cremilda medina

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - Escola de Comunicações e Artes Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação Área: Interfaces Sociais da Comunicação Linha: Educomunicação Disciplina: Educomunicação – Fundamentos, Áreas e Metodologias Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares A arte de tecer o ensino de comunicação Autora Neide Arruda e Débora Menezes Sumário 1. Introdução: Uma Trajetória de sonhos e realizações......................................1 2. Volta à universidade....................................................... .........................10 3. Mídias da SUP - “comunicação a serviço do conhecimento científico”..............13 4. As outras mídias, como a rádio e a TV, também têm a mesma importância dentro da CCS................................................................ ......................16 5. Educação e comunicação, uma relação transdisciplinar................................18 6. Sobre a série São Paulo de Perfil............................................................. .23 1

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Page 1: Cremilda medina

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - Escola de Comunicações e Artes Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação

Área: Interfaces Sociais da Comunicação Linha: Educomunicação

Disciplina: Educomunicação – Fundamentos, Áreas e MetodologiasProf. Dr. Ismar de Oliveira Soares

A arte de tecer o ensino de comunicação

Autora

Neide Arruda e Débora Menezes

Sumário

1. Introdução: Uma Trajetória de sonhos e realizações......................................1

2. Volta à universidade................................................................................10

3. Mídias da SUP - “comunicação a serviço do conhecimento científico”..............13

4. As outras mídias, como a rádio e a TV, também têm a mesma importância

dentro da CCS......................................................................................16

5. Educação e comunicação, uma relação transdisciplinar................................18

6. Sobre a série São Paulo de Perfil..............................................................23

7. Saber científico e mediadores-autores das mídias........................................28

8. Livros Publicados...................................................................................29

1) Introdução

Cidade do Porto, Portugal, março de 1942. O tempo era de guerra, mas,

para José e Joaquina Araújo, o cotidiano do conflito mundial não impediu

a felicidade do casal pela chegada de uma filha. Pra começar, ela

recebeu o mesmo nome da sua madrinha, Cremilda. Cresceu ao lado da

sua irmã Dina, rodeada de carinhos e mimos dos pais, dos avós e dos

padrinhos. Cursou o primário ainda na cidade natal, mas o destino

reservava para ela outro hemisfério, até então desconhecido.

Em 1951, José Araújo decidiu aceitar um convite de seu tio Emídio, irmão da sua mãe

(ator que veio para o Brasil nas companhias teatro da época, havia 40 anos), feito um

ano antes, na sua visita a Portugal. Zeca, como era chamado, partiu na frente para

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preparar a casa para a mulher e as duas filhas. Os preparativos para a viagem do

restante da família, se deu no começo de 1953. Além da ruptura com sua cidade,

familiares, padrinhos e amigos, a menina, então com 11 anos, teve a primeira perda

concreta na sua vida: uma bicicleta e um carrinho feito sob encomenda para ela, não

couberam no caixote só de brinquedos.

...Dois longos meses se passaram e as despedidas multiplicaram o sentimento de

tristeza até chegar ao navio, que partiria para a América em março do mesmo ano. Ao

pisar no navio Serpa Pinto, se sentiu responsável, de menina mimada e alegre,

convicta do reinado, teve que conhecer a maturidade precoce, contendo o choro, a

insegurança, o desconhecido pela frente...Não demorou e ela logo se apoderou do

navio, junto com dois meninos e outra menina, todos da mesma idade... Nos jogos de

adultos, os quatro adolescentes eram parceiros; à noite, nos bailes, aprenderam a

dançar samba e a cantar Chiquita bacana, lá Martinica... Eram 4 horas do dia 14 de

abril de 1953, o burburinho no convés anunciava a chegada ao Brasil, mas só por volta

das 7 horas o navio atracou na Baía da Guanabara, Rio de Janeiro. Uma luz nunca vista

selou o pacto com o Hemisfério dentro dela...

...A visita ao Corcovado, ao Jardim Botânico e além de Copacabana, pelas mãos do

pai entusiasmado em mostrar seu Brasil à mulher e filhas... oito dias se passaram, até

rumarem para Porto Alegre... Uma nova vida começa a ser trilhada, no início pelas

mãos dos pais... Colégio Farroupilha, reduto dos alemães... curso de inglês, de francês,

cursos superiores, de jornalismo, como primeira opção e Letras Clássicas, para diminuir

os rangeres de dentes do pai que era contra a sua primeira escolha por uma carreira

que acreditava não existir... Amigos, alegrias, lutas, dissabores, frustrações, garra,

esperança e fé... Harmonia, casamento, filhos, netos... Mestrado, doutorado, livre-

docência e titularidade...

São 340 páginas, 213 delas dedicadas à história de uma vida, dando ênfase ao

“outro” que cruzou com sua trajetória. As outras 127 páginas constam do memorial

científico. Memorial A Caminho do Hemisfério Sol para o concurso de Professor

Titular na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.

Narrar o passado, o presente e, expressar objetivos para futuro, se faz necessário

que a memória divague em fatos ocorridos, mesmo que nem todos felizes; em

conversas, que muitas vezes questionaram ou romperam com muitas das verdades

consideradas como prontas ou intocáveis; em emoções, trazendo a tona o reviver de

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momentos, também nem todos tão felizes, mas encarados como desafios para novas

conquistas. É assim que Cremilda Celeste de Araújo Medina descreve com leveza as

lições tiradas das experiências que se entrelaçam e marcam sua trajetória como

jornalista e educadora. Ela, que é hoje professora, doutora e coordenadora da CCS

(Coordenadoria de Comunicação Social) da USP, presidente do Fórum Permanente

Interdisciplinar da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da qual é professora titular; e

vice-presidente do Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina

(Prolam) da USP.

Cremilda Celeste de Araújo Medina nasceu em 16 de março de 1942 em Portugal.

Em 1953 saiu, com a família, do Porto para Porto Alegre (RS). Ainda nos anos 50

completou o segundo grau e, como qualquer jovem com sede do saber, foi em busca

dos seus sonhos, na área de Humanas. No inicio da década de 60, ingressou em dois

cursos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Jornalismo e Letras). Nesse

período viveu intensamente as atividades estudantis atuando desde logo como

jornalista e cooperando com programas de educação para adultos da União Nacional

de Estudantes (UNE). Lançou-se na atividade jornalística no começo dos anos 60, na

Revista do Globo, periódico da velha Editora Globo1.

Paralelamente, como educadora, atuou na mesma década no ensino de português

e literatura em uma escola pública de segundo grau (em Camaquã, no interior do Rio

Grande do Sul, e em Porto Alegre) e na escola normal (Camaquã). Foi em 1968 que

Cremilda finalmente uniu essas duas vertentes. Contratada como assistente de cátedra

no curso de jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ela

desenvolveu os primeiros passos como pesquisadora e professora universitária.

Em 1971 mudou-se para São Paulo, em busca do aperfeiçoamento profissional.

Entre 1972 e 1975, participou de um curso de pós-graduação na USP. Em Quito, no

Equador, também fez um curso no CIESPAL – Centro Internacional de Estudos

Superiores de Jornalismo Para a América Latina.

Mesmo exercendo o jornalismo nos primeiros anos de formada, Cremilda não

abandonou o sonho de enveredar também para a área educacional. Mas nem tudo

transcorreu na normalidade, pois foi aí que apareceu a primeira frustração profissional,

1 Sediada em Porto Alegre, de propriedade de Henrique e José Octávio Bertaso, que anos depois foi vendida às organizações Globo de Roberto Marinho)3

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que lhe rendeu muita angústia, mas também a coragem para encarar os desafios que

viriam pela frente.

Quando fui dar aula no nível superior, comecei a ficar incomodada. O catedrático

do qual fui assistente, passava os macetes de como se fazia um jornal, mas eu já

exercia o jornalismo e tirava de letra, inclusive a diagramação de um jornal. Então,

comecei a pensar: será que isso é ser professor universitário? Questionei aquela

semente que ficou da minha formação pedagógica. Na mesma época, um psicanalista

importante em Porto Alegre, organizou no curso de Medicina da Federal o primeiro

simpósio de metodologia de ensino superior em medicina e me chamou para fazer todo

projeto de tradução e comunicação do simpósio. Ai eu fui encontrar nos textos da

metodologia que traduzi do francês, do inglês, do espanhol, toda a problemática, as

questões e desafios e a proposta de pedagogia na minha licenciatura, que servia para

qualquer área – e que na medicina é tão estratégica como em qualquer outra. Não

pensei duas vezes e entrei de cabeça nestes textos. Como eu estava ingressando na

universidade como professora, disse ‘opa’, não é só na medicina, eu também tenho

que estudar a questão metodológica no jornalismo. Com bases nas pesquisas comecei

a lecionar e ter uma receptividade gratificante por parte dos alunos.

Trabalhar numa mesa de discussão e não numa sala de aula e aplicar uma

metodologia baseada em pesquisas e estudos, provocou no catedrático um sentimento

forte de ciúmes.

Numa reunião de departamento, ele soltou os cachorros, dizendo que eu estava

sendo infiel e queria roubar seus alunos, foi um arranca-rabo... Mas eu não tinha culpa

se os alunos me procuravam entusiasmados com a metodologia aplicada. Começou aí

meu procedimento não só como professora, mas também como pesquisadora. Décadas

se passaram e continuo acreditando que o educador não pode ser apenas um

transmissor de conhecimento; ele tem que ser também um pesquisador e aplicar esse

conhecimento na sociedade. Eu era uma ‘guria’ (como diz o gaúcho), e minha

pretensão era a de fazer com que cada aluno fosse além do ensino abstrato, que

pesquisasse e colocasse em prática o aprendizado.

Desolada, mas acreditando que estava no caminho certo, retirou-se da reunião

inconformada com as palavras agressivas do catedrático.

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Saí da reunião muito triste e peguei uma carona, de volta para casa, com uma

colega mais velha, a Lea Brenner (que nunca mais encontrei, mas gostaria de

encontrar... não sei se está viva...). Tentei controlar a emoção, durante o trajeto, mas

caí num choro convulsivo. Foi aí que a Lea me disse: ‘você não cabe mais aqui, o seu

lugar é em Nova Iorque ou em São Paulo’. Foi assim, profética. Não sei se foi isso que

me influenciou, só sei que no ano seguinte já estava aqui, em São Paulo. Mudei por

conta de dois fatores. Primeiro esse incidente que precipitou minha vinda e segundo,

porque queria começar um curso de pós-graduação, em São Paulo, na USP. Seria o

primeiro pós-graduação em Ciências da Comunicação. E mais: a vontade de pesquisar

e não ficar simplesmente repetindo fórmulas, que já dominava, na prática profissional.

Mas o pós-graduação não começou imediatamente. Foi acontecer em 1972, um ano

depois de ser contratada pela ECA, como professora de algumas disciplinas de

Jornalismo, num período de duas grandes tensões por conta da ditadura.

Foi a partir daí que pude aplicar efetivamente a minha vertente de educadora, ou

seja: meu projeto de pesquisa na questão da educação. Comecei a estudar tudo aquilo

que já tinha acumulado da licenciatura, do congresso de medicina, e discutia isso no

Departamento na ECA, e em fóruns nacionais e internacionais (na América Latina). A

tal ponto, em Minas Gerais, em um congresso da Associação Brasileira das Escolas de

Comunicação (ABECOM), em 1974, eu apresentei um texto sobre a questão da

Pedagogia.

Nesse período de transição a professora obteve o título de mestre com a

apresentação do trabalho A Estrutura da Mensagem Jornalística , e implantou o projeto

da Agência Universitária de Jornalismo, para proporcionar aos alunos um laboratório

núcleo. As investigações sobre a reportagem geraram dois livros nessa época: A Arte

de Tecer o Presente (1973), em parceria com Paulo Roberto Leandro, e Notícia, um

Produto à Venda, Jornalismo na Sociedade Urbana e Industrial (1978). E ainda teve

tempo para trabalhar em veículos da grande imprensa, como o Jornal da Tarde, a TV

Bandeirantes e a TV Cultura.

Repressão e cassações

O ano é 1974, seis anos desde o Ato Institucional número 5. Cada vez mais o

governo militar cerca os redutos de informação, tanto nas empresas quanto no curso

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de jornalismo da ECA. Nessa época, um arquiteto da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo (FAU) arriscou-se a defender a primeira tese crítica ao Plano Nacional de

Habitação. A Agência Universitária de Notícias, que funcionava sob o comando de

Cremilda e do seu colega Paulo Roberto Leandro, cobriu o assunto – estopim para

muita dor de cabeça no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA.

O boletim produzido pela agência era entregue em redações de SP (capital e

interior) e no Rio, e órgãos de imprensa importantes aproveitaram a cobertura para

também fazer reportagens. O presidente da República na época, Ernesto Geisel, enviou

um telegrama para a diretoria da ECA acusando a Agência Universitária de “órgão de

imprensa atentatório à Segurança”. No dia seguinte fui na chamada à diretoria para

dar explicações ao diretor, Manuel Nunes Dias, que disse, em tom agressivo, não estar

interessado em conhecer os fatos que deram origem ao acontecimento. Episódios

dessa natureza se multiplicaram semanalmente na ECA.

No final do mesmo ano, se desencadeou um processo contra Sinval Medina (marido

de Cremilda), criador e coordenador do curso de Editoração, em 1973. Cassado num

processo sui generis cancelamento do contrato depois de uma escandalosa

reprovação no exame de qualificação de Mestrado , Medina saiu da universidade em

abril de 1975. Em protesto, três companheiros pediram demissão: Walter Sampaio

(chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração), Paulo Roberto Leandro e

Cremilda Medina. Ao assumirem essa atitude política contra a arbitrariedade

(reconhecida posteriormente, já que Sinval Medina foi anistiado junto com os demais

cassados), provocaram, sem o desejar, a primeira greve universitária desde o Ato

Institucional nº 5.

Os estudantes da ECA entraram em greve contra o que chamaram de “Delito de

Medina” e o problema situado se alastrou por toda a USP. O movimento atingiu

significado nacional, ultrapassando as portas da universidade. O jornal O Estado de S.

Paulo e o Jornal da Tarde não quiseram saber se a questão localizada ou não, e

publicaram editoriais atribuindo a responsabilidade da greve da USP aos quatro

professores agitadores. O que nos valeu uma ordem de prisão, engavetada em

seguida.

Após sair da USP, em maio de 1975, Cremilda Medina passou a trabalhar na TV

Cultura e na Sociedade Brasileira de Física, preparando a comunicação interna e

externa de um grande congresso nacional.

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Quando ainda estava na USP, conheci físicos como Ernst Hamburger, Amélia

Hamburger, José Goldemberg (já cruzara com este pesquisador nos ambientes

jornalísticos e na cobertura da energia nuclear que ele polemizava). Se já havia

trabalhado com textos dos novos físicos, o convívio direto foi gratificante. A cultura

humanizada do Instituto de Física era também um bálsamo para aquele momento de

rangeres de dentes.

Pouco antes do final daquele ano, seu colega Walter Sampaio, diretor de

telejornalismo da TV, foi substituído pelo jornalista Wladimir Herzog. Nessa época, a

Cultura exibiu um especial da rede BBC de Londres sobre os vietcongs, pauta que

repercutiu negativamente junto aos órgãos da repressão.

A trégua que parecia ter chegado, não durou. Em outubro de 1975, Cremilda

continuava como editora da TV Cultura e Vlado (como era chamado carinhosamente

pelos amigos) encaminhou à administração da Fundação Padre Anchieta uma

promoção de três mil cruzeiros para o cargo que ela ocupava, editora nacional. Mas em

vez de promoção a mensagem que veio do Palácio dos Bandeirantes ordenava sua

demissão. Vlado ficou muito perturbado e foi tentar investigar os motivos: lá encontrou

os episódios policiais de abril do mesmo ano.

Foi um período muito difícil, vivíamos os tempos pesados de uma nova onda de

repressão que visava os jornalistas e seus ambientes. De 1973 a 1975, embora a

paixão fosse impulsiva, não se tinha mais sossego na resistência. O sistema de

informantes da polícia ameaçava o cotidiano.

Dias após sua demissão, Vladimir Herzog estava morto no DOI-CODI. Novamente

desempregada, foi ao cinema naquele sábado, 25 de outubro, ver o filme Ensina-me a

Viver, na primeira sessão da tarde. Ao entrar em casa por volta de 4h30, logo em

seguida entrou Paulo Roberto Leandro, de olhos esbugalhados, que disse: Mataram o

Vlado.

Não tive forças para ir ao velório, mas na missa de sétimo dia na Catedral da Sé,

juntei-me à multidão que furara o esquema policial de isolamento da Praça da Sé, a

“Operação Guttemberg”. Chegamos a pé ou de metrô, não nem todos conseguimos

entrar na catedral onde seria rezada uma missa ecumênica. Ficamos ali na Sé cercados

por metralhadoras, todas as janelas à volta estavam engalanadas de armas apontando

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para nós. No dia de sua morte, 25 de outubro de 1975, instalavam-se as pressões

definitivas para a abertura democrática.

O mês era novembro e ainda desempregada, ela caminhava pelo centro da cidade

como que procurando um rumo para sua vida profissional. A angústia parecia dominar

sua mente e ficava difícil vislumbrar dias melhores, quando encontrou um grande

amigo de rodas de samba. Era Leônidas Casanova, professor da Faculdade de

Educação da USP e redator de editorial no jornal O Estado de S. Paulo. Ele percebeu o

estado de depressão da amiga e se ofereceu para intermediar um possível trabalho no

jornal.

Alguns dias depois, Oliveiros Ferreira, editor-chefe do jornal, me convocou à

redação, explicando solidário que não tinha o melhor para oferecer, mas que eu

poderia começar no copidesque. Foram dez anos de dedicação exclusiva ao jornalismo

diário de novembro de 1975 a agosto de 1985.

Antes de completar um mês trabalhando como copidesque, Cremilda foi chamada

para ajudar em um fechamento da editoria de Artes. Em pouco tempo tornou-se

redatora, depois passou a subeditora, em seguida, editora.

Era um sábado do mês de dezembro de 1975, e a equipe estava a meio vapor

por revezamento de fim de semana, quando morreu o escritor Érico Veríssimo. O editor

me pediu para dar uma mão, já que era gaúcha. Para mim, que convivia com o escritor

e o amigo, tratava-se de passar além da dor e escrever. O perfil do autor de O

Continente saiu que nem manteiga no pão, 180 linhas em duas horas. Isso me valeu,

infelizmente porque às custas da morte de um grande homem, um convite para

trabalhar como redatora na editoria de Artes, onde assumi tempos depois a subeditoria

e mais adiante a chefia da editoria, onde fiquei nove e meio dos dez anos de contrato

com a empresa jornalística.

Durante esse período de trabalho, Cremilda continuou mantendo contatos com

pesquisadores da América Latina. Em 1982, a convite da instituição CIESPAL, lançou a

publicação Profissão Jornalista, Responsabilidade Social. Ela ainda produziu três

grandes inventários sobre os escritores vivos da língua portuguesa, a partir da visita a

sete países e contato com 124 criadores e sua obra. Parte desses inventários foi

produzida quando estava na redação do jornal. O primeiro, Viagem à Literatura

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Portuguesa Contemporânea, foi lançado em 1983. Em seguida, ainda vieram A Posse

da Terra – Escritor Brasileiro Hoje (1985) e Sonha Mamana África (1987).

2) Volta à universidade

Mesmo antes de deixar a redação do jornal O Estado de São Paulo, retomou o

contato com a USP, outra vez a convite do velho amigo, José Marques de Melo. Ele

voltara à ECA, o movimento da anistia se consumava e a chamou para dar cursos de

especialização. Entre 1984 e 1985 sucederam-se, a pedido dos jornalistas que

freqüentaram o primeiro curso, mais três sucessivos.

Os cursos de especialização no Departamento de Jornalismo e Editoração, de

março de 1984 a dezembro de 1985, me sinalizaram o futuro e foi aí que vislumbrei

minha ligação atávica com a USP e aquilo que ela tem de mais próprio, a pesquisa.

A primeira vez que voltou à USP (1984) depois das tristezas da década de 70, foi

por ocasião dos 50 anos da criação da universidade. Julio de Mesquita Neto e Oliveiros

Ferreira a chamaram para essa outra missão reconstituir a história e o destino da

missão européia que trouxe para o Brasil, em 1934, uma nova idéia de universidade.

Ao realizar essa reportagem, ouvindo os mais eminentes pesquisadores,

herdeiros da primeira geração, compreendi por insight o espírito da USP, uma alma que

nem uma gestão desastrosa como a de Paulo Maluf como governador, nem a ação da

ditadura, conseguiram dissipar.

A jornalista regressou à ECA em 1984, como pesquisadora e professora. Defendeu a

tese de doutorado, Modo de Ser, mo’Dizer, em 1986, quando já atuava, novamente,

como professora do departamento de jornalismo. A tese, com textos líricos sobre

personagens da região de Higienópolis, em São Paulo, foi o embrião de um dos seus

mais importantes projetos, dentro da linha de pesquisa da epistemologia do jornalismo:

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Diálogo Social: Narrativas da Contemporaneidade – Série São Paulo de Perfil 2 , que

perdura até hoje em um fórum permanente interdisciplinar.

O projeto, que começou como uma formação de jornalistas da ECA, migrou para o

espaço interdisciplinar e hoje envolve pessoas de várias áreas – de alunos da

graduação a voluntários de um programa voltado para a terceira idade e até

participantes do Programa Latino Americano de Pós-Graduação (Prolam).

Eu saí da disciplina do currículo de jornalismo da graduação para oferecer a

disciplina que se chama Narrativas da Contemporaneidade, freqüentada por gente de

todos gêneros, de todas as faixas etárias, mas que vale crédito para os alunos de

graduação de qualquer área de conhecimento, não apenas na ECA. É interdisciplinar.

A série São Paulo de Perfil, ato culminante dessa disciplina, é composta de duas

grandes temáticas, ora traçando o perfil de determinada migração no Estado de São

Paulo, ora abordando um grande problema do cotidiano paulista, e tem por objetivo o

diálogo entre a universidade e a comunidade - através de narrativas feitas pelos

alunos, construída a partir de histórias reais. Esse projeto de pesquisa idealizado por

ela conta hoje com 26 publicações sob sua coordenação.

O projeto é tão envolvente que já existem até os amigos da Sociedade São Paulo

de Perfil, que conta com colaboradores. Por influencia da cultura do Prolam - que é

uma cultura interdisciplinar, tenho alunos e orientandos de varias áreas, os alunos da

ECA interagem com essa -, esfera e com alunos de todas as áreas de comunicação.

Não tenho projeto fechado por fronteiras, todos os meus projetos envolvem a ECA e

alunos de outras áreas de conhecimento.

Em 1989, Cremilda prestou concurso para sua livre-docência, sob o título Povo e

Personagem. No ano seguinte, após reunir um grupo de cientistas para debater a

relação entre os vários campos da ciência, passa a desenvolver seu segundo projeto de

pesquisa: O Saber Plural e a Crise dos Paradigmas3.

2 A pesquisa que vem se desenvolvendo há quatro décadas tem por objetivo constituir a teoria e a prática dialógica nas mediações sociais do jornalismo. Numa perspectiva interdisciplinar, os pesquisadores e alunos agregados ao projeto experimentam a polifonia e a polissemia numa narrativa viva que recupera o cotidiano, o protagonismo humano, os diagnósticos e prognósticos das situações contemporâneas. O ato culminante do projeto é a edição de um livro temático da série São Paulo de Perfil, que está na 27ª edição. A recepção externa à universidade, na escola pública de segundo grau, nas penitenciárias do Estado e nas comunidades afetas aos exemplares da coleção, alimentam a pesquisa da linguagem dialógica.3 Com um histórico de 15 anos, o projeto encontra-se na terceira fase de desenvolvimento e se articula, no âmbito da pós-graduação e na epistemologia do Jornalismo e da Comunicação Social, com o projeto Diálogo

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Para esse segundo projeto, Cremilda reuniu, em caráter experimental, um grupo de

nove cientistas para debater a crise dos paradigmas e as possibilidades da inter e

transdisciplinalidade. Um químico, dois físicos, um matemático-filósofo, um

neurologista, um sociólogo-biólogo, um sociólogo, um psicólogo e um psicanalista

debateram o tema e o encontro constituiu um desafio plenamente assumido no projeto

que se implanta em 1992. Os debates ocorridos no primeiro seminário estão

publicados sob o título Novo Pacto da Ciência (1991). A série já está no oitavo livro e é

coordenada e organizada por Cremilda, sempre com a proposta de diálogo entre os

vários campos da ciência contextualizada nas disciplinas de graduação e de pós-

graduação oferecidas na ECA e no Prolam.

Começava ali uma interlocução que iria constituir o Projeto Plural e a Crise de

Paradigmas, logo credenciado junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

Cientifico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa integrada deu inicio a uma série de títulos,

dos Anais do I Seminário Transdisciplinar. A série Novo Pacto da Ciência reúne

pesquisadores, jornalistas, cientistas, pensadores e artistas debatendo temas da

atualidade. O oitavo livro, Ciência e Sociedade Mediações Jornalísticas, (2005), mostra

uma preocupação com outros nós da comunicação social, propondo que as fontes

especializadas do saber cientifico e mediadores-autores das mídias se desarmem,

abandonem velhos preconceitos de parte a parte e procurem, juntos, o

aperfeiçoamento da dialogia democrática. Esse projeto foi organizado do segundo até o

penúltimo livro por mim e pelo sociólogo Milton Greco de outra universidade, que foi

meu co-autor durante seis edições das oito já publicadas.

Incansável, mesmo atarefada com a continuidade dos seus projetos, em 1993

Cremilda Medina apresentou seu Memorial A Caminho do Hemisfério Sol com 340

páginas, dividido radicalmente em duas partes, para o concurso de Professor Titular na

Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.

A diferença mais radical no meu memorial para o concurso de titularidade, é essa

divisão em duas partes. A primeira parte é o memorial afetivo, em papel amarelo, a

segunda em papel cinza o memorial cientifico. No amarelo eu narro história de vida,

não em função de mim, mas em função dos convívios que tive ao longo de minha

trajetória, dando grande ênfase no ‘outro’ que encontrei nos meus percursos pela vida

Social. Narrativas da Contemporaneidade que pesquisa as dialogias. Neste caso, trata-se de articular os diferentes saberes - científicos, artísticos e localizados na experiência do cotidiano - em torno de encontros temáticos, contribuições ensaísticas de caráter especializado ou de reportagem autoral.

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afora. No cientifico havia a parte dos documentos e toda a construção de minha

trajetória profissional. A banca formada, como de praxe, por pesquisadores renomados,

não se deteve nas páginas cinzentas, preferiu as amarelas... Só ligaram para a

narrativa amarelinha, a que reconstitui a aventura sócio-cultural dos anos 50 aos anos

1990.

3) Mídias da SUP - “comunicação a serviço do conhecimento científico”

Desde 1999, Cremilda divide-se entre os projetos de pesquisas, as aulas na

graduação e na pós da ECA; orientações de mestrado e de doutorado, e a função de

coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da USP. Aqui, a

profissional concilia todas as experiências para trabalhar pela “comunicação a serviço

do conhecimento científico”. A semente para o desenvolvimento do setor foi a Agência

Universitária de Notícias, criada em 1971 como um órgão disseminador de informações

sobre a produção da universidade. Hoje a Agência USP de Notícias4 é um dos principais

projetos da coordenadoria, e leva informações para vários veículos de comunicação do

Brasil.

A proposta é mostrar que não só a universidade tem o que dizer para sociedade,

como também a sociedade tem o que dizer para universidade. De maneira que o

jornalista, que é um comunicador por formação, seja principalmente um autor

mediador, e não um simples tradutor das mensagens que vêm das fontes.

Através da coordenadoria, muitas produções das mídias da USP puderam

desenvolver uma unidade interna e trabalhar voltadas para o “signo da relação”. O

próprio departamento de relações públicas e marketing tem destaque nesse processo,

pois contribui com a participação valiosa em projetos como o Estação USP, um festival

de inverno, realizado em várias cidades do interior e no litoral de São Paulo, com o

objetivo de levar a universidade até essas comunidades, através de atividades

culturais.

4 Com avançados recursos da informática, a agência constitui-se na base de um projeto que pretende valorizar a inserção de pesquisadores e docentes da USP nos veículos de comunicação. Propicia o acesso dos professores e outros membros da comunidade uspiana aos veículos de divulgação, facilitando a inserção dos trabalhos junto à sociedade e identifica tendências dos meios de comunicação em relação ao serviço que a Universidade pode prestar às diferentes mídias. A Agência USP também produz o Clipping USP, transmitido eletronicamente, em versão digital, a todos os órgãos administrativos da Universidade. O material traz, em duas ou mais edições diárias, as principais notícias sobre a Universidade ou de interesse da comunidade universitária como Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, publicadas na imprensa. A redação é responsável ainda pela elaboração diária de notícias em outros sites da Universidade, como o Portal da USP e o Portal Saber. (fonte: www.usp.br/agenciausp)

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Page 13: Cremilda medina

Quando cheguei na Coordenadoria de Comunicação Social, em outubro de 1999,

as mídias que encontrei estavam completamente isoladas umas das outras, não só por

andar (as pessoas usavam o mesmo elevador e nem se conheciam). O jornal da USP, a

rádio, a agência (o portal da USP ainda não estava montado) e a TV USP estava

começando. Não havia a divisão do Departamento de Relações Públicas e Marketing,

que é muito importante. Hoje, por exemplo, o festival de inverno que já está no quinto

ano, é uma iniciativa dessa área da coordenadoria e é onde se pratica mais o signo da

relação. Ou seja: a comunicação sociedade-universidade, universidade-sociedade. Por

exemplo: eu estive dando uma Oficina de Narrativa em Mococa e recebi textos

maravilhosos das pessoas que participaram: desde um senhor carteiro, que não tem

formação superior, até professores e uma psicóloga, numa turma de 25 pessoas

heterogêneas que vão participar de uma iniciativa de uma extensão cultural da USP e

devem fazer um livro comigo.

As mídias que estão sob a responsabilidade da CCS são: o Jornal e a Revista da

USP, a revista eletrônica Espaço Aberto (voltada para os funcionários), a Agência USP

de Notícias, a Rádio, o Portal e a TV. A tevê também colabora na produção de

documentários que são veiculados por outras TVs de cunho educativo, como a Cultura.

O centro de recepção ao visitante, na entrada principal da universidade, também está

ligado à coordenadoria.

As mídias da universidade que compõem a Coordenadoria, estão integradas em

um novo organograma desde 2000. Hoje elas são orgânicas e tem um projeto de

comunicação social que se diferencia das assessorias de imprensa, das assessorias da

reitoria, das outras unidades da USP e das prefeituras da universidade, no interior. As

mídias reunidas na CCS, estão voltadas para o signo da relação - portanto, não é uma

divulgação cientifica, é uma comunicação social. Para mostrar essa diferença não tem

sido fácil. É uma verdadeira batalha, não só com as pessoas ligadas a informação, mas

também com uma base de conservadorismo que ainda existe na USP. No caso dos

profissionais da coordenadoria, que são todos concursados, esses tiveram

oportunidade nos últimos seis anos de participarem de workshops para que

percebessem a diferença entre divulgação e comunicação.

As mídias sob a coordenação da CCS passaram por uma grande reforma

administrativa após esses workshops. E a vivência jornalística de Cremilda contrbiui

bastante para esse processo.

13

Page 14: Cremilda medina

Não havia reunião de pauta, para facilitar o cumprimento das tarefas de cada

veículo. Havia uma competição de quem dava a informação primeiro. Diversas equipes

saiam para cobrir um mesmo assunto, o que era um grande desperdício. Criei como

ponto de partida as segundas-feiras, para discussão e elaboração de pautas, com a

participação de todos. Hoje, isso já existe com todos os diretores de mídias e veículos,

planejando o que se vai produzir durante a semana, como se faz em qualquer veiculo

de comunicação, em qualquer empresa jornalística. Essa parte foi uma das coisas mais

gratas do projeto, foi estabelecer uma articulação que só foi possível por meio dos

workshops, porque em primeiro lugar tinha que haver um signo da relação interna,

para depois se propor um signo da relação com a sociedade. Então começamos pelo

quintal, logo nos primeiros anos em que assumi a coordenadoria, a seguir essas prática

se estendeu aos campi da USP no interior do Estado. O meu objetivo foi o de criar uma

mediação social interna e do interno para o externo, sem privilégios.

Todas as mídias de responsabilidade da CCS estão dentro de um organograma

horizontal e sem o privilégio que é comum dentro das empresas jornalísticas, de uma

editoria ser mais nobre do que a outra.

As coisas foram surgindo, horizontalizou-se todas as mídias. Existe o gabinete da

coordenadoria, aí criamos espaço para assessor de pauta, que não existia, para

municiar todas as mídias e para captar pautas também dos institutos de pesquisas

externas a USP e do exterior, para freqüentar os sites. A área de administração que

está ligada ao gabinete tem um corpo administrativo, com orçamentos e toda a sua

complexidade. Depois, vêm as mídias. A sinergia foi uma das propostas, mas antes

dela havia a questão da organização, da articulação, das mídias dentro de um

organograma. Que não tivesse aquela coisa que é comum nas empresas jornalísticas,

de uma editoria ser mais nobre que outra, até mesmo em termos de salário.

Para que todas os veículos de comunicação pudessem funcionar voltados para um

contexto social, dentro e fora da universidade, além das novas diretrizes

administrativas, se fez necessário a implantação de uma infra-estrutura

minuciosamente estudada para superar as dificuldades, que não foram poucas. Com

conhecimento de causa, Cremilda descreve como foi possível diagnosticar os

problemas e pôr em prática o projeto de comunicação para as mídias da USP.

14

Page 15: Cremilda medina

É bom lembrar que a Agência Universitária de Noticias, montada na ECA em

1971 tornou-se um laboratório de grande êxito. A idéia da criação foi do Freitas Nobre,

que sugeriu para José Marques de Melo, no final da década de 1960. Mas ele era

professor de Ética e Legislação, e aí o José Marques passou para mim e abracei a idéia.

Montei a AUN, que é também a semente do que depois veio a se desenvolver na

coordenadoria de Comunicação Social. Essa agência hoje é, para mim, a coluna

vertebral da Coordenadoria de Comunicação Social. Fazemos várias ações, como um

convênio entre a Agência Estado e a nossa agência, que envia material para todos os

jornais. Isso faz as noticias circularem mais. É uma área muito importante e

estratégica.

4) As outras mídias, como a rádio e a TV, também têm a mesma importância dentro

da CCS.

A Rádio USP tem 27 anos e foi o primeiro projeto da coordenadoria, mas

paralelamente havia um serviço informativo que era inspirado na AUN que é de 1971.

A emissora, hoje, não é só Rádio USP, é a primeira rede universitária de Rádio no

Brasil, porque nós conseguimos articular com a Radio de Ribeirão Preto da USP e Rádio

da USP São Carlos. Pirassununga vem tentando uma concessão. De maneira que a

rádio entrou em rede atuando não só na capital, mas também no interior, onde

também existe a programação local. Foi um trabalho sofrido por que a concessão de

Ribeirão Preto demorou 15 anos para sair e a de São Carlos foi complicada.

Para o Jornal e a Revista da USP que são impressos, existe uma articulação do

corpo fotográfico, e do corpo de designers, das equipes de redação.

Quando assumi a coordenação da CCS, a TV USP estava iniciando e o grande

problema era que não havia um corpo de profissionais, apenas estagiários. Tive que

lutar pela abertura de cargos, e é sempre uma batalha campal para a universidade

abrir um cargo, para um profissional da área. É um canal a cabo, dentro de um

consórcio de nove universidades, onde a USP tem um assento importante porque a

nossa programação é bastante diferenciada. O fato de não ser um canal aberto, e não

ser um canal somente da USP, tendo apenas uma fração de tempo dentro da

programação, levou a coordenadoria a investir muito no desdobramento da TV USP. O

investimento está na produção de documentários que também circulam por outras

mídias externas. A TV USP tem a produção para o canal universitário que está dentro

15

Page 16: Cremilda medina

dos horários como qualquer emissora de TV e tem também a produção a médio prazo,

que é a de documentários, inclusive para as instâncias da universidade que solicitam

esse tipo de produção. O próprio vídeo documentário sobre a Universidade de São

Paulo, foi produzido pela TV USP. Além disso, também é comum ver matérias

produzidas sendo exibidas em muitas outras emissoras de TV.

Ainda não cheguei no setor mais febril que é o da informação on-line. É aí que

entra, novamente, a parceria da Agência USP de Notícias, através do portal

www.usp.br. O portal estava em estudo quando cheguei na coordenadoria, implantado

experimentalmente em 1999, e só inaugurado em 2000.

Também está sob a responsabilidade da CCS o Centro de Visitantes que fica na

entrada principal da USP, e serve de apoio para quem passa pela universidade, ou quer

conhecê-la e precisa de informações.

O Centro de Visitantes também passou por uma reformulação total. Hoje,

realmente é um Centro de recepção, de Comunicação Social a serviço do visitante,

pelo menos é o que nós procuramos fazer.

Cremilda quer expandir ainda mais a USP nas comunidades. Um de seus

projetos futuros é levar as mídias da CCS para as escolas públicas, através de uma

espécie de “ônibus-redação” equipado com computadores, para que os alunos possam

navegar pelo conteúdo produzido pela universidade. Esse projeto pode incluir, ainda, a

produção de um “Jornal da USP” voltado para o público escolar.

Com a experiência de pesquisa da série São Paulo de Perfil, temos condições de

abraçar um trabalho desse tipo. O investimento maior nesta proposta é a

coordenadoria ter um ônibus montado, como o que existe na PUC de Porto Alegre (RS)

que tem um projeto muito bonito neste sentido. A nossa proposta é que o ônibus tenha

computadores, que darão acesso ao portal, a navegação aos trabalhos da USP, que o

jornal tenha uma edição voltada para as escolas e algo voltado para teatro, como o

Festival de Inverno que produzimos, pois temos experiências em oficinas ambulantes.

Há muitas possibilidades de avançar com essa ação afirmativa e comunicativa, só

estamos aguardando uma definição da política de comunicação da nova reitoria.

5) Educação e comunicação, uma relação transdisciplinar

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Page 17: Cremilda medina

Com tantas experiências interdisciplinares, envolvendo públicos diferenciados

dentro da própria USP e de comunidades externas, Cremilda deixa claro a existência de

uma interface importante entre a comunicação e a educação em seus projetos.

- Trabalho muito com educadores de ciências exatas, ciências sociais e qualquer

área do conhecimento. O assento na educação é algo que me interessa muito. Tenho

um texto que apresentei no encontro da Sociedade de Geografia no Rio Grande do Sul,

onde proponho claramente essa interface. No meu livro mais recente, A arte de Tecer o

Presente também passo por esse eixo. Insisto na vertente do cotidiano, que a

educação e a comunicação precisam dar as mãos. É importante salientar a

experiência com a Terceira Idade, que entra também nesse contexto e traz um fluxo

muito forte para a questão pedagógica, educativa e de dinamismo social para fora.

Comecei a trabalhar com eles, esperando que trouxessem para os jovens um acervo de

histórias, mas o caminho foi outro. Meu objetivo inicial foi o de contaminar os jovens

com as historias e as memórias. Mas eles não querem saber disso, eles querem é

construir a história do outro, hoje.

No final de março deste ano foi aprovado pelo Conselho do Departamento de

Comunicações e Artes da ECA, o curso de Licenciatura em Educomunicação, proposto

por cinco professores doutores e revisto por mais quatro também professores doutores

da área de Ciência da Comunicação. A nova habilitação estará “voltada a preparar

profissionais em condições de se dedicarem às práticas educativas relacionadas ao

ensino da comunicação, suas linguagens e tecnologias, atendendo às normas criadas

pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. Cremilda comenta sobre

essa iniciativa.

No caso da educomunicação, a primeira proposta é essa de tentar chegar nos

professores. Ainda que não haja a oportunidade de trabalhar com uma formulação do

educomunicador dentro da escola, pode-se trabalhar desde já diretamente com os

professores, através dessa licenciatura. Por outro lado acho importante que esse

educomunicador também busque uma formação em comunicação social, para que

tenha condições de aplicar seus conhecimentos com melhor bagagem.

É muito antiga está proposta da Educomunicação, mas nunca foi aceita. Não

saberia dar assim fatores explícitos. Acho que pode ser uma questão de reserva de

mercado, corporativismo, certamente é. Depois também vem a batalha que não

termina: nunca a comunicação atinge o estatuto de conhecimento respeitável. Todo

17

Page 18: Cremilda medina

mundo se acha no direito de ser comunicador ou ser jornalista. Por isso as pessoas, as

autoridades, até então rejeitavam essa proposta. Acho que foi difícil para todas as

artes, mas hoje já se aceita arte no currículo escolar, como teatro, por exemplo. Com a

Educomunicação não vai ser diferente.

Sempre estive próxima da Educomunicação. Nós estivemos juntos, o Ismar de

Oliveira Soares, o José Coelho Sobrinho, o Sinval Medina e eu, num projeto de

consultoria da Revista Sem Fronteira5, isso lá atrás (1992) e partilhamos ali naquela

ocasião um projeto desafiador e ousado. Discutimos a questão de reportar a voz dos

outros e não ficar persuadindo da tribuna, do púlpito. Então, a gente partilhou das

discussões e das pesquisas. Foi assim que tive uma aproximação com o Ismar e

conheci seu empenho na área da Educomunicação. Estou acompanhando e sou

solidária com ele desde cedo.

O lado pedagógico da professora Cremilda é latente. E, com propriedade de quem

realmente conhece a área, ela faz uma análise da educação no Brasil de ontem e de

hoje, as conquistas e os retrocessos no processo educacional do país.

Fiz Letras e Jornalismo. E ao fazer Letras, fui para a questão da licenciatura e tive

a oportunidade de participar de uma formação didática do núcleo mais avançado do

Brasil, que era o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No inicio dos anos

1960, educação era atividade de ponta nessa universidade. Observei, no entanto, que

poucos alunos se empenhavam na formação didática.

A educação ocupou um espaço no imaginário e nas discussões teóricas muito

forte nos anos 1950 e 1960. Não era moda, acho que era uma questão muito

contundente, que era o acesso à cidadania de novas sociedades que iriam se formar na

década de 60 em diante. Por exemplo, toda a constituição dos países africanos pós-

independência, os desafios dos países asiáticos, da América Latina, o sul do planeta

5 “Surgiu em 1992, uma oportunidade que merece especial registro. A congregação dos combonianos no Brasil solicitou a um grupo misto( pesquisadores da USP e mais dois profissionais fora da universidade) uma profunda avaliação da revista Sem Fronteiras, por ocasião de seus vinte anos de atividade. Nesse projeto, atuei com Sinval Medina, e desenvolvemos a pesquisa de estrutura editorial e texto da revista. José Coelho Sobrinho, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, se encarregou dos estudos gráficos (desenho e diagramação da revista). A pesquisa de audiência ficou sob a coordenação de Mauro Wilton de Souza, também da ECA. Wilson Mário Antonelle, profissional de marketing, desenvolveu estudos sobre a expansão da revista no mercado brasileiro. A equipe foi coordenada por Ismar de Oliveira Soares (...). O que me coube, mergulhar na concepção editorial e formulações de texto, pôs à prova a teoria e a prática que venho desenvolvendo, há 30 anos, quase sempre independente dos modismos do mercado e das escolas de jornalismo que assumem certas cartilhas. Em síntese, tenho trabalhado, num perfil de vida inteira, no signo da relação que passa obrigatoriamente por uma definição ética (humanização do discurso da atualidade), pela construção de técnicas mediadoras (o diálogo possível), iluminadas pela pesquisa estética (dos códigos burocráticos aos códigos criativos, reveladores)” - Trechos do Memorial A Caminho do Hemisfério Sol, de Cremilda Medina (1993).

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Page 19: Cremilda medina

estava todo em ascensão para uma vocalização histórica, para uma cidadania. E nesse

sentido a Educação era o eixo como é até hoje. Então, os cursos de didática lançavam

estas novas propostas, é o momento em que se constituem os colégios de aplicação,

como a extensão da escola de formação de educação, pedagogia, onde fiz alguns

estágios. Em 1963, fiz um estágio com portadores de deficiência. Ai eu via que meus

colegas, na grande maioria, só iam às aulas, mas não aplicavam nada, não faziam

realmente uma renovação, um projeto de pesquisa minimamente pedagógico, no seu

exercício de educador. (...)

A universidade dá essa oportunidade de se construir esse laço com presente e

com os seus parceiros de história. Foi assim que percebi a escola desde o segundo

grau, as discussões que nós tínhamos sobre os problemas brasileiros, inclusive sobre

Nordeste, que era nossa preocupação maior, nossas discussões eram mais importantes

do que os conteúdos formais da sala de aula. Ai eu entro na universidade num período

de construção do Brasil justo, rompido em 64, na noite da minha formatura. Então

desde sempre não percebo a escola como um lugar ilhado, vejo como a possibilidade

de encontrar o outro, o parceiro de história, percebendo o que pode ser feito junto.

Eu prefiro trabalhar com a noção de que a história vai pra frente, vai pra trás e

vai para os lados, e não só para frente. Com uma pitada de progresso. Isso se aplica a

tudo. Quando voltei a trabalhar no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA,

em 1986, imaginava que dava para retomar os laços com o início dos anos 70, mas as

pessoas estavam muito individualizadas, cada uma no seu projeto. Não havia chance

nenhuma de re-agrupar, por exemplo, em termos pedagógicos - o Coelho sabe bem

disso – a gente tinha conseguido montar a coordenação de disciplinas. Foi uma

iniciativa pedagógica e didática voltada para o ensino superior, nos anos 60 e 70 que

levei também para América Latina, via CIESPAL.

— Então eu achava que dava para retomar essa proposta que nós chegamos a

executar de 70 a 75 no Departamento de Jornalismo da ECA, de agrupar até quatro

disciplinas e fazer projetos comuns. Mas só a saga da minha procura por uma sala de

trabalho, no Departamento, já dá uma história exemplificadora. Não havia sala para

todo mundo e a convivência de quatro professores numa mesma sala era impossível e

inviável. Eu não conseguia entrar num grupo, porque recebia mil boicotes, não vou

falar em nomes, mas determinados professores e professoras implicaram com minha

prateleira de livros que fazia uma divisória, e que abrigava os livros e trabalhos dos

alunos. O professor Coelho generosamente pediu para os carpinteiros da USP fazerem

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Page 20: Cremilda medina

uma estante de compensado para me auxiliar, mas fui expulsa da sala, porque

achavam que aquela estante era anti-estética, era horrorosa dentro da sala. Isso era

um sintoma de que efetivamente não dava para retomar o espírito, o clima, a proposta

do início dos anos 70 que era uma proposta tão ousada que foi paradigma para toda a

América Latina.

Com quase três décadas voltadas para a área do ensino, Cremilda não esconde

suas convicções da necessidade na prática do laboratório, como o melhor caminho

para que haja a criação de novos conhecimentos e a dialogia entre educador e

educando.

Minha convicção constante, minha prática como educadora é o laboratório. Sem

ele você não trabalha a criação do conhecimento. E essa criação não é o professor

apenas quem administra. A criação do conhecimento depende da dialogia, da relação

entre o educador e o educando. O laboratório é estratégico, nele se pesquisam novos

conhecimentos que, por sua vez, são administrados e trabalhados pelos alunos. E

esses alunos também se descobrem como pesquisadores de novos conhecimentos. E

quando eu falo de novos conhecimentos na esfera de jornalismo, por exemplo, falo de

novas técnicas de trabalho, nova forma de narrar o que está acontecendo à volta, o

que chamo de Narrativa da Contemporaneidade.

Tenho dois netos e acompanho de perto o desenvolvimento educacional deles, e

com isso fica fácil diagnosticar a diferença e capacitação existente no educador de

hoje. Por exemplo: a professora da minha neta Alice pautou um trabalho onde as

crianças deveriam dialogar com os poetas de uma lista de nomes que ela forneceu, e

depois as crianças deviam criar seus próprios poemas, organizando em seguida um

livro. Para uma grande maioria de professores do ensino fundamental, dos dias atuais,

o poeta e escritor José Paulo Paes é um ilustre desconhecido. E Paes tem poemas para

crianças que são incríveis. Alice, minha neta, disse à professora que tinha o livro desse

poeta em casa, e que adorava. A menina, por conta própria, selecionou os poemas que

queria e acrescentou os criados por ela. Após uma leitura crítica dos seus poemas

deixou de fora aqueles que, na sua opinião, não eram dignos de fazerem parte do livro,

e até declarou porque os deixou de fora! Ela própria digitou o livro, eu li e adorei. Não é

que a professora deu a Alice o conceito “B”, porque ela não colocou todos os poemas

sem seleção. Na exposição que houve na escola (tive vontade roubar) estava o livro

produzido por Alice, lindinho. Vá entender a cabeça dessa professora... É claro que

essa criaturinha ficou desmotivada, revoltada. Por que ela não tirou uma nota melhor,

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Page 21: Cremilda medina

se ela teve um espírito critico com os próprios poemas. Realmente, a questão do

educador continua algo muito sério, por isso que a escola está em crise.

Por outro lado, o Gabriel (outro neto) que está no terceiro ano do segundo grau

participou de uma proposta que é tradicional na escola fazer uma peça de teatro. Ele

estava sempre empolgado com os ensaios. Reunimos toda família e lá fomos nós

assistir à peça. Fiquei maravilhada com o estado de motivação e de decisão dos

adolescentes. A proposta era a de fazer uma releitura dos contos infantis. Ora, para um

adolescente (17 anos) ir até os contos infantis, é preciso ter muita vontade, ser muito

seguro, para não achar que aquilo era um ato infantilóide. O professor de teatro da

escola abriu o laboratório para que os adolescentes fizessem tudo, ele apenas

coordenou. Os alunos fizeram uma releitura bem humorada, criativa, pelo lado lúdico,

sem querer saber qual a moral da historia. Com cenografia criada por eles,

entrosamento de uma história com a outra, Branca de Neve, com Peter Pan, com A

Bela e a Fera etc. Por exemplo, a trilha musical que esses jovens escolheram, foi

tocada por eles em cena. Muito criativa e a gente se divertiu muito e eles, também.

Eu acho que a educação se efetiva pelo lúdico. A experiência de fazer jornal

na escola, eu me lembro também do Gabriel no primário, chega em casa e me diz:

Olha vovó, hoje eu fui escolhido como editor de esportes (risos). Depois eu vi no

jornalzinho a crônica esportiva que ele tinha escrito, todo palmeirense e tal. Eles estão

metendo a mão na massa e pronto. Descobrirem o que está por dentro disso aí, são

outros quinhentos. Cabe ao educador, provocar a criatividade do educando e

permitir que eles se envolvam em todo processo.

6) Sobre a série São Paulo de Perfil

Quem se depara com a tese de doutorado de Cremilda Medina, Modo de Ser,

mo’Dizer (1986), se surpreende. Ao invés de considerações teóricas sobre

comunicação, lê-se textos como o trecho abaixo:

“Dona Arminda, a grega, ou a judia, corre num pé só para atender a clientela. À

volta dos 60 anos, inteira, de calças compridas, modernas no corte, cabelos pintados,

unhas também, despacha com eficiência: a senhora que busca uma lã para acabar o

tricô para o neto; o menino que quer caderno e cola Pritt; mãe e filha que vêm comprar

um tipo especial de linha brilhante, para bordar; o senhor que procura um presentinho,

brinquedo, de preferência, para o neto que vai lá em casa hoje; a velha dama que

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Page 22: Cremilda medina

escolhe outro presente, pode ser roupa, bijuteria, uma coisinha qualquer, a sobrinha

não é muito exigente... os tamanquinhos ortopédicos de dona Arminda, toc-toc,

atravesam o Bazar Buenos Aires Ltda.” 6

A saga de dona Arminda e de outros paulistanos de Higienópolis deram suporte ao

doutorado de Cremilda, com uma linha que ela defende até hoje nas aulas de

Narrativas da Contemporaneidade e nas lições da série São Paulo de Perfil: a dialogia

social, incentivando os autores a buscar a essência dos personagens. Ao fazer essa

busca, os participantes mexem com “emoções, dogmas e estratificações” para chegar

a uma boa história – e, conseqüentemente, a uma boa reportagem.

Para Cremilda, cada livro publicado na série vem de um aprendizado onde a

reflexão sobre a criação de um texto, o enxergar além da técnica para humanizar a

forma, a partilha do conhecimento da faculdade com a sociedade, são desafios a quem

ensina jornalismo. A professora encarou o desafio, que reúne a prática da reportagem,

o laboratório, e a produção de conhecimento acadêmico.

—Para mim, (produzir os livros-reportagem da série São Paulo de Perfil) é

conhecimento científico, e isso eu sempre falo para meus alunos de pós-graduação,

para se preocuparem em estar sempre medindo as conseqüências sociais da pesquisa.

Assim como também, do ponto de vista pedagógico, de educação mesmo, eu não sei

trabalhar sem laboratório. Não dá para você ensinar na abstração, no mundo das

idéias, no mundo da teoria lingüística, por exemplo. Você tem que colocar a mão na

massa em qualquer área de conhecimento, porque o laboratório é o toque na questão

concreta, a maneira de você desenvolver um conhecimento qualquer. Sempre fiquei

em estado de choque com o ensino de ciências nas escolas. Como é possível discutir

botânica, zoologia e outras ciências sem laboratório? Como é possível trabalhar com

linguagem sem laboratório? Como é que possível trabalhar com história, sem

laboratório. Então laboratório é o eixo pedagógico de um educador. Não sendo

educador, ele faz papel de transmissor, um simples difusor da bibliografia.

Para os alunos que a cada ano tecem suas narrativas, a fim de compreender e até

experimentar o contexto sócio, político e cultural da contemporaneidade, as oficinas do

São Paulo de Perfil são uma oportunidade para exercer o humanismo e a criatividade.

6 Trecho que faz parte da tese doutorado e posteriormente publicado em: A Arte de Tecer o Presente. Editora Summus, 2003.

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Page 23: Cremilda medina

Tão distantes, às vezes, do jornalismo atual – embora nem só jornalistas e estudantes

de comunicação participem dessas aulas.

Graças a essa relação de humanização com os personagens e temas abordados

nos livros, eles ultrapassam as portas da universidade e atingem o universo cotidiano,

trazendo mudanças para as comunidades participantes que vão muito além da auto-

estima. Cremilda lembra com carinho o lançamento do livro A Casa Imaginária, tema

do São Paulo de perfil em 1990. A pauta geral abordava a habitação e, no caso de uma

das narrativas, se levantava a história do primeiro mutirão em São Paulo, na Vila Nova

Cachoeirinha.

— Fizemos o lançamento lá na vila Nova Cachoeirinha, e percebemos que as pessoas

se estimularam a ir atrás de seus direitos de moradia; foram na Prefeitura com o livro

na mão, fizeram o maior agito em um congresso sobre habitação que houve naquele

ano. Houve até uma segunda impressão desse livro, enviada para um fórum na

Holanda, como exemplo de instrumento comunitário na luta pela cidadania.

Graças ao esforço não só de Cremilda, mas dos alunos, esse projeto continua de pé.

Alguns participam da “Sociedade Amigos do São Paulo de Perfil” e outros, como

Katiuscia Lopes, investem em atividades que envolvem os livros (leia o relato da aluna

de mestrado abaixo). Esse incentivo vai ao encontro dos objetivos do projeto –

principalmente ao de reforçar o papel da universidade como fonte de estímulo,

criatividade e pesquisa – e não só o intuito de formar profissionais para o mercado.

Para finalizar, nas palavras da própria Cremilda, em A Arte de Tecer o Presente –

Narrativa e Cotidiano (Ed. Summus, 2003).

“Os relatos de atualidade – ou jornalísticos – acusam, portanto, um déficit de

criatividade que constitui o desafio da pesquisa nessa área. E não são as empresas que

vão dar conta dessa demanda, porque elas são quase sempre reforçadas na tradição,

que tem por lastro o cientificismo. Um beco sem saída? Não parece. Há sinais ou

pontos luminosos no horizonte. Primeiro porque autores sensíveis, aqui e ali, se

revoltam contra esses estrangulamentos. Em livros-reportagem ou em matérias

veiculadas nos meios tradicionais surgem trabalhos que tocam de perto a saga

anônima. Depois, algumas universidades procuram suas identidades, pesquisam e

propõem transformações (afinal, os cursos universitários de jornalismo acumulam uma

história de mais de cinqüenta anos); em terceiro lugar, a crise de paradigmas que

abala a ciência e as técnicas estabelecidas (inclusive as que instruem a comunicação

23

Page 24: Cremilda medina

social) a todos contamina. Nos diferentes esforços de desmontagem das mentalidades

conservadoras impõe-se a inter-disciplinaridade, que, por sua vez, avança para a trans

e a pós-disciplinaridade”.

A terceira idade também ganhou espaço para produzir suas próprias narrativas. O

projeto Reproposta, que nasceu de uma disciplina –oficina chamada A Aventura de

Fazer Jornal (com o professor Manuel Carlos Chaparro), transformou-se em um site – o

www.reproposta.org.br. Participantes da Universidade Aberta a Terceira Idade são os

repórteres, que escrevem sobre temas como saúde e mente, cultura, protagonismo.

Em 2005, a turma ganhou uma disciplina de narrativas com Cremilda Medina e

publicou, esse ano, o Reproposta – A Revista da Terceira Idade Para Todas as Idades. O

rico universo dessas pessoas resgatou suas histórias de vida, suas perspectivas de

futuro e sua auto-estima.

Da publicidade para as disciplinas

(Depoimento de Katiuscia Lopes sobre seu trabalho com Cremilda Medina,

especialmente na série São Paulo de Perfil) 7

- Prestei vestibular pra Publicidade em 2000. Vim de um colegial com ênfase em

Exatas, e de uma família em que meus irmãos já haviam entrado na sonhada USP em

cursos tidos como "sérios" (Odontologia e Engenharia). E, apesar de eu saber que

minhas características pessoais poderiam ser aplicadas em profissões das

Humanidades, em especial da comunicação, a escolha de publicidade foi no último

momento. Escolha que foi até o bem vista pelo meu meio social, uma vez que havia a

fama de que era uma profissão que "dava dinheiro”. Passei no vestibular, entrei na

USP.

Já nos primeiros dias de aula me decepcionei com a pouca estrutura física e o estilo

de aula dos professores. Após três meses de algumas poucas aulas (muitas disciplinas

estavam sem professores, formando janelas na grade curricular), a universidade entrou

em greve, com 48 dias de paralisação. Foi um choque. Quando as aulas voltaram,

restaram 11 da minha turma de 18 alunos.O clima de desânimo e frustrações tomou a

7 Katiuscia Lopes é publicitária, assistente e colaboradora do Fórum Permanente Interdisciplinar, e mestranda em Teorias da Comunicação. Seu projeto de pesquisa, orientado por Cremilda Medina, é voltado para a leitura sob o signo da relação.

24

Page 25: Cremilda medina

todos, mas mesmo assim, persisti no primeiro ano e decidi correr atrás do prejuízo,

preenchendo todas as janelas com disciplinas optativas.

Foi quando no segundo ano freqüentei a disciplina, Narrativas da

Contemporaneidade, proposta pela professora Cremilda Medina. Fiquei encantada,

logo nas primeiras aulas. Toda aquela gana que eu tinha por criatividade, que o curso

de publicidade teoricamente poderia me oferecer e não oferecia, eu pude canalizar

para a construção de narrativas.

Acabei recebendo um convite para ser aluna bolsista do projeto São Paulo de Perfil.

Na época, estávamos escrevendo o livro Sagas do Espigão - 90 anos de Medicina

(2002), e minha dedicação me rendeu, no ano seguinte, uma Menção Honrosa no 11º

Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP. Minha bolsa foi renovada o que

me possibilitou participar da feitura de mais um livro da série, Os Caminhos do Café -

Paranapiacaba, Museu Esquecido (2003).

Conclui meu curso de Publicidade religiosamente nos quatro anos propostos. O que

não foi difícil, pois, enquanto meus colegas correram ao mercado em busca do que não

encontraram no curso, eu ficava em tempo integral na ECA - trabalhando,

pesquisando, participando de palestras, eventos, discussões. Fiz meu TCC com a

orientação da professora Cremilda Medina, após um briga com o meu departamento

que não aceitava orientações de outros departamentos.

Mas neste ponto, o caminho já havia me escolhido, ou seja, fluiu. Continuei

participando do São Paulo de Perfil sem bolsa,ajudando a fechar o último livro

publicado da série – USP Leste e Seus Vizinhos (2005). Todo esse estímulo levo agora

para o mestrado, onde coloco esses livros em ação (saraus de leitura em escolas e

bibliotecas).

Considero a prática da professora Cremilda como educomunicação, de certa forma.

E foi isso que me inspirou a realizar minha dissertação, que explora as questões

preocupantes das instituições basicamente de ensino a respeito da leitura e propõe

uma perspectiva a partir do projeto de pesquisa da professora Cremilda, que

chamamos de Signo da Relação. Ou seja, nunca havia parado para refletir o que

naturalmente me propus a realizar, sem nomeações, era o que se denomina

Educomunicação.

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Page 26: Cremilda medina

7) Saber científico e mediadores-autores das mídias

Prova de que a Educação e a Comunicação andam de mãos dadas na trajetória

profissional de Cremilda Medina, está no aumento do número de discípulos orientados

por ela nos cursos de Mestrado e de Dourado. A preocupação com outros nós da

comunicação social, propondo que as fontes especializadas do saber cientifico e

mediadores-autores das mídias procurem o aperfeiçoamento da dialogia democrática,

está presente da tese de Márcia Blasques8, no curso de dourado.

— Concluí a graduação em jornalismo, em 1994, na ECA. Em 2005 terminei o

mestrado, em Ciências da Comunicação, também na ECA. Na dissertação de mestrado

discuti um pouco a relação entre o jornalista e o cientista do ponto de vista

epistemológico. E cheguei à conclusão (ainda incipiente, é claro), de que grande parte

dos problemas que esses dois profissionais enfrentam no momento em que têm que se

relacionar é a diferença de visões de mundo, ou de paradigmas. Agora, no doutorado,

estou avançando um pouco mais no assunto, tentando investigar o papel do jornalista

enquanto mediador na produção dessas matérias de ciência. E fiz um recorte na

questão das novas tecnologias. Quero dizer: considerando as reportagens produzidas

para o meio on-line e as ferramentas que permitem cada vez mais a interação entre os

vários atores envolvidos, qual o papel do jornalista? De que maneira ele pode

realmente ser um mediador entre os cientistas e o público leitor. E, novamente por

uma escolha de foco, vou trabalhar com leitores-estudantes de ensino fundamental (5ª

a 8ª séries).

— Acho que já deve ter dado a perceber que, para mim, a relação entre comunicação e

educação é total. Por vários motivos. Ora, se os PCNs apregoam uma aproximação dos

conteúdos escolares da realidade, os livros didáticos não dão mais conta do recado

sozinhos. Temos como exemplo recente o caso da nova classificação dos planetas. Isso

será incorporado aos livros, na melhor de todas as hipóteses, apenas para o próximo

ano. Enquanto isso é a mídia, e todo o material produzido pela comunicação social, que

vai atuar nessa esfera de atualização de conteúdos. Isso, claro, é apenas um exemplo,

mas existem vários. Professores utilizam material de jornal e revistas para incentivar

debates, para realização de trabalhos, etc.

8 Márcia Blasques, orientanda de Crenilda Medina no mestrado e no doutorado. No mestrado em Ciências da Comunicação, sua dissertação foi voltada para discussão da relação entre o jornalista e o cientista do ponto de vista epistemológico. No doutorado está investigando o papel do jornalista enquanto mediador na produção de matérias de ciências

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Page 27: Cremilda medina

— Por isso, nós, comunicadores, temos que ter essa noção, essa responsabilidade

social de saber que o conteúdo que produzimos não é – ao contrário do que muitos

acreditam – volúvel e de curta duração. Ele se propaga de maneira incontrolável... E

mais: o que escrevemos – especialmente no que se refere ao jornalismo de ciência,

que é minha área de estudos – é tomado como verdade incontestável por grande parte

do público. Se, passamos noções equivocadas, como as idéias de uma ciência única, de

verdade absoluta da ciência, de ciência capaz de salvar a humanidade de todos os

problemas, etc., essas noções são assumidas como verdadeiras, a priori, por parte

considerável dos leitores. Afinal, a relação que existe entre os leitores e um meio de

comunicação é uma relação de confiança – ou ninguém nos leria, certo?

8) Livros Publicados

- A Arte de Tecer o Presente, em co-autoria com Paulo Roberto Leandro, Edição

dos Autores Esgotado. (1973)

- Notícia: um Produto à Venda – Jornalismo na Sociedade Industrial. Editora

Alfa Omega, São Paulo. (1978)

- El Rol Social Del Periodista, CIESPAL, Quito, Equador (1980)

- Profissão Jornalista Responsabilidade Social, versão em português do livro

supra-citado. Editora Forense, Rio de Janeiro. (1982)

- Viagem à Literatura Portuguesa Contemporânea. Editora Nórdica,

Rio de Janeiro (1983)

- A Posse da Terra – Escritor Brasileiro Hoje. Co-edição Imprensa Nacional Casa

da Moeda e Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, Lisboa, Portugal (1985)

- Entrevista, o Diálogo Possível. Editora Ática, São Paulo (1986)

- Atravessagem, ensaios. Editora Summus (1986)

- Sonha Mamana África. Editora Epopéia, São Paulo (1987)

- O Jornalismo na Nova República. Org. Cremilda Medina - Editora Summus, São Paulo

(1987)

Série São Paulo de Perfil

Coordenação e organização: Cremilda Medina

- Virado à Paulista – ECA/USP - (1987)

- Vozes da Crise – ECA/USP - (1987)

- Nos Passos da Rebeldia – ECA/USP - (1987)

- Forró na Garoa – ECA/USP - (1989)

- Hermanos Aqui – ECA/USP - (1989)

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Page 28: Cremilda medina

- A Casa Imaginária – ECA/USP - (1989)

- Paulicéia Prometida – ECA/USP - (1990)

- À Margem do Ipiranga – ECA/USP - (1990)

- A Escola no Outono – ECA/USP - (1991)

- O Primeiro Habitante – ECA/USP - (1991)

- Farra Alforria – ECA/USP - (1992)

- Tchau Itália, Ciao Brasil – ECA/USP - (1993)

- Guia das Almas – ECA/USP - (1993)

- Nau dos Desejos – ECA/USP - (1994)

- Vamos ao Centro – ECA/USP - (1994)

- Tietê, Mãe das Águas – ECA/USP - (1995)

- Bem Viver, Mal Viver – ECA/USP - (1996)

- Axé – ECA/USP - (1996)

- Mundão Veio Sem Porteira – ECA/USP - (1997)

- Chá de Bambu – ECA/USP - (1998)

- Cotidiano do Metrô – ECA/USP - (1999)

- Ó Freguesia, Quantas Histórias – ECA/USP - (2000)

- Viagem ao Sol Poente – ECA/USP - (2001)

- Sagas do Espigão – 90 Anos de Medicina e Vida – ECA/USP - (2002)

- Caminho do Café – Paranapiacaba: Museu Esquecido – ECA/USP - (2003)

- USP Leste e Seus Vizinhos – ECA/USP - (2004).

Coleção Novo Pacto da Ciência

Organização: Cremilda Medina

- Novo Pacto da Ciência 1: A Crise dos Paradigmas – ECA/USP - 1992

- Novo Pacto da Ciência 2: Do Hemisfério Sol – ECA/USP – 1993

- Novo Pacto da Ciência 3: Saber Plural – ECA/USP – 1994

- Novo Pacto da Ciência 4: Sobre Vivências – ECA/USP – 1995

- Novo Pacto da Ciência 5: Agonia do Leviatã – ECA/USP – 1996

- Novo Pacto da Ciência 6: Planeta Inquieto – Direito ao Século XXI – ECA/USP – 1997

- Novo Pacto da Ciência 7:Caminhos do Saber Plural – Dez anos de trajetórias –

ECA/USP – 1999

- Novo Pacto da Ciência 8: Ciência e Sociedade Mediações jornalísticas – ECA/USP –

2005

Publicações de Circulação Dirigida aos Cursos de Pós-Graduação

- Hemisfério Sol – 1, Coletânea de textos organizados por Cremilda Medina e produzida

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pelos estudantes de pós-graduação, no curso Teorias Latino-Americanas de

Jornalismo

e Comunicação Social, reunindo as tendências teóricas dos anos 40 aos anos 70.

ECA-USP, Maio de 1988.

- Hemisfério Sol – 2, Coletânea de textos latino-americanos (originais cedidos

pessoalmente para circulação dirigida) organizados por Cremilda Medina para o curso

de pós-graduação, Teorias Latino-Americanas de Jornalismo e Comunicação Social

ECA-USP, Abril de 1988.

- Hemisfério Sol – 3, Coletânea de ensaios organizada por Cremilda Medina e produzida

pelos estudantes de pós-graduação em Ciências da Comunicação no curso Teorias

Latino-Americanas de Jornalismo e Comunicação Social. São leituras culturais de

Romances latino-americanos. ECA-USP, Janeiro de 1989.

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