitos

É possível dizer que o sujeito é possuidor de sua honra ou de sua vida?

Pablo acho melhor dizer que o sujeito é titular de sua vida ou de sua honra.

Respeitável doutrina brasileira, na linha do direito alemão, a exemplo do

professor Arruda Alvim, refere que a posse tem por objeto coisas e não direitos.

Menezes Cordeiro, autor Português, em sua famosa obra “A posse:

perspectivas dogmáticas atuais”, também afirma que a posse só surge no

campo das coisas corpóreas. No entanto, assim como no Brasil, por exceção,

em situações especiais, admite a posse de direitos.

Ex.: súmula 193, STJ: O direito de uso de linha telefônica pode ser

adquirido por usucapião.

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http://3.bp.blogspot.com/-TaU4BPCL-Xk/Ts2-

zQZu3MI/AAAAAAAABGA/8Cji6pAHwlM/s960/direito.jpg

2.5. Posse precária

O que é posse precária?

Segundo a doutrina de Clóvis Beviláqua, a concessão da posse precária,

uma posse de favor, é lícita. A posse precária é uma posse a título de favor.

No momento em que se exige a coisa de volta, e o possuidor resiste, a

posse passa a ser injusta pelo vício da precariedade.

Obs.1: Denomina-se interversão da posse, conforme vemos no

enunciado 237 da III Jornada, a situação em que o possuidor afronta o antigo

proprietário como se fosse dono.

Obs.2: ver no material de apoio resumo sobre propriedade mobiliária.

2.6. Classificação da posse

Quanto ao modo de exercício:

o Direta

Quando o possuidor está em contato com a coisa. Ex.: inquilino.

o Indireta

Quando o possuidor não está em contato com a coisa. Ex.: locador.

Art. 1.197, CC:

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,

temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta,

de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse

contra o indireto.

21

Obs.: denomina-se composse, nos termos do art. 1.199, a situação em

que duas ou mais pessoas exercem posse sobre coisa indivisível.

Quanto à existência de vício:

o Justa

o Injusta

Art. 1.200, CC:

Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

É importante frisar, na análise da posse injusta, que o prazo de ano e dia,

nos termos da lei processual, condiciona apenas o pleito liminar; passado este

prazo, embora ainda exista direito à possessória, liminar não caberá mais, mas

é possível antecipação dos efeitos da tutela.

Quanto ao elemento psicológico:

o De boa-fé

o De má-fé

A posse de má-fé se dá quando o possuidor tem conhecimento do vício

da sua posse. Um referencial muito utilizado pela doutrina para firmar a má-fé é

a citação, pois neste momento ele passa a ter perspectiva da existência do

vício. Esse referencial não é absoluto.

Aqui, para analisar se a posse é de boa ou má-fé, está se utilizando o

elemento psicológico.

Arts. 1.201 a 1.203 do CC:

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o

obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de

boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite

esta presunção.

Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o

momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora

que possui indevidamente.

Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o

mesmo caráter com que foi adquirida.

Obs.: a doutrina mais moderna, consoante vemos nos enunciados 302 e

303 da IV Jornada, tem flexibilizado a noção de justo título, na perspectiva do

princípio da função social.

22

303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-

fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse,

esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.

Compreensão na perspectiva da função social da posse.

Quanto aos modos de aquisição e perda da posse, fazer a leitura dos

arts. 1.204, 1.205 e 1.223.

2.7. Efeitos da posse

Alguns efeitos da posse não integram a grade, como o interdito

possessório.

Efeitos da posse quanto à percepção de frutos e produtos

(arts. 1.214 a 1.216):

Fruto é uma utilidade que a coisa periodicamente gera, é renovável. O

produto não se renova. Quando se extrai o produto a coisa principal vai

acabando. Ex.: pedras de uma pedreira.

Aqui a leitura do CC é fundamental, sobretudo pouco tempo antes da

prova!

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos

frutos percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé

devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e

custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e

percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por

dia.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e

percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o

momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção

e custeio.

A lei nada disse, em relação ao possuidor de boa-fé, sobre os frutos que

estavam no pé e deveriam ter sido percebidos, mas não foram. São os frutos

que deixou de perceber (percipiendos).

Estes artigos não falam sobre o produto, mas apenas sobre os frutos.

Em relação aos produtos, qual é o direito que se aplica no que tange aos

efeitos da posse?

23

Existem duas correntes na doutrina que tentam responder a essa

pergunta: a primeira, partindo de uma interpretação literal do art. 1.232,

considerando que o produto esgota a coisa principal, conclui que o verdadeiro

proprietário tem o direito de ser indenizado, pouco importa se o sujeito estava

ou não de boa-fé. Uma segunda corrente, capitaneada por Beviláqua,

homenageando a boa-fé, admite, por aplicação analógica dos arts. 1214 e

1216, que o possuidor de boa-fé tenha direito aos produtos extraídos até o dia

em que toma conhecimento do vício da sua posse.

Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa (arts.

1217 e 1218):

Nos termos do art. 1217, o possuidor de boa-fé apenas é responsável

pela perda ou deterioração da coisa, se atuar com dolo ou culpa

(responsabilidade subjetiva).

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou

deterioração da coisa, a que não der causa.

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da

coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado,

estando ela na posse do reivindicante

Indenização pelas benfeitorias:

Na forma do art. 1.219, o possuidor de boa-fé tem direito de ser

indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias, inclusive com direito de

retenção.

No que tange às voluptuárias, se não forem indenizadas ao possuidor de

boa-fé, poderá ele exercer o direito de remoção (jus tollendi), desde que o faça

sem prejuízo à coisa principal.

Obs.: no que tange ao contrato de locação, a lei do inquilinato (lei

8.245/91) estabelece que o próprio negócio firmado pode conter regras

específicas sobre benfeitorias.

A súmula 335 do STJ vai mais além ao admitir inclusive que o contrato

contenha cláusula de renúncia à indenização.

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3. DIREITO DE PROPRIEDADE

3.1. Conceito

Trata-se de um direito real complexo definido no art. 1.228 e

compreensivo das faculdades reais de usar, gozar e fruir, dispor e reivindicar a

coisa, segundo a sua função social. É direito complexo, pois reúne uma série

de poderes. Quando se reúne todos esses poderes, há a propriedade plena.

3.2. Características

A propriedade é um direito complexo, pois reúne um conjunto de poderes.

Ela é oponível erga omnes. Ela é perpétua, pois não se extingue

automaticamente se o dono parar de usar. Em regra, ela é exclusiva, pois a

afasta a propriedade do outro sobre a mesma coisa. Ela é também elástica,

pois pode ser contraída sem perder a sua essência.

Quanto à extensão da propriedade, ler os artigos 1229 e 1230. E quanto à

perda da propriedade imobiliária, os arts. 1275 e 1.276! Importante ler a lei

nesse ponto.

OBS.: Comparando o § 2º do art. 1228 e o art. 187 da parte geral,

concluímos ter havido um retrocesso, na medida em que o legislador, ao cuidar

do abuso da propriedade (ato emulativo), exigiu a prova da intenção de

prejudicar outrem.

25

3.3. Direitos de vizinhança

Direitos de Vizinhança (Santiago Dantas)

Conceito: trata-se do conjunto de regras que disciplina a

convivência harmônica entre vizinhos.

Esses direitos de vizinhança decorrem diretamente da lei.

Uso normal da propriedade

Nos termos do art. 1.277, o direito de propriedade deve ser exercido

segundo uma função social, de maneira a não prejudicar o vizinho.

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de

fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde

dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a

natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que

distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos

moradores da vizinhança.

Obs.: para efeito de aferição do uso da propriedade, abandonada a teoria

da pré-ocupação (segundo a qual prevalece quem construiu primeiro), devem

prevalecer aspectos de localização, segundo o zoneamento urbano (p.ú. do art.

1277). Para saber se o uso é normal ou não, deve-se observar o zoneamento

urbano.

QUESTÃO DE CONCURSO: O que é ação de danos infecto?

Dano infecto é o dano iminente. É uma ação que visa resguardar o

proprietário ou possuidor de um dano iminente (art. 1280).

Passagem forçada

A passagem forçada, direito de vizinhança (decorre diretamente da lei), é

concedida ao dono de prédio encravado para reclamar do vizinho que lhe dê

acesso à via pública, nascente ou porto, mediante indenização (art. 1285). A

passagem forçada parte do pressuposto de que o prédio não tem saída.

Obs.: em caso de alienação, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do art.

1285, o adquirente (responsável pelo encravamento) deverá ceder à

passagem. Se a passagem existente é inadequada, inóspita, ou de difícil

trânsito, na perspectiva da função social, é reconhecido o direito de passagem

forçada (enunciado 88 da I Jornada).

Direito de construir

26

É regulado a partir do art. 1.299 do CC.

Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções

que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos

administrativos.

Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não

despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.

Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a

menos de metro e meio do terreno vizinho.

§ 1o As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as

perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco

centímetros.

§ 2o As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou

ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de

comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.

Na zona rural, não se pode edificar a menos de três metros do terreno

vizinho. Na zona urbana, não se pode construir janela, sacada ou varanda a

menos de um metro e meio do terreno do vizinho.

Obs.: janelas com vidros opacos, desde que preservem a privacidade do

vizinho, podem ser abertas a menos de um metro e meio (súmula 120 do STF).

Aberturas para luz e ar, desde que meça 10 x 20 e esteja a dois metros

do solo, podem ser abertos sem respeitar esse limite de metro e meio.

A súmula 414 do STF, corretamente, proibia também abertura que

conferisse visão oblíqua (indireta). O § 1º do art. 1.301 derrubou a súmula,

admitindo a abertura, desde que respeitado o limite de 75 centímetros.

É possível embargar a obra realizada pelo vizinho e prejudicial a você, por

meio da nunciação de obra nova. Mas se a obra já foi concluída, o

proprietário prejudicado deve ajuizar ação demolitória no prazo decadencial

de ano e dia.

3.4. Modos de aquisição da propriedade imobiliária

São modos de aquisição da propriedade o usucapião, a acessão e o

registro.

o Registro

O registro imobiliário é modo de adquirir propriedade, firmando, como

regra, presunção relativa de veracidade, nos termos do art. 1.245. Na

27

Alemanha, o registro tem presunção absoluta de veracidade. Na França, um

contrato já opera direitos reais. No Brasil não. É preciso haver registro no

cartório de imóveis.

Obs.: existe um registro imobiliário que, desde que constituído de forma

regular, firma presunção absoluta de propriedade: é o denominado registro

torrens, restrito a imóveis rurais (ver artigos 277 a 288 da lei de registros

públicos). Ele é adotado na Austrália e em parte dos EUA. No Brasil tem

previsão legal, apesar de não ser muito usual.

o Acessão

Também é forma de aquisição de propriedade imobiliária. Opera a união

física de uma coisa à outra, aumentando o volume do bem principal. Ela está

regulada a partir do art. 1.248, CC.

Art. 1.248. A acessão pode dar-se:

I - por formação de ilhas;

II - por aluvião;

III - por avulsão;

IV - por abandono de álveo;

V - por plantações ou construções.

A acessão pode ser natural ou artificial (enquanto a benfeitoria é sempre

artificial). Os naturais são: formação de ilhas, álveo abandonado, aluvião e

avulsão. A acessão artificial são as plantações e construções.

Aluvião é forma de aquisição de propriedade que se dá de forma lenta.

Pela aluvião, a margem vai aumentado, pelo depósito de coisas etc.

O que seria aluvião imprópria?

A denominada aluvião imprópria decorre da retração de águas dormentes,

a exemplo de uma lagoa que começa a secar.

A avulsão é violenta. Ela se dá quando uma força natural destaca uma

porção de terra de um imóvel, agregando-a a outro.

Se porventura, uma enchente destacar parte de uma propriedade e levar

para outra, o proprietário que se beneficiou pode não indenizar, neste caso,

deverá permitir que o outro arranque o pedaço de terra que se juntou.

Acessão artificial são as construções e plantações. O CC disciplina esta

matéria a partir do art. 1.253.

28

Regra geral, tradicional no direito brasileiro, reconhece a força atrativa do

solo: a construção e plantação passam a ser de propriedade do dono do

terreno, que poderá ser compelido a indenizar, nos termos dos arts. 1.254 a

1.256.

Obs.: situação especial é a da chamada acessão invertida (p.u. do art.

1255, 1258 e 1259). Neste caso, considerando-se o valor do empreendimento,

o dono da construção ou da plantação poderá adquirir a propriedade do solo.

Art. 1.255, parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder

consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou

edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização

fixada judicialmente, se não houver acordo.

o Usucapião

Indicação de leitura: “Usucapião de bens móveis e imóveis” (José

Carlos de Moraes Sales).

A usucapião é modo de adquirir propriedade imobiliária e mobiliária.

Conceito:

Trata-se de um modo originário de aquisição de propriedade (prescrição

aquisitiva), por meio da posse contínua, pacífica, com animus domini e

segundo o decurso do tempo estabelecido na lei.

Requisitos:

Coisa suscetível de ser usucapida. Normalmente são coisas que estão

no comércio jurídico. Bens públicos não podem ser usucapidos. Há uma

discussão sobre as terras devolutas. Na doutrina do professor Arruda Alvim,

bens públicos não podem ser usucapidos, mas podem ser objeto de posse.

Existe forte entendimento (JTJ 157198) no sentido de que condômino pode

usucapir área comum, desde que esteja exercendo posse exclusiva.

Posse contínua, pacífica, com animus domini. Vale lembrar a

possibilidade da acessio possessionis, nos termos do art. 1.243. Isto é, para

efeito de usucapião, é possível haver soma de posses.

Tempo.

QUESTÃO CONCURSO: É possível usucapir coisa criminosa?

29

Indicação de leitura: “A usucapião e o crime (Raul Chaves),

Saraiva, 1981.

A despeito da polêmica, respeitável entendimento na doutrina (Pontes de

Miranda) admite a usucapião extraordinária de coisa obtida criminosamente. A

jurisprudência aceita também a tese (TJRS 1900.127.00, STJ, REsp

247.345/MG). Ex.: usucapião de veículo roubado.

Espécies de usucapião típicas do CC:

Usucapião extraordinária

Não se importa com a existência do justo título ou boa-fé.

Está disciplinada no art. 1.238.

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,

possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente

de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença,

a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á há dez

anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou

nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo (função social da posse;

segundo Miguel Reale, posse-trabalho).

Miguel Reale reconhecia nessa forma prevista na última parte do

parágrafo único o que ele chamava de posse-trabalho.

Usucapião rural

Está disciplinada no art. 1239, CC.

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,

possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em

zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu

trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a

propriedade.

Usucapião urbano

Está disciplinada no art. 1.240, CC.

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e

cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem

30

oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o

domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao

homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao

mesmo possuidor mais de uma vez.

A doutrina civilista vem entendendo, a despeito da polêmica, que se a

área for superior ao limite legal, o pedido deve ser indeferido (enunciado 313).

Ex.: área urbana de 260 metros quadrados. Não poderia a parte usucapir

apenas os 250 metros quadrados.

Obs.: O RE 305.416/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, defende a possibilidade

de se aplicar a regra da usucapião urbano para apartamento.

Usucapião ordinário

É aquela em que há em favor do possuidor justo título e boa-fé.

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua

e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o

imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante

do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores

nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de

interesse social e econômico.

QUESTÃO DE CONCURSO: O que é usucapião indígena?

A usucapião indígena está prevista no art. 33 do Estatuto do Índio (lei

6.001 de 1973). Trata-se de um modo de aquisição de propriedade em favor do

índio integrado ou não, com prazo de dez anos.

3.5. Comentários aos §§ 4º e 5º do art. 1.228, CC

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel

reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por

mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela

houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços

considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização

devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o

registro do imóvel em nome dos possuidores.

31

O instituto tratado nestes parágrafos configura a usucapião ou a

desapropriação?

A doutrina é divergente. Pablo entende que se trata de forma especial de

usucapião, pois há o elemento posse. Mas a professora Mônica Aguiar entende

que é forma de desapropriação.

O § 4º não é claro. O que significa número considerável de pessoal? Qual

a extensão de terra?

Quem irá pagar a indenização do § 5º? O Estatuto da Cidade consagrou

uma forma de usucapião coletiva urbana sem indenização. Foi mais corajoso,

portanto, o estatuto.

Autores como Teori Zawascki, Arruda Alvim, dentre outros, entendem que

o pagamento da indenização deve ser feito pelos possuidores. Para outros

autores, como Mônica Aguiar, quem paga é a administração pública. Pablo

discorda deste posicionamento, pois considera que não havendo norma

específica que imponha essa responsabilidade à administração pública, isto

configuraria irresponsabilidade fiscal.

32

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Novo processo civil brasileiro:

exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Forense, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual

Civil. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 14. ed. rev. e

atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. e atual.

São Paulo: Malheiros, 2002.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito

Processual Civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de

Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. rev.,

ampl. São Paulo: RT, 2006.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de;

TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 9. ed. rev.,

33

atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007. v.2