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UNICAMP Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador-Geral Edgar Salvadori De Decca Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli Pró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita Neto Pró-reitor de Graduação Marcelo Knobel Chefe de Gabinete José Ranali Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zefe- rino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Twitter http:// twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab ([email protected]) Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos ([email protected]) Reportagem Carmo Gallo Neto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patricia Lauretti e Silvio Anunciação Editor de fotografia Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editor de Arte Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti e Jaqueline Lopes Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju Campinas, 14 a 20 de maio de 2012 2 ARTIGO ARTIGO por: Cristina de Campos As ferrovias estratégicas no Estado de São Paulo Fotos: Divulgação A O engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza: à frente de expedição s primeiras companhias ferroviárias surgiram a partir da década de 1860 em São Paulo. A abertura da São Paulo Railway (1867), entre Santos e Jun- diaí, estimulou a formação de outras empresas como as Companhias Paulista, Ituana, Sorocabana e Mogiana, cujas linhas atendiam demandas por transporte vindas de regiões do interior da então Província de São Paulo. Muitos autores que estudaram as ferro- vias paulistas são unânimes em afirmar que a principal característica destas primeiras linhas era a ausência de um plano mais preciso de sua implantação, que seguiam as plantações de café em produção na Pro- víncia. Por esta razão eram chamadas de ferrovias cata-café. Esta lógica permeou a instalação de outras companhias ferroviárias, panorama que mudaria apenas no decorrer da década de 1890, juntamente com os novos tempos republicanos. É neste final de século que o bom resultado obtido pelo café nos mer- cados internacionais estimula a abertura de novas frentes produtoras para além das regiões já estabelecidas, atingindo porções do Estado ainda recobertas por matas nati- vas. A extensão das plantações para regiões tão distantes somente foi possível devido à existência da ferrovia, aparato tecnológico que viabilizava plantações em zonas tão remotas. Ao contrário de suas antecessoras, estas novas ferrovias passaram por um processo de planejamento e implantação mais apura- do, pois suas linhas deveriam atingir pontos pré-determinados no território, considerados estratégicos seja do ponto de vista militar como também político e econômico. Por este motivo é que estas ferrovias são deno- minadas, segundo o engenheiro Adolpho Augusto Pinto 1 , como ferrovias de cunho estratégico. Assim, se antes a ferrovia seguia a marcha do café, agora é a ferrovia que abre o caminho para as novas plantações. As ferrovias estratégicas surgiram dentro de um amplo debate nacional que ocorria desde o final da Guerra da Tríplice Aliança, a de construção de um caminho rápido e seguro até o Estado de Mato Grosso. O acesso mais rápido a este Estado situado no Centro-Oeste brasileiro conti- nuava a ser por mar, via bacia do Prata, sendo que por terra o trajeto era longo e precário. Por ser um caminho estratégico, esta nova estrada foi amplamente debatida em seus vários aspectos pela engenharia nacional, como por exemplo, qual seria o melhor ponto de partida: sair da ca- pital federal, Rio de Janeiro, do Estado de Minas Gerais ou da região central do Estado de São Paulo? Nas discussões do Club de Engenharia, o parecer emitido foi favorável a que o ponto de partida fosse na região central de São Paulo. Já o Anuário da Escola Politécnica reunia uma série de artigos nos quais engenheiros defendiam igualmente que o ponto de partida deveria ser a região central do interior paulista, destacando também os pontos estratégicos por onde a nova ferrovia passaria, como Itapura, sede do antigo arsenal da Marinha, na foz do Rio Tietê. Em meio aos debates dos engenheiros, o governo brasileiro publicou o Decreto n°862 de 1890, que concedia ao Banco União de São Paulo o direito de construir e explorar um caminho de ferro até o Estado de Mato Grosso, tendo como ponto de partida a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, e término em Coxim (hoje, Mato Grosso do Sul). Na verdade, a escolha de Uberaba foi Mapa produzido por Olavo Hummel: relatório foi entregue ao Banco União estava o engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza e outros profissionais como Olavo Hummel e o geológo norte-americano Orville Derby que, sediado em São Paulo, analisou o material geológico recolhido ao longo da jornada. O relatório conclusivo deste levantamen- to foi entregue ao Banco União em 1892, logo se iniciando os trabalhos da nova linha. Entretanto, as instabilidades econômicas da década de 1890 atingiram duramente o Banco União, obrigando-o a desistir do direito de exploração da nova ferrovia. Tal ocorrência não significou o final do projeto da estrada estratégica. A concessão foi re- passada ao grupo que formou a Companhia Noroeste do Brasil (NOB). As obras foram iniciadas em 1905, mas com uma outra pro- posta de traçado, tendo como ponto de par- tida a cidade de Bauru, no interior paulista. É interessante notar que a construção da linha da Noroeste desencadeou a construção de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de São Paulo so- licitaram o direito de explorar linhas com destino ao Estado de Mato Grosso, que atravessavam regiões ainda não inseridas no sistema produtivo do Estado. E assim o fizeram as companhias Araraquarense, Sorocabana e Paulista. A abertura das linhas estratégicas des- cortinava novas possibilidades de negócios para as companhias ferroviárias, como as ligadas ao lucrativo mercado de terras. O aparato tecnológico representado pela fer- rovia possibilitou não somente a conexão da malha ferroviária com outras regiões como também desencadeou um processo de colonização e consequente urbanização do Oeste paulista. 1 PINTO, A.A. História da Viação Pública em São Paulo. São Paulo: Tipografia Vanorden, 1903. Cristina de Campos é professora colabo- radora junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp devido à proximidade com os trilhos da Companhia Mogiana, que finalizavam na região, possibilitando conexão com a malha ferroviária paulista. O Banco União deu passos importantes logo após a conquista do decreto, montando uma expedição para realizar o primeiro le- vantamento da linha. À frente da expedição

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Page 1: Cristina de Campos As ferrovias estratégicas no Estado de ... · de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de

UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasReitor Fernando Ferreira CostaCoordenador-Geral Edgar Salvadori De DeccaPró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da SilvaPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo MeyerPró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise PilliPró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita NetoPró-reitor de Graduação Marcelo KnobelChefe de Gabinete José Ranali

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zefe-rino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab ([email protected]) Chefi a de reportagem Raquel do Carmo Santos ([email protected]) Reportagem Carmo Gallo Neto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patricia Lauretti e Silvio Anunciação Editor de fotografi a Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editor de Arte Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti e Jaqueline Lopes Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfi ca e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

Campinas, 14 a 20 de maio de 20122ARTIGOARTIGO por: Cristina de Campos

As ferrovias estratégicas no Estado de São Paulo

Fotos: Divulgação

A

O engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza: à frente de expedição

s primeiras companhias ferroviárias surgiram a partir da década de 1860 em São Paulo. A abertura da São Paulo Railway (1867), entre Santos e Jun-diaí, estimulou a formação de outras

empresas como as Companhias Paulista, Ituana, Sorocabana e Mogiana, cujas linhas atendiam demandas por transporte vindas de regiões do interior da então Província de São Paulo.

Muitos autores que estudaram as ferro-vias paulistas são unânimes em afi rmar que a principal característica destas primeiras linhas era a ausência de um plano mais preciso de sua implantação, que seguiam as plantações de café em produção na Pro-víncia. Por esta razão eram chamadas de ferrovias cata-café.

Esta lógica permeou a instalação de outras companhias ferroviárias, panorama que mudaria apenas no decorrer da década de 1890, juntamente com os novos tempos republicanos. É neste fi nal de século que o bom resultado obtido pelo café nos mer-cados internacionais estimula a abertura de novas frentes produtoras para além das regiões já estabelecidas, atingindo porções do Estado ainda recobertas por matas nati-vas. A extensão das plantações para regiões tão distantes somente foi possível devido à existência da ferrovia, aparato tecnológico que viabilizava plantações em zonas tão remotas.

Ao contrário de suas antecessoras, estas novas ferrovias passaram por um processo de planejamento e implantação mais apura-do, pois suas linhas deveriam atingir pontos pré-determinados no território, considerados estratégicos seja do ponto de vista militar como também político e econômico. Por este motivo é que estas ferrovias são deno-minadas, segundo o engenheiro Adolpho Augusto Pinto1, como ferrovias de cunho estratégico. Assim, se antes a ferrovia seguia a marcha do café, agora é a ferrovia que abre o caminho para as novas plantações.

As ferrovias estratégicas surgiram dentro de um amplo debate nacional que ocorria desde o fi nal da Guerra da Tríplice Aliança, a de construção de um caminho rápido e seguro até o Estado de Mato Grosso. O acesso mais rápido a este Estado situado no Centro-Oeste brasileiro conti-nuava a ser por mar, via bacia do Prata, sendo que por terra o trajeto era longo e precário. Por ser um caminho estratégico, esta nova estrada foi amplamente debatida em seus vários aspectos pela engenharia nacional, como por exemplo, qual seria o melhor ponto de partida: sair da ca-pital federal, Rio de Janeiro, do Estado de Minas Gerais ou da região central do Estado de São Paulo? Nas discussões do Club de Engenharia, o parecer emitido foi favorável a que o ponto de partida fosse na região central de São Paulo. Já o Anuário da Escola Politécnica reunia uma série de artigos nos quais engenheiros defendiam igualmente que o ponto de partida deveria ser a região central do interior paulista, destacando também os pontos estratégicos por onde a nova ferrovia passaria, como Itapura, sede do antigo arsenal da Marinha, na foz do Rio Tietê.

Em meio aos debates dos engenheiros, o governo brasileiro publicou o Decreto n°862 de 1890, que concedia ao Banco União de São Paulo o direito de construir e explorar um caminho de ferro até o Estado de Mato Grosso, tendo como ponto de partida a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, e término em Coxim (hoje, Mato Grosso do Sul). Na verdade, a escolha de Uberaba foi

Mapa produzido por Olavo Hummel: relatório foi entregue ao Banco União

estava o engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza e outros profi ssionais como Olavo Hummel e o geológo norte-americano Orville Derby que, sediado em São Paulo, analisou o material geológico recolhido ao longo da jornada.

O relatório conclusivo deste levantamen-to foi entregue ao Banco União em 1892, logo se iniciando os trabalhos da nova linha. Entretanto, as instabilidades econômicas da década de 1890 atingiram duramente o Banco União, obrigando-o a desistir do direito de exploração da nova ferrovia. Tal ocorrência não signifi cou o fi nal do projeto da estrada estratégica. A concessão foi re-passada ao grupo que formou a Companhia Noroeste do Brasil (NOB). As obras foram iniciadas em 1905, mas com uma outra pro-posta de traçado, tendo como ponto de par-tida a cidade de Bauru, no interior paulista.

É interessante notar que a construção da linha da Noroeste desencadeou a construção de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de São Paulo so-licitaram o direito de explorar linhas com destino ao Estado de Mato Grosso, que atravessavam regiões ainda não inseridas no sistema produtivo do Estado. E assim o fi zeram as companhias Araraquarense, Sorocabana e Paulista.

A abertura das linhas estratégicas des-cortinava novas possibilidades de negócios para as companhias ferroviárias, como as ligadas ao lucrativo mercado de terras. O aparato tecnológico representado pela fer-rovia possibilitou não somente a conexão da malha ferroviária com outras regiões como também desencadeou um processo de colonização e consequente urbanização do Oeste paulista.

1 PINTO, A.A. História da Viação Pública em São Paulo. São Paulo: Tipografi a Vanorden, 1903.

Cristina de Campos é professora colabo-radora junto ao Departamento de Política Científi ca e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp

devido à proximidade com os trilhos da Companhia Mogiana, que fi nalizavam na região, possibilitando conexão com a malha ferroviária paulista.

O Banco União deu passos importantes logo após a conquista do decreto, montando uma expedição para realizar o primeiro le-vantamento da linha. À frente da expedição