corpo fechado - robson pinheiro

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Livro Espírita!!

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  • Para os homens de boa vontade, sem preconceitos, para mentes sem fronteiras para estes que W. Votiz escreve o texto que chamou de ensaio medinico.

    Desde 1997 esse esprito est prximo de nossa equipe espiritual, estudando e dedicando-se a compreender os diversos aspectos da mediunidade e sua riqueza de manifestao na cultura espiritual brasileira.

    Auxiliou-me intensamente na construo de diversos pensamentos, dissertaes e influenciou positivamente a minha forma de ver a mediunidade fora do mbito esprita.

    Como escritor,mostrou-me como os espritos, os fantasmas ou os chamados mortos j se utilizavam desde h muito tempo de outros mdiuns, no religiosos.

    Aqueles que nem mesmo se davam conta de sua faculdade, como ocorreu consigo. Do lado de c da vida, a convite de Joseph Gleber e sua equipe, pde avaliar a imensidade de fenmenos medinicos e paranormais que experimentou em sua prpria vida.

    Durante mais de 40 anos, vivenciou-os sem saber que tais fenmenos eram de origem esprita, mesmo porque no lhes eram familiares, quando encarnado, os conceitos espirituais aos quais hoje se dedica com afinco a estudar e aprofundar.

    Cativou-se, nesse meio tempo, pela forma simples, sincera e serena do esprito Joo Cob, o Pai Joo, e pediu-me para auxili-lo em seu primeiro ensaio medinico, um romance ao longo do qual gostaria de testar sua habilidade para escrever atravs do mdium.

    A afinidade se mostrou de pronto, devido a fatores de um passado recente que j os aproximava, em virtude do pensamento universalista de Voltz e de sua maneira livre e inventiva de abordar os problemas humanos, sociais e cientficos, visando a um futuro caminho para uma humanidade sem fronteiras e sem preconceitos.

    Do modo como ocorreu comigo mesmo, escritor dos dois lados da vida, ele no pretende trazer ensinamentos nem formar gurus, tampouco doutrinar quem quer que seja.

    No aborda temas doutrinrios de religio alguma; apenas reporta o que ouviu, o que acompanhou nas conversas de Joo Cob ao tratar de certos casos, cujo relato, talvez, traga alguma contribuio para o leitor destitudo de esprito ctico e preconceiruoso.

    Este romance o primeiro de uma srie que pretende escrever, mostrando aos homens de boa vontade que a mediunidade e a paranormalidade no so propriedade exclusiva de ningum e de nenhuma religio em particular. Nem mesmo as interpretaes de tais fenmenos so nicas. Ao contrrio, so diversas as vises e os ngulos pelos quais se podem ver certas verdades relativas no mundo atual.

    Com voc, leitor, o amigo Joo Cob, na viso humanista de Voltz, escritor, mdium e paranormal que retorna, pelas mos da psicografia, para dedilhar na harpa da mediunidade uma nota, apenas uma nota neste grande concerto da espiritualidade sem fronteiras, sem bandeiras, vista sob o olhar do amor e da fraternidade. ngelo Incio - Belo Horizonte, 4 de abril de 2009.

    "Andarei vestido e armado com as armas de Jorge. Para que meus inimigos tenham ps e no me alcancem; mos tendo, no me peguem; olhos tendo, no me enxerguem e nem pensamentos possam ter para me fazerem mal. Armas de fogo o meu corpo no alcanaro; fadas e lanas se quebrem sem meu corpo tocar; cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Porque andarei vestido com as roupas e as armas de Jorge." Conversa de pai-velho. A tarde se esvaa em meio s ltimas claridades do sol enquanto o vendaval marcava o incio de uma noite tumultuada, entre relmpagos e trovoadas. Ians parecia competir com Xang no reino de Aruanda; raios e troves se alternavam enquanto a chuva aumentava vertiginosamente, trazendo preocupaes para a comunidade j sofrida, que dependia das bnos da natureza para sua sobrevivncia. Na cabana de Pai Joo, os filhos e filhas do devotado pai-velho reuniam-se para ouvir do ben-feitor as palavras de sabedoria que lhes definiriam os caminhos da vida espiritual. Estavam numa casa onde se adorava a Deus e se praticava a caridade segundo a orientao dos espritos do bem.

    Sabe, meus filhos principiava o pai-velho, incorporado em seu mdium.

  • O caminho da espiritualidade tem muitas faces interessantes. Nego-velho diria que esse caminho feito de muitas cores, de muitos aromas, de muitas ervas. Diferentemente das religies, em que cada uma pretende ser a nica forma de agradar a Deus; diferentemente de outros filhos espiritualistas, que tambm querem acreditar que a sua maneira de buscar o Pai a mais correta, a espiritualidade em nosso pas feita de diversas culturas, da fuso de muitas raas, crenas e concepes religiosas. Afinal, aqui onde ns trabalhamos respeitam-se as diferenas, porque existem inmeras nuances e vises acerca da espiritualidade.

    Meu pai ! perguntou a Efignia, trabalhadora da cabana do pai-velho. Eu no entendo a sua forma de falar a respeito da espiritualidade. Queria entender um pouco da umbanda, j que muita gente fala tanto dessa religio e ns sabemos to pouco...

    bom entender, minha filha, que no existe apenas uma maneira de cultuar a umbanda. Tambm preciso compreender que umbanda no apenas uma denominao religiosa; antes de ser assim usada, a palavra sagrada era, acima de tudo, o nome divino da suprema lei do Pai.

    Aumband lei de caridade, lei divina. De modo mais particularizado que foi empregado o nome sagrado para designar o culto atual; da a umbanda nasceu, com a finalidade sagrada de congregar, sob a bandeira de Oxal, o povo de Deus disperso.

    E h outras umbandas diferentes das que vemos por a, meu pai? Pai-velho compreendeu sua pergunta, meu filho Respondeu de boa vontade o pai-velho para Jos Benedito, um dos mdiuns da casa. No que existam "outras umbandas", como diz meu filho.

    O que h so diversas formas de praticar os ensinamentos da espiritualidade; nesse caso, tambm diversas maneiras de cultuar os orixs, de adorar a Deus ou de praticar a umbanda. Acima de tudo, filhos, o que importa mesmo no a forma externa, mas sim a inteno, o que se faz em nome da lei suprema.

    Uns cultuam a umbanda misturada a certo conhecimento a respeito dos orixs, com um ritual inusitado, ao menos para vocs. Vestem-se com roupas coloridas, cantam numa lngua diferente, familiar a certo nmero de indivduos. E tambm chamada de lngua de santo ou do povo do santo. Na verdade, trata-se de um idioma antigo, dos povos da me frica.

    Esse o culto umbandista conhecido como omoloc.

    Dando um tempinho para que seus filhos pudessem absorver as coisas que ele explicava, o vov, incorporado em seu mdium, falava mansinho, devagar, com pacincia digna de um verdadeiro sbio: Existem aqueles filhos que praticam uma um banda com mais simplicidade, como a que vocs conhecem... Alguns chamam essa variao de um banda ps-no-cho, ou ps-descalos. No impor tam os nomes dados aos cultos; essencial que todos trabalhem conforme as regras do corao e de maneira a praticar a suprema lei do bem.

    "Outros filhos fazem um culto mais refinado, desprovido dos elementos africanos. Tentam desafricanizar a umbanda, no sentido de afastar aquilo que a aproxima dos mtodos do candombl, tais como matana de animais, toque de atabaques e outras caractersticas prprias dos rituais de origem africana.

    Introduziram o estudo entre os mdiuns e desenvolveram uma viso mais detalhada a respeito dos orixs e seu simbolismo, formando uma teologia umbandista bastante interessante."

    Mas, meu pai, ainda tem gente que usa atabaque nos terreiros? claro que sim, meu filho agora o velho dirigiu-se a Antnio de Freitas, outro trabalhador muito dedicado de sua cabana. Como eu dizia no incio, existem muitas maneiras de praticar a umbanda... No podemos ignorar que, como humanidade, estamos ainda distantes de um estgio em que a vi so acerca de espiritualidade e da forma de buscar as coisas do esprito seja nica.

    Devemos respeitar as crenas e os mtodos alheios tanto quanto desejamos ver nossos fundamentos respeitados.Mas, vov assim muitos chamavam o preto-velho.

    Para que servem os atabaques que os outros irmos usam em seu culto e por que no os empregamos

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

  • em nossa cabana?

    Ah! Meu filho falou com boa vontade o pai-velho. E preciso estudar em profundidade os fundamentos por trs do uso de certas ferramentas de trabalho. Nego-velho j falou pra vocs a respeito da fora do som em toda a natureza, se lembram?

    Muitos de meus filhos devem se lembrar da conversa que tivemos outro dia...

    Lembro sim, vov, mas muita coisa no ficou gravada na minha cabea. Parece que estou de miolo mole... essa era Zefa do Malaquias, a mulher que chegara casa de Pai Joo com um encosto daqueles. Havia se curado, mas se submetia agora ao cuidado mdico. O benfeitor estabeleceu como exigncia que ela prosseguisse com o tratamento e acatasse os conselhos de seu mdico a fim de poder continuar junto comunidade.

    Pois ento nego-velho vai lembrar um pouco do que j falou pra vocs sendo interrompido para ouvir outro de seus filhos que levantara a mo, pedindo a oportunidade de se expressar.

    O pai-velho ouviu serenamente o que tinha a dizer: Sabe, meu pai, eu at que me alembrei istrudia do que o sinh falou pra nis. Mas ia que eu at tentointende as coisa, mas a minha cabea aqui, dizia batendo a ponta do dedo em si, num t querendo aprende muita coisa no... Parece que os males da Zefa to querendo me pegar.

    E preguia, meu filho falou o pai-velho, dando gostosa gargalhada. Preguia mesmo.

    O que eu gosto mesmo de fazer os servicinho que o sinh passa pra nis... Ento faz o seguinte, meu filho: que tal voc visitar pelo menos uma vez por semana a sinh Antnia, que ficou sozinha depois da morte do seu marido? Ela est acamada e precisa que algum limpe a casa dela. Voc se compromete a fazer isso?

    Com certeza, meu avozinho, isso eu entendo muito bem. Eu posso muito mermo faz isso e no somente uma vis pro semana, no. Eu v mais vis visitar don'Antnia.

    Aproveite, meu filho, e leve pra ela uns banhos de firmeza que esto guardados ali no outro cmodo...

    Parece que a interferncia do rapaz acabou por ali, pois assim que Pai Joo falou as ltimas palavras,ele saiu correndo, nem sequer esperando para ouvir os ensinamentos do preto-velho.

    Cada um sabe ser til a sua maneira, no , meus filhos? Pai Joo se dirigiu ao restante de seus filhos, referindo-se com imenso carinho quele que tinha dificuldades no aprendizado. Depois de suspirar um pouco e ajeitar-se na cadeira, o pai-velho prosseguiu com a tranqilidade que lhe era caracterstica:

    Como dizia antes, filhos, nego vai lembrar um pouquinho do que disse a respeito do valor e da funo do som em nossas vidas. Quando meus filhos pensam alguma coisa, elaboram idias ou fazem algum planejamento mental, tudo isso tem que se materializar de algum jeito no mundo, no mesmo?

    Ah! Meu pai, agora me lembro um pouco do que o senhor falou... Pois . Dessa forma, o som uma das principais formas de materializao do pensamento na realidade objetiva da vida. Quando nosso Senhor Jesus Cristo fez as coisas no mundo, ele foi considerado a palavra viva de Deus. E a palavra divina ou o verbo divino , para ns, a precipitao do pensamento do Pai.

    O som tem essa funo, de condensar certas energias, certos pensamentos, e fazer com que repercutam nos planos astral, fsico e etrico, de acordo com as caractersticas e disposies advindas da fonte.

    Quando vocs provocam um som e esse som obedece a um ritmo, produz-se um efeito que varia conforme a cadncia entoada. Isso vlido desde uma cantiga que desperta a saudade a uma msica que irrita o pensamento e as emoes de meus filhos.

    "O atabaque produz determinado tipo de som. Se for explorado por uma pessoa que entenda da lei do ritmo, da harmonia, e saiba como conduzir esse som de modo a atender a um propsito especfico, ele ser um

  • bom instrumento. Quando tocado no ritmo de algumas cantigas dos orixs, o som dos atabaques desperta energias primrias em meus filhos, movimentando a fora dos chacras localizados na regio inferior, abaixo do umbigo."

    Eu j senti uma fora quase me dominando, uma vez interferiu grosseiramente um dos filhos do pai-velho. Quando fui a um lugar onde tocavam atabaque, senti que minhas pernas pareciam querer se movimentar. Uma coisa parecendo um fogo subia dos meus ps...

    Sei, meu filho tornou o pai-velho delicadamente, enquanto os outros filhos seus olhavam o colega de soslaio. O que voc sentiu provavelmente foi a vibrao que o som do atabaque provocou em voc te que repercutiu imediatamente em seu sistema nervoso.

    Isso no tem qualquer relao com esprito ou fenmenos da mediunidade. Trata-se apenas de uma reao nervosa e emocional que pode muito bem ser dominada por voc. Mais outro levantou a mo entre os presentes, pedindo a palavra:

    E ento, Pai Joo: por que ns no usamos o atabaque em nossos trabalhos?

    Pois , meu filho. A pergunta muito interessante. Em nossas atividades no temos necessidade de certas energias e, por conseguinte, de alguns instrumentos usados em outros terreiros. Isso no significa que esses instrumentos no tenham valor.

    Percebem? Ser til no um atributo absoluto, mas relativo ao contexto em que se aplica. Determinado remdio pode ser bom e eficaz, o que no implica seja adequado para este ou aquele caso. Em nosso meio, aos poucos temos procurado retirar algumas expresses de religiosidade cuja funo, ao menos para ns, se extinguiu.

    "Mas veja bem, meu filho. No fique pensando que quem emprega instrumentos de trabalho diferentes daqueles que usamos estejam errados ou sejam atrasados na vida espiritual. E que se ocupam com energias ainda primrias e s conhecem essa forma de interagir com elas. Por outro lado, estamos aprendendo a lidar de outra maneira com tais energias, e por isso que no temos mais necessidade de instrumentos daquela natureza. De mais a mais, qualquer que seja o instrumento, a eficcia do mtodo depende em larga medida da dedicao, da habilidade e do conhecimento de quem o opera, bem como da resposta mental e emocional das pessoas envolvidas.

    "Em resumo, o que nego-velho quer dizer que no devemos julgar ningum porque lana mo de vestes, rituais ou instrumentos diferentes; enfim, qualquer item que, em nossa comunidade, julgamos desnecessrio. Em matria de espiritualidade, vale muito mais a inteno e o corao do que as palavras bonitas, a roupagem externa ou mesmo a maneira como se pretende buscar a vida espiritual.

    A forma no nada se no h fora moral, fora vital ou o poder inicitico real e verdadeiro. Mais do que espiritismo, umbanda e espiritualismo com nfase nos "ismos" das religies precisamos mesmo de mais espiritualidade, ou seja, de uma viso mais abrangente das coisas.

    "Vejam bem como ocorre com algumas pessoas que usam o mtodo dos passes. No adianta a pessoa estender as mos, querer ser magnetizador, se no sabe como funciona o processo e no domina sequer os rudimentos de como manipular as energias que pretende administrar. E preciso estudo constante para aperfeioar a forma de servir.

    Porm, no basta: tambm preciso a pessoa ter ax, isto , a fora espiritual outorgada pelo Alto. "Por isso vemos muitos filhos-de-santo ou simplesmente pessoas de boa vontade por a a fundar terreiros de umbanda ou centros espritas que, apesar de certo conhecimento adquirido em alguns anos de estudo, no tm fora espiritual para solucionar os problemas que naturalmente se apresentam na jornada.

    No so dotados daquilo que se convencionou chamar de ax, a fora superior para manipular as energias; no so iniciados."

    Mas, meu pai, ento todo o mundo tem que fazer uma iniciao para manipular certas foras da natureza?

    Nego-velho no quer dizer da iniciao que se faz nos terreiros, que, em sua grande maioria, no passa de um conjunto de rituais que no transmite a fora ou energia necessria para a pessoa converter-se verdadeiramente numa iniciada.

  • Muitos foram submetidos iniciao num ou noutro culto, mas s possuem aparncia de sabedoria; participaram de um monte de ritos que no resolvem o problema de ningum nem cumprem o objetivo principal, que supostamente seria introduzir o indivduo no conhecimento de determinadas leis naturais.

    Nem mesmo a prpria pessoa que patrocina a iniciao consegue solucionar seus dramas por meio das prticas recomendadas. Ou seja, quer ajudar o outro, mas no consegue nem ao menos se ajudar.

    "Nego-velho refere-se, na verdade, a uma iniciao superior, realizada no plano espiritual, assim como ao conhecimento das leis da natureza adquirido no passado remoto, em experincias de outras vidas, atravs de anos e anos de dedicao. Para se ter uma idia dos diferentes nveis de aprofundamento, faamos uma comparao entre o que significava iniciao em sociedades antigas e o que significa na atualidade.

    Ainda que houvesse variaes de cultura para cultura, os ritos serviam apenas para completar, coroar um processo de iniciao; a iniciao j havia ocorrido e se processado dos 7 aos 49 anos de idade, perodo em que o pupilo permanecia internado no colgio de sbios, no pretrito.

    Portanto, iniciar-se nos mistrios da natureza consistia em estudar, praticar, adestrar faculdades, amadurecer e provar no s o conhecimento, mas a capacidade de administr-lo. "Pessoas que passaram por uma verdadeira iniciao, quando encarnadas, trazem um rastro de realizaes atrs de si. No precisam fazer propaganda de seus dons ou de suas pretensas habilidades. S se pode identificar algum com tal fora e energia superiores por meio das obras que realiza; em tor- 30 no delas, h uma movimentao que revela a construo de algo maior, em benefcio da humanidade. Ao contrrio dos rituais pueris e sem maior significado de nosso tempo, a iniciao real no est atrelada a recursos materiais e financeiros nem ao ganho custa de dores alheias, tampouco se macula com troca de favores e com pagamento por servios de ordem espiritual.

    Na presente existncia, a maioria dos iniciados verdadeiros jamais passou por rituais exticos que pretendessem fazer deles pessoas mais poderosas, zeladores de foras da natureza. Refiro-me a uma iniciao constante, progressiva, espiritual, profundamente comprometida com a tica e o crescimento do esprito humano.

    E algo bem distante das barganhas e fantasias pensadas para festas... Um dia, em longnquas culturas, talvez guardassem algum sentido espiritual, porm hoje no passam de desfiles carnavalescos de que sobressai apenas o cuidado com as coisas da matria: a profuso de comes e bebes, as roupas vistosas e inusitadas, sem contar a disputa e o jogo sensual ou ertico, elementos que servem somente para mascarar a pobreza espiritual de quem alimenta tais espetculos de viciao espiritual."

    Aps breve intervalo para que seus filhos examinassem melhor as idias por ele ventiladas, o pai-velho continuou, imprimindo novo enfoque conversa: parte essas coisas, hoje nego-velho quer falar de algo que julga extremamente necessrio para meus filhos e irmos. Diante de tanta gente que vem procura de auxlio espiritual ou que, em seu desespero, deseja encontrar proteo, nego-velho acha urgente que os filhos entendam um pouco mais a respeito de defesa energtica. E preciso caminhar em busca de sua espiritualidade de forma tranqila e com a certeza de quem sabe lidar com energias contrrias,antagnicas ou mesmo discordantes.

    "Meus filhos ficam muito merc de ataques energticos, de fluidos malfazejos ou de outros tipos de energia que acabam por minar suas defesas. Vejo muita gente boa se envergar diante de um ataque de origem energtica e, pior: acreditando que tem esprito por trs de seu mal-estar.

    Outros tombam com suas prprias questes espirituais, ntimas, e no se do conta de que suas emoes que esto desajustadas e os fazem vacilar. Alguns reclamam de peso nas costas, dor na coluna, cansao sem motivo aparente ou incmodos que se manifestam aqui ou ali.

    Percebo que meus filhos desconhecem questes simples da vida espiritual que poderiam lev-los a significativo ganho na qualidade de vida." Antnio de Freitas aproveitou uma pausa na fala de Pai Joo e transformou suas dvidas em palavras:

    Eu mesmo, meu pai, muitas vezes senti como se quisesse desistir da minha jornada de espiritualidade. Senti tanto desnimo outro dia que julguei que tudo a minha volta conspirava contra mim e passei a

  • considerar que estava a tal ponto desequilibrado que o melhor a fazer era afastar-me dos trabalhos. Estava convencido de que minha presena prejudicava os demais.

    Pois , filho, comentou afetuosamente o benfeitor. Como voc, muita gente envolvida com o trabalho espiritual fica remoendo certos pensamentos em sua cabea, devido muitas vezes a uma insatisfao pessoal. Em vez de se pronunciar, ou procurar ajuda, faz da insatisfao um trampolim para se afastar do grupo em que milita.

    Esse um tipo de desgaste de origem mental e emocional que afasta muita gente do trabalho. A pessoa chega a se sentir culpada de algo que no sabe o que e nem imagina que seu mal-estar sem consistncia. Afasta-se gradativamente do trabalho: primeiro, distancia-se das tarefas mais simples; depois, parece no se enquadrar mais nas idias que fazem parte da coletividade e so caractersticas do agrupamento. E como se estivesse alheia a tudo e a todos.

    O passo seguinte achar que os outros a deixaram de lado, no mais se comunicam com ela nem a convidam para as tarefas. Sente-se incomodada com algo que, na verdade, de sua inteira responsabilidade.

    Ou seja, o indivduo que est desajustado mentalmente e envolve-se com situaes outras, que acabam por ocasionar seu desligamento da tarefa ou da meta espiritual, permitindo-se assim boicotar a prpria escalada de sucesso espiritual. Para isso tudo nego-velho tem um nome, que desequilbrio energtico e emocional.

    E tem remdio pra isso, meu pai? O remdio est na prpria natureza, meu filho respondeu o pai-velho. Seja dentro da prpria pessoa ou na natureza em si. O certo que muita coisa depende de se desenvolver uma postura mental e emocional sadia. Antes de qualquer coisa, preciso ver que a fonte do problema est em si mesmo. Nada de culpar o outros por seu fracasso espiritual ou pela situao interna que traz incmodos variados.

    A gente pode entender um pouco melhor a respeito de como combater esses males, meu pai? tornou a perguntar Antnio de Freitas. __ preciso agir a tempo, meus filhos, sem delongas. Muita gente reage s situaes. Algum toma uma atitude e, como reao a esse movimento externo, o sujeito caminha como se tivesse desperta do de um sono letrgico. Nunca toma a dianteira.

    Por isso pai-velho diz que se deve adotar uma atitude provativa, isto , que envolva ao; preciso ser o fator de realizao, aquele que gerencia suas escolhas, toma as rdeas de sua vida nas prprias mos e no apenas tem reaes aos atos de outrem.

    "Quando voc toma a deciso de fazer alguma coisa e a faz, voc movimenta energias, e movimentar implica deixar de lado a ociosidade espiritual, emocional ou energtica. Eqivale a fazer uma faxina em seu interior e limpar tudo de dentro para fora. Esse o resultado de uma atitude deliberada, de uma ao construtiva. Fazer alguma coisa, e no apenas pedir ajuda ou deixar que outros faam por voc."

    Muitos vm aqui na cabana pedir por um descarrego, Pai Joo, que a gente reze por eles, ou ainda pedem passes que querem tomar. O que o senhor pensa a respeito?

    bom pedir ajuda, meu filho. Muitas vezes a gente precisa mesmo de aprender a gritar por socorro quando no damos conta de carregar, sozinhos, o peso de nossos incmodos. Mas no deve esquecer que, embora a eficcia de certas energias da natureza ou de certos mtodos de manipulao energtica, esses elementos s sero eficientes quando a pessoa que as recebe estabelecer em si uma atitude de autodefesa energtica ou autodefesa psquica.

    Fazer um descarrego com ervas, passes ou outro mtodo qualquer consiste apenas em se tomar empresta das energias alheias em benefcio prprio.

    Quando tais energias se esgotam, pois que so um emprstimo, volta-se ao estado anterior. Sendo assim, a nica maneira de restaurar o equilbrio desenvolver novas posturas ntimas, mentais e emocionais capaz de gerar em si o estado almejado, preferencialmente enquanto dura o suprimento externo.

    Banhos, defumaes, passes ou qualquer outro recurso empregado na defesa de meus filhos s ser eficaz caso desenvolvam uma atitude mental e emocional sadia. No adianta pensar que os espritos resolvem tudo, porque no resolvem. No temos resposta para todas as perguntas, nem sequer sabemos solucionar os problemas que vocs mesmos originaram.

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

  • O mximo que podemos fazer direcionar meus filhos, mas isso no exime cada um de caminhar com as prprias pernas, com os prprios ps. E vivendo e desenvolvendo uma ao construtiva e tica diante da vida que meus filhos se sentiro ao abrigo de foras inferiores.

    Rezas fortes nem banhos, ebs nem sacudimentos conduziro ao objetivo desejado se meus filhos no aprenderem a viver intensamente e com profundo respeito a espiritualidade e os conceitos de defesa psquica." Dando novo enfoque a suas palavras, para melhor traduzir seu pensamento de orientador evolutivo daquela comunidade, arrematou:

    Com o tempo, meus filhos,continuou o esprito milenar que se apresentava na roupagem fludica de pai-velho, os homens se libertaro da dependncia de muletas psquicas. Muita gente tem imensa boa vontade em sua expresso de religiosidade, mas ainda se conserva prisioneira de expresses e convices primrias e dispensveis no caminho da espiritualidade.

    Enquanto no atingem um estado de independncia espiritual, reclamam elementos mais ou menos educativos, que funcionam como alavancas em sua caminhada evolutiva. Muita gente deixa de estudar e experimentar vivncias superiores, libertando-se de crendices, para ficar cativa de suposies pessoais cegas, as quais carecem de comprovao. Outros indivduos, alguns dotados mesmo de vontade firme, encontram-se presos a crenas impostas por pseudo-sbios e mestres que mantem fascinada a multido.

    At em certas expresses religiosas louvveis encontramos pessoas prisioneiras dos efeitos quase hipnticos de cnticos, danas e rituais esdrxulos, que se apiam na caracterstica sugestionvel de pessoas inseguras ou imaturas para uma vivncia espiritual mais ampla.

    Mesmo sabendo disso, ns, os espritos comprometidos com a libertao desse cativeiro da alma, utilizamos alguns poucos recursos pedaggicos que teriam significado para certas comunidades religiosas, a fim de conduzir o maior nmero de pessoas a livrar-se de expresses primrias de espiritualidade.

    Ainda no h como dispensar simbologias e um ou outro elemento que tenha representatividade para os encarnados. No entanto, aos poucos, vamos conduzindo meus filhos para a compreenso maior das leis da vida, na esperana de que, em breve, possam abdicar dos atavismos milenares que impedem vos mais altos nos cus da vida espiritual."

    Com estas palavras, Pai Joo deu por encerrada a conversa com seus filhos, a fim de poder atender o povo que chegava tenda para clamar ajuda. Renovados com as palavras do pai-velho, os trabalhadores daquele recanto se levantaram para dar as mos aos que sofrem, com maior vontade de servir e com um pouco mais de conscincia de suas responsabilidades.

    Os troves e relmpagos no impediram que a tenda de Pai Joo ficasse cheia de gente que pedia por socorro espiritual. Aquele era um refugio seguro, e nem sempre os espritos atendiam diretamente as pessoas. Muitas vezes, ao emitir uma comunicao, eles davam por encerrada a sesso, deixando os ouvintes refletir sobre o sentido daquilo que se pronunciara. Esse era o melhor remdio que os benfeitores podiam indicar para muita gente. "Eu tenho o corpo fechado, Xang meu protetor, afirma o ponto, meu pai, pai de cabea chegou..." Aps uma pausa necessria para os preparativos do ambiente psquico, o povo foi entrando no salo onde os mdiuns atendiam em nome da caridade. Ali os sensitivos eram costumeiramente chamados de cavalos, como uma forma alegrica de dizer que o cavaleiro ou condutor so os espritos e eles, os mdiuns, so guiados por aqueles mais competentes, que tm uma viso mais ampla da vida.

    Como cavalos, seriam conduzidos, embora tivessem movimentos prprios, tal como esses animais. Tinham a liberdade de ir e vir, de atuar, interferir, impedir excessos, sendo responsveis pelas aes realizadas atravs de si. No eram marionetes sem vida, mas obedeciam s intuies conforme o bom senso, a razo.

    O termo cavalo era apenas uma figura simblica muito utilizada na linguagem cabocla, mas bastante apropriada, considerando-se o tipo de trabalho que era realizado e os costumes locais.

    Abstraindo-se dos nomes usados aqui e acol, todos eram mdiuns de seus guias, a servio do amor ao prximo, da caridade. Este era um aspecto que fazia toda a diferena nas atividades realizadas sob o patrocnio do preto-velho Pai Joo: nada se cobrava pelas orientaes dadas pelos guias espirituais ou pelos servios prestados pela comunidade.

    Fazia questo de deixar muito clara a natureza filantrpica e espiritual de suas atividades junto quele agrupamento. Em respeitoso silncio, as pessoas foram se acomodando nos bancos simples do salo,

  • construdo em meio a vrias rvores e jardins. A simplicidade, no entanto, no significava desleixo. Tudo era muito arrumado.

    As paredes claras com algumas samambaias e outras plantas faziam a decorao do lugar. A frente da cabana ou do salo de atendimento ao pblico, uma espcie de altar, onde se via apenas uma cruz simbolizando o compromisso com o Cristo, envolta num ramo de parreira, cujo simbolismo remetia ao espiritismo, s falanges do esprito Verdade.

    Uma toalha branca alvssima emoldurava o altar singelo, onde se concentravam as energias dos mdiuns e visitantes. Era um condensador energtico de grande potncia, pois para ali convergiam as vibraes dos mdiuns e dos benfeitores como se fosse uma bateria, pronta para ser utilizada a fim de abastecer a corrente medinica em suas necessidades magnticas.

    Nenhuma imagem de santo nem qualquer outro adereo compunha o quadro, que, de to simples, passaria despercebido a qualquer um que no fosse informado de suas finalidades. Dali irradiavam energias benfazejas, que eram diariamente renovadas pelos benfeitores daquela comunidade.

    No era um centro esprita, portanto no se poderia esperar que a forma de culto ou de intercmbio obedecesse ao rigor observado nos centros que chamavam de mesa ou nos que seguiam risca as convenes do movimento esprita. Era uma casa de caridade apenas, um templo em cujas dependncias se praticava a lei da caridade conforme os espritos mais simples ensinavam. Nada mais.

    Ouvia-se, desde o salo, um cntico suave, harmonioso, que vinha dos aposentos atrs da mesa-altar ou condensador energtico. Era o local onde se reuniam os mdiuns, preparando-se para o atendimento ao pblico. Todos se movimentavam tendo em mente a santidade do lugar, conforme Pai Joo ensinara.

    Um a um os mdiuns tomavam seu banho de asseio para depois entrar em contato com as energias benficas da natureza extradas das plantas. Era o banho de ervas, conforme haviam aprendido. Afinal, os mdiuns vinham todos de suas atividades dirias, de seu trabalho.

    Segundo o ensinamento recebido dos benfeitores de suas atividades, durante o banho mentalizavam uma limpeza no somente fsica, mas sobretudo energtica. O banho com o perfume das ervas remetia s foras da natureza, de onde tais ervas eram retiradas, de acordo com as instrues dadas previamente pelos pretos-velhos.

    Os mdiuns respiravam fundo, faziam uma orao; ao despejar o banho sobre si, reabasteciam-se de fluidos balsmicos, preparando-se para o atendimento aos consulentes.

    Ali, tomava-se precauo quanto s eventuais energias daninhas e discordantes que algum porventura trouxesse impregnadas em sua aura. Ao exalar o cheiro das ervas do prprio corpo, os mdiuns, muitas vezes sem o saber, contribuam para que o consulente pudesse aspirar o magnetismo primrio da natureza. Isso fazia diferena. O perfume natural das substncias medicamentosas penetrava fundo atravs do olfato e atingia certas regies do crebro, liberando qumicos que favoreciam novo estado consciencial.

    Os prprios mdiuns, ao inspirar o perfume e as essncias aromticas, colocavam-se em sintonia com energias balsmicas. A higiene fsica realizada antes dos trabalhos predispunha higiene mental e emocional, proporcionada pelo contato com a natureza.

    Conforme Pai Joo falara para seus filhos certo dia: "Se vocs no convivem to intensamente com a natureza, meus filhos, vamos trazer a natureza para perto de vocs atravs das ervas".

    Na atualidade ainda h quem conteste a eficcia dessas tcnicas; contudo, entre aqueles supostamente mais esclarecidos, esses mtodos caboclos so chamados de fototerapia. Mudam-se os nomes, a nomenclatura, mas o ensinamento e os efeitos so idnticos.

    Os mdiuns vestiam-se de branco, essas roupas eram feitas de forma simples, sem adereos, colares ou qualquer outro tipo de enfeite. Apenas a roupa, que era preparada especialmente para o trabalho. A adoo desse comportamento ocorria para que os mdiuns no precisassem permanecer com suas prprias roupas durante os trabalhos prticos, pois muitas vezes estavam sujas, usadas ou com odores desagradveis,

    O frescor e a limpeza dos trajes refletiam o cuidado com o aspecto externo, lembrando da necessidade de preparar-se internamente. A roupa branca, alm de revelar um aspecto simblico que lhe inerente, transmitindo asseio e leveza, apresentava tambm a vantagem de ser fcil de lavar e de extrair dela possveis manchas. Todos ali cultivavam um sentimento de respeito muito profundo para com o trabalho

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

  • medinico. Algo que, aos poucos, muita gente perdeu.

    Em alguns locais, os indivduos penetram em ambientes dedicados ao trabalho espiritual como se adentrassem uma reunio qualquer. Com freqncia, os trabalhadores vm de suas atividades profissionais e nem sequer tm tempo de passar em casa para a higiene pessoal ou para reabastecer-se energeticamente.

    Comumente, as roupas impregnadas de poeira ou de outros elementos, como os resduos da poluio atmosfrica, so as mesmas com que adentram os ambientes de seus templos ou casas espritas e com as quais atendem o pblico. No que isso seja errado, mas pode refletir a perda, observada em muitos lugares, do sentido de santidade que envolve o intercmbio com os benfeitores espirituais e o respeito para com aqueles que so atendidos, de um e outro lado da vida. Quantos levantam os braos para aplicar os passes curadores, exalando cheiro to desagradvel que se anula o resultado esperado, devido s reaes causadas nos consulentes?

    Em outras ocasies, a roupa inapropriada do trabalhador desagrada os conceitos mais simples de bom senso e respeito: curtas ou apertadas demais, evidenciando partes, e decotes em excesso, composies esdrxulas ou simplesmente trajes criados para o lazer, e no para o trabalho.

    A fim de evitar situaes semelhantes, Pai Joo definiu entre os seus filhos a adoo de algumas medidas naquele recanto de trabalho. Alm do uniforme branco, todos deveriam realizar a higiene fsica e energtica ali, antes do atendimento ao pblico.

    Aps os banhos de asseio e com as ervas, os mdiuns deveriam receber o passe magntico antes de adentrar o salo de atendimento ou as salas de manipulao magntica, local onde eram tratados os casos mais graves de sade e alguma emergncia de natureza espiritual ou energtica. Aquelas no eram regras rgidas, que nunca pudessem ser quebradas.

    Alis, Pai Joo adiantara para seus filhos, os trabalhadores do remanso de paz, que toda regra para ser quebrada quando necessrio, uma vez que imprevistos surgem aqui e acol. Era necessrio pedir a sabedoria do Alto a fim de entender quando e como agir; em que momentos deveriam se apressar ou diminuir o ritmo da caminhada e, ainda, quando precisavam simplesmente parar, a fim de evitar zelo em excesso, o que, em geral, se aproxima perigosamente do fanatismo religioso.

    Na hora em que os mdiuns penetraram o ambiente onde se encontrava o pblico, j encontraram um lugar harmonizado. Aroma de ervas muitssimo discreto exalava no se sabia de onde. Era algo muito sutil, quase imperceptvel, no agressivo ao olfato nem a alguma sensibilidade.

    Quando as pessoas ingressavam no salo, as precaues energticas j haviam sido tomadas. A limpeza fludica do ambiente j se realizara, e as vibraes necessrias manuteno da harmonia j haviam sido feitas anteriormente. O respeitoso silncio dos consulentes daquela noite, e de tantas outras, era algo notvel. Tinham em mente que o lugar era dedicado ao intercmbio com os representantes do bem maior, das fraternidades do espao e consagrado ao contato com os prprios benfeitores.

    De branco, os mdiuns lembravam enfermeiros que, instantes antes, haviam se preparado e se higienizado e ento estavam aptos a receber os mdicos do Alto, que atenderiam os convidados de Jesus, os necessitados de carinho, de aconchego ou simplesmente de uma palavra amiga.

    Msica suave e com tons harmoniosos comeou a ser cantada por um dos mdiuns, acompanhada pelas notas harmnicas de um violo, dedilhado por algum que sabia como dar o tom certo a fim de tocar os coraes. Era uma cantiga que lembrava o paraso espiritual; era uma cantiga de Aruanda.

    Aps a prece de abertura dos trabalhos, um a um os mdiuns foram incorporando seus mentores. Pai Joo assumiu seu mdium em conformidade com as prticas daquele recanto de trabalhos fraternos. Em silncio, os presentes ouviam a mensagem do pai-velho, que abria os trabalhos da noite:

    Deus seja louvado, meus filhos. Estamos aqui nesta noite abenoada para dar uma palavra de conforto aos filhos que vm em busca de consolo. Nosso objetivo no solucionar os problemas materiais nem trazer respostas para questes de ordem ntima, vividas por todos.

    Trabalhamos na tarefa do consolo, do esclarecimento e da cura espiritual. No viemos substituir a medicina nem os mdicos. Nosso trabalho, meus filhos, auxiliar, amparar de acordo com as necessidades

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

  • energticas e espirituais de meus filhos.

    Vestimos a roupagem do pai-velho para que possamos falar aos simples, de forma simples. No somos mais escravos, tampouco estamos aqui para satisfazer os desejos de quem quer que seja. Nosso intuito combater o preconceito, indicar caminhos na busca da espiritualidade.

    Se porventura houver algo mais complexo no histrico de vida de meus filhos, faremos de nossa parte o possvel para orientar cada um quanto melhor maneira de se libertar das complicaes de origem espiritual ou energtica. Mas no pensem que resolveremos seus problemas nem que tenhamos respostas para todas as indagaes e dvidas. No adivinhamos nada da vida de ningum nem pretendemos fazer aquilo que cabe somente a vocs. No trabalhamos por interesses mesquinhos, no fazemos casamento, no arranjamos emprego nem pretendemos curar os males do corpo.

    Tambm no lidamos com questes sentimentais ou conjugais. "Nosso objetivo aqui de ordem espiritual. Tenham f em Deus e confiem na fora que existe dentro de vocs. Juntos podemos muito, e nessa parceria entre o esforo de cada um e as vibraes divinas que sero vencedores. Deus seja louvado!" Aps as palavras do preto-velho Pai Joo, os consulentes foram encaminhados um a um para a conversa fraterna e consoladora com os espritos que atendiam atravs de seus mdiuns.

    Perto de cada mdium havia outro trabalhador, responsvel por transcrever as prescries e o aconselhamento propriamente dito.

    De repente, um dos presentes foi envolvido por uma energia estranha. Primeiro, foi um arrepio que considerou como algo comum, natural, como tantos outros que j sentira.

    Em seguida, Tony, que visitava a casa pela primeira vez, notou um pensamento estranho imiscuir-se em sua mente, como se fosse tateado por tentculos invisveis. Estava ofegante diante da presena de algum que no podia ver, embora o percebesse de maneira intensa. J sentira algo assim antes, principalmente quando chegava em casa tarde da noite, aps freqentar alguns ambientes que ele prprio julgava inapropriados. Certo dia, viu-se quase arrancado de seu prprio corpo, como se algum estivesse empurrando-o ou querendo assumir o controle de sua mente e de seu corpo.

    Era uma fora estranha, uma presena marcante. Em ocasies como essa, seus braos movimentavam-se de modo involuntrio e a cabea parecia ganhar vida prpria. Era como se sua voz se modificasse levemente e ele comeasse a pronunciar coisas que no tinha o costume de falar.

    Depois de tentar os recursos da psicologia, inclusive fazendo regresso de memria, qual no foi sua surpresa quando se ouviu falando com o terapeuta num timbre de voz desconhecido. No conseguia dominar-se nesses momentos. Foi ento que um amigo o conduziu tenda onde agora se encontrava, para uma entrevista com os espritos, a fim de que pudesse compreender o que se passava. Agora Tony estava ali, sentado e aguardando o seu momento de falar com o preto-velho, quando aquilo tudo, aquela sensao estranha, parecia querer eclodir novamente. Tinha medo de si mesmo. Seria essa fora um esprito?

    Pai Joo, demonstrando conhecer o qu se passava com Tony, interrompeu sua conversa com a consulente que atendia e pediu a um dos trabalhadores que conduzisse o rapaz a um cmodo ao lado.

    L deveria receber um passe, uma transfuso de energias; tal iniciativa serviria para acalmar a entidade e tambm para revigorar o moo, que sofria visivelmente ao tentar conter o assdio espiritual, embora no conhecesse o bastante a respeito do assunto para obter completo xito.

    Pai Joo retomou sua conversa com a mulher que lhe pedira auxlio: Sabe, minha filha, muitas vezes os filhos de Terra desconhecem certas questes espirituais e no atentam para o fato de que suas atitudes definem o tipo de energia que atraem para si. Tudo sintonia neste mundo de Deus.

    E preciso ficar atenta, porque todos vocs esto mergulhados num oceano de energias, com o qual interagem o tempo inteiro. No mundo, estando encarnado ou no, no podemos deixar de pensar que nossas aes, pensamentos e emoes so poderosos instrumentos de elevao ou de queda.

    Portanto, filha, pense um pouco em como voc tem conduzido sua vida; como tem agido ou reagido em face das diversas situaes que tem encontrado como desafios. Ao que parece, filha, voc tem criado em sua mente os prprios fantasmas que a perseguem e julga que tem coisa-feita, magia ou maleita que algum

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

  • imaginrio est enviando contra voc.

    "Nego-velho pede apenas que possa sondar seu interior e procurar em seus pensamentos a prpria fonte de tudo o que julga estar lhe atingindo. Minha filha tem gerado energias a partir de sua atitude mental, do tipo de pensamento que est alimentando e das emoes que acompanham tais pensamentos. E natural que esse padro especfico de imagem mental, oriunda de si prpria, atraia emoes e imagens compatveis, com o mesmo peso ou teor energtico.

    Essa a magia mental, talvez a mais difcil de ser enfrentada, pois exige da pessoa uma mudana de rota, uma redefinio para modificar completamente o foco de sua ateno e educar as emoes e sentimentos com vistas a melhorar a qualidade da vida ntima."

    Mas, meu pai, falou a consulente. Eu tenho me sentido dividida entre o que devo fazer e as minhas emoes...

    Voc est numa encruzilhada energtica, minha filha, tornou o pai-velho. o entroncamento entre razo e emoo. A, nesse exato lugar, que se define a vida de muitos filhos de Terra. Sabem que h algo errado ou que precisam mudar, modificar a rota e estabelecer novo rumo ou nova meta pra suas vidas. Contudo, minha filha, to-somente saber disso parece no servir de impulso para as realizaes.

    que as emoes de meus filhos encontram-se comprometidas ou desarmonizadas, e, embora saibam intimamente qual o caminho, querem que as coisas se modifiquem de acordo com suas emoes, e no o contrrio; querem que o mundo se adapte a si, e no o contrrio.

    Desejam que as emoes, freqentemente desajustadas, estejam acima da razo e sofrem por ver que a realidade no assim. Ningum consegue mudar a lei divina, minha filha. No h como fugir da responsabilidade de ser o prprio semeador de sua felicidade ou infelicidade. No adianta culpar espritos, procurar coisa-feita ou mandinga ou mesmo tentar fazer um trabalho para mudar a situao. Somente voc poder fazer o trabalho operoso de modificao. No h como mudar os sentimentos dos outros nem as emoes alheias.

    Mas existe uma maneira de voc se modificar, de investir em suas prprias emoes, usando a razo para definir um estado melhor de vida mental e emocional para si. No espere o outro mudar, filha; mude voc primeiro. Comece em si mesma as mudanas que deseja no outro e ver como sua vida ganhar em qualidade.

    Tire esse negcio de mandinga, de trabalho feito ou de alguma maleita de sua cabea; aprenda de uma vez por todas, minha filha: se h qualquer coisa que pode modificar sua vida para melhor ou para pior, essa fora parte de dentro de voc. a sua prpria mente que vai definir o tipo ou a qualidade de vida que voc ter deste ponto em diante.

    Pai-velho sabe que voc est numa encruzilhada vibratria, dividida entre a razo e a emoo. Mas vou lhe dizer, filha. Certo amigo bem mais elevado do que pai-velho disse uma vez que Deus colocou a cabea acima do corao para que a gente possa pensar primeiro antes de agir.

    Vamos aprender com esse pensamento e traar novos rumos para a vida. No aja por impulso nem baseada nas emoes, porque se arrepender sempre. Pare de reagir e aja; seja uma pessoa ativa, que toma as decises baseada num planejamento de sua vida.

    No transfira a outros, quer esprito ou encarnado, a direo de sua vida. Voc arquiteta da prpria felicidade, minha filha." Antes que a consulente pudesse falar mais alguma coisa, o pai-velho deu por encerrado seus conselhos e, levantando a mo direita, evocou as foras superiores do bem s quais se vinculava, rogando as bnos da misericrdia divina para a vida daquela que o procurava. Com essa atitude, o pai-velho Joo Cob ou Pai Joo de Aruanda deu por encerrada a conversa com a consulente. Ele precisava atender o rapaz que naquele momento recebia o passe na sala ao lado.

    Incorporado em seu mdium, o preto-velho levantou-se da cadeira e dirigiu-se ao outro aposento, enquanto no salo os demais mdiuns atendiam aqueles que procuravam socorro emergencial. Mentalmente, tateara os pensamentos de Tony, o moo que sentia uma ao estranha sobre si. O pai-velho j sabia a forma exata de abordar a questo.

    Adentrou o ambiente reservado, onde poderia atender o caso fora do olhar atento dos curiosos, respeitando a tica, que resguardaria tanto a pessoa quanto o esprito dos olhares alheios. Ali, em sua tenda, Pai Joo

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

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    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

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  • optara por trabalhar apenas na presena de outros mdiuns, sem expor o consulente diante de outras pessoas.

    Ao chegar ao local onde estava o rapaz, rodeado por quatro trabalhadores da casa de caridade, pde perceber mais precisamente a dimenso do problema que o moo enfrentava. A princpio, o rapaz lutava intimamente contra a fora que o pressionava, que quase o tornava impermevel aos fluidos transmitidos atravs dos passes. Quando o pai-velho adentrou o ambiente, a sim, ele pareceu perder completamente o equilbrio e cedeu lugar quase imediatamente entidade que o acompanhava.

    No mesmo instante, Pai Joo pediu a um dos mdiuns que se colocasse disposio para aquilo que na umbanda se denominava puxada. O esprito que acompanhava o rapaz seria imantado aura do mdium a fim de ser encaminhado a tratamento.

    Nada de fora, nada de constrangimento. Este caso, falou baixinho o preto-velho para os outros mdiuns presentes, o tpico caso do encosto, conforme dizem meus filhos. Um esprito qualquer se sentiu atrado pela aura do rapaz e, de modo bastante natural, sentiu afinidade com o comportamento dele. O esprito no pretende fazer mal algum; porm, est quase que aprisionado magneticamente sua aura.

    Mas no adianta nada separarmos os dois se o moo no modificar a vibrao de seus pensamentos e emoes, adquirindo atitudes mais sadias. Vamos ver o que se pode fazer.

    O pai-velho induziu um dos mdiuns a ficar ao lado do rapaz, que se contorcia e chorava, como se estivesse numa luta intensa.

    Do outro lado da situao, a entidade tremia violentamente, quase em espasmos, literalmente grudada aura do rapaz. Energias sutis eram sugadas pela entidade, que subtraa de Tony fluidos preciosos, porm em grande medida comprometidos pela qualidade das emoes do consulente.

    Eram fluidos pesados, que pareciam se esvair atravs dos poros ao mesmo tempo em que eram absorvidos pelo esprito errante o mdium entrou em sintonia com o pensamento da entidade, e a transferncia magntica foi imediata, liberando Tony da influncia estranha.

    O esprito acoplou-se vibratoriamente aura do mdium e comeou a se utilizar da sua voz para expressar-se: Eu no tenho culpa falou, quase gaguejando, a entidade atravs do mdium Paulo Csar. Fui atrado para perto dele e, a partir da, no consegui mais me livrar, estou amarrado a ele!

    Sob a orientao do pai-velho, a entidade foi desligada fluidicamente da aura do consulente. Espritos amigos aproximaram-se do rapaz, manipulando energias magnticas com tal intensidade que os laos fludicos com a entidade foram desfeitos de imediato. Contudo, via-se claramente que fluidos pesados ainda ficaram aderidos ao corpo espiritual de Tony. Parecia uma fuligem, que impregnava a aura do moo, penetrando pelo interior de seu corpo.

    Voc est com uma crosta de sujeira energtica, meu filho, falou o pai-velho para o rapaz, que recobrava seu domnio mental. como se voc, durante longo tempo, tivesse se envolvido com ambientes ruins e nocivos a sua sade espiritual. Elementos de baixssima vibrao impregnaram sua aura. E olha que a culpa no do obsessor, mas responsabilidade sua.

    O rapaz baixou o rosto sensibilizado e, ao mesmo tempo, envergonhado.

    Sua conduta, filho, que define o tipo de companhia espiritual que circunda ao seu redor. No adianta estar vestido de terno e gravata e ter um verniz social, sem uma vivncia real de qualidade. Pode at ser que voc pense estar escondendo algo de seus amigos ou de alguma pessoa, mas sua vida, na verdade, um livro aberto. Para ns, espritos, as atitudes e os comportamentos se transformam em entidades vivas, em energias poderosas, sejam eles bons ou maus.

    dessa forma que voc atrai outros seres que se apegam a seus vcios e paixes e, de alguma maneira, passam a se alimentar de seus pensamentos mais secretos, espelhando-se em seu comportamento. Nem sempre esses espritos despreparados querem prejudic-lo, mas com certeza a qualidade de seus pensamentos e atitudes os excita e atrai. Por sua vez, atravs do processo de sintonia mental, eles acabam por influenciar voc tambm, embora nem sempre tenham conscincia do que lhes ocorre. Tenha cuidado, filho, pois semelhante atrai semelhante.

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

    CAMILA BENATTI

  • Depois de algum tempo, oferecido para reflexo de Tony, o pai-velho arrematou:

    Fique mais um pouco por aqui e veja se assimila algum ensinamento para sua alma. Depois, v entrar em contato com a natureza, respirar ar puro ou simplesmente tomar um banho de ervas de cheiro.

    Os filhos que trabalham com pai-velho lhe daro as ervas e ensinaro o que fazer com elas. Do outro lado da vida, espritos especialistas conduziram a entidade responsvel por parte do mal-estar de Tony a um recanto da natureza. Um dos espritos socorristas, cuja vestimenta fludica tinha o aspecto de um caboclo, trouxe recursos extrados da natureza.

    Dentro de uma espcie de pote, havia um preparado de diversas ervas, que lanavam no ar um cheiro peculiar, um aroma forte e ao mesmo tempo agradvel. O esprito que se afastara do rapaz aspirou o perfume que exalavam, e o que se viu em seguida foram estruturas semelhantes a vapores densos serem expulsas ou exsudarem de seu corpo espiritual.

    A tal entidade parecia adormecer lentamente, enquanto o aroma das ervas cumpria seu efeito teraputico, sob a ao do caboclo juremeiro isto , especialista na fora das plantas. Outros espritos especialistas nesse tipo de auxlio levaram a entidade a um posto de socorro no plano extra-fsico, onde certamente obteria mais recursos para recuperar-se e reeducar-se.

    O caboclo que agiu sob a orientao de Joo Cob era um profundo conhecedor das ervas e de outras terapias naturais. Quando encarnado, fora um estudioso da fitoterapia e desenvolvera amplo conhecimento acerca da homeopatia. Escolhera trabalhar ali devido aos inmeros casos que ofereciam grande oportunidade de ser til.

    A roupagem fludica de caboclo era referncia a uma de suas existncias, em que fora um velho cacique numa aldeia da Terra de Santa Cruz. Ali, naquela casa de socorro, desempenhava um papel importante: auxiliava na limpeza energtica ou fludica dos corpos espirituais. Recebia sob sua custdia espritos sofredores e outros mais, que acompanhavam as pessoas que ali acorriam em busca de ajuda. Enquanto isso, Pai Joo, incorporado em seu mdium, dedicava-se orientao, conversa fraterna e a ouvir as pessoas que o procuravam.

    Retornando a ateno para a tenda, no salo onde se encontravam diversas pessoas se consultando com os mdiuns incorporados, algo nada comum numa casa esprita, mas perfeitamente compreensvel dentro da filosofia do culto umbandista, de suas prticas e costumes.

    O pai-velho atendia uma pessoa que parecia interessada em conhecer algo mais a respeito dos espritos e da forma fludica que adotavam ao se manifestar em outros cultos.

    Venho aqui, Pai Joo, comeou a falar o homem que pedia auxlio em seus estudos para entender um pouco como funciona o culto no formato da umbanda.

    Eu no sou umbandista, mas esprita; portanto, nunca vi nada semelhante ao que ocorre por aqui. Queria sua ajuda para meus estudos, a fim de obter maiores detalhes a respeito das diversas manifestaes espirituais em sua tenda.

    Eu entendo, meu filho. Primeiro, louvo a Deus que algum queira estudar um pouco das manifestaes tais como ocorrem em locais ou cultos diferentes do seu, destitudo de preconceito. Mas bom que saiba, meu filho, que por aqui no se pratica a umbanda da forma ortodoxa, como outros irmos umbandistas a entendem; temos aqui uma espcie de transio em matria de vivncias espirituais.

    No posso classificar nosso mtodo como umbanda propriamente dita. Estamos nos esforando por trazer apontamentos aos trabalhadores desta tenda, de modo a ensinar outros mtodos to eficazes quanto os praticados na umbanda de raiz.

    Os filhos que aqui trabalham estudam bastante, aprendem diretamente, no campo abenoado do dia-a-dia, como lidar com os problemas de ordem espiritual. Acredito que estamos, aos poucos, conseguindo liberar meus filhos do misticismo exagerado e de certas fantasias que so fruto de crenas irrefletidas, assim como educ-los para que possam dar um passo alm, em termos de espiritualidade.

  • "Contudo, aqui trabalhamos com caboclos, pais-velhos e outras entidades que preferem essa forma fludica a fim de cativar aquelas pessoas mais simples ou aqueles que se sentem mais afinados com certos elementos que so familiares a seu conceito de vida espiritual e sua cultura, do ponto de vista reencarnatrio.

    Tambm optamos por esse formato ou aparncia fludica porque, no plano astral, trabalhamos com espritos que, durante muito tempo, ficaram presos a crenas bem distorcidas ou mesmo a interpretaes equivocadas sobre a vida espiritual Apresentarmo-nos com o aspecto de pais-velhos ou caboclos geralmente resulta em mais impacto e maior respeito entre esses espritos, alm, claro, de podermos cativar aqueles mais simples, a quem dedicamos nosso trabalho e nossa ateno."

    Mas no entendo por que vocs so chamados de pais-velhos, e no de irmos, como nos centros espritas... Pai, irmo, primo; tanto faz, meu filho. Voc mesmo pode escolher o tratamento, como quiser. Os filhos nos chamam de pais-velhos apenas como forma de distinguir aqueles espritos mais experientes, os responsveis por sua conduo ou orientao espiritual. O termo pai-velho significa apenas isto: algum mais experiente, mais vivido.

    De todo modo, no se atenha a essas mincias, filho. Chame-nos como quiser e estaremos prximos, conforme a vontade de Deus, nosso pai. Se bem que nego-velho tambm poderia questionar meu filho sobre o porqu de se referir aos obsessores, de maneira generalizada, como irmos ou irmozinhos, quando na verdade no h nenhuma identidade espiritual entre eles e aqueles que, ao menos em tese, buscam o bem e o amor do Cristo.

    No mnimo, no se poderia chamar de irmo quem luta contra o estabelecimento do bem sobre a Terra! Acredito que essa acepo da palavra irmo seja exclusiva do movimento esprita. Agora, vocs querem que em todo lugar onde se manifestem espritos o vocabulrio empregado seja o mesmo, tomando por base a forma comum a vocs?

    Isso nego-velho no entende tambm. Se assim fosse, meu filho, como iramos encaixotar as mentes de todas as pessoas que trabalham com manifestao medinica ao redor do mundo, de maneira que falassem do mesmo jeito, com as mesmas palavras?"

    , eu no havia pensado nisso... Portanto, meu filho, fica a sua inteira escolha chamar um esprito de pai, irmo ou usar um pronome qualquer, sem que nenhuma forma escolhida seja considerada errada.

    Errado, no entender de nego-velho, o preconceito arraigado, que se esconde por trs dessa idia ou questionamento.

    Pare pra pensar, filho: por que ser que o esprito de um pai-velho rejeitado como se fosse inferior, apenas por se manifestar como um ancio negro?

    Unicamente por causa da aparncia fludica?

    Ser que no plano espiritual ou astral existe uma forma correta de manifestao ou uma prescrio a respeito?

    Onde est escrito que todos os espritos tm de se manifestar como brancos?

    As vezes tenho a impresso de que muitos acham que a conformao original do esprito branca... Negro ou indgena seriam formas transitrias, inferiores. Por que, na forma espiritual de um negro, um esprito no pode ser recebido entre aqueles que proclamam a fraternidade e se dizem representantes do Cristo, que nunca fez acepo de pessoa?.

    Nego no consegue entender como em certos locais no se admitem espritos de negros velhos, mas se admitem de brancos velhos, padres, doutores ou o que for, que levam seus mdiuns a falar com voz embargada, quase curvados, adotando evidente aspecto de ancio, mas, como so mdicos, letrados ou catlicos, e brancos so considerados quase anjos, so quase venerados.

    Caso outro esprito se apresente como negro, envergando um pouco o mdium e falando com voz entrecortada, num tom ligeiramente diferente do habitual, logo ele rotulado como obsessor, esprito inferior, 'apegado a seu passado espiritual', e acaba rejeitado porque se utiliza de um vocabulrio mais simples. Engraado... O esprito no tem de escolher alguma forma para se comunicar?

    CAMILA BENATTI

  • No entanto, nego-velho nunca viu algum dizer que aparecer com vestes eclesisticas era sinnimo de apego ao passado, a despeito de todos os horrores patrocinados pela Igreja na histria da humanidade.

    Pense nisso, meu filho, e reflita onde est a raiz do problema. Analise se no h uma contradio nessa postura ante os espritos ou, quem sabe, algo que ainda incomoda meus filhos desde a poca da escravido moderna: o preconceito racial e religioso escondido sob o manto de conceitos espirituais mais sofisticados.

    Voc sabe, os jesutas tambm achavam que estavam fazendo um favor ao converter negros e indgenas ao catolicismo, ainda que custa de ameaa, pois, afinal, estavam salvando-os do inferno! Intolerncia, falta de disposio em conviver com o diferente, adotar as prprias convices como referncia alguns sculos depois, tudo permanece ainda muito forte na alma humana, no , meu filho?.

    Pense mais: por que se podem receber antigos padres, freiras, mdicos e orientais, enquanto no mesmo lugar os espritos dos negros e ndios no encontram abertura para trabalhar?.

    Um pouco de pesquisa a respeito do passado do nosso pas, meu filho, lhe dir a respeito do que se passou entre padres, irms de caridade e outros tipos que, no passado, abusaram dos negros e indgenas e veneravam pessoas procedentes da Europa e de pases do Oriente como representantes de uma cultura mais evoluda.

    Passado algum tempo, ao se manifestarem em centros espritas, natural que ainda tragam resqucios de seu passado atravs da religiosidade exagerada e do preconceito transferido para a esfera extra-fsica." Dando uma pausa para o homem pensar, Pai Joo continuou:

    Agora, filho, vocs tm de ficar atentos, pois se padres e irms de caridade no conseguiram deter a marcha do espiritismo como desencarnados, cuidado, muito cuidado, pois muitos deles se encontram disfarados numa roupagem de carne e intentam dominar os centros espritas com uma cate- quese castradora dissimulada de espiritualidade.

    Pois , Pai Joo, fico pensando em algo semelhante quando avalio o perfil das pessoas que geralmente compem a diretoria de nossas casas espritas...

    No entanto, deixando de lado minhas preocupaes, queria entender melhor a natureza dos espritos que tradicionalmente se manifestam na umbanda e noutros cultos semelhantes, especialmente quanto especialidade dos pais-velhos.

    Como entender o tipo de atividade que realizam no plano astral? Quando alguns espritos se apresentam com aspecto de pais-velhos, isso no implica necessariamente que tenham sido escravos ou negros em sua ltima existncia. Muitos escolhem essa figura humana a fim de estampar em sua vestimenta perispiritual algo que tenha afinidade com a cultura brasileira, com a formao espiritual de nosso povo e, assim, aproximar-se das pessoas simples e atingi-las mais facilmente. A forma exterior que ostentam tais benfeitores pode conter muito mais de simbolismo do que revelar que tenham sido escravos.

    Querem combater o preconceito e quebrar barreiras raciais, religiosas, sociais. H espritos que realmente foram negros e desencarnaram em idade avanada, embora nem sempre tivessem conhecimento de questes espirituais. No se pode ignorar que muitos experimentaram enorme sofrimento e, impotentes, sem ter como se defender, desenvolveram amarga revolta contra seus senhores. Evidentemente, isso tambm revela que no possuam a devida maturidade espiritual. "Por outro lado, posso dizer tambm que verdadeiros iniciados do passado glorioso de certas civilizaes buscaram, no seio da me frica, o meio de desempenhar seu papel, servindo de referncia para os povos que precisavam de orientao, principalmente no momento em que se enchiam os navios negreiros rumo terra brasileira.

    Reencarnaram no Congo, em Daom [atual Benim] e em outras naes da costa ocidental africana, trazendo o conhecimento de suas experincias passadas. Estes, sim, so os verdadeiros pais-velhos,em oposio a pretos-velhos.

    Repare que o termo pai aqui empregado com muito acerto, pois ressalta a dilatada experincia de vida que tais espritos possuem, algo muito bem representado na figura do ancio.

    CAMILA BENATTI

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  • Necessariamente possuidores de algum conhecimento inicitico ou espiritual, os pais-velhos so entidades geralmente mais experientes que os demais, inclusive que os pretos-velhos.

    Claro que essa uma separao didtica; no dia-a-dia, ambos os termos so empregados sem distino: pai-velho e preto-velho. A rigor, entretanto, h diferena entre eles, conforme expliquei. "No que diz respeito forma astral escolhida pelos pais-velhos para se manifestar, no somente em seus mdiuns, mas no plano extra-fsico tambm, ela remete idia de humildade, sabedoria, simplicidade e experincia, prprias da maturidade espiritual.

    "Iniciados de antigas civilizaes e, hoje, na roupagem fludica de pais-velhos, tais espritos possuem vasto conhecimento acerca do desmanche de magia negra ou antigocia, por exemplo.

    So respeitados entre os representantes das sombras, na sub-crosta, e muitos deles, inclusive, so temidos por essas falanges de obsessores. No campo da sade, conhecem muito sobre os recursos da medicina espiritual e natural, tal como o uso de ervas, que meus filhos atualmente chamam de fitoterapia. Alm disso, os pais-velhos dominam o elemento ectoplasma, do qual so hbeis manipuladores. Sabem empregar essa substncia a fim de materializar certos medicamentos, utilizados para a cura dos filhos da Terra, sem contar sua extrema habilidade na rea do magnetismo.

    Eu no tinha idia da procedncia espiritual, tampouco da especialidade dos chamados pais-velhos. Pois , filho, mas como voc veio em busca de conhecimento, Pai Joo gosta muito disso e aproveita para falar a respeito dessas e de outras coisas importantes. E preciso formar uma idia mais ampla sobre a diversidade de espritos que trabalham em nosso planeta.

    "Examine, por exemplo, o caso dos caboclos. As entidades espirituais que se manifestam tanto em seus mdiuns quanto no plano astral com a vestimenta de caboclo no foram obrigatoriamente ndios ou selvagens em sua ltima encarnao. Muito pelo contrrio!

    "Grande nmero dos espritos que adotam a caracterstica de caboclo tiveram seu carter firme forjado em templos do passado, principalmente entre as civilizaes inca e asteca, entre outras.

    Tal como ocorre com os pais-velhos, possuem ntima ligao com certas energias da natureza, tanto quanto com a cultura da qual procedem.

    Em virtude desse fato, preferem estampar a imagem de um ndio, de um sertanejo ou de um bandeirante em sua vestimenta espiritual, em sua aparncia.

    Da se pode entender por que alguns caboclos so recrutados para trabalhar ao lado de grandes luminares da espiritualidade, que foram sbios em sua ltima existncia. Alm de tudo isso, a forma astral do caboclo tambm traz um simbolismo.

    Representa jovialidade, energia, destemor e valentia, bem como capacidade de transformao e progresso. a representao do jovem guerreiro, daquele que tem a caracterstica de mudar o panorama, de enfrentar os desafios da existncia e modificar as situaes menos favorveis em outras mais nobres.

    Ento os caboclos tambm foram iniciados em outras civilizaes, como os pais-velhos?

    No se pode generalizar, meu filho. Especialmente se considerarmos que, na umbanda e em certos cultos de transio, observa-se uma variedade de seres espirituais a que muitos do o nome de caboclos. "Antes de continuar com as explicaes, preciso dizer que este pai-velho est lhe dando apenas um ponto de vista a respeito da variedade de manifestaes.

    O que estou lhe falando no consenso nem mesmo entre os representantes da umbanda. No entanto, sob esse ponto de vista que nego-velho quer conduzir seu olhar. "Assim sendo, dentro da variedade a que me referi, temos os chamados caboclos ndios. Eles integram imensa legio de trabalhadores, guardies, baluartes da lei e da ordem, combatentes que so das falanges do mal.

    Como verdadeiros caas, saem pelo umbral afora em tarefas de defesa e disciplina, temidos que so por muitos espritos das trevas. "Na umbanda e em outras expresses de espiritualidade, so comuns outros

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  • tipos, tais como os boiadeiros, especialistas em desobsesses, coletivas e individuais, investem contra as bases das sombras e destroem as fortalezas do astral inferior.

    Dotados de grande magnetismo, so respeitados e temidos pelas entidades do mal, sobretudo pelos marginais ou kiumbas, to comuns em ambientes que oferecem grande perigo aos encarnados." Aps breve intervalo, para que o interlocutor pudesse assimilar o que dizia, Pai Joo prosseguiu: Como j lhe disse, nego-velho est lhe dando uma explicao baseada no na teologia umbandista, mas na realidade cultural mais prxima da que voc est habituado, meu filho.

    Certamente encontrar outros pontos de vista sobre esse assunto entre os representantes da umbanda e do candombl. Porm,nego-velho, neste momento, no tem por objeto religio e doutrina, mas a descrio da realidade espiritual que transcende as interpretaes religiosas.

    Entendo, meu pai. Se julgar apropriado conceder mais informaes, estou aberto a ouvir e estudar. Pois bem, meu filho, retomou Pai Joo calmamente. Ainda sobre a forma espiritual adotada por alguns espritos, alguns caboclos adotam no a forma do ndio, mas do marinheiro. De algum que viveu junto s guas, ao mar, portanto trabalhando com emoes, inclusive por ter vivenciado os tremendos desafios que envolvem a navegao: desde tormentas e fenmenos climticos at a solido dos meses e anos singrando pelos mares, longe da famlia e dos seus.

    Na umbanda, bem como em alguns candombls que recebem sua influncia, chama-se freqentemente de marinheiro aquele esprito que lidera falanges acostumadas a lidar com o sentimento e as emoes e que atuam no contato com o elemento gua, que remete suavidade e ao amor e auxilia na libertao de vinculaes magnticas.

    Quando se pretende fazer uma limpeza energtica com suavidade, o elemento gua o mais indicado, liberando fortes emoes que anuviem a viso espiritual dos filhos. E lgico concluir que quem teve experincias reencarnatrias junto ao elemento gua pode ser bastante eficaz nessa tarefa.

    Era muita informao para aquele homem reservado, que no queria se expor perante os presentes. Era ele um representante do espiritismo e, por essa razo, no desejava, ao menos at aquele momento, ser identificado numa tenda onde a manifestao medinica ocorria segundo parmetros diferentes daqueles com os quais se familiarizava. Entendendo isso, o preto-velho vez ou outra dava um tempo para ele refletir e depois de um suspiro, uma pausa, continuava.

    Os chamados kimbandeiros constituem outra espcie de caboclo. Sua especialidade enfrentar os magos negros e seus dirigidos nos campos de batalha do umbral e da sub-crosta. Gostam de estar frente das demandas que ocorrem na esfera astral, muitas vezes nem sequer percebidas pelos mdiuns.

    Como se fossem generais guerreiros, trabalham para a defesa, porm com nfase em limitar e cercear a ao das trevas, o que, muitas vezes, os leva a afirmar que transitam entre o bem e o mal.

    Alm, claro, do fato de que conhecem em profundidade as artimanhas dos seres da escurido. "No h dvida, meu filho, de que nego-velho est procurando usar a linguagem mais esprita possvel para que possa entender os diversos perfis e especialidades daqueles seres que trabalham na vibrao da umbanda, em suas variadas manifestaes e interpretaes.

    Por estarem ligadas vibrao e atmosfera cultural, e no a rtulos religiosos, essas mesmas entidades tambm militam nos centros espritas, caso encontrem abertura dos mdiuns e dirigentes. Ainda que, em certas ocasies, optemos por nos apresentar em outra roupagem fludica, conforme seja conveniente ao trabalho e tenhamos condies para tal."

    So tantas informaes, meu pai... Simplesmente no imaginei ter disposio tanto conhecimento novo para estudar e aprofundar minhas observaes.

    Ah! Meu filho... Se Allan Kardec tivesse a oportunidade de estudar as manifestaes da mediunidade no mbito da cultura e da religiosidade brasileiras, com seus ricos e diversificados elementos, com certeza ele desbravaria todo um aspecto da vida espiritual.

    impossvel negar que as manifestaes de carter medinico revelam um pas que um celeiro de mdiuns, dos mais frteis no aspecto fenomnico.

    No entanto, nego-velho deve dizer que, ao reverenciar e valorizar caractersticas e traos prprios do

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  • desenvolvimento histrico e sociocultural do Brasil, no pretende aprovar ou sancionar certas prticas exticas e abusos que se encontram aos montes por a. No mesmo, meu filho?

    Quando o homem se levantou, agradecido pela conversa franca e aberta com o pai-velho, j estava modificado intimamente. Com certeza teria muito para refletir a partir da conversa com o pai-velho Joo Cob.

    Os trabalhos se encerraram com uma mensagem do benfeitor e a prece final, realizada por um dos trabalhadores. A noite ia alta quando os mdiuns retornaram a seus lares para o repouso que antecedia o trabalho profissional, no dia seguinte. "Entre o fogo e a espada, passarei despercebido e defendido. Entre a faca e o punhal, a bala perdida ou dirigida, serei protegido, sarado e ungido pelo poder da cruz e as foras da luz."

    "Aquele que habita no esconderijo do Altssimo sombra do Onipotente descansar. Certamente ele te livrar do lao do passarinheiro, e da peste perniciosa. No temers o terror noturno, nem a seta que voa de dia, nem peste que anda na escurido, nem a praga que destri ao meio-dia." Mais tarde naquela mesma noite, viam-se os benfeitores dirigir-se s casas dos trabalhadores da tenda de Pai Joo. Sob a orientao do esprito amigo que dirigia os trabalhos naquela seara, um a um os mdiuns foram desdobrados, conforme necessrio s tarefas da noite, e conduzidos a um stio natural junto a matas e cachoeiras, onde recebiam fluidos benficos para seu refazimento. Um dos dirigentes espirituais da comunidade recebia pessoalmente os sensitivos ao redor de um lago esculpido em meio a um bosque localizado na esfera extra-fsica.

    A luz do luar refletia raios revigorastes sobre a natureza fsica e a astral, inundando a todos com energias salutares.

    0 esprito que atendia pelo nome de Macaia conduziu dois dos trabalhadores para o lago e com eles levitou por sobre a superfcie de gua brilhante, que refletia o tom prateado do luar. Nenhum dos dois sensitivos guardava lucidez extra-fsica de forma plena; assim, aps retornar a seus corpos fsicos, horas depois, teriam somente vagas lembranas do ocorrido.

    Pairando acima do lago, Antnio e Efignia sentiram medo ao perceber que estavam andando sobre as guas. Os demais companheiros de atividades, de p nas margens, observavam atentos o que se passava com a dupla.

    Macaia levou-os at um local que parecia ser o centro do lago e fez Antnio e Efignia se deitarem com as cabeas perispirituais voltadas para o norte. O esprito, especialista em magnetismo e no trato com as foras elementais, aspirou profundamente o ar levemente rarefeito e aplicou um passe de sopro em ambos os trabalhadores, que, desdobrados em corpo astral, recebiam os benefcios da transfuso energtica.

    O sopro de Macaia estava impregnado de elementos vitalizantes, pois, a cada vez que ele enchia os pulmes, absorvia do ambiente extra-fsico mais e mais propriedades balsmicas.

    Os dois mdiuns pareciam mergulhados numa onda de fluidos e energias que atuavam diretamente em seu centro de memria, liberando imagens mentais e clichs indesejveis de seu campo mental. A uma observao atenta, poderiam ser vistas pequenas bolhas, semelhantes a bolhas de sabo, que se dissipavam mediante o sopro renovador.

    Eram concentrados de formas-pensamento que os dois trabalhadores haviam absorvido de pessoas atendidas durante os trabalhos de assistncia espiritual.

    As pessoas que chegavam tenda em busca de socorro, principalmente se apresentassem quadro emocional mais grave ou complexo, traziam criaes mentais e certas concentraes energticas de baixa vibrao, as quais eram transferidas para a aura dos mdiuns que os atendiam.

    De igual maneira, os contedos sutis acumulados pelos mdiuns costumavam ser absorvidos pelos consulentes, quer estivessem aqueles em transe medinico ou no. Em razo disso, durante o sono fsico os mentores trabalhavam intensamente, liberando a carga de fluidos indesejveis e reabastecendo os mdiuns com novas e balsmicas energias, conforme a necessidade de cada um e a capacidade desenvolvida de armazenar fluidos mais ou menos sutis.

    No havia milagres, evidentemente. Depois de algum tempo, Macaia levantou as mos e colocou-se em

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  • orao:

    Supremo Pai e senhor da vida, concede aos teus filhos a oportunidade de se refazer com as energias da criao, com os fluidos benficos da me natureza. C estamos como trabalhadores teus, necessitados da proteo espiritual e de foras, a fim de prosseguir com a tarefa que nos foi confiada.

    Respirando mais profundamente, prosseguiu: Permite, Pai, que os elementais, criaturas tuas sob nossa responsabilidade, possam atender ao nosso chamado e vir em socorro daqueles teus filhos que de ti necessitam.

    Antes mesmo que terminasse a orao sentida, milhares de seres minsculos, semelhantes a pirilampos, subiam das guas cristalinas do lago e envolviam no somente os dois mdiuns atendidos diretamente por Macaia, mas tambm os demais, que permaneciam na margem.

    O fenmeno inspirava elevados pensamentos de gratido, to fantstico se mostrava. O psicossoma dos mdiuns foi envolvido por cintilaes dos elementais, que pareciam sugar os fluidos densos acumulados na aura dos trabalhadores.

    Uma emanao semelhante a vapor, de colorao acinzentada, exalava levemente de cada corpo perispiritual desdobrado na dimenso extra-fsica. Em contrapartida, outro vapor, na verdade uma bruma luminosa subia da superfcie do lago e era canalizada pelos elementais para fins teraputicos. Macaia mantinha os braos elevados, como que a polarizar energias sutilssimas que se derramavam de mais alto.

    Os demais mdiuns, que ficaram margem do lago, elevaram-se alguns centmetros no ar e pareciam adormecer um a um, novamente, porm em corpo espiritual.

    Neste momento, Joo Cob aparece rodeado de trabalhadores da Aruanda, advindos das matas que emolduravam o local.

    Traziam cumbucas cheias de bioplasma e de outros componentes extrados das plantas, que, sob a orientao do pai-velho, ministravam aos mdiuns adormecidos.

    Temos de cuidar bem de nossos parceiros, falou Joo Cob para um esprito que se mostrava com a aparncia de um ndio apache. Corpulento, olhar penetrante e irradiando forte magnetismo, o antigo guerreiro conduzia o vasilhame que continha os extratos naturais, para que cada mdium pudesse inalar.

    Atendemos casos bastante complexos, que vrios outros afirmam no se tratar de questes espirituais. Seja como for, as energias densas oriundas de tais processos aderem-se aura de nossos mdiuns e devem ser liberadas a todo custo, de modo que se reabasteam, visando continuidade das tarefas que desempenham conosco.

    Mdiuns h que no se importam, nem ao menos se interessam pela higiene energtica nem pelos procedimentos de autodefesa psquica; ignoram que, a fim de ser amparados pelos benfeitores que os assistem, necessariamente devem se colocar em atitude receptiva, de abertura mental.

    uma iluso acreditar que se pode realizar um trabalho intenso, do ponto de vista energtico, e permanecer com o prprio campo energtico inalterado.

    Ao mesmo tempo em que administrava os recursos da natureza aos mdiuns que j haviam sido submetidos ao contato benfico com os elementais da gua doce, as ondinas, o esprito apache acrescentou ao comentrio do pai-velho: Os elementais so seres singulares e, para muita gente que lida com as questes espirituais e energticas, ainda envoltos em superstio e mistrio; contudo, obedecem a uma vontade superior e esto disposio para auxiliar na manuteno das energias vitais, to necessrias aos trabalhos desta ordem. No entendo por que nossos irmos no recorrem com maior freqncia a esses seres da natureza, tendo em vista seu prprio bem-estar e o reabastecimento energtico. - Tais seres da natureza, elucidou Joo Cob, incorporam em si as substncias medicamentosas prprias dos stios naturais aos quais esto relacionados, constituindo-se em expresses da natureza em estado de evoluo. Potencializam foras e energias, obedecendo s leis naturais.

    No podemos deixar de nos valer deles. Contudo, sua existncia permanece ignorada pela maioria das pessoas. E quanto bno oferecida pelas plantas, pelas guas e por outros recursos encontrados na natureza?

    CAMILA BENATTI

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  • No vejo como desprezar esse manancial colocado pelo Pai disposio de seus filhos.

    Todos que lidam com os aspectos espirituais da vida em planos mais densos ou mesmo atendem indivduos cujas emoes esto conturbadas e em ebulio poderiam ser abastecidos com os fluidos que exalam a cura e equilibram.

    Sim, meu amigo, complementou Joo Cob, uma vez mais. Entretanto, parece que algumas pessoas cheias de pretensa sabedoria ignoram certas propriedades teraputicas da natureza ou, ento, relegam esses meios de amparo e refazimento a segundo plano, como se fossem ferramentas menores, prprias de matutos ou seres inferiores. Talvez justamente por serem elementos simples demais, que esto disposio de qualquer um... Enfim, continuemos com nossos parceiros, os mdiuns.

    Eles precisam de ns tanto quanto precisamos deles. Os mdiuns desdobrados eram atendidos pelos espritos do bem. A luz do luar canalizava outras energias tambm benficas, para equilibrar os centros de fora do corpo espiritual dos mdiuns. Embora estivessem quase todos ali, ainda faltava um, devido ao fato de que estava trabalhando at tarde. No fora tirado do corpo, como os demais, em respeito ao seu trabalho profissional, que o ocupava num horrio diferente.

    Os espritos sabiam respeitar o chamado "fuso horrio" de cada um. Aps o atendimento quele grupo de trabalhadores desdobrados, um esprito guardio dirigiu-se casa de Tobias, que enfim se preparava para deitar-se. Como era um homem religioso, recitava uma orao, conforme aprendera de sua velha av, antiga benzedeira. Acostumado com as palavras decoradas, sua mente respondia citao conforme ele esperava.

    Habituou-se quele tipo de orao e no a pronunciava como se fossem expresses vazias; ao contrrio, acreditava naquelas palavras, no significado de cada uma, depositando emoo vigorosa medida que as declamava, a ponto de fortalecer sua f. Em virtude da resposta que obtinha de sua prpria mente, atingia o efeito desejado com a orao, isto : a proteo energtica.

    Dizia Tobias: "Chagas abertas, sagrado corao, todo amor e bondade. O sangue do meu Senhor Jesus Cristo no corpo meu se derrame hoje e sempre. Eu andarei vestido e armado com as armas de So Jorge. Para que meus inimigos, tendo ps, no me alcancem; tendo mos, no me peguem; tendo olhos, no me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal".

    Respirando profundamente, pronunciou as palavras finais: "Armas de fogo meu corpo no alcanaro, facas e lanas se quebraro sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentaro sem o meu corpo amarrar...". Os guardies chegaram casa de Tobias exatamente no instante em que dizia as palavras tidas por ele como sagradas. A proporo que recitava a orao, deitava-se lentamente, deixando seus sentidos em alerta para as percepes do mundo extra-fsico. Ferreira, ex-soldado e um dos guardies responsveis por Tobias, ao ouvir a reza de seu protegido perguntou ao companheiro de atividade:

    Essa coisa de reza forte funciona mesmo ou apenas crendice? Voc sabe, estou h pouco tempo em contato com este mdium e preciso me inteirar de certas coisas...

    Bem, pelo que me ensinaram em alguns cursos que fiz aps meu desencarne, pode-se dizer que as rezas funcionam sim, mas de maneira diferente daquela que se divulga por a.

    Por exemplo: muita gente reza o Salmo 91, que uma destas oraes consideradas fortes e sagradas por muitos religiosos...

    E ela faz um efeito interessante de se observar, segundo j presenciei. Quando a pessoa acredita mesmo naquilo que pronuncia, ao longo do tempo, medida que repete a citao, seu crebro e sua mente processam as palavras de modo a obedecer quela espcie de comando, formando algo similar a uma aura em torno de si.

    Caso os dizeres dessas oraes ou rezas de fato estejam calcadas em uma convico pessoal, em uma crena ntima genuna, ento gradativamente passam a agir sobre a mente do indivduo, que acionada com a finalidade de erguer um campo de foras, uma aura de proteo a seu redor.

    claro que, segundo essa tica, palavras idnticas no tm o mesmo efeito sobre pessoas diferentes. Portanto...

    Portanto, no a reza ou orao que tem um poder intrnseco, mas a crena pessoal, a fora mental da pessoa que pronuncia a orao e a energia depositada naquele ato.

  • Mais ou menos isso, Ferreira. Ocorre que, se por ventura a pessoa repetir determinada orao acreditando verdadeiramente no que est realizando, sua mente aos poucos desenvolve a capacidade de arregimentar foras ou energias, que so atradas para a prpria aura. Tais energias tm um efeito cumulativo, ou seja, quanto mais se exercita o pensamento, mais intensamente agiro em torno do sujeito.

    -Ento posso entender que as oraes fortes ou rezas fortes funcionam como um tipo de muleta psquica para alguns ou, mais exatamente, um instrumento de que a mente lana mo e que, de acordo com a vontade depositada nesse ato, pode desencadear um processo de autodefesa psquica. Correto?

    Pelo menos o que pude perceber em meus estudos. Veja o caso de Tobias indicou o guardio, sinalizando para o rapaz que se deitava justo quem possa depreender dessas linhas que se est a recomendar o uso de preces sacramentadas.

    No s no assim, como as passagens demonstram perfeita coerncia com o que afirmam os espritos na codificao do espiritismo: "A forma nada vale, o pensamento tudo. Ore, pois, cada um segundo suas convices e da maneira que mais o toque. Um bom pensamento vale mais do que grande nmero de palavras com as quais nada tenha o corao" (kardec, Allan. 0 Evangelho segando o espiritismo. Rio de Janeiro: feb, 2002.120a ed. luxo, cap. 28, item 1, p. 493).

    Ora, justamente o pensamento, a vontade e a f que so destacados pelos personagens como elementos cruciais. De todo modo, vlido confrontar essa passagem de O evangelho segando o espiritismo com outro trecho, logo adiante, no mesmo Prembulo escrito por Kardec para sua Coletnea de preces espritas: "O Espiritismo reconhece como boas as preces de todos os cultos, quando ditas de corao e no de lbio somente. Nenhuma impe, nem reprova nenhuma" (Idem, ibidem, p. 494 grifo nosso). A aura de Tobias iluminava-se por inteiro quando pronunciava a chamada orao de So Jorge, que ele acreditava piamente ser uma orao forte. Analisemos as palavras da orao feita por Tobias, prosseguiu Simas, o guardio que conversava com Ferreira. Ao introduzir sua prece: "Chagas abertas, sagrado corao, todo amor e bondade...", e por a vai, claramente relembra a crucifixo de Jesus. Essas palavras estabelecem ligao mental com o episdio que os cristos talvez considerem o mais sagrado de todos e, provavelmente, o smbolo por excelncia da vitria espiritual.

    Tobias evoca em seus pensamentos, portanto, a fora moral do Cristo e sua misericrdia; pede amparo superior da maneira que sabe pedir e segundo acredita. "Depois ele continua a orao, dizendo: 'Eu andarei vestido e armado com as armas de So Jorge. Para que meus inimigos, tendo ps, no me alcancem; tendo mos, no me peguem; tendo olhos, no me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem maP. Nesse trecho, o mdium define uma postura mental de defesa ntima.

    Como reafirma dia aps dia tais palavras, com todo o seu esprito, elas alimentam uma deciso mental, consciente e portadora de fora real, em que ele se v e se coloca na posio de defesa psquica. Ou seja, proporciona um estado ntimo de segurana.

    Na verdade, no so os espritos malvolos que tm medo da orao, nem so os desastres e acidentes que evitam Tobias, mas ele quem gera um comando mental de tal intensidade que sua aura se ilumina e ele passa a atrair foras do plano extra-fsico capazes de envolv-lo fortemente e lhe dar segurana.

    Em matria de segurana espiritual e energtica, o importante que a pessoa se sinta plenamente segura e tenha atitudes compatveis e coerentes com aquilo que busca, num nvel mais amplo.

    Em termos psicolgicos, possivelmente esse hbito de Tobias pudesse se classificar como redefinio ou rep