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UniSALESIANO LINS CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO “AUXILIUM” CURSO DE DIREITO ALIFFER HENRIQUE DOS SANTOS A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO CIVIL PELO DESAMOR NAS RELAÇÕES FAMILIARES LINS, 2016

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UniSALESIANO LINS

CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO “AUXILIUM”

CURSO DE DIREITO

ALIFFER HENRIQUE DOS SANTOS

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E A CONFIGURAÇÃO DO

ILÍCITO CIVIL PELO DESAMOR NAS RELAÇÕES FAMILIARES

LINS, 2016

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ALIFFER HENRIQUE DOS SANTOS

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E A CONFIGURAÇÃO DO

ILÍCITO PELO DESAMOR NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Monografia apresentada ao curso de

Direito do UniSALESIANO, Centro

Universitário Católico Salesiano Auxilium,

sob a orientação do Professor Mestre

Meire Cristina Queiroz Sato, como um dos

requisitos para obtenção do título de

bacharel em Direito.

LINS, 2016

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ALIFFER HENRIQUE DOS SANTOS

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E A CONFIGURAÇÃO DO

ILÍCITO PELO DESAMOR NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Monografia apresentada ao curso de

Direito do UniSALESIANO, Centro

Universitário Católico Salesiano Auxilium,

sob a orientação do Professor Mestra

Meire Queiroz Sato, como um dos

requisitos para obtenção do título de

bacharel em Direito.

Lins, 17 de junho de 2016.

Professora Mestra Meire Cristina Queiroz Sato Professor Mestre Cristian de Sales Von Rondow Professor Mestre Vinicius Roberto Prioli de Souza

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AGRADECIMENTOS

É como em um filme da vida que está quase chegando nos créditos finais.

Finalmente chegou o momento de agradecer a todos que contribuíram colocando a

“mão na massa” ou através de tantos gestos de carinho, paciência e palavras de

encorajamento que me ajudaram a chegar até aqui. E não foi fácil, mas com certeza

tudo valeu, e muito.

Inicialmente devo tudo a Deus, que me deu toda a força e confiança durante

todo o processo de realização desse projeto. Ainda que eu tenha sentido o fardo

pesado em meus ombros, Ele sempre renovou minhas forças.

Em segundo lugar devo minha gratidão à minha família. Foi através de vocês

que recebi e aprendi o verdadeiro sentido do afeto. Graças a vocês sou quem sou e

cheguei onde estou agora. O carinho, o cuidado, o respeito e principalmente o amor

que cada um doou a mim são joias raras de valor inestimável que guardo aqui

dentro do meu peito. Eu os amo muito e devo muito a vocês.

Não poderia deixar de agradecer também àqueles que se tornaram

verdadeiros portos seguros na minha caminhada. Amigos são a família que você

pode escolher e eu escolhi os certos e por experiência própria compreendi que

quem tem um verdadeiro amigo, tem um tesouro. Eu sou muito rico por ter cada um

de vocês na minha vida! Sem o ouvido atento, o carinho ofertado, o ombro pra

chorar, eu não teria chegado tão longe. Não vou nominá-los neste aqui, mas serei

como sempre fui, demonstrando pessoalmente através de ações o quanto lhes

devoto um grande espaço no meu coração, podem ter certeza. Vocês são um dos

maiores motivos da minha felicidade.

Conforme prometido, também coloco meu muito obrigado às funcionárias da

biblioteca, que também chamo carinhosamente de amigas, por toda ajuda, por

quebrarem enormes galhos para mim, mas principalmente pelas conversas

descontraídas no balcão e pela preocupação que sempre tiveram comigo. Sem

vocês com certeza essa monografia não teria sido concluída.

Por último, mas com certeza não menos importante, quero agradecer

imensamente minha orientadora e amiga Meire Cristina Queiroz Sato. Obrigado

Meire por ter me aberto as portas da pesquisa científica e contribuir para que eu

começasse a buscar cada vez mais conhecimento e partilhá-lo. Com sua paciência

(que por culpa minha às vezes se esgotava) e apoio amadureci muito como

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acadêmico e como pessoa. Graças a você fui a lugares que achei que nunca teria a

oportunidade de conhecer e aprendi a ter mais confiança nas minhas convicções e

opiniões. Com sua ajuda voei mais alto e com certeza muitas oportunidades se

abrirão na minha caminhada acadêmica e profissional. Mais do que uma orientadora

eu consegui uma grande amiga que com certeza levarei pra sempre na memória.

Desejo somente o melhor a você minha professora “anjinha” e com certeza nos

encontraremos muito ainda em lugares muitos melhores.

Talvez as palavras colocadas nestas curtas páginas não sejam suficientes

para demonstrar tamanha gratidão que tenho por aqueles que me ajudaram na

caminhada desde o início da faculdade até agora, mas tenham certeza que cada um

de vocês tem um lugar cativo na minha história e no meu coração.

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É válido que nos preocupemos com as pessoas, mas é importante que elas saibam, que elas sintam isso. Para que haja a comunicação é preciso que as pessoas "ouçam" a linguagem do nosso coração, pois, em matéria de afeto, os sentimentos sempre falam mais alto que as palavras. É por essa razão que um beijo, revestido do mais puro afeto, cura a dor de cabeça, o arranhão no joelho, o medo do escuro. (Autor Desconhecido)

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RESUMO

A pesquisa sobre o afeto e a afetividade, com suas consequentes implicações

jurídicas, encontra relevância nas ciências humanas e sociais, sobretudo para o

Direito de Família. Uma vez lesado, o desamor e o desafeto provocarão danos

emocionais que podem desestruturar a entidade familiar. A problemática envolve,

especificamente, a relevância do afeto na relação entre pais e filhos, refletindo a

possibilidade de indenização por dano moral pelo abandono afetivo. É no princípio

da afetividade que as relações familiares são fundamentadas, onde o respeito, o

sentimento, o carinho, o amor, o cuidado e as emoções são elementos propulsores

para as relações pessoais e familiares, cujo objetivo é o desenvolvimento da pessoa

humana. Por meio da pesquisa bibliográfica e documental, com levantamento

bibliográfico coletado em livros de doutrina, artigos em revistas científicas e

publicados na internet, jurisprudência e legislação, com enfoque exploratório e

análise qualitativa, buscou-se demonstrar através desse estudo a importância do

princípio da afetividade na seara do direito de família. Analisou-se, ainda, a hipótese

de cabimento da teoria da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo que

se trata de conduta ilícita que possibilita a reparação na órbita civil por danos morais.

Conclui-se que, em razão da crescente valorização do afeto na sociedade familiar,

inclusive tornando-se princípio tutelado pela Constituição Federal e leis

infraconstitucionais, que os atos cometidos pelos membros da família ou em face

uns dos outros que lhes causem dano, geram responsabilidade civil e consequente

reparação. A conduta do pai em relação ao filho, caracterizada pelo abuso de direito

no exercício do poder familiar trata-se de afronta à dignidade, honra e confiança da

criança, ferindo seus direitos de personalidade, sendo cabível a indenização do dano

moral causado pela prática do ilícito, sendo esta uma medida sancionatória e

pedagógica, com o objetivo de penalizar o ofensor pelo ato ilícito cometido e evitar

que ele reitere a pratica de atos abusivos na sociedade familiar, em face dos seus os

quais deveria amar e dar carinho, afeto.

Palavras-chave: PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. DIREITO DE FAMÍLIA. DESAMOR. ABANDONO AFETIVO. DANO MORAL.

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ABSTRACT

The research on the fondness and affection, with their consequent legal

implications, finds relevance in human and social sciences, particularly for Family

Law. Once injuried, the unloving and disaffection cause emotional damage that can

disrupt the family unit. The problematic involves, specifically the importance of

affection in the relationship between parents and children, reflecting the possibility of

compensation for moral damages for emotional abandonment. It is the principle of

affectivity that family relationships are based, where the respect, the feeling, the

affection, the love, care and emotions are driving forces for personal and family

relationships, aimed at the development of the human person. Through

bibliographical and documentary research, with literature collected in doctrine books,

articles in scientific journal and published on the internet, jurisprudence and

legislation, exploratory approach and qualitative analysis, we sought to demonstrate

through this study the importance of the principle of affection in the family law field. It

analyzed also the appropriateness of assumption of the theory of civil liability in

cases of emotional abandonment that it is unlawful conduct which allows repair in

orbit for civil moral damages. It is concluded that, given the increasing importance of

affection in family society, including becoming a principle protected by the Federal

Constitution and infra-constitutional laws, the acts committed by family members or

against each other causing them harm, generate civil responsibility and consequent

repair. The conduct of the father against the son, characterized by abuse of rights in

the family power can exercise it is an affront to the dignity, honor and confidence of

the child, injuring his personality rights, and appropriate compensation for moral

damage caused by the practice of unlawful, which is a punitive and educational

measure, in order to penalize the offender by committing an unlawful act and prevent

it from reiterating the practice of abusive acts in the family business, in the face of his

which should give love and affection, affection.

Key- Words: PRINCIPLE OF AFFECTIVITY. FAMILY RIGHT. UNLOVING.

AFFECTIVE ABANDONMENT. MORAL DAMAGE.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E AS MUDANÇAS ADVINDAS COM O

CÓDIGO CIVIL 2002 RELACIONADOS AO DIREITO DE FAMÍLIA ........................... 13

2.1 Princípios constitucionais do direito de família ............................................. 13

2.2 A contribuição da Constituição Federal e do Código Civil de 2002 no

entendimento da família contemporânea. ................................................................. 24

3 AFETIVIDADE: FENÔMENO PSICOLÓGICO E JURÍDICO FORMADOR DAS

CONJUNTURAS FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS ................................................. 28

3.1 A definição de afeto e seu reconhecimento ao longo dos anos ................... 28

3.2 O afeto como aspecto formador da família moderna e os institutos legais

vinculados à afetividade ............................................................................................ 31

3.3 Estruturas familiares contemporâneas baseadas no afeto: Uma pluralidade

familiar........................................................................................................................33

4 O VALOR JURÍDICO DO AFETO E A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO

ILICITO DECORRENTE DO DESAMOR NAS RELAÇÕES FAMILIARES ................ 47

4.1 Aspectos gerais da responsabilidade civil .................................................... 48

4.1.1 Conceito e requisitos para a caracterização da responsabilidade civil .......... 49

4.1.2 Espécies de Responsabilidade Civil .................................................................... 52

4.1.3 Espécies de dano ..................................................................................................... 53

4.2 O ilícito civil e o ilícito nas relações familiares .............................................. 56

4.3 A Teoria do Desamor ................................................................................... 62

4.4 A violação do Princípio da Afetividade: a configuração do ilícito pelo

desamor familiar ........................................................................................................ 63

4.4.1 A Reparação do dano na órbita do direito de família: a sanção do ilícito pelo

desamor ................................................................................................................................... 70

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1 INTRODUÇÃO

A família, desde os primórdios e nas mais variadas culturas e povos, é

considerada a célula-mater da sociedade, base de todas as relações sociais

existentes. Na antiguidade os agrupamentos familiares não eram formados com

base na afetividade, apenas tinham o animus de garantir patrimônio e reproduzir

independente de gerar ou não uma relação de afeto.

A expressão família recebeu significado jurídico com o Direito Romano, no

qual a família pautava-se em uma unidade religiosa, econômica e política que tinha

como chefe familiar uma figura do sexo masculino, o pater famílias. As relações

familiares não eram pautadas pelo critério de parentalidade, mas sim na sujeição

dos seus membros à autoridade do pater famílias.

Com a decadência do Império Romano e ascensão do Cristianismo, a família

passou a ter sua estrutura agregada aos parâmetros da Igreja. Eram definidos como

família os agrupamentos familiares fundadas no casamento, elevado este a

condição de sacramento.

Nos séculos XIX e XX, com o auge da Revolução Industrial, iniciaram-se

também as alterações do formato familiar predominantemente cristão e, somado às

diversas mudanças ocorridas no cenário econômico, social e cultural, tornou-se

pujante a necessidade de profundas alterações no âmbito familiar no que diz

respeito ao pensamento de formato único de família pautada apenas em interesses

econômicos e de procriação, passando a entrar em cena a estrutura familiar galgada

no melhor interesse dos cônjuges e sua prole, baseada na comunhão de vidas e no

liame socioafetivo de seus integrantes.

O direito de família contemporâneo pauta-se na afetividade, sendo esta

conceituada como um conjunto de atos onde se encontram presentes a

benevolência, o respeito, o carinho, o cuidado com o outro, a proteção, a ternura,

dentre outros adjetivos, atos estes tendentes a propiciar uma condição digna e

solidaria de vida entre seus membros.

O Princípio da Afetividade, profundamente ligado ao Direito de Família,

decorre intrínsecamente do princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da

solidariedade familiar, trazendo aos membros da família direitos e deveres que

devem ser respeitados de forma recíproca tanto entre os cônjuges quanto em

relação aos filhos.

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Através do presente estudo pretende-se demonstrar, sem, contudo, esgotar

esse complexo assunto, que o afeto e a afetividade, com suas consequentes

implicações jurídicas, encontram relevância nas ciências humanas e sociais,

sobretudo para o Direito de Família, evidenciando que sua influência tem modificado

a entidade familiar ao longo dos anos. A família por derradeiro tem sofrido diversas

modificações em relação à sua estrutura tradicional devido, principalmente, à busca

pela maior realização pessoal de seus membros, sendo sem dúvida alguma o afeto

o fator propulsor das novas molduras familiares existentes.

Por conseguinte, procurar-se-á esclarecer a importância jurídica afeto no

Direito Brasileiro, garantido através dos princípios advindos com a Constituição

Federal de 1988, bem como pelo Código Civil de 2002, sendo ele a matriz

fundamental para a garantia dos direitos da personalidade de todos os membros que

compõe a entidade familiar, principalmente dos filhos, pois estes se encontram em

desenvolvimento. Ainda que todos os membros da família mereçam essencial

proteção, se faz necessário analisar cuidadosamente os direitos de personalidade

dos filhos, com vistas a proteger seu direito de ser cuidado, educado e respeitado

em todas as suas particularidades, eivando-o de qualquer violação parental pelo

abuso no exercício dos direitos e dos deveres dos pais.

Incumbidos de exercer o poder parental para com os filhos, os pais contraem

para si deveres e obrigações com relação à criança, como prestar cuidado, dar

educação, garantir alimento, amparo material e moral, condições dignas de

sobrevivência, assistência e convivência. Porém, em determinadas relações

familiares, devidos aos desgastes e conflitos, o afeto unilateralmente por um dos

genitores passa a não mais existir, afetando toda a estrutura do lar e refletindo

principalmente em face da criança ou adolescente. O responsável que deveria zelar

acaba por fazer o oposto, não utilizando seu poder familiar para proteção, mas sim

de maneira excedida, abusiva e violenta impondo seu descontentamento de maneira

reiterada sobre a criança através de condutas extremamente autoritárias, atos

violentos e palavras que acabam por atingir e danificar gradativamente o patrimônio

afetivo da criança, caracterizando o abandono afetivo no próprio seio familiar.

A violação aos deveres inerentes à sociedade familiar, e o conseqüente

desamor, sem dúvida, causam fissuras na personalidade dos filhos, e no estudo

apresentado será investigada a possibilidade e reconhecimento da imposição da

responsabilidade civil, obrigando o responsável pela ofensa a reparar o dano moral

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decorrente do abandono afetivo ocasionado pelo abuso do poder paterno-filial.

O trabalho foi desenvolvido em três capítulos, em que o primeiro versa sobre

os princípios basilares do direito de família, ligados intrinsecamente à afetividade,

bem como as modificações ocorridas no Direito de família com a promulgação da

Constituição Federal de 1988 e posteriormente do Código Civil de 2002. No segundo

capítulo são elencadas questões concernentes ao afeto e demonstrar sua

indiscutível importância no Direito de Família e na formação dos núcleos familiares

contemporâneos. Por derradeiro, no ultimo capítulo, demonstra o valor jurídico do

afeto e quais as consequências do ilícito civil ocasionado pelo desamor familiar,

caracterizado pelo abuso de direito paterno-filial, deduzindo que as rupturas que se

operam na sociedade familiar produzem danos na esfera patrimonial e, sobretudo,

moral de seus integrantes, verificando a possibilidade da reparação na órbita civil.

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2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E AS MUDANÇAS ADVINDAS COM O

CÓDIGO CIVIL 2002 RELACIONADOS AO DIREITO DE FAMÍLIA

O sistema legislativo busca manter esforços constantes para acompanhar as

inovações pela qual a sociedade passa, porém, ainda assim, tal missão torna-se

árdua e por vezes descompassada, sendo imprescindível a busca por outras fontes

para igualar essas dissonâncias. Nas relações familiares essa realidade também se

mostra presente, principalmente devido à amplitude de paradigmas e inovações

inerentes a ela.

O direito abarca inúmeras fontes, porém, sem dúvida, os princípios gerais são

os que melhor oportunizam adequadas condições de justiça no direito de família,

sendo possível decidir através deles as mais variadas questões desse ramo do

direito, solucionando-as de maneira mais próxima do ideal de justiça.

Partindo dessa premissa, busca-se neste primeiro momento apresentar os

princípios constitucionais relacionados ao Direito de Família e sua importância no

sistema normativo familiar.

2.1 Princípios constitucionais do direito de família

A Constituição Federal de 1988 trouxe novos contornos ao Direito Civil, no

que tange o capítulo referente à proteção familiar, e é possível constatar isso através

dos princípios constitucionais inerentes ao direito de família.

Inicialmente faz-se necessário compreender a definição de princípio, que

pode ser entendido como um juízo abstrato que norteia todo o ordenamento jurídico,

bem como sua aplicação e interpretação.

Os princípios detêm caráter de dever e obrigação, traduzindo-se como

mandado de otimização, bastando ser violado para que toda a conduta intrínseca a

ele se torne ilegal. Diferentemente das características das regras ou valores, ele

detém elevado grau de concretização detendo suporte fático hipotético mais

determinado e aberto, ou seja, o princípio abarca maior generalidade e depende da

mediação concretizadora da interpretação do intérprete, orientado pela observação

da equidade.

De acordo com o entendimento de Gama (2008, p. 64) acerca da importância

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dos princípios no sistema normativo:

Faz-se necessário atentar para as alterações significativas ocorridas na teoria das fontes normativas, eis que, na atualidade, os princípios ganharam importante reconhecimento quanto a sua força normativa e, inúmeras vezes, devem as questões ser solucionadas a luz da principiologia e das técnicas de interpretação e aplicação das normas a ela referentes, o que exige maior trabalho por parte do jurista.

Sendo assim, conforme coaduna Gama, os princípios representam uma

ordem, que deve ser interpretada e respeitada tanto na seara pública, quanto na

privada.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Direito Brasileiro deixou

de ser um conjunto de normas superficiais e passou a refletir em todos os seus

ramos as prerrogativas constitucionais, transformando-se num ambiente jurídico que

visa a promoção social e, por consequência, gera importantes avanços sociais:

A constitucionalização do Direito, por sua vez, está associada à efeitos expansivos das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e os sentidos de todas as normas do direito infraconstitucional. Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com sua ordem, unidade e harmonia - mas também um modo de olhar e interpretar os ramos do Direito. A constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos com base em uma ótica constitucional. (BARROSO, 2015, p. 28)

Diante das profundas mudanças no retrato jurídico nacional, não podia ser

diferente que no direito de família também incorressem transformações. A família

como entidade dinâmica, célula mater da sociedade, recebeu a partir desta nova

realidade mais respaldo normativo e principiológico.

A Carta Magna trouxe profundas modificações ao direito de família, trazendo

novas diretrizes na organização e a posterior promulgação do Código Civil 2002.

Antigamente com a vigência do Código Civil de 1916 a família e seus membros

ficavam em segundo plano na ordem jurídica familiar, tendo primazia às relações

patrimoniais. Atualmente com os novos princípios constitucionais adotados no direito

de família, verifica-se a tendente personalização do Direito Civil, ao lado de sua

despatrimonialização.

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Observamos, então, que, em virtude do processo de constitucionalização por que passou o Direito Civil, nos últimos anos, o papel a ser desempenhado pela família ficou mais nítido, podendo-se, inclusive, concluir pela ocorrência de uma inafastável repersonalização. Vale dizer, não mais a (hipócrita) tentativa de estabilização matrimonial a todo custo, mas sim a própria pessoa humana, em sua dimensão existencial e familiar, passaria a ser a especial destinatária das normas de Direito de Família. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 63).

A partir desse entendimento, passa-se a análise dos princípios constitucionais

que regem o direito de família.

a) Princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado o princípio maior,

estabelecido no artigo 1º, inciso III, como fundamento da Constituição da República

Federativa. A dignidade é considerada o valor constitucional supremo, servindo não

somente como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente como

norteadora para elaboração, interpretação e aplicação do Direito em geral.

Este princípio busca assegurar o direito de todo o individuo viver plenamente,

afastado de qualquer intervenção estatal ou particular e sendo efetivamente

preservada quando se garante o respeito à dimensão existencial do ser humano,

tanto na esfera pessoal, como principalmente em suas relações sociais. Conforme

dispõe brilhante entendimento dos doutrinadores Gagliano e Pamplona Filho (2013,

p. 76) sobre o princípio da dignidade da pessoa aplicado ao Direito de Família

Princípio solar em nosso ordenamento jurídico, a sua definição é missão das mais árduas, muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito a existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade.

Diante deste entendimento, é possível notar que o respeito ao princípio da

dignidade da pessoa humana somente será pleno e efetivo quando também for

aplicado nas relações familiares, garantindo o respeito aos membros familiares e a

realização dos seus projetos pessoais de vida.

Do princípio da dignidade, decorre também a tutela aos direitos da

personalidade, elencados no Código Civil de 2002, em seus artigos 11 a 21, direitos

estes que contribuíram fortemente na proteção da pessoa humana. Na Carta Magna

a previsão da tutela da personalidade está prevista no art. 1º, inciso III, que dispõe a

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cláusula geral de tutela da personalidade, autorizando a utilização dos mais diversos

instrumentos jurídicos para sua defesa. O legislador constituinte, por meio deste

instituto, buscou ampliar os direitos de proteção a pessoa humana em todas as suas

particularidades, principalmente aquelas que integram os elementos estruturais da

personalidade. Dentre esses direitos, destaca-se a liberdade consciente do seu

titular em realizar escolhas em face do seu projeto de vida, como, por exemplo,

constituir uma família de acordo com seus anseios.

Conforme dispõe Reis (2013, p. 111)

Essa conduta legislativa traduz a maturidade da sociedade, em face do ordenamento jurídico que objetiva reequilibrar as relações humana, impedindo que violações de outrora voltem a ocorrer ou se perpetuem no sempre difícil e controvertido relacionamento. De acordo com esse pensamento, a proteção jurídica da personalidade é um instituto que não admite limites de intervenções, particularmente quando se trata de tutelar valores sobre os quais se encontram estruturados os elementos axiológicos na intimidade do grupo familiar.

Ante isto é notável que o direito de família é permeado pelas manifestações

da personalidade das pessoas que integram esse grupo social. Na era da família

patriarcal, somente era reconhecida a dignidade ao marido e pai, sendo este o chefe

da relação conjugal. Ele detinha diversos direitos, os quais eram negados à esposa

e filhos. Porém, nos dias atuais, a dignidade da pessoa humana trabalha no sentido

de garantir proteção plena e assegurar o desenvolvimento da dignidade e

personalidade de todos os indivíduos que fazem parte da estrutura familiar.

Com o passar dos anos, é notável que a família tornou-se valorizada pelo

ordenamento jurídico, sendo tutelada como o núcleo principal de desenvolvimento

de todos os membros da família, desde os filhos, bem como de todos os seus

integrantes. Conforme dispõe Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 63)

Hoje, no momento que se reconhece à família, em nível constitucional a função social de realização existencial do individuo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no principio da dignidade da pessoa humana.

Como se observa, através deste princípio é possível constatar que o direito de

família contemporâneo não se trata de um direito patrimonialista, mas sim

personalíssimo, baseado em relações afetivas e levando-se em consideração a

realização pessoal e felicidade plena de cada membro da família.

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b) Princípio da igualdade.

Este princípio, disposto inicialmente pelo legislador no Preâmbulo da

Constituição Federal, precisamente no art. 5º, versa que “todos são iguais perante a

lei”. No âmbito familiar também foi reafirmado pela Carta Magna no art. 226, § 5º o

qual dispõe que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado:

[...]§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos

igualmente pelo homem e pela mulher.”

O dispositivo legal acima, trouxe à tona a igualdade existente entre marido e

mulher, banindo qualquer forma de distinção decorrente do sexo, mesmo que

terminológica. Além disso, também foi extinto o poder marital, onde apenas o marido

tinha o aval para tomar decisões e cuidar da administração dos bens no seio

familiar, bem como trouxe mais liberdade e isonomia à mulher que deixou de exercer

funções inerentes exclusivamente à tarefas domésticas e de procriação e passou a

realizar as mesmas atividades que o homem tanto no âmbito familiar como social.

O princípio da igualdade jurídica entre os cônjuges e companheiros também

tem base legal no Código Civil de 2002 que, alterado pela atual Constituição, trouxe

também novas perspectivas de igualdade tanto nas famílias formadas através do

matrimônio como pelas fundadas através da União Estável ou novos arranjos

contemporâneos. Conforme dispõe Tartuce (2014, p. 16)

Consigne-se que o art. 1º do atual Código Civil utiliza a expressão pessoa, não mais o termo homem, como fazia o art. 2º do CC/1916, deixando claro que não será admitida qualquer forma de distinção decorrente do sexo, mesmo que terminológica. Especificamente, prevê o art. 1.511 do CC/2002 que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Por óbvio, essa igualdade deve estar presente na união estável, também reconhecida como entidade familiar pelo art. 226, § 3.o, da CF/1988 e pelos arts. 1.723 a 1.727 do Código Civil.

A norma civil consagrou o princípio da igualdade, demonstrando que esta

realidade além se basear na igualdade entre os cônjuges, também se coaduna na

solidariedade que deve existir na tomada de decisões entre os membros da família,

tornando-se um regime conjugal de companheirismo e cooperação.

Este princípio também se estende sobre as questões concernentes à filiação,

onde o legislador corroborou para que fosse proibida qualquer discriminação entre

filhos havidos ou não do casamento ou advindos de adoção.

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Por fim, faz-se necessário expor que o princípio da igualdade não está

apenas inerente ao legislador, mas igualmente para o intérprete da norma e pelos

operadores do Direito. Todas as mais diversas conjunturas familiares

contemporâneas, tendo como exemplos união poliafetiva, homoafetiva,

monoparental, dentre outros, bem como seus integrantes, devem ser considerados

iguais perante a lei e merecem proteção igualitária da justiça. Conforme dito pela

ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias (2015, p. 48)

O Princípio da Igualdade não vincula somente o legislador. O intérprete também tem de observar suas regras. Assim como a lei não pode conter normas que arbitrariamente estabeleçam privilégios, o juiz não deve aplicar a lei de modo a gerar desigualdades. Em nome do princípio da igualdade, é necessário que assegure direitos a quem a lei ignora. Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não podem levar também o juiz a se calar. Imperioso que, em nome da isonomia, atribua direitos a todas as situações merecedoras de tutela. O grande exemplo são as uniões homoafetivas, que, ignoradas pela lei, foram reconhecidas pelos tribunais.

Concluindo este item, fica evidente que o princípio da igualdade é de grande

importância no direito de família, conferindo aos cônjuges, companheiros , filhos e

demais membros da família uma condição digna e harmoniosa entre si e também

com a sociedade.

c) Princípio da afetividade.

A afetividade é o princípio fundamental do direito de família, que estabiliza as

relações socioafetivas e a comunhão de vidas, tendo primazia em relação as

situações de caráter patrimonial ou biológico. Ainda que o afeto não esteja

expressamente previsto no texto legal, a Constituição Federal acolheu-o devido a

sua importância irrefutável no âmbito familiar, tratando de um importante princípio,

sedimentado no sistema jurídico. Conforme dispõe ilustre julgado da Ministra Nancy

Andrighi relacionado à importância da afetividade

A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes. Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em

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conflito. A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se dever e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso. (STJ, REsp 1.026.981/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.a Turma, j.04.02.2010, DJe 23.02.2010).

Vale salientar também que o afeto, além do sentimento existente entre os

cônjuges, companheiros e todos os membros da relação familiar, é principalmente a

obrigação de obedecer os deveres inerentes ao cuidado mútuo entre todos os

membros da família, bem como os deveres decorrentes do poder familiar dos pais

em relações aos filhos, sejam eles biológicos ou não.

Dado ao tema proposto no presente trabalho, posteriormente o referido

principio será estudado mais profundamente, demonstrando o valor jurídico do

vínculo afetivo bem como questões concernentes ao ilícito pelo abandono afetivo.

d) Princípio da plena proteção à criança e a adolescente.

O presente princípio traz proteção aos direitos de crianças, adolescentes e

jovens dando-lhes proteção integral e coibindo qualquer diferença discriminatória

entre os filhos havidos ou não do casamento. Como afirma Paulo Lôbo (2013, p. 45)

“o princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações

da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e

com o Estado.” Conforme disposto no art. 227, caput, da Lei Maior com redação

disposta pela Emenda Constitucional nº 65

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A Lei 8.069 de 26 de junho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do

Adolescente, em seu art. 3º, também determina que

Art. 3º Toda criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

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Diante dessa realidade, fica evidente que a toda criança e adolescente

devem ter garantidos os direitos inerentes a sua proteção, dando todo o respaldo por

lei para que tenha o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em

condições de liberdade e dignidade. O Estatuto procura, por meio destas políticas,

dar à criança a possibilidade desde o nascimento até a maioridade uma condição de

vida digna, sendo regido pelos princípios do melhor interesse, da paternidade

responsável e proteção integral ao menor.

No Direito Civil diversos dispositivos legais são concernentes a este princípios

dando proteção à crianças e ao adolescente como por exemplo o dever conjugal

elencado no art. 1566 que coaduna que “ São deveres de ambos os cônjuges: I

fidelidade reciproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua

assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e

consideração mútuos.”

Decorrente desse princípio nasce também a garantia à convivência familiar,

onde se busca que a criança ou adolescente seja mantido dentro do seio familiar

biológico ou extenso e que sejam mantidos e fortalecidos os vínculos afetivos destas

com o menor, salvo se esta entidade familiar que ela se encontra lhe trouxer grave

prejuízo à sua vida e ao seu desenvolvimento. Nesses casos o Estado deverá se

impor, colocando-as em famílias substitutas, visando manter a criança em segurança

e garantindo a melhor convivência familiar a ela.

Inerente a esta norma constitucional, está o subprincípio da parentalidade

responsável, que traz o entendimento de que tanto o homem quanto a mulher na

relação familiar devem ter responsabilidades individuais em relação aos filhos,

garantindo a criança ou adolescente o bem estar físico, mental e espiritual. Esta

responsabilidade perante os menores subordina seu responsável a situações

jurídicas existenciais e patrimoniais ligadas a seu filho.

e) Princípio da solidariedade familiar.

O Princípio da solidariedade tem como fundamento o disposto no art. 3º,

inciso I, da Constituição Federal de 1.988, que almeja a construção de uma

sociedade livre, justa e igualitária. Por consequência, tal princípio tem reflexos

também no direito de família, pois é certo que a solidariedade deve existir em todos

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os arranjos familiares, podendo se entender como solidariedade o ato de

preocupação, cuidado e responsabilidade pelo outro. Tanto que o legislador

constitucional assegura expressamente o princípio da solidariedade familiar com

reciprocidade entre os membros da família, conforme o disposto no art. 229 da

Constituição Federal, in verbis, “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os

filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na

velhice, carência ou enfermidade”. Tartuce (2014, p. 14) acerca do tema afirma que

[...] nos termos do Texto Maior, “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8.o, da CF/1988), o que igualmente consagra a solidariedade social na ótica familiar. Frise-se que o princípio da solidariedade familiar também implica em respeito e consideração mútuos em relação aos membros da entidade familiar.

Conforme disposto a solidariedade familiar é de relevante importância, pois

todos os arranjos familiares, independente de sua formação, necessitam de

assistência recíproca entre todos os membros da família, não somente nas questões

patrimoniais, mas também sociais, afetivas, psicológicas e espirituais, formando um

núcleo familiar que atenda as necessidade de todos os indivíduos que fazem parte

dele.

f) Princípio da proibição ao retrocesso social.

A Constituição Federal, ao oferecer maior proteção à família, estabeleceu

normas ao direito de família a fim de garantir a efetiva tutela às entidades familiares.

Sendo assim, dispôs a igualdade entre homem e mulher no núcleo familiar, a

proteção às diversas formações familiares e o tratamento igualitário entre todos os

filhos. Essas prerrogativas por serem de ordem subjetiva, protegidas pela garantia

constitucional detêm força normativa para deter quaisquer tipo de retrocesso social

do Estado em relação as entidades familiares.

A partir do momento em que o Estado, em sede constitucional, garante direitos sociais, a realização desses direitos não se constitui somente em uma obrigação positiva para sua satisfação – passa a haver também uma obrigação negativa de não se abster de atuar de modo a assegurar a sua realização. (DIAS, 2015, p. 58).

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Faz-se necessário que as normas infraconstitucionais tratem de maneira

igualitária a sociedade, principalmente a família, com vistas a dirimir qualquer

diferenciação ou preferências, bem como tratamentos discriminatórios.

g) Princípio da liberdade ou da não intervenção estatal. O princípio da Liberdade, também reconhecido como princípio da não

intervenção estatal, está associado à autonomia privada dos membros da família no

que tange à liberdade de escolha de constituição, manutenção e extinção do núcleo

familiar, inexistindo qualquer tipo de limitação por terceiros, sejam eles o Estado ou

a Sociedade.

O presente princípio está previsto nos arts. 226, §§ 7º e 8º, quando a

Constituição Federal assegura aos cidadãos plena liberdade de constituição de

família e comunhão plena de vida, baseando na dignidade humana o livre

planejamento familiar, vedando a qualquer órgão público ou pessoa jurídica de

direito privado intervir na constituição e organização de qualquer família., bem como

disciplina que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um

dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas

relações.”

A norma constitucional é refletida novamente no art. 1.513 do Código Civil

que alude: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na

comunhão de vida instituída pela família.” Como se observa, o legislador civilista

atribui a todas as entidades familiares proteção e autonomia própria.

Ao longo dos anos, as transformações ocorridas nas entidades familiares

tornaram evidente a busca cada vez maior pela realização mútua e pessoal dos

membros envolvidos, modificando a definição de família como uma instituição para

um grupo íntimo caracterizado por uma concepção eudemonista

[...] Houve um alargamento do Direito de Família em relação ao princípio da liberdade, eis que o modelo patriarcal de família, caracterizado pelo hermetismo, rigidez e forma estática, se fez substituir pelo modelo eudemonista, plural, democrático e, assim, dinâmico. De acordo com a doutrina, o princípio da liberdade na família apresenta, fundamentalmente, duas vertentes essenciais: (a) a liberdade de entidade familiar, diante do Estado e da sociedade, quanto a sua constituição e manutenção; (b) a liberdade de cada familiar diante dos demais integrantes da própria entidade familiar [...]. (GAMA, 2008, p. 75).

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Através da interpretação de Gama entende-se que na família contemporânea

todos os seus membros detêm liberdade para se relacionar, bem como para por fim

a esse relacionamento, para constituir o modelo e estrutura familiar da maneira que

melhor lhes aprouver e lhe conferir o conteúdo que vier de encontro com seus

anseios pessoais.

Também se aplica a este princípio à liberdade de aquisição e de

administração dos bens que farão parte do patrimônio comum da entidade familiar, a

liberdade dos direitos reprodutivos, bem como os sexuais, a liberdade na definição

das formas de educação dos filhos em todos os âmbitos, sejam eles religiosos,

culturais, intelectuais, dentre outros.

Dessa forma, o principio da liberdade garante primeiramente que o Estado

detenha exclusivamente o dever de proteger e dar assistência a todas as estruturas

familiares existentes através de suas políticas públicas de educação, saúde,

tecnologia e segurança, bem como permite que os membros da família tomem as

decisões que melhor lhes aprouverem, alcançando assim o modelo eudemonista de

família, ou seja, aquele que proporciona felicidade e realização plena de todos os

envolvidos.

h) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros.

A Constituição Federal inovou o entendimento de igualdade entre cônjuges e

companheiros nas relações familiares do código de 1916. No artigo 226, §5º a Lei

Magna preza igualdade no exercício dos direitos e deveres de ambos os

participantes da sociedade familiar, se extinguindo o poder marital e a autoridade

exclusiva do chefe de família.

Atualmente os cônjuges devem tomar decisões e exercer conjuntamente os

direitos e deveres advindos do casamento ou da união estável. Conforme coaduna

Diniz (2010, p. 22)

Hodiernamente, com a quebra do patriarcalismo e da hegemonia do poder marital e paterno, não há mais, diante do novel Código Civil, qualquer desigualdade de direitos e deveres do marido e da mulher ou dos companheiros, pois em seus artigos não mais existem quaisquer diferenciações relativamente àqueles direitos e deveres. Esta é a principal inovação do novo Código Civil: a instituição material da completa paridade dos cônjuges ou conviventes tanto nas relações pessoais como nas patrimoniais, visto que igualou seus direitos e deveres e também seu exercício na sociedade conjugal ou convivêncial. Consagrados estão o princípio do respeito à dignidade dos companheiros e das pessoas casadas (CF/88m art. 1º, III) e o da igualdade jurídica entre conviventes ou entre marido e mulher (CF/88, arts. 5º, I, e 226, §5º).

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Ante o exposto torna-se evidente que o principio em questão trouxe profundas

mudanças nas relações familiares, bem como tutela igualitária aos envolvidos na

relação familiar. As inovações advindas com a igualdade de direitos dos cônjuges e

conviventes foi de relevante importância na construção do direito de família pautado

nos anseios da sociedade atual, onde não é mais cabível o patriarcalismo, mas sim

a autoridade conjunta no âmbito familiar., dividindo-se assim a responsabilidade do

casal pelo núcleo familiar.

i) Princípio da tutela especial à família.

A Constituição Federal em seu art. 226, caput, aponta a tutela à família

independente da maneira que ela se constitui, garantindo a manutenção do vínculo

jurídico existente nela e das relações existentes no seio familiar. Conforme explica

Gama (2008, p. 71)

Se, em termos de inserção da pessoa em outras comunidades (que não a entidade familiar), a proteção não é especial, no campo do Direito de Família é fundamental a realização das dignidades de cada um dos integrantes, com respeito recíproco, cabendo ao Estado não apenas prevenir atentados e violações contra a coesão familiar, mas também promover medidas positivas de modo a proporcionar a tutela especial a todas as famílias.

O princípio em questão demonstra a importância da proteção da família pelo

Estado tendo em vista que a família é a célula mater da sociedade, que possibilita a

realização plena dos indivíduos que fazem parte dela, bem como trata-se de espaço

preferencial de afirmação e de consolidação de suas dignidades.

Ante todos os princípios elencados, se verifica que a família passou a ter

importância fundamental na esfera constitucional, trazendo proteção e garantias a

todos integrantes da relação familiar, independente de qualquer parâmetro como

raça, sexualidade, condição financeira, número de integrantes, fatores biológicos ou

qualquer outra possibilidade que a marginalize.

2.2 A contribuição da Constituição Federal e do Código Civil de 2002 no

entendimento da família contemporânea

A Constituição Federal de 1.988 trouxe novos contornos ao Direito Civil,

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principalmente no que diz respeito ao Direito de Família, elevando-o a nível

constitucional.

Conforme versa os arts. 226 e 227 da Constituição

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Verifica-se através dos atuais dispositivos constitucionais que a família

passou a ser protegida em todas as suas particularidades, tornando efetiva a função

social de realização existencial de cada individuo que faz parte dela, visando o

respeito à dignidade de todos os envolvidos e demonstrando, além disso, que a

estrutura familiar deve existir em função dos seus membros, e não o contrário.

Conforme brilhante entendimento doutrinário acerca das relações familiares na

perspectiva civil-constitucional

Passaram a ser funcionalizadas em razão da dignidade de cada participe. A efetividade das normas constitucionais implica a defesa das instituições sociais que cumprem o seu papel maior. A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independentemente da sua espécie. Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares, preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada

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partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. (GAMA apud GAGLIANO E PAMPONA FILHO, 2013, p. 63-64).

Por meio do entendimento exposto, é evidente que o Direito Civil,

principalmente no âmbito do direito de família, passou por profundas

transformações, alterando-se consideravelmente nas últimas décadas.

Conforme dispõe Dias (2015, p. 32) acerca das características do direito de

família do Código Civil de 1.916

O antigo Código Civil, que datava de 1.916, regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a a o casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação do casamento.

O dispositivo legal de 1916 trazia regramentos que não contribuíam para a

efetiva proteção e realização pessoal dos indivíduos que constituíam a estrutura

familiar. Diante desta realidade, a Constituição trouxe consigo importantes

transformações, podendo ser destacadas a igualdade absoluta entre homem e

mulher, bem como a proteção igualitária também a todos os membros da família; a

proteção as mais diversas conjunturas familiares como as constituídas pelo

casamento, pela união estável e a família monoparental e por fim, mas não menos

importante, legitimou também a igualdade dos filhos, independente de havidos ou

não do casamento, ou por adoção, dando-lhes os mesmos direitos.

O Direito Civil de 2002 passou por um valoroso processo de personalização

no tocante ao direito de família, sendo deixado de lado o caráter estritamente

patrimonialista, característica fortemente presente no antigo código de 1916. O novo

Código Civil dispõe primeiramente em seus arts. 1.511 a 1.638 sobre o direito

existencial e, posteriormente, nos seus arts. 1.639 a 1.722 é regulamentado o direito

patrimonial e conceitos decorrentes deste direito. Com essa organização o legislador

quis demonstrar que atualmente direitos existenciais de origem familiar tomaram

importante papel no direito familiar, tornando-se as questões patrimoniais

coadjuvantes nas relações familiares. Todas essas transformações são formas

representativas da integração do legislador infra-constitucional com o grande legado

constitucional da dignidade da pessoa humana.

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Por derradeiro, é de suma importância citar o entendimento do ilustre

doutrinador Eduardo de Oliveira Leite apud Tartuce (2014, p. 03) que analisa a

razões dessas transformações no âmbito legal, mencionando seis nítidos rumos

a) A estatização – diante da comum e crescente ingerência do Estado nas relações familiares, o que traz uma decadência de publicização da disciplina, que sempre foi baseada no privatismo.

b) A retratação – nítida redução do grupo familiar em pais e filhos, substituição da família patriarcal pela família nuclear, com um número menor de pessoas.

c) A proletarização – o grupo doméstico perde sua característica plutocrática, ou seja, dominada pelo dinheiro.

d) A desencarnação – substituição do elemento carnal e religioso pelo elemento psicológico e afetivo.

e) A dessacralização – desaparecimento do elemento sagrado, da forte influência religiosa da Igreja Católica, o que dá larga margem à vontade individual, à autonomia privada. Ampliam-se a liberdade e o direito de manifestação das ideias.

f) A democratização – a sociedade familiar passa a ser uma sociedade igualitária, substituindo-se a hierarquia pelo companheirismo, e pela possibilidade de todos os membros da entidade familiar opinarem para as tomadas de decisões.

Portanto, é cediço que a elevação do direito de família a nível constitucional é

uma consequência das exigências da democracia existente no contexto do Estado

moderno. Essa nova dimensão é prova crucial da evolução porque passou a família:

de um núcleo manipulado pelo legislador, para ser um núcleo de realização pessoal,

que desempenha funções sociais, que interessam ao Estado que os seus membros

desenvolvam-se de forma saudável, dentro de um ambiente democrático e

harmonioso.

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3 AFETIVIDADE: FENÔMENO PSICOLÓGICO E JURÍDICO FORMADOR DAS CONJUNTURAS FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS

3.1 A Definição de afeto e seu reconhecimento ao longo dos anos

O afeto é por excelência o elemento que convalida as relações humanas. De

acordo com Abbagnano (2007, p. 20), o termo afeto pode ser definido como

Afeto do latim affectus; in. [...] Entende-se com esse termo, no uso comum, as emoções positivas que se referem a pessoas e que não tem caráter dominante e totalitário da paixão. Enquanto as emoções podem referir-se tanto a pessoas quanto a coisas, fatos ou situações, os afetos constituem a classe restrita de emoções que acompanham algumas relações interpessoais (entre pais e filhos, entre amigos, entre parentes), limitando-se à tonalidade indicada pelo adjetivo afetuoso, e que, por isso, exclui o caráter exclusivista e dominante da paixão.

Nas ciências psicológicas o afeto é visto por diversas vertentes, que

igualmente afirmam sua importância para o ser humano

[...] É o conjunto de afetos – emoções, sentimentos, paixões – que compõem a esfera afetiva do psiquismo. Por outro ângulo, a afetividade desenvolve-se ao longo da vida, formatando a personalidade e projetando os seres humanos para a vida em sociedade. Por ultimo, a estrutura afetiva é constitutiva dos seres humanos e pode sofrer má formação ou degeneração, tendo como resultado as doenças do psiquismo. Sobretudo, a afetividade é um objeto complexo que se apresenta sob variados aspectos, conforme o ângulo de observação. (SANTOS, 2011, p. 73).

Ante os entendimentos doutrinários, observa-se que o afeto é fator dominante

no desenvolvimento social, moral e psicológico de todo o indivíduo, não sendo

caracterizado apenas como um sentimento, mas sim um conjunto de motivações e

emoções vitais a todo ser humano.

Essa relação afetiva inerente aos núcleos familiares, tanto para sua formação

como para sua continuidade, foi alçada atualmente como um direito fundamental

devido a sua ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana. Mas, por

muitos anos, o contexto da afetividade na seara familiar era completamente

divergente ao que se tem hoje.

No Direito Romano, a família estruturada de maneira patriarcal era

comandada pela pessoa do chefe, considerado este apenas o marido e pai, sendo

reservado a este o poder marital e o pátrio poder sobre todos os outros integrantes

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da relação familiar. Como detinha poder quase absoluto, pois a sociedade e o

Estado podiam interferir apenas na tutela dos interesses do déspota familiar, é

cediço que na era patriarcal houve inúmeros abusos e desrespeitos aos direitos e

interesses da prole e da esposa, não se valorando e respeitando a relação de afeto

entre os membros da família

Comprovadamente, por registros históricos, a família viveu grande período sob a forma patriarcal e era a principal unidade de produção de bens, pois tudo era produzido pelos membros da família (comida, roupas, móveis e tudo o que necessitavam para viver). A família era despojada de qualquer afeto natural como elo de ligação entre seus membros. Assim, o casamento obrigatório, não tinha como finalidade a união de duas pessoas a fim de obter felicidade, mas sim a de gerar filhos, que dessem continuidade ao culto familiar. (QUEIROZ, 2008, p. 181).

Conforme visto, a família nessa fase histórica tinha somente caráter

patrimonial, ou seja, não existia vínculo afetivo entre os participantes da relação

familiar, bem como o casamento detinha caráter estritamente financeiro. Essa

estrutura patriarcal e patrimonialista ainda perdurou durante décadas, inclusive no

Brasil, o qual a legislação que tutelava o direito de família detinha fortes influências

do Direito Romano.

Na fase do Direito Canônico, durante a época medieval, a Igreja passou a

indicar como seriam reguladas as famílias através de normas de imperativas,

inspiradas na vontade de Deus ou do monarca. O casamento detinha caráter de

perpetuidade, sendo considerado um sacramento, reconhecendo-se apenas a

indissolubilidade do vínculo através do divórcio se houvesse infidelidade no

casamento pois não estaria revestido de caráter sagrado. Além disso, o casamento

tinha como finalidade a procriação e criação dos filhos, porém era proibido o

reconhecimento de filhos espúrios. Sobre o tema Lobo (2011, p. 149) esclarece que:

Desde a colonização portuguesa até 1977 prevaleceu a indissolubilidade do casamento, projetando-se no direito civil a concepção canônica da Igreja Católica de ser o matrimônio instituição de natureza divina, que se jamais poderia ser dissolvido por ato dos cônjuges. Nem mesmo a separação entre o Estado e a Igreja, com o advento da República, foi suficiente para secularizar a desconstituição do casamento, que sofreu forte resistência das organizações religiosas católicas.

Com o advento do Código Civil de 1916, a família ainda era conhecida como

uma entidade patriarcal, validada apenas através do vinculo do casamento e

hierarquizada. Qualquer outra forma de união era considerada como concubinato

devido ao fato de não ser tida como legítima pelo Estado. Além disso, o dispositivo

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legal da época tratava-se de um direito patrimonialista, sendo que dos 290 artigos

destinados à família, 151 eram relacionados às relações patrimoniais.

O instituto de família como instituição base da sociedade e formadora da

dignidade humana, foi reconhecido efetivamente pelo Estado com o advento da

Constituição Federal de 1988, que passou a tutelá-la, deixando de ser o Código Civil

de 1916 a lei fundamental para o regimento do direito de família.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 houve uma

ampliação do conceito de família e mudanças significativas ao seu conceito. Ao

definir o princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um dos fundamentos do

Estado de Direito, bem como a igualdade entre os filhos, independentemente do

vínculo jurídico, e a igualdade de direitos entre os cônjuges na sociedade conjugal, o

texto constitucional trouxe ao direito de família novas perspectivas e nuances,

priorizando a família como elemento essencial na sociedade e evidenciando a

importância da afetividade para formação do laço familiar. Conforme dispõe Gama

(2008, p. 25)

[...] A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família independentemente da sua espécie. Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares, preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.[...].

Com as alterações ocorridas no texto constitucional e consequentemente no

Código Civil, mais precisamente no direito de família contemporâneo, as mais

variadas formações familiares passaram a ser tuteladas pelo Estado, permitindo

assim os mais diversos arranjos e molduras de entidade familiar tendo todos eles

como aspecto formador comum a afetividade. Ante essa nova realidade, é cediço

que o companheirismo, o respeito, a confiança recíproca, todas características

relacionadas ao afeto, passaram a se tornar fundamento basilar para formação de

qualquer vínculo familiar

Atualmente é notório que o modelo de família que tem prevalecido na

sociedade é o eudemonista, ou seja, aquele em que cada indivíduo busca na própria

família, ou através dela, sua própria realização e felicidade. Sendo assim,

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independente da forma que a família é formada, seja através do casamento, da

união estável, da união homoafetiva, ou qualquer outra estrutura contemporânea de

constituição familiar, todos os arranjos familiares tem com base a afetividade.

Portanto, o afeto independe de lei positivada, ele decorre da valorização da

dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, sendo abrangido, de forma

não expressa, pela Constituição Federal, a ensejadora de todas as entidades

familiares, seja elas pelo vinculo biológico ou afetivo.

3.2 O afeto como aspecto formador das famílias modernas e os institutos legais vinculados à afetividade

A partir da promulgação do Constituição de 1988 já se passou a delinear

novos contornos nas questões intrínsecas ao âmbito afetivo. O

neoconstitucionalismo, doutrina que passou a disseminar o reconhecimento da

pessoa humana como epicentro de todas as normas legais, da força cogente dos

princípios constitucionais e da essencial necessidade de reinterpretação do direito à

luz das normas e princípios constitucionais, foi um grande avanço para a tutela da

dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da ordem jurídica e dos

princípios como normas cogentes.

Conforme dito, o princípio da afetividade está implícito na Constituição, se

encontrando nela fundamentos essenciais que o caracterizam. São elencados na

Constituição Federal, conforme dispõem os arts. 226 §§4º e 6º que todos os filhos

são iguais, independente de sua origem, bem como que a comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma

dignidade de família constitucionalmente protegida. Além disso, no art. 227, §§ 5º e

6º o legislador constituinte reafirma que a adoção, como escolha afetiva, alçou-se

integralmente ao plano da igualdade de direitos assegurando a criança e ao

adolescente o direito à convivência familiar, isento de qualquer negligência, maus

tratos ou discriminação, não sendo prioridade máxima a origem genética.

A norma civil também colabora com este entendimento reconhecendo em seu

art. 1.593 outras espécies de parentesco civil, além do advindo pela adoção,

acolhendo a hipótese da paternidade socioafetiva fundada na posse de estado do

filho.

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Outras normas dispostas ao longo do Código Civil também validam a

importância da afetividade no vínculo familiar pela socioafetividade, como o 1.597, V

que indica a realidade da paternidade socioafetiva advinda pela inseminação

artificial heteróloga. O pai será um pai exclusivamente socioafetivo nos casos em

que conceder a autorização à esposa de conceber o filho pelo método de

reprodução assistida, através de sêmem alheio, o que não poderá ser impugnado

por investigação de paternidade posterior, já que a lei e, o próprio marido, autorizam

a conduta.

O art. 1.605, II, novamente coaduna que na falta ou defeito do termo de

nascimento, poderá ser provada a filiação por qualquer modo admissível em direito,

principalmente quando forem comprovados presunções de fato já certo, como por

exemplo, quando existe um tratamento pessoal e afetivo reciproco entre as partes,

quando se apresentam como pai e filho perante a sociedade, quando o suposto

genitor dedica seu tempo e provisiona a educação e o sustento ao menor, sendo

todas essas condutas elencadas típicas do relacionamento entre pais e filhos.

Conforme demonstra Lobo (2011, p. 73)

A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica.

O legislador constituinte também abarcou no texto legal a possibilidade de

formação e a tutela das mais diversas estruturas familiares, tendo o Estado o dever

de corroborar para sua proteção, evitando quaisquer abusos ou violações contra a

dignidade física ou moral de seus membros, independente de sua composição.

Embora o fator biológico continue presente na realidade social, não há como negar

que o afeto também estrutura hoje o conceito e a formação das famílias

contemporâneas. Reis (2013, p. 121) alude que “as novas e mais importantes

conquistas no direito de família ocorreram no plano do afeto, que se converteu em

garantia fundamental em face da tutela Constitucional aos membros do núcleo

familiar”

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A presença do amor, do cuidado e da solidariedade – afetividade - é, sem

dúvida alguma, uma força elementar, propulsora de todas as relações de vida do ser

humano, principalmente nos vínculos familiares, sendo base para todos os seus

formatos, desde o tradicional até os novos arranjos socioafetivos. É notável que para

a família ser efetivamente o instrumento de desenvolvimento da pessoa humana,

sem dúvida alguma deve estar alicerçada no sentimento de afeto. Versa acerca do

tema a ilustre Maria Berenice Dias (2015, p. 53)

A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimento entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. A família e o casamento adquiriam novo perfil, voltados muitos mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudemonista da família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas.

Por todo o visto, comprova-se que a moldura familiar atual não se pauta

somente no matrimônio como tradicionalmente era conhecida, bem como a filiação

não se restringe somente aos fatores biológicos que perduraram durante longos

anos nas relações familiares, impedindo que muitos casais e filhos tivessem

garantidas suas dignidades e realização plenas. A família contemporânea molda-se

como um conjunto de pessoas que se vinculam pelo companheirismo na comunhão

plena de vida, pelo parentesco biológico, mas, principalmente, pelo liame

socioafetivo.

3.3 Estruturas familiares contemporâneas baseadas no afeto: uma pluralidade

familiar

A construção das estruturas familiares contemporâneas vem se

transformando ao longo da evolução social que acompanha o desenvolvimento do

comportamento humano.

A moldura familiar de décadas passadas era constituída por pai, mãe e filhos,

tendo como características básicas o matrimônio, a defesa das relações patrimoniais

acima das realizações pessoais, o patriarcalismo e a consanguinidade da prole.

Essa estrutura sofreu profundas modificações nas ultimas décadas, tornando as

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conjunturas familiares contemporâneas livres para constituírem-se da maneira que

melhor lhes aprouver e lhes traga realização plena.

Conforme dispõe Dias acerca das diversidades de entidades familiares (2015,

p. 130)

Sempre que se pensa em família ainda vem a mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento, com o dever de gerar filhos. Mas essa realidade mudou. Hoje, todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil tradicional. A convivência com as famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas permite reconhecer que seu conceito se pluralizou. Daí a necessidade de se flexionar igualmente o termo que identifica a família dos dias de hoje, de modo a albergar todas as suas conformações.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a família deixou de

ter cunho estritamente patrimonialista e de reprodução da prole, colocando em

primeiro lugar a tutela da pessoa humana em todas as suas potencialidades,

principalmente com respeito a sua dignidade e a afetividade entre os membros da

relação familiar. Ante as mudanças sociais, o legislador constituinte evidenciou a

necessidade de aumentar o rol das estruturas familiares, afastando qualquer forma

de preconceito ou discriminação aos tipos de famílias existentes e dos indivíduos

que dela faziam parte.

A Carta Magna em vigor dispõe sobre a família em seu art. 226, sem exigir

que seja constituída pelo matrimônio, dando respaldo também às famílias formadas

através da união estável, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais

com seus filhos:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada

por qualquer dos pais e seus descendentes.

Importante salientar também que o rol constitucional não se trata de norma

taxativa, mas sim exemplificativa, pois dispõe sobre modelos familiares mais comuns

na sociedade, vedando a marginalização de outras conjugações familiares que vem

tomando espaço na sociedade como as uniões homoafetivas, poliamoristas, dentre

outras que estão tomando cada vez mais vez na seara jurídica.

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Tais mudanças têm como enfoque a garantia do princípio da dignidade da

pessoa humana e intrínseco a este o princípio da igualdade e da afetividade nas

relações familiares, sendo eles os pilares para o arrimo dessas estruturas familiares

colocando os envolvidos em um mesmo patamar jurídico e social, que visa proteger

todos, diferente das famílias mais antigas.

Atualmente a concepção de família é composta por laços afetivos, tornando a

família contemporânea pluralista, não se fundando em relações familiares vistas pelo

poder de um soberano ou em um modelo familiar único, mas sim o formato que

traga melhores condições sociais, espirituais e psicológicas, conforme adunam as

sabias palavras de Dias (2015, p. 44) “A manutenção da família visa, sobretudo,

buscar a felicidade”.

Dessa forma passa-se a formular um rol das principais conjunturas familiares

existentes visando uma melhor compreensão sobre o presente tópico, esclarecendo

que as estruturas apresentadas são as mais recorrentes atualmente em nossa

sociedade, mas é importante ressaltar que ainda há diversos outras que surgem em

nosso cotidiano.

a) Família matrimonial.

O casamento trata-se de um instituto social formada através da vontade dos

contraentes, firmado por meio de um contrato especial, um contrato de direito de

família, com características diversas ao direito de obrigações, pois trata-se de ato de

autonomia privada. Prevista expressamente no art. 226 da Carta Magna, a família

matrimonial é formada por meio do casamento, sendo considerada a conjuntura

familiar mais tradicional conhecida pela sociedade.

Além da disposição constitucional, o Código Civil de 2002 trouxe novas

perspectivas aos direitos dos cônjuges, tutelando as relações conjugais e trazendo

maiores igualdade e deveres recíprocos entre os indivíduos desta relação, como

prevê o art. 1.511 do Código Civil que coaduna que “o casamento estabelece

comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos

cônjuges”.

No passado o casamento sofria fortes influências da Igreja Católica, pois o

Estado era intrínseco a esta, tendo por consequência as mais diversas proibições e

marginalizava qualquer outra estrutura familiar que não se adequasse aos

parâmetros impostos na época. Sendo assim, a família matrimonial não era formada

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através dos vínculos afetivos entre seus membros, mas sim, com cunho reprodutivo,

patrimonial e indissolúvel. De acordo com o brilhante entendimento de Dias (2015, p.

134)

A Igreja Católica consagrou a união entre um homem e uma mulher como sacramento indissolúvel: até que a morte os separe. As únicas relações afetivas e aceitas são as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher, em face do interesse da procriação. A máxima crescei e multiplicai-vos atribuiu a família a função reprodutiva com o fim de difundir a sua fé. Dai a origem do débito conjugal como obrigação à prática da sexualidade. Aliás, outro não é o motivo para ser vedado, de modo irresponsável, o uso de contraceptivos. O casamento religioso pode ser anulado se algum dos cônjuges for estéril ou impotente. Essa conservadora cultura, de larga influência no Estado, acabou levando o legislador, no inicio do século passado, a reconhecer juridicidade apenas à união patrimonial.

Posteriormente, com a entrada em vigor do Código Civil de 1916, o

casamento tornou-se instituição regulamentada pelo Estado afirmando-se através da

lei o perfil familiar baseada no matrimônio, tendo o homem como chefe da sociedade

conjugal, com obediência da esposa e filhos as suas ordens, patrimonializada e

heterossexual.

Com o passar dos anos, devido às mudanças decorrentes na estrutura social

após a revolução industrial, tendo como um dos fatos mais marcantes a inserção da

mulher no mercado de trabalho e no sustento do lar, fez-se necessárias novas

disposições legais para abarcar tais transformações sociais e tutelar de maneira

efetiva e digna o ser humano, protagonista que é dos direitos assegurados por todas

essas novas disposições legais. Nesse ínterim, a Constitucional Federal de 1988

trouxe mudanças que acompanharam a crescente evolução social. Sendo assim o

casamento que tinha caráter estritamente contratual, econômico e de procriação,

passa a ser uma estrutura livre de qualquer impedimento religioso ou social, no qual

as pessoas envolvidas buscam uma ligação baseada no sentimento de amor,

respeito e confiança recíproca, tornando-se assim um espaço de companheirismo e

afetividade.

O casamento pode ser definido como um contrato especial de direito de

família, que é celebrado entre duas pessoas de sexo diferente, que pretendem

constituir família por livre e espontânea vontade e com o desejo de manter uma

comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos

cônjuges. Além disso, trata-se de ato formal e solene, revestido de proteção jurídica

e não comportando termo ou condição para sua realização.

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Conforme dito, o casamento ato formal, revestido de todas as formalidades

legais para sua validade, pressupunha a diversidade sexual como um requisito legal

obrigatório e indisponível para a sua existência como ato jurídico. Tal entendimento

recebeu novos contornos a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal que

reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, levando-se em

consideração principalmente a garantia aos princípios da isonomia e da dignidade

da pessoa humana. Nesse interim, em relação ao casamento, o julgado oriundo da

4º Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Ministro Luis Felipe

Salomão, autorizou o casamento civil entre duas mulheres as quais eram unidas

pela união estável demonstrando que o vinculo afetivo existente no núcleo familiar é

de suma importância, devendo ser tutelada pela Justiça independente de questões

sexuais entre os indivíduos envolvidos:

[...] Assim sendo, as famílias formadas por pessoas homoafetivas não são menos dignas de proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. O que se deve levar em consideração é como aquele arranjo familiar deve ser levado em conta e, evidentemente, o vínculo que mais segurança jurídica confere às famílias é o casamento civil. Assim, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela CF/1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas e o afeto. Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ quanto pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º). Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para afastar o óbice relativo à igualdade de sexos e determinou o prosseguimento do processo de habilitação do casamento, salvo se, por outro motivo, as recorrentes estiverem impedidas de contrair matrimônio (STJ, REsp 1.183.378-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 25-10-2011).

Mais recente, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n.

175/2013, assegurando conforme o art. 1º “É vedada às autoridades competentes a

recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união

estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”. Portanto, o casamento civil

homoafetivo independe de decisão judicial.

Ainda que o casamento seja um negócio jurídico puro e simples celebrado

entre as partes, vale ressaltar que a natureza jurídica do casamento tem apenas o

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fulcro de cuidar da autonomia privada que tem os cônjuges. Conforme Gonçalves

(2014, p. 43)

Não se pode deixar de enfatizar que a natureza jurídica do negócio jurídico de que se reveste o casamento reside especialmente na circunstância de se cuidar de ato de autonomia privada, presente na liberdade de casar-se, de escolha do cônjuge e, também, na de não se casar. No plano dos efeitos patrimoniais, têm os cônjuges liberdade de escolha, através do pacto antenupcial, do regime de bens a vigorar em seu casamento. Esse espaço reservado ao livre consentimento exercido, entretanto, dentro dos limites constitucionais e legais, que traduzem o modelo social de conduta determinado pela ordem jurídica.

Na seara matrimonial, o Estado impõe aos cônjuges direitos e deveres

recíprocos conforme dispõe o Código Civil em seu art. 1566 “I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio do conjugal; III – mútua assistência; IV –

sustento,guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos.” Esses

deveres garantem a proteção aos cônjuges, bem como para sua prole, buscando

evitar que hajam fissuras recorrentes na relação matrimonial.

Ante o exposto, é evidente que o antigo cunho patrimonialista e patriarcal já

não é mais válido para as famílias contemporâneas que optam pelo casamento,

dando lugar ao vínculo afetivo e igualitário entre os cônjuges, onde buscam através

do matrimônio uma plena comunhão de vida, bem como sua realização e felicidade

no seio da família, abarcando ao Estado apenas o dever de proteção aos seus

direitos.

b) Família convivencial - união estável.

A união estável emergiu expressamente no contexto social com a

promulgação da Constituição Federal de 1988. No artigo 226, § 3º, a Lei Maior versa

que “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o

homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.” Com esse novo regramento previsto na Carta Magna, as uniões

informais, ou seja, aquelas não regulamentadas pelo casamento passaram a ter

proteção jurídica. O Código Civil de 2002 também abarca tal definição em seu artigo

1723 dispondo que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o

homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Até a chegada desse advento, os indivíduos que optavam por se unirem de

maneira diferente ao casamento, que era o único meio jurídico aceitável para a

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formação de família, sofreram diversos tipos de preconceitos e foram marginalizados

pela sociedade, bem como pelo Estado devido à inexistência de regramento

pertinente a esta entidade familiar

É possível, inclusive, fazer uma sistematização desta evolução histórica da disciplina da união estável no Brasil, agrupando em momentos visivelmente distintos, que partem da ampla rejeição, com absoluta ausência de tutela jurídica, atravessando o silencioso constrangimento da simples tolerância, passando pela aceitação natural como fato social, até o reconhecimento e valorização constitucional como forma idônea de família. (GAGLIANO e PAMPLONA, p. 411-412, 2013).

No início do século XX, as instituições formadas pelos liames afetivos ou

mesmo aquelas com a finalidade de produção, reprodução e assistência recíproca,

que fossem constituídas pela livre vontade do casal, formando assim uma união

livre, sem vínculos matrimoniais, era tida como ilícita, associada ao adultério e que

deveria ser rejeitada e proibida.

Ao longo das décadas o concubinato, denominação da união estável na

época, passou por diversas fases de reconhecimento, sendo inicialmente

considerada fato da vida pelo direito previdenciário; posteriormente sendo elevada a

fato social pela jurisprudência trazendo inovações concernentes aos direitos

igualitários ao homem e a mulher na esfera patrimonial, sendo ambos sócios na

relação concubinária, tendo direito ao patrimônio comum na proporção do que

houvesse contribuído, reconhecendo-se como mera sociedade de fato.

Somente com a Constituição Federal em 1988 as uniões livres passaram a

ser denominadas “união estável”, sendo então considerada uma modalidade de

família. A união estável pode ser conceituada como uma relação afetiva de

convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, sejam elas do

mesmo sexo ou não, com o objetivo de constituir família.

Vale ressaltar que, ainda que exista no ordenamento a disposição de

diferença de sexos, conforme disposto no início deste subtópico, sendo a união

estável uma instituição informal, desprovida do rigor matrimonial para sua

constituição, é oportuno concluir que esta moldura familiar não se condiciona a

imposição condição da diversidade sexual, validando assim o reconhecimento da

relação familiar entre os companheiros do mesmo sexo, conforme exposto no tópico

do casamento.

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Na união estável os mesmos direitos e deveres impostos pelo legislador ao

casamento devem ser obedecidos reciprocamente pelos conviventes, garantindo a

ambos a lealdade, o respeito, o dever de assistência ao companheiro bem como o

de guarda, sustento e educação dos filhos. Sobre a união estável ensina Dias (2015,

p. 246)

Com segurança, só se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, e as duas pessoas começam a ser identificadas no meio social como um par. Com isso a relação se torna unidade. A visibilidade do vinculo o faz ente autônomo merecedor de tutela jurídica com uma entidade. O casal transforma-se em uma universalidade única que produz efeitos pessoais com reflexos de ordem patrimonial. Daí serem a vida em comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores. Nada mais do que a prova da presença do enlaçamento de vida, do comprometimento recíproco. A exigência de notoriedade, continuidade e durabilidade da relação só serve com meio de comprovar a existência do relacionamento.

Portanto, a união estável trata-se de norma constitucional que trouxe proteção

jurídica aos casais que tem por objetivo unir-se pela forte relação de afeto existente

entre eles, buscando assim a comunhão plena de vidas e a felicidade neste tipo de

moldura familiar.

c) Família uniparental ou monoparental.

Mencionada pelo legislador constituinte no § 4º do art. 226 da Lei Maior, a

familia uniparental ou monoparental trata-se da família formada por um dos pais e

seus descendentes, podendo ser classificada em originária ou superveniente. Na

originária a família já e constituída pela monoparentalidade, como no caso de mães

solteiras, pela adoção de uma criança por pessoa solteira ou sozinha, ou ainda a

criança concebida através de técnicas de inseminação artificial, conhecida

popularmente como “reprodução independente”. A segunda definição, a

superveniente, nasce da separação do núcleo originário composto por duas

pessoas, mas que por algum motivo alheio, como por exemplo morte ou divórcio,

acaba se separando.

Em relação à família monoparental, enfatiza brilhante entendimento

Assim, os avanços trazidos pelo texto constitucional de 1988 não se limitam a dar nova visão à família matrimonial, nem à família convivencial. Caminhou o constituinte no sentido de refletir a massiva realidade social, como daquele casal que já viveu uma relação matrimonial ou união informal, e restante desfeitas pelo termino do relacionamento (separação, divórcio ou dissolução de união estável) ou pelo falecimento de um deles, deixou frutos com os quais convive o pai ou a mãe, muitas vezes sem a intenção de

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constituir novamente vida conjugal com outrem e, ainda, daqueles que, com admite há longo tempo a legislação vigente, mesmo solteiros (por opção ou qualquer outra impossibilidade), têm filhos biológicos ou adotivos. (QUEIROZ, 2008, p. 188).

Com todo o dito, é notório que seu reconhecimento e inclusão no texto

constitucional como entidade familiar se fez necessária devido aos inúmeros casos

de ocorrência desse formato de família na sociedade. Por ser válida sua condição de

entidade familiar, todas as regras advindas do direito de família são intrínsecas a

ela, não sendo possível se fazer qualquer discriminação ou diferenciação.

d) Família mosaica ou pluriparental.

Entidade familiar muito recorrente nos dias atuais, a família pluriparental ou

mosaica trata-se da entidade familiar recomposta, na qual seus participantes depois

do desfazimento de relações afetivas pretéritas passam a buscar um novo núcleo

familiar para reconstruir um propósito de vida em comum. O núcleo familiar advém

da reconstrução dos casais, onde um ou ambos são egressos de casamentos ou

uniões anteriores, trazendo assim para a nova entidade familiar os filhos da antiga

formação, e não raras vezes do fruto dessa nova relação vêm filhos em comum.

Conforme definição de Santos (2011, p. 231)

Não raro, as pessoas descasadas unem-se a outras também descasadas, dando origem a um novo núcleo familiar. Não raro, também, essas pessoas trazem para a nova união os filhos provenientes de uniões anteriores, os quais estabelecem um diversidade de relacionamento com o padrasto, a madrasta e com os filhos destes.

A legislação já contribui para tutela e adequação da situação dos envolvidos

dessa conjuntura familiar contemporânea, permitindo a adoção unilateral do filho de

um cônjuge ou companheiro pelo outro, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do

Adolescente em seu art. 41, §1º, bem como a lei 11.924/09 possibilitou ao enteado

agregar o nome do padrasto sem excluir o poder familiar do genitor.

Sendo assim, é possível salientar que a família mosaica demonstra

efetivamente o exercício da liberdade individual de todo homem e mulher que em

busca de sua felicidade e realização procuram formar novo núcleo familiar. Além

disso a formação mosaica torna evidente a força do afeto nas relações familiares na

qual independente das ligações genéticas existente entre os filhos da formação

anterior e os novos padrastos e madrastas buscam através da convivência, do

respeito e do carinho tornam-se família de fato.

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b) Família parental ou extensa ou ampliada.

Uma conjuntura familiar é denominada família parental ou família extensa ou

ampliada, sendo caracterizada como a entidade familiar formada por um

agrupamento de pessoas unidas pelos laços de parentesco biológico ou

socioafetivo.

Também como todos os tipos de família existentes na sociedade

contemporânea, esta conjuntura baseia-se igualmente no afeto, pelo qual se

caracteriza pela união de pessoas, na maioria das vezes parentes, em uma mesma

estrutura familiar. Um exemplo de família parental é a convivência de dois irmãos,

que por motivos psicológicos ou financeiros habitam um mesmo lar, dividindo a vida

em comum por anos e anos sem a convivência com os pais e também aquelas

compostas por avós e respectivos netos, formando assim uma entidade familiar.

A modalidade de família extensa ou ampliada foi implementada no Estatuto

da Criança e do Adolescente, com sua nova redação dada pela Lei 12.010/09

denominada Lei da Adoção, que trouxe à criança e ao adolescente a possibilidade

de convivência com parentes próximos que a criança tem vínculo de afetividade e

afinidade, sendo a disponibilização da criança para adoção uma medida excepcional

utilizada somente se todas as outras hipóteses restaram fracassadas. O parágrafo

único do art. 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente define a família extensa

como “aquela que estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do

casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente

convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.”

A medida legal da adoção que trouxe mudanças ao texto do Estatuto da

Criança e do Adolescente demonstra uma preocupação maior com o bem estar do

menor, bem como a valorização da afetividade nessas relações familiares

garantindo a permanência da criança ou adolescente com parentes que elas

mesmas já tenham estabelecido um vínculo afetivo e que garantirão à criança o

respaldo e cuidado que tanto necessita.

c) Família pluriafetiva ou poliamor.

Entidade familiar que vem tomando espaço tanto na sociedade como no

Direito, a família poliafetiva é aquela formada por três ou mais indivíduos, a qual

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seus conviventes tem um relacionamento íntimo e fiel entre si com o reconhecimento

e consentimento de todos os envolvidos, podendo ser considerado consensual, ético

e responsável. Trata-se de uma nova forma de convívio que ainda não está tutelado

no ordenamento jurídico, mas que está se enquadrando na lista da família do futuro,

pelo qual vem se reinventando a todo o momento, mostrando também que se pode

amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

Segundo Pablo Stolze e Pamplona Filho (2013 p. 463)

O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus participes conhecem-se e aceitam-se uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.

No poliamorismo seus integrantes aceitam-se de forma aberta, fundados

primordialmente nos laços afetivos tendo o animus de constituir família, bem como

tornar tal relação pública, estável e contínua, tendo entre si completa confiança,

lealdade, respeito e fidelidade nessa relação, configurando-se a união estável.

Ainda que seja uma realidade ainda pouco conhecida publicamente pela

sociedade brasileira, é necessário dispor que os conviventes que adotam esse tipo

de elo familiar não podem ser tratados diferentes no seio da sociedade por uma

simples lacuna legal. Com fulcro no princípio da igualdade, da afetividade e do

principio maior da dignidade da pessoa humana, é cediço que essa modalidade

família deve ser considerada válida, impedindo qualquer tipo de discriminação,

aplicando normas que fundamentam os vários tipos de família através da analogia

jurídica e da hermenêutica. Assim coaduna Dias (2015, p. 139) quando afirma que

“negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente

impor a exclusão de todos os direitos no âmbito dos direitos das famílias e

sucessório.”

Vale ressaltar que a presente estrutura familiar não se trata de poligamia, que

nada mais é do que o casamento de pessoas já casadas, tratando-se de um

impedimento bem como um crime. Os envolvidos no poliamor não detêm qualquer

impedimento para formarem família, inclusive tendo a família poliafetiva legalizada

por meio do registro de União Estável.

O debate acerca da validade da família pluriafetiva e da lavratura das

declarações de uniões poliafetivas ainda geram inúmeras controvérsias. Atualmente

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o Conselho Nacional de Justiça suspendeu os registros até que seja analisada a

regulamentação do tema. Os defensores da ilegalidade dessas uniões baseiam-se

na proibição da poligamia no Brasil. Porém é importante salientar que o

reconhecimento das uniões poliamorosas como instituição familiar deve ser levado

em consideração e tem validade, pois observando-se o princípio da dignidade da

pessoa humana previsto constitucionalmente, bem como da não intervenção estatal

e principalmente o da afetividade e igualdade, o conceito de família não pode e não

deve marginalizar quais outras estruturas contemporâneas independente de raça,

sexo ou até mesmo do número de integrantes envolvidos.

O afeto é hoje o propulsor de todas as molduras familiares e limitar a escolha

afetiva dos integrantes dessa forma de família estará ferindo tanto o direito à

felicidade dos envolvidos quanto a autonomia familiar de cada individuo inserido

nela. A proibição da família poliafetiva somente ensejará a marginalização e o

preconceito da sociedade ante essa conjuntura familiar que se trata de uma família

como qualquer outra, suprimindo o direito a igualdade e dignidade dos envolvidos.

d) Família homoafetiva.

Ao longo dos anos é indiscutível afirmar que a sociedade tem passado por um

processo contínuo de transformação, alterando conjuntamente a realidade que

impera a sociedade. Sendo assim, tem se vislumbrado um número cada vez mais

crescente de pessoas que tem por opção afetiva e sexual, o relacionamento com par

do mesmo sexo. A essa entidade familiar dá-se a definição de união homoafetiva,

sendo esta o núcleo formado por duas pessoas do mesmo sexo com o objetivo de

constituir família.

O avanço ao reconhecimento dessas uniões foi árduo principalmente devido a

intolerância do Estado e da Igreja que permitiam apenas uniões entre pessoas de

sexos diferentes, tendo como argumento a procriação e perpetuação da espécie.

Posteriormente a Constituição de 1988, no art. 226, trouxe o conceito de

entidade familiar, reconhecendo a existência de relações afetivas além da estrutura

matrimonial. Ante essa inovação, foram abarcadas na proteção do Estado as

famílias formadas por meio da união estável e a família monoparental. Porém, vale

recordar que este rol constitucional não limita à proteção aos diversos formatos

familiares contemporâneos, “tratando de cláusula geral de inclusão, não sendo

admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade,

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estabilidade e ostensividade” (DIAS, 2015, p. 272). Devido ao vinculo afetivo, as

uniões homoafetivas devem, sem dúvidas, ser identificados como entidade familiar

merecedora de tutela legal. Também entendimento semelhante sobre a questão

Meire Cristina Queiroz (2008, p. 190)

Desse modo o conceito de família não está adstrito aos contornos limitados e abstratos da letra fria e seca da lei. A interpretação do caput do artigo 226 se dá tendo em vista os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica, da liberdade, do direito à personalidade, entre outros comentados anteriormente, vez que o fim do Estado, conforme visão kantiana é realização do bem comum, de sociedade livre, fraterna, sem preconceitos de sexo, cor, origem e raça (art. 3º da CF), tratando a humanidade como um fim e nunca como um meio.

O Supremo Tribunal Federal por meio de julgado disposto na Ação Direta de

Inconstitucionalidade 4227 conjuntamente com a Ação Direta de Preceito

Fundamental 132, trouxe o reconhecimento jurídico das pessoas do mesmo sexo

como entidade familiar, reconhecendo o conceito ampliado do termo “família”, com

base no princípio constitucional da igualdade, reconhecendo também a união estável

entre casais do mesmo sexo. Conforme dispõe sábio julgado voto do Ministro Luiz

Fux:

Pois bem. O que distinguem do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: Nada as distingue.[...] Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequando de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos. (STF, ADI. nº 4227/DF Relator Ministro Ayres Britto, julgado em 05 de maio de 2011, publicado em 14 de outubro de 2011)

Posteriormente o entendimento do Conselho Nacional de Justiça concernente

a habilitação e celebração do casamento civil homoafetivo e da conversão de união

estável em casamento também foi questão superada com a Resolução nº 175/2013,

já citada em tópico anterior.

Ante todo o exposto, fica evidente que o judiciário tem caminhado em prol da

igualdade jurídica entre pessoas do mesmo sexo com fulcro na dignidade e na

afetividade dos membros da família, contribuindo para seu reconhecimento e

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facilitando que os participantes destas relações exerçam direitos como toda família,

inclusive de adoção. É necessário a conscientização de que independente da raça,

cultura, religião ou igualdade de sexo que a família é constituída, o primordial é que

por ser um núcleo moldado pela afetividade entre seus membros, não cabe a

sociedade o julgamento, mas sim a aceitação do outro, com vistas a garantir a

igualdade e a dignidade, bem como combater preconceitos, tendo também o Estado

o dever salvaguardar essas minorias.

e) Família Eudemonista.

A família é o epicentro das relações de afeto de todo individuo, a partir do

qual ele busca sua felicidade e realização plena, sendo o relacionamento afetivo por

excelência o vínculo formador de todas as entidades familiares contemporâneas. O

modelo de família eudemonista podendo ser conceituado como aquele no qual cada

indivíduo da entidade familiar busca na própria família, ou por meio dela sua

realização. Conforme dispõe Dias (2015, p. 144)

O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, com se infere da primeira parte do §8º do art. 226 da CF: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram.

De maneira generalizada, as famílias contemporâneas tem como premissa a

doutrina eudemonista, buscando fazer da convivência familiar comum, um ambiente

de carinho, responsabilidade recíproca benevolência, respeito, amor e de afeto

viabilizando assim o pleno desenvolvimento de todos os participantes da entidade

familiar.

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4 O VALOR JURÍDICO DO AFETO E A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO

ILICITO DECORRENTE DO DESAMOR NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Conforme já analisado, o afeto é, por excelência, o princípio norteador de

todas as molduras familiares contemporâneas, sendo demonstrado por meio de uma

pluralidade de ações e sentimentos como o carinho, o respeito, a solidariedade, a

benevolência e o amor, como também pelo dever de cuidado, guarda, educação,

sustento, dentre outros.

[...] O afeto é um dos sentimentos que mais gera autoestima nas pessoas, pois produz um hormônio que garante o bem-estar ao corpo. Um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfações, de agrado ou desagrado prazer e alegria. (SCHIMIDT, 2013, p. 189).

Compreende-se que por esse emaranhado de sentimentos e condutas que

garantem felicidade e realização física, espiritual e psicológica, é possível

reconhecer que o afeto faz parte do caráter de qualquer indivíduo e que sendo um

fenômeno psíquico inerente a todos os seres humanos, produz, por derradeiro,

consequências para o mundo jurídico, devendo ser considerado um valor a ser

protegido.

A família ainda que uma instituição constituída pelas relações afetivas

existentes entre os seus integrantes, invariavelmente, assim como todo núcleo

social, tem suas divergências de pensamentos, ideais e vivências, ocorrendo

conflitos que, se não resolvidos, geram rupturas profundas no seio familiar.

Infelizmente as desgastes familiares mesmo que ocultos por demais íntimos ocorrem

com frequência, gerando a depreciação do afeto e da convivência saudável e

instabilidade, modificando negativamente a vida dos envolvidos e a relação jurídica

que os envolve.

Diante dessa realidade devastadora, que por vezes é recorrente nas relações

familiares, torna-se imensurável a importância do estudo e da comprovação da

aplicabilidade da responsabilidade civil no direito de família como instrumento de

caráter compensatório, punitivo e educativo aos danos morais gerados pelas

fissuras decorrentes do desamor parental que pode ser caracterizado como um

ilícito civil.

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No primeiro momento, para melhor argumentação sobre o tema, se faz

necessário o estudo mais aprofundado de alguns institutos do Código Civil que

conduziram à conclusão sobre a questão analisada.

4.1 Aspectos gerais da responsabilidade civil

A responsabilidade civil é tema de grande importância no direito privado

sendo através deste instrumento que diversos direitos subjetivos são efetivados,

inclusive no direito de família, sendo de relevante importância o estudo dos aspectos

gerais concernentes a este instituto do Direito Civil que passou, e ainda tem

passado, por diversas transformações ao longo dos anos por consequências das

próprias mudanças sociais e dos interesses dos indivíduos inseridos nas relações

jurídicas contemporâneas.

Nos primórdios da humanidade era dominante a autotutela dos interesses por

meio da vingança coletiva, que se caracteriza como a reação conjunta de um grupo

contra o ofensor que ofendia um de seus componentes. Posteriormente a garantia

de interesses passa a ser uma reação individual, ou seja, privada, onde a justiça é

feita pelas próprias mãos sob o enfoque da conhecida Lei de Talião. Sendo assim,

nessa fase, conforme coaduna Branco (2006, p. 38) “[...] Nessa fase, a

responsabilidade surge como retaliação permitida ao ofendido contra aquele que lhe

impôs determinado mal, podendo, assim, exercer o seu direito à vingança privada.”

Após essa primeira fase, vem o período em que se inicia a caracterizada pela

oferta da composição com o autor da ofensa, permitindo que este último cumpra a

obrigação pela reparação do dano por meio da poena (pagamento de certa valor em

dinheiro), gerando assim o ressarcimento do dano. Graças a essa forma de acordo o

cumprimento da responsabilidade através da retaliação passou a ser usado com

menos frequência na sociedade.

No Direito Brasileiro, o Código Criminal de 1830 tratava-se de um código

misto civil e criminal, no qual a reparação do dano causado estava atrelada à

condenação criminal. Somente após alguns anos o princípio da independência

jurisdicional foi adotado no sistema jurídico brasileiro separando as searas. O

Código Civil de 1916 abarcou-se à teoria subjetiva, a qual exige culpa ou dolo do

agente causador do dano para que este tenha a obrigação de recompô-lo. Somente

em determinadas situações eram permitidas a presunção de culpa do lesante.

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A partir do desenvolvimento industrial e das constantes mudanças que

passou a sociedade nas mais diversas esferas, principalmente nos setores de

consumo de bens e serviços, a teoria do risco passou a ser a mais adotada para

dirimir as questões ligadas a responsabilidade civil

Logo, antes de questionar a existência, ou não, da culpa sob suas diferentes formas, passou a importar mais a idéia do risco, dando espaço cada vez maior à responsabilidade civil fundada no dever de reparar a lesão, independentemente de qualquer censura que se pudesse fazer ao comportamento do responsável por tal reparação. Daí é possível afirmar que a antijuridicidade da conduta, do modo com tradicionalmente a concebemos, já não se apresentava como imprescindível à reparação do dano, uma vez que a responsabilidade poderia surgir invariavelmente de comportamentos admitidos pelo Direito, os quais, não obstante regulares sob tal aspecto, não isentariam o agente da obrigação de reparar a lesão sofrida pela vítima. [...]. (BRANCO, 2006, p. 41).

Atualmente, ainda em alguns dispositivos e leis esparsas são adotados os

princípios da responsabilidade objetiva, da culpa presumida, porém devido

principalmente as inúmeras nuances que merecem a tutela da responsabilidade civil,

a teoria do risco, ou seja, a responsabilidade objetiva não é suficiente para tutelar as

mais plurais situações que ocorrem no âmbito do Direito Civil. Sendo assim,

viabilizando cuidar de toda a extensão dos danos passiveis de reparação, admitindo-

se inclusive a tutela dos direitos de caráter personalíssimo, a legislação civil

brasileira adota como regra a teoria subjetiva, disposta nos artigos 186 que coloca

que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e

o art. 927 que coaduna que “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo.”

Diante do exposto, demonstrando brevemente a evolução da

responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, passa-se agora ao estudo

dos aspectos gerais da responsabilidade civil.

4.1.1 Conceito e requisitos para a caracterização da responsabilidade civil

Regulada no Código Civil em seus arts. 186 e 187, bem como no art. 927 da

mesma lei, a responsabilidade civil é a consequência do descumprimento de uma

obrigação imposta por lei ou contrato resultando na reparação do dano, tendo

natureza jurídica punitiva de caráter educativo e pedagógico, afim de que o autor

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não mais reitere o inadimplemento da obrigação, bem como natureza ressarcitória,

no qual busca-se o ressarcimento do dano causado à vitima para restabelecer o

estado anterior a quebra do dever.

Maria Helena Diniz (2010, p. 34) coaduna que

[...] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia de culpa quando cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva).

Como já dito, atualmente a responsabilidade apresenta novos contornos em

seus fundamentos em relação ao passado, não ligados somente às funções de

reparação patrimonial, mas seu conceito contemporâneo também está conexo à

proteção dos danos ligados exclusivamente aos direitos da personalidade do ser

humano, ou seja a reparabilidade dos danos essencialmente morais.

Na contemporaneidade, o instituto da responsabilidade civil mantém sua função matricial de promover a reparação de danos decorrentes das condutas antijurídicas. Mas seus horizontes foram alargados enormemente por força da virada paradigmática da Modernidade para a pós Modernidade, que resultou na centralidade da pessoa humana em relação a todo o Direito. A responsabilidade civil manteve a função de repor o patrimônio material das pessoas, mas agregou a de recompor o patrimônio moral (SANTOS, 2011, p. 149-150).

O art. 186 do Código Civil traz que “aquele que por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Examinando o artigo se pode extrair

claramente que para se configurar a responsabilidade civil necessário se faz a

existência de determinados pressupostos: a conduta, o dano e o nexo causal. A

ausência de qualquer deles na conduta realizada pelo agente impossibilita a

caracterização da responsabilidade e consequentemente seus efeitos reparadores.

A conduta é definida como o comportamento do agente causador do dano

que pode se basear em uma ação ou omissão que se apresente como um ato lícito

ou ilícito sendo praticada por ato próprio ou de terceiro que tenha uma relação de

responsabilidade ou sob a guarda dele, ou ainda de danos causados por animais ou

coisas que lhe pertençam. O Código Civil prevê algumas hipóteses acerca do ilícito

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praticado por ato próprio como na ocorrência do abuso do direito que será

demonstrada ao longo deste estudo. No segundo caso, o dano causado por terceiro

ocorre quando o ilícito é consumado, por exemplo, pelo filho ficando responsáveis

pela reparação o pai e a mãe do menor. Os danos causados por animais ou coisas

ocorrem por quem em regram o proprietário tem responsabilidade civil direta sobre o

que estiver em sua guarda, bastando a ocorrência do dano para que seja

caracterizada sua conduta antijurídica, independente da prova de culpa.

O dano é a lesão a um interesse jurídico tutelado pela lei de conteúdo

patrimonial ou extrapatrimonial. Se afeta somente o patrimônio do ofendido é

denominado dano material. O dano que abarca lesão extrapatrimonial é denominado

dano moral, no qual a ofensa do devedor está atrelada aos direitos da personalidade

do indivíduo ou nos atributos da pessoa. A doutrinadora Maria Helena Diniz (2010,

p.38) traz brilhante disposição acerca do dano

A ocorrência de um dano moral e/ou patrimonial causado à vitima por ato comissivo ou omissivo do agente ou do terceiro por quem o imputado responde, ou por um fato de animal ou coisa a ele vinculada. Não pode haver responsabilidade civil sem dano, que deve ser certo, a um bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão.

Apreende-se através de seu entendimento que se ficar comprovada a

existência de lesão ao bem jurídico da vítima, caracteriza-se por derradeiro o dano

independente de sua natureza material ou moral, incidindo em ambas as hipóteses a

responsabilidade civil ao indivíduo. Para caracterização do dano são necessários

que sejam observados se os requisitos estão presentes sendo eles: a) a diminuição

ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a outra pessoa;

b) a efetividade ou certeza do dano; c)causalidade; d) subsistência do dano

momento da reclamação do lesado; e) legitimidade e f) ausência de causas

excludentes de responsabilidade.

O nexo de casualidade diz respeito ao elo entre a ação e omissão do agente

e o resultado danoso produzido. Sem o nexo de casualidade inexiste a

responsabilidade civil, pois ninguém é obrigado a indenizar outrem lesado do qual

não tenha concorrido com o dolo

[...] tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Bastará que se verifique que

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o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência. (DINIZ, 2010, p. 111).

Vale ressaltar que determinadas situações excluirão o nexo de casualidade

existente entre o lesante e a vitima. Ela pode ocorrer pela culpa exclusiva da vítima,

por culpa concorrente, por culpa comum, por culpa de terceiro ou por força maior ou

caso fortuito. Em todos esses casos é preciso que o magistrado analise com cuidado

a conduta praticada, bem como todas devem ser devidamente comprovadas

deixando o lesado sem a reparação do dano sofrido ou sendo obrigado a repará-lo

de maneira conjunta com o agente concorrente.

4.1.2 Espécies de responsabilidade civil

A responsabilidade civil em relação ao seu fato gerador, pode ser classificada

como responsabilidade civil contratual e a extracontratual.

A primeira advém da violação da norma advinda de contrato celebrado pelas

próprias partes. Neste caso, quem deseja entrar com a ação deve apenas

demonstrar a incidência do inadimplemento contratual. Esta responsabilidade tem

fulcro sancionatório, sendo uma infração a um dever especial preexistente firmado

entre as partes contratantes. Na extracontratual, também denominada aquiliana, a

responsabilidade emerge de um dever geral imposto pela lei, recaindo essa segunda

forma sobre qualquer indivíduo que viole direito e cause dano a outrem por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, conforme dispõe o art. 186 do

Código Civil. Na responsabilidade civil aquiliana o responsável por demonstrar a

culpa do causador do dano é o autor da ação, ou seja, a vítima do dano.

Com relação à consideração da culpa, a responsabilidade civil se desdobra em

responsabilidade civil objetiva ou responsabilidade civil subjetiva. Na objetiva a culpa

é presumida por lei ou de atividade perigosa exercida pelo causador do dano, sendo

necessária apenas a prova do nexo de causalidade, tratando-se de situação de

culpa presumida. Sendo assim, quando a culpa é presumida, o autor da ação só

precisa demonstrar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu.

No entanto, no caso da responsabilidade subjetiva, é exigida a prova da culpa

causada pelo dano, pois decorre da pratica de ato ilícito, sendo este denominado

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como um ato que viola um direito e causa dano a pessoa, pois decorre de uma

conduta contrária a lei, ou em desacordo com o ordenamento jurídico

A fonte dessa responsabilidade é a inobservância da lei, ou melhor, é a lesão a um direito, sem que entre o ofendido e o ofendido exista qualquer relação jurídica anterior [...] o lesante terá o dever de reparar o dano que causou à vitima com o descumprimento de preceito legal ou a violação de dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de personalidade, ou seja, com a infração à obrigação negativa de não prejudicar ninguém. O ônus probandi caberá a vitima; é ela que deverá provar a culpa do agente (DINIZ, 2010, p. 130).

Quanto ao agente, a responsabilidade subdivide-se em direta ou indireta. No

primeiro caso incidirá quando a conduta for praticada pelo próprio agente imputado.

O segundo caso acontecerá se a responsabilidade advir de ato de terceiro que o

agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal ou de coisas

inanimadas que estejam sob sua guarda.

4.1.3 Espécies de dano

O dano pode ser classificado de acordo com bem jurídico lesado. Se atingir

exclusivamente o patrimônio do lesado, trata-se de dano material. De acordo com

Maria Helena Diniz (2010, p. 68), o dano patrimonial pode ser definido como a “lesão

concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na

perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo

suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável”.

De acordo com este entendimento, a violação patrimonial trata-se do ilícito

que remonta ao dano causado contra os bens materiais do individuo tendo o

causador do dano realizar o ressarcimento, via de regra, em dinheiro ou em

determinados casos, pela restituição ao statuo quo ante pela restituição natural do

bem.

O dano material também se subdivide em dano material direto e indireto, o

qual são apontadas suas particulares em três aspectos. O primeiro aspecto está no

fato de que o dano material é aquele que ocasiona um prejuízo imediato ao

patrimônio da vítima. Por outro lado o indireto afronta direitos extrapatrimoniais

causando de maneira mediata, perdas patrimoniais. Em uma segunda classificação

designa-se dano direto o causado a própria vitima do fato lesivo e indireto o sentido

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por terceiros devido a esse mesmo evento prejudicial. Em um último enfoque o dano

direto é considerado o prejuízo que for consequência imediata da lesão e indireto

aquele que resultar da conexão de um fato lesivo com um acontecimento avesso ao

primeiro.

Relatada essa primeira espécie de dano, é importante salientar que por

muitas décadas o direito voltou-se apenas para a proteção da propriedade, motivo

este que a doutrina apenas considerava patrimônio os bens materiais de valor

econômico pertencentes a determinada pessoa. Com o passar dos anos e devido às

alterações sociais e consequentemente legislativas, trazendo o ser humano como

sujeito central de proteção do ordenamento jurídico, atualmente é certo dizer que o

dano moral é o qual afronta a ordem subjetiva do ofendido, ou seja, sua integridade

como pessoa não lhe atingindo o patrimônio. Romualdo Batista Santos (2011, p.

182) alude que

O ataque a esses bens, embora não produza desfalque econômico para a vítima, traduz-se em uma perda para sua personalidade. Considerando a centralidade da pessoa humana como objeto de proteção pelo Direito, a doutrina e a jurisprudência passaram a defender o dever de reparar os danos causados, diretamente, à personalidade. Ou seja, a reparação dos danos morais nada mais é do que o reconhecimento, pelo Direito, do valor jurídico da esfera interna da personalidade. O “como eu me sinto” passou a ter um significado, não apenas para a própria vítima, mas para toda a coletividade. Por isso, é lícito concluir que os danos morais são, na verdade, danos à estrutura afetiva da vítima, podendo ser denominados também de danos afetivos.

Apreende-se através do texto que a proteção o homem deixou de estar em

segundo plano e se tornou figura central no ordenamento jurídico visando

resguardar tanto os direitos materiais quanto imateriais, ou seja, direitos da

personalidade. Ao abarcar esse princípio como base do ordenamento constitucional

com reflexos determinantes nas leis abaixo dela, o indivíduo passou a ter proteção

tanto na seara estatal como na privada, protegendo-o em todas as suas

particularidades.

Conforme conceitua Diniz (2010, p. 93)

Danos morais consistem na lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade, como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem etc. Ou, então, nos atributos da pessoa, como o nome, a capacidade, o estado familiar etc.

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O dano moral se classifica em direto ou indireto (dano ricochete). A primeira

ocorre quando há um ataque direto à personalidade da vitima, enquanto o segundo

caso advém de uma ação indireta que afeta o indivíduo, como perda de um ente

querido ou perda de um objeto de valor afetivo. Como os danos morais afetam

profundamente a esfera íntima da personalidade do indivíduo pode-se dizer que os

danos morais podem ser considerados sinônimos de danos afetivos.

Ao contrário do dano material que apenas remonta a reparação do patrimônio

físico da vítima, seja através de dinheiro, substituição por coisa equivalente ou da

mesma monta, no caso do dano moral o objeto afetado é a personalidade do lesado

que resulta em complicações psíquicas ao indivíduo, trazendo-lhe dor, tristeza,

degradação, amargura e ferindo acima de tudo sua honra, confiança e dignidade

Até a pouco tempo seria impensável afirmar a existência de um patrimônio afetivo, bem como a configuração de dano a esse acervo, uma vez que o Direito não se ocupava da esfera interior da personalidade, isto é, da afetividade. Hodiernamente, porém, a personalidade passou a ser objeto de proteção jurídica, de modo que o Direito deve se ocupar também da estabilidade afetiva das pessoas, seja porque essa proteção está em linha com a dignidade da pessoa humana, seja porque a afetividade é parte da condição humana e repercute na vida em sociedade. (SANTOS, 2011, p. 187)

De acordo com o exposto no trecho, ao oferecer proteção aos direitos da

personalidade, o legislador constituinte buscou proteger o ser humano em todas as

suas potencialidades demonstrando que não são apenas as problemáticas

patrimoniais físicas que devem ser protegidas, mas também as questões intrínsecas

ao íntimo do indivíduo. Daí surge a ideia da proteção ao patrimônio afetivo, ou seja,

do resguardo ao conjunto de relacionamentos que cada pessoa mantem em

determinado período da vida que contribuem para a manutenção de sua estrutura

afetiva e das relações existente entre os membros desse vínculo.

Não há como se negar que a família é a base afetiva de toda pessoa,

independente se formada ou não por vínculos genéticos, mas sempre terá vinculada

em si a afetividade, formando o patrimônio afetivo principal de cada membro,

principalmente da criança que pertence aquele seio familiar, onde ela aprende o

significado de afetividade, carinho, compreensão e amor. Diante dessa realidade é

notável a certeza de que o dano causado pelos próprios entes familiares é

infinitamente mais grave do que aquele causado por terceiros a relação, devido

justamente as relações afetivas que permeiam esse núcleo.

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Através da nova ordem jurídica estabelecida pela Constituição Federal de

1988, bem como com as alterações advindas com o Código Civil de 2002, além das

mudanças sociais e transformações nas relações humanas ao longo dos tempos, o

entendimento sobre a reparabilidade do dano trouxe a sua reclassificação,

abarcando em sua definição não somente os danos materiais que dizem respeito ao

patrimônio físico/exterior do indivíduo, mas também a tutela aos direitos

personalíssimos, acentuando que o ser humano tornou-se o eixo central da tutela do

ordenamento jurídico brasileiro, em todas as suas estruturas e sistemas jurídicos.

4.2 O ilícito civil e o ilícito nas relações familiares

O Ilícito Civil é denominado como um ato que viola um direito e causa dano à

pessoa ou ao seu patrimônio, pois decorre de uma conduta contrária à lei, ou em

desacordo com o ordenamento jurídico. No ordenamento jurídico brasileiro a regra

geral dispõe que o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos advém da culpa, e

será reprovado ou censurado quando evidenciado pelo caso concreto que o autor do

ato lesivo poderia ter agido de modo diverso ou deveria fazê-lo.

O Código Civil regula em seu art. 186 que “aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Através do artigo citado, apreende-se

que não basta apenas que o agente tenha violado determinado direito de outrem,

mas principalmente que ele tenha agido com culpa. A culpa em sentido amplo,

ocorrida devido a pratica intencional ou de omissão de diligência ou cautela

ocasiona o dolo e o ato praticado com negligência, imprudência ou imperícia, sem

qualquer violação do dever caracteriza a culpa em sentido estrito.

De acordo com o entendimento de Gonçalves (2011, p. 316)

Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante -, enquanto na segunda a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados. O juízo de desvalor no dolo incide sobre a conduta, ilícita desde a sua origem; na culpa, incide apenas sobre o resultado.

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Apreende-se por meio dessa regra que para a configuração do ilícito civil é

necessário que haja um dano advindo de atividade culposa, obrigando o agente a

ressarcir o prejuízo ocasionado. O ilícito tem em sua essência dois fundamentos

sendo eles: a infração de um dever preexistente ao ato errôneo e a imputação do

resultado a consciência do agente. Sendo assim, faz-se necessário que ação ou

omissão voluntária do agente tenha a intenção de violar norma jurídica protetora de

interesses alheios ou determinado direito subjetivo individual, bem como o infrator

deve ter plena consciência da ilicitude do ato que praticou, agindo com dolo, se

intencionalmente procura lesar outrem, ou culpa, se mesmo sabendo dos prejuízos

que sua conduta pode ocasionar, assume o risco de provocar evento danoso, não

sendo observado o dever de cuidado, sendo esse dever a essência primaria.

Para existência do ilícito civil, conforme já dito, basta a existência dos

pressupostos, não sendo necessários situações específicas para sua

caracterização. Sendo assim, é cediço que em qualquer relação interpessoal é

possível a ocorrência do dano, principalmente nas relações familiares nas quais

seus efeitos são ainda mais nefastos, repercutindo profundamente na intimidade dos

membros desse grupo. Hodiernamente dentro do seio familiar ocorre tanto o ilícito

civil disposto no art. 186 como, consequentemente, e em maior incidência, o abuso

do direito descrito no art. 187, também caracterizado como ato ilícito, sendo possível

a ocorrência destes tanto na relação conjugal como também na convivência paterno-

materno-filial.

Com relação aos cônjuges, o ilícito civil ocorre quando não são respeitados os

deveres conjugais do matrimônio, previstos no art. 1.566 do Código Civil que dispõe

que “são deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade reciproca; II – vida em

comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e

educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos”. Tais prerrogativas

buscam nortear o casamento, mas não bastam apenas o seu descumprimento para

caracterização do ilícito, fazendo-se necessário que a sua ocorrência tenha tornado

insuportável a vida em comum.

Convém destacar, entretanto, que a infração aos deveres do casamento, vista como fenômeno isolado, não se mostra por si só capaz de evidenciar a presença de dano moral indenizável, uma vez que este somente se perfaz quando o comportamento adotado, além de autorizar a dissolução do casamento, trouxer ao cônjuge inocente inegável sensação de dor, aflição, humilhação, sentimentos de desamor que de forma nítida influenciaram negativamente na relação de vida. [...] (BRANCO, 2006, p. 66).

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Conforme disposto pelo doutrinador não basta apenas que o dever conjugal

que enseja posteriormente a dissolução do casamento tenha sido desobedecido,

mas que o descumprimento do mesmo tenha gerado profundos abalos psicológicos

e emocionais, desgosto e diminuição da sua condição de pessoa humana, afetando

a seara pessoal do indivíduos.

Além do ilícito nas relações conjugais, também recai sobre as relações

paterno afetivas, sendo nesse caso devido à ocorrência do desrespeito aos deveres

inerentes ao poder familiar.

O instituto do poder familiar está disposto nos arts. 1630 a 1638 do Código

Civil e trata-se do exercício da autoridade dos pais sobre os filhos menores de forma

igualitária, democrática e baseada na afetividade. Ao contrário da definição anterior

denominado pátrio poder, onde o poder parental emanava somente do pai o qual era

o chefe de família (pater famílias), como forma de garantir que este tivesse em suas

mãos todo o poder sobre os filhos e seu patrimônio, inclusive renunciando ao filho se

bem quisesse.

Atualmente entende-se o poder de família como a autoridade pautada no

melhor interesse da criança. De acordo com Lobo (2011, p. 297):

A evolução gradativa, ao longo dos séculos, deu-se no sentido da transformação de um poder sobre os outros em autoridade natural com relação aos filhos, como pessoas dotadas de dignidade, no melhor interesse deles e da convivência familiar. Essa é sua atual natureza. Assim, o poder familiar, sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus, concebido como encargo legalmente atribuído a alguém, em virtude de certas circunstâncias, a que se não pode fugir [...]

O Código Civil disciplina os poderes dos pais no exercício de sua autoridade

parental, conforme se observa no art. 1.634:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

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VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Tais atribuições devem ser elencadas como legítimos deveres legais dos pais

em relação aos filhos, podendo sua violação gerar responsabilidade civil da

autoridade parental por ato ilícito. Em relação ao cuidado, o legislador civil propôs

em primeiro lugar como dever dos pais no exercício do poder familiar a obrigação de

dirigir a educação e criação dos filhos menores. Sendo assim, não basta apenas

gerir as necessidades materiais dos filhos, função esta que seria simplesmente o

pagamento da pensão alimentícia, carecendo também contribuir efetivamente na

sua formação educacional e moral, conferindo ao jovem arcabouço psicológico e

afetivo em meio à convivência familiar, a fim de contribuir para o desenvolvimento do

filho em todas as suas particularidades

A relação filial, internamente expressa a partir do exercício do poder familiar, retrata não mais um poder exercido em razão da peculiar que vincula pais e filhos, mas revela um conjunto de instrumentos normativos que se coloca a serviço do desempenho da tarefa maior que é a de proporcionar à criança e ao adolescente os meios necessários ao desenvolvimento das potencialidades inerentes à sua personalidade. (BRANCO, 2006, p. 114).

Além disso, no art. 1.632 da atual codificação dispõe brilhantemente que “a

separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as

relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de

terem em sua companhia os segundos”, com o fulcro de resguardar a

incomensurável importância da convivência familiar e da contribuição afetiva de

ambos os genitores para o crescimento saudável da criança, sob pena de não se ver

cumprido o dever constante no art. 1.634, inciso I, bem como um dever dos pais de

ter os filhos sob sua companhia. Acerca desse dever de formação da prole e da

convivência da mesma com seus pais, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

(2011, p. 12) versa sobre a existência do “direito ao pai” expondo que

Por direito ao pai, na sua valoração juridicamente relevante, deve-se entender o direito atribuível a alguém de conhecer, conviver, amar e ser amado, de ser cuidado, alimentado e instruído, de colocar-se em situação de aprendizado e de apreensão dos valores fundamentais da personalidade e da vida humanas, de ser posto a caminhar e a falar, de ser ensinado a viver, a conviver e a sobreviver, o que ocorre com a maioria dos animais

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que habita a face da Terra. Na via reversa, encontra-se o dever que tem o pai – leia-se também, sempre, a mãe - de produzir tal convívio, de modo a buscar cumprir a tarefa relativa ao desenvolvimento de suas crias, que é, provavelmente, a mais valiosa de todas as tarefas incumbidas à raça humana. É na afetividade que se desdobra o traço de identidade fundamental do direito gerado no seio da relação paterno-filial, que, sem deixar de ser jurídica, distingue-se de todas as demais relações justamente pelo fato de que ela, e apenas ela, pode, efetivamente, caracterizar-se e valorar-se, na esfera jurídica, pela presença do afeto.

Concernente aos deveres do poder familiar encontra-se também o direito de

pais de exigir que os filhos lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios

de sua condição, bem como tem os genitores o direito de educar o filho da maneira

que melhor lhe aprouver. Em relação a esse preceito, é importante compreender que

devem ser observados o princípio da dignidade da pessoa e a proteção integral da

criança e do adolescente, sendo vedada a exigência de obediência de forma

excessiva com o uso de violência ou maus-tratos. Se houver uso de medidas

demasiadamente degradantes à criança ou ao adolescente, gerando tanto lesões

físicas como psicológicas ao indivíduo caracteriza-se o abuso de direito. Conforme

versa sabiamente Tartuce acerca do abuso de direito nas relações paterno-filiais

(2014, p. 439):

Primeiro, porque a exigência de obediência não pode ser desmedida, sendo vedado maus tratos e relação ditatorial. Em havendo abusos nesse exercício, estará configurado o abuso de direito, o que pode repercutir, em casos de danos, na esfera da responsabilidade (art. 187 e 927 do CC). Como consequência, além da suspensão ou destituição do poder familiar, o pai ou a mãe poderá ser condenado a pagar a indenização por danos morais aos filhos se os maus tratos estiverem presentes. Lembre-se que como parâmetros para o abuso de direito devem ser considerados os previstos no art. 187 do CC, que são verdadeiras cláusulas gerais: fim social, boa fé objetiva e, principalmente, bons costumes; o que gera a responsabilidade objetiva do pai ou mãe abusador (Enunciado n. 37 CJF/STJ).

O abuso de direito se caracteriza quando um determinado direito lícito em si,

por estar agindo no exercício regular, é excedido de forma abusiva ou com excesso

pelo agente, ou seja, torna-se ilícito devido ao modo que é exercido. Caracteriza-se,

assim, o abuso de direito (seja pela ação ou omissão), por força do art. 187 do

Código Civil que versa que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao

exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou

social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Através da análise do presente

dispositivo legal, entende-se que o abuso de direito se pauta pela tríade da boa-fé,

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dos bons costumes e da função social e econômica dos direitos, sendo o primeiro

critério de maior relevância para seu entendimento.

O princípio da boa fé é de suma importância para delimitação do abuso

devido ao fato de que em praticamente todos os atos apontados como abusivos

conforme versa Farias (2015) “estará presente uma violação ao dever de agir de

acordo com os padrões de lealdade e confiança ditados pelo conteúdo desse

fundamental princípio, independentemente de qualquer propósito de prejudicar”.

Sendo assim, é possível compreender que boa fé e abuso de direito são

complementares um do outro, pois o exercício de determinado direito será irregular,

e nesta monta, abusivo se consubstanciar quebra de confiança e frustração de

legitimas expectativas.

Da violação do princípio da confiança, surge modalidade de abuso de direito

denominada proibição do comportamento contraditório, consagrando a assertiva de

que ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa. Conforme conclusão

de Farias (2015) acerca do tema

Dessa noção conceitual, é possível extrair os elementos essenciais para a proibição de comportamento contraditório: i) uma conduta inicial; ii) a legitima confiança despertada por conta dessa conduta inicial; iii) um comportamento contraditório em relação a conduta inicial; iv) um prejuízo, concreto ou potencial, decorrente da contradição. Fundamenta-se a vedação de comportamento contraditório, incoerente, na tutela jurídica da confiança, impedindo que seja possível violar as legitimas expectativas despertadas em outrem. Essa confiança, por seu turno, decorre da cláusula geral de boa-fé objetiva (bem definida pela doutrina germânica como Treu und Glauben, isto é, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes).

Assim, verifica-se que tanto o ilícito civil quanto o abuso de poder são

situações passiveis no âmbito familiar, seja na relação conjugal quanto na relação

paterno filial, ocasionando sérios danos morais e psicológicos devido a quebra do

dever de confiança, lealdade e afeto, condições essas que coexistem em todos os

núcleos familiares, gerando reflexos nas relações afetivas entre os indivíduos.

Diante desta realidade, indagação frequente que ocorre no plano jurídico está

relacionada à possível reparação dos danos ocasionados pelo ilícito civil no âmbito

familiar e para entendê-lo faz-se necessário o entendimento da teoria do desamor

como motivação de indenização.

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4.3 A teoria do desamor

Comumente, devido a conflitos no núcleo familiar, inúmeras relações

familiares acabam passando por crises, podendo resultar em sua desconstituição.

Os responsáveis resolvem suas pendências, porém não raras vezes, os filhos

advindos dessa relação são os que mais sofrem seus impactos.

A teoria do desamor, também denominada teoria do abandono afetivo, dispõe

acerca da responsabilização paterno filial em razão da conduta omissiva do

responsável em relação a não prestação do afeto ao filho, admitindo a possibilidade

de indenização por dano moral ao menor, desde que tal conduta desonrosa do

responsável traga prejuízos psicológicos.

Quando se fala em desamor, não se diz respeito ao deixar de amar. Ademais,

o amor é sentimento subjetivo de cada indivíduo, sendo intangível sua mensuração

ou imposição a quem quer que seja. O que se busca tutelar com base na teoria do

desamor é a responsabilização pela transgressão ao dever original e biológico de

cuidado devido ao desrespeito aos deveres inerentes ao poder familiar, inclusive

agindo de maneira fria, ausente, demasiadamente autoritária e em determinados

casos até de maneira violenta com o menor, excedendo ilicitamente suas atribuições

parentais. Compartilha a mesma compreensão Giselda Hironaka (2001, p. 02 ), uma

das percussoras e defensoras do reconhecimento da teoria do desamor:

Tem me sensibilizado, igualmente, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

Vale salientar que o abandono afetivo não ocorre apenas com a saída da

figura paterna do lar familiar, mas também quando o pai não cumpre, sem razões

para a falta, o direito de visitas regulamentado por acordo ou sentença judicial entre

os genitores, demonstrando completo descaso paterno ou materno, gerando

reiteradas frustações ao filho, mas também por analogia, da rejeição paterna ao filho

até mesmo no seio familiar. Situações que não são raras podem ser constatadas

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quando os pais abusam psicologicamente e fisicamente dos filhos através de

correções verbais demasiadamente ofensivas, castigos desmedidos, correções

físicas violentas, abuso sexual, bem como de maneira omissa, como quando não se

preocupa com a assiduidade escolar do filho ou com sua saúde em caso de doença,

quando se aproveita do seu direito de obediência perante o filho para fazê-lo praticar

atos atentatórios à dignidade do incapaz, sendo essas ações demonstrações

cotidianas do desamor do responsável em relação ao menor e que trará reflexos em

toda a sua fase de desenvolvimento, gerando marcas profundas naquele que o

sofre.

4.4 A violação do princípio da afetividade: a configuração do ilícito pelo

desamor familiar

Muito se discute acerca da possibilidade da imposição de responsabilidade

civil no âmbito das relações familiares, sendo uma temática ainda distante ser

solucionada. Aos que são a favor da tese da responsabilização da paternidade

irresponsável, acreditam que o desamor, ou seja, a negativa do afeto, gera inúmeras

sequelas psicológicas ao indivíduo, caracterizando, por conseqüente, um ato

contrário ao ordenamento jurídico por ferir os direitos da personalidade do filho, sua

dignidade, decoro e honra.

Por outro lado, ainda há os que se opõem à tese, defendendo que a adoção

da responsabilização e reparação pelo dano moral decorrente do desamor

importaria em uma monetarização do afeto, não sendo tangível mensurar o amor em

valores pecuniários, sendo que este deve ser ofertado de maneira gratuita, natural e

espontânea e não uma obrigação jurídica, sob o controle estatal. Além disso,

coadunam que nos casos de situações onde há abuso do poder familiar que o

Código Civil já predispõe de medida que solucione a questão, como a destituição do

poder familiar, sendo, por conseguinte desnecessária a imposição de sanção civil de

caráter estritamente econômico.

Analisando tais premissas contrárias à tese de responsabilização por

desamor ou abando afetivo, demonstrar-se-á com fulcro nos princípios de órbita

constitucional e das normas civis ligadas ao direito de família, conjuntamente através

de entendimentos jurisprudenciais, que as teses contrárias estão em alarmante

retrocesso em relação ao direito contemporâneo, conforme será demonstrado.

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De acordo com o estudo até o momento, a afetividade há muito já deixou de

ser considerada exclusivamente como um sentimento humano ou uma mera

emoção, tendo valor somente nos campos psicológico e social. Com o passar das

décadas, conforme já dito, as famílias passaram por transformações juntamente com

a sociedade e a vontade de cada indivíduo de construir um ambiente harmônico,

pleno e feliz da maneira que melhor aprouver e independente de parâmetros rígidos,

formando assim um núcleo familiar eudemonista, baseado na livre iniciativa das

partes envolvidas e principalmente pelo liame afetivo que os une.

A afetividade trata-se de um fator ligado intimamente ao desenvolvimento

humano, e é na família que primeiramente ele é conhecido e demonstrado a todo

indivíduo. Sendo o afeto um valor inerente ao ser humano, constituindo um valor

vigente na sociedade e também, por excelência, ao direito de família, trata-se de um

princípio a ser preservado tanto pela ordem constitucional como também leis

infraconstitucionais. Sobre o tema aponta Santos (2011, p. 187)

Há casos em que a simples declaração de direitos relacionados com a estrutura afetiva e imposição de deveres específicos são insuficientes para promover a adequada proteção da pessoa. Mas a desídia, o descaso, a falta de cuidado na proteção da pessoa dos filhos, ou mesmo a ação deliberada podem causar danos irreversíveis à estrutura psíquica. Entendemos que, no caso de danos consolidados, as medidas afirmativas de direitos e as corretivas de condutas não têm mais cabimento porque são inadequadas ao restabelecimento a estrutura emocional da pessoa ofendida. Nesses casos, diante da impossibilidade de recomposição afetiva, o único remédio adequado é a substituição pecuniária, mediante condenação do ofensor ao pagamento de indenização por danos morais.

Através do pensamento do doutrinador, entende-se que ainda que o dever de

cuidado esteja previsto na Constituição Federal, nas leis infraconstitucionais, frise-se

Direito Civil e leis esparsas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, por

vezes, tais disposições não trazem efetividade à proteção do dever jurídico de

prestar assistência ao filho, sendo necessária a utilização de outras medidas legais

sancionatórias para as hipóteses em que ocorre o ilícito civil, ou seja, o abuso do

poder expresso no art. 187 do Código Civil, pois este se trata de “um indicativo de

ilicitude revestido de maior gravidade, por atentar contra a dignidade constitucional

da família” (ALVES, 2005, p. 07).

À partir do nascimento ou adoção dos filhos, o responsáveis contraem para si

os deveres inerentes ao poder familiar, devendo obedecê-los com vistas a garantir

plena proteção ao menor. A obrigação de respaldo estatal e parental ao menor está

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explícita na Constituição da República Federativa, nos seus arts. 227 e 229

respectivamente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Conforme apontam os referidos artigos, tanto ao Estado como aos

responsáveis legais são atribuídos deveres de proteção, com vistas a contribuir para

o desenvolvimento pleno dos filhos em todas as suas necessidades, sendo

colocados a salvo de toda forma de negligência ou ato atentatório eles. Igualmente o

Estatuto da Criança e do Adolescente, nos arts. 7° e 19, coaduna que acriança e o

adolescente precisam ter garantido o crescimento sadio, de forma harmoniosa, bem

como o direito de serem criados e educados pela própria família, garantindo a eles o

direito fundamental à convivência familiar. Em todos os dispositivos elencados, o

legislador preocupou-se primordialmente com a prerrogativa do cuidado, da proteção

e da afetividade que tem relação intrínseca com os tais deveres, demonstrando a

presença do Estado na tutela do patrimônio material, moral e afetivo, bem como

insurgir a importância do princípio da paternidade responsável no ordenamento

familiar.

O art. 1.637 do Código Civil expressa acerca do abuso do poder familiar o seguinte

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

A falta no cumprimento dos deveres familiares são situações subjetivas que

resultam em inegáveis circunstâncias caracterizadoras do abuso de direito de

filiação, podendo ocorrer de forma ativa ou omissiva. Na forma ativa o ofensor age

de deliberadamente, realizando atos atentatórios ao bem estar da criança, como

correções demasiadamente severas, ofensas reiteradas, ameaças e violência física.

Além disso, outros atos abusivos tornam-se presentes quando o titular do poder

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familiar realiza rigoroso assédio moral, utilizando-se de sua autoridade paterna para

alcançar objetivos egoísticos, obrigando o filho a realizar tarefas que não são

capazes ou tomar decisões que claramente o filho não quer tomar.

Na omissão as hipóteses se configuram pela falta de cuidado cotidiano, pela

desídia, pela falta de vigilância e cuidado, não se preocupando com os riscos que a

criança pode estar passando e pela deserção do próprio poder familiar, onde o

responsável não age em situações que se torna imprescindível o agir. Todas essas

hipóteses caracterizam expressamente o desamor do pai em relação aos filhos,

marcando a vida do menor que tem seu direito de cuidado eivado por diversas

condutas inadequadas do detentor do poder familiar, depondo assim ato ilícito contra

a dignidade do filho e afrontando o princípio da paternidade responsável.

O princípio da paternidade responsável trata-se de um desdobramento da

dignidade da pessoa humana, da responsabilidade e da afetividade, merecendo

destaque em razão da importância que a paternidade e a maternidade tem na vida

dos filhos. As leis não se limitam apenas as competências atribuídas aos pais, mas

também com relação a uma gama de deveres com vistas a atender o melhor

interesse do filho, principalmente no que tange à convivência familiar e à proteção

contra qualquer abuso excessivo advindo das violações dos deveres intrínsecos ao

poder familiar.

O Poder Familiar atualmente é dirigido com vistas a garantir o interesse dos

filhos, sendo determinante o respeito mútuo entre todos os envolvidos, tendo como

principal fundamento os princípios do melhor interesse do filho menor e da proteção

integral da criança. Ainda que ocorra o divórcio, de acordo com art. 1.636, os pais

que contraem novas nupciais ou estabelece união estável, o poder familiar quanto

aos filhos menores não se extingue, permanecendo seus deveres inerentes aos

cuidados com os filhos do relacionamento anterior. Queiroz (2015, p.111) elucida

brilhantemente a questão expondo que:

O poder familiar é uma necessidade natural das pessoas, nas relações de filiação, pois o ser humano precisa de alguém que o direcione e o proteja durante um período de sua vida. [...] Assim, não há uma relação de subordinação, uma vez que os filhos não são objeto da autoridade dos pais, mas sim, sujeitos destinatários do exercício dos direitos da personalidade da família, concretizando-se, através do exercício do poder familiar, simultaneamente, os interesses dos filhos e dos pais.

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O cuidado, a atenção, o respeito e, primordialmente, o amor são o ligamento

de todas as molduras familiares contemporâneas, ou pelo menos deveria ser a

busca incessante de toda a família, merecendo a tutela do Estado nos casos de um

poder familiar grotesco, marcado pelo desafeto e pelo abuso do direito dos pais em

relação aos filhos menores, caracterizando ilícito civil constante no art. 187 do

Código Civil e a afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa humana, da

proteção ao melhor interesse da criança e principalmente o da afetividade

Os menores, pessoas em desenvolvimento, devem ter tutelados seus direitos da personalidade, e o arcabouço familiar é determinante na preservação da dignidade do menor. Trata-se de direito fundamental deste. Portanto, a conduta de um pai ausente, que não cumpre os deveres inerentes á autoridade parental, adequa-se perfeitamente entre as hipóteses de cabimento de responsabilização civil, desde que cause um dano ao filho. (VIANNA, 2008, p. 465).

Ainda que haja divergência concernente à imposição ou não de dano moral

no direito de família com base no desamor, é de suma importância ressaltar que não

é vedada pelo ordenamento jurídico a responsabilidade civil e a posterior

indenização, tratando os textos legais sobre o tema de maneira ampla e irrestrita.

Nesse sentido o STJ através do REsp. 1.159.242/SP proclama que

Muitos, calcados em axiomas sem focam na existência de singularidades na relação familiar – sentimentos e emoções – negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores. Contudo não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no Direito de Família (REsp 1159242/ SP RECURSO ESPECIAL 2009/0193701-9, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, 24/04/2012).

Felizmente, o entendimento pela responsabilização paterno filial decorrente

do desamor tem sido aceito na jurisprudência e na doutrina, demonstrando que o

cuidado é revestido de valor jurídico a ser tutelado e por consequência indenizável

se desrespeitado. Concernente ao tema, a Ilustre Ministra Nancy Andrighini indica

manifestamente em seu brilhante julgado

AFETIVIDADE, AMOR, MÁGOA, TEORIA DA RESPONSABILIDADE, RELAÇÕES INTRAFAMILIARES, INTERPRETAÇÃO TÉCNICA E SISTEMÁTICA DO DIREITO, DEVER DE ASSISTÊNCIA PSICÓLOGICA, PERSONALIDADE DO INFANTE, HIGIDEZ PSICOLÓGICA, NECESSARIUM VITAE. É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha,

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sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois, nos casos em que os pais se omitem do dever de dirigir a criação e educação aos filho, a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do filho, ofertando-lhes, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos. É possível a fixação de indenização ṕor dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois o sofrimento causado à filha caracteriza o dano in re ipsa, traduzindo-se em causa eficiente à compensação.(REsp 1159242/ SP RECURSO ESPECIAL 2009/0193701-9, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, 24/04/2012).

Entendimento semelhante, tendo como conclusão a procedência da ação por

abando efetivo, decorre também outras decisões que já compreendiam a

possibilidade da aceitação da indenização e responsabilização, bem como

demonstram claramente a importância do princípio da afetividade

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCIPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (...) No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem de seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado. Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de denominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. (...) No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar. No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além, de coloca-la “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou as estranhos, mas a cada membro da própria família. Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. (TJ/MG, ApCiv. 408.550-5. Proc 2.0000.00.408550-5/00, Rel. Des. UNIAS SILVA, julgado em 01/04/2004, publicado em 29/04/2004).

A família atual deve se preocupar com o livre desenvolvimento da

personalidade de cada um dos seus membros, sendo um ente funcionalizado, onde

todos têm o objetivo de promover o livre desenvolvimento dos demais membros.

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Nesse contexto, em que a família torna-se o centro de desenvolvimento da

personalidade de cada um de seus membros, a conduta do pai que abandona seu

filho revela-se violadora dos seus direitos, uma vez que o art. 227

da Constituição Federal inclui no rol dos direitos da criança e do adolescente a

convivência familiar. O pai que deixa de prestar a assistência afetiva, moral e

psicológica a um filho, violando seus deveres paternos, pratica uma conduta ilícita,

ensejadora de reparação no campo moral.

É certo que a lei prevê a perda do poder familiar como medida sancionatória

do abandono afetivo, porém vale ressaltar que a medida em questão ao invés de

gerar sanção ao responsável infrator, estaria de certa forma fazendo um favor,

colaborando para que o ilícito se perpetue e se reitere. Um pai que reiteradamente

maltrata, abandona, machuca, fere fisicamente, não se preocupa com o bem estar e

educação do filho, deixando assim de prestar o imprescindível suporte moral, afetivo

e psicológico, visivelmente já está agindo com desamor em relação à criança. Deixar

de indenizar e ainda por cima permitir que ele se exima do poder familiar seria um

grande retrocesso ao direito de proteção aos ilícitos dessa monta, contribuindo para

que inúmeros outros casos ocorram e até mesmo que o próprio indivíduo reitera o

ilícito. Próximo a este entendimento observa-se também o parecer de Pamplona e

Stolze (2013, p. 748) acerca da responsabilização decorrente do abandono afetivo

Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida. Mas é preciso compreender que a fixação da indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “a perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria com um verdadeiro favor.

Por derradeiro, tem-se que a indenização por dano moral decorrente do

desamor nas relações familiares, advindas da inobservância aos princípios

constitucionais da afetividade e do princípio maior da proteção à dignidade da

pessoa humana, bem como dos dispositivos 186 e 187 do Código Civil, mostra-se

admissível nas tutelas onde é comprovado o dano psicológico ao filho, tratando de

medida de caráter sancionador e pedagógico, recaindo ao ofensor a

responsabilidade civil subjetiva.

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4.4.1 A Reparação do dano na órbita do direito de família: a sanção do ilícito

pelo desamor

Conforme evidenciado, a indenização por dano moral no direito de família

com base no desamor é valida, é medida de responsabilização com duplo objetivo -

sancionar o agente causador do dano ao patrimônio afetivo do menor pelo ilícito civil

e abuso de direito, conforme arts. 186 e 187 do Código Civil, bem como caráter

pedagógico, sendo esta responsável por garantir que o ato não seja reiterado.

Sendo assim, havendo a configuração do ilícito, ainda que no âmbito familiar, não se

pode opor a possibilidade de reparação do dano moral, não sendo este motivo

desagregador daquela instituição, mas sim de proteção da dignidade dos seus

membros. Entendimento idêntico demonstra Reis (2013, p. 107):

Para tanto, os danos morais que possuem função compensatória e desestimuladora de novos atos lesivos; exerce importante efeito sobre a personalidade do ofensor na medida em que constrange na pratica de novos e reiterados atos lesivos. Essa função pedagógica dos danos morais vem assinalando uma nova função essencialmente punitiva desses danos morais vem assinalando uma nova função essencialmente punitiva desses danos [...]. Uma postura que objetiva reprimir condutas lesivas na seara dos direitos fundamentais e, dentre eles, as lesões que se operam no direito de família e, que violam obrigações inerentes aos deveres decorrentes do poder familiar. Afinal é inadmissível que na pré-modernidade onde predomina o princípio da dignidade da pessoa humana, que encarna o espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ser humano continue a ser sistematicamente estigmatizado em seus direitos essenciais. Na vida familiar não mais se justifica que violações a esses direitos de primeira dimensão interfiram no pleno desenvolvimento da personalidade dos membros familiares, subtraindo-se deles o inarredável direito ao afeto para que a pessoa tenha condições no futuro, de crescer a atingir sua plenitude como ser humano.

O art. 927 do Código Civil dispõe que “aquele que, por ato ilícito, causar dano

a outrem fica obrigado a repará-lo”. Para concretizar essa reparação é necessário

que o ofendido ou seu responsável legal demonstre interesse no mesmo, bem como

fique demonstrada a ocorrência do ilícito. A ação de reparação do dano moral pode

ser imposta pelo próprio ofendido se este for capaz e maior ou no caso de

incapazes, cabe ao seu responsável legal ou membros de sua família ligados a ele

afetivamente. A doutrina majoritariamente compreende que o dano moral se

configura pela simples ofensa aos direitos da personalidade e, sendo assim, a

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criança ou adolescente até mesmo antes da completa maioridade da vítima do dano

moral são titulares da proteção estatal.

Para sua caracterização deve restar comprovado que houve efetivamente a

ocorrência do dano e que o mesmo gerou lesões psicológicas ou até mesmo físicas

ao filho que sofreu o desamor. Para se verificar a caracterização do comportamento

lesivo, é importante que haja prudência e que o comportamento lesivo seja visto de

forma contextualizada. Conforme dito anteriormente, reiterados abusos dos meios

de correção, principalmente nos casos que lesem fisicamente ou tragam problemas

psíquicos aos filhos, são condutas aptas para que recaia sobre a vítima a reparação

pelo dano moral.

A propósito, ainda que esse direito de indenização seja correto e legitimo à

vitima, é importante compreender que as ações relacionadas ao abandono afetivo

não se tratam de um mero pretexto para penalização do pai ou que a referida ação

ensejará o rompimento do vínculo filial. O desamor não acontece do dia para a noite,

mas paulatinamente no âmbito familiar através de diversos abusos cometidos,

degradando a honra e a dignidade dos filhos cotidianamente. Conforme dispõe

Branco (2006, p. 119)

A admissibilidade da reparação dos danos morais nas relações de filiação está circunscrita, pois, às situações nas quais, seja por conta do comportamento lesivo ou pela ausência preexistente do vínculo afetivo, não se conceba a subsistência material da relação paterno-filial, conquanto formalmente possa aquela resistir à demanda reparatória.

Ainda que a verificação de cada caso seja uma questão de ordem complexa,

ainda sim é uma atitude necessária tanto para os magistrados como para os

advogados, com vistas a evitar a banalização das proposituras de tais ações.

Conforme sabiamente leciona Hironaka (2011, p. 23):

Contudo, o perigo da banalização não deve fazer com que se perca de vista o verdadeiro e importante papel dos juízes, em casos como esses, que corresponde exatamente à sua função de agentes transformadores dos valores jurídicos, de molde a adequar o Direito aplicado aos paradigmas da atualidade. No que diz respeito aos advogados, urge alertar-se para a necessidade de que façam – sempre e cuidadosamente – uma séria e profunda análise ética das circunstâncias de cada caso, a fim de verificar se a efetiva presença de danos causados ao filho pelo abandono afetivo paterno – ou materno, se for o caso – antes da propositura de tais ações. Porém – mais importante que tudo – a verdade é que o medo da banalização certamente não pode transformar-se em mais um dos gigantescos empecilhos que nos têm cegado na compreensão daquilo que verdadeiramente consideramos como nobre e essencial nessa conquista jurisprudencial tão significativamente corajosa e inovadora.

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Em relação ao valor da causa, conforme dispõe o art. 292, V do Código de

Processo Civil, o valor da causa da ação indenizatória, inclusive a fundado em dano

moral será o valor pretendido. Para isso, deverá ser analisada a conduta realizada e

a extensão do dano sofrido conforme preleciona o art. 944 do Código Civil “a

indenização mede-se pela extensão do dano”. Nos casos de danos imateriais não é

possível medir exatamente sua extensão como ocorre nas hipóteses de dano

material, mas podem ser presumidos em relação à existência, devendo a vitima

alegar e provar em juízo, conforme expressa o art. 699 do Código de Processo Civil

que diz que “quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso

ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar

acompanhado por especialista”. Portanto, vislumbra-se a necessidade de apoio da

equipe multiprofissional, com estudos e pareceres de psicólogos e demais

profissionais da área, como pedagogos, psicopedagogos, psiquiatras, etc. Através

disso se verificará a intensidade do abalo sofrido, bem como será necessário o uso

de medicamentos ou tratamentos para o filho, sendo essa a base para fixação do

montante indenizatório.

A lei não dispõe de um rol taxativo de critérios para se chegar a um valor de

indenização, mas alguns devem ser levados em consideração como o impacto que o

dano causou sobre o filho, a lesividade da conduta do ofensor que realizou o abuso,

a repercussão nas relações sociais da vítima e no restante da sociedade, a

atualidade do fato e a significação econômica do valor arbitrado. Além disso, é

preciso levar em consideração o árduo tratamento que o filho deverá passar com

vistas a diminuir o trauma, incluindo medicamentos para tratamento de patologias

como depressão ou ansiedade.

Por fim, com relação a prescrição, a jurisprudência tem se posicionado no

sentido de a indenização pelo abandono afetivo ter natureza de reparação civil

conforme elencado no art. 206, §3º, V do Código Civil, ou seja a pretensão para

reparação civil prescreve no prazo de três anos, iniciando a contagem a partir da

maioridade do filho, levando em conta que a prescrição não ocorre enquanto houver

sujeição ao Poder Familiar (art. 197, II, c/c 1630 ambos do Código Civil) e o for filho

for absolutamente incapaz (art. 198, I, do Código Civil).

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. MAIORIDADE PRESCRIÇÃO. 1. Se a ação de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo foi proposta após o decurso do prazo de três anos de

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vigência do Código Civil de 2002, é imperioso reconhecer a prescrição da ação. Inteligência do art. 206, § 3º, inc. V, do CCB/2002. 2. O novo Código Civil estabeleceu a redução do prazo prescricional para as ações de reparação civil, tendo incidência a regra de transição posta no art. 2.028 do CCB/2002. 3. O pedido de reparação civil por dano moral, em razão do abandono afetivo, nada tem a ver com direito de personalidade, com direitos fundamentais ou com qualquer garantia constitucional, constituindo mera pretensão indenizatória, com caráter econômico, estando sujeita ao lapso prescricional. Recurso provido. (Apelação Cível Nº 70055587992, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28/08/2013, publicado em 04/04/2013).

Ante todo o exposto, observa-se o cabimento da responsabilização civil pelo

abandono afetivo paterno-materno-filial, podendo a ação se iniciar por vontade da

vítima ou através do genitor ou representante legal, bem como para verificar-se a

caracterização do ilícito é preciso analisar cada caso concreto, com vistas a evitar a

banalização da demanda.

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CONCLUSÃO

No presente trabalho monográfico, defendeu-se o valor jurídico do afeto na

seara do direito de família e a possibilidade de imposição de responsabilidade civil

pelo desamor nas relações familiares, caracterizado pelo abuso de direito paterno

filial.

A afetividade, conforme explicitado, deixou de ser vista no Direito apenas

como um mero juízo de valor, mas com base nas tutelas constitucionais refletidas no

direito de família do Código Civil, é possível afirmar com veemência que o afeto

sendo fator intrínseco à dignidade de todos os membros da família, principalmente

na relação paterno filial passou a ser considerado legítimo princípio jurídico.

Ao longo dos anos a afetividade passou a tomar cada vez mais espaço no

âmbito familiar, tendo importante papel para realização dos ideais de todos os

membros da família, contribuindo para que tanto cônjuges como filhos havidos ou

não do casamento, pudessem se realizar plenamente, formando assim uma

conjuntura familiar eudemonista.

Atualmente o afeto trata-se de fator marcante tanto para a criação do núcleo

familiar quanto para sua estabilidade. É na família que o todo ser humano tem as

primeiras mostras de carinho, cuidado, amor e respeito e, principalmente, onde

adquire valores morais, éticos e todo o respaldo necessário para se desenvolver de

forma sadia, tanto fisicamente quanto psicologicamente.

A família matrimonial, que antigamente era reconhecida como o único arranjo

legalmente protegido, passa a ser apenas mais um dos inúmeros protegidos pelo

Estado por meio do texto advindo no art. 226 da Constituição Federal, regramento

este que trouxe à tona a vontade do legislador constituinte em demonstrar que

independente do formato familiar escolhido pelos membros que a integram, seja ela

homoafetiva, monoparental, parental, reconstituída ou convivêncial, o Estado tem a

obrigação de amparar e colaborar para que toda a forma de marginalização seja

afastada, inclusive pelo próprio poder Estatal, devendo buscar-se formas de protegê-

los de possíveis ilícitos e, caso ocorram, de garantir que não se repitam.

O ilícito civil no Direito de Família pode ocorrer tanto na esfera conjugal, pelo

descumprimento dos deveres inerentes a união que chegue a tal ponto de tornar

insuportável a convivência do casal, como também na esfera paterno-materno-filial,

sendo está última de maior grau de lesividade, pois o ofendido é o filho.

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A criança e o adolescente, conforme dispõe a Constituição Federal, o Código

Civil e complementado também pelo Estatuto da Criança, deve ter garantida no seio

familiar uma estrutura que permita que ela se desenvolva social, espiritual e

psicologicamente sadia, devendo ambos os responsáveis legais exercer o poder

familiar sobre a criança com vista ao bem estar da mesma, demonstrando cuidado,

preocupação, carinho, responsabilidade, qualidades estas que qualificam o afeto.

Conforme demonstrado, em determinadas situações o genitor acaba por

violar seu direito adquirido pelo poder familiar por meio do abuso do direito, disposto

no art. 187 do Código Civil, agindo de forma deliberada e irresponsável com relação

à criança, reiteradamente, por meio de violência física, impondo obrigações que não

são aptas para a idade da criança, agindo de forma fria e distante com o filho, não

se preocupando com a educação e não tendo o menor cuidado com o menor. Todas

essas hipóteses, ao longo do tempo, vão gerando fissuras profundas no filho

degradando sua dignidade pelo desamor, pois a confiança pelo pai foi quebrada. O

desamor nas relações paterno-filiais trata-se de um ilícito que fere o patrimônio

afetivo do filho, fere seus direitos de personalidade, devendo sim ser imposta a

responsabilidade civil para o ofensor.

A responsabilização não tem cunho econômico, muito menos o objetivo de

monetarizar o afeto, pelo contrário. A responsabilidade civil ao ofensor que pratica o

abuso do poder parental trata-se de medida sancionatória e pedagógica, a fim de

penalizar o ofensor pelo ato ilícito cometido, bem como evitar que tanto ele como a

sociedade volte a praticar atos abusivos em relação ao próprio filho.

A Lei Civil, nos artigos 1.636 e 1.637, prevê originalmente a perda do poder

familiar nos casos de abuso do poder ou abandono, mas convenha-se que esta

medida apenas estaria coadunando para a conduta do agente que se veria livre de

qualquer penalização e, inclusive, teria seu desejo de manter-se afastado

afetivamente da criança garantido. Colaborar para a impunidade de atos como esse,

seria ir contra o próprio ordenamento constitucional e aos princípios constitucionais

da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, da melhor proteção à

criança e ao adolescente e principalmente ao princípio da afetividade.

Com a constitucionalização do Direito de Família e a crescente valorização do

vínculo de afetividade e solidariedade entre as pessoas envolvidas, faz-se

necessário esclarecer e conscientizar, através desta monografia, que os atos

cometidos pelos membros da família ou em face uns dos outros que lhes causem

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dano, geram responsabilidade civil, principalmente pelo fato de que o ato danoso

produzido por um membro da família ou companheiro a outro é de gravame maior do

que o provocado por terceiro estranho à relação familiar, ante o status familiar que

aquele desfruta, o que justifica a aplicabilidade da teoria geral da responsabilidade

civil, sobretudo com relação à reparação do dano moral decorrente do abandono

afetivo pelo desamor.

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REFERÊNCIAS

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