currículo e desenvolvimento humano

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Indagações sobre o Currículo Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo INDAGAÇÕES SOBRE CURRÍCULO Currículo e Desenvolvimento Humano

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  • Indagaes sobre o Currculo

    Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currculo

    INDAGAESSOBRE CURRCULO

    Currculo eDesenvolvimento Humano

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  • Ministrio da EducaoSecretaria de Educao BsicaDepartamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Organizao do DocumentoJeanete BeauchampSandra Denise PagelAriclia Ribeiro do Nascimento

    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao BsicaEsplanada dos Ministrios, Bloco L, sala 500CEP: 70.047-900 Braslia-DFTel. (061) 2104-8612/8613 Fax: (61) 2104-9269http://www.mec.gov.br

    Ficha catalogrfica

    [Lima, Elvira Souza]Indagaes sobre currculo : currculo e desenvolvimento humano / [Elvira

    Souza Lima] ; organizao do documento Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Ariclia Ribeiro do Nascimento. Braslia : Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2007.

    56 p. 1. Ensino Fundamental - Brasil. 2. Educao Bsica. 3. Currculo. 4. Formao

    Humana. 5. Conhecimento. I. Beauchamp, Jeanete. II. Pagel, Sandra Denise. III. Nascimento, Ariclia Ribeiro do. IV. Brasil. Secretaria de Educao Bsica. V. Ttulo.

    CDU 37.046.12

    Ficha Catalogrfica elaborada pela Bibliotecria Lcia Helena Alves de Figueiredo CRB 1/1.401

    Impresso no Brasil

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  • Indagaes sobre o Currculo

    Currculo eDesenvolvimento Humano

    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

    INDAGAESSOBRE CURRCULO

    Currculo eDesenvolvimento Humano

    Braslia2007

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  • Ministrio da EducaoSecretaria de Educao BsicaDepartamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Coordenadores do grupo de trabalho responsvel pela elaborao do documento

    Antnio Flvio MoreiraMiguel Gonzles ArroyoJeanete BeauchampSandra Denise PagelAriclia Ribeiro do Nascimento

    Grupo de trabalhoAriclia Ribeiro do NascimentoCeclia Correia Lima Sobreira de SampaioCleyde de Alencar TormenaEliza MontrezolJane Cristina da SilvaJeanete BeauchampKarina Rizek LopesLuciana Soares SargioLydia BecharaMrcia Helena LopesMaria Eneida Costa dos SantosRoberta de OliveiraRoseana Pereira MendesSandra Denise PagelStela Maris Lagos OliveiraSueli Teixeira de MelloTelma Maria Moreira (in memoriam)Vitria Lbia Barreto de Faria

    Equipe de ApoioCristiana Martins de AzevedoLucineide Bezerra DantasMarlene Matos de OliveiraMiriam Sampaio de Oliveiraa

    Reviso de textoMrcia Helena Lopes

    Projeto Grfico e EditoraoFormatos design

    Tiragem500 mil exemplares

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  • Indagaes sobre currculo

    APRESENTAO

    A publicao que o Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado Secretaria de Educao Bsica SEB, deste Ministrio da Educao MEC, ora apresenta, tem como objetivo principal de-flagrar, em mbito nacional, um processo de debate, nas escolas e nos sistemas de ensino, sobre a concepo de currculo e seu processo de elaborao.

    No recente a abordagem curricular como objeto de ateno do MEC. Em cumprimento ao Artigo 210 da Constituio Federal de 1988, que determi-na como dever do Estado para com a educao fixar contedo mnimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a formao bsica comum e respeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e regionais, foram elabo-rados e distribudos pelo MEC, a partir de 1995, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil/RCNEI, os Parmetros Curriculares Nacio-nais/PCNs para o Ensino Fundamental, e os Referenciais Curriculares para o Ensino Mdio. Posteriormente, o Conselho Nacional de Educao definiu as Diretrizes Curriculares para a Educao Bsica.

    No momento, o que est em discusso a elaborao de um documento que, mais do que a distribuio de materiais, promova, por meio de uma estratgia dinmica, a reflexo, o questionamento e um processo de discusso em cada uma das escolas e Secretarias de Educao sobre a concepo de currculo e seus desdobramentos. Para tanto, sugerimos inicialmente alguns eixos que, do nosso do ponto de vista, so fundamentais para o debate sobre currculo com a finalidade de que professores, gestores e demais profissionais da rea educacional faam reflexes sobre concepo de currculo, relacionando-as a sua prtica. Nessa perspectiva, pretendemos subsidiar a anlise das propostas pedaggicas dos sistemas de ensino e dos projetos pedaggicos das unidades escolares, porque entendemos que esta uma discusso que precede a elaborao dos projetos polticos pedaggicos das escolas e dos sistemas.

    Dessa forma, elaboramos (5) cinco cadernos priorizando os seguintes eixos organizadores: Currculo e Desenvolvimento Humano; Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currculo; Currculo, Conhecimento e Cultura; Diversidade e Currculo; Currculo e Avaliao.

    No momento em que ocorre a implementao do Ensino Fundamental de nove anos e a divulgao dos documentos consolidados da Poltica Nacional de Educao Infantil, necessrio retomar a reflexo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil ao j desencadeada pelo Conselho Nacional de Educao.

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  • Apresentao

    A liberdade de organizao conferida aos sistemas por meio da legislao vincula-se existncia de diretrizes que os orientem e lhes possibilitem a definio de contedos de conhecimento em conformidade base nacional comum do currculo, bem como parte diversificada, como estabelece o Artigo 26 da vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB n 9.394, 20 de dezembro de 1996: Os currculos do ensino fundamental e mdio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

    Com a perspectiva de atender aos desafios postos pelas orientaes e normas vigentes, preciso olhar de perto a escola, seus sujeitos, suas complexidades e rotinas e fazer as indagaes sobre suas condies concretas, sua histria, seu retorno e sua organizao interna.

    Torna-se fundamental, com essa discusso, permitir que todos os envolvidos se questionem e busquem novas possibilidades sobre currculo: o que ? Para que serve? A quem se destina? Como se constri? Como se implementa?

    Levando em considerao que o processo educativo complexo e fortemente marcado pelas variveis pedaggicas e sociais, entendemos que esse no pode ser analisado fora de interao dialgica entre escola e vida, considerando o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura.

    Partindo dessa reflexo, convidamos gestores, professores e demais profissionais da educao para um debate sobre os eixos organizadores do documento sobre currculo. O fato de termos chamado estes estudiosos para elaborarem os textos significa haver entre eles pontos de aproximao como, por exemplo, escola inclusiva, valorizao dos sujeitos do processo educativo, cultura, conhecimento formal como eixo fundante, avaliao inclusiva. Por privilegiarmos o pensamento plural, reconhecemos nos textos tambm pontos de afastamento. Assim, ser possvel encontrar algumas concepes sobre currculo no necessariamente concordantes entre si. justamente divulgando parte dessa pluralidade que o MEC contribui com a discusso. H diversidade nas reflexes tericas, porque h diversidade de projetos curriculares nos sistemas, nas escolas. Esse movimento, do nosso ponto de vista, enriquece o debate.

    Em um primeiro momento, foi solicitado a profissionais, diretamente envolvidos com a questo curricular junto aos sistemas de ensino, indicados pelo/a UNDIME, CONSED, SEESP/MEC, SECAD/MEC, CONPEB/MEC, REDE/MEC, que respondessem seguinte questo: que interrogaes sobre currculo deveriam constar em um texto sobre esse tema? Posteriormente, esses profissionais efetuaram a leitura dos textos preliminares elaborados pelos autores do GT CURRCULO, visando a responder a uma segunda questo: como os textos respondem s interrogaes levantadas? Foi solicitado ainda que apresentassem lacunas detectadas nos textos e contribuies. Coube

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  • Indagaes sobre currculo

    equipe do DPE sistematizar e analisar as contribuies, apresentadas pelo grupo anteriormente citado em reunio de trabalho em Braslia, e elaborar um pr-texto para discusso em seminrios a partir da sistematizao das propostas apresentadas na consulta tcnica.

    Em um segundo momento, visando elaborao final deste documento, ocorreu em Braslia um seminrio denominado Currculo em Debate, organizado em duas edies (novembro e dezembro de 2006). Nessa ocasio, os textos, ainda em verso preliminar, foram socializados e passaram pela anlise reflexiva de secretrios municipais e estaduais de educao; de profissionais da educao representantes da UNDIME, do CONSED, do CNE e de entidades de carter nacional como CNTE, ANFOPE, ANPED; de professores de Universidades que procuraram apresentar as indagaes recorrentes de educadores, professores, gestores e pesquisadores sobre currculo e realizar um levantamento da potencialidade dos textos junto aos sistemas. Esse evento contou com a expressiva participao de representantes das secretarias estaduais e municipais de educao e da secretaria do Distrito Federal, em um total de aproximadamente 1500 participantes.

    Os textos chegam agora aos professores das escolas, dos sistemas. Apresentam indagaes para serem respondidas por esses coletivos de professores, uma vez que a proposta de discusso sobre concepo curricular passa pela necessidade de constituir a escola como espao e ambiente educativos que ampliem a aprendizagem, reafirmando-a como lugar do conhecimento, do convvio e da sensibilidade, condies imprescindveis para a constituio da cidadania. Entendemos, tambm, haver outras perspectivas, ainda no contempladas, a serem consideradas. O objetivo no , portanto, esgotar todas as possibilidades em uma nica publicao.

    Propomos uma reflexo para quem, o que, por que e como ensinar e aprender, reconhecendo interesses, diversidades, diferenas sociais e, ainda, a histria cultural e pedaggica de nossas escolas.

    Posicionamo-nos em defesa da escola democrtica que humanize e assegure a aprendizagem. Uma escola que veja o estudante em seu desenvolvimento criana, adolescente e jovem em crescimento biopsicossocial; que considere seus interesses e de seus pais, suas necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura.

    Desse modo comprometemo-nos com a construo de um projeto social que no somente oferea informaes, mas que, de fato, construa conhecimentos, elabore conceitos e possibilite a todos o aprender, descaracterizando, finalmente, os lugares perpetuados na educao brasileira de xito de uns e fracasso de muitos.

    Os eixos aqui apresentados so constitutivos do currculo, ao lado de outros. No pretenso deste documento abranger todas as demais dimenses. As aqui destacadas convergem, especialmente, para o desenvolvimento humano dos sujeitos no processo educativo e procuram dialogar com a prtica dos sujeitos desse processo.

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  • Apresentao

    O MEC tem conscincia da pluralidade de possibilidades de implementao curricular nos sistemas de ensino, por isso insiste em estabelecer o debate dentro de cada escola. Assim, optou por discutir eixos organizadores do currculo e no por apresentar perspectiva unilateral que no d conta da diversidade que h nas escolas, da diversidade de concepes tericas defendidas por pesquisadores e estudiosos.

    Professores do Ensino Fundamental, professores da Educao Infantil, gestores constituem, inicialmente, o pblico a quem se dirige este documento. Com o objetivo de debater eixos organizativos do currculo, o Ministrio considera o texto destinado tambm a todos os envolvidos com o processo educativo. A discusso, portanto, extrapola a circunscrio do espao escolar.

    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

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  • Indagaes sobre currculo

    INTRODUO

    Coletivos de educadores e educadoras de escolas e Redes vm expressando inquietaes sobre o que ensinar e aprender, sobre que prticas educativas privilegiar nas escolas, nos congressos de professores e nos dias de estudo e planejamento. Por seu lado, a teoria pedaggica tem dado relevncia a pesquisas e reflexo sobre o currculo: h teoria acumulada para reorientaes bem fundamentadas, teoria a que tm direito os profissionais da Educao Bsica. Que dilogo possvel entre a teoria acumulada e as propostas e prticas de reorientao curricular?

    A reflexo sobre o currculo est instalada como tema central nos projetos poltico-pedaggicos das escolas e nas propostas dos sistemas de ensino, assim como nas pesquisas, na teoria pedaggica e na formao inicial e permanente dos docentes. Neste perodo de ampliao da durao do ensino fundamental, em que so discutidas questes de tempo-espao, avaliao, metodologias, contedo, gesto, formao, no seria oportuno repensar os currculos na Educao Bsica? Que indagaes motivam esse repensar?

    As Secretarias de Educao Municipais, Estaduais e do DF, o MEC, por meio da Secretaria de Educao Bsica e do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental, assim como os Conselhos de Educao, vm se mostrando sensveis aos projetos de reorientao curricular, s diretrizes e s indagaes que os inspiram.

    Os textos que compem o documento Indagaes sobre Currculo se propem a trabalhar concepes educacionais e a responder s questes postas pelos coletivos das escolas e das Redes, a refletir sobre elas, a buscar seus sig-nificados na perspectiva da reorientao do currculo e das prticas educativas.

    As indagaes sobre o currculo presentes nas escolas e na teoria pedaggica mostram um primeiro significado: a conscincia de que os currculos no so contedos prontos a serem passados aos alunos. So uma construo e seleo de conhecimentos e prticas produzidas em contextos concretos e em dinmicas sociais, polticas e culturais, intelectuais e pedaggicas. Conhecimentos e prticas expostos s novas dinmicas e reinterpretados em cada contexto histrico. As indagaes revelam que h entendimento de que os currculos so orientados pela dinmica da sociedade. Cabe a ns, como profissionais da Educao, encontrar respostas.

    A construo desses textos parte dessa viso dinmica do conhecimento e das prticas educativas, de sua condio contextualizada. Da que, quando os sistemas de ensino, as escolas e seus profissionais se indagam sobre o currculo e se propem a reorient-lo, a primeira tarefa ser perguntar-nos que aspectos da dinmica social, poltica e cultural trazem

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  • Introduo

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    indagaes mais prementes para o conhecimento, para o currculo e para as prticas educativas.

    Esta foi a primeira preocupao da equipe do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental e dos autores dos textos. Esta poder ser a preocupao dos coletivos profissionais das escolas e Redes: detectar aqueles plos, eixos ou campos mais dinmicos de onde vm as indagaes sobre o currculo e sobre as prticas pedaggicas. Cada um dos textos se aproxima de um eixo de indagaes: desenvolvimento humano, educandos e educadores: seus direitos e o currculo, conhecimento e cultura, diversidade e avaliao.

    CADA TEXTO APRESENTA SUAS ESPECIFICIDADES DE ACORDO COM O EIXO ABORDADO.

    O texto Currculo e Desenvolvimento Humano, de Elvira Souza Lima, apresenta reflexo sobre currculo e desenvolvimento humano, tendo como referncia conhecimentos de Psicologia, Neurocincias, Antropologia e Lingstica. Conceitua a cultura como constitutiva dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Aborda questes como funo simblica, capacidade imaginativa da espcie humana e memria. Discute currculo e aquisio do conhecimento, informao e atividades de estudo e a capacidade do ser humano de constituir e ampliar conceitos. O texto faz uma abordagem sobre a questo do tempo da aprendizagem, apontando que a construo e o desenvolvimento dos conceitos se realizam progressivamente e de forma recorrente.

    Em Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currculo, de Miguel Gonzles Arroyo, h uma abordagem sobre o currculo e os sujeitos da ao educativa: os educandos e os educadores, ressaltando a importncia do trabalho coletivo dos profissionais da Educao para a construo de parmetros de sua ao profissional. Os educandos so situados como sujeitos de direito ao conhecimento e ao conhecimento dos mundos do trabalho. H nfase quanto necessidade de se mapearem imagens e concepes dos alunos, para subsidiar o debate sobre os currculos. proposta do texto que se desconstruam vises mercantilizadas de currculo, do conhecimento e dos sujeitos do processo educativo. O texto traz crtica ao aprendizado desenvolvido por competncias e habilidades como balizadores da catalogao de alunos desejados e aponta o direito educao, entendido como o direito formao e ao desenvolvimento humano pleno.

    O texto Currculo, Conhecimento e Cultura, de Antnio Flvio Moreira e Vera Maria Candau, apresenta elementos para reflexo

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  • Indagaes sobre currculo

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    sobre questes consideradas significativas no desenvolvimento do currculo nas escolas. Analisa a estreita vinculao que h entre a concepo de currculo e as de Educao debatidas em um dado momento. Nessa perspectiva, aborda a passagem recente da preocupao dos pesquisadores sobre as relaes entre currculo e conhecimento escolar para as relaes entre currculo e cultura. Apresenta a construo do conhecimento escolar como caracterstica da escola democrtica que reconhece a multiculturalidade e a diversidade como elementos constitutivos do processo ensino-aprendizagem.

    No texto Diversidade e Currculo, de Nilma Lino Gomes, procurou-se discutir alguns questionamentos que esto colocados, hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encontros da categoria docente: que indagaes a diversidade traz para o currculo? Como a questo da diversidade tem sido pensada nos diferentes espaos sociais, principalmente nos movimentos sociais? Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? O que entendemos por diversidade? Que diversidade pretendemos que esteja contemplada no currculo das escolas e nas polticas de currculo? No texto possvel perceber a reflexo sobre a diversidade entendida como a construo histrica, cultural e social das diferenas. Assim, mapear o trato que j dado diversidade pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relao entre diversidade e currculo. Para tanto preciso ter clareza sobre a concepo de educao, pois h uma relao estreita entre o olhar e o trato pedaggico da diversidade e a concepo de educao que informa as prticas educativas.

    Em Currculo e Avaliao, de Cludia de Oliveira Fernandes e Luiz Carlos de Freitas, a avaliao apresentada como uma das atividades do processo pedaggico necessariamente inserida no projeto pedaggico da escola, no podendo, portanto, ser considerada isoladamente. Deve ocorrer em consonncia com os princpios de aprendizagem adotados e com a funo que a educao escolar tenha na sociedade. A avaliao apresentada como responsabilidade coletiva e particular e h defesa da importncia de questionamentos a conceitos cristalizados de avaliao e sua superao. O texto faz consideraes no s sobre a avaliao da aprendizagem dos estudantes que ocorre na escola, mas a respeito da avaliao da instituio como um todo (protagonismo do coletivo de profissionais) e ainda sobre a avaliao do sistema escolar (responsabilidade do poder pblico).

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  • Introduo

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    OS TEXTOS EM SEU CONJUNTO APRESENTAMINDAGAES CONSTANTES. Todos constatam as mudanas que vm acontecendo na

    conscincia e identidade profissional dos(as) educadores(as). Todos coincidem ao destacar as mudanas nas formas de viver a infncia e a adolescncia, a juventude e a vida adulta. O que h de coincidente nessas mudanas? Educadores e educandos se vendo e sendo reconhecidos como sujeitos de direitos. Esse reconhecimento coloca os currculos, o conhecimento, a cultura, a formao, a diversidade, o processo de ensino-aprendizagem e a avaliao, os valores e a cultura escolar e docente, a organizao dos tempos e espaos em um novo referente de valor: o referente tico do direito. Reorientar o currculo buscar prticas mais conseqentes com a garantia do direito educao.

    Todos os textos recuperam o direito educao entendido como direito formao e ao desenvolvimento humano, como humanizao, como processo de apropriao das criaes, saberes, conhecimentos, sistemas de smbolos, cincias, artes, memria, identidades, valores, culturas... resultantes do desenvolvimento da humanidade em todos os seus aspectos.

    Todos os textos coincidem ao recuperar o direito ao conhecimento como o eixo estruturante do currculo e da docncia. O conhecimento visto como um campo dinmico de produo e crtica, de seleo e legitimao, de confronto e silenciamento de sua diversidade. Conseqentemente, todos os textos repem a centralidade para a docncia e para o currculo dos processos de apreenso do conhecimento, da possibilidade de aprendizagem de todo ser humano, da centralidade dos tempos de aprender, das tenses entre conhecimento, aprendizagem e diversidade etc.

    Todos os textos coincidem ao recuperar o direito cultura, o dever do currculo, da escola e da docncia de garantir a cultura acumulada, devida s novas geraes. O direito de se apropriarem das prticas e valores culturais, dos sistemas simblicos e do desenvolvimento da funo simblica to central na construo de significados, na apreenso do conhecimento e no desenvolvimento pleno do ser humano etc. Recuperar o direito cultura, to secundarizado nos currculos, uma das indagaes mais instigantes para a escola e a docncia. Recuperar os vnculos entre cultura, conhecimento e aprendizagem.

    Todos os textos tm como referente a diversidade, as diferenas e as desigualdades que configuram nossa formao social, poltica e cultural. Diversidades que os educadores e educandos levam para as escolas: scio-tnico-racial, de gnero, de territrio, de gerao

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  • Indagaes sobre currculo

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    etc. Ver a diversidade como um dado positivo, liber-la de olhares preconceituosos: superar prticas classificatrias uma indagao nuclear dos currculos. Reconhecer e respeitar a diversidade indaga concepes generalistas de conhecimento, de cultura, de saberes e valores, de processos de formao, socializao e aprendizagens.

    Todos os textos coincidem ao destacar os currculos como uma organizao temporal e espacial do conhecimento que se traduz na organizao dos tempos e espaos escolares e do trabalho dos professores e alunos. Por outro lado, todos os textos constatam as mudanas que vm ao longo dos tempos sociais, de trabalho, de vida e sobrevivncia dos educandos e educadores. Essas mudanas condicionam os tempos de socializao e formao, de aprendizagem. Conseqentemente interrogam as lgicas temporais e espaciais de organizao escolar e curricular. Ver o currculo como uma opo especfica por uma organizao temporal e espacial, que condiciona a organizao da escola, dos processos de ensinar-aprender e do trabalho dos educadores e educandos, nos leva a repensar essa organizao nas propostas de reorientao curricular.

    Todos os textos, de alguma maneira, abordam a questo da avaliao. O que se avalia e como se avalia est condicionado pelas competncias, habilidades, conhecimentos que o currculo privilegia ou secundariza. Os valores e as lgicas de avaliao reproduzem os valores, lgicas e hierarquias que selecionam, organizam os conhecimentos nos currculos. Por sua vez, o que se privilegia nas avaliaes escolares e nacionais determina as competncias e conhecimentos privilegiados ou secundarizados no currculo. Reorientar processos e critrios de avaliao implica em reorientar a organizao curricular e vice-versa.

    Este conjunto de indagaes toca em preocupaes que ocupam os profissionais da educao bsica: qual o papel da docncia, da pedagogia e da escola? Que concepes de sociedade, de escola, de educao, de conhecimento, de cultura e de currculo orientaro a escolha das prticas educativas?

    Sabemos que esse conjunto de questes tem sido objeto de debate nas escolas e no cenrio educacional nas ltimas dcadas. A funo da escola, da docncia e da pedagogia vem se ampliando, medida que a sociedade e, sobretudo, os educandos mudam e o direito educao se alarga, incluindo o direito ao conhecimento, s cincias, aos avanos tecnolgicos e s novas tecnologias de informao. Mas tambm o direito cultura, s artes, diversidade de linguagens e formas de comunicao, aos sistemas simblicos e ao sistema de valores que regem o convvio social, formao como sujeitos ticos.

    Os textos coincidem ao pensar a educao, o conhecimento, a escola, o currculo a servio de um projeto de sociedade democrtica, justa e igualitria.

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  • Introduo

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    Um ideal de sociedade que avana na cultura poltica, social e tambm pedaggica. Uma sociedade regida pelo imperativo tico da garantia dos direitos humanos para todos.

    Diante do ideal de construir essa sociedade, a escola, o currculo e a docncia so obrigados a se indagar e tentar superar toda prtica e toda cultura seletiva, excludente, segregadora e classificatria na organizao do conhecimento, dos tempos e espaos, dos agrupamentos dos educandos e tambm na organizao do convvio e do trabalho dos educadores e dos educandos. preciso superar processos de avaliao sentenciadora que impossibilitam que crianas, adolescentes, jovens e adultos sejam respeitados em seu direito a um percurso contnuo de aprendizagem, socializao e desenvolvimento humano.

    O sistema escolar, assim como a nossa sociedade, vai avanando para esse ideal democrtico de justia e igualdade, de garantia dos direitos sociais, culturais, humanos para todos. Mas ainda h indagaes que exigem respostas e propostas mais firmes para superar tratos desiguais, lgicas e culturas excludentes. Todos os textos, em seus vrios ngulos, destacam essas indagaes no apenas sobre o currculo, mas sobre a escola, a docncia e seus esforos por construir estruturas mais igualitrias, menos seletivas.

    A quem cabe a tarefa de captar essas indagaes e trabalh-las? A todo o coletivo de profissionais do sistema escolar, professores, coordenadores pedaggicos, diretores, dirigentes municipais e estaduais, profissionais das Secretarias e do MEC. Planejar encontros, espaos para estudo, debates, pesquisar prticas educativas que se indagam e buscam respostas fazem parte dessa tarefa.

    Em cada um dos textos e no seu conjunto, as indagaes apontam e sinalizam atividades que j acontecem em muitos coletivos, escolas e Redes tempos de estudo, organizao de oficinas, congressos, debates de reorientaes curriculares, de reinveno de processos de apreenso do conhecimento e de organizao de convvios; trato de dimenses da formao em projetos; reinveno das avaliaes por valores igualitrios e democrticos; respeito diversidade e superao das desigualdades etc. atividades que garantem o direito dos profissionais da Educao Bsica formao e a serem mais sujeitos de seu trabalho.

    As Indagaes sobre Currculo esperam contribuir com a dinmica promissora que vem da riqueza das teorias sobre o currculo e sobre a formao humana, e que vem das prticas pedaggicas das escolas e das Redes. Contribuir com o profissionalismo das professoras e dos professores da Educao Bsica.

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  • Indagaes sobre currculo

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    COMO LER E TRABALHAR OS TEXTOS?

    Na especificidade de cada coletivo, escola e sistema, esses eixos podero ser desdobrados, alguns sero mais enfatizados. Outras indagaes podero ser acrescentadas. Esse poder ser um exerccio dos coletivos. No conjunto de textos, prevalece um trato dialogal, aberto, buscando incentivar esse exerccio de cultivar sensibilidades tericas e pedaggicas para identificar e ouvir as indagaes que vm das teorias e prticas e para apontar reorientaes.

    Cada texto pode ser lido e trabalhado separadamente e sem uma ordem seqenciada. Cada eixo tem seus significados. Entretanto, ser fcil perceber que as indagaes dos diversos textos se reforam e se ampliam. Na leitura do conjunto, ser fcil perceber que h indagaes que so constantes, que fazem parte da dinmica de nosso tempo. Um exerccio coletivo poder ser perceber essas indagaes mais constantes e instigantes, ver como se articulam e se reforam entre si. Perceber essas articulaes ser importante para tratar o currculo e as prticas educativas das escolas como um todo e como propostas coesas de formao dos educandos e dos educadores. Captar o que h de mais articulado no conjunto de indagaes auxiliar a superar estilos recortados e fragmentados de propostas curriculares, de abordagens do conhecimento e dos processos de ensino-aprendizagem.

    Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

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  • Indagaes sobre currculo

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    CURRCULO EDESENVOLVIMENTO HUMANO

    Elvira Souza Lima

    I. INTRODUO

    Seres humanos vo escola com vrios objetivos. Mas a existncia da escola cumpre um objetivo antropolgico muito importante: garantir a continui-dade da espcie, socializando para as novas geraes as aquisies e invenes resultantes do desenvolvimento cultural da humanidade.

    Em nossa espcie, o adulto detm um papel importante, culturalmente determinado, de garantir esta continuidade. A espcie humana subsiste, exatamente, pela transmisso que seus membros mais velhos fazem aos bebs, s crianas pequenas e aos jovens das aes humanas, dos conhecimentos, dos valores, da cultura. Na escola, esta ao do adulto se revela como a funo pedaggica que o professor tem de possibilitar a apropriao do conhecimento sistematizado (que comumente chamamos de conhecimento formal), que caracteriza as cincias e as artes.

    Em um dado momento da evoluo cultural da humanidade, marcado pela inveno de sistemas simblicos registrados, foi necessrio introduzir novas formas de atividade humana para garantir a transmisso das novas formas de saberes que estavam sendo criadas. Percebeu-se a necessidade de criar um espao e um tempo separado da vida cotidiana para que as geraes se encontrassem com este objetivo.

    A escola foi criada, assim, h cerca de 4.500 anos, no momento histrico da inveno da escrita e da matemtica, do desenvolvimento da geometria e da expanso de certas prticas artsticas.

    Podemos dizer que ambas - a escrita e a escola - so criaes recentes da humanidade, principalmente se considerarmos que a fala surgiu h cerca de 200 mil anos e que os primeiros registros de imagens em suportes como parede das cavernas datam de 25 mil anos no continente europeu. Antes mesmo disto, h 32 mil anos, na frica surgiram registros, hoje chamados de protolinguagem.

    A escrita , assim, bem mais recente, tendo surgido h aproximadamente cinco milnios. Depois da criao da escrita, o desenvolvimento cultural da humanidade se acelera chegando inveno da imprensa no sculo XV. Da para frente, h uma acelerao acentuada

    1 Consultora e pesquisadora de desenvolvimento humano.

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    no desenvolvimento das cincias e das tcnicas artsticas, na inveno de equipamentos, na produo literria e desenvolvimento tecnolgico. A acelerao tal que hoje testemunhamos em uma mesma gerao mudanas enormes nas formas de comunicao dos seres humanos, no fluxo de informao entre pases e na inovao instrumental e tecnolgica. Isto reflete na escola: educar crianas hoje exige dos professores saberes muito distintos do que se exigia dos professores que os ensinaram, h 20 ou 30 anos.

    Testemunhamos nas ltimas duas dcadas mudanas extraordinrias no desenvolvimento cultural da espcie humana. Como resultado, os processos de desenvolvimento das novas geraes apresentam peculiaridades absolutamente novas, mesmo para educadores jovens.

    Considerando que o desenvolvimento humano resultante, como veremos mais adiante, da dialtica entre biologia e cultura, mudanas na cultura levaro certamente a novas formas de pensamento e de comportamento.

    A relao da criana com o adulto na escola uma relao especfica, porque o professor no , simplesmente, mais um adulto com quem a criana interage ele um adulto com a tarefa especfica de utilizar o tempo de interao com o aluno para promover seu processo de humanizao.

    O que processo de humanizao? Na antropologia, humanizar o processo pelo qual todo ser humano passa para se apropriar das formas humanas de comunicao, para adquirir e desenvolver os sistemas simblicos, para aprender a utilizar os instrumentos culturais necessrios para as prticas mais comuns da vida cotidiana at para a inveno de novos instrumentos, para se apropriar do conhecimento historicamente constitudo e das tcnicas para a criao nas artes e criao nas cincias. Processo de humanizao implica, igualmente, em desenvolver os movimentos do corpo para a realizao de aes complexas como as necessrias para a preservao da sade, para as prticas culturais, para realizar os vrios sistemas de registro, como o desenho e a escrita.

    A humanizao se refere, assim, ao desenvolvimento cultural da espcie. O desenvolvimento cultural funo do momento histrico pelo qual passa a humanidade e do quanto cada pas participa do acervo de cultura, tecnologia, cincias e bens disponveis a um momento dado. Dentro de um mesmo pas, a participao definida tambm em termos de classes sociais, etnias, gnero e diversidade biolgica.

    Um currculo que se pretende democrtico deve visar humanizao de todos e ser desenhado a partir do que no est acessvel s pessoas. Por exemplo, no caso brasileiro, clara a excluso do acesso a bens culturais mais bsicos como a literatura, os livros, os livros tcnicos, atualizao cientfica, os

    Um currculo que se pretende democrtico

    deve visar humanizao de todos e ser desenhado a partir do que no est

    acessvel s pessoas.

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    conhecimentos tericos, a produo artstica. Alm disso, existe a excluso do acesso aos equipamentos tais como o computador, aos instrumentos bsicos das cincias (como da biologia, fsica e qumica), aos instrumentos e materiais das artes. funo da escola prover e facilitar este acesso.

    A vinda da criana para a instituio tem, entre outros, um objetivo claro e preciso: aprender determinados conhecimentos e dominar instrumentos especficos que lhe possibilitem a aprendizagem. E aprender, sobretudo, a utilizar estas aquisies no s para o seu desenvolvimento pessoal, como para o do coletivo. Ou seja, o conhecimento colocado a servio do bem comum.

    A relao da criana com o adulto, na escola, mediada, ento, pelo conhecimento formal. O professor j se apropriou do conhecimento formal que o educando dever adquirir e a interao entre ambos deve ser tal que permita e promova a aprendizagem deste conhecimento.

    A ao pedaggica implica, portanto, numa relao especial em que o conhecimento apropriado. Para tanto, o educador necessita adequar sua prtica pedaggica s possibilidades de desenvolvimento e de aprendizagem de seus educandos. O aluno, por sua vez, depende, tambm, de formar atividades que levem formulao do conhecimento. Chamamos estas atividades de Atividades de Estudo, que sero discutidas no item IV.

    A instituio escolar, como vimos, foi constituda na histria da humanidade como o espao de socializao do conhecimento formal historicamente construdo. O processo de educao formal possibilita novas formas de pensamento e de comportamento: por meio das artes e das cincias o ser humano transforma sua vida e de seus descendentes. A escola um espao de ampliao da experincia humana, devendo, para tanto, no se limitar s experincias cotidianas da criana e trazendo, necessariamente, conhecimentos novos, metodologias e as reas de conhecimento contemporneas. O currculo se torna, assim, um instrumento de formao humana.

    Currculo e formao humana2

    Para refletir sobre currculo e desenvolvimento humano, necessrio recorrer a algumas reas de conhecimento alm da psicologia. Os conhecimentos oferecidos pelas neurocincias, antropologia, lingstica e pelas artes so imprescindveis para responder aos desafios de uma escola que promova a formao humana de todos os educandos e que tambm amplie a experincia humana de seus educadores.

    2 LIMA, Elvira Souza. Currculo, cultura e conhecimento. So Paulo, Editora Sobradinho107, 2005.

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    A psicologia foi a rea de conhecimento de maior influncia na educao durante grande parte do sculo XX. Uma idia bastante difundida nas ltimas dcadas a da criana que constri seu prprio conhecimento. A criana desempenha, sim, um papel importante em seus processos de aprendizagem, mas no os realiza sozinha: antropologicamente, estes processos se do por meio da ao dos adultos. E um dos componentes deste papel do adulto est na definio do conceito de currculo e de elaborao de seus componentes.

    Subjacente elaborao do currculo, est a concepo de ser humano e o papel que se pretende que a escola tenha em seu processo de desenvolvi-mento. No h, portanto, currculo ingnuo: ele sempre implica em uma opo e esta opo poder ou no ser favorvel ao processo de humanizao.

    Um currculo para a formao humana precisa ser situado historicamente, uma vez que os instrumentos culturais que so utilizados na mediao do desenvolvimento e na dinmica das funes psicolgicas superiores se modificam com o avano tecnolgico e cientfico. Esta perspectiva do tempo importante: novas reas do conhecimento vo se formando, por desdobramento de reas tradicionais do currculo (por exemplo, a ecologia a partir da biologia), ou so criadas como resultado de novas prticas culturais, internet e web, ou ainda pela complexidade crescente do conhecimento e da tecnologia.

    Um currculo para a formao humana introduz sempre novos conhecimentos, no se limita aos conhecimentos relacionados s vivncias do aluno, s realidades regionais, ou com base no assim chamado conhecimento do cotidiano. importante alertar para a diferena entre um currculo que parte do cotidiano e a se esgota e um currculo que engloba em si mesmo no apenas a aplicabilidade do conhecimento realidade cotidiana vivida por cada grupo social, mas entende que conhecimento formal traz outras dimenses ao desenvolvimento humano, alm do uso prtico. H, portanto, uma diferena entre partir ou utilizar metodologicamente a experincia cultural do aluno como caminho para ampliao da experincia humana na escola e definir como currculo a experincia cultural do aluno.

    Um currculo para a formao humana aquele orientado para a incluso de todos ao acesso dos bens culturais e ao conhecimento, Est, assim, a servio da diversidade.

    Entendemos diversidade na concepo de que ela a norma da espcie humana: seres humanos so diversos em suas experincias culturais, so nicos em suas personalidades e so diversos em suas formas de perceber o mundo. Seres humanos apresentam, tambm, diversidade biolgica. Algumas delas provocam impedimentos de natureza distinta no processo de desenvolvimento das pessoas, as comumente chamadas de portadoras de necessidades especiais.

    Como a diversidade hoje recebida na escola, h a demanda, bvia, por um currculo que atenda a todo tipo de diversidade.

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    Breve histria dos currculos

    Os currculos iniciais nas escolas do antigo Egito, da Sumria, da Grcia tinham como eixo central a escrita, a matemtica e as artes. Da escrita ensinava-se a leitura a todos, mas o ato de escrever, propriamente dito, ficava reservado s classes sociais economicamente favorecidas. Minorias que chegavam at a escola permaneciam trs anos para aprender somente a ler, enquanto as crianas das classes dominantes continuavam para aprender a escrever. Escravos que acompanhavam os filhos dos senhores escola, aprendiam a ler para ajud-los nos deveres de casa. Na Roma Antiga, estes escravos eram chamados de pedagogos.

    As artes fizeram parte dos currculos, em vrias civilizaes em momentos histricos distintos. Na verdade, a msica sempre foi um componente curricular importante, acompanhada pela literatura. As artes visuais, a geometria, o desenho foram componentes curriculares que atravessaram os milnios.

    Na antiga Grcia, por exemplo, a msica era um componente curricular to importante como a leitura e a literatura. Na Idade Mdia tambm se verifica esta presena. Mesmo no sculo XX, desenho artstico, desenho

    geomtrico, msica, canto orfenico, solfejo faziam parte dos currculos de escolas pblicas, inclusive no Brasil.

    Um estudo cuidadoso da histria do currculo na escola ao longo dos milnios revela que quando falamos em formao humana, em incluir a cultura na escola no estamos falando em algo totalmente novo no processo de escolarizao.

    A diferena que hoje dispomos de muito mais conhecimento sobre o

    desenvolvimento do ser humano, notadamente da criana. O avano nas vrias reas de conhecimento que estudam o ser humano em toda sua complexidade, principalmente na rea das neurocincias (sobre o funcionamento biolgico-cultural do crebro), que nos traz hoje outra dimenso para o ensino e a aprendizagem. O mais inovador a revelao que ela traz de como os conhecimentos sistematizados - seja na rea dos cdigos simblicos, das cincias ou das artes - formam a pessoa, integrando-se sua identidade cultural e sua personalidade.

    O conhecimento torna-se no somente uma aquisio individual, mas uma das possibilidades de desenvolvimento da pessoa que ter reflexos na vida em sociedade. Formar a pessoa para situar-se, inclusive, como membro de um grupo passa a ser, tambm, um objetivo de uma educao escolar voltada para a humanizao.

    O conhecimento torna-se no somente uma

    aquisio individual, mas uma das possibilidades de desenvolvimento da pessoa que ter reflexos na vida em

    sociedade.

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    Este fato da maior importncia: as comunidades humanas so afetadas de alguma forma pelo acervo de conhecimentos de todos os seus membros. Ou seja, o conhecimento individual de cada um tem, tambm, uma dimenso coletiva. Ele pode, ou no, ser disponibilizado para todos, dependendo da concepo pessoal de cada um.

    O conhecimento um bem comum, devendo, portanto, ser socializado a todos os seres humanos. O currculo o instrumento por excelncia desta socializao.

    A experincia pedaggica de uma Rede Pblica Municipal

    Uma Rede Municipal elaborou uma proposta de currculo para formao humana, definindo alm dos contedos, os pilares de ao pedaggica e os eixos para a formao humana dos alunos.

    Os pilares da ao pedaggica estabelecidos foram observao dirigida, descrio, registro e comunicao.

    Ao realizar seu planejamento, o professor dispunha de quadros de referncia para verificar se o trabalho a ser desenvolvido com o contedo de qualquer rea de conhecimento atendia aos princpios de formao humana pretendidos pela proposta pedaggica. Ou seja, os pilares orientavam o planejamento: o professor podia - e devia - confirmar que o contedo e as atividades planejadas contemplavam cada um deles.

    Garantia-se, com estes pilares, que o aluno realizasse as atividades humanas necessrias para aprender os conhecimentos escolares, sendo a observao e as vrias formas de registro as prticas mais enfatizadas.

    Quanto aos eixos, eles foram definidos de acordo com os processos de desenvolvimento e aprendizagem. Por exemplo, para a educao no perodo da infncia foram adotados os seguintes eixos:

    Movimento Constituio, a partir das prticas culturais da infncia, de riqussimas vivncias de movimento corporal, carregadas de ritmo e sentido.

    Desenvolvimento Conceitual Organizao interna da informao que a conscincia precisa para formar a idia e ampli-la.

    Sistema Simblico Sistema de representao criado pelo homem, como recursos da linguagem e da memria, por meio dos quais a humanidade pode se entender, comunicar e produzir cultura.

    Oralidade Ampliao do lxico da criana articulando o discurso do cotidiano e o discurso escolar.

    3 Extrado de documentos e de anotaes da autora, feitos como consultora de uma Rede Municipal.

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    A importncia do conhecimento formal - as cincias e as artes

    Conhecimento formal todo conhecimento sistematizado, criado a partir

    do desenvolvimento cultural da humanidade. Todas as formas de arte so

    conhecimento sistematizado, assim como todas as categorias de cincias.

    No h dicotomia entre artes e cincias, elas tm entre si vrios pontos

    que as aproximam e na formao escolar importante que ambas sejam

    igualmente valorizadas no currculo.

    necessrio superar, tambm, a concepo de que o conhecimento

    seja apenas informao. O conhecimento resulta da organizao de

    informaes em redes de significados. Esta organizao no uma

    organizao qualquer, pois deve ser passvel de ser ampliada por novos atos

    de conhecimento, por outras informaes ou ainda ser reorganizada em

    funo de atividades especficas apropriao do conhecimento.

    Quando ao ser humano ensinado algum contedo de alguma rea

    de conhecimento formalmente organizado, ele estabelece formas de

    pensamento (conceitual) muito diversas das que constitui nas atividades da

    vida cotidiana.

    Uma das conseqncias mais notveis do trabalho intelectual que ele

    fornece um modo de trabalho categorial, estabelecendo padres. Traa-se

    aqui uma diferena fundamental no funcionamento da memria de longa

    durao, pois ela no feita somente de informaes, mas de padres

    de integrao, de classificao e de organizaes das informaes. So

    criados, assim, internamente, padres possveis de serem utilizados em

    outras situaes de aprendizagem e de exerccio do pensamento.

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    II. DESENVOLVIMENTO HUMANO

    O desenvolvimento humano se realiza em perodos que se distinguem entre si pelo predomnio de estratgias e possibilidades especficas de ao, interao e aprendizagem.

    Os perodos de desenvolvimento so, normalmente, referidos como infncia, adolescncia, maturidade e velhice. mais adequado, porm, pensarmos o processo de desenvolvimento humano em termos das transformaes sucessivas que o caracterizam, transformaes que so marcadas pela evoluo biolgica (que constante para todos os seres humanos) e pela vivncia cultural.

    Enquanto espcie, o ser humano apresenta, desde o nascimento, uma plasticidade muito grande no crebro, podendo desenvolver vrias formas de comportamento, aprender vrias lnguas, utilizar diferentes recursos e estratgias para se inserir no meio, agir sobre ele, avaliar, tomar decises, defender-se, criar condies de sobrevivncia ao longo de sua vida.

    Plasticidade Cerebral

    O crebro humano apresenta uma grande plasticidade. Plasticidade

    a possibilidade de formao de conexes entre neurnios a partir das

    sinapses. A plasticidade se mantm pela vida toda, embora sua amplitude

    varie segundo o perodo de formao humana. Assim que, quanto mais

    novo o ser humano, maior plasticidade apresenta. Certas conexes se fazem

    com uma rapidez muito grande na criana pequena. isto que possibilita

    o desenvolvimento da linguagem oral, a aprendizagem de uma ou mais

    lnguas maternas simultaneamente, o domnio de um instrumento musical,

    o desenvolvimento dos movimentos complexos e a percia de alguns deles,

    como aqueles envolvidos no ato de desenhar, de correr, de nadar...

    Conseqentemente a infncia o perodo de maior plasticidade e

    isto atende, naturalmente, ao processo intenso de crescimento e

    desenvolvimento que ocorre neste perodo. Assim, a plasticidade atende s

    necessidades da espcie.

    Que possibilidades concretas so estas de formao de conexes? O

    crebro humano dispe de cerca de 100 bilhes de neurnios, sendo que

    cada um pode chegar a estabelecer cerca de 1000 sinapses, em certas

    circunstncias ainda mais. Desta forma, as possibilidades so de trilhes de

    conexes, o que significa que a capacidade de aprender de cada um de ns

    absolutamente muito ampla.

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    A plasticidade cerebral tambm permite que reas do crebro destinadas a

    uma funo especfica possam assumir outras funes, como, por exemplo,

    o crtex visual no caso das crianas que nascem cegas. Como esta parte do

    crebro no ser chamada a funcionar, pois o aparelho da viso apresenta

    impedimentos (ento no manda informao a partir da percepo visual

    para o crebro), ela poder assumir outras funes.

    Plasticidade cerebral , tambm, a possibilidade de realizar a

    interdisciplinaridade do crebro: reas desenvolvidas por meio de um tipo

    de atividade podem ser aproveitadas para aprender outros conhecimentos

    ou desenvolver reas relativas a outro tipo de atividade. Por exemplo, reas

    desenvolvidas pela msica, como a de ritmo, so aproveitadas no ato da

    leitura da escrita ou a de diviso do tempo na aprendizagem de matemtica.

    A ao da criana depende da maturao orgnica e das possibilidades que o meio lhe oferece: ela no poder realizar uma ao para a qual no tenha o substrato orgnico, assim como no far muitas delas, mesmo que biologicamente apta, se a organizao do seu meio fsico e social no propiciar sua realizao ou se os adultos no a ensinarem.

    O ser humano aprende somente as formas de ao que existirem em seu meio, assim como ele aprende somente a lngua ou as lnguas que a forem faladas. As estratgias de ao e os padres de interao entre as pessoas so definidos pelas prticas culturais. Isto significa que a cultura constitutiva

    dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem.

    A criana se constitui enquanto membro do grupo por meio da formao de sua identidade cultural, que possibilita a convivncia e sua permanncia no grupo. Simultaneamente ela constitui sua personalidade que a caracterizar como indivduo nico. Os comportamentos e aes privilegiados em cada cultura so, ento, determinantes no processo de desenvolvimento da criana.

    A vida no coletivo sempre envolve a cultura: as brincadeiras, o faz de conta, as festas, os rituais, as celebraes so todas situaes em que a criana se constitui como ser de cultura.

    As estratgias de ao e os padres de interao entre as pessoas so definidos pelas

    prticas culturais. Isto significa

    que a cultura constitutiva dos processos de desenvolvimento

    e de aprendizagem.

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    Desenvolvimento cultural

    O desenvolvimento tecnolgico e o processo de globalizao da infor-mao por meio da imagem modificaram os processos de desenvolvimento cultural por introduzirem novas formas de mediao. As novas geraes de-senvolvem-se com diferenas importantes em relao s geraes precedentes, por meio, por exemplo, da interao com a informtica, com as imagens pre-sentes por meio urbano (vrias formas de propaganda, como cartazes, outdoors mveis). O mesmo acontece com crianas nas zonas rurais com o advento da eletricidade e da TV, ou com crianas indgenas que passaram a experienciar o processo de escolarizao e, tambm, em vrios casos a presena de novos instrumentos culturais como o rdio, a TV, cmeras de vdeo, fotografia, entre outros.

    O desenvolvimento do crebro funo da cultura e dos objetos culturais existentes em um determinado perodo histrico. Novos instrumentos culturais levam a novos caminhos de desenvolvimento. O computador um bom exemplo: modificou as formas de lidar com informaes, provocando mudanas nos caminhos da memria. A presena de novos elementos imagticos e cinestsicos repercute no desenvolvimento de funes psicolgicas como a ateno e a imaginao.

    Considerando, ento, que o crebro se desenvolve do dilogo entre a

    biologia da espcie e a cultura, temos que, na escola, o currculo um

    fator que interfere no desenvolvimento da pessoa.

    Os contedos escolhidos para o currculo iro, sem dvida, ter

    um papel importante na formao. As atividades para conduzirem

    s aprendizagens, precisam estar adequadas s estratgias de

    desenvolvimento prprias de cada idade. Em outras palavras, a

    realizao do currculo precisa mobilizar algumas funes centrais do

    desenvolvimento humano, como a funo simblica, a percepo, a

    memria, a ateno e a imaginao.

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    A LINGUAGEM E IMAGENS MENTAIS: PERCEPO, MEMRIA E IMAGINAO

    Desenvolvimento da Funo Simblica

    A partir da sua ao e interao com o mundo (a natureza, as pessoas, os objetos) e das prticas culturais, a criana constitui o que chamamos de funo simblica, ou seja, a possibilidade de representar, mentalmente, por smbolos o que ela experiencia, sensivelmente, no real.

    O desenvolvimento da funo simblica no ser humano de extrema importncia, uma vez que por meio do exerccio desta funo que o ser humano pode construir significados e acumular conhecimentos.

    Todo ensino na escola, de qualquer rea do conhecimento, implica na utilizao da funo simblica. As atividades que concorrem para a formao da funo simblica variam conforme o perodo de desenvolvimento. Por

    exemplo, o desenho e a brincadeira de faz-de-conta so atividades simblicas prprias da criana pequena, que antecedem a escrita: na verdade, elas criam as condies internas para que a criana aprenda a ler e a escrever.

    A linguagem escrita, a matemtica, a qumica, a fsica, o sistema de notao da dana, da msica so manifestaes da funo simblica. As aprendizagens

    escolares so apropriaes de conhecimentos formais, ou seja, conhecimentos organizados em sistemas. Sistematizar estabelecer conceitos, orden-los em nveis de complexidade com regras internas que regulam a relao entre os elementos que os compem. Todo conhecimento formal representado, simbolicamente, pela linguagem de cada sistema.

    Por exemplo: a) a2 = b2 + c2 b) 15 + 36 = 51 c) O gato correu atrs do cachorro. O cachorro correu atrs do gato.

    Em b e c temos uma regra importante que o valor posicional: a posio dos elementos simblicos determina o significado (1 e 5) 15 diferente de 51. O mesmo se aplica ao gato que corre atrs do cachorro, em que se explicita a ao inversa do cachorro que corre atrs do gato.

    A funo simblica a atividade mais bsica das aes que acontecem na escola, tanto do educador como do educando. Quando os elementos do currculo no mobilizam adequadamente o exerccio desta funo, a aprendizagem no se efetua.

    Todo ensino na escola, de qualquer rea do

    conhecimento, implica na utilizao da funo

    simblica.

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    Nesta dimenso do simblico, as artes destacam-se, pois so elas as formas mais complexas de atividade simblica humana. Anteriores aos conhecimentos formais, elas propiciaram a estruturao dos movimentos e das imagens de forma que eles pudessem evoluir culturalmente para sistemas de registros.

    Percepo

    A percepo realizada pelos cinco sentidos externos. O ser humano desenvolve estes sentidos desde que no haja impedimentos nos rgos dos sentidos ou nas estruturas cerebrais que processam a percepo de cada um deles. Quando isto acontece, um sentido compensa o outro: a pessoa desenvolve mais o tato quando no enxerga, desenvolve mais a viso quando no ouve. Nestes casos, tambm, o ser humano pode desenvolver os dois subsentidos externos que so a vibrao e o calor.

    Isso revela que os sentidos funcionam com interdependncia, o que tem uma relevncia fundamental para os professores, pois o ensino deve mobilizar vrias dimenses da percepo para que o aluno possa guardar contedos na memria de longa durao.

    H maior empenho em perceber algo quando h algum interesse neste algo. Por exemplo, quando algum ouve uma msica de um cantor de quem gosta muito, fica atento e evoca a melodia ou a letra. Se for uma cano nova e se reconhece a voz do cantor, mobiliza os processos mentais da memria auditiva a partir da percepo auditiva, ou seja, seleciona a cano, destacando-a das outras informaes sonoras e/ou rudos presentes no ambiente. Por outro lado, a percepo pode criar um interesse novo. Ao ser introduzida a um conhecimento novo, uma pessoa pode se interessar ou no por ele, dependendo das estratgias utilizadas por quem o introduz. Assim, em sala de aula, no somente o contedo que motiva, mas, sobretudo, como o professor trabalha com o contedo, seja ele da escrita, artes ou cincias.

    A percepo visual o processamento de atributos do objeto como cor, forma e tamanho. Ela acontece em regies do crtex cerebral e h fortes indicaes de que estas regies sejam as mesmas ou estejam muito prximas daquelas que guardariam a memria dos objetos. Desta forma, percepo e memria esto muito prximas nas aprendizagens escolares.

    ... Em sala de aula, no somente o contedo que motiva, mas, sobretudo,

    como o professor trabalha com o contedo, seja ele da escrita, artes

    ou cincias.

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    Memria

    Toda aprendizagem envolve a memria. Todo ser humano tem memria e utiliza seus contedos a todo o momento. So trs os movimentos da memria: o de arquivar, o de evocar e o de esquecer. Ao entrar em contato com algo novo, o ser humano pode criar novas memrias, ou seja, arquiva este conhecimento, experincia ou idia em sua memria de longa durao. As impresses gravadas na memria de longa durao, a partir das experincias vividas, podem ser evocadas, trazidas conscincia. Outras experincias, informaes, vivncias, imagens e idias so esquecidas.

    Sabemos que estes movimentos tm uma participao do sistema lmbico no qual se originam nossas emoes. A memria modulada pela emoo. Isto quer dizer que os estados emocionais podem interferir, facilitando ou reforando a formao de novas memrias, assim como podem, tambm, enfraquecer ou dificultar a formao de uma nova memria.

    Quanto ao tempo, os tipos de memria so muito importantes para o educador, pois as aprendizagens escolares dependem da formao de novas memrias de longa durao. Muitas vezes, no entanto, os contedos ficam no nvel da curta durao e desaparecem rapidamente. O desafio da pedagogia formular metodologias de ensino que transformem esta primeira ao da memria (curta durao) em memrias de longa durao. importante mencionar aqui que temos, tambm, a possibilidade de formar uma memria ultra-rpida que desaparece aps a sua utilizao, como quando, por exemplo, gravamos um nmero de telefone para disc-lo e, logo em seguida, j o esquecemos.

    Quanto natureza, temos vrios tipos de memria. Temos a memria implcita, a memria explcita e a operacional. A memria explcita pode ser semntica ou episdica. Para as aprendizagens escolares, precisam ser mobilizadas a memria explicita semntica e a memria operacional.

    Para a formao de novas memrias dos contedos escolares ao aluno precisa, desde o incio da escolarizao, ser ensinado o que fazer e como para aprender os conhecimentos envolvidos nas aprendizagens escolares. O aluno precisa ser capaz de refazer o processo da aprendizagem. Refazer implica tanto em recapitular o contedo ensinado, como em retomar as atividades (humanas) que o levaram a guardar o contedo na memria de longa durao.

    O desafio da pedagogia

    formular metodologias de ensino que transformem

    esta primeira ao da memria (curta durao) em memrias de longa

    durao.

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    Memria explcita semntica

    Tambm chamada de declarativa, a memria explcita semntica inclui as memrias que podem ser explicitadas pela linguagem. Este tipo de memria engloba aquilo que pode ser lembrado por meio das imagens, smbolos ou sistemas simblicos. A capacidade da memria declarativa est ligada organizao de informaes em padro.

    Pesquisas demonstram que o ser humano se lembra mais facilmente daquilo que est organizado segundo regras. Isto implica na existncia de padres internos. Todas as linguagens so organizadas por padres: a linguagem das cincias, das vrias reas do conhecimento, a linguagem escrita, a matemtica, a cartogrfica, a linguagem da dana, da msica. Toda atividade artstica tambm depende de utilizao de elementos que se organizam em padres, que tm regras prprias em cada forma de arte.

    Na escrita, os padres aparecem nas cinco dimenses da linguagem, embora apaream, mais fortemente, na sintaxe. Por isto, a sintaxe o elemento forte, o instrumentador da lngua escrita. A palavra solta um smbolo, a palavra na construo sinttica surge como estrutura. Na linguagem oral humana, o eixo forte do padro o verbo. H maior resilincia no crebro para os smbolos que representam a ao humana, uma vez que o movimento o grande recurso na espcie para o desenvolvimento cultural e tecnolgico, alm de ser a matria bruta primeira da comunicao entre humanos e de expresso das emoes.

    As pessoas tendem a memorizar, mais facilmente, aquilo em que elas conseguem aplicar padres. Para as aprendizagens escolares isto fundamental: o ensino bem sucedido aquele que instrumentaliza a pessoa para construir, aplicar, reconhecer e manipular padres.

    Memria operacional

    Como o prprio nome diz, a memria operacional se ocupa das operaes, ou seja, um sistema de aes organizadas, segundo a natureza do comportamento. Por exemplo, est na memria operacional o comportamento de andar, de dirigir, de danar. So comportamentos que se efetuam, muito rapidamente, para os quais no h tempo para comandos do crebro. So comportamentos que tm uma ordem de movimentos a ser seguida e esta ordem j est fixada na memria.

    Na memria operacional esto as conjugaes verbais, isto , os tempos futuro, presente e passado do verbo. Assim, a organizao da ao no tempo se realiza com a participao deste tipo de memria. Este fato tem implicaes para as aprendizagens escolares. Com estas descobertas somos levados a rever o ensino da sintaxe em portugus: a gramtica necessria para o aluno, pois fornece estrutura para a apropriao e organizao da linguagem escrita e a organizao das informaes em todas as matrias.

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    Imaginao

    A Capacidade Imaginativa na Espcie Humana

    Se considerarmos a evoluo de nossa espcie, veremos que ela pautada pela inveno, ou seja, pela criao de objetos, de sistemas, de linguagens, tecnologia, teorias, cincia, arte, cdigos etc. Toda produo cultural resultante de um processo cumulativo de invenes, pequenas e grandes, que do base para as invenes futuras.

    A comunicao, atividade primordial da espcie, ganha a cada gerao novos processos, novas tecnologias. O ser humano dedica grande parte de sua criatividade a ampliar e desenvolver meios de comunicao e meios de transporte que facilitem os processos comunicativos e que tornem mais geis os deslocamentos das pessoas.

    A possibilidade de criar depende, na nossa espcie, da imaginao, funo psicolgica pela qual ns somos capazes de unir elementos percebidos e experincias em novas redes de conexo. O funcionamento da imaginao e seu desenvolvimento, embora relacionados s outras funes psicolgicas superiores, tm uma grande autonomia e se manifestam tanto na ao como no ato de aprender.

    Desta forma, podemos dizer que para as aprendizagens escolares a imaginao

    desempenha um papel central e deve ser considerada no planejamento, na alocao de tempo das atividades dentro e fora da sala de aula, nas situaes comuns do cotidiano escolar. Os alunos devem, tambm, ser acompanhados avaliativamente na evoluo de sua imaginao.

    A ligao entre imaginao e memria

    Vygotsky (1990) trata da diferena entre reproduo e criao: ambas atividades tm apoio na memria, mas diferem pelo alcance temporal. Repro-duzir algo, mentalmente, se apia na experincia sensvel anterior. Por exemplo, construo uma imagem mental da casa onde moravam meus avs, pelos ele-mentos gravados na memria, mas crio uma imagem mental da casa dos avs de uma personagem em um romance a partir dos elementos oferecidos pelo autor. Ou seja, no segundo caso uso a imaginao para criar este espao utili-zando, com certeza, elementos percebidos, anteriormente, mas que se combi-nam entre si, de acordo com a relao dialgica estabelecida com o texto no ato da leitura, diferentemente, do primeiro caso em que busco a fidedignidade da imagem mental, tendo a casa concreta como referencial (Vygotsky, 1990).

    Se considerarmos a evoluo de nossa espcie, veremos que ela pautada

    pela inveno, ou seja, pela criao de objetos, de sistemas, de linguagens,

    tecnologia, teorias, cincia, arte, cdigos etc.

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    Vygotsky coloca que a primeira experincia se apia na anlise do passado. Ela uma reproduo do que se viveu, enquanto que no segundo uma realizao do presente projetada no futuro. A criao literria d esta possibilidade de partilhamento na criao, pois possibilita ao leitor a superao do texto para a criao das imagens de cada personagem, que constituda pelos dados oferecidos de sua personalidade, de suas aes, de suas formas de pensamento, criao de imagens do contexto.

    A imaginao na realidade no se desprega da memria, mas recria com os elementos da memria. Imaginar implica, portanto, em se liberar das conexes que esto feitas dos elementos percebidos, para re-utilizar estes elementos em outras configuraes.

    Temos a duas implicaes importantes: primeiramente, que a imaginao no dada na espcie, construda. Segundo, que ela parte integrante do processo de aprendizagem, porque aprender significa, exatamente, ser capaz de estabelecer conexes entre informaes, construindo significado. Podemos ver que, neste segundo caso, a imaginao base para o estabelecimento destas novas redes, uma vez que ela a funo psicolgica que estabelece relaes significativas entre elementos que no estavam conectados entre si. A imaginao cria condies de aprendizagem.

    Temos assim que a relao entre imaginao e memria tem sentido duplo: a base para o funcionamento da imaginao so os elementos que esto contidos na memria e o prprio funcionamento da imaginao desenvolve a memria (por meio do processo imaginativo, novas mediaes semiticas so realizadas, dando pessoa uma maior complexidade aos sistemas contidos na memria de longa durao).

    Porque a imaginao importante na aprendizagem?

    1. Ela est na origem da construo do conhecimento que vamos ensinar.

    O conhecimento cientfico e o conhecimento esttico foram produzidos a partir do exerccio da imaginao humana nos vrios perodos histricos.

    2. Ela est na origem do conhecimento que ser construdo pelo aluno.

    A imaginao motiva. Muitos educadores concordaro que a motivao um fator importante para o educando aprender. Motivar implica em mobilizao para, interesse em, envolvimento com o objeto de aprendizagem. Esta disponibilidade para aprender envolve, do ponto de vista psicolgico, a imaginao.

    Motivar implica em mobilizao para, interesse

    em, envolvimento com o objeto de aprendizagem. Esta disponibilidade para

    aprender envolve, do ponto de vista psicolgico, a

    imaginao.

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    Por exemplo, podemos motivar o aluno para um fenmeno cientfico que ser estudado com o concurso da mobilizao da imaginao: como ser que a energia eltrica surge na represa? Como ser que a luz chega lmpada? Que ser que acontece com a semente debaixo da terra? Como ser que o computador guarda tanta informao? Porque o rio muda de cor?

    Levantar hipteses para qualquer destas questes implica em ter liberdade de pensamento. Isto , a capacidade imaginativa no ser humano tem como base a liberao da experincia sensvel imediata, desta forma a pessoa pode lidar, livremente, com o acervo mental que detm de imagens, informaes, sensaes colhidas nas vrias experincias de vida, juntamente com as emoes e sentimentos que as acompanharam.

    O desenvolvimento humano e a aprendizagem, na escola, envolvem, precisamente, esta dialtica de receber informaes por meio dos sentidos e ter a possibilidade de ir alm delas pelas funes mentais.

    Alguns aspectos do desenvolvimento na Educao Fundamental

    No perodo de desenvolvimento que coincide com a entrada da criana

    no ensino fundamental (por volta do 7 ao 8 ano de vida, ou seja, aps

    completar, respectivamente 6 e 7 anos) ocorrem algumas mudanas

    importantes em seu crebro, que vo afetar, diretamente, sua atuao na

    escola.

    medida que a criana cresce, desenvolve a ateno voluntria que

    possibilita a ao prolongada, organizada a partir de regras que so

    colocadas por fontes externas. A ateno voluntria, ou seja, a possibilidade

    de organizar sua ao, seus comportamentos de acordo com ordens e regras

    ditadas por outras pessoas, como o adulto, por exemplo, que possibilita

    criana executar as tarefas que lhe so solicitadas em sala de aula.

    A fala organiza a ao, por isso importante para a criana murmurar para

    si os passos do que est fazendo. Este murmrio, chamado de verbalizao

    cognitiva, essencial para a compreenso da ao e ocorre com muita

    freqncia nos anos iniciais que coincidem com o incio da escolarizao do

    ensino fundamental.

    Neste perodo, tambm, a criana se interessa muito pelos colegas,

    constituindo grupinhos da amizade que passam a ter papel relevante em

    suas aes. Surge, assim, a importncia do grupo.

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    III. CURRCULO E DESENVOLVIMENTO HUMANO

    A A Criana na Escola

    Quando a criana entra na instituio educativa, sua experincia ali, o que lhe ensinado tornam-se constitutivo de sua pessoa, modificando-a continuamente. Isto significa que todo e qualquer processo de ensino-aprendizagem se insere em um contexto mais amplo de constituio da pessoa, porque a aprendizagem na escola no se efetua como um processo paralelo e dissociado de outras vivncias e de outras instncias de apreenso e compreenso da realidade.

    As vivncias na escola e fora dela so constitudas por aes e interaes que configuram, todas elas, o desenvolvimento da criana. No cabe, assim, falar da experincia extra-escolar e da experincia escolar como antagnicas na formao da pessoa. equivocada, pois, a posio que supe que o educando que aluno na instituio e criana fora dela (em casa, na turma da rua ou da igreja, na famlia) desenvolva processos independentes em cada uma das situaes. A questo relevante que se coloca compreender como estas experincias se organizam no desenvolvimento da personalidade e da identidade na constituio do novo conhecimento.

    As aprendizagens escolares so a efetivao das potencialidades da espcie. Resultam da articulao entre as possibilidades do desenvolvimento e as atividades que as efetivam, atividades que so ensinadas pelo professor. Quando acontece uma aprendizagem, ela interfere na direo do desenvolvimento.

    O aluno constitui conhecimentos por meio de estratgias especficas que se modificam, inclusive, em funo dos contedos aprendidos. Para que o conhecimento seja formado, h duas condies necessrias. Primeiramente, que a nova informao seja passvel de ser compreendida pela criana, ou seja, precisa haver uma ligao possvel entre aquilo que a criana j tem na memria e o que ela vai aprender. Em segundo lugar, que se estabelea uma relao ativa da criana com o contedo a ser aprendido, de forma que os contedos sejam organizados e integrados ao acervo de conhecimentos de que ela dispe em sua memria.

    A aprendizagem um processo mltiplo, isto , a criana utiliza estratgias diversas para aprender, com variaes de acordo com o perodo de desenvolvimento. Desta forma, todas as estratgias so importantes e no

    A aprendizagem um processo mltiplo, isto , a criana

    utiliza estratgias diversas para aprender, com variaes

    de acordo com o perodo de desenvolvimento. Desta forma, todas as estratgias so importantes e no so

    mutuamente exclusivas.

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    so mutuamente exclusivas. Podemos dizer que existem algumas estratgias que so importantes durante toda infncia como observar, imitar e desenhar. Registrar, levantar hipteses sobre os fatos e as coisas, test-las so atividades que a escola pode desenvolver na criana a partir dessas estratgias.

    Somente as situaes que, de modo especfico, problematizam o conhecimento levam aprendizagem. No qualquer proposta ou qualquer interao em sala de aula, portanto, que promove a aprendizagem. Toda a atividade que a se d criana precisa ter uma inteno clara, isto , o objetivo precisa estar explicitado para o professor e para o aluno.

    Para que ocorra a aprendizagem necessrio retomar-se o contedo em momentos diferentes, pois o domnio de um contedo d-se ao longo do tempo. Trabalhar muitas vezes o mesmo contedo, de formas diferentes, promove a ampliao progressiva dos conceitos.

    O conhecimento atual sobre o desenvolvimento da criana e do jovem nos leva a ampliar a concepo de currculo vigente: currculos so os contedos, as informaes e as atividades humanas necessrias para formar novas memrias que serviro de suporte para aquisio de conhecimentos posteriores, assim como para tomada de deciso e soluo de problemas na vida cotidiana.

    Sabemos tambm que determinados contedos promovem a formao de redes neuronais que do suporte ao pensamento e que so base para outras aprendizagens escolares. Mais ainda, tais redes neuronais podem ser utilizadas no futuro em situaes de vida cotidiana em sociedade, no trabalho, em

    famlia. Assim, um conhecimento escolar pode gerar comportamentos no ligados matria ou disciplina (conhecimento formal). Por exemplo, aprender lgebra leva formao de redes neuronais, no crebro, relacionadas ao pensamento crtico. Como?

    Nos nmeros naturais, 1 um smbolo para uma unidade de qualquer coisa (objeto, ser animado, elementos da natureza). Aqui se estabelece uma relao unvoca entre 1 (smbolo) e a quantidade que ele representa, que sempre a mesma.

    J na lgebra, o smbolo pode ter qualquer valor dependendo das relaes entre os outros elementos que compem a sentena matemtica. Em x = 4a + 2b, o valor de x poder variar, infinitamente, de acordo com os valores que forem atribudos a a e a b. Poder, tambm, ser um nmero inteiro, positivo ou negativo, frao, decimal etc. A rede neuronal que se estabelece, ento, mltipla e base para o deslocamento do pensamento.

    Assim, quem estuda lgebra ter um componente em seu pensamento, que lhe possibilitar desenvolver o pensamento crtico. Ser crtico em algo

    Somente as situaes que, de modo especfico,

    problematizam o conhecimento levam

    aprendizagem. No qualquer proposta ou qualquer

    interao em sala de aula, portanto, que promove a

    aprendizagem.

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    poder ver a situao, o fato, a pessoa, o objeto de conhecimento em mais de uma perspectiva para poder comparar, avaliar e decidir. Ou seja, precisa ter discernimento, que uma caracterstica de um pensamento crtico.

    Ser capaz de realizar estas operaes mentais um recurso para refletir e tomar decises a respeito de qualquer ato na vida cotidiana.

    B A Distino entre Desenvolvimento e Aprendizagens Escolares

    Toda criana se desenvolve indo ou no escola. O que do domnio do desenvolvimento humano no deixa de acontecer se a criana no for escola, ou se ela for e se encontrar em uma situao de no aprendizagem. Assim, a memria infantil, a funo simblica, a percepo vo se desenvolver segundo o caminho dado pela gentica da espcie.

    Certas aprendizagens so da alada do desenvolvimento da espcie. Por exemplo, a aprendizagem das figuras geomtricas, no nvel da percepo, resultado da gentica da espcie. Toda criana vai desenvolver do 4 ao 7 ano de vida, a representao grfica das figuras geomtricas comeando do crculo passando para o quadrado e tringulo at chegar s figuras mais complexas (por exemplo, um quadrado dividido em quatro quadrados menores).

    Da mesma forma, a capacidade de desenhar (em um suporte qualquer como o papel, casca de rvore, computador, areia etc.) as imagens mentais formadas a partir da percepo (com os cinco sentidos) e do movimento uma possibilidade dada pelo desenvolvimento e no depende do ensino escolar. O ser humano aprende a distinguir as cores que esto em seu meio, nome-las e utiliz-las na vida cotidiana independentemente de ir escola.

    O que no do domnio do desenvolvimento, precisa ser ensinado. Apropriar-se da lngua escrita, ler e escrever, formar conceitos de histria, geografia, ecologia e de outras matrias, desenvolver o pensamento matemtico, aprender a escrever matematicamente uma operao, tudo isto depende de ensino.

    Portanto, na elaborao do currculo deve-se considerar o que do desenvolvimento da espcie. Para promover o desenvolvimento humano, a escola deveria partir do que a criana desenvolve por si mesma e propor novas aprendizagens que faam uso destas manifestaes da funo simblica que so prprias da espcie.

    4 Adaptado de Neurocincias e Aprendizagens, da autora. So Paulo, Editora Sobradinho 107, 2004.

    Toda criana se desenvolve indo ou no escola.

    O que do domnio do desenvolvimento humano no deixa de acontecer se a criana no for escola, ou se ela for e se encontrar em uma situao de no

    aprendizagem.

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    Se essas aprendizagens cores, figuras geomtricas, desenhos so do desenvolvimento humano, o que caberia escola?

    Utilizar estas aquisies para se apropriar dos conhecimentos escolares: utilizar as figuras geomtricas para medir, para contar, para calcular rea, para organizar espaos, para aprender lgebra, para desenvolver o pensamento espacial.

    Trabalhar as cores em suas texturas, em suas nuances possveis, aprender sobre a composio das cores: como se forma o marrom? O laranja? O cinza?

    Usar o desenho para o registro, para desenvolver a percepo visual e ttil; para desenvolver outros instrumentos mentais como mapas, esquemas; para criar situaes de escrita como histria em quadrinhos.

    Todas estas atividades dependem de ensino. Elas desenvolvem o pen-samento espacial, formam a base para conceitos cientficos, criam memrias que podem ser utilizadas no desenvolvimento do pensamento cientfico e do conhecimento esttico, criam possibilidades para o exerccio da imaginao.

    Toda criana desenha. O desenho manifestao da funo simblica. O de-

    senho o registro do movimento em um suporte. O traado se constitui, gra-

    dativamente, na criana pequena, envolvendo vrios elementos como esque-

    ma corporal, movimento, ao mesmo tempo em que a criana cria significados.

    O traado no papel guia a construo do desenho ao mesmo tempo em que

    a idia dirige o movimento. A idia constituda por imagens, percepes,

    movimentos vividos que a criana quer expressar no papel.

    Em seu processo de desenvolvimento, a criana pequena desenha muito,

    o domnio do traado progressivo. A percia que a criana desenvolve, ao

    desenhar, ser utilizada na escolarizao para escrever, para apropriar-se

    dos elementos simblicos das linguagens das vrias reas de conhecimento,

    para aprender a utilizar-se da geometria, fazer mapas, diagramas, esquemas

    que so instrumentos do pensamento.

    No desenho est implcita uma ao, ou seja, h uma histria para a criana

    no desenho que ela realizou. Ele inclui, portanto, a narrativa: mesmo que

    para o adulto ele parea algo esttico, unidimensional no papel, para a

    criana ativo, dinmico, tridimensional e seqencial.

    Ao desenhar, a criana organiza sua experincia para compreend-la. O

    ato de desenhar no , simplesmente, uma atividade ldica, ele ao

    do conhecimento. O desenho , pois, parte constitutiva do processo de

    desenvolvimento da criana. Por ser importante no desenvolvimento

    infantil, o desenho no deve ser entendido na escola como uma atividade

    complementar, mas como atividade funcional, tanto na Educao Infantil

    como nas sries iniciais do Ensino Fundamental.

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    IV. APRENDER: CONHECIMENTO, INFORMAO E ATIVIDADES DE ESTUDO

    A aquisio do conhecimento no fruto de discursos e intenes, mas sim de um trabalho sistemtico, adequado natureza biolgica e cultural do desenvolvimento humano. Currculo envolve o contedo da rea de conheci-mento e as atividades necessrias para que o aluno se aproprie desse conheci-mento.

    Aprender uma atividade complexa que exige do ser humano procedimentos diferenciados segundo a natureza do conhecimento.

    Para adquirir o conhecimento formal, que mais elaborado do que os outros tipos de conhecimento ao nvel das relaes e mais abrangente ao nvel dos conceitos constitudos, o ser humano precisa realizar formas de atividades especficas, prprias do funcionamento cerebral (principalmente a memria) e do desenvolvimento cultural. O ensino destas atividades funo da instituio escolar.

    Atividades so produtos do desenvolvimento cultural da espcie e precisam ser passadas de gerao para gerao.

    Um pressuposto bsico da teoria histrico-cultural do desenvolvimento humano que a pessoa, ao se apropriar do conhecimento formal, assimila as formas de atividade historicamente constitudas que levaram formulao do conhecimento. Para utiliz-las, o aluno precisa ter conscincia delas, ou seja, saber qual a metodologia.

    So assim integrantes do processo educativo as atividades que desenvolvem as funes psquicas elementares, como percepo, memria, pensamento, que tm, cada uma, sua lgica de desenvolvimento. Por meio da prtica pedaggica, essas funes psquicas elementares transformam-se em funes psquicas superiores: a memria lgica, a percepo categorial, o pensamento verbal (Davidov, 1988).

    De fato, segundo Wallon (1990), a atividade espontnea da criana no suficiente para o processo de aprendizagem do conhecimento formal, pois este exige uma sistematizao que no brota da prpria atividade da criana. Para ele existe, entre a herana social que a criana levar pela vida e suas capacidades espontneas, uma distncia que considera desproporcional. Essa herana o conhecimento acumulado e o desenvolvimento cultural da espcie.

    H, entre o que a criana faz sozinha, partindo da sua prpria inteno, e o conhecimento a ser adquirido, formalmente organizado, um percurso que s poder ser feito com a interveno dos indivduos

    5 Adaptado de Neurocincias e Aprendizagens, da autora. So Paulo, Editora Sobradinho 107, 2004.

    Aprender uma atividade complexa

    que exige do ser humano procedimentos diferenciados segundo

    a natureza do conhecimento.

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    mais experimentados da espcie. Inclui-se, entre eles, evidentemente, o professor.

    Com o papel historicamente definido de socializador do conhecimento formal, o professor deve ser includo, juntamente com o aluno, no centro da discusso sobre o currculo. Cabem a ele tarefas especficas, no sentido de constituir no educando uma relao de curiosidade e indagao com o saber, bem como consolidar as formas de atividade que levam aprendizagem. Desenvolver no aluno a atividade de estudo parte integrante e fundamental do processo de ensino.

    O ensino deve fornecer situaes em que se possibilite a formao de novas categorias de pensamento e de novos conceitos, a partir das informaes e experincias novas trazidas pelo professor. Se este processo for bem orientado, o aluno constituir novos conceitos que foram instigados pelo novo conhecimento e pela forma como foi conduzida a sua relao com ele.

    exatamente nesta forma de entrar em relao com o conhecimento que se insere a atividade de estudo. por meio do procedimento proposto ao educando para agir e interagir com o contedo que se cria esta relao. Este procedimento no se constitui espontaneamente, no ser humano, a partir de sua prpria condio biolgica.

    Quais atividades so fundamentais para a aprendizagem dos conhecimentos escolares? A atividade de estudo mais essencial espcie a leitura.

    Alm da leitura, so atividades que envolvam Observao Registro Organizao Relato Comunicao

    Elas desenvolvem comportamentos relacionados a perceber, refletir, compreender e expor. Desenvolvem redes neuronais que so base para a formao de conceitos, apropriao de mtodo, criao de categorias de pensamento.

    - Observao A observao realizada pelos sentidos humanos e ampliada pelo

    movimento. Basicamente, a observao o exerccio de um dos sentidos ou da integrao de dois ou mais sentidos, com o objetivo de perceber o que existe, o que se passa no contexto, os movimentos dos elementos da natureza, os componentes de um fato ou situao, a ordem de eventos, a comunicao entre as pessoas.

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    A observao um comportamento j utilizado pelo beb. A criana, em seus primeiros anos de vida, observa as pessoas para imit-las aprendendo, assim, as formas humanas de comunicao; observa os objetos e animais para conhec-los e us-los em suas brincadeiras, desenvolvendo a funo simblica.

    A observao como atividade de estudo

    A observao como atividade de estudo precisa ser dirigida e abordar elementos e objetos distintos conforme a disciplina.

    Ela pode ser potencializada, se o aluno souber que ser convidado a expor, posteriormente, suas idias ou os fatos observados. Ou que ser solicitado, de alguma forma, a selecionar, organizar, avaliar ou comunicar suas observaes. Essa potencializao vai ocorrer, porque haver a integrao necessria de planejamento das vrias etapas desde a observao at a apresentao. Ter um objetivo para a observao, envolvendo a comunicao com o outro, leva o aluno a mobilizar mais a ateno.

    2- Registro

    Para que os elementos coletados pela observao no se percam, importante que ela seja acompanhada pelo registro. O registro um suporte externo para a memria.

    O registro pode ser feito com desenhos e escrita. Cmera fotogrfica, gravador, vdeo podem ser utilizados como apoio para registro.

    Ele pode ser in loco ou de memria. Registro in loco quando ele feito, concomitantemente, com a observao, que leva ao desenvolvimento da percepo e facilita os processos de ateno. De memria quando feito aps a observao.

    O registro tem duas funes em relao atividade cerebral: de estabelecimento de redes neuronais e de fortalecimento de redes j existentes. Quando escrevemos algo, mobilizamos vrias reas do crebro e tomamos conscincia de coisas das quais somente o pensamento (linguagem interna) no d conta. Ou seja, vrias coisas se organizam entre si no ato de escrever: a prpria ao (movimento) leva estimulao de redes neuronais j existentes e formao de novas conexes entre os neurnios. Pode haver um reforo ou aumento da rede, com fortalecimento da memria.

    importante que o professor, em seu planejamento, estabelea tempos determinados para ensinar aos alunos registrar e fazer do registro hbito de estudo. interessante selecionar algumas formas de registro e ensin-las aos alunos, pois registrar um comportamento escolar que se aprende e depende de ensino. Por exemplo, o professor pode eleger, inicialmente, uma ou duas prticas utilizando formas de registro, com desenho e escrita e trabalhar com elas em vrios momentos.

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