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CONTEXTO INTERNACIONAL
é uma publicação quadrimestral do Instituto de
Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Seu
propósito é promover e divulgar o debate sobre
política internacional.
Reitor: Pe. Jesus Hortal Sánchez, S. J.
Decano do Centro de Ciências Sociais:
Luiz Roberto de Azevedo Cunha
Instituto de Relações Internacionais
Diretor: João Pontes Nogueira
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Comitê Editorial
João Pontes Nogueira (IRI/PUC-Rio)
José María Gómez (IRI/PUC-Rio)
Mônica Herz (IRI/PUC-Rio)
Nizar Messari (IRI/PUC-Rio)
Conselho Consultivo
Adrián Bonilla (FLACSO, Equador)
Andrea Ribeiro Hoffmann (LSE, Reino Unido)
Andrew Hurrell (University of Oxford, Reino Unido)
Antonio Jorge Ramalho Rocha (UnB, Brasil)
Arlene Tickner (Universidad de Los Andes, Colômbia)
Carolina Moulin de Aguiar (University of McMaster, Canadá)
Celso Lafer (USP, Brasil)
Clóvis Brigagão (UCAM, Brasil)
Eduardo Viola (UnB, Brasil)
Eugênio Pacelli Lazzarotti Costa (PUC-Minas, Brasil)
Flávia de Campos Mello (PUC-SP, Brasil)
Gelson Fonseca Júnior (MRE, Brasil)
Gustavo Sénéchal de Goffredo (PUC-Rio, Brasil)
Hélio Jaguaribe (IEPES, Brasil)
Henrique Altemani de Oliveira (PUC-SP, Brasil)
Janina Onuki (PUC-SP, Brasil)
João Clemente Baena Soares (Comissão Jurídica Interamericana, Brasil)
José Luis da Costa Fiori (UFRJ e UERJ, Brasil)
Juan Gabriel Tokatlian (Universidad de San Andrés, Argentina)
Kai Michael Kenkel (IRI/PUC-Rio, Brasil)
Leticia Pinheiro (IRI/PUC-Rio, Brasil)
Lilian Cristina Burlamaqui Duarte (MRE, Brasil)
Luis Fernandes (IRI/PUC-Rio, Brasil)
Marco Antonio Pamplona (PUC-Rio, Brasil)
Maria Regina Soares de Lima (Iuperj, Brasil)
Norma Breda Santos (UnB, Brasil)
Paulo Esteves (IRI/PUC-Rio, Brasil)
Paulo Vizentini (UFRGS, Brasil)
Pedro Cláudio Cunca B. B. Cunha (IRI/PUC-Rio, Brasil)
Rafael Duarte Villa (USP, Brasil)
Robert B. J. Walker (Keele University, Reino Unido e University of Victoria, Canadá)
Samuel Pinheiro Guimarães (MRE, Brasil)
Shiguenoli Miyamoto (Unicamp, Brasil)
Sonia de Camargo (IRI/PUC-Rio, Brasil)
Tullo Vigevani (Unesp, Brasil)
William Smith (University of Miami, Estados Unidos)
Editora: Mônica Herz
Secretaria: Luciana Mello de Mendonça Varanda
Copidesque: Duda Costa
Projeto Gráfico: Valderez Coêlho da Paz
Editoração Eletrônica: Textos & Formas Ltda.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Artigos
Participação do Setor Privado na Governança Ambiental Global: Evolução,
Contribuições e Obstáculos 215
Jose Célio Silveira Andrade
Meio Ambiente e Comércio Internacional: Relação Sustentável ou Opostos
Inconciliáveis? Argumentos Ambientalistas e pró-Comércio do Debate 251
Fábio Albergaria de Queiroz
Nation-building e Segurança Internacional: Um Debate em Construção 285
Aureo de Toledo Gomes
Política, Emancipação e Humanitarismo: Uma Leitura Crítica da Escola Inglesa
sobre a Questão da Intervenção Humanitária 319
Marcelo Mello Valença
A Pós-Graduação em Relações Internacionais no Brasil 353
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo Fonseca
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Contexto Internacional tem como objetivo a promoção e divulgação do debateacadêmico no campo das relações internacionais, reunindo trabalhos inéditos de au-tores brasileiros e estrangeiros. A política editorial de Contexto Internacional esta-belece que os trabalhos devem ser de interesse acadêmico e representar uma refle-xão inovadora na área de relações internacionais. Artigos que abordam temas de po-lítica internacional e que contribuem para a compreensão da pluralidade de perspec-tivas presentes no meio acadêmico são publicados.
Todos os artigos terão sua publicação condicionada a pareceres dos membros doComitê Editorial ou do Conselho Consultivo. Eventuais sugestões de modificaçõesserão previamente acordadas com o autor.
Os artigos publicados pela revista são de exclusiva responsabilidade de seus autores.Podem ser reproduzidos, desde que citada a fonte.
Contexto Internacional (ISSN 0102-8529 Impresso e ISSN 1982-0240 Online),vol. 31, n
o2, maio/agosto de 2009, pp. 209-384. Circulação efetiva deste fascículo
realizada em novembro de 2009.
Tiragem bruta: 100 exemplares e, em média, 200 páginas por fascículo.Circulação prevista para abril, agosto e dezembro.
The articles in this journal are abstracted/indexed in:� Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades – CLASE (UNAM, México),
<http://www.dgbiblio.unam.mx/clase.html>.� Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe,
España e Portugal – LATINDEX (UNAM, México), <http://www.latindex. unam.mx/>.� DataÍndice (Iuperj, Brasil), <http://dataindice.iuperj.br/>.� International Political Science Abstracts – IPSA (IPSA, França), <http://www.ipsa.ca/ en/publications/
abstracts.asp>.� Revista Interamericana de Bibliografía – RIB (OEA, Estados Unidos), <http://www.educoas.
org/portal/bdigital/es/rib.aspx?culture=es&navid=201>.� Sociological Abstracts (CSA, Estados Unidos), <http://www.csa.com/factsheets/socio
abs-set-c.php>.� Scientific Eletronic Library Online (SciELO, Brasil), <http://www.scielo.br/cint/>.
Redação, administração e assinaturas: IRI/PUC-Rio — Núcleo de Pesquisa e Publicações
Rua Marquês de São Vicente, 225 — Vila dos Diretórios, Casa 20 — Gávea — 22451-900
Rio de Janeiro — RJ — Brasil — Telefax: (21) 3527-1559 / 3527-1560
[email protected] — http://www.puc-rio.br/iri ou
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REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DE
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Contexto internacional. Vol. 1, no1, jan./jun. 1985- . — Rio de
Janeiro : PUC, Instituto de Relações Internacionais.
v. ; 23 cm
Quadrimestral
1. Relações internacionais. I. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais
ISSN 0102-8529 CDD: 327
Ficha Catalográfica
Autores
Aureo de Toledo Gomes Doutorando em
Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU).
Fábio Albergaria de Queiroz Doutorando
em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universi-
dade de Brasília (Irel/UnB) e coordenador do curso de Relações Internacionais do
Centro Universitário do Distrito Federal (UDF).
Fúlvio Eduardo Fonseca Doutor em Rela-
ções Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília (Irel/UnB), analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da
União (CGU) e professor colaborador do Irel/UnB.
Jose Célio Silveira Andrade Doutor em
Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), professor do Núcleo
de Pós-Graduação em Administração (NPGA) da UFBA e pesquisador do Labora-
tório de Análise Política Mundial (LABMUNDO) do NPGA/UFBA.
Marcelo Mello Valença Doutorando em Re-
lações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e professor de Relações Internacionais da mesma universidade.
Norma Breda dos Santos Doutora em Re-
lações Internacionais pelo Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales,
em Genebra (Suíça), professora do Instituto de Relações Internacionais da Univer-
sidade de Brasília (Irel/UnB) e editora da revista Cena Internacional.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Introdução
Este artigo tem como tema a Governança Ambiental Global (GAG),
entendida como um conjunto coerente de organizações, instrumen-
tos de política internacional – tratados, instituições, agências –, me-
canismos de financiamento, regras, procedimentos e normas que re-
gulam o processo de proteção mundial do meio ambiente (NAJAM
et al., 2006). A precursora do debate sobre GAG foi a Conferência
Mundial sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, em junho de
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
* Artigo recebido em junho de 2008 e aprovado para publicação em setembro de 2008.
** Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), professor do Núcleo de
Pós-Graduação em Administração (NPGA) da UFBA e pesquisador do Laboratório de Análise Política
Mundial (LABMUNDO) do NPGA/UFBA. E-mails: [email protected] ou celio.andrade@superig.
com.br.
CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 31, no 2, maio/agosto 2009, p. 215-250.
Participação do
Setor Privado
na Governança
Ambiental Global:
Evolução,
Contribuições e
Obstáculos*
Jose Célio Silveira Andrade**
1972. Durante essa Conferência, deu-se o primeiro reconhecimento,
no âmbito das relações interestatais, da necessidade de um esforço
coletivo da comunidade internacional em busca de soluções para os
problemas ambientais globais. Assim, a conferência de Estocolmo
dá início a mais de três décadas de discussões, negociações e
ratificações de uma série de acordos ambientais internacionais e cria
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio-92), realizada vinte anos mais tarde, estabe-
lece as Convenções da Biodiversidade, Mudanças Climáticas e De-
sertificação e cria a Comissão de Desenvolvimento Sustentável
(CDS). Existem hoje aproximadamente quinhentos acordos multila-
terais sobre o meio ambiente. Cerca de quarenta instituições são
membros do Grupo de Gestão Ambiental da Organização das Na-
ções Unidas (ONU), tendo, portanto, mandato em matéria de meio
ambiente. Muitas reuniões são realizadas anualmente para avaliar a
implementação dos acordos e convenções. Uma significativa quanti-
dade de recursos humanos é empregada para produzir relatórios de
avaliação nos níveis tanto global quanto nacionais. Esse crescimento
do sistema de GAG, em pouco mais de trinta anos, responde a um au-
mento da complexidade dos problemas ambientais tanto quanto à es-
cala como ao escopo. A natureza dos problemas ambientais globais
está mudando muito rapidamente: tornam-se cada vez mais amplos,
ignorando as fronteiras entre os Estados e as disciplinas. Requerem,
portanto, uma ação coletiva mundial. Assim, a ação da comunidade
internacional em favor da proteção do meio ambiente inscreve-se em
um quadro organizacional e político-institucional cada vez mais
complexo.
Entretanto, apesar de todo esse crescimento do sistema de GAG, nos
últimos trinta anos, o estado de conservação do meio ambiente global
não tem melhorado na mesma proporção. Pelo contrário. Estudos re-
alizados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
Jose Célio Silveira Andrade
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mostram que o aquecimento global continua aumentando. O nível de
CO2 na atmosfera global, que era de 300 ppm em 1990, atingiu atual-
mente a marca de 380 ppm. O relatório intitulado Living beyond our
means (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005)
mostra o declínio da qualidade ambiental de 60% dos ecossistemas
mundiais examinados, representando riscos reais para o planeta Ter-
ra. Desde 1980, 35% dos manguezais e 20% dos recifes de corais do
planeta têm sido destruídos. Uma década depois da assinatura da
Convenção Mundial da Biodiversidade, a taxa de extinção de espéci-
es é aproximadamente mil vezes mais alta do que seria a taxa natural
sem a influência antrópica. Estimativas sugerem que ainda são des-
matados cerca de 150 mil km2
de florestas a cada ano no planeta (LE
PRESTRE, 2005).
Atribui-se essa situação paradoxal principalmente à ineficácia do sis-
tema de GAG. Construído coup par coup, os diagnósticos realizados
mostram que o sistema de GAG sofre de falta de coerência, coopera-
ção, coordenação e implementação. A dispersão e a fragmentação da
GAG, aliadas à falta de vontade política para uma ação coletiva glo-
bal efetiva, colocam em xeque o conjunto de esforços da comunidade
internacional em favor do meio ambiente (IVANOVA et al., 2007).
Assim, para que o estado do meio ambiente mundial saia do estágio
crítico em que se encontra, faz-se necessária não somente uma me-
lhor cooperação e coordenação das ações entre todos os atores inter-
nacionais (Estados, setor privado, organizações intergovernamentais
(OIGs), organizações não governamentais (ONGs), cientistas, mí-
dias etc.), como também uma maior participação dos atores não
estatais na GAG.
Existe, portanto, um desafio para a criação, por um sistema de GAG
fortemente state-centric, ou seja, centrado em torno dos atores esta-
tais, de novos espaços político-institucionais que permitam uma par-
ticipação mais efetiva dos atores não estatais no processo de concep-
ção de regimes internacionais ambientais. Isto é, em um conjunto de
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Ambiental Global: Evolução, Contribuições...
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princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão,
concernente à proteção do meio ambiente global, no qual há uma
convergência das expectativas dos múltiplos atores envolvidos na
ecopolítica mundial (KRASNER, 1983). Esse desafio está funda-
mentado no pressuposto de que a inclusão e participação ativa e legí-
tima dos atores não estatais no processo de regulação internacional
do meio ambiente é essencial para a melhoria da efetividade dos
acordos multilaterais ambientais e, portanto, da GAG.
Apesar do pouco espaço político-institucional reservado pelo siste-
ma da GAG a uma participação mais efetiva do setor privado, esse
ator vem exercendo um papel muito importante na implementação
dos mecanismos pertinentes aos acordos multilaterais sobre o meio
ambiente (por exemplo, na execução de projetos de Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo (MDLs) no âmbito do Protocolo de Quio-
to) e participado de maneira crescente nos fóruns internacionais de
negociação para a construção dos diferentes regimes ambientais in-
ternacionais (como, por exemplo, para a proteção da camada de ozô-
nio). Assim, a partir dos anos 1990, tem havido também uma cres-
cente participação dos atores corporativos em pelo menos mais dois
processos de GAG: desenvolvimento de regimes privados (Interna-
tional Organization for Standardization (ISO 14000), Atuação Res-
ponsável etc.) e híbridos (parcerias público-privadas) de governança
ambiental (Pacto Global, Chicago Climate Exchange (CCX) etc.).
Entretanto, apesar do crescente reconhecimento sobre a importância
do papel dos atores não estatais na ecopolítica mundial, poucos estu-
dos colocam o setor privado no centro das pesquisas sobre GAG
(LEVY; NEWELL, 2005). Visando contribuir para o fortalecimento
do campo de pesquisas sobre o papel das empresas na ecopolítica
mundial, este artigo tem como objetivo analisar a evolução da partici-
pação do setor privado na GAG, identificando as contribuições dadas
e os principais obstáculos enfrentados por esse ator.1
Para atingir tal
objetivo, este estudo, baseado na revisão da literatura realizada no
Jose Célio Silveira Andrade
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âmbito de um estágio pós-doutoral,2
privilegiou a estratégia de pes-
quisa qualitativa baseada em análise de conteúdo da literatura acadê-
mica, working papers, diagnósticos e relatórios institucionais.
Assim, nas três primeiras seções deste artigo, analisa-se a participa-
ção dos atores corporativos na formação e implementação de regimes
ambientais internacionais, no desenvolvimento de regimes híbridos
público-privados de governança ambiental e na concepção de regi-
mes privados de governança ambiental. Nas quarta e quinta seções,
apresentam-se, respectivamente, as contribuições do setor privado
para uma GAG mais eficaz e os principais obstáculos a uma partici-
pação mais ativa e direta desse ator. Nas considerações finais, defen-
de-se que um modelo descentralizado e híbrido em formato de rede
pode contribuir para a superação do paradigma state-centric domi-
nante na GAG.
Atores Corporativos no
Desenvolvimento de
Regimes Ambientais
Internacionais
O setor privado é considerado um importante ator da GAG, já que
seus interesses são diretamente afetados pela regulação ambiental.
Historicamente vistos como opositores às políticas ambientais naci-
onais e globais, os atores corporativos, até a Conferência de Estocol-
mo em 1972, utilizavam a sua influência política junto aos atores es-
tatais para vetar ou enfraquecer os regimes ambientais, por meio de
ações de lobbying e representações junto aos governos e às organiza-
ções internacionais (PORTER; BROWN, 1996).
No entanto, a partir da Rio-92, verifica-se uma participação mais di-
reta e crescente do setor privado nas conferências globais visando de-
fender seus interesses diretamente nas arenas internacionais. Cabe
registrar, aqui, o papel que duas instituições empresariais desempe-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
nharam na Rio-92, incentivadas por Maurice Strong, organizador da
Conferência e ex-líder empresarial: o Business Council for Sustainable
Development (BSCD), criado em 1990, e a Câmara de Comércio
Internacional (CCI).
A partir de uma interpretação do desenvolvimento sustentável como
aquele que reconcilia os interesses econômicos e ambientais, o
BCSD e a CCI criaram o Conselho Mundial da Indústria para o Meio
Ambiente (CMIMA). Atuando como lobista junto às delegações go-
vernamentais presentes na Rio-92, o CMIMA tinha como objetivo
promover a ideia de parcerias entre setor privado, ambientalistas e
comunidade internacional na busca de soluções ambientais por meio
de um modelo de GAG orientado para o mercado e baseado na
autorregulação.
Com base nesses princípios, essas duas instituições elaboraram um
código de conduta empresarial: a Carta de Princípios Empresariais
para o Desenvolvimento Sustentável da CCI (ICC Business Charter
for Sustainable Development), abrindo caminho para o rápido cres-
cimento, nos anos 1990, dos regimes privados de GAG. A governan-
ça ambiental privada iniciou-se no final da década de 1980, por meio
do Programa Atuação Responsável, liderado pelas associações da
indústria química dos Estados Unidos e Canadá (CLAPP, 2005).
Posteriormente, em 1995, o BCSD e o CMIMA fundiram-se para
formar o Conselho Mundial das Empresas para um Desenvolvimen-
to Sustentável (em inglês, World Business Council for Sustainable
Development (WBCSD)), um dos atores empresariais mais atuantes
na GAG. Em 1999, com o objetivo de estruturar a participação do se-
tor privado nas confêrencias mundias da ONU sobre meio ambiente e
desenvolvimento sustentável, o WBSCD e a CCI lançaram uma nova
iniciativa conjunta intitulada Business Action for Sustainable
Development (BASD).
Jose Célio Silveira Andrade
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Assim, apesar de algumas vezes os interesses dos atores corporativos
de maneira geral ou de um determinado setor industrial não serem
claros ou monolíticos, a partir dos anos 1990 percebe-se uma mudan-
ça de comportamento estratégico desses atores com relação à GAG.
Algumas empresas substituem uma postura reativa/defensiva por
uma postura mais ofensiva, pró-ativa e inovadora, visando contribuir
para a busca de soluções ambientais duráveis, como, por exemplo, a
DuPont e a Imperial Chemicals Industries (ICI) ao desenvolverem
substitutos para produtos degradadores da camada de ozônio (cloro-
fluorcarbonos (CFCs)).
De acordo com Le Prestre (2005), o comportamento do mundo in-
dustrial com as questões ambientais mudou a partir dos anos 1990,
por conta da(o): a) emergência da indústria “verde”, que percebe na
adoção de regulamentações internacionais uma oportunidade de
crescimento; b) apoio de certas empresas e governos à ação de deter-
minadas ONGs ambientalistas; c) progressiva conscientização das
empresas sobre a necessidade de levar em conta os problemas ambi-
entais, visto serem eles suscetíveis de afetar a legitimidade e compe-
titividade empresariais; d) percepção por parte do setor empresarial
de que uma GAG forte, eficiente e eficaz é central para os interesses
do mundo dos negócios, pois provê um arcabouço institucional está-
vel e favorável à sustentabilidade, fator de competitividade e legiti-
midade empresarial; e) incentivos, por parte de governos e OIGs,
para que o setor privado desempenhe um papel mais ativo e institu-
cionalizado nas questões ambientais globais.
Foi então que, a partir da década de 1990, Kofi Annan, então secretá-
rio-geral da ONU, começou ativamente a sua cruzada por uma maior
cooperação institucional com o setor privado, como parte essencial
do processo de reforma da GAG. Os atores corporativos passaram a
ser vistos não apenas como um problema a ser regulado, mas como
parte da solução, sendo convidados, portanto, a observar e contribuir
com os debates sobre a criação de regimes ambientais internacionais
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
nas conferências globais. O status de observador permitiu, então, a
presença dos atores corporativos durante os processos de negocia-
ções internacionais, a intervenção desses atores no início das sessões
de negociação e a distribuição de materiais fora do plenário
(IVANOVA et al., 2007).
As associações empresariais, tais como o WBCSD e a CCI, contri-
buíram bastante, a partir da década de 1990, para aumentar a visibili-
dade e a influência do mundo dos negócios nos fóruns ambientais in-
ternacionais. Chamadas de Business or Industry NGO (BINGOs) pe-
las instituições da ONU, essas associações exercem um papel impor-
tante nas negociações multilaterais ambientais por uma série de ra-
zões. A primeira está relacionada com o acesso das empresas à arena
internacional. As BINGOs funcionam como o canal oficial de acesso
das corporações às negociações multilaterais, já que o sistema de go-
vernança da ONU permite somente a presença de quatro categorias:
delegações nacionais, imprensa, OIGs e observadores filiados a
ONGs.
Assim, para ter presença física na arena internacional de negocia-
ções, uma empresa deve ser membro de uma BINGO devidamente
registrada nas Secretarias das Convenções da ONU. Por exemplo,
muitas grandes empresas multinacionais, como Shell, BP, Exxon
Mobil, Chevron Texaco etc., têm participado como observadores nas
negociações multilaterais ambientais por meio de várias BINGOs,
pois elas tendem a escolher aquela sobre a qual exercem um maior
poder de influência e um papel dominante.
Além do acesso, as BINGOs provêm também vários serviços logísti-
cos aos seus membros durante as negociações, tais como troca de in-
formações para formação de redes de contatos, espaços de reunião
para criação e negociação de position papers, realização de eventos
paralelos, colocação de estandes para difusão de informações, news-
letters etc. Uma segunda função muito importante das BINGOs é a
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negociação de consenso entre seus membros visando apresentar uma
voz uniforme quando participam das negociações multilaterais e au-
mentar, portanto, o seu poder de influência na ecopolítica mundial.
Um terceiro papel das BINGOs na arena ambiental internacional é
servir como canal oficial e legítimo para colocar seus membros den-
tro do processo político. Para tal, utilizam várias estratégias de comu-
nicação e transferência de informação visando influenciar a direção
das negociações multilaterais: lobbying, preparação de relatórios e
position papers, cooperação e participação como convidado nas
delegações nacionais etc. (PULVER, 2005).
Assim, tradicionalmente percebido como um ator ausente na cena
ambiental internacional, a partir dos anos 1990, parte do setor priva-
do passa a adotar uma postura mais ativa, visando tornar-se um ator
político da ecopolítica mundial. Está cada vez mais aparente, atual-
mente, que algumas empresas, tais como Dupont, Shell, BP etc., po-
dem ser consideradas como atores políticos-chave da GAG, forjando
os processos de regulação ambiental global de maneira direta e indi-
reta. Individualmente ou por intermédio de associações empresa-
riais, trabalham nos níveis local, nacional, regional e internacional
por meio de mecanismos de integração vertical, tais como participan-
do de redes transnacionais, para influenciarem o processo de forma-
ção de políticas ambientais (CLAPP; DAUVERGNE, 2005).
Entretanto, convém salientar que, em algumas circunstâncias, a in-
fluência dos atores corporativos na arena ambiental internacional
mostra-se limitada. Segundo Porter e Brown (1996), uma das dificul-
dades encontradas pelo setor privado ao atuar nas arenas ambientais
internacionais é justamente conseguir ser percebido pelos outros ato-
res como defensor de interesses coletivos/globais e não apenas de
seus próprios interesses individuais/particulares. Esses autores des-
tacam o esforço que vem sendo dispendido pelos atores empresariais
para representarem interesses econômicos e sociais mais amplos e
não apenas interesses particulares de determinado setor industrial.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Assim, à medida que ganham experiência, os atores corporativos
vêm desenvolvendo estratégias políticas cada vez mais sofisticadas
para defenderem os seus interesses nos fóruns ambientais internacio-
nais, para além das convencionais atividades de lobbying, doações fi-
nanceiras a campanhas políticas e/ou ameaças de relocação pelo uso
do poder estrutural3
que exercem na economia global.
Para Levy e Newell (2005), na negociação de muitos regimes ambi-
entais internacionais, é crescente a participação formal de atores cor-
porativos nos advisory panels e nos processos de autoria e revisão de
relatórios científicos como knowledge-broker, provendo conheci-
mentos tecnológicos e econômicos na forma de artigos técnicos.
Esses autores apontam também o aumento do envolvimento das em-
presas na GAG como inovadores tecnológicos, buscando soluções
para problemas ambientais específicos, como, por exemplo, a Du-
pont e a ICI, no desenvolvimento de produtos substitutos ao CFC.
Assim, normalmente, no conjunto de estratégias utilizadas pelos ato-
res corporativos para assegurar tanto competitividade no mercado
quanto legitimidade social, estão incluídas a inovação tecnológica, a
construção de coalizões e redes transnacionais, a participação em de-
bates públicos sobre questões ambientais etc.
Evidentemente, a legitimidade das atividades políticas desempenha-
das pelos atores corporativos na GAG é uma questão complexa e
controvertida. Existe toda uma literatura crítica sobre o papel do
mundo dos negócios como ator ativo na busca de soluções para os
problemas ambientais e não como objeto de regulação estatal. De
acordo com Levy e Newell (2005, p. 10), para a maioria dos autores
pertencentes à corrente crítica de GAG, permitir o envolvimento do
setor privado na construção de respostas estratégicas para os desafios
ambientais é o mesmo que colocar “a raposa para tomar conta das ga-
linhas”.4
Jose Célio Silveira Andrade
224 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Assim, o debate em torno do processo de transição do papel do setor
privado na GAG de rule-taker para rule-maker,5
iniciado nos anos
1990, prossegue até a década atual. Tradicionalmente vistos somente
como poluidores e lobistas contra regulações ambientais, a partir da
década de 1990, o setor privado passa a ser incentivado pelo sistema
das Nações Unidas a contribuir como um ator-chave para uma GAG
mais forte, eficiente e eficaz. Em 2001, o Programa das Nações Uni-
das para o Meio Ambiente (PNUMA) inicia uma reflexão internacio-
nal sobre a nova arquitetura institucional para regular a relação entre
as nações e todos os atores não estatais engajados na GAG, visando
facilitar a cooperação internacional e implementar uma política mais
eficaz de proteção ambiental.
Em 2002, na Conferência de Johannesburgo sobre o Desenvolvi-
mento Sustentável, o setor privado, por meio da coalizão empresari-
al, BASD, teve um importante papel ao promover o uso de iniciativas
voluntárias de Responsabilidade Socioambiental Corporativa
(RSAC) como uma alternativa ao modo tradicional de regulação es-
tatal do tipo comando e controle, argumentando que a indústria deve
ser percebida como um “ator-solução a mobilizar” e não somente
como um “ator-problema a regular” (CLAPP; DAUVERGNE,
2005).
Johannesburgo 2002 marcou, portanto, o debate sobre a necessidade
do envolvimento ativo dos atores corporativos para uma GAG forte,
eficiente e eficaz, consolidando um novo tipo de governança: parce-
rias público-privadas para transformar princípios globais em proje-
tos locais. Um dos mais representativos exemplos de regime híbrido
(público-privado), desenvolvido em parceria com o sistema da ONU
e reafirmado na conferência de Johannesburgo, foi o Pacto Global,
instrumento de autorregulação voluntária de RSAC, lançado oficial-
mente em 2000 pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan
(MORGERA, 2006).
Participação do Setor Privado na Governança
Ambiental Global: Evolução, Contribuições...
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Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Atores Corporativos na
Criação de Regimes
Híbridos de Governança
Ambiental
A literatura tem dado cada vez mais atenção à análise do papel dos
atores corporativos nas parcerias público-privadas como um novo
tipo de regime de GAG. A racionalidade das parcerias público-priva-
das está fundamentada no pressuposto de que a solução de problemas
ambientais globais requer a ação coletiva e os recursos de competên-
cia de todos os segmentos da sociedade: setor privado (tecnologia, in-
vestimento, habilidades gerenciais e organizacionais), governo (in-
vestimento em infraestrutura e em serviços públicos não atrativos
para a atuação sozinha de empresas), ONGs e OIGs (conhecimento e
envolvimento nos níveis local e global, pressão por transparência e
fonte de legitimidade).
Entretanto, Ivanova et al. (2007), defensores dos regimes híbridos de
governança ambiental como uma das estratégias para o aumento da
eficácia da GAG, ao analisarem 311 projetos de parceria público-pri-
vadas, registrados no UN Fund for International Partnership
(UNFIP) entre 1994 e 2005, totalizando um investimento de US$ 594
milhões, concluíram que esse tipo de instrumento de governança am-
biental ainda apresenta vários desafios a serem superados. Entre os
desafios listados por esses autores, convém destacar, por exemplo: i)
a baixa representatividade do setor privado: somente 20% dos proje-
tos tem o envolvimento de empresas e somente 2% é liderado por ato-
res corporativos; ii) a alta representatividade do setor público estatal
e não estatal: 33% dos projetos é liderado pelos governos dos países
da Organisation for Economic Co-operation and Development
(OECD), 35% por ONGs internacionais ocidentais e 26% por OIGs;
iii) a baixa transparência e eficácia das parcerias: somente 59 das 311
parcerias submeteram relatórios de prestação de contas e somente
1% destes relataram ter alcançado resultados previstos.
Jose Célio Silveira Andrade
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Já uma parte mais crítica da literatura percebe as parcerias públi-
co-privadas como o início de um amplo processo de privatização do
sistema da ONU, no qual os atores privados assumem parte do traba-
lho do sistema de GAG e em troca se beneficia da boa imagem dessa
instituição internacional. A principal preocupação é com o conflito
entre interesses públicos e privados que poderá ocorrer com o au-
mento da dependência do sistema de GAG com relação aos atores
corporativos, como também com o grau de independência das OIGs
para regular esses atores (LEVY; NEWELL, 2005).
O desenvolvimento do Pacto Global entre a ONU e o setor privado
ilustra esse tipo de preocupação. Essa parceria público-privada en-
globa princípios relacionados com questões socioambientais, de di-
reitos do trabalho e anticorrupção, já existentes no conjunto de con-
venções da ONU, que as empresas signatárias são incentivadas a in-
corporarem nos seus sistemas de gestão ambiental. Esse tipo de regi-
me de GAG de caráter voluntário, considerado mais eficaz, por estar
baseado no aprendizado coletivo das melhores práticas empresariais,
tem como propósito principal incentivar as empresas a tornarem-se
atores socioambientais mais responsáveis e parceiros da ONU no
alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (em inglês,
Millennium Development Goals (MDGs)).
Segundo dados do site oficial da ONU, 3.864 empresas participavam
do Pacto Global em fevereiro de 2008. Cerca de 50% são grandes em-
presas (mais do que 250 empregados em tempo integral), sendo que
aproximadamente 8% dessas grandes companhias fazem parte do
ranking das quinhentas maiores corporações globais do Financial Ti-
mes. Dentre as empresas brasileiras signatárias do Pacto Global,
pode-se citar, por exemplo, a Petrobras, a Vale, a Braskem S/A, a
Aracruz Celulose S/A etc. (UN, 2008).
Entretanto, em Johannesburgo 2002, apesar do número ainda relati-
vamente pequeno de corporações participantes, o Pacto Global foi
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Ambiental Global: Evolução, Contribuições...
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
utilizado frequentemente pelos atores corporativos como argumento
contrário à adoção de qualquer outro instrumento regulatório sobre
RSAC de caráter compulsório. Assim, o Pacto Global tem sido bas-
tante criticado por algumas ONGs pela sua inadequabilidade para
promover mudanças significativas no comportamento socioambien-
tal de atores empresariais mais resistentes, em razão da abordagem
utilizada para lidar com o setor privado: de uma relação de “confron-
tação” pautada em instrumentos compulsórios de regulação estatal
do tipo comando-controle para um novo tipo de relacionamento ba-
seado na cooperação e fundamentado em instrumentos voluntários
de autorregulação ambiental. Elas acusam algumas empresas multi-
nacionais de estarem usando o Pacto Global para praticarem gre-
en-wash6
e blue-wash7
e se legitimarem perante o sistema da ONU
sem, contudo, demonstrarem de maneira transparente e efetiva o
cumprimento dos princípios pactuados (CLAPP, 2005; MORGERA,
2006).
Logo, visando melhor a sua legitimidade e transparência diante dos
stakeholders,8
um número crescente de corporações tem utilizado
como estratégia de RSAC a publicação de relatórios de sustentabili-
dade. Até 2003, mais de 10 mil corporações já tinham publicado rela-
tórios de sustentabilidade empresarial, incluindo 45% das 250 maio-
res empresas multinacionais (NAJAM et al., 2006). Para o desenvol-
vimento de um conjunto de princípios-guia, internacionalmente re-
conhecidos, de publicação de relatórios de sustentabilidade, uma co-
alizão de ONGs, empresas e OIGs criou mais uma iniciativa híbrida
de GAG, o Global Reporting Initiative (GRI). Por exemplo, em maio
de 2008, a Petrobras ganhou o prêmio do GRI como um dos melhores
relatórios de sustentabilidade do mundo. Entre as empresas brasilei-
ras finalistas, pode-se citar a CEMIG, a Natura Comésticos, Usinas
Siderúrgicas de Minas Gerais, Banco Real ABN etc. (GRI, 2008).
Outro exemplo de parceria do tipo público-privado dá-se no âmbito
da implementação dos mecanismos do Protocolo de Quioto. O setor
Jose Célio Silveira Andrade
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
privado tem feito parcerias com alguns atores públicos não estatais
e/ou atores governamentais para criação de sistemas de comércio de
emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs).9
Levy e Newell (2005)
citam, por exemplo, a parceria entre a ONG Climate Action e Alcan,
BP, Dupont, Entergy, Ontario Power Generation, Pechiney, Shell e
Suncor, visando a redução de cerca de 80 milhões de toneladas de
CO2 e a implementação, até 2010, de um sistema de comércio de
emissões de GEEs. Outro exemplo de parceria entre os setores priva-
do e público visando atuar no mercado de carbono se refere à criação,
em 2003, da CCX por algumas empresas norte-americanas, tais
como American Electric Power, Du Pont, Ford, International Paper,
Manitoba Hydro, Stora Enso North America, entre outras, e alguns
governos municipais, como o governo da cidade de Chicago.
A criação pelo Banco Mundial e pelo Banco Japonês para Coopera-
ção Internacional (em inglês, Japan Bank For International Coopera-
tion (JBIC)) do Prototype Carbon Fund (PCF) visando incentivar a
redução da emissão de GEEs por meio da implementação de projetos
de MDL e de Implementação Conjunta é outro exemplo de parceria
público-privada no âmbito do Protocolo de Quioto. Em junho de
2002, esse fundo contava com a participação de oito empresas japo-
nesas e nove empresas europeias distribuídas entre os setores de
energia (BP, Electrabel, Fortum, Gaz de France e Statoil), eletricida-
de (Chubu, Chugoku Eletric Power, Kyushu Eletric Power Com-
pany, RWE, Shikoku Eletric Power Co., Tohoku Eletric Power Co. e
Tokyo Eletric Power Co.), finanças (Deutsche Bank e Rabobank),
petróleo (Norsk Hydro), comércio (Mitsubishi e Mitsui), cinco go-
vernos nacionais (Canadá, Finlândia, Noruega, Suécia e Holanda),
além de representantes de 31 países-hospedeiros de projetos de
redução de emissão de GEEs (DUNN, 2005).
Convém salientar, entretanto, que algumas ONGs, baseadas no he-
misfério Sul, criticam fortemente esse tipo de mecanismo de gover-
nança, fundamentado no comércio de emissões, sob o argumento de
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
que se trata de uma maneira de os países industrializados do Norte es-
caparem da responsabilidade de reduzirem suas emissões de GEEs
dentro das suas fronteiras nacionais. Para alguns representantes des-
sas ONGs, por exemplo, o MDL é moralmente errado, pois tenta
transferir a responsabilidade da solução do problema para aqueles
que não criaram o problema (SOUTHSOUTHNORTH, 2004). Para
eles, a principal questão em jogo é a eficiência econômica ao invés do
conceito de desenvolvimento sustentável, pois é mais barato realizar
projetos de redução de emissões de GEEs nos países pobres do que
nos países industrializados. Logo, é necessário que os países do Sul
desenvolvam capacidade político-institucional para fazer com que os
projetos de MDL sejam mais sócio e ambientalmente orientados.10
Atores Corporativos na
Concepção de Regimes
Privados de Governança
Ambiental
Segundo a literatura, um dos principais papéis de rule-maker desem-
penhados pelos atores corporativos na GAG é o desenvolvimento de
regimes privados de governança ambiental. Os regimes privados de
GAG são mecanismos institucionais internacionais que visam a au-
torregulação voluntária da RSAC, nos quais a autoridade estatal não
está presente (forma pura) ou não é a autoridade política predomi-
nante (forma híbrida). Eles surgiram com grande força, no final do
século XX, em um contexto marcado pela globalização econômica,
pelo processo de reforma do Estado e pelo crescimento da influência
de atores não estatais na ecopolítica internacional, como um contra-
ponto ao modelo tradicional state-centric de GAG (FALKNER,
2003).
Para a literatura mais crítica, a emergência de regimes privados, prin-
cipalmente a partir da Rio-92, tem fortalecido o princípio liberal de
autorregulação, sinalizando a convergência das forças hegemônicas
Jose Célio Silveira Andrade
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
globais em torno de um modelo de GAG mais orientado para os me-
canismos de mercado e menos baseado nos instrumentos convencio-
nais de regulação state-centric do tipo comando e controle (BRUNO,
2002).
Levy e Newell (2005), por exemplo, argumentam que um bom indi-
cador dessa tendência foi a inclusão no regime de mudanças climáti-
cas de mecanismos de implementação mais flexíveis, baseados no
mercado, envolvendo o sistema de comércio de emissões de GEEs.
Esses autores descrevem como a indústria de seguros vem desenvol-
vendo seu próprio conjunto de mecanismos de governança privada
para fazer frente aos riscos potenciais causados pelo fenômeno das
mudanças climáticas. Eles demonstram que a estratégia dominante
entre as seguradoras tem sido o desenvolvimento de novos instru-
mentos de mercado para aumentar a sua capacidade de suportar as
grandes perdas financeiras que podem ser causadas por desastres cli-
máticos de larga escala. Segundo Dunn (2005), estimativas feitas
pela indústria alemã de seguros mostram que o fenômeno das mu-
danças climáticas pode custar cerca de US$ 300 bilhões/ano até
2050, em virtude das perdas causadas pelo clima e dos impactos
causados na indústria e agricultura.
Falkner (2003), entretanto, deixa claro que, apesar de os regimes pri-
vados de governança transferirem algumas funções tradicionais de
governança ambiental do Estado para o setor privado e contribuírem
para uma maior representatividade e legitimidade dos atores corpo-
rativos na GAG, isto não significa necessariamente um declínio do
poder e autoridade regulatória estatal. Para esse autor, é a relação en-
tre Estado, setor privado e sociedade civil que está sendo redefinida
de uma maneira cada vez mais complexa e interdependente, criando
modelos híbridos de governança. Ele argumenta que a forma pura de
governança privada (“governança sem governo”) apresenta relevân-
cias conceitual e empírica limitadas, preferindo definir os regimes
privados como formas híbridas de GAG, nas quais as fronteiras entre
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Ambiental Global: Evolução, Contribuições...
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
as esferas pública e privada são cada vez menos nítidas. Assim, mes-
mo que os Estados ou OIGs não sejam os atores protagonistas e res-
ponsáveis pela criação dos regimes privados de governança ambien-
tal, eles vêm contribuindo bastante para o seu fortalecimento e
legitimidade ao reconhecerem oficialmente e/ou incorporá-los no
sistema de regulação ambiental internacional.
Essas formas híbridas de regimes privados, tais como regimes de cer-
tificação (International Environmental Management Standards (ISO
14000), Forest Stewardship Council (FSC), Marine Stewardship
Council (MSC)), códigos de conduta (Princípios Coalition for Envi-
ronmentally Responsible Economies CERES-Valdez, Carta de Prin-
cípios Empresariais para o Desenvolvimento Sustentável da CCI,
Atuação Responsável), entre outros, são frequentemente desenvolvi-
dos em parcerias com ONGs e legitimados pelos Estados e OIGs, re-
presentando um componente cada vez mais importante da arquitetu-
ra da GAG. Eles indicam a habilidade dos atores não estatais, organi-
zados na forma de redes transnacionais, de criarem seus próprios re-
gimes e de influenciarem a estrutura da GAG. A inclusão desses ins-
trumentos de regulação civil (soft civil-society-based regulation) na
GAG visa preencher as lacunas de governança deixadas pelos gover-
nos referentes à regulação dos impactos ambientais causados pelas
atividades empresariais. Um importante exemplo de forma híbrida
de regime privado de GAG que emergiu ao largo do modelo conven-
cional de regulação ambiental state-centric foi o FSC. Lançado em
1993 pelo World Wide Fund for Nature (WWF) e Greenpeace em
parceria com atores corporativos ligados à cadeia produtiva da silvi-
cultura, como resposta à falta de ação efetiva da comunidade estatal
internacional para a proteção das florestas, o FSC estabelece critérios
de manejo sustentável de florestas e certifica empresas que cumprem
esses padrões (CLAPP, 2005).
Convém salientar, porém, que as ONGs desempenham um importan-
te papel na formação e crescimento dos regimes privados de GAG,
Jose Célio Silveira Andrade
232 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
seja como agente de pressão e estímulo, como parceiro e/ou como
agente de monitoramento do cumprimento dos regimes privados por
parte das empresas. Para Falkner (2003), o engajamento das ONGs
nos regimes privados de GAG é uma forma alternativa de ativismo
ambiental global potencialmente mais efetiva do que fazer lobbying
junto aos Estados para o estabelecimento de regulações ambientais
internacionais de caráter mandatório. Ao investigar alianças hori-
zontais entre corporações e ONGs para a construção de regimes pri-
vados de GAG, esse autor argumenta que é um erro conceber a eco-
política mundial somente como um jogo de atores corporativos ver-
sus ONGs. Ele mostra que, por meio dessas parcerias, as ONGs po-
dem oferecer aos atores corporativos alguns graus de legitimidade,
rede de contatos e algum conhecimento científico. Os atores corpora-
tivos, em contrapartida, podem oferecer às ONGs recursos financei-
ros, acesso às OIGs e a oportunidade de influenciar diretamente as
práticas industriais que impactam o meio ambiente.
Isto posto, pode-se entender os regimes privados de GAG como a ex-
pressão de uma necessidade percebida pelos atores corporativos de
usufruir dos benefícios de um regime, em termos de estabilidade de
regras, normas e procedimentos de tomada de decisão, sem a necessi-
dade do poder estatal para monitorar e fiscalizar a sua aplicação. Na
maioria dos casos, isso é feito por meio de relatórios, auditorias e ins-
peções realizados por outras autoridades privadas. As sanções cor-
respondem normalmente à perda da certificação de um determinado
produto/processo, perda de legitimação pública e consequentemente
implicações financeiras associadas à erosão da marca/imagem da or-
ganização. Argumenta-se que os regimes privados de GAG refletem
não somente o desejo das corporações pela autorregulação, mas tam-
bém a necessidade de responderem às pressões de stakeholders.
Assim, a busca de legitimidade perante os stakeholders e a redução
dos custos de transação nas operações comerciais transnacionais são
os principais determinantes para o desenvolvimento de regimes pri-
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Ambiental Global: Evolução, Contribuições...
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Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
vados de GAG pelos atores corporativos, principalmente por empre-
sas multinacionais, tais como o desenvolvimento do código de con-
duta ambiental Princípios CERES-Valdez, após o desastre no Alas-
ca, em 1989, com o navio petroleiro Exxon-Valdez pertencente à
multinacional norte-americana Exxon.
A literatura apresenta, porém, alguns problemas relativos aos proces-
sos de participação e de distribuição de custos e benefícios dos regi-
mes privados de GAG. Embora alguns dos regimes privados de go-
vernança tenham sido desenvolvidos em processos relativamente
abertos, como o caso dos Princípios CERES-Valdez, que foi primei-
ramente sugerido por algumas ONGs ambientalistas, outros, contu-
do, tais como a Carta de Princípios Empresariais para o Desenvolvi-
mento Sustentável da CCI, o Programa Atuação Responsável e a sé-
rie ISO 14000, foram desenvolvidos de maneira mais fechada e com
forte influência e domínio de representantes industriais, mesmo que
em tese fosse permitida a participação de atores não industriais.
Clapp e Dauvergne (2005) mostram, por exemplo, como o processo
decisório da série ISO 14000 é dominado por empresas multinacio-
nais, mais bem representadas nas arenas de negociação, em detri-
mento de numerosas, porém menos mobilizadas, pequenas e médias
empresas. De maneira similar, empresas com sede no hemisfério
Norte são mais bem representadas do que suas contrapartes sediadas
no Sul. Alguns setores industriais são mais organizados politicamen-
te e mais bem representados do que outros na ISO 14000, como, por
exemplo, os setores químico e de energia. Assim, esses autores suge-
rem que um dos determinantes para a criação de regimes privados de
governança, tais como a série de normas ISO 14000, seja a criação de
barreiras à entrada de pequenas e médias empresas nos mercados
rentáveis. Como resultante, a ISO 14000 atuaria muito mais como
barreira não tarifária à competição do que como um instrumento de
melhoria contínua da gestão ambiental empresarial.
Jose Célio Silveira Andrade
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Contribuição dos Atores
Corporativos para uma GAG
mais Efetiva
Conforme mostrado nos itens anteriores, as corporações não geram
somente problemas ambientais na forma de poluição para serem re-
gulados. Elas também exercem os papéis de investidores, inovado-
res, experts em tecnologias, produtores de bens e serviços, desenvol-
vedores de regimes privados e parcerias público-privadas de gover-
nança ambiental. As empresas são, portanto, atores-chave da arquite-
tura institucional da GAG e não podem ser percebidas apenas como
rule-takers que respondem de maneira reativa às demandas das regu-
lações ambientais internacionais. Elas estão cada vez mais sendo in-
centivadas a atuarem como atores políticos globais e parceiros do sis-
tema de GAG no papel de rule-makers, e frequentemente de rule-en-
forcers, e não somente como um mero objeto de regulação ambiental
estatal do tipo comando e controle.
Logo, argumenta-se que a cooperação ativa dos atores corporativos
como rule-makers é chave para a efetividade da GAG, pois, segundo
Najam et al. (2006), esta poderá contribuir para:
i) diminuir o déficit de implementação da GAG. O sistema de GAG
encontra-se em um estado contínuo de negociação e pouco voltado
para a implementação dos acordos globais existentes. Assim, o setor
privado poderá contribuir para aumentar o grau de implementação
dos acordos globais no nível local, ajudando a melhorar a integração
vertical da GAG;
ii) abrir o processo decisório da GAG à participação de outros seto-
res. Um número crescente de decisões relativas à GAG vem sendo to-
mado em outras arenas de negociação, em que os atores corporativos
têm exercido um papel importante de rule-makers, tais como comér-
cio, investimento, finanças e desenvolvimento internacional. Assim,
para o sistema de GAG, como um todo, ser mais efetivo, é necessária
Participação do Setor Privado na Governança
Ambiental Global: Evolução, Contribuições...
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Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
uma maior integração e coerência entre as decisões socioambientais
e as políticas econômicas, principalmente nas áreas do comércio
internacional e investimento;
iii) diminuir o predomínio do paradigma state-centric na GAG. O
atual sistema de GAG ainda não permite uma participação mais ativa
e direta dos atores corporativos em todas as fases do processo de de-
senvolvimento de políticas públicas ambientais globais. Paralela-
mente, esses atores vêm exercendo um papel cada vez mais impor-
tante, como rule-makers, na criação de regimes privados/híbridos de
governança ambiental, e como knowledge-broker, na formação de
regimes públicos de governança ambiental, contribuindo, assim,
para aumentar o conhecimento técnico e econômico no âmbito do
sistema de GAG;
iv) aumentar a legitimidade do sistema de GAG como resultante de
uma maior participação de atores não estatais.
Isto posto, defende-se que os atores corporativos poderão ajudar a
melhorar a efetividade da GAG, por pelo menos três razões princi-
pais. Primeiro, porque os atores empresariais controlam recursos-
chave – financeiro, tecnológico e organizacional – para a efetividade
dos regimes ambientais internacionais. Segundo, porque, ao partici-
parem de todas as fases de negociação dos tratados e acordos am-
bientais internacionais que os afetam diretamente, os atores corpora-
tivos ficariam mais implicados durante o período de cumprimento.
Como bem ressalta Levy e Newell (2005, p. 4), “não há regime ambi-
ental internacional que possa ser bem-sucedido politicamente sem o
apoio dos maiores players corporativos”. Assim, uma participação
mais ativa dos atores empresariais no processo de GAG poderá levar
a uma regulação mais efetiva, com alta taxa de cumprimento e baixo
déficit de implementação. E terceiro, porque a participação do setor
privado é central para a implementação e o funcionamento dos meca-
nismos-chave dos protocolos ambientais globais. Por exemplo, as
Jose Célio Silveira Andrade
236 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
Contexto Internacional (PUC)
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
corporações são atores centrais para a governança do mercado de
carbono, além de terem exercido um papel-chave na criação do MDL
no âmbito do Protocolo de Quioto. Na realidade, o funcionamento
eficaz do MDL depende fortemente do engajamento do setor pri-
vado.
Convém salientar, porém, que não há consenso na literatura sobre o
real benefício de uma maior participação do setor privado na GAG.
Questiona-se principalmente a legitimidade da participação do setor
privado como rule-maker. Para a literatura mais crítica, uma maior e
mais direta participação do setor privado no processo decisório da
GAG é problemática, já que os atores corporativos, além de não te-
rem sido legitimados por meio de eleição e não representarem o inte-
resse público, possuem um grande poder de barganha. Assim, o au-
mento da participação do setor corporativo na GAG poderá contribu-
ir para a criação de regimes mais favoráveis ao atingimento de objeti-
vos econômicos do que propriamente socioambientais (CLAPP;
DAUVERGNE, 2005; BÄCKSTRAND, 2006).
Obstáculos à Participação
dos Atores Corporativos
como rule-maker na GAG
Apesar da crescente influência do setor privado no processo de for-
mação de regimes ambientais globais, nota-se que algumas empresas
e setores industriais são mais engajados que outros e que a maioria
das empresas ainda permanece ausente dos fóruns ambientais inter-
nacionais, preferindo adotar um corportamento defensivo/passivo de
rule-taker. Destaca-se principalmente a participação de grandes em-
presas multinacionais e a ausência de pequenas e médias empresas,
politicamente menos organizadas e consequentemente sub-repre-
sentadas nos fóruns ambientais globais (IVANOVA et al., 2007).
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Por exemplo, conforme relatado por Dunn (2005), três grandes em-
presas assumiram uma posição de liderança durante o processo de re-
gulação global do fenômeno das mudanças climáticas: Du Pont, BP e
Shell. Ao perceberem as mudanças climáticas como uma grande
oportunidade para novos negócios mais sustentáveis, essas empresas
adotaram uma postura proativa de rule-maker, assumindo um papel
de líder do mundo corporativo nas negociações multilaterais e contri-
buindo para a criação e implementação das regras do jogo. Entretan-
to, a maioria dos atores corporativos ainda percebem o processo de
regulação das mudanças climáticas como muito complexo e ameaça-
dor à competitividade empresarial e continuam a adotar uma estraté-
gia reativa/passiva.
Assim, o engajamento proativo da totalidade do mundo dos negócios
na criação de futuros regimes ambientais globais ainda é uma ques-
tão em aberto. Isto se deve, justamente, ao comportamento dominan-
te rule-taker de grande parte dos atores corporativos ainda ausentes
da arena ambiental global e, principalmente, aos obstáculos existen-
tes à atuação como rule-maker por parte das empresas que já partici-
pam dos processos de negociação multilaterais.
Esses obstáculos podem ser tanto externos quanto inerentes aos pró-
prios atores corporativos. Para a ICC (2007), um dos principais obs-
táculos externos que impede uma maior participação do mundo dos
negócios na formação e implementação de regimes ambientais glo-
bais é o alto grau de fragmentação e duplicação institucional do siste-
ma multilateral de GAG da ONU. Mais de vinte OIGs desempenham
algum tipo de papel com relação à regulação hídrica, por exemplo.
Um outro importante obstáculo externo que pode ser destacado é a
falta de espaço político-institucional no sistema da ONU para uma
participação dos atores corporativos como rule-makers e não somen-
te como observadores. Esse obstáculo é apontado por alguns autores
como um dos principais limites a uma participação mais ativa do
mundo empresarial na GAG (NAJAM et al., 2006; LEVY;
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NEWELL, 2005). Eles argumentam que, apesar de o setor privado
desempenhar um papel muito importante na implementação dos me-
canismos pertinentes aos acordos multilaterais sobre o meio ambien-
te, os atores corporativos ainda atuam de maneira bastante limitada
nos fóruns internacionais de negociação para a construção dos dife-
rentes regimes ambientais internacionais.
Assim, não obstante o importante papel que desempenha na imple-
mentação dos mecanismos de governança ambiental, a arquitetura
político-institucional do sistema de GAG impõe obstáculos à partici-
pação do setor privado nos fóruns de negociação como rule-maker.
Logo, o acesso e a intervenção direta do setor privado no seio dos
principais fóruns de negociação para a construção de regimes inter-
nacionais ambientais ainda são muito marginais.
Quanto aos obstáculos inerentes aos próprios atores corporativos,
Bled (2007) destaca os conflitos intra e intersetoriais e a falta de con-
senso em relação à resposta estratégica mais adequada para influen-
ciar o processo de formação de regimes ambientais globais. Segundo
essa autora, esses limites enfraquecem a capacidade do setor privado
de ter uma voz uniforme quando participa da ecopolítica mundial.
Convém salientar que o setor privado não é monolítico. Em outras
palavras, nem todos os atores corporativos estão engajados na políti-
ca ambiental internacional, nem todos compartilham os mesmos
interesses e nem todos igualmente contribuem de maneira positiva
para o sucesso da ecopolítica mundial.
Os conflitos intra e intersetoriais empresariais aparecem porque os
marcos regulatórios ambientais internacionais apresentam diferen-
tes impactos, com relação tanto às empresas de maneira individual,
quanto aos setores industriais. Por exemplo, apesar do Protocolo de
Montreal ter sido alvo de oposição sistemática de grandes empresas
químicas líderes do mercado mundial e de empresas nacionais usuá-
rias de CFCs, foi apoiado pela Dupont e ICI, empresas detentoras da
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patente para fabricação de substitutos para os CFCs, fato citado fre-
quentemente como uma das maiores razões para o seu sucesso do
regime de proteção da camada de ozônio (PORTER; BROWN,
1996).
No caso do processo para a criação do regime internacional das mu-
danças climáticas, pode-se citar o conflito de interesses inter e intra-
setorias existente no interior da Global Climate Coalition (GCC).
Fundada em 1989, a GCC era considerada um dos principais grupos
de pressão empresarial, juntamente com a CCI e a International Pe-
troleum Industry Environmental Conservation Association
(IPIECA), durante o início das negociações multilaterais no âmbito
da convenção do clima.
Embora a GCC incluísse, no início dos anos 1990, uma grande quan-
tidade de setores empresariais interessados no processo de negocia-
ção para regulação das mudanças climáticas, alguns setores industri-
ais, como os setores de petróleo e energia, fortemente contrários a
qualquer imposição legal visando controlar as emissões de GEEs,
monopolizavam a visão da indústria com relação a essa questão. Os
atores corporativos contrários à regulação das emissões de GEEs ar-
gumentam que isso implicaria em elevados custos para as indústrias
de carvão, petróleo, automóveis e outros segmentos intensivos em
energia, como químico, papel, cimento, alumínio, aço etc. (DUNN,
2005).
Entre 1991 e 1996, quatro empresas de petróleo norte-americanas,
Exxon, Mobil, Chevron e Texaco, que ocupavam posição de lideran-
ça na GCC, usavam essa BINGO para fazer lobbying contra o proces-
so de regulação do clima global. Entretanto, mesmo no interior dos
setores contrários, os conflitos de interesses persistiam, fazendo com
que, entre 1997 e 2000, algumas empresas com posicionamentos
mais favoráveis à adoção de respostas estratégicas mais proativas,
Jose Célio Silveira Andrade
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tais como BP, Shell, Du Pont, Ford, Daimler-Chrysler e GM, abando-
nassem a GCC.
Essas empresas dissidentes acabaram aderindo a coalizões empresa-
riais mais positivamente engajadas nas negociações multilaterais do
clima, tais como o WBCSD, fundado em 1995, ou criaram novas
BINGOs alternativas à GCC.
Por exemplo, a BP e a Shell, após mudarem de posição em relação à
regulação do clima global e saírem da GCC, frustadas pelo contro-
le/liderança exercido por empresas norte-americanas (Exxon-Mobil
e Chevron-Texaco), fundaram, em 1998, uma nova BINGO: o Pew
Center on Global Climate Change’s Business Environmental Lea-
dership Council. Assim, a perda sucessiva de membros fez com que a
GCC, que representava mais de 40% da economia dos Estados Uni-
dos, se retirasse, em 2002, da arena ambiental global (FALKNER,
2007).
Entretanto, para Pulver (2005), o conflito de interesses existente den-
tro do mundo corporativo, em geral, e no seio de determinados seto-
res industriais, em particular, não é uma explicação suficiente para a
limitada capacidade do setor privado de apresentar uma voz unifor-
me quando participa da ecopolítica mundial. Segundo essa autora, as
empresas preferem não atuar diretamente como atores políticos nas
negociações multilaterais, preferindo deixar esse papel para as asso-
ciações empresariais e industriais (BINGOs).
Assim, uma das funções das BINGOs é criar um distanciamento en-
tre suas empresas-membros e o processo político de negociação, per-
mitindo a participação dos seus associados na ecopolítica mundial,
sem contudo aparecerem diretamente como atores políticos. Entre-
vistas realizadas por Suzana Pulver com representantes de empresas
petrolíferas revelam que estas preferem adotar uma “identidade apo-
lítica”, evitando intervir e influenciar diretamente o processo políti-
co, sob o pretexto de que sua presença durante as negociações multi-
Participação do Setor Privado na Governança
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
laterais é como “observadores” passivos e não como “participantes”
ativos. As empresas entrevistadas dizem adotar esse mesmo distanci-
amento fictício entre o “mundo empresarial” e o “mundo da política”
no nível nacional, ao denominarem seu papel como de advisors e não
como de political decision-makers, papel destinado aos governos.
As empresas-membros esperam, portanto, que suas BINGOs atuem
como anti-politics machines, causando pelo menos dois grandes
obstáculos para a projeção de uma única voz do setor privado nas ne-
gociações multilaterais ambientais. Primeiro, a função antipolítica
das BINGOs exacerba a tensão entre diferentes estilos de fazer políti-
ca. Segundo, ela torna mais difícil para as BINGOs acomodar os con-
flitos existentes entre seus membros.
Ao investigar o papel desempenhado pelas BINGOs nas negociações
multilaterais para a criação do regime global de mudanças climáti-
cas, Pulver (2005) mostra que o insucesso da GCC, associação em-
presarial baseada nos EUA, deveu-se a:
i) sua tentativa de exportar para a arena ambiental internacional um
modelo político norte-americano, alienando do processo os seus
membros europeus. As empresas norte-americanas e europeias dis-
cordavam não somente quanto às respostas mais apropriadas aos de-
safios impostos pelas mudanças climáticas, mas também quanto ao
comportamento político mais adequado da GCC na arena ambiental
internacional. BP e Shell rejeitavam frequentemente as agressivas es-
tratégias de lobbying realizadas pela GCC e a imagem negativa que
isso gerava, preferindo adotar uma ação política mais baseada no diá-
logo e menos no confronto. Assim, o conflito entre os estilos nor-
te-americano e europeu de fazer lobbying foi central para o insucesso
da GCC na arena ambiental internacional;
ii) sua dificuldade de acomodar os conflitos internos existentes em
virtude da competição exacerbada entre seus membros pelo seu con-
trole. As empresas-membros da GCC competiam ferozmente pelo
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
seu controle e frequentemente expressavam suas opiniões indivi-
duais em nome da associação. Isto tornou difícil a obtenção de con-
senso interno, levou à criação de novos grupos empresariais, que pas-
saram a competir entre si, e culminou com a retirada dessa BINGO da
arena ambiental internacional.
Uma possível explicação sobre a estratégia dos atores corporativos
de projetarem uma imagem não política na arena ambiental interna-
cional está relacionada ao acesso privilegiado desses atores aos go-
vernos. Isto é, como algumas empresas têm acesso garantido aos go-
vernos nacionais pela sua importância estratégica e econômica, elas
preferem exercer seu poder de influência fora do espaço público.
Pode-se inferir, portanto, que há uma relação inversa entre acesso aos
governos e visibilidade da influência política.
Logo, a relação próxima com os atores governamentais faz com que
os atores corporativos não sintam uma real necessidade de intervirem
e influenciarem diretamente no processo de negociações multilate-
rais ambientais, preferindo projetar uma imagem não política na are-
na ambiental internacional, valendo-se do status oficial de “observa-
dores”.
Clapp e Dauvergne (2005) chamam atenção para o fato de que, ape-
sar de as empresas fazerem poucas intervenções públicas nas arenas
internacionais de negociação ambiental, elas são muito ativas tanto
nos corredores quanto “escondidas” nas delegações nacionais, fa-
zendo lobbying e tentando influenciar o posicionamento dos Esta-
dos. Convém salientar, entretanto, que nem sempre há uma completa
convergência entre os interesses do mundo dos negócios e dos atores
governamentais, fazendo com que os atores corporativos precisem se
expor publicamente e coordenar melhor as suas ações políticas na
arena ambiental internacional, visando dar maior visibilidade ao seu
posicionamento político, sob pena de ficarem alijados do processo de
negociação multilateral.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Considerações Finais
Ao considerar o setor privado como ator político global exercendo
múltiplos papéis, conforme apresentado anteriormente, este artigo
defende que o processo político de negociação e criação de regimes
ambientais internacionais, baseado no modelo state-centric de bar-
ganha interestatal, necessita ser revisto e que os espaços político-ins-
titucionais de participação dos atores corporativos no atual sistema
de GAG precisam ser redesenhados para adequar-se à realidade.
Assim, para que a GAG atenda aos desafios da evolução da ecopolíti-
ca internacional e responda com eficácia às demandas futuras de pro-
blemas ambientais globais cada vez mais complexos, é necessário
encorajar uma evolução do papel dos atores não estatais de rule-taker
para rule-maker. Argumenta-se, portanto, que a inclusão e participa-
ção ativa e legítima dos atores corporativos no processo de regulação
internacional do meio ambiente são essenciais para a melhoria da
efetividade dos acordos multilaterais ambientais, conforme discuti-
do na quarta seção.
Entretanto, esse ponto crítico parece não ter ressonância na visão do-
minante dos atores estatais incentivadores da reforma do sistema de
GAG visando aumentar a sua efetividade. Esses atores, como, por
exemplo, a França, continuam defendendo modelos centralizados e
pautados no tradicional paradigma state-centric de regimes, como a
criação de uma Organização das Nações Unidas para o Meio Am-
biente (ONUMA).
Faz-se necessário, portanto, o debate sobre a transição do papel do
setor privado de rule-taker para rule-maker e sobre o redesenho dos
espaços político-institucionais de participação desses atores no pro-
cesso de concepção e implementação de regimes internacionais am-
bientais no centro da discussão sobre a reforma do sistema de GAG.
Defende-se que um modelo de GAG descentralizado em formato de
rede e pautado na concepção de que todos os diferentes atores da eco-
Jose Célio Silveira Andrade
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política mundial, estatais e não estatais, possam interagir, barganhar
e formar alianças é mais eficaz para conceber e responder à agenda
ambiental global do que um modelo centralizado baseado no para-
digma state-centric.
Convém salientar, porém, que os atores privados não podem e não de-
vem substituir os governos. Os instrumentos de autorregulação vo-
luntária e os mecanismos de regulação privada baseados no mercado
mostram-se limitados na ausência da regulação estatal. Nesse con-
texto, a efetividade do sistema de GAG é alcançada não pela diminui-
ção do poder regulatório dos Estados, mas pelo seu fortalecimento e
complementaridade com os modos de regulação privada. Ou seja, a
efetividade da GAG depende do equilíbrio entre regulação pública
do tipo mandatória e regulação privada voluntária.
Isto posto, torna-se necessário discutir que espaço político-instituci-
onal para uma participação do setor privado como rule-maker reser-
varia um modelo de governança descentralizado em forma de redes.
Defende-se que o setor privado deva beneficiar-se de mecanismos de
participação direta nas negociações multilaterais ambientais, porém
não se trata de um novo mecanismo consultivo (Business Consultati-
ve Mechanism), como já foi proposto, em 1994, pela Nova Zelândia,
nem da permissão que empresas privadas individuais possam regis-
trar diretamente como observadores, prerrogativa já existente nas
negociações multilaterais da Convenção da Biodiversidade.
Mais do que a criação de um canal adicional, oficial e legítimo de co-
municação direta entre os atores empresariais individuais e o proces-
so político, permitindo que as empresas possam contribuir direta-
mente no processo de negociações multilaterais ambientais sem a ne-
cessidade de serem filiadas a uma determinada BINGO, defende-se
aqui uma reforma da arquitetura político-institucional do sistema de
GAG baseada em um modelo descentralizado de governança em for-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
ma de redes híbridas público-privadas, encorajando a participação
rule-maker do setor privado como ator político global.
Trata-se, portanto, de encorajar uma mudança de status do setor pri-
vado no processo de formação de regimes ambientais internacionais:
de observador indireto por meio das BINGOs para participante direto
do processo político. Essa mudança contribuiria para enfraquecer a
função antipolítica atualmente exercida pelas BINGOs e colocar o
setor privado fora da sua “zona de conforto”. Isto é, o setor privado
não teria mais como usar o seu atual status de observador no processo
de negociação multilateral ambiental para projetar uma imagem de
“ator apolítico”, não expondo publicamente o seu posicionamento
político e não se responsabilizando pelas decisões tomadas, deixan-
do-as somente a cargo dos atores estatais.
Porém, algumas questões fundamentais ainda permanecem em aber-
to, encorajando novas pesquisas e debates sobre o papel dos atores
corporativos na GAG. Quais os incentivos necessários para que os
atores corporativos se apoderem dos novos espaços político-institu-
cionais de participação rule-maker que seriam a eles reservados por
um modelo descentralizado de GAG? Qual a legitimidade e repre-
sentatividade de uma expansão do papel do setor privado de rule-ta-
ker para rule-maker na GAG, considerando-se que os atores corpora-
tivos são não eleitos e numerosos?
Notas
1. Ao longo de todo o artigo, empregam-se os termos “setor privado”, “atores
corporativos”, “atores empresariais”, “empresas” e “corporações” como sinô-
minos.
Jose Célio Silveira Andrade
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
2. O autor agradece a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pela concessão da bolsa para realização de pós-doutorado na
Universidade Laval, em Quebec, Canadá.
3. Capacidade de corporações multinacionais influenciarem a formação e a
implementação de políticas públicas, utilizando-se de sua posição dominante
na economia global (FALKNER, 2007, p. 23).
4. Para maior aprofundamento sobre essa questão, ver também Bäckstrand
(2006).
5. O papel de rule-taker corresponde ao ator que se contenta em seguir, algu-
mas vezes, mesmo contra a sua vontade, as regras do jogo estabelecidas por ou-
tros atores. Já o rule-maker é aquele que participa diretamente e ativamente do
processo de construção das regras do jogo.
6. Estratégia na qual uma empresa tenta convencer consumidores e demais
partes interessadas de que é ambientalmente responsável, porém o propósito é
mais de melhorar a sua imagem do que realizar ações concretas para reduzir os
seus impactos ambientais (CLAPP; DAUVERGNE, 2005, p. 115).
7. Estratégia utilizada pelas empresas para serem percebidas como parte inte-
grante da comunidade humanitária mundial, por meio de parcerias voluntárias
com o sistema da ONU, sem, contudo, esforçar-se para serem mais transparen-
tes (BRUNO, 2002, p. 18).
8. Um indivíduo ou grupo social que tem interesse nas decisões e atividades
de uma organização (BÄCKSTRAND, 2006, p. 291).
9. Grupo formado pelo Dióxido de Carbono (CO2), Metano (CH
4), Óxido Ni-
troso (N2O), Perfluorcarbonos (PFCs), Hidrofluorcarbonos (HFCs) e Hexaflu-
oreto de Enxofre (SF6).
10. Para maior aprofundamento sobre essa questão, ver também Bruno
(2002).
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Resumo
Participação do Setor Privado na
Governança Ambiental Global:
Evolução, Contribuições e
Obstáculos
Este artigo tem por objetivo analisar a evolução da participação do setor pri-
vado na Governança Ambiental Global (GAG), identificando as contribui-
ções dadas e os principais obstáculos enfrentados por esse ator. Para atingir
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este objetivo, privilegiou-se a estratégia de pesquisa qualitativa baseada em
análise de conteúdo da literatura acadêmica,working papers, diagnósticos e
relatórios institucionais. Constatou-se que a participação do mundo dos ne-
gócios na GAG se dá pelo processo de formação e implementação de regi-
mes ambientais internacionais e pelo desenvolvimento de regimes híbridos
e privados de governança ambiental. Defende-se que o setor privado pode
contribuir para a efetividade da GAG. Entretanto, existem vários obstácu-
los a serem superados visando uma participação mais ativa e direta desse
ator na ecopolítica mundial.
Palavras-chave: Governança Ambiental Global – Setor Privado – Regi-
mes Ambientais Internacionais – Ecopolítica Mundial
Abstract
The Participation of the Private
Sector in the Global
Environmental Governance:
Evolution, Contributions and
Obstacles
This article intends to study the evolution of the participation of the private
sector in the Global Environmental Governance (GEG), identifying the
contributions and the main obstacles faced by this actor. To achieve this
goal, emphasis was done on qualitative research strategy based on analysis
of academic literature, working papers, diagnostics and institutional
reports. It shows that the participation of business in the GEG occurs
through the process of formation and implementation of international
environmental regimes and the development of hybrid and private
environmental governance schemes. In conclusion, this article defends that
the private sector can contribute to the effectiveness of GEG, however,
there are several obstacles to a stronger participation of this actor in the
world ecopolitics.
Keywords: Global Environmental Governance – Private Sector –
International Environmental Regimes – World Ecopolitics
Jose Célio Silveira Andrade
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Introdução
Durante a Guerra Fria, “um prolongamento da Segunda Guerra
Mundial travado em diferentes níveis, de formas distintas, em múlti-
plos lugares por um tempo muito longo” (GADDIS, 2006, p. ix), os
assuntos da agenda internacional encontravam-se dispostos em cate-
gorias definidas. As tradicionais questões ligadas à segurança inter-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
* Artigo recebido em setembro de 2008 e aprovado para publicação em janeiro de 2009.
** Doutorando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília (Irel/UnB) e coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário do
Distrito Federal (UDF). E-mail: [email protected].
CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 31, no 2, maio/agosto 2009, p. 251-283.
Meio Ambiente e
Comércio
Internacional:
Relação Sustentável
ou Opostos
Inconciliáveis?
Argumentos
Ambientalistas e
pró-Comércio do
Debate*
Fábio Albergaria de Queiroz**
nacional – soberania, poder bélico, estratégia militar – eram denomi-
nadas como sendo de alta política (high politics).
A agenda internacional gravitava em torno das políticas de segurança
e defesa que eram formuladas considerando-se as tensões e conflitos
originados do jogo de poder caracterizado pela disputa por áreas de
influência entre duas ideologias distintas, assentadas sobre duas ali-
anças estratégicas igualmente opostas: a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN) e o Pacto de Varsóvia. Os demais assuntos,
como economia e meio ambiente, bem como as iniciativas e instânci-
as que os representavam, integravam o grupo das questões de baixa
política (low politics), indicando que ocupavam papel secundário na
agenda internacional.
O término da Guerra Fria foi evento central no século passado e re-
sultou em “importantes mudanças na maneira de se ver e conduzir a
política internacional” (SATO, 2000, p. 139). Em razão da dinâmica
dos acontecimentos posteriores ao seu fim e aos atores que hoje com-
põem as relações internacionais, esta agenda se modificou profunda-
mente.
Assuntos como livre-comércio, direitos humanos e meio ambiente,
antes secundários, são considerados, no cenário global, tão impor-
tantes quanto as tradicionais questões de segurança (BUZAN et al.,
1998). Assim, no contexto pós-Guerra Fria, os destinos dos atores
que dão forma às relações internacionais se entrelaçam em um com-
plexo cenário propício a conexões variadas.
A globalização é, certamente, um dos pontos centrais no debate acer-
ca das tendências que se apresentam para este cenário (FRIEDMAN,
1999, 2005). Dos assuntos que a caracterizam ou dela resultam, a
questão ambiental é, indubitavelmente, um dos mais importantes. A
variável ambiental emergiu como tema das relações internacionais,
ainda de forma embrionária, na década de 1970, intensificou-se ao
longo dos anos 1980, alcançou seu ápice nos anos 1990 e, atualmen-
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te, vem se destacando como um dos temas que melhor exemplificam
esta complexa interdependência global (KEOHANE; NYE, 2000).
Como o leitor poderá constatar ao longo destas páginas, o meio ambi-
ente destaca-se como um dos principais focos de atenção nas rela-
ções internacionais contemporâneas, uma vez que suas inter-rela-
ções com outras áreas das atividades humanas podem resultar em
consequências globais que demandam para sua solução, ou ao menos
mitigação, cada vez mais negociações e ações multilaterais envol-
vendo a comunidade internacional em um contexto de alta complexi-
dade.
Neste sentido, não é difícil notar que o tema meio ambiente se encon-
tra intimamente ligado a questões importantes como as relações Nor-
te-Sul, as relações entre países industrializados, o sistema internacio-
nal de produção e exploração dos recursos, a segurança dos Estados e
a liberdade de comércio.
A intensificação do intercâmbio comercial, outro tema de grande ex-
pressão na agenda mundial, é uma das grandes forças que movem a
economia globalizada. Contudo, foram os acontecimentos pós-Se-
gunda Guerra Mundial que desencadearam uma série de fatores que
transformaram profundamente as suas estruturas. Os países passa-
ram a buscar, por intermédio de negociações mais amplas, a gradati-
va liberalização do comércio mundial por meio da eliminação de to-
dos os tipos de barreiras comerciais e protecionistas. Nascia, assim,
uma nova ordem econômica mundial que tinha como um de seus ob-
jetivos principais estabelecer um sistema multilateral de comércio
aberto, equitativo e não discriminatório.1
A intensificação do fluxo das transações comerciais trouxe consigo
preocupações quanto às suas externalidades. Nesse sentido, pode-se
citar a superexploração dos recursos naturais, a perda de biodiversi-
dade e a emissão de resíduos poluentes. Aparece, então, com clareza
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a indagação: meio ambiente e comércio internacional são opostos in-
conciliáveis?
Portanto, caro leitor, embora a integração destes assuntos na agenda
internacional como questões de alta política seja fato relativamente
recente, suas implicações apresentam-se como um complexo e fasci-
nante campo de estudos na área das Relações Internacionais.
A literatura sobre o assunto nos permite constatar que muito se tem
falado a respeito, mas as respostas quanto aos principais pontos de
discussão dos efeitos do livre-comércio sobre o meio ambiente ainda
são muito ambíguas e não apontam para conclusões definitivas. Ten-
do como cenário este quadro de incertezas, o artigo buscará verificar
se existe uma relação causal direta entre o aumento do livre-comércio
e uma maior degradação do meio ambiente.
Para cumprir este objetivo, serão aqui analisados alguns dos argu-
mentos citados pelos ambientalistas que, em linhas gerais, questio-
nam o papel desempenhado pelo livre-comércio na promoção do de-
senvolvimento sustentável. Em contrapartida, também serão aborda-
dos alguns dos argumentos suscitados em prol do livre-comércio
para justificar a posição defendida pelos seus adeptos, isto é, de que
uma maior abertura comercial e a preservação do meio ambiente não
são eventos incompatíveis, sendo, portanto, perfeitamente possível
construir uma relação mutuamente benéfica.
Cabe salientar que as denominações “ambientalistas” e “pró-comér-
cio” servem unicamente aos propósitos deste artigo, não tendo, as-
sim, nenhuma fundamentação científica para a sua utilização. Elas
são utilizadas meramente como um instrumento facilitador para
agregar, em uma denominação comum, os vários atores que, de algu-
ma forma, fazem parte dos debates sobre a relação entre as variáveis
ambientais e comerciais – ou como partidários do meio ambiente ou
como adeptos do livre-comércio.
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1 – Antecedentes Históricos
do Debate
Na medida em que as políticas ambientais e comerciais iam se conso-
lidando como assuntos prioritários na agenda internacional, a in-
ter-relação entre elas transformou-se em alvo de crescente interesse e
controvérsia. Embora esta interação temática tenha se tornado mais
evidente ao longo da década de 1990, o debate dessa questão emergiu
já em 1972, na primeira conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, ainda que de forma in-
cipiente.
Na esteira da Conferência de Estocolmo, crescia o apelo pela cons-
trução de um modelo de desenvolvimento que levasse em considera-
ção, além dos fatores econômicos, aqueles de caráter social e ambi-
ental, mesmo considerando-se a pouca intimidade política e intelec-
tual em lidar com a relação entre estes temas. Com uma maior expo-
sição do conceito de desenvolvimento sustentável2
na Segunda Con-
ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimen-
to (Rio-92), aprofundou-se o debate acerca dos impactos do comér-
cio sobre o meio ambiente. Estudos sobre os vínculos entre comér-
cio, meio ambiente, crescimento econômico e desenvolvimento sus-
tentável buscavam evidências que clarificassem com maior precisão
quais os impactos desta relação (BARBOZA, 2001, p. 36-37).
Portanto, tendo como referência esta breve exposição, percebe-se
que a vertente ambientalista, em linhas gerais, questiona o papel de-
sempenhado pelo livre-comércio na promoção do bem-estar coletivo
e na preservação do meio ambiente. Caubet (2001. p. 1), por exem-
plo, afirma que “o mundo, por ser financeiramente total e economica-
mente global, é ecologicamente letal e subordina as questões éticas,
políticas e socioambientais ao imperativo absoluto das exigências
comerciais”. Seria esta, então, uma tendência concreta das relações
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comerciais internacionais: excluir os fatores socioambientais das
considerações que devem estruturar o intercâmbio comercial?
No âmago dos debates em torno desta questão, outra corrente, aqui
denominada pró-comércio, delineou-se em oposição aos argumentos
suscitados pelos ambientalistas. Esta nova perspectiva “reconhece a
legitimidade das preocupações ambientais, mas advoga que o cresci-
mento econômico e o bem-estar humano não devem ser sacrificados
por preocupações excessivas, embora muitas vezes legítimas, com o
meio ambiente” (BARBOZA, 2001, p. 38).
Após oito Rodadas de Negociações no âmbito do General Agree-
ment on Tariffs and Trade (GATT) com vistas à remoção das barrei-
ras ao comércio internacional, muitas restrições tarifárias, entre 1947
e 1994 e, posteriormente, com a Organização Mundial do Comércio
(OMC), reduziram-se consideravelmente, mas outros obstáculos à
prática do livre-comércio, de caráter não tarifário, surgiram ou evi-
denciaram-se com maior clareza (OMC, 2002; OLIVEIRA, 2004;
CARBAUGH, 2005).
Entre as novas barreiras que se impunham ao livre-comércio, esta-
vam aquelas de caráter técnico, como, por exemplo, as regulamenta-
ções sanitárias e fitossanitárias e as normas de qualidade aplicadas a
produtos e serviços ambientais, como, por exemplo, a exigência do
rótulo ambiental (THORSTENSEN, 2002; GUÉRON, 2003).
Para Wathen (apud CAUBET, 2001, p. 3), o sistema GATT/OMC
tem visto, historicamente, a proteção ao meio ambiente apenas em
termos de barreiras ao comércio, e seu propósito tem sido o de alinhar
as normas de direito ambiental dos países-membros com os princípi-
os de comércio internacional arquitetados por este sistema. Portanto,
não é de se estranhar que os padrões ambientais sejam taxados como
“barreiras técnicas ao comércio”.
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Diante desta situação, os partidários do livre-comércio argumenta-
vam serem as políticas ambientais uma das variáveis que apresenta-
vam implicações potenciais sobre o comércio. Tal afirmação se sus-
tenta, segundo esta corrente, na existência de diferentes níveis de exi-
gências e regulamentações utilizados pelos países sob a alegação de
proteção ao meio ambiente, que, muitas vezes, não passam de instru-
mentos comerciais protecionistas com vistas a resguardar os seus
mercados internos da concorrência internacional.
Convém observar que os debates sobre este assunto não conduzem a
respostas concludentes, o que evidencia o seu caráter ambíguo. O
que se vê é que, muitas vezes, os argumentos sustentados tanto pela
corrente ambientalista como pela corrente pró-comércio têm por
base valores e pontos de vista que até partem de um ponto comum,
mas conduzem a rumos diferentes de acordo com as convicções das
partes envolvidas.
Ao analisar-se a perspectiva histórica deste debate, percebe-se que,
em um cenário marcado pela crescente liberalização comercial, a
grande questão que se coloca é se tal processo apresenta efeitos posi-
tivos ou negativos sobre o meio ambiente. Concluída esta breve intro-
dução, segue-se então a exposição de dois dos argumentos que emba-
sam a teoria ambientalista de que o livre-comércio não traz benefíci-
os para o meio ambiente.
2 – Os Argumentos
Ambientalistas
2.1 – Realocação industrial para
os pollution havens
Argumento frequentemente citado pelos ambientalistas como resul-
tante do processo de liberalização comercial diz respeito à migração
de empresas altamente poluidoras e/ou que fazem uso intensivo de
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recursos naturais para os países cujas legislações e exigências ambi-
entais sejam mais brandas.
Tais empresas, em sua grande maioria sediadas nos EUA e na União
Europeia, pressionadas por padrões ambientais internos rigorosos e
no intuito de fugir de custos produtivos mais elevados em virtude da
aplicação de normas técnicas ambientais, migram para os pollution
havens (refúgios da poluição), terminologia utilizada em referência
àqueles países onde as normas ambientais são menos rigorosas ou até
mesmo inexistentes.
Essas empresas enviam sua produção, obtida a custos bem menores,
para ser comercializada nos países-sede, livre das exigências e nor-
mas ambientais aplicáveis caso o processo produtivo fosse realizado
no âmbito doméstico. Como resultado final, os ganhos obtidos por
essas empresas se configuram na geração de poluição e na utilização
predatória dos recursos naturais dos pollution havens.
Exemplo desta prática nociva ao meio ambiente é o caso de empresas
madeireiras europeias que, acobertadas por leis ambientais pouco
exigentes e pela conivência dos governos locais, exploram as flores-
tas sul-americanas e asiáticas. Ao final de suas atividades, elas saem
do país deixando grandes passivos ambientais (PROCÓPIO, 2005).
A corrente ambientalista fundamenta sua postura contra a migração
industrial para os países menos desenvolvidos tendo por base o prin-
cípio 14 da Declaração do Rio, que diz que “os Estados devem coo-
perar de forma efetiva para desestimular ou prevenir a realocação e
transferência, para outros Estados, de atividades e substâncias que
causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saú-
de humana” (ONU, 1992).
Diante de tais fatos, os ambientalistas destacam dois efeitos princi-
pais resultantes do processo de realocação industrial para os refúgios
de poluição. O primeiro deles seria o desestímulo aos governos locais
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em adotarem normas ambientais mais rígidas, atitude justificada
pelo temor de que as grandes empresas internacionais não se transfi-
ram para locais que apresentem legislação ambiental exigente.
Mesmo sabendo dos prováveis impactos para o meio ambiente, pre-
valece a atraente percepção de que, com a instalação do parque in-
dustrial dessas grandes companhias, haverá aumento no nível interno
de emprego, ainda que com salários bem abaixo dos padrões interna-
cionais. Em segundo lugar, há entre os ambientalistas o temor de que,
para atrair empresas de outros países, haja uma diminuição nos ní-
veis de proteção ambiental existentes.
Em estudo sobre a atuação das empresas transnacionais (ETN) com
relação ao meio ambiente, Guedes (2003, p. 37-38) sugere que as
ETNs são os principais responsáveis pela geração e disseminação de
conhecimento gerencial e tecnológico relacionado às questões ambi-
entais. Contudo, os resultados empíricos da pesquisa demonstraram
que importantes práticas regularmente executadas por empresas
como Glaxo, Zeneca e DuPont em seus países de origem não estão
presentes em subsidiárias localizadas em países em desenvolvimen-
to, como o Brasil.
Com base no que foi dito, conclui-se a exposição deste argumento,
reiterando-se que, segundo posicionamento ambientalista, o proces-
so de realocação industrial é um jogo em que o meio ambiente sai
como o grande perdedor em benefício do livre-comércio.
2.2 – Perda de biodiversidade
Uma das grandes preocupações dos ambientalistas quanto aos efei-
tos do processo de liberalização comercial sobre o meio ambiente diz
respeito a um tema de grande sensibilidade: o da perda de biodiversi-
dade. A vertente ambientalista sustenta que as políticas de liberaliza-
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ção comercial conduzem à superexploração dos recursos naturais e,
consequentemente, à deterioração do meio ambiente.
Nesse sentido, López (apud LOW, 1992) concluiu, por intermédio de
um estudo baseado em um modelo formal de crescimento econômico
resultante de políticas de liberalização comercial, que os ganhos ob-
tidos em termos econômicos, tendo por base a expansão dos fatores
de produção, tendem a estar associados a elevados níveis de degrada-
ção ambiental.
Os temores acerca da perda de biodiversidade se acentuam nos casos
dos países em desenvolvimento cujas bases produtiva e exportadora,
em sua maioria, sustentam-se em atividades extrativistas ou intensi-
vas em uso de recursos naturais. Em tal contexto, a corrente ambien-
talista enxerga o comércio internacional, fruto das políticas liberais,
como potencializador de determinados processos de degradação am-
biental nestes países, causados, principalmente, pela promoção da
expansão de monoculturas que propiciam vantagens comparativas a
essas economias no mercado internacional (QUEIROZ, 2003).
É o caso, por exemplo, da ocupação econômica do cerrado brasileiro
– a maior biodiversidade savânica do planeta – como uma das princi-
pais alternativas para a expansão da fronteira agrícola nacional. Até o
fim da década de 1970, a produção de soja no Brasil praticamente se
restringiu às regiões Sul e Sudeste (São Paulo e Minas Gerais), tradi-
cionais produtoras de grãos.
Uma conjunção de fatores, domésticos e internacionais, contribuiu
para que a fronteira agrícola avançasse rumo às regiões Centro-oeste
e Nordeste, resultando na incorporação de imensas áreas de cerrado,
o que culminou em um extraordinário crescimento da produção de
grãos, especialmente soja. Concentrada nas mãos do chamado ABC
do agronegócio sojeiro – Archer Daniels Midland Company, Bung
Corporation e Cargill –, cerca de 70% da produção nacional tem
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como principal destino o mercado consumidor externo
(PROCÓPIO, 2007, p. 35).
Nesse sentido, teme-se que a ampliação do sistema logístico de esco-
amento de produção, por meio da abertura de novas estradas, ferrovi-
as e hidrovias, possibilitada pela implantação dos corredores de ex-
portação, possa estimular a ocupação territorial desordenada, amea-
çar as poucas áreas de cerrado ainda preservadas e, consequentemen-
te, a riqueza biológica desta região, em grande parte endêmica, e o
funcionamento do ecossistema (QUEIROZ, 2003).
Afinal, como sustentam muitos ambientalistas, uma das medidas ne-
cessárias para a conservação da biodiversidade está em garantir que
soluções economicamente viáveis sejam desenvolvidas com o obje-
tivo de reduzir o consumo predatório dos recursos ainda disponíveis,
deter a poluição e conservar os habitats naturais.
Além do setor produtivo, os ambientalistas também apontam que o
comércio internacional de espécies selvagens, animais e vegetais,
bem como dos produtos derivados de sua exploração, gera, anual-
mente, grandes lucros sem que haja, em contrapartida, preocupação
em face da iminente ameaça de perda de importantes parcelas da di-
versidade biológica mundial (PROCÓPIO, 2005).
Como exemplo dos impactos gerados pelas atividades extrativistas
voltadas à exportação, pode-se citar o caso da exploração clandestina
do mogno amazônico, a variedade mais nobre e mais valorizada da
região, hoje gravemente ameaçada de extinção (GUÉRON;
GARRIDO, 2004; PROCÓPIO, 2006).
Entre 1971 e 2001, o Brasil exportou em torno de 4 milhões de me-
tros cúbicos de mogno serrado, tendo 75% deste montante como des-
tino final os EUA e a Inglaterra (GROGAN et al., 2001). Em 2001, o
metro cúbico do mogno serrado de qualidade superior estava estima-
do a um preço médio de US$ 1,2 mil (FOB).3
É por ser considerada
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uma fonte inestimável de lucro que se tem observado, principalmente
nas últimas duas décadas, a exploração intensiva do mogno em sua
zona natural de ocorrência, o chamado “cinturão do mogno”.4
Segundo Ferreira (2002), controlar a exploração desenfreada desta
madeira nobre tem sido uma tentativa do governo brasileiro desde
1996, quando se proibiu a aprovação de novos planos de manejo para
a espécie depois que avaliações técnicas concluíram que os planos
eram inadequados ou fraudulentos.
Crítico deste quadro, Procópio (2007, p. 31) alerta que os esforços
foram inócuos, em razão principalmente da conivência das institui-
ções criadas para garantir a preservação do meio ambiente. Segundo
o autor, entre 1999 e 2005, o abate de árvores amazônicas cresceu
mais de 1.000% para atender à demanda do parque moveleiro asiáti-
co, principalmente dos chamados Tigres Asiáticos, que se tornaram
grandes fornecedores de produtos madeireiros acabados para a
União Europeia, Estados Unidos, Japão e Austrália.
Somente nos municípios paraenses de Uruará, Anapu e Medicilân-
dia, houve em menos de um ano a impressionante extração de 220
mil m3
de madeira. Além disso, cita Procópio, das cerca de 3 mil em-
presas distribuídas em quase uma centena de pólos madeireiros, ape-
nas 10% delas buscam beneficiar e agregar valor ao lenho.
Esse cenário colocou o Brasil na posição de maior pólo exportador,
desbancando a Indonésia, que caiu para segundo lugar. O mais assus-
tador é que, do montante total do comércio madeireiro brasileiro, me-
nos de 1% é certificado.
A União Europeia, após consultar a secretaria da Convenção sobre o
Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens
Ameaçadas de Extinção (em inglês, Convection on International Tra-
de in Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES)), reco-
mendou aos países-membros não aceitarem carregamentos de mog-
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no provenientes das florestas brasileiras. Seguindo esta recomenda-
ção, Bélgica, Holanda e Alemanha tomaram a decisão de apreender a
madeira em seus portos.
Contudo, esta medida ainda encontra muitas limitações. Ativistas
ambientalistas denunciaram, por exemplo, a utilização de cerca de 6
mil m2
de jatobá amazônico contrabandeado nas obras de ampliação
do Museu Nacional Reina Sofía, em Madri, o mais importante museu
de arte contemporânea da Espanha. A madeira – que agora adorna pi-
sos, divisórias, forros e prateleiras do museu – foi extraída na região
de Altamira, no Pará, por madeireiras envolvidas em ilegalidades e
desmatamento.
Em relatório entregue às autoridades e empresas espanholas, faz-se
dura crítica à fragilidade dos documentos oficiais apresentados por
empresas de países produtores, como o Brasil, além de se recomen-
dar a adoção de normas mais rígidas para evitar a entrada de madeira
ilegal na Europa (GREENPEACE, 2005). Este é mais um dos exem-
plos citados para se comprovar, segundo os ambientalistas, as poten-
ciais distorções e impactos negativos que as políticas comerciais po-
dem ocasionar à biodiversidade.
Mais de uma década após o estabelecimento da Convenção sobre Di-
versidade Biológica (CDB), um dos documentos mais importantes
resultante da Rio-92, muitos ambientalistas têm afirmado que o obje-
tivo expresso em seu artigo 1o, de se promover a conservação da di-
versidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a
repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização
dos recursos genéticos, não passou de uma mera manifestação de
intenções, pouco ou nada efetiva.
O que se observa é que as assimetrias se acentuaram. De um lado, há
o Norte desenvolvido, ávido por recursos naturais que, em nome do
desenvolvimento de suas economias, puseram em risco sua biodiver-
sidade. Do outro lado, está o Sul, menos desenvolvido, porém rico
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em biodiversidade que, no entanto, encontra-se cada vez mais amea-
çada dadas as reivindicações desenvolvimentistas destes países
(PROCÓPIO, 2005).
3 – A Base dos Argumentos
pró-Comércio
A análise a ser desenvolvida não se deterá unicamente em contra-
por-se aos argumentos defendidos pelos ambientalistas, mas também
a expor as justificativas que embasam a percepção pró-comércio de
que uma maior abertura comercial e a preservação do meio ambiente
não são eventos incompatíveis, e que é perfeitamente possível desen-
volver-se uma parceria mutuamente benéfica entre ambos. Em linhas
gerais, esta assertiva está fundamentada na percepção de que a pre-
servação do meio ambiente se encontra vinculada ao crescimento
econômico, que, por sua vez, depende da expansão do livre-co-
mércio.
3.1 – O livre-comércio como
instrumento do desenvolvimento
sustentável e o temor do
protecionismo verde
Para Hufbauer e Jeffrey (1992) e Gonçalves (2002), é fato que a ex-
pansão do comércio internacional tem sido um dos principais promo-
tores do desenvolvimento em praticamente todos os países, gerando,
entre muitos de seus benefícios, empregos, redução nos custos pro-
dutivos, aumento da produção e consumo e, consequentemente, au-
mento do bem-estar econômico.
Este argumento pressupõe que o aumento das exportações promove
o crescimento econômico, que, por sua vez, disponibiliza os recursos
financeiros necessários aos investimentos públicos e privados para a
preservação ambiental. Conclui-se assim, de acordo com os adeptos
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do livre-comércio, que crescimento econômico e proteção ambiental
são compatíveis.
Os adeptos do livre-comércio defendem que o aumento do intercâm-
bio comercial não é a origem dos problemas ambientais. No entanto,
eles reconhecem que, em casos específicos, como em países cuja
base industrial não esteja consolidada e, portanto, não se encontre
preparada para enfrentar as novas situações impostas pela abertura
comercial, pode ocorrer um aumento no nível de degradação ambi-
ental em determinados setores.5
Mesmo reconhecendo as possibilidades de impactos ao meio ambi-
ente decorrentes do processo de liberalização comercial, os argu-
mentos pró-comércio sugerem que os problemas ambientais surgem
de situações intrínsecas à realidade de cada país e de um conjunto de
variáveis que não podem ser modificadas pela simples regulação dos
fluxos comerciais.
Segundo Panayotou (1993, p. 33),
grande parte do manejo inadequado e uso inefi-
ciente dos recursos naturais e do meio ambien-
te resulta do mau funcionamento, distorção ou
ausência de mercados livres, que, em condi-
ções de bom funcionamento, normalmente, ge-
ram efeitos benéficos para o meio ambiente.
Em estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (em inglês, United Nations Environment Programme
(UNEP)) objetivando avaliar o impacto do aumento do comércio em
setores específicos de seis países em desenvolvimento, chegou-se à
conclusão de que os potenciais efeitos negativos do comércio sobre o
meio ambiente poderiam ser minimizados, ou até mesmo evitados,
ao incorporar considerações ambientais – que complementassem ao
invés de inibir a abertura comercial – no planejamento das políticas
de desenvolvimento (UNEP, 1999 apud BARBOZA, 2001, p. 93).
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Baseando-se nas afirmações supracitadas, argumenta-se que as res-
trições comerciais voltadas ao cumprimento de objetivos ambientais
são muitas vezes contraproducentes e, na grande maioria dos casos,
ineficazes. Para Corrêa (1998), tal percepção se fundamenta na críti-
ca feita pela corrente pró-comércio de que tais sanções se centram
apenas nos interesses do país que as aplica, desconsiderando, muitas
vezes, as prioridades ambientais do(s) país(es) afetado(s), compro-
metendo, desta forma, a solução adequada dos problemas ambien-
tais.
4 – Os Argumentos
pró-Comércio
Tendo como ponto referencial este cenário marcado por inflamados
debates entre ambientalistas e ativistas da liberalização comercial,
prossegue-se agora à análise de três dos argumentos pró-comércio
que têm por objetivo responder às críticas ambientalistas de que a
prática do livre-comércio não traz benefícios ao meio ambiente. Em
seguida, será feita a exposição de algumas breves conclusões obtidas
por meio da análise dos estudos empíricos utilizados por ambienta-
listas e partidários do livre-comércio nas justificativas de seus argu-
mentos.
4.1 – Geração de tecnologia limpa
A geração de tecnologia limpa ou ambientalmente correta é citada
tanto por ambientalistas como pelos defensores do livre-comércio
como um fator de fundamental importância para a construção de um
modelo de desenvolvimento econômico sustentável. Em Estocolmo,
já se afirmava que ciência e tecnologia são indispensáveis na busca
de soluções que possibilitem descobrir, evitar e combater os riscos
que ameaçam o meio ambiente e o bem comum da humanidade (prin-
cípio 18 da Declaração de Estocolmo (ONU, 1972)).
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Esta percepção decorre do reconhecimento geral de que a utilização
de tecnologias sustentáveis possibilita, entre muitos de seus benefíci-
os, uma expansão produtiva menos agressiva ao meio ambiente; ga-
nhos de escala em virtude de uma alocação mais eficiente dos recur-
sos naturais; redução no uso de energia no processo produtivo; meno-
res índices de desperdício etc.
O argumento defendido pela vertente liberal sustenta que a abertura
comercial propicia a adoção, difusão e transferência de tecnologias
limpas. Muitos países e corporações industriais, em face da concor-
rência internacional, tendem a empregar tecnologias e métodos avan-
çados no processo produtivo que resultem em melhor qualidade, me-
nor preço e, sobretudo, redução no uso ineficiente dos recursos natu-
rais com vistas a cumprir as exigências do mercado consumidor, cada
vez mais ciente da importância de se preservar o meio ambiente.
Com um faturamento anual de cerca de 172 bilhões de dólares, a Ge-
neral Electric é um exemplo notório de sucesso. Em uma reunião
com seus executivos em 2004, o presidente mundial da GE, Jeffrey
Immelt, determinou que todas as áreas da empresa se engajassem na
criação de produtos ambientalmente corretos. Adotando o sugestivo
lema “Green is Green”, aludindo haver uma relação causal direta en-
tre produtos sustentáveis e lucro certo, Immelt prevê que a linha ver-
de da GE, batizada de Ecomagination, gere uma receita estimada em
torno de 25 bilhões de dólares em 2010, o dobro do faturamento
atual.
Em um estudo realizado pelo Banco Mundial, examinou-se a veloci-
dade com que sessenta países adotavam tecnologias menos poluentes
para a produção de papel. Concluiu-se que a nova tecnologia entrava
nos países abertos ao comércio e ao investimento estrangeiro bem
mais rapidamente que nos países fechados a eles (KOTLER, 1997, p.
240).
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Outro trabalho que serve como base para sustentar esta premissa
pró-comércio foi realizado por Wheeler e Mody (1992), que, a partir
de estudos de caso, concluíram que, nos países abertos ao comércio,
ocorria a adoção de métodos produtivos mais sustentáveis, sobretudo
por meio da importação dos padrões vigentes em países mais desen-
volvidos. Ao analisar o caso da indústria chilena de celulose, eles ob-
servaram que a exposição do setor à competição externa acelerou o
investimento em tecnologias limpas para atender às exigências ambi-
entais dos mercados consumidores internacionais.
Ele também observou que, em contrapartida, nos países onde preva-
leciam fortes políticas protecionistas, havia uma maior suscetibilida-
de para o desenvolvimento de indústrias altamente poluidoras.
Nesse mesmo sentido, Hettigee et al. (1992), depois de analisarem
muitos casos, chegaram à conclusão semelhante, de que as indústrias
sujas se desenvolviam mais rapidamente em economias protecionis-
tas, como as da América Latina, do que em economias abertas ao co-
mércio.
Um caso emblemático, usualmente citado como exemplo de geração
de tecnologia limpa em decorrência do livre-comércio, é o da flori-
cultura holandesa, mundialmente reconhecida por sua excelência e
competitividade. Neste caso, o cultivo intensivo estava gerando con-
taminação do solo e dos lençóis freáticos por causa do uso excessivo
de pesticidas, herbicidas e fertilizantes.
Para atender aos padrões ambientais comunitários e domésticos, os
holandeses desenvolveram um sistema de produção em modernas es-
tufas onde as flores crescem sobre pedras e lã de pedra, não em terra,
o que reduz o risco de pragas e o uso de agrotóxicos, que, quando uti-
lizados, são eliminados na água que circula e é reutilizada. Esse siste-
ma propiciou uma drástica redução dos impactos ambientais, maior
qualidade na produção, diminuição nos custos de manuseio e um lu-
Fábio Albergaria de Queiroz
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cro crescente nas exportações de flores ornamentais (KOTLER,
1997, p. 240).
Quanto ao Brasil, o setor de mineração, importante agente no proces-
so de inserção internacional do país, é, segundo Ferreira e Paulino
(2007, p. 13), referência em termos de investimentos ambientais.
Grandes empresas com ativa participação no mercado externo, como
a Vale, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM)
e a San Marco, apresentam os melhores desempenhos ambientais no
setor, evidenciando a relevância da exposição ao comércio internaci-
onal como variável capaz de impulsionar a adoção de métodos pro-
dutivos ambientalmente sustentáveis.
Com base em exemplos como estes, os defensores do livre-comércio
concluem que, quanto maior for o nível de abertura ao comércio in-
ternacional, maior será o índice de adoção de tecnologias sustentá-
veis, uma vez que elas, além de propiciarem um impacto ambiental
muito menor, permitem que se produza, no médio prazo, com menor
custo e maior qualidade, lucro e competitividade global.
4.2 – Realocação industrial para
os pollution havens
Contrapondo-se ao argumento ambientalista de que o processo de li-
beralização comercial estimula a transferência de atividades indus-
triais nocivas ao meio ambiente para os pollution havens, os defenso-
res do livre-comércio, contrariamente, sustentam que a abertura co-
mercial e os investimentos externos ajudam a reduzir ou, até mesmo,
evitar a criação dos refúgios de poluição. Além disso, a variável “cus-
tos ambientais” não é apontada pelos adeptos da liberalização como
um fator decisivo na escolha da localização de empresas bem admi-
nistradas e competitivas.
Argumenta-se que a preocupação com custos associados a exigênci-
as ambientais é apenas uma das inúmeras variáveis que podem influ-
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enciar na escolha do local de instalação de uma empresa ou subsidiá-
ria em determinado país. Além disso, existem vários outros aspectos,
muito mais importantes e relevantes no momento da decisão, tais
como níveis salariais e disponibilidade de mão-de-obra a custos me-
nores, demanda de mercado, distribuição internacional de recursos
naturais, dimensão do mercado consumidor interno, estratégias na-
cionais de industrialização, infraestrutura etc.
Percebe-se, dado o que já foi discutido, que o debate entre ambienta-
listas e defensores do livre-comércio quanto à realocação de indús-
trias contaminadoras tem sido o tema de vários estudos. Um deles,
empreendido por Low (1992), concluiu que a existência de indústrias
poluidoras nos países em desenvolvimento não pode ser vinculada,
em nenhum alto grau, como resultado de diferenças nos níveis de re-
gulamentação ambiental.
Um outro estudo, realizado pela OCDE (1999), afirma que as inúme-
ras experiências observadas em todo o mundo têm demonstrado que
a abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros geralmente
se traduz em uma maior pressão por padrões ambientalmente mais rí-
gidos. Além do mais, cresce a percepção de que uma empresa pode
perder sua competitividade nos mercados doméstico e internacional
por não atentar para as questões relacionadas ao meio ambiente.
Por fim, estudos sobre o aumento dos padrões de regulação ambiental
como resultado da abertura comercial, realizados na China (WANG;
WHEELER, 1996) e na Indonésia (PARGAL; WHEELER, 1996),
chegaram à conclusão de que os refúgios de poluição, quando existem,
são transitórios, pois, como as evidências demonstraram, sua incidên-
cia diminui na medida em que há aumento do desenvolvimento econô-
mico nos países – fruto, em boa parte, das políticas de livre-comércio.
Assim, dado tudo o que foi exposto, os defensores do livre-comércio
concluem que o processo de liberalização comercial, ao invés de esti-
mular a realocação industrial para os refúgios de poluição, conforme
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argumentado pelos ambientalistas, age em sentido contrário, ajudan-
do a reduzir ou até mesmo, em muitos casos, evitar tal processo.
4.3 – A OMC e o desenvolvimento
sustentável
Muitas críticas ambientalistas argumentam que a OMC tem sido
omissa ao não dar a devida atenção aos problemas ambientais que
surgem como consequência da abertura comercial. Contudo, há ar-
gumentações em defesa do livre-comércio que atestam o importante
papel desempenhado por essa organização na construção de relações
comerciais internacionais sustentáveis.
Primeiramente, a OMC nunca foi e nunca teve a pretensão de ser uma
agência ambiental internacional. Assim, o ideal seria a criação de um
foro internacional especializado, competente para lidar com os as-
pectos relacionados com o comércio e o meio ambiente, ao invés de
se imputar à OMC todo o ônus decorrente de possíveis impactos am-
bientais que venham a ser causados por medidas comerciais.
É possível observar, sobretudo a partir da década de 1990, a inserção
do conceito de sustentabilidade em uma escala global. De forma ge-
ral, as grandes organizações internacionais, blocos econômicos e cír-
culos de debate atuantes nos mais variados campos temáticos passa-
ram a incorporar o conceito de desenvolvimento sustentável em suas
pautas de trabalho.
A OMC não foi exceção. Em seu acordo constitutivo, a preocupação
com a proteção e conservação ambiental está explícita em muitos de
seus artigos. Tendo como base o que foi citado, os seus defensores
afirmam estar claro que identificar a relação entre medidas comer-
ciais e medidas ambientais no intuito de se promover o desenvolvi-
mento sustentável é um dos objetivos da organização (OMC, 2002).
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Foi assim que, na Reunião do Comitê de Negociações Comerciais,
realizada em Marrakesh, aprovou-se a criação do Comitê de Comér-
cio e Meio Ambiente, além da Ata Final que incorporava todos os re-
sultados comerciais multilaterais obtidos durante o longo processo
de negociação que marcou a Rodada Uruguai.6
Os termos de referência deste Comitê foram estabelecidos na Deci-
são Ministerial sobre Comércio e Meio Ambiente de Marrakesh, que
estabeleceu como sua função examinar as relações de causa e efeito
entre os dispositivos da OMC e medidas comerciais com o meio am-
biente, bem como dos acordos multilaterais ambientais (Multilateral
Environment Agreements (MEAs)) com o comércio internacional.
Desta forma, os partidários do sistema multilateral de comércio sus-
tentam que de maneira alguma a OMC se absteve de atentar para a
preservação ambiental ou contribuir para a consolidação de um mo-
delo de desenvolvimento sustentável. Prova disso são os contínuos
esforços empreendidos por esta organização no intuito de eliminar as
distorções comerciais que venham causar danos ao meio ambiente.
Cita-se aqui, como exemplo destes esforços, o combate ao protecio-
nismo agrícola. Esta prática se dá por meio da concessão de subsídios
que geram uma série de distorções comerciais com implicações dire-
tas sobre o meio ambiente que podem tornar-se catastróficas a médio
e longo prazo. Ao outorgarem-se incentivos artificiais dessa nature-
za, penalizam-se os produtos competitivos dos mercados externos,
intensifica-se a agricultura doméstica por meio da incorporação de
terras marginais e do uso exagerado de fertilizantes, herbicidas e pes-
ticidas, provocando, como resultado final, a redução da produtivida-
de da terra, entre outras consequências.7
Além disso, o protecionismo agrícola praticado pelos países desen-
volvidos tem comprometido a promoção da multifuncionalidade da
agricultura nos países em desenvolvimento (LAFER, 2001, p. 6-7).8
Como consequência, há a depreciação dos preços das commodities
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agrícolas no mercado internacional, o aumento da pobreza rural, o
êxodo para as cidades e a exploração predatória de recursos nos paí-
ses que não têm condição de subsidiar sua produção agrícola.
O desfecho de recente contencioso na OMC envolvendo Brasil e
União Europeia em relação à importação de pneus reformados, por
parte do Brasil, reforça o argumento de que a organização tem de-
sempenhado importante papel na promoção e defesa do meio ambi-
ente. No caso em questão, no dia 12 de junho de 2007, em parecer de
241 páginas, a OMC posicionou-se favoravelmente à proibição do
Brasil de importar pneus reformados procedentes da União Europeia
com base em teses ambientais e de saúde pública.
Nas argumentações brasileiras, afirmava-se que esses pneus têm vida
útil menor que os novos, o que contribui para a geração e acúmulo de
resíduos nocivos ao meio ambiente. Além disso, esses pneus favore-
cem a proliferação de doenças transmitidas por mosquitos, como a
dengue, e pela queima do material. De acordo com estimativas do go-
verno brasileiro, o consumo interno de pneus (novos e reformados)
gera cerca de 40 milhões de carcaças por ano, sendo menos da meta-
de reutilizada e a maior parte despejada em “lixões” e aterros
sanitários.9
Lembremos, contudo, que a OMC tem como princípio basilar a defe-
sa do comércio aberto, equitativo e não discriminatório. Neste senti-
do, a organização determinou que o Brasil só fechasse seu mercado
aos pneus reformados europeus se fosse capaz de impedir que a in-
dústria doméstica reformadora de pneus importasse carcaças para
usar como matéria-prima, o que vem acontecendo em virtude de li-
minares concedidas pela justiça brasileira, liminares estas que, no en-
tendimento da OMC, constituem uma discriminação e restrição ao
comércio, já que beneficiam os reformadores nacionais em prejuízo
dos estrangeiros.10
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Embora a imprensa nacional e estrangeira tenha apresentado percep-
ções antagônicas quanto a vencedores e vencidos neste episódio
(CUNHA, 2007), o importante é notar, como observou João Paulo
Capobianco, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente,
que a decisão da OMC, fundamentada em questões ambientais e de
saúde pública, aumenta a credibilidade da organização (BRASIL...,
2007).
Com base no que foi exposto, o fato inconteste é que a institucionali-
zação da questão ambiental na OMC reflete a imperatividade, no
contexto da globalização, de se compreender melhor a cada vez mais
complexa e dinâmica interatividade entre as políticas comerciais e
fatores capazes de impactar a competição internacional e alterar o
modo de operação dos mercados, como é o caso do meio ambiente.
5 – Considerações Finais:
para que Conclusões
Apontam as Evidências
Empíricas?
Reconhecidamente, as evidências empíricas constituem um instru-
mento muito importante para a compreensão das relações entre li-
vre-comércio e meio ambiente. No entanto, deve-se levar em conta
que existem certas limitações metodológicas que impedem que infe-
rências conclusivas sejam elaboradas a partir da verificação empírica
dos argumentos citados. Em primeiro lugar, o estudo do tema “li-
vre-comércio e meio ambiente” envolve um grande número de variá-
veis, endógenas e exógenas, sendo algumas de difícil mensuração e
consenso, como o estabelecimento de uma rigorosa valoração econô-
mica para os recursos naturais (BARBOZA, 2001; MOTA, 2001).
Outra importante observação mostra que os estudos empíricos, em
geral, descrevem um cenário peculiar a um determinado país, setor
da atividade econômica ou ecossistema, onde o objeto de análise se
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encontra sujeito a interferências diversas que podem mudar, comple-
tamente, as suas características.
A explicação para isso reside no fato de haver muitas variáveis capa-
zes de influenciar profundamente os efeitos ambientais produzidos
por um mesmo fenômeno, no caso a abertura comercial, em países ou
setores que apresentem características semelhantes. São exemplos
destas variáveis intervenientes: topografia, nível educacional da po-
pulação, distribuição de renda, situação política interna, estabilidade
econômica, diversidade do parque industrial, composição das pautas
de exportações, recursos naturais disponíveis etc.
Desta forma, observa-se que a existência de tais peculiaridades, in-
trínsecas à realidade de cada país, permite que se compreenda o por-
quê de, muitas vezes, estudos desenvolvidos de maneira semelhante
e tendo o mesmo objeto de análise conduzirem a resultados diferen-
tes que, se utilizados como ferramenta metodológica para o estudo de
situações análogas, podem resultar em menor eficiência ou, até mes-
mo, em total ineficácia.
Tais condições não permitem, assim, que as conclusões obtidas por
meio das evidências empíricas observadas em determinado caso pos-
sam ser automaticamente extensíveis a outras situações, mesmo que
existam semelhanças. Conclui-se, portanto, que as observações em-
píricas não fornecem respostas categóricas sobre os efeitos ambien-
tais da liberalização comercial, pois seus impactos não são unifor-
mes.
O que elas têm demonstrado é que a abertura comercial atua como
potencializador de variáveis como aumento nos níveis de consumo e
produção, geração de novas tecnologias, realocação industrial, entre
outras mais que podem afetar, positiva ou negativamente, em maior
ou menor grau, o meio ambiente. É o chamado efeito composição, ou
setorial, cujas implicações se encontram diretamente ligadas a mu-
danças nos padrões de especialização produtiva dos países.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Outro ponto relevante é que não apenas a geografia, mas também a
temporalidade tem afetado comportamentos de atores governamen-
tais e do setor privado que lidam com o tema, o que demonstra a vola-
tilidade e o grau de subjetividade que caracterizam esta complexa in-
ter-relação.
Portanto, embora neste artigo não tenha sido explorada com a mere-
cida atenção, esta é uma variável que, mesmo fortemente condicio-
nada por aspectos de ordem conjuntural, retrato de um sistema de
grande dinamismo, deve ser levada em consideração nos estudos so-
bre meio ambiente e comércio.
Ademais, apesar de não haver uma técnica que se aplique a todos os
casos satisfatoriamente, a metodologia utilizada, baseada na revisão
de parte da literatura sobre o tema, permitiu-nos identificar duas
abordagens principais.
A primeira, ou tradicional, pressupõe haver conflitos inevitáveis,
ainda que em graus diferenciados, entre o meio ambiente e ganhos
econômicos advindos de uma maior abertura ao livre-comércio.
Já a segunda abordagem, dita revisionista, é mais recente e enfatiza
os efeitos sinérgicos entre maiores exigências ambientais e ganhos
em competitividade. Também conhecida como “Hipótese de Porter”,
ela teoriza, em linhas gerais, que o nível de rigor das regulamenta-
ções ambientais influencia em grande medida os padrões de comér-
cio e investimento estrangeiro direto.
Novamente, cumpre lembrar que os constrangimentos de ordem me-
todológica mencionados, derivados da complexidade do tema, impe-
dem que sejam obtidas evidências robustas o suficiente a ponto de
permitir inferir a existência, como regra geral, de uma relação causal
direta entre aumento do comércio internacional e maior degradação
do meio ambiente.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Portanto, os efeitos da abertura comercial sobre o meio ambiente são
variáveis e dependem do caráter das políticas ambientais e comer-
ciais vigentes em cada caso e das variáveis intervenientes considera-
das em cada análise.
Por isso, com base nas contribuições e limitações deste artigo, con-
cluo sugerindo, como proposta metodológica que dê maior concretu-
de a este road map temático, a utilização de ferramentas que conside-
rem: a) o estado atual e prováveis tendências (temporalidade); b) os
fatores causais de impactos recíprocos; c) estimativas de externalida-
des ambientais com e sem liberalização comercial; e d) avaliação dos
impactos concretos derivados da realocação de recursos em decor-
rência de uma maior abertura comercial, e da liberalização comercial
sobre aspectos como diversidade genética e estrutura social.
Notas
1. As teorias econômicas clássicas do século XVIII já buscavam como meta
prioritária o livre-comércio. A novidade pós-Segunda Guerra foi a retomada da
busca ao livre-comércio por meio de negociações multilaterais que, na figura do
General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), foram sendo gradativamente
normatizadas e ampliadas em rodadas de negociações periódicas.
2. Em 1983, foi criada, sob os auspícios da ONU, a Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), também conhecida como Co-
missão Brundtland por ter sido presidida pela então primeira-ministra da Noru-
ega, Gro Harlem Brundtland. Os resultados de seus trabalhos foram apresenta-
dos no relatório intitulado Nosso futuro comum, publicado em 1988, em que se
definiu desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem
às suas próprias necessidades” (CMMAD, 1988, p. 46).
3. A cláusula FOB (Free on Board) determina que cabe ao exportador colocar
a mercadoria comercializada a bordo do navio, providenciar os transportes e se-
guros internos do ponto de venda até dentro do navio e arcar com as despesas
portuárias no porto de origem. Já o importador deverá arcar com as despesas
portuárias incidentes no porto de destino, bem como com o frete e os seguros de-
vidos desde o porto de embarque até o destino.
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4. No Brasil, o cinturão do mogno cobre uma vasta área de 1,5 milhão de km2
que abrange o sul do Pará, o noroeste do Tocantins e Mato Grosso, o sudeste do
Amazonas e grande parte dos estados de Rondônia e do Acre.
5. Segundo estudo realizado por Sanderson (1993), o processo de abertura co-
mercial pode resultar em maior exploração dos recursos naturais, não como
simples resposta aos problemas comerciais, mas sim como um complexo pro-
duto dos ajustes internos necessários.
6. Trade and Environment Decision of 14 April 1994. GATT Doc.
MTN.TNC/W/141.
7. O acordo da OMC sobre subsídios e medidas compensatórias, em seu artigo
8o, dispõe sobre a concessão de subsídios vinculados à implementação de políti-
cas ambientais com o objetivo de promover a adaptação da infraestrutura indus-
trial existente em conformidade com as exigências impostas por normas e regu-
lamentos sobre o assunto. Note-se que o Comitê responsável exige que qualquer
programa de concessão de subsídios lhe seja informado antecipadamente para
que, então, submeta tal proposta a uma comissão de especialistas da OMC res-
ponsável por analisar a compatibilidade do programa com as condições e crité-
rios previstos nos dispositivos do acordo. As regras para a concessão de subsídi-
os são listadas na alínea “c” do artigo citado. São elas a obrigatoriedade de que o
subsídio: seja excepcional e não recorrente; limite-se a 20% do custo de adapta-
ção; não cubra custos de reposição e operação do investimento; seja diretamente
proporcional à redução prevista de danos ao meio ambiente e de poluição; e es-
teja disponível para todos os empreendimentos que necessitem adotar novos
equipamentos e/ou métodos de produção.
8. O conceito de multifuncionalidade diz respeito ao conjunto de funções não
econômicas da agricultura, como, por exemplo, a preservação de comunidades
rurais como valor cultural, a contenção da migração campo-cidade, a preserva-
ção da paisagem rural como valor estético etc.
9. Somente no ano de 2005 chegaram ao Brasil 10,5 milhões de pneus refor-
mados provenientes da União Europeia. Em 2006, esse montante chegou à cifra
de 7,6 milhões de unidades (BRASIL..., 2007).
10. O painel da OMC reconheceu que há uma discriminação justificada no
caso do Mercosul. Apesar de vetar a importação de pneus reformados proveni-
entes da União Europeia, o painel permitiu ao Brasil continuar recebendo esse
mesmo material de seus parceiros do Mercosul por entender que essa exceção
não constitui uma discriminação arbitrária ou injustificável contra produtos
provenientes de outros países, tampouco uma restrição disfarçada ao comércio
internacional.
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Resumo
Meio Ambiente e Comércio
Internacional: Relação Sustentável
ou Opostos Inconciliáveis?
Argumentos Ambientalistas e
pró-Comércio do Debate
As complexas relações entre o processo de liberalização comercial e o meio
ambiente destacam-se, hoje, como um dos assuntos prioritários na agenda
internacional. Muito se tem discutido a esse respeito, porém poucas são as
respostas concludentes acerca dos impactos ambientais gerados pela cres-
cente prática do livre-comércio. Na busca de maiores esclarecimentos so-
bre o assunto, este artigo procurou identificar a existência de uma relação
direta entre o aumento dos fluxos comerciais decorrente do processo de li-
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beralização econômica e maiores níveis de degradação ambiental. As análi-
ses empreendidas ao longo da pesquisa levaram à conclusão de que os efei-
tos ambientais do livre-comércio são muito ambíguos, não sendo possível
afirmar, como regra geral, haver tal relação. Constatou-se que uma análise
mais precisa sobre o assunto depende do estudo pontual de cada caso.
Palavras-chave: Meio Ambiente – Comércio Internacional – Regula-
mentação Ambiental – Desenvolvimento Sustentável
Abstract
Environment and International
Trade: Sustainable Relationship or
Irreconcilable Opposites?
Environmental and pro-Commerce
Arguments of the Debate
The complex relationship between the process of trade liberalization and
the environment is, nowadays, one of the most important issues found at the
international affairs agenda. Much has been discussed, but few conclusive
answers on the so-called environmental impact by free trade have been
drawn. This paper has beseeched establishing a direct relationship between
the increase of both the commercial activity as a result of economic
liberalization and the environmental degradation levels. This research has
led to the core conclusion that environmental effects of trade liberalization
are ambiguous, having shown the impossibility of asserting, as a general
rule, the existence of a direct relation between free trade and environmental
degradation. We have also concluded that an accurate analysis on the issue
will depend on the individual study of each case due to its complexity and
subjectivity.
Keywords: Environment – Free Trade – Environmental Law –
Sustainable Development
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Antecedentes
Antes de adentrarmos propriamente no tema, é importante fazer-
mos uma advertência. Em ciências sociais, existe uma discussão ex-
tremamente importante sobre a formação dos Estados nacionais e
sua concomitante expansão para o resto do globo, na qual se desta-
cam autores do porte de Charles Tilly (1996), Anthony Giddens
(2001), Nobert Elias (1993) e Benedict Anderson (2008). A literatu-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
* Artigo recebido em junho de 2008 e aprovado para publicação em fevereiro de 2009. Este artigo é
baseado na Dissertação de Mestrado do autor, intitulada Do colapso à reconstrução: Estados fali-
dos, operações de nation-building e o caso do Afeganistão no pós-Guerra Fria. Agradeço os perti-
nentes comentários do parecerista anônimo da Contexto Internacional. Os deméritos, contudo, são
de minha única e exclusiva responsabilidade.
** Doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universi-
dade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected].
CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 31, no 2, maio/agosto 2009, p. 285-318.
Nation-building e
Segurança
Internacional: Um
Debate em
Construção*
Aureo de Toledo Gomes**
ra utiliza o termo nation-building, que em uma tradução livre para
nosso idioma seria algo como “construção de nações”, para uma li-
nha investigativa que privilegia diferentes processos de construção
estatal,1
salientado aspectos como a relação entre Estado e socieda-
de, a importância das guerras para a formação dos países, assim
como a influência do capitalismo na expansão da entidade política
conhecida como Estado pelo mundo. A grafia é a mesma; porém, a
substância da expressão nation-building que procuraremos investi-
gar neste artigo é distinta. Aqui, o foco está estritamente relacionado
com problemas de segurança internacional e como atores externos
podem atuar em países cujas fragilidades estatais2
ocasionam amea-
ças que ultrapassam fronteiras.
Não obstante, para que possamos melhor compreender nation-buil-
ding e diferenciá-la de outras intervenções, é mister que tenhamos
em mente os processos que culminaram no surgimento das chamadas
operações de paz, principalmente aquelas desenvolvidas pela Orga-
nização das Nações Unidas (ONU). Dos flagelos de uma Europa des-
truída pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as questões que
assombravam não apenas os pesquisadores, mas também os interes-
sados em política internacional, eram, entre outras, entender as ori-
gens da guerra e evitar a eclosão de um novo certame de grandes pro-
porções.3
A fundação da Liga das Nações e a origem do conceito de
segurança coletiva, a noção de que todos os membros da sociedade
internacional devem se engajar em uma ação conjunta para prevenir e
repelir agressores (BELLAMY et al., 2004), evidenciavam que, em
assuntos de guerra e paz, todos os Estados tinham uma função a
cumprir.
Ainda que o fracasso da Liga das Nações e a concomitante eclosão de
um novo conflito mundial (1939-1945) tenham colocado em xeque a
capacidade de organizar a ação coletiva em âmbito internacional,
uma vez mais a sociedade internacional procurou criar mecanismos
institucionais que dirimissem as possibilidades de guerras. Das cin-
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
zas de uma Europa novamente destruída, eis que surge a ONU, cuja
missão, formalmente assumida em seu preâmbulo, seria a de preser-
var as gerações vindouras do flagelo da guerra.
Ao entrar em vigor em 24 de outubro de 1945, a Carta das Nações
Unidas salientava que, em assuntos relativos a guerra e paz, os Esta-
dos-membros proporcionariam à emergente instituição três meca-
nismos para a consecução de seus objetivos. Segundo Barnett e Fin-
nemore (2004), o primeiro mecanismo seria a disponibilidade das
forças armadas dos países para a manutenção da paz internacional. O
segundo mecanismo seria a capacidade da ONU em empreender me-
didas militares urgentes, além de instruir os membros a designarem
contingentes aéreos para ações internacionais conjuntas que tives-
sem a capacidade de impor as determinações da instituição. Por fim,
temos a instauração do Military Staff Committe, cuja missão seria as-
sessorar o Conselho de Segurança em assuntos militares, incluindo a
direção estratégica das forças armadas à disposição do Secretariado.
Todavia, ao mesmo tempo em que a ONU era vista por muitos como a
panaceia para todos os males relativos à paz e à segurança internacio-
nal, apresentando grandes avanços institucionais vis-à-vis à Liga das
Nações, herdara de sua antecessora uma característica que iria mar-
car sua história. Conforme Kennedy (2006, p. xiv):4
Como a organização mundial foi criada por
Estados-membros, que se comportam como
acionistas de uma corporação, ela pode funcio-
nar efetivamente somente quando recebe o su-
porte dos governos nacionais, principalmente
das grandes potências. As nações podem igno-
rar o organismo internacional, como fez a
URSS na década de 1950 e os EUA em 2003,
mas isso sempre acarreta um custo. De outro
lado, a organização não pode perseguir seus
objetivos se um dos Grandes Poderes – um dos
cinco países com direito de veto – se opuserem.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Esta tensão entre soberania e internacionalis-
mo é inerente, persistente e inevitável.
A tensão acima descrita seria intensificada pela conformação de uma
nova distribuição de poder no sistema internacional. Ainda que os ca-
pítulos VI e VII da Carta da ONU propusessem quais os meios para a
manutenção da paz e segurança internacional,5
de 1945 a 1990 o veto
foi usado 238 vezes (BELLAMY et al., 2004) pelos membros perma-
nentes do Conselho de Segurança, evidenciando as dificuldades da
organização, resultado da divisão do mundo em esferas de influência
e do antagonismo entre os Estados Unidos da América (EUA) e a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Embora os
prognósticos para o funcionamento da ONU não fossem dos melho-
res, três acontecimentos marcantes ocorridos durante a Guerra Fria
dariam ensejo para o desenvolvimento do que se convencionaria cha-
mar como operações de paz.
No início da década de 1950, temos a eclosão da Guerra da Coreia.
Em lados opostos, estão EUA e Inglaterra, apoiando a Coreia do Sul;
enquanto, no extremo oposto, encontramos China e URSS, aliados à
Coreia do Norte.6
Depois de diversas tentativas de derrubar o gover-
no do sul, a Coreia do Norte decidiu atacar Seul, tomando a capital do
país. A ONU condenou a ação e, em 15 de julho de 1950, autorizou
uma intervenção norte-americana na península. Para muitos, a ação
da ONU indicava a capacidade da organização em incitar a ação cole-
tiva entre os Estados-membros e evidenciava um papel relevante para
o organismo nas questões de segurança internacional. Todavia, um
importante fator deve ser acrescentado à equação: após a Revolução
Chinesa de 1949 e o não-reconhecimento da ONU do governo de
Mao Zedong, a URSS decidiu boicotar o Conselho de Segurança, o
que culminou na autorização para a operação na Coreia. Ainda as-
sim, Bellamy et al. (2004) argumentam que esta iniciativa já demons-
trava a capacidade da ONU em organizar as operações de paz.
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
O segundo momento é a Crise de Suez, em 1956. A nacionalização
do Canal de Suez pelo governo egípcio de Gamal Abdul Nasser re-
sultou na formação de uma aliança entre França, Inglaterra e Israel, a
qual derrotou o Egito, além da ocupação da Península do Sinai por
Israel. Os acontecimentos acima descritos colocaram vários dilemas
para a comunidade internacional. Ambas as superpotências eram
contrárias à invasão: enquanto a URSS enxergava uma tentativa de-
sesperada e anacrônica dos ex-poderes coloniais de manterem algum
status no Terceiro Mundo, os EUA execraram seus três aliados por
terem perpetrado tal ato ilegítimo sem seu conhecimento. Com o
Conselho de Segurança travado, ainda que dessa vez as duas super-
potências estivessem de acordo, as discussões sobre o tema foram
para a Assembleia Geral, e o Secretariado ficou responsável por
achar alguma saída para o entrave. Segundo Barnett e Finnemore
(2004, p. 126):
As conversas prévias à invenção do peacekee-
ping ocorreram entre o secretário-geral Dag
Hammarskjöld e o embaixador canadense Les-
ter Pearson. Hammarskjöld estava propenso à
ideia de um maior papel para a ONU. Foi per-
suadido quando percebeu que a crise proporci-
onava uma oportunidade ímpar para a ONU
mostrar sua relevância aos Estados-membros
em um assunto crítico, e que os países apoia-
vam a ideia. Após consultas com os países en-
volvidos, Hammarskjöld anunciou a criação de
uma força neutra que substituiria a Inglaterra e
a França e se colocaria entre Egito e Israel.
Assim sendo, foram possíveis a aprovação e o envio da United Nati-
ons Emergency Force para a fronteira entre Egito e Israel. Todavia, o
mandato salientava que a missão não deveria se envolver na política
doméstica do Egito, além de não poder recorrer a meios militares, a
não ser em casos de legítima defesa.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Por fim, o último evento marcante foi a operação da ONU no Congo,
em 1960. Em 30 de junho de 1960, após diversas demandas pela in-
dependência, o governo belga aquiesceu e outorgou à sua outrora co-
lônia a condição de Estado soberano. Entretanto, poucos dias antes
da independência, soldados congoleses amotinaram-se, além de ata-
carem civis brancos e pilharem as cidades. Mesmo após a indepen-
dência, o motim continuou, levando o novo país a um estado de caos,
ameaçando o governo eleito comandado pelo primeiro-ministro Pa-
trick Lumumba e pelo presidente Joseph Kasavubu. Em agosto de
1960, as recentes instituições sociais, políticas e econômicas do país
estavam paralisadas. A província de Katanga, rica na extração de pe-
dras preciosas e minerais, sob a liderança de Moise Tshombe, decla-
rou independência do restante do país, ameaçando toda a cadeia de
exportações congolesa. Bruxelas, em um ato unilateral, aprovou o
envio de tropas para sua ex-colônia em uma tentativa de proteger os
belgas que ainda se encontravam no país. De acordo com Dobbins et
al. (2005, p. 7):
Em resposta, o primeiro-ministro Lumumba
requisitou que a ONU enviasse tropas para res-
taurar a paz e expulsar os agressores belgas. O
secretário-geral Hammarskjöld apoiou a requi-
sição e garantiu uma resolução do Conselho de
Segurança autorizando o envio de tropas, a
United Nations Operation in the Congo, para
restaurar a lei e a ordem e promover estabilida-
de econômica e política. A Bélgica concordou
em retirar suas tropas, mas somente se elas fos-
sem substituídas pelas da ONU.
Os acontecimentos supracitados proporcionaram à ONU a oportuni-
dade de realizar o que se convencionou designar como operações de
paz.7
Em seus primórdios, as operações de paz, cerceadas pelas idi-
ossincrasias de um sistema bipolar, tinham como princípios normati-
vos a tríade consentimento, neutralidade e imparcialidade: as tropas
deveriam ser enviadas com o consentimento das partes envolvidas;
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
deveriam ser imparciais e não beneficiar nenhum dos lados em ques-
tão; e, por fim, deveriam estar levemente armadas e só poderiam utili-
zar meios coercitivos em casos de legítima defesa. Segundo palavras
do então secretário-geral Dag Hammarskjöld (apud BARNETT;
FINNEMORE, 2004, p. 127):
As operações de paz devem ser separadas e dis-
tintas das atividades exercidas pelas autorida-
des nacionais e precisam limitar sua atuação
para os aspectos externos da situação política
em questão ou a ONU corre o risco de se envol-
ver em diferenças com as autoridades locais ou
com o público ou mesmo com conflitos inter-
nos cuja repercussão seria extremamente pre-
judicial para a efetividade da operação.
Entre 1945 e 1987, a ONU conseguiu implementar, segundo o côm-
puto de Bellamy et al. (2004), catorze operações de paz,8
nas quais as
tropas raramente eram enviadas no decorrer do conflito e cujos man-
datos, na sua maioria, autorizavam o monitoramento de um existente
acordo de paz, ajudando os Estados a cumprirem seus compromissos
políticos, ou mesmo a manutenção de um cessar-fogo entre as partes.
Este tipo de atuação e a importância dada à tríade desenvolvida pelo
Secretariado neste período se devem, sobretudo, à conjuntura especí-
fica do período da Guerra Fria, na qual se procurava preservar o sta-
tus quo, e não alterá-lo.
Todavia, a debacle da URSS e a emergência de uma nova distribuição
de poder no sistema internacional iriam influenciar o futuro das ope-
rações de paz. Com o desaparecimento das fronteiras delineadas em
Yalta e Postdam e com a supressão do bloco comunista, a segurança
internacional, outrora extremamente influenciada pela geografia cri-
ada durante os anos de bipolaridade, passou por uma importante
inflexão. Conforme esmiuçado por Villa e Reis (2006, p. 20):
O único consenso que parece existir é que a
questão da segurança internacional dificilmen-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
te pode ser apresentada nos mesmos termos da
Guerra Fria, e necessita incorporar novas di-
mensões. Essas dimensões enfatizam duas
componentes: mudanças na natureza das rela-
ções de poder (incorporação de novos atores e
processos capazes de desestabilizar o sistema
internacional por meios outros que não os mei-
os político-militares convencionais) e o impac-
to da distribuição de poder na configuração do
sistema internacional, especialmente na rela-
ção entre balança de poder e segurança interna-
cional.
Juntamente com a redefinição do conceito de segurança internacio-
nal e a emergência dos chamados Novos Temas, nota-se um impor-
tante fenômeno em andamento: um declínio no número de conflitos
interestatais e um considerável aumento nos embates intraestatais.
Esta nova conjuntura foi bastante distinta dos anos de Guerra Fria,
cuja principal característica eram os certames entre Estados sobera-
nos com características similares (exércitos organizados, por exem-
plo). Os conflitos simétricos, conforme terminologia de Miall et al.
(2005), principalmente após o final da Guerra Fria, deram lugar aos
conflitos assimétricos, entre atores com capacidades diferentes, se-
jam eles um Estado e uma facção rebelde, nos quais a população civil
é uma das partes mais afetadas. Tais mudanças, pari passu ao cres-
cente reconhecimento da importância dos direitos humanos na políti-
ca internacional, principalmente após a assinatura da Carta das Na-
ções Unidas (1945) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), culminaram em elaborações como a de Michael Walzer
(2003, p. xvi), segundo o qual não é exagero dizer que “o maior peri-
go enfrentado pela maior parte das pessoas no mundo atual provém
de seus próprios Estados; e que o principal dilema da política interna-
cional é saber se as pessoas em perigo devem ser resgatadas por for-
ças militares de fora”. Em favor dos direitos humanos, a sociedade
Aureo de Toledo Gomes
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
internacional deve intervir nos conflitos em que abusos generaliza-
dos à vida das pessoas estiverem em andamento.9
Esta nova conjuntura internacional afetou enormemente as opera-
ções de paz. Segundo Bellamy et al. (2004), no período compreendi-
do entre 1988 e 1993, tem-se primeiramente uma transformação
quantitativa, ou seja, a ONU passa a empreender mais operações do
que nos quarenta anos anteriores.10
Em segundo lugar, ocorre uma
transformação qualitativa, visto que a ONU começa a empreender
operações mais complexas do que apenas monitorar cessar-fogos,
agregando a tais empreitadas ajuda humanitária e econômica, entre
outras variáveis. Finalmente, ocorre uma transformação normativa, a
partir do momento em que grande parte dos Estados passa a apoiar a
promoção de normas e valores nas missões, principalmente preceitos
como o da paz democrática, liberalização comercial e o respeito aos
direitos humanos. Ainda segundo Bellamy et al. (2004), estas trans-
formações também foram iniciadas porque (1) o Conselho de Segu-
rança se tornara mais proativo após a dissolução da URSS e (2) mui-
tos Estados ficaram cada vez mais interessados em participar das
missões, porquanto estas proporcionavam visibilidade internacional,
o chamado efeito CNN.
Nation-building: O que É e
para que Serve?
Ainda que a proteção dos direitos humanos e o envio das missões fos-
sem seletivos, dependentes dos interesses geopolíticos das principais
potências11
(ALVES, 2003; KOERNER, 2002), o que procuramos
salientar com a seção anterior foi a ideia de que as operações de paz
adquiriram um caráter mais abrangente – e por que não invasivo –, re-
sultando em operações mais complexas que, se anteriormente objeti-
vavam monitorar um cessar-fogo entre Estados, agora tencionavam
criar a paz dentro de Estados. Desta forma, fica claro que os objetivos
e os tipos das missões se transformaram profundamente, com uma
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Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
ampliação das ambições normativas da sociedade internacional, que,
a partir de agora, passa a pregar quais devem ser os melhores regimes
políticos e econômicos para países saídos de conflitos. Conforme o
ex-secretário-geral da ONU Boutros-Boutros Ghali (1992), as ope-
rações poderiam ser agora divididas da seguinte forma:
1. Preventive diplomacy: é a ação levada a cabo para impedir a
erupção de conflitos entre as partes, além de evitar que os mes-
mos se espalhem para os países vizinhos.12
2. Peacemaking: é a tentativa de se resolver um conflito em anda-
mento, trazendo as partes envolvidas para a negociação, fazen-
do uso de meios pacíficos, principalmente os descritos no Ca-
pítulo VI da Carta da ONU.
3. Peacekeeping: é o envio de tropas da ONU com o consenti-
mento das partes envolvidas para se findar um conflito em an-
damento.
4. Post-conflict peacebuilding: é a ação desenvolvida com o ob-
jetivo de identificar e apoiar estruturas que irão fortalecer e so-
lidificar a paz para evitar um retorno aos conflitos. Segundo
Ghali (1992), enquanto preventive diplomacy são as tentativas
de se evitar a eclosão de uma crise, post-conflict peacebuilding
são as ações empreendidas para se evitar recorrências.
Em 2000, no painel cujo objetivo era rever o funcionamento das ope-
rações, Lakhdar Brahimi (2000) propõe a seguinte tipologia:
1. Peacemaking: lida com conflitos em andamento, procurando
criar uma trégua por meio da diplomacia e mediação.
2. Peacekeeping: é a missão tradicional da ONU, envolvendo
meios militares para o monitoramento de cessar-fogos, mas
que no decorrer de sua história incorporou outros elementos,
militares ou não, para criar paz após os conflitos civis.
3. Peacebuilding: são as estratégias implementadas para constru-
ir uma paz que fosse mais do que a mera ausência do conflito
armado. Envolve desde reintegração de ex-combatentes, pas-
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
sando pelo treinamento de uma polícia local e chegando até a
construção de estruturas democráticas de governo.
Com todo este arcabouço institucional previamente construído, eis
que surgem as nossas principais questões: o que são as chamadas
operações de nation-building? E para que servem? A combinação
entre Estados falidos e grupos terroristas, cuja associação entre a Al
Qaeda e o governo do Talibã no Afeganistão seria o caso paradigmá-
tico para demonstrar os problemas oriundos do ocaso estatal, levou
muitos analistas e policymakers a afirmarem que a melhor solução
para esta situação seriam as chamadas operações de nation-buil-
ding13
(DOBBINS et al., 2003; FUKUYAMA, 2005; BUSH, 2002).
No entanto, o que seriam estas reconstruções de Estado? Seriam elas
diferentes das operações de post-conflict peacebuilding, propostas
por Ghali em 1992, e das operações de peacebuilding, vaticinadas
por Brahimi em 2000?
Antes de tudo, é importante frisar uma diferença fundamental refe-
rente às justificativas para as missões. Durante a década de 1990, o
discurso que procurava justificar as operações de paz esteve muito
calcado na ideia de intervenções humanitárias, que deveriam ser le-
vadas adiante em países em que estivessem ocorrendo violações em
massa dos direitos humanos. No entanto, no que tange a nation-buil-
ding, principalmente após o 11 de setembro de 2001, a justificativa
esteve mais relacionada aos problemas oriundos do fracasso estatal.
Mutatis mutandi, o ocaso do Estado faria com que alguns países dei-
xassem de controlar os fluxos de refugiados, o tráfico ilícito de dro-
gas e armas, além de poderem se tornar santuários para grupos terro-
ristas, criando uma conjuntura que poderia levá-los a se transforma-
rem em possíveis alvos para reconstrução.
Conquanto o diagnóstico do problema seja similar entre os analistas,
encontrar uma definição unânime e coesa sobre nation-building é
uma tarefa árdua em razão das distintas caracterizações que pululam
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Um Debate em Construção
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
nas publicações sobre o tema. Em 2003, no lançamento de Ameri-
ca’s role in nation-building: from Germany to Iraq, compêndio
sobre as operações de nation-building dos EUA, a definição utilizada
por James Dobbins (DOBBINS et al., 2003, p. 1) era a seguinte:
“nation-building é o uso da força armada após o fim de um conflito
para auxiliar uma transição duradoura para a democracia”. Todavia,
na publicação de 2007, intitulada The beginner’s guide to nation-
building, a equipe da Rand Corporation14
apresenta a seguinte defi-
nição: “Nation-building envolve o uso da força armada como parte
de um esforço para promover reformas políticas e econômicas, com o
objetivo de transformar sociedades saídas de conflitos em sociedades
em paz consigo mesmas e com seus vizinhos” (DOBBINS, 2007, p.
xvii).15
O problema acima evidenciado não é exclusividade das publicações
da Rand Corporation. Na coletânea de artigos editada por Francis Fu-
kuyama intitulada Nation-building: beyond Afghanistan and Iraq
(2007a), notamos que os diversos autores envolvidos na discussão
(inclusive o já citado James Dobbins) não comungam de uma única
caracterização do termo. Fukuyama (2007b, p. 4-5) argumenta que:
Nation-building envolve dois diferentes tipos
de atividades, reconstrução e desenvolvimen-
to. Reconstrução refere-se à restauração das
sociedades destruídas pelos conflitos. Desen-
volvimento, por sua vez, refere-se à criação de
novas instituições e a promoção de crescimen-
to econômico sustentável, eventos que trans-
formam a sociedade em algo que até então ela
não tinha sido.
Minxin Pei et al. (2007), assim como Minxin Pei e Sarah Kasper
(2003), argumentam que, para distinguirmos nation-building de in-
tervenções militares, devemos ter em mente três critérios. Primeira-
mente, o objetivo primordial de qualquer operação de nation-buil-
ding é a mudança de regime ou a sustentação do regime que estaria à
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beira do colapso. Em segundo lugar, destaca-se o grande número de
tropas utilizadas nas operações de nation-building, principalmente
naquelas desempenhadas pelos EUA. Por fim, a utilização de com-
ponentes militares e civis na administração política dos países em
questão seria, quiçá, o maior diferencial da nation-building. Logo, a
criação de um regime democrático não é condição sine qua non para
a caracterização de uma operação de nation-building, e a lista de ope-
rações realizadas pelos EUA e apresentadas por Pei et al. (2007) é di-
ferente daquela utilizada pela Rand Corporation, envolvendo inter-
venções desde 1900. Por sua vez, o Banco Mundial utiliza a expres-
são State-building e a caracteriza como sendo a reconstrução de um
governo central capaz de manter (1) um sistema de segurança em
todo o país, (2) uma administração pública efetiva e (3) um orçamen-
to sustentável para os investimentos necessários do país (BANCO
MUNDIAL, 2005).
Além dos supracitados, outra leva de autores procura analisar as cha-
madas operações de nation-building. Amitai Etzioni (2004), ao reali-
zar uma revisão bibliográfica sobre o tema, salienta que a expressão
nation-building geralmente é usada para descrever três tarefas dife-
rentes, porém relacionadas: unificação de grupos étnicos, democrati-
zação e reconstrução econômica. Ainda segundo seu raciocínio
(ETZIONI, 2004, p. 2):
Em sua acepção original, nation-building era
frequentemente identificado com a unificação
de grupos étnicos dentro de um Estado, o que é
mais bem entendido como “construção da co-
munidade”. [...] Nation-building significa tan-
to a formação e o estabelecimento de um novo
Estado enquanto unidade política quanto o pro-
cesso de criação de graus viáveis de unidade,
adaptação, êxito e um senso de identidade naci-
onal entre a população. Outra visão, contudo,
identifica nation-building como melhoras em
governança: criar meios efetivos de governan-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
ça, implementar o Estado de direito, combater
a corrupção, instalar a democracia e garantir a
liberdade de expressão. [...] Uma terceira vi-
são, por sua vez, salienta a importância da re-
construção econômica. É sugerido que, quanto
mais economicamente desenvolvido, um Esta-
do pode funcionar melhor.
Essa conexão entre nation-building e reconstrução econômica não é
apontada apenas por Etzioni, visto que o próprio Fukuyama (2007b)
em sua definição já frisara tal fato. Não obstante, segundo análise de
Ekbladh (2007), durante a Guerra Fria, nation-building16
esteve in-
trinsecamente ligado aos métodos e estratégias para se atingir desen-
volvimento econômico e social. Segundo o autor, após a Segunda
Guerra Mundial, estas operações eram vistas como atividades coleti-
vas, ou seja, todos os países deveriam participar, e as noções de de-
senvolvimento e modernização propagadas pelos EUA tinham gran-
de aceitação no globo.17
Assim, a partir das décadas de 1940, 1950 e
1960, impulsionado pela iniciativa norte-americana, Ekbladh (2007)
afirma que ocorreu o surgimento de órgãos distintos cuja missão se-
ria prover desenvolvimento econômico. A criação do Programa de
Assistência Técnica da ONU, que seria o antecessor do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e mesmo a US
Agency for International Development (USAID) são exemplos desta
conexão. Ademais, o processo de descolonização africana e asiática
culminara no surgimento de novos Estados no sistema internacional,
tornando-os alvos de disputas entre as superpotências, além de
destinatários das políticas de ajuda externa.
Se desenvolvimento econômico era a panaceia para todos os males,
ao final da Guerra Fria modifica-se o foco. Com o crescente aumento
dos conflitos intraestatais durante a década de 1990 e a concomitante
evolução das operações de paz, nation-building, segundo Hippel
(1999), que até então significava a construção de governos estáveis,
que podiam ou não ser democráticos, passou a carregar em seu bojo a
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
ideia de construção de Estados democráticos e estáveis. A estratégia
de democratização, no entanto, existia desde a Guerra Fria. Segundo
Hippel (1999, p. 95-96):
Durante a Guerra Fria, democratização signifi-
cava mais um meio para combater o avanço co-
munista do que uma real implementação de re-
formas democráticas. Somente com o final da
Guerra Fria esta exportação democrática ga-
nhou mais vigor, com o objetivo último de ga-
rantir a paz e a segurança internacional. A pro-
moção da democracia é baseada no pressupos-
to de que democracias não vão à guerra umas
com as outras e que o aumento no número de
democracias no mundo, além de encorajar, sig-
nificaria um mundo mais seguro e pacífico.
Hamre e Sullivan (2002), desfavoráveis ao termo nation-building,
utilizam o termo reconstrução pós-conflito (post-conflict recons-
truction), definindo-o como o provimento e o fortalecimento não
apenas do bem-estar econômico e social, dos meios de governança e
do Estado de direito, mas também outros elementos como justiça e
reconciliação, além, é claro, da segurança do país. Por fim, Tschirgi
(2004) afirma que nation-building envolve operações multidimensi-
onais de paz, incluindo tarefas civis, tais como segurança do territó-
rio, construção dos aparatos militares, assim como dos policiais, e
garantia da entrega da ajuda humanitária, além de prover auxílio ad-
ministrativo para a construção dos novos ministérios do Estado, para
a transição democrática e para o crescimento econômico do país.
Das definições acima, ainda que cada uma apresente suas especifici-
dades e problemas, podemos identificar uma linha comum entre as
mesmas. Todas elas salientam a construção de instituições políticas
democráticas, além de frisarem a importância que o desenvolvimen-
to econômico apresenta para a estabilização dos países. De fato, ou-
tros estudos em ciência política já apontavam esta vinculação. Prze-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
worski et al. (1997), por exemplo, destacam que, para a implantação
de um regime democrático, é necessário que um país apresente deter-
minado grau de riqueza,18
crescimento com inflação moderada, desi-
gualdade decrescente, um clima internacional favorável e institui-
ções parlamentares. Ainda que mantenha a vinculação entre demo-
cracia e desenvolvimento econômico, o erro crasso das operações de
nation-building é sua demasiada ênfase na promoção democrática,
sem possibilitar os meios necessários para uma mudança efetiva de
regime.
É este um dos pontos em que estas operações se diferenciam das
post-conflict peacebuilding propostas por Boutros-Boutros Ghali e
das missões de peacebuilding delineadas por Lakhdar Brahimi.19
É
fato que tanto Ghali quanto Brahimi sublinharam em seus documen-
tos a importância da democracia nas operações de paz; no entanto,
ambos salientam que as estratégias para uma paz duradoura vão além
da realização de eleições. A reintegração dos ex-combatentes, o for-
talecimento do Estado de direito via, por exemplo, a reestruturação
da polícia local e reformas dos sistemas penal e judiciário, o fortale-
cimento do respeito aos direitos humanos por meio do monitoramen-
to, a educação e a investigação de abusos passados são apenas
algumas das estratégias sugeridas. Conforme palavras de Brahimi
(2000, p. 7):
Eleições livres e transparentes devem ser vistas
como partes de um esforço maior para fortale-
cer as instituições governamentais. As eleições
poderão ser mais bem realizadas em um ambi-
ente em que a população que se recupera do
conflito aceite a urna em detrimento das armas
como um mecanismo apropriado por meio do
qual suas visões sobre o governo possam ser re-
presentadas. As eleições precisam do apoio de
um processo maior de democratização e de
construção de uma sociedade civil que inclua
governança civil efetiva e uma cultura de res-
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
peito aos direitos humanos, para se evitar que
uma eleição apenas ratifique uma tirania da
maioria ou que o resultado seja derrubado pela
força depois da saída das tropas.
Em outras palavras, realização de eleições não é sinônimo de um
Estado reconstruído. Roland Paris (2004) argumenta que mesmo as
operações de peacebuilding da década de 1990 eram guiadas por
uma estratégia de liberalização. No âmbito político, liberalização
significa democratização, ou seja, a promoção de eleições periódi-
cas, limites constitucionais ao exercício do poder e respeito às liber-
dades básicas. No âmbito econômico, liberalização está relacionada
às reformas pró-mercado, incluindo medidas direcionadas à diminu-
ição da intromissão do Estado na economia, paralelamente ao apoio
ao aumento do papel dos investidores privados. No entanto, segundo
o autor, tal estratégia parece ter impulsionado a tendência para uma
nova leva de violência nos países. Segundo Paris (2004, p. 6):
Transições dos conflitos civis para democraci-
as de mercado são cheias de contratempos: pro-
mover democratização e reformas pró-merca-
do tem o potencial para estimular maiores ní-
veis de competição em um momento em que os
Estados ainda não estão equipados para conter
tais tensões dentro de limites pacíficos. Os pea-
cebuilders da década de 1990 subestimaram os
efeitos desestabilizadores do processo de libe-
ralização nas frágeis circunstâncias de países
saídos de guerras civis.
A crítica de Paris é direcionada para as operações de peacebuilding
em países caracterizados por guerras civis e empreendidas no perío-
do compreendido entre 1989 e 1999.20
Contudo, sua constatação é
extremamente válida para as operações de nation-building, que,
muitas vezes, pressionam para a realização de eleições de forma pre-
matura. Schumpeter (1984) já havia definido democracia como a es-
colha de lideranças pela competição por votos; incutir esta competi-
Nation-building e Segurança Internacional:
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
ção em um ambiente em que os ressentimentos de guerra ainda não
foram totalmente superados e as práticas democráticas ainda não es-
tão arraigadas é um experimento que, sem os meios necessários para
controlar as tensões, pode redundar em um ressurgimento dos confli-
tos armados. Não estamos querendo questionar a qualidade da demo-
cracia como forma de governo, assim como não o fazem os autores
acima citados; o que questionamos é o timing para a realização dos
pleitos. Em uma resenha publicada em 2003, Dobbins afirmara que o
tempo mínimo para a democratização de um país, entendido como a
construção de todo o arcabouço eleitoral e a realização dos pleitos, é
de sete anos; no mesmo ano, na obra America’s Role in nation-
building, e nas subsequentes, o tempo mínimo diminui para cinco
anos.
Estes apontamentos, de certa forma, já antecipam a resposta para a
segunda pergunta que abre esta seção, ou seja, para que serviriam as
operações de nation-building. Tendo-se em mente as reformulações
nos conceitos de segurança internacional e de paz oriundos das novas
realidades do sistema internacional, nation-building seria uma das
ferramentas utilizadas para se alcançar a paz em países destruídos
por guerras civis e/ou Estados Falidos. Ademais, no contexto pós-11
de setembro de 2001, nation-building, mudança de regime (regime
change) e estabilização e reconstrução foram utilizados como a me-
lhor maneira para se lidar com as novas ameaças à paz e à segurança,
e a maior parte dos arautos destas empreitadas acreditam que mudan-
ças tão substanciais como estas podem ser lideradas por agentes
externos.
Neste ponto, nation-building distancia-se dos diversos tipos de ope-
rações de paz formulados tanto por Ghali quanto por Brahimi, pois,
além de destacarem a importância da assistência de outros países,
ambos frisam que a paz e a segurança não podem ser impostas de
fora; devem ser criadas e sustentadas internamente, por meio de es-
tratégias flexíveis e pacientes em consonância com as realidades do-
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
mésticas. Conforme muito bem apontado por Tschirgi (2004, p.
17-18):
A agenda de estabilização pós-11 de setembro
é baseada nos mesmos termos da agenda de
peacebuilding da década de 1990, com um en-
foque holístico, de abordagens integradas para
evitar o fracasso e o colapso estatal. Todavia, os
propagadores desta agenda de estabilização
são os interesses de segurança nacional dos
atores externos, regionais ou internacionais,
dominantes. As intervenções de peacebuilding
da década de 1990, que foram motivadas por
impulsos humanitários, parecem ter preparado
o terreno para intervenções externas em Esta-
dos soberanos, ainda que as motivações fossem
distintas das de hoje.
Nas caracterizações propostas principalmente pelos estudos da Rand
Corporation, a transição para a democracia, representada pela reali-
zação de eleições, seria o zênite das missões. No entanto, surge aqui
mais uma incógnita que merece uma melhor problematização: quais
os métodos utilizados para a realização das operações? O que é prio-
rizado na execução de uma missão? As características internas e as
demandas do país-alvo da operação são levadas em consideração no
processo de nation-building? Paris (2004) argumenta que as opera-
ções de peacebuilding são guiadas por uma estratégia de liberaliza-
ção que pouco leva em consideração as singularidades dos Esta-
dos-alvo. Acreditamos que as operações de nation-building também
possuem este traço. Todavia, quais são os meios utilizados para se
alcançar esta liberalização?
Fukuyama (2007c) argumenta que as atuais operações de nation-
building poderiam ser divididas em quatro outros tipos de operações:
peacekeeping; peace enforcement;21
post-conflict reconstruction; e
desenvolvimento político-econômico de longo prazo. Se a definição
do autor salienta a importância da reconstrução e desenvolvimento,
Nation-building e Segurança Internacional:
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
os principais esforços deveriam ser direcionados para três grandes
áreas. Garantir a segurança seria condição sine qua non para uma
bem-sucedida operação de nation-building. Dessa forma, treinar
uma nascente polícia civil, desarmar, desmobilizar e reintegrar os
ex-combatentes e acabar com possíveis resquícios de milícias con-
trárias à operação seriam os passos primordiais. Restaurar a autorida-
de política seria a segunda grande tarefa a ser realizada, e aqui preva-
lece a construção de instituições políticas democráticas. Segundo
Fukuyama (2007c, p. 237):
No mundo contemporâneo, a legitimidade vem
primariamente, ainda que não exclusivamente,
de eleições democráticas. A realização de elei-
ções, portanto, é crítica para estabelecer uma
nova e legítima ordem, mas as questões de
quando, como e em que medida se deve realizar
eleições dependem das circunstâncias específi-
cas de cada situação pós-conflito.
Além disso, o desenvolvimento econômico, pelo menos em um pri-
meiro momento, continuaria a depender da assistência externa. A
execução de projetos humanitários, assim como a reconstrução da in-
fraestrutura do país, inclui uma quantidade variável de participantes,
desde agências multilaterais (como a ONU, o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional (FMI)), passando por agências go-
vernamentais (a USAID, por exemplo), chegando até as organiza-
ções não governamentais que, muitas vezes, não se comunicam entre
si, ocasionando grandes problemas. Um dos principais deles, segun-
do Fukuyama (2007c), advém do fato de que os doadores externos,
ao entrarem com maiores capacidades financeiras, atraem os melho-
res recursos humanos para a execução de seus projetos, deixando
poucos trabalhadores qualificados para trabalharem no governo.
Os objetivos propostos por Fukuyama de certa forma contemplam as
tarefas que Dobbins et al. (2007, p. xxiii) apontam como inerentes às
operações de nation-building. Segundo os autores, “o objetivo pri-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
mário de qualquer nation-building é transformar sociedades violen-
tas em pacíficas, não transformar pobres em prósperas ou autoritárias
em democráticas”.22
Para tanto, os autores organizaram uma hierar-
quia de tarefas abaixo listadas:
1. Segurança: peacekeeping, implementação do Estado de direi-
to e reforma do setor de segurança.
2. Ajuda humanitária: retorno dos refugiados e prevenção de epi-
demias, fome generalizada e falta de abrigos.
3. Governança: retomada dos serviços públicos e da administra-
ção pública.
4. Estabilização econômica: implementação de uma nova moeda
e organização de um marco regulatório para que os comércios
local e internacional possam ser restaurados.
5. Democratização: criação de partidos políticos, imprensa livre,
sociedade civil e realização de eleições.
6. Desenvolvimento: fomentar o crescimento econômico, redu-
zir a pobreza e restaurar a infraestrutura do país.23
Mas e os recursos financeiros e militares para a consecução de tama-
nha gama de tarefas? Segundo Dobbins et al. (2007), as despesas das
operações são divididas – ou deveriam ser – entre os países que con-
tribuem com tropas, os doadores internacionais e a comunidade in-
ternacional como um todo de acordo com as várias formas de se divi-
dir os ônus. Os custos das operações lideradas pela ONU são dividi-
dos entre os países-membros, ainda que o Estado que comande a mis-
são arque com os principais custos. Para medida de comparação,
Dobbins et al. (2005, p. xxxvi) afirmam que:
O custo de uma operação de nation-building da
ONU tende a parecer bem modesto vis-à-vis às
operações dos EUA, que são mais complexas e
difíceis. No momento, os EUA estão gastando
algo em torno de 4,5 bilhões de dólares por mês
para financiar sua operação no Iraque. Este
mesmo montante é o que é utilizado pela ONU
Nation-building e Segurança Internacional:
Um Debate em Construção
305
Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
para manter todas as suas dezessete operações
de peacekeeping durante um ano.
Ademais, Dobbins et al. (2005) argumentam que, segundo um estudo
do Banco Mundial encabeçado pelos economistas Paul Collier e
Anke Hoeffler (2004), as intervenções militares no pós-conflito seri-
am o meio com a melhor relação custo-efetividade para a estabiliza-
ção dos países.24
Embora os autores da pesquisa cheguem realmente
a esta conclusão, a forma como a descobrem é complexa e não é com-
pletamente apresentada no estudo da Rand Corporation. Como a in-
tervenção militar se torna o meio com melhor relação custo-efetivi-
dade é o que fica de fora dos estudos de Dobbins et al. (2005, 2007) e
precisa ser destacado. Consoante o raciocínio de Collier e Hoeffler
(2004), em uma situação pós-conflito, o risco de um retorno ao con-
flito armado é tipicamente alto, ainda que gradualmente decline caso
a paz consiga perdurar. Ajudas econômicas tendem a diminuir o ris-
co, mas algumas delas demoram certo tempo para fazer efeito. Dessa
forma, segundo Collier e Hoeffler (2004, p. 20):
A maioria dos governos em situações de pós-
conflito parece concluir que um aumento nos
gastos militares é um pré-requisito para a paz.
Durante as guerras civis, o montante dos gastos
militares é o dobro daqueles realizados durante
os períodos de paz e, durante a primeira década
após o conflito, declina modestamente. Os gas-
tos militares pós-conflito são muito próximos
daqueles feitos durante os anos de guerra civil.
Em razão dos altos riscos de um novo conflito,
parece lógico que seja necessário um aumento
dos gastos militares para se manter a paz.
Logo, gastos militares altos podem ser lidos pelos contendores do
governo central como uma denúncia do acordo de paz. Dessa forma,
sumarizando o argumento dos autores, as intervenções militares teri-
am como efeito precípuo o declínio dos gastos militares por parte do
governo do país, evitando este dilema de segurança interno.
Aureo de Toledo Gomes
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Por fim, em se tratando de nation-building, como mensurar sucesso e
fracasso? Pei e Kasper (2003) argumentam que o sucesso das opera-
ções depende de três variáveis. Primeiramente, devemos levar em
consideração as características internas do país, uma vez que nati-
on-building é uma engenharia política em grande escala. Assim sen-
do, o quão homogêneo um país é e se será utilizada a burocracia anti-
ga ou novos órgãos governamentais serão construídos são fatores im-
portantes na análise. Em segundo lugar, os autores argumentam que
um alinhamento entre os interesses dos países interventores com os
da elite do país-alvo possibilita uma maior chance de sucesso, uma
vez que o comprometimento de ambas as partes será maior. Por fim,
os recursos econômicos devem ser suficientes para levar adiante toda
a empreitada. Por outro viés, Dobbins et al. (2003, 2005) argumen-
tam que nation-building pode ser entendido em termos de inputs –
grosso modo, força militar, recursos financeiros e tempo para a exe-
cução da tarefa – e outputs – entre os quais se destacam números de
baixas, mudanças nos números de refugiados e pessoas dispersas
internamente, crescimento da renda per capita e democratização.
Assim sendo:
Sucesso em nation-building depende da sabe-
doria com que tais recursos serão usados e da
suscetibilidade da sociedade em questão em
apoiar as mudanças em andamento. Todavia,
sucesso é também em alguma medida depen-
dente da quantidade da presença militar e poli-
cial internacional e da assistência econômica,
assim como do tempo em que tais recursos são
aplicados (DOBBINS et al., 2005, p. xxi).25
Considerações Finais
No decorrer das páginas anteriores, procuramos mostrar o que são as
operações de nation-building. Para tanto, optamos por um viés com-
parativo, procurando colocá-las lado a lado com as operações de paz,
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destacando os diferentes tipos de missões existentes, suas singulari-
dades e seus objetivos. Notamos, portanto, que os principais analistas
justificam nation-building com base em um diagnóstico similar, qual
seja, o fato de que os problemas oriundos do ocaso estatal geram efei-
tos nefastos para a sociedade internacional, cujo melhor exemplo foi
o ataque aos EUA em 11 de setembro de 2001. Esta justificativa se
distancia daquela utilizada para as operações de paz tradicionais ori-
ginadas durante a Guerra Fria e aquelas oriundas da década de 1990:
enquanto as primeiras estavam mais preocupadas em evitar a eclosão
de uma guerra de grandes proporções, as últimas agregaram a este
objetivo o imperativo de se evitar violações em massa de direitos hu-
manos e de se intervir em conflitos domésticos quando estes atingis-
sem grandes proporções. São diferenças originadas por câmbios sis-
têmicos e por uma valorização de questões normativas, mas que
ajudam a apresentar os traços particulares das operações de nation-
building.
Se, por um lado, é possível encontrar diagnósticos similares para o
problema, por outro, tem-se uma definição unânime sobre como na-
tion-building não é algo fácil de ser encontrado. Os diversos autores
abordados neste artigo apresentam visões distintas de tarefas a serem
aprendidas e mesmo de casos que podem ser considerados genuina-
mente operações de nation-building. A principal consequência é
uma gama variada de metas a serem cumpridas e ênfases variadas so-
bre determinados aspectos das missões, levando alguns a destacar
mais a importância do desenvolvimento econômico, enquanto outros
preferem salientar a importância de eleições diretas para os princi-
pais cargos dos países sobre reconstrução. É um debate importante,
que deve estar sempre sobre escrutínio, uma vez que, na atual con-
juntura, é difícil pensar em grandes sucessos. Se atentarmos para as
atuais operações no Iraque e no Afeganistão, notaremos que ambas
ainda pecam quando os quesitos são estabilidade e desenvolvimento
econômico, ainda que ambos os países já tenham sufragado novas
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lideranças. Nestes dois países, ainda há muito a ser feito, e a ajuda
internacional é imprescindível.
Outro ponto a ser salientado é uma possível relação entre as opera-
ções de paz e nation-building com a formação dos Estados. Confor-
me destacado no início deste artigo, uma importante vertente dentro
da ciência política procura investigar o processo de formação estatal
e quais variáveis culminaram no surgimento desta forma de organi-
zação política. Não é o foco da recente discussão sobre nation-buil-
ding averiguar como os Estados nos países em reconstrução se erigi-
ram ou mesmo compará-los com a experiência europeia.26
É uma li-
teratura mais pragmática e menos analítica, que pretende encontrar
soluções para os problemas oriundos de países que sofrem com os
efeitos do fracasso estatal. Os trabalhos desenvolvidos pela Rand
Corporation encontram-se nesta linha, procurando arrolar algo como
lições aprendidas nos casos de nation-building realizados pela ONU
e pelos EUA. Um dos efeitos, contudo, é que as intervenções, realiza-
das em nome da exportação democrática e do desenvolvimento de
uma economia de mercado, muitas vezes deixam de lado a dinâmica
interna dos países. Mais uma vez, o caso do Afeganistão é paradig-
mático: na reconstrução liderada pelos EUA, os principais postos do
governo, além dos governos das províncias, foram inicialmente ocu-
pados pelos Tajiks e Uzbeks, principais grupos étnicos de oposição
aos Pashtun, etnia majoritária do país e principal fonte dos recursos
humanos do Talibã. Segundo salientado por Starr (2007), todos os
ministros, governadores e membros do staff administrativo eram Ta-
jiks oriundos do Vale do Panjshir, reduto da Aliança do Norte. Dessa
forma, a aceitação do novo governo foi uma das tarefas mais difíceis
da operação, porquanto boa parte da população se encontrava sub-re-
presentada na nova divisão dos poderes.
Assim sendo, por ser um tema bastante controverso, acreditamos que
nation-building deve continuar sob escrutínio não apenas da acade-
mia, como também de toda a comunidade internacional. Pois, nos
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termos atuais e tendo-se em mente o desenrolar das operações no
Afeganistão e no Iraque, este tipo de intervenção está longe de se
apresentar como a ferramenta ideal para a estabilização de Estados.
Notas
1. Um artigo que, de certa forma, sintetiza os diferentes processos de constru-
ção estatal é o de Smith (1992), publicado no Brasil com o título de “Criação do
Estado e construção da nação”, e que em inglês se intitula “State-making and
nation-building”.
2. Para uma boa revisão bibliográfica sobre Estados Falidos, sugere-se Mon-
teiro (2006).
3. A ânsia por respostas a estas questões é anterior aos resultados da Primeira
Guerra Mundial, mas certamente ganhou grande relevância após o conflito.
Entre os diversos autores que buscaram explicações, podemos destacar Aron
(2002), Waltz (2004) e Bobbio (2003).
4. Esta e as demais citações de originais em língua estrangeira foram livre-
mente traduzidas para este artigo.
5. O capítulo VI, em seu artigo 33 (1), afirma que os meios pacíficos para a re-
solução de conflitos incluiriam negociação, mediação, conciliação, arbitragem,
resoluções jurídicas, entre outros. O capítulo VII, por sua vez, trata dos meios
coercitivos para a manutenção da paz e segurança. Seus artigos 41 e 42 provêm
sobre os meios militares e não militares (sanções econômicas, por exemplo) à
escolha do Conselho de Segurança.
6. A Coreia é dividida pelo Paralelo 38, linha imaginária que se encontra a 38o
graus da linha do Equador. Em 1948, o paralelo foi formalmente estabelecido
como fronteira entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. No entanto, a divisão
entre as Coreias é datada do final da Segunda Guerra Mundial, resultante de um
acordo entre Washington e Moscou.
7. Como mostraremos mais adiante, as operações de paz da ONU apresentam
subdivisões importantes. Assim sendo, doravante optamos por deixar as grafias
no original em inglês, uma vez que ainda não temos correlatos consagrados no
português.
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8. As missões do período foram as seguintes: (1) UN Special Commission on
the Balkans (1947-51), para investigar interferências externas na guerra civil
grega; (2) UN Truce Supervision Organisation (1948-hoje), missão para moni-
torar os termos do armistício no Oriente Médio; (3) UN Military Observer
Group in India and Pakistan (1949-hoje), missão enviada para monitorar o ces-
sar-fogo entre Índia e Paquistão; (4) UN Force in Korea (1950-53), enviada para
findar o conflito coreano; (5) UN Emergency Force I (1956-57), para solucionar
a crise de Suez; (6) UN Observation Group in Lebanon (1958), para monitorar o
movimento de armas e tropas no Líbano; (7) UN Operation in the Congo
(1960-64), cuja missão era restaurar a ordem no país; (8) UN Temporary Execu-
tive Authority (1962-63), objetivando administrar a Nova Guiné antes da trans-
ferência de soberania para a Indonésia; (9) UN Yemen Observation Mission
(1963-64), para monitorar o movimento de tropas da Arábia Saudita para o Ye-
men; (10) UN Force in Cyprus (1964-hoje), manutenção da ordem antes da in-
vasão turca de 1974 e patrulhamento da fronteira após tal fato; (11) UN
India-Pakistan Observer Mission (1965-66), objetivando monitorar o ces-
sar-fogo entre as partes; (12) UN Emergency Force II (1974-79), atuando como
tampão entre Israel e Egito no Sinai; (13) UN Disengagement Observer Force
(1974-hoje), monitorando a separação das forças israelenses e sírias nas Coli-
nas de Gola; e (14) UN Interim Force in Lebanon (1978-hoje), atuando como
tampão entre Israel e Líbano.
9. Para maiores detalhes sobre o debate envolvendo o papel dos direitos hu-
manos nas relações internacionais, ver Reis (2006). Sobre intervenções huma-
nitárias, ver Walzer (2003) e Holzgrefe e Keohane (2003). E para uma revisão
bibliográfica sobre o tema, ver Marques (2007).
10. Durante estes seis anos, foram criadas vinte novas operações de paz, sem
contar as que ainda estavam em andamento.
11. Bellamy et al. (2004) argumentam que, após o ocaso na Somália, quando
dezoito soldados norte-americanos foram mortos, o apoio das potências para as
missões caiu bastante, culminando na inação em Ruanda em 1994. Somente
mais ao final da década temos um novo suporte para as operações de paz, desta-
cando-se as missões em Kosovo (1998) e no Timor Leste (1999).
12. Aqui, as ações são empreendidas antes de o conflito surgir e se caracteri-
zam, na maioria das vezes, em tentativas de se trazer os contendores para a mesa
de negociações.
13. Antes de avançarmos, cabe fazer uma distinção importante, muito bem
apontada por Fukuyama (2007b). Muitas vezes, os termos nation-building e
State-building são usados como se fossem sinônimos. Não obstante, nation-
building, conforme sua utilização na Europa, estaria mais relacionado com a
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ideia de construção da nação, envolvendo a criação de símbolos e valores. State-
building, por sua vez, seria a construção das instituições políticas ou mesmo
aquelas designadas para promover desenvolvimento econômico. Os trabalhos
desenvolvidos pela Rand Corporation (DOBBINS et al., 2003; DOBBINS et
al., 2005; DOBBINS et al., 2007), no entanto, utilizam nation-building como se
tivesse a mesma significação que State-building e, em virtude da popularidade
alcançada pelos estudos (Fukuyama, em 2005, publicou livro intitulado Cons-
trução de Estados: governo e organização mundial no século XXI e, na pu-
blicação de 2007, utiliza a expressão nation-building), o termo ficou consagra-
do. Doravante, quando nos referirmos a nation-building, estaremos utilizando a
ideia desenvolvida pela Rand Corporation.
14. A Rand Corporation é um think tank criado em 1946 cujo principal cliente
é a Força Aérea dos EUA. Ayerbe (2006) afirma que, pelo seu Conselho Diretor,
passaram importantes funcionários da atual administração republicana, em es-
pecial Condoleezza Rice, atual secretária de Estado, e Donald Rumsfeld, ex-se-
cretário de Defesa. Para mais detalhes sobre o papel dos think tanks na política
externa dos EUA, ver Teixeira (2007).
15. O porquê da mudança na definição nem James Dobbins nem algum de
seus colaboradores nos explica. Todavia, podemos tentar levantar algumas hi-
póteses. Nos estudos elaborados até 2003, uma das justificativas para as opera-
ções de nation-building era a de que os EUA já haviam realizado tal empreitada,
exemplificados pelos casos da Alemanha e do Japão no pós-Segunda Guerra
Mundial. O sucesso em reconstruir estes países demonstrava, segundo Dobbins
(2003), que a democracia era passível de ser implantada alhures por potências
externas, que sociedades podiam ser encorajadas a se transformarem e que
grandes transformações podiam durar. Contudo, de 2003 até 2007, os reveses
no Iraque e no Afeganistão deixaram claro que a transferência democrática não
era tarefa tão fácil, além de ser extremamente questionável, o que pode ter influ-
enciado na definição utilizada pelos autores.
16. Durante a Guerra Fria, a acepção de nation-building esteve intimamente
relacionada ao processo de descolonização, culminando em um conceito relaci-
onado com a construção de uma nação.
17. Neste período, ganhou destaque a chamada Teoria da Modernização. Em
linhas gerais, esta corrente procurava salientar a relação causal existente entre
desenvolvimento econômico e o surgimento de regimes democráticos. Mutatis
mutandis, o estágio final da modernização seria o advento da democracia e, as-
sim sendo, seria possível e desejável que os países subdesenvolvidos seguissem
o exemplo dos países desenvolvidos.
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
18. Os autores afirmam que “uma democracia deve durar em média 8,5 anos
num país cuja renda per capita esteja abaixo dos US$ 1.000 por ano, 16 anos
num país em que a renda per capita esteja entre US$ 1.000 e US$ 2.000, 33 anos
com renda estando entre US$ 2.000 e US$ 4.000, e 100 anos entre US$ 4.000 e
US$ 6.000” (PRZEWORSKI et al., 1997, p. 116).
19. Conforme argumentam Bellamy et al. (2004), e evidenciando a falta de
consenso sobre o tema, State-building, entendido aqui como a criação das estru-
turas governamentais, seria uma das quatro tarefas incluídas sob o conceito de
peacebuilding. As demais seriam o estabelecimento do Estado de direito, a de-
mocratização e a reconstrução econômica.
20. As operações analisadas por Paris (2004) são: Namíbia (1989-1990), Ni-
carágua (1989-1992), Angola (1991-1997), Camboja (1991-1993), El Salvador
(1991-1995), Moçambique (1992-1994), Libéria (1993-1997), Ruanda
(1993-1996), Bósnia (1995-hoje), Croácia (1995-1998) e Guatemala (1997).
21. A definição de Fukuyama (2007c) para peacekeeping e peace enforce-
ment é similar às apresentadas até o momento neste trabalho. Para ilustrar a di-
ferença, o autor afirma que, enquanto os peacekeepers podem se apresentar
como neutros, os peace enforcers não podem, visto que devem defender um dos
lados. É uma definição controversa, pois o autor deixa de lado a questão do grau
de violência utilizado em cada tipo de intervenção, o que é de suma importân-
cia, presente desde a primeira diferenciação proposta por Ghali (1992).
22. Há que se destacar que, nesta publicação, a ênfase na democratização já
não é tão grande quanto nas publicações anteriores.
23. Hamre e Sullivan (2002) também apresentam pilares semelhantes para
uma reconstrução de Estado. Segundo os autores, os quatro pilares das opera-
ções são: provimento de segurança; justiça e reconciliação (reforma do setor pe-
nal e criminal, polícia civil, entre outros); bem-estar econômico e social (restau-
ração de políticas públicas, tais como saúde e educação); e, por fim, governança
e participação (criação de instituições políticas representativas).
24. Além da intervenção militar, Collier e Hoeffler (2004) analisam também a
ajuda externa anterior ao conflito, a transparência no gerenciamento da renda
oriunda dos recursos naturais, o rastreamento dos recursos naturais e a ajuda ex-
terna pós-conflito como formas de se prevenir a erupção de novos embates.
25. Ao que tudo indica, os estudos da Rand Corporation passaram por um pro-
cesso de reavaliação. No estudo prévio, sobre as operações dos EUA
(DOBBINS et al., 2003), o sucesso em uma missão era definido como a habili-
dade para promover uma transferência duradoura de instituições democráticas.
Com definição deveras controversa, é bastante provável que, para o volume se-
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guinte, sobre as operações da ONU, os autores tomaram mais cuidado para
definir sucesso e fracasso.
26. Gomes (2008) tenta realizar esta comparação, ao contrapor a experiência
afegã com a formação dos Estados na Europa.
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WALZER, Michael. Guerras justas e injustas. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
Nation-building e Segurança Internacional:
Um Debate em Construção
317
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Resumo
Nation-building e Segurança
Internacional: Um Debate em
Construção
Este artigo almeja analisar as operações de nation-building, que, desde os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, são consideradas uma das
maneiras para se lidar com as novas ameaças de segurança internacional,
principalmente os ditos Estados Falidos. Assim sendo, revisaremos a bibli-
ografia sobre o tema, procurando identificar as origens destas operações,
assim como as definições utilizadas pelos principais autores e os problemas
que elas possam apresentar.
Palavras-chave: Nation-building – Operações de Paz – Segurança Inter-
nacional – Estados Falidos – Conflito
Abstract
Nation-building and International
Security: A Debate under
Construction
This article aims to analyze nation-building operations, which have been
considered, since September 11th, 2001 terrorist attacks, one of the ways to
cope with the new threats to international security, mainly the so-called
Failed States. Therefore, we will review the bibliography published, trying
to identity not only the origins of such operations but also the definitions
used by the main authors and the problems that they might present.
Keywords: Nation-building – Peace Operations – International Security
– Failed States – Conflict
Aureo de Toledo Gomes
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Introdução
Este trabalho discutirá as possibilidades da realização e da legitima-
ção de intervenções humanitárias a partir da lógica da Escola Ingle-
sa, evidenciando a necessidade de estabelecer um diálogo com os
Estudos da Paz e os teóricos que trabalham diretamente com inter-
venções humanitárias para a superação das limitações daquela abor-
dagem. A Escola Inglesa tem foco voltado para a controvérsia sobre
a natureza solidarista ou pluralista da sociedade internacional e, de-
corrente disso, da tensão entre ordem e justiça. Cada uma dessas po-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
* Artigo recebido em novembro de 2008 e aprovado para publicação em março de 2009.
** Doutorando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e professor de Relações Internacionais da mesma universidade. E-mail: marcelovalenca@
me.com.
CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 31, no 2, maio/agosto 2009, p. 319-351.
Política, Emancipação
e Humanitarismo:
Uma Leitura Crítica
da Escola Inglesa
sobre a Questão da
Intervenção
Humanitária*
Marcelo Mello Valença**
sições fornece subsídios para alimentar ou esvaziar a discussão so-
bre intervenção humanitária com base na defesa da soberania ou da
preservação dos direitos humanos dentro dos Estados. No entanto,
seja qual for a posição assumida, o tratamento dado à sociedade
internacional é contingente e não problematizado pela Escola Ingle-
sa.
Com base nisso, e apesar da preocupação recente com o tema das in-
tervenções humanitárias (WHEELER, 2000; JACKSON, 2000;
WELSH, 2004; WEISS, 2007), as possibilidades para a sua legitima-
ção são por demais restritas perante as preocupações ontológicas da
teoria, como a existência de uma sociedade internacional estadocên-
trica, o pluralismo metodológico e a preservação de instituições in-
ternacionais como a soberania e o direito internacional. Tais elemen-
tos constrangem o debate sobre intervenção humanitária ao impossi-
bilitar o consenso sobre a existência de valores compartilhados pela
sociedade internacional e as formas como aconteceriam a formação e
estabilização dessa sociedade, seja pela preservação da ordem, seja
da justiça.
Como forma de superar estas limitações e complementar o debate
teórico sobre intervenções humanitárias, trazemos os argumentos
defendidos por John Williams (2006) e Alex Bellamy (2003, 2004),
bem como o arcabouço teórico proporcionado pelos Estudos da Paz.
Williams vai fornecer o fundamento teórico crítico para a compreen-
são das fronteiras – elemento tomado como ontologicamente ligado
ao Estado – como um fenômeno concebido a partir de práticas sociais
que atribuem caráter ético a elas. Buscaremos evidenciá-las como
zonas políticas de troca, onde a diferença é preservada e cuidada de
modo a garantir a ordem internacional. Com Bellamy, ampliaremos o
conceito de intervenção, permitindo entendê-la de diferentes manei-
ras e não apenas da forma concebida pela Escola Inglesa. Os Estudos
da Paz permitirão o elo com a discussão promovida pelos teóricos
que trabalham especificamente com a questão humanitária, mostran-
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do os objetivos que seriam atingidos ao se ampliar o conceito. Estas
abordagens, a nosso ver complementares, permitirão compreender
as emergências complexas1
sob a ótica do humanitarismo como um
valor que ligaria as comunidades políticas com base no reconheci-
mento do Outro como humano e, portanto, digno de ser protegido.
Este conceito não é problematizado pela Escola Inglesa, mas central
na questão das intervenções humanitárias.
As limitações enfrentadas pela Escola Inglesa no tema das interven-
ções decorrem principalmente de dois aspectos. O primeiro seria os
seus próprios pressupostos. Ao se pensar as relações internacionais
como fundadas em Estados soberanos, as intervenções assumiriam o
formato de ações coercitivas empreendidas por agentes não envolvi-
dos com as causas que motivaram a intervenção para restaurar a or-
dem dentro de um Estado, evitando a instabilidade da ordem interna-
cional. O dilema em intervir está na legitimação da intervenção, pois
a soberania assume papel central, uma consequência ontológica do
debate entre pluralistas e solidaristas, que ignoram os propósitos que
cercam as intervenções (BELLAMY, 2003, p. 330-331) e se concen-
tram apenas no papel da soberania na manutenção da ordem e no res-
peito à justiça em detrimento de programas de desenvolvimento em
longo prazo (BELLAMY; WILLIAMS, 2004, p. 7).2
A conceituação
de emergência complexa seria decorrente do debate entre pluralistas
e solidaristas e suas posições sobre o compartilhamento de valores no
plano internacional.
A segunda limitação decorreria da proximidade da teoria proposta
por esta corrente ao processo decisório político. A Escola Inglesa
tem grande participação na delimitação das agendas políticas inter-
nacionais em virtude de seu próprio escopo, que permite análises his-
tóricas, sociológicas e normativas (BELLAMY, 2005a, p. 7-8). Ade-
mais, o conceito de sociedade internacional, ainda que não haja con-
senso sobre sua origem, aproxima a Escola Inglesa dos processos de-
cisórios políticos ao proclamar laços de cooperação e respeito entre
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
os Estados (DUNNE, 2005). Essa afinidade contribui para a indefini-
ção dos formatos de resposta às emergências complexas, bem como
do conceito de humanitarismo, por colocá-los na esfera do interesse
dos Estados, evitando que um padrão coerente de atuação seja
estabelecido.
O debate entre solidaristas e pluralistas também afeta o debate sobre
intervenção humanitária, moldando a sua teoria e prática. A contro-
vérsia entre estes dois grupos se baseia, essencialmente, em três
questões que guiarão este trabalho: (i) até que ponto pode-se conside-
rar a existência da condição de emergência complexa; (ii) havendo
esta emergência complexa, qual seria o limite para intervir; e
(iii) como os Estados deveriam se comportar durante a intervenção
(BELLAMY, 2003, p. 325).
John Williams (2006) aparece como contraponto à Escola Inglesa
porque sua argumentação busca um posicionamento verdadeiramen-
te pluralista,3
mas sem compreender como dada a soberania, promo-
vendo a problematização do papel da fronteira na política internacio-
nal para além da mera materialidade, permitindo observar a dinâmica
política. As fronteiras e a soberania são consideradas por ele como
práticas sociais que permitem entender a dinâmica política interna-
cional, fato ignorado pela Escola Inglesa.
Ademais, resgatando as ideias de Hannah Arendt sobre diversidade e
tolerância, Williams transcende os limites da Escola Inglesa, rejei-
tando o solidarismo homogeneizante e o pluralismo determinista ca-
racterísticos desta abordagem. Isso facilita a sua busca pela valoriza-
ção e aceitação da diferença entre os atores internacionais, não se res-
tringindo às comunidades estatais dos pluralistas, nem tampouco
considerando que a tolerância à diferença implicaria a aceitação ab-
soluta de valores universais solidaristas. Com isso, podemos fugir do
estadocentrismo característico da Escola Inglesa sem, contudo, des-
merecer o papel ético desempenhado pelas fronteiras, avançando
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para além da Escola Inglesa ao diferenciar os papéis da soberania e
das fronteiras e buscando novas formas de socialização no plano in-
ternacional (DUNNE, 2005, p. 69). Diante deste posicionamento, a
fronteira passa a ser vista como lócus político de troca, servindo
como espaço de contato entre as diferenças e não apenas de margina-
lização (WALKER, 2005). Isso permitiria o fim de sua replicação,
passando a ser compreendida como um conjunto de práticas sociais
ligadas ao poder e à ética, vitais para a manutenção da sociedade in-
ternacional (WILLIAMS, 2006, p. 42). O papel da soberania como
norma constitutiva da sociedade internacional não é abandonado,
mas as fronteiras passam a ser entendidas de maneira independente
deste princípio, demarcando valores distintos e possibilitando que
estes estejam sujeitos a mudança.
Tal perspectiva nos permitiria enxergar de maneira otimista as fron-
teiras como espaço ético de delimitação e proteção da diferença. Pro-
jetos totalizantes que pusessem em risco a diversidade e o pluralismo
seriam tratados como fatos intoleráveis, caracterizando as emergên-
cias complexas. Conseguiríamos assim fortalecer o diálogo entre a
Escola Inglesa e o campo da intervenção humanitária.
As dificuldades enfrentadas pela Escola Inglesa em lidar com a ques-
tão da intervenção humanitária tornam-se ainda mais sérias diante do
conceito restrito que a intervenção assume, pois esta se caracterizaria
como atos de natureza coercitiva (PUGH, 1998; BELLAMY, 2003).
Logo, a contribuição de Bellamy torna-se importante por nos permi-
tir entender as intervenções humanitárias em sua integralidade, fu-
gindo do estadocentrismo e, consequentemente, do seu caráter mili-
tarizado, permitindo que tracemos critérios objetivos para a sua legi-
timação. Neste ponto, os conceitos de abuso e emancipação trabalha-
dos pelos Estudos da Paz e por teóricos críticos não só ajudariam no
estabelecimento destes critérios, mas também permitiriam que en-
tendêssemos o que constitui o intolerável, oferecendo formas de
identificá-lo.
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Entendemos que o abuso aconteceria quando da invocação de argu-
mentos não amparados por uma preocupação moral, mas por interes-
ses de curto prazo, para justificar ações de caráter supostamente hu-
manitário (BELLAMY, 2004, p. 132; 2006, p. 147). Já a emancipa-
ção deve ser entendida como o oferecimento de condições que auxili-
em o indivíduo a se libertar das limitações que os impede de atingir
seu pleno potencial, em um conceito similar ao de violência estrutu-
ral (BELLAMY, 2003).4
Tais conceitos retomariam o diálogo da in-
tervenção humanitária proposto por Williams, especialmente ao re-
lacioná-los com a ideia de isolamento e de política como espaço de
tolerância e diálogo com a diferença, possibilitando a liberdade de
querer e a libertação do medo,5
outros aspectos que se mostram
presentes no conceito de emancipação.
Acreditamos que o diálogo entre estas teorias possibilita a compre-
ensão dos dilemas éticos e políticos impostos pelas intervenções hu-
manitárias, oferecendo procedimentos coerentes e pragmáticos para
lidar com as emergências complexas. A ação coercitiva não deve ser
vista como única solução para a sua resolução: diante do intolerável,
as emergências complexas devem ser tratadas a partir de diferentes
tipos de ação, de acordo com uma análise pragmática das necessida-
des que cada situação demandaria. Estas respostas devem envolver
não apenas esforços militares, mas também outros tipos de interven-
ção, não coercitivas, limitando o aparecimento da violência estrutu-
ral na sociedade.
Pluralistas versus
Solidaristas: A Escola
Inglesa e a Intervenção
Nesta seção, abordaremos brevemente a questão entre pluralismo e
solidarismo que move os estudos da Escola Inglesa. Esta controvér-
sia sobre como entender a sociedade internacional, se pluralista ou
solidarista (BULL, 2002; ALMEIDA, 2003; WILLIAMS, 2006),
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acaba por repercutir em outro importante binômio deste marco teóri-
co, que é a tensão existente entre ordem e justiça. A possibilidade de
intervir estaria relacionada ao produto desta discussão, e os pressu-
postos que cercariam a questão humanitária estariam diretamente li-
gados à visão que se tem da natureza da sociedade internacional. É a
partir deste debate que iniciaremos nosso argumento.
O próprio tratamento dado pela Escola Inglesa às relações entre os
Estados pressupõe a existência de vínculos compartilhados pelos
Estados e pelos indivíduos que os formam: é a diferença entre o inter-
nacional e o mundial de que Bull (2002) trata em sua obra. O primei-
ro refere-se à relação entre Estados, enquanto o segundo se refere ao
relacionamento entre os indivíduos, independentemente do Estado
ao qual pertençam, promovendo conflitos entre os direitos e deveres
em cada um desses níveis. Como lidar com os desafios impostos por
estes relacionamentos, conjugando o respeito aos diferentes níveis
com a manutenção da sociedade internacional?
Há duas respostas a esta pergunta. A primeira ressalta o aspecto plu-
ralista da sociedade internacional, em que os Estados são entes sobe-
ranos e os seus pares não teriam o direito, nem a legitimidade, de in-
tervir em seus assuntos domésticos. A segunda resposta, propensa ao
solidarismo, coloca em evidência os indivíduos. Apesar da existên-
cia da autoridade central dentro do Estado, a sociedade internacional
deveria agir de forma a aliviar as ameaças que recairiam sobre os
indivíduos, mesmo que violando aquela autoridade.
Para os pluralistas, a diversidade no plano internacional é garantida
pelos Estados: as fronteiras preservariam a diferença, delimitando
territorialmente o lócus de autoridade do ator internacional: “a socie-
dade internacional possibilita a difusão do poder aos povos por meio
da pluralidade de Estados, permitindo a cada nação e a cada Estado
desenvolver seu próprio modo de vida” (BELLAMY, 2003, p. 323).6
Isto faria com que a preservação da ordem na sociedade internacional
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
fosse mais importante que os indivíduos dentro dos Estados, refletin-
do na importância dos princípios da não-intervenção e da soberania.
A alegação da existência de valores universais esbarraria no relativis-
mo cultural, e a ética decorrente deste pretenso universalismo pro-
moveria a desordem internacional: a pluralidade é um fator necessá-
rio para o surgimento e a estabilidade da ordem, mas é utilizada de
forma instrumental por instituições internacionais como o direito
internacional e a diplomacia (O’HAGAN, 2005, p. 215-216).
Para garantir a continuidade dos Estados e o bom funcionamento da
ordem internacional, a ordem mundial é submetida àquela: “a sobe-
rania estatal e a não-intervenção são normas poderosas que combi-
nam o interesse estatal, princípios morais e leis formais”
(BELLAMY, 2003, p. 323). Assim, a intervenção não constituiria
um meio legítimo de proteção dos indivíduos: esta é pertinente ape-
nas ao Estado ao qual pertencem, e a interferência externa nos
assuntos domésticos é mínima.
Já para os solidaristas, os princípios da não-intervenção e da sobera-
nia estariam submetidos aos direitos humanos: haveria um consenso
entre os Estados para que os padrões morais de cada um deles conver-
gissem em direção ao respeito aos indivíduos. O desenvolvimento de
mecanismos de controle dos Estados e de como tratam seus nacio-
nais seria uma das evidências da proteção universal aos direitos hu-
manos. Uma prova disso é o conjunto de normas que fundamentaria o
direito internacional e a legitimação do uso da força quando para ga-
rantir o enforcement da lei, ajudando a manter os valores éticos uni-
versais: “as autoridades estatais são responsáveis pela garantia da se-
gurança e das vidas de seus cidadãos” (ICISS, 2001, p. 13). Assim,
violações maciças de direitos humanos justificariam a ruptura do
princípio da não-intervenção. Estas diferenças entre as posições soli-
darista e pluralista se refletem, também, no debate entre ordem e
justiça. A tensão gerada por esse debate molda o entendimento da
intervenção humanitária.
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Para os pluralistas, sejam eles mais conservadores, como Martin
Wight (2002) e Robert Jackson (2000), ou mais tolerantes, como
Hedley Bull (2002),7
a ordem internacional predominaria, pois sua
estabilidade é condição para a justiça e igualdade entre os Estados,
exceto em casos em que o consenso entre as grandes potências deter-
minasse o contrário. Por serem os Estados os principais atores no pla-
no internacional, o respeito à diversidade é estimulado, garantindo a
pluralidade cultural: o único valor compartilhado entre os Estados é a
manutenção da sociedade internacional. A soberania torna-se o prin-
cipal atributo dos Estados, impondo o ideal da não-intervenção nas
relações internacionais: a solidariedade residual decorrente deste va-
lor mínimo compartilhado teria a função normativa de garantir a
coexistência e sobrevivência dos Estados.
Assim, as questões domésticas seriam tratadas pela autoridade sobe-
rana por meio de seus próprios critérios de justiça, e o seu respeito ga-
rantiria a estabilidade da ordem internacional (KEENE, 2002), con-
sistindo na e abrangendo a relação entre Estados (BULL, 2002, p.
13-26). Com o bom desenvolvimento desta relação, seria possível
garantir a manutenção da independência dos Estados, da paz e da
própria sociedade internacional. Para Bull (2002, p. 26-29), preser-
var a ordem internacional garantiria a ordem mundial, resguardando,
em último caso, os indivíduos: haveria uma relação direta entre
preservar o internacional e garantir o doméstico.
Neste contexto, os ideais de justiça são entendidos como comutati-
vos, justificando os princípios da soberania e da não-intervenção
(BULL, 2002, p. 97). Tal ideia de justiça pressupõe a reciprocidade
na interação entre atores: ao considerar um Estado como soberano e
respeitar sua autoridade, este teria garantido o seu reconhecimento
por seus pares, recebendo, assim, o “direito” de sobreviver. A justiça
comutativa seria complementada pelo ideal de justiça internacional,
ou seja, regras morais que determinam quais são os deveres e direitos
de cada cidadão em seus Estados. Estas regulariam o comportamento
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
aceito dentro do Estado de forma a garantir a ordem doméstica, inde-
pendentemente de como esses valores repercutiriam em outras socie-
dades. Mesmo diante de violações dos direitos humanos, a interven-
ção não seria legítima, ainda que possível:
[...] a estabilidade da sociedade internacional,
especialmente em relação à unidade das gran-
des potências, é mais importante […] que os di-
reitos das minorias e a preservação de elemen-
tos humanitários na Iugoslávia ou em qualquer
outro país [...]. A guerra é uma ameaça aos di-
reitos humanos. A guerra entre as grandes po-
tências é a maior ameaça humanitária de todas
(JACKSON, 2000, p. 291).
As grandes potências, com base nos seus interesses vitais e na preser-
vação do equilíbrio de poder, podem escolher entre intervir em ou-
tros Estados ou até mesmo não fazê-lo, caso constatem que “a não-in-
tervenção pode ser uma política tão positiva quanto a intervenção”
(WIGHT, 2002, p. 202). A não-intervenção é, inclusive, preferível
por garantir a ordem pelo equilíbrio de poder internacional. A inter-
venção é percebida como um instrumento coercitivo aplicado por
meio da guerra, geralmente contra Estados mais fracos, para garantir
a ordem: o uso da força deve-se à importância assumida pelo poder
nas relações internacionais (BULL, 2002, p. 236). O humanitarismo
não pode ser definido por não haver valores compartilhados univer-
salmente, impedindo a caracterização de eventos como emergências
complexas: mesmo que a ordem doméstica esteja comprometida, a
intervenção não será realizada, pois a soberania estatal deve prevale-
cer (JACKSON, 2000, p. 372-373). A ideia de mudança no plano
internacional é restrita pela necessidade de manter a ordem.
A postura pluralista, portanto, considera a intervenção como excep-
cional, voltada exclusivamente para a manutenção da ordem interna-
cional desde que alternativas políticas se mostrem inadequadas para
preservar a ordem. A intervenção implica um perigoso precedente,
Marcelo Mello Valença
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
pois não só violaria a soberania e a justiça comutativa, como também
comprometeria a ordem internacional.
Por considerar a ordem mundial como fundamental, apesar da neces-
sidade de garantir a ordem internacional, o pluralismo de Bull pode
ser considerado um meio termo entre o pluralismo conservador e os
solidaristas. Bull rompe as fronteiras que separam os Estados e apro-
xima os indivíduos em um cenário onde, desde que haja o consenso
entre os grandes poderes como condição para a justiça predominar
sobre a ordem, a intervenção pode ser justificável.
Do lado solidarista, há a predominância da justiça sobre a ordem. A
justiça, ao invés de ser um mero jogo de troca, consiste em tratar os
iguais igualmente e os desiguais desigualmente, assumindo um cará-
ter distributivo. A justiça mundial, de caráter humanístico, ganha es-
paço, fugindo do simplismo da justiça comutativa e permitindo com-
preender diferentes estágios de desenvolvimento e respeito aos valo-
res internacionais. A intervenção é possível e também necessária
para proteger os indivíduos contra arbitrariedades praticadas pelos
Estados. A ordem mundial, isto é, a estabilidade na relação entre os
indivíduos de diferentes Estados, deve ser considerada como primor-
dial.
Os solidaristas entendem que a sociedade internacional compartilha
valores básicos inerentes aos indivíduos e não apenas o direito de so-
brevivência dos Estados. Estes, inclusive, devem responder pela pro-
teção aos seus indivíduos: “a soberania dos Estados não pode ser usa-
da como anteparo para violações grosseiras de direitos humanos”
(ANNAN, 2001). Graças a isso, as discussões sobre intervenção hu-
manitária privilegiariam o valor humanístico como potencial ele-
mento de mudança na sociedade internacional, que se adequaria ao
relacionamento gerado pela ordem mundial:
[s]olidaristas […] defendem que há um con-
senso na sociedade internacional sobre o que
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
constitui um caso de emergência humanitária
suprema e o que é um ato legítimo de interven-
ção. [...] [C]asos extremos de sofrimento hu-
mano constituem uma exceção legítima ao
princípio da não-intervenção (BELLAMY,
2003, p. 324-325).
A sociedade internacional é entendida a partir da agência humana e
do conceito de soberania responsável: os direitos humanos são uma
realidade que os Estados não podem ignorar. A intervenção seria
possível quando capaz de eliminar a ameaça e restaurar a proteção
aos direitos humanos, seja pelo uso da força ou não (WHEELER,
2000, p. 4-37), promovendo uma exceção legítima ao princípio da
não-intervenção (BELLAMY, 2004, p. 138): a ideia de que o direito
de sobrevivência mútuo dos Estados seria o único valor compartilha-
do na sociedade internacional ruiria, uma vez que os Estados não têm
agido fundamentados exclusivamente em seus interesses vitais ao
aprovar intervenções nas últimas duas décadas baseadas em um ideal
de humanitarismo (WHEELER, 2000, p. 297-299). Este seria respal-
dado pelos valores da sociedade internacional.
Apesar do contraste entre solidaristas e pluralistas em relação à pos-
sibilidade de intervir ou não, ambos acabam por reduzir a importân-
cia da soberania na delimitação de fronteiras, as quais são considera-
das elementos materiais contingentes aos interesses do Estado, seja
na manutenção da ordem, seja da paz. Para a Escola Inglesa, o ideal
ético na sociedade internacional decorreria da forma como a diversi-
dade é tratada: no caso pluralista, a diversidade seria tolerável até
ameaçar a estabilidade da sociedade internacional, enquanto os soli-
daristas defendem a diferença localizada em um processo de assimi-
lação de valores universais que uniria os povos em torno destes. A éti-
ca das fronteiras ignora a possibilidade de pensá-las como elementos
para a preservação e a tolerância da diferença na ordem internacio-
nal, gerando aspectos normativos que restringem o debate entre or-
dem e justiça, fazendo com que até aspectos humanistas sejam frus-
Marcelo Mello Valença
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
trados pela homogeneização logocêntrica baseada em doutrinas polí-
ticas ou ideológicas8
sobre as razões do Estado para intervir. As pos-
sibilidades de ação internacional são mais amplas, porém restritas ao
consenso estatal ocidental, representado pelo Conselho de Seguran-
ça da Organização das Nações Unidas (BELLAMY, 2005b, p. 34).
Diante do exposto, colocamos os desafios apresentados às interven-
ções humanitárias. Quanto à existência das emergências complexas,
vemos que esta somente é possível para os solidaristas, caracterizan-
do-se quando os valores da sociedade internacional fossem ameaça-
dos por meio da violação da justiça humana pelos Estados. Mas
como identificar quando estas violações levariam a uma emergência
complexa de fato?
Não há indicações neste sentido e a prática política mostra que nem
toda violação motivou a intervenção. Esta situação nos leva a pensar
nos limites e condições para intervir. As intervenções são tratadas
como atos coercitivos, envolvendo a presença do Estado e de seu apa-
rato institucional, buscando o respeito aos direitos humanos por meio
de ações garantidas pela força e conforme seus interesses vitais, ba-
seados em uma lógica racionalista, por mais que pensemos em
valores comuns que mobilizariam os Estados.
É para superar essa limitação que problematizamos o papel das fron-
teiras (WILLIAMS, 2006). A forma como estas são tratadas pela
Escola Inglesa reforça a contingência de seus papéis: elas teriam va-
lor ético apenas porque serviriam para um objetivo maior, isto é, pre-
servar a ordem ou a justiça. O papel da ética é desligado da política,
ficando à mercê da soberania, como um subproduto da demarcação
de espaços de autoridade exclusiva (WILLIAMS, 2006). No entanto,
a partir de um espaço que proporciona o relacionamento político,
pode-se trabalhar as fronteiras como práticas sociais dinâmicas que
preservam e valorizam a diferença por meio de seu papel ético, disso-
ciando-as da soberania e fugindo do estadocentrismo determinista:
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Leitura Crítica da Escola Inglesa...
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
“aceitar esta imagem de fronteiras territoriais constituindo práticas
sociais como sendo produto da agência humana e da escolha é
[ignorar] que a partir da agência é que atingimos a ética”
(WILLIAMS, 2006, p. 18).
Este respeito à diferença possibilitaria, inclusive, superar as limita-
ções e contradições das posturas solidarista e pluralista perante a
questão humanitária: a primeira, ao buscar simultaneamente aceitar a
tolerância e a civilização na ordem internacional, acaba por gerar
contradições internas que levariam à valorização de um desses ele-
mentos apenas, promovendo padrões homogeneizantes (KEENE,
2002). Por outro lado, os pluralistas se posicionariam diante da dife-
rença como um ponto que deve ser preservado a qualquer custo, mes-
mo em detrimento da justiça, obrigando o entendimento da tolerân-
cia e da diferença como um novo valor a ser compartilhado. Diante
desses elementos, Williams vai propor a tolerância da diferença até
os limites do “intolerável”, ou seja, quando ocorre o isolamento e a
política não é mais possível, mas sem indicar que critérios estipulari-
am o momento em que essa situação de intolerância se daria. A dife-
rença na ordem internacional seria algo positivo, permitindo o debate
sobre os limites das intervenções humanitárias com base no ideal de
emergência complexa, oferecendo indicações sobre o que constitui-
ria o intolerável.
A Ética das Fronteiras:
Em Busca do Mínimo
Valor Ético
Vimos que o debate entre pluralistas e solidaristas na Escola Inglesa
subteoriza o papel ético das fronteiras na sociedade internacional, li-
mitando as possibilidades de intervenção humanitária diante da ten-
são entre ordem e justiça que decorreria da análise não problematiza-
da dos elementos políticos da sociedade internacional. Tanto plura-
listas quanto solidaristas oferecem argumentos que embasam sua po-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
sição, mas nenhum deles questiona o papel das fronteiras: é impensá-
vel lançar desafios a elas, já que se chocariam com a concepção de
política e de mundo da Escola Inglesa. Para os pluralistas, as frontei-
ras importam desde que mantenham a ordem internacional; caso este
papel possa ser preenchido por outros arranjos institucionais, as fron-
teiras perderiam importância. No caso dos solidaristas, as fronteiras
são encaradas como barreiras para a realização da justiça
(WILLIAMS, 2006, p. 21-22). Em suma, o que importaria à Escola
Inglesa seriam os limites assumidos pela soberania e que efeitos ela
produz nas intervenções (WILLIAMS, 2006, p. 60).
Acreditamos que a intervenção humanitária é mais bem compreendi-
da a partir da leitura crítica das fronteiras, sem que estas sejam vistas
apenas como elementos estáticos submetidos à ordem ou à justiça.
As fronteiras devem ser encaradas de diferentes maneiras, conforme
as práticas sociais que as constituem e reproduzem (WILLIAMS,
2006, p. 28), possibilitando a construção de ideais dinâmicos de tole-
rância. A intervenção humanitária desafia o consenso sobre como as
fronteiras devem ser enxergadas, e a Escola Inglesa falha ao respon-
der a esses desafios por não proporcionar elementos suficientes para
a sua compreensão.
Entendemos que, por serem inerentes à própria condição humana, as
fronteiras territoriais são essenciais na preservação da diversidade da
política internacional e devem ser vistas como necessárias e moral-
mente defensáveis para a preservação da liberdade e da diferença en-
tre os indivíduos por meio da explicitação de seus mecanismos éticos
(WILLIAMS, 2006, p. 38). Ao contrário da Escola Inglesa, que toma
a fronteira como um atributo da soberania, entendemos que sua im-
portância está em atuar como prática social que garantiria o pluralis-
mo, não só possibilitando a diferença na comunidade internacional,
mas tendo participação fundamental na formação das identidades
políticas (WILLIAMS, 2006, p. 99). A interação entre os atores
aconteceria a partir da estipulação de um mínimo ético baseado em
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valores socialmente compartilhados, mas sem restringir esse valor ao
direito de sobrevivência. Tampouco esse mínimo ético consiste na
aceitação autorreferenciada da diferença defendida pelos solidaris-
tas.
Ao analisarmos o papel que a fronteira assume socialmente, toma-
mos a agência internacional como humana, rompendo com o para-
digma da Escola Inglesa (WILLIAMS, 2006, p. 63). A ética não
pode ser dissociada da política, logo as fronteiras não podem ser to-
madas como pré-dadas e ligadas à soberania. As formas de ação cole-
tiva que se reproduzem no plano internacional decorrem desta consi-
deração dos indivíduos como principais atores, mas sem desprezar o
papel que os Estados possuem na garantia da estabilidade da ordem
(DUNNE, 2005, p. 68). Assim, a sociedade internacional seria com-
posta também por atores não estatais, fugindo dos modelos tradicio-
nalmente considerados centrados apenas em Estados.
Ao problematizarmos as fronteiras, percebemos a soberania como
resposta que preenche momentaneamente demandas históricas: a so-
ciedade internacional gerou formas diferentes de soberania para lidar
com diferentes modelos de ordem internacional (KEENE, 2002).9
De outro lado, as fronteiras são parte da ontologia das comunidades
políticas que as ajuda a determinar sua própria identidade por meio
de relações políticas que acontecem no espaço representado pelas
fronteiras (WILLIAMS, 2006, p. 17). Estes espaços proporcionam a
troca e o diálogo entre diferenças. Assim, o ato de estabelecer fron-
teiras assume conotação otimista, o que nem sempre é partilhado por
outras perspectivas teóricas.
Walker (2005) defende que as fronteiras possuem a função de pro-
mover um duplo processo de exclusão que não apenas constituiria a
identidade do Outro como oposição ao Eu, mas também produziria e
ocultaria os processos de exclusão do que está para além das frontei-
ras e inclusão do que está dentro delas. Contudo, as práticas sociais
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que formam as fronteiras permitem que, ao confrontar-se com a dife-
rença, o Eu busque padrões de entendimento por meio dos quais en-
tenderia a relação com o Outro a partir da análise do seu próprio inte-
rior, percebendo dentro de si elementos que o aproximariam do Ou-
tro. Isto permitiria que o Outro não fosse reduzido a um alguém se-
melhante ao Eu, nem tampouco fosse inferiorizado. O entendimento
holístico da diferença deve ser estimulado para que o diálogo seja es-
tabelecido. Assim, com a cooperação e a sobreposição do Eu e do
Outro formando um espaço ético de entendimento, a competição tí-
pica da modernidade que impõe o caráter homogeneizante a esta re-
lação é evitada. A separação das diferenças no formato territorial
assumido pelo Estado deve ser entendida como parte da ética global
de tolerância e não a formação de padrões de exclusão (WILLIAMS,
2006, p. 13-14).
A delimitação de fronteiras como prática social é inerente à manuten-
ção do sistema internacional moderno e, consequentemente, da pró-
pria sociedade internacional. As fronteiras não apenas seriam ele-
mentos inevitáveis, mas também constituiriam o espaço onde a reali-
zação da política é possível, sendo, portanto, sujeitas à mudança e
atuando como lócus de constituição da identidade e do sentimento de
inclusão em determinada comunidade política, permitindo o diálogo
com a diferença por meio da interação social.
Esta interação não implica a homogeneização da cultura, nem a ne-
cessidade artificial de criar diferenças. As fronteiras possibilitariam
a distinção territorial das comunidades políticas, com o exercício da
diferença dentro e entre elas em um processo de aceitação e tolerân-
cia que impediria o isolamento dos indivíduos e das comunidades.
Uma vez que ocorre o isolamento, a política deixa de existir, com as
fronteiras passando a delimitar apenas a separação das comunidades,
sem permitir que estas tangenciassem. Com isso, o diálogo entre as
diferenças deixa de acontecer, levando a um projeto totalizante que
ameaça o pluralismo e a diversidade internacionais.
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Tal cenário caracterizaria a ocorrência do intolerável, que exigiria a
ação da sociedade internacional para restaurar a ordem internacional.
Neste sentido, entendemos que o intolerável para Williams (2006)
representa a caracterização da emergência complexa, pois constitui-
ria uma situação em que o espírito de tolerância proporcionado pelas
fronteiras seria encerrado, limitando a capacidade dos indivíduos e
das comunidades de exercerem sua diversidade, seja por meio da vio-
lência direta, seja pela repressão ao seu direito de ter direitos. Segun-
do o pensamento arendtiano, todos seriam diferentes desde que as
condições para a manifestação da diferença sejam possíveis a partir
de um espaço político comum de tolerância, que estimule a participa-
ção de indivíduos: as comunidades políticas. A pluralidade mos-
tra-se necessária como um atributo da comunidade, mas não baseada
em padrões excludentes ou marginalizantes: o status de humano não
pode ser negado ao Outro (WILLIAMS, 2006, p. 98). Mas uma
reflexão deve ser promovida: como e em quais bases pensar essa
negação de status de humano?
Williams não consegue responder a essa pergunta. Suas indagações
sobre o que consistiria o intolerável não são conclusivas, limitan-
do-se a apontar que o intolerável decorre de projetos totalizantes, ne-
cessitando apoio em outros campos.
A intervenção humanitária para evitar a violência decorrente desses
projetos totalizantes permitiria o pleno exercício no campo político
do potencial dos indivíduos, restaurando o cenário de garantia às di-
versidades humana e política, em um processo de construção da tole-
rância genuína (WILLIAMS, 2006, p. 96). Por conseguinte, uma vez
que a política não se realiza, surge uma disparidade entre o potencial
de realização do indivíduo e sua realização de fato. A existência deste
gap se caracterizaria como a ocorrência da violência estrutural
(OSTERGAARD, 1990), preocupação que os Estudos da Paz tentam
evitar. Assim, a partir da interpretação dos objetivos dos Estudos da
Paz e da extrapolação do argumento de Williams, podemos entender
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o intolerável, como o acontecimento de eventos que impedem a
emancipação dos indivíduos e provocam o gap entre o real e o poten-
cial. Conforme o que expusemos anteriormente, a ocorrência da vio-
lência estrutural representaria este intolerável, construindo o concei-
to de emergências complexas de modo mais objetivo do que a ideia
de “violação dos valores compartilhados pela sociedade internacio-
nal”.
A intervenção humanitária seria, assim, parte do instrumental políti-
co transnacional que garantiria a não-violência como forma de me-
lhoria das condições de vida nas comunidades políticas, possibilitan-
do a diversidade. Isto já diferenciaria as possibilidades de interven-
ção daquelas legitimadas pelos solidaristas, por separar processos vi-
olentos – genocídios, limpezas étnicas e massacres – de uma violên-
cia menos evidente, que afetaria o direito dos indivíduos de terem di-
reitos, preparando espaço para a aceitação do conceito de humanita-
rismo dos teóricos de intervenção humanitária.
Com isso, e a partir da análise do papel ético desempenhado pelas
fronteiras, o isolamento representaria o intolerável porque negaria à
comunidade política ou a uma parcela dela o direito de emancipação,
caracterizando a emergência complexa. Para contorná-la, é necessá-
ria a participação da sociedade internacional por meio de uma ideia
de intervenção que não se limite ao uso da força, mas que garanta a
emancipação e evite o abuso, escapando de limitações estadocêntri-
cas.
Seguimos na tentativa de fortalecer o diálogo entre a Escola Inglesa e
o campo da intervenção humanitária. O ideal ético que buscamos não
decorre da consideração da soberania como absoluta ou de valores li-
berais autorreferenciados transpostos do plano doméstico para a so-
ciedade internacional: pensar desta maneira apenas reforçaria o cará-
ter de contingência do debate entre pluralistas e solidaristas e da ten-
são entre ordem e justiça decorrente deste debate. A ética passa a as-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
sumir um valor próprio, deixando de ser vista como o termo fraco em
oposição à política. Isto é possível ao percebermos as fronteiras
como espaços intermediários que permitem a realização da política:
a interação e o diálogo entre diferenças deixam de explicar a fronteira
como separação material, tornando-a objeto de reflexão e atribuindo
papel ético em um plano do real e não mais no do ideacional. E é neste
ponto, de busca dos valores reais e não abstratos, que dialogaremos
com o campo das intervenções humanitárias e os Estudos da Paz.
Intervenção Humanitária e
Estudos da Paz:
Complementações para a
Escola Inglesa
A Escola Inglesa privilegia a forma como a intervenção é realizada
em detrimento de seu conteúdo: a intervenção consistiria em uma
ação promovida por Estados de maneira coercitiva, visando restaurar
as condições que retornariam a ordem ou a justiça à sua normalidade,
acusando, em maior ou menor escala, o uso da força para a conclusão
do empreendimento (BELLAMY, 2003, p. 329). Para superar esse
impasse, propusemos entender como as fronteiras desempenham um
papel ético e não contingente.
Williams problematiza o entendimento das fronteiras territoriais, en-
xergando-as não como elementos dependentes da soberania, mas
como práticas sociais dinâmicas capazes de desempenhar o papel éti-
co na relação entre comunidades políticas. As fronteiras permitiriam
que a diversidade internacional acontecesse, garantindo a tolerância
à diferença como um valor a ser preservado para o bem da ordem in-
ternacional, tendo papel fundamental na constituição da identidade
das comunidades políticas e garantindo a ação coletiva e a agência
humana como determinantes para a concepção do mínimo ético que
guiaria as relações internacionais. O espaço constituído pelas fron-
teiras permitiria o diálogo com a diferença, apontando que esta troca
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
é positiva para o desenvolvimento da sociedade internacional. Isso
permitiria a construção de um conceito positivo de ética, pautado na
diversidade e na rejeição de projetos totalizantes que impeçam a
emancipação dos indivíduos e das comunidades políticas às quais
eles pertencem.
Ao se preocupar com a formação de um espaço político em que a di-
ferença pode coexistir e ajudar a alcançar a emancipação, o conceito
de intervenção se ampliaria, demandando respostas para problemas
que não podem ser solucionados por meio do uso da força: a interven-
ção deve ser capaz de solucionar também os problemas causados
pela violência estrutural, que impedem a realização da total capaci-
dade dos indivíduos. O conceito de emergência complexa mostra-se,
por conseguinte, ampliado de modo a abarcar as condições de
ameaça – física ou estrutural – que impulsionaria a capacidade
humana de agir.
Já os solidaristas afirmam que a violação das condições de justiça hu-
mana caracterizaria a emergência complexa, enquanto pluralistas
não admitiriam a sua existência. Williams complementa essas res-
postas apontando que se deve pensar em termos de ameaças à plurali-
dade política. Estas ameaças aconteceriam por meio de projetos tota-
lizantes que homogeneizariam a diversidade, criando uma cultura
compartilhada artificial; logo, a justiça humana pretendida pelos so-
lidaristas seria falsa, quiçá perigosa para a estabilidade internacional.
No entanto, mesmo a discussão sobre ética e os limites da tolerância
propostos por Williams não conseguem explicar por si só o que
exatamente consistiria uma emergência complexa.
De forma a suprimir esse vazio explicativo, buscamos em Alex Bel-
lamy (2003) os argumentos para intervenções mais complexas que
garantam a emancipação. Estas intervenções objetivariam não ape-
nas acabar com a violência física praticada, mas também eliminar as
condições que geram a violência estrutural. Em consonância com os
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postulados dos Estudos da Paz, qualquer forma de sofrimento huma-
no constituiria um sinal de que a capacidade humana não é atingida,
caracterizando a emergência complexa.10
As intervenções armadas –
formato de intervenção vislumbrado pela Escola Inglesa – abordari-
am apenas a parcela mais visível destas emergências, ignorando ou-
tros eventos que prejudicariam a emancipação.
A legitimidade que a Escola Inglesa busca para as intervenções hu-
manitárias é respaldada pelo consenso dos Estados – ou por uma par-
cela deles, as grandes potências (BULL, 2002), em consenso ou, na
pior das hipóteses, sem a oposição de quaisquer delas – com base em
preceitos normativos representados pela Carta das Nações Unidas,
na figura do Conselho de Segurança. Contudo, ao se pensar a agência
humana como fonte para a ética política, como sugerido por Willi-
ams e Dunne, a legitimidade da sociedade internacional deixa de ser
necessária: a autorização daqueles que sofrem a violência seria sufi-
ciente para iniciar a intervenção, visto que é o seu direito de ter direi-
tos que está ameaçado e sua emancipação é tolhida: limitar a legiti-
mação ao nível estatal é dar condições para o agente produtor da vio-
lência continuar impedindo a realização da política, prolongando o
isolamento. A ameaça seria real, logo ignorar o pleito destes indiví-
duos constituiria o abuso, alegações falsamente morais para justificar
uma tomada de decisão.
Assim, o campo das intervenções humanitárias passaria a ser orienta-
do pelo humanitarismo, baseado no pragmatismo e não mais no com-
partilhamento de valores abstratos pela sociedade de Estados tal
como desejam os solidaristas da Escola Inglesa. O humanitarismo
consiste em quatro princípios fundamentais que dialogam com o
campo das intervenções humanitárias e dos Estudos da Paz. Estes se-
riam os da: (i) humanidade, que consiste em prevenir o sofrimento
humano onde quer que este se encontre; (ii) imparcialidade, mostran-
do que não existem condições de poder, nacionalidade, etnia ou reli-
gião para que o auxílio seja prestado; (iii) neutralidade, não tomando
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partido para qualquer um dos lados durante a ação; e (iv) universali-
dade, que mostra que o humanitarismo é universalmente aplicável e
todos os indivíduos têm direito a ele (RAMSBOTHAM;
WOODHOUSE apud PUGH, 1998, p. 339-340).
A natureza da sociedade seria pluralista, pela própria impossibilida-
de de valores universalmente aceitos pelas diferentes comunidades
políticas que a compõem (WILLIAMS, 2006). O pluralismo seria
possível graças às relações políticas entre os indivíduos no espaço
constituído pelas fronteiras estatais, em um processo em que as iden-
tidades são construídas e a diferença é aceita, como parte da valoriza-
ção dos sujeitos, proporcionando a emancipação. A ruptura deste
processo constituiria o cerne das emergências complexas, criando
critérios para apontar a sua ocorrência e estimulando medidas para
reprimir sua repetição diante do ideal do humanitarismo. A Escola
Inglesa tem dificuldades em trabalhar com este conceito porque a in-
tervenção seria um evento excepcional na sociedade internacional,
dirigido espacial e temporalmente para restaurar a natureza normati-
va da sociedade internacional (BELLAMY, 2003, p. 338). Todavia, o
ideal de intervenção decorrente do diálogo entre os teóricos deste
campo e os Estudos da Paz sugeriria uma postura mais intervencio-
nista da comunidade internacional.
Esta impressão decorre da leitura de intervenção com base nos pre-
ceitos da Escola Inglesa. Como ressaltamos em diversos momentos,
as intervenções assumem diferentes formatos conforme os objetivos
que elas buscam atingir. Destarte, a “postura mais intervencionista”
deve ser entendida como uma postura mais ativa da sociedade inter-
nacional em identificar os riscos de ocorrência do isolamento e da vi-
olência estrutural, eliminando-os antes que assumam proporções que
ameacem definitivamente a emancipação.
Neste sentido, Bellamy (2003), baseando-se na ideia de que o conhe-
cimento é obtido por meio de representações da realidade, defende a
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necessidade de a intervenção ser avaliada conforme correspondesse
ou não a uma estrutura de “regime da verdade”, que delimitaria as
fronteiras do conhecimento e dos sistemas de validação e de legiti-
mação. Isto levaria a intervenção a assumir um caráter pragmático,
surgindo diferentes critérios de legitimação e de verificação do su-
cesso de uma ação. Esta abordagem privilegiaria especialmente a
problemática das identidades envolvidas no conflito, garantindo a
manutenção da diversidade, tal como defende Williams. O questio-
namento do papel das fronteiras na proteção da diversidade permiti-
ria um novo espaço para a realização da política que possibilitará não
apenas a tolerância e a interação entre comunidades políticas distin-
tas com base em valores humanísticos, mas a própria problematiza-
ção do humanitarismo e da emergência complexa. O humanitarismo
assumiria dimensões verdadeiramente morais, deixando de ser um
instrumento de discursos políticos. Cria-se um valor ético que trans-
cende o mero direito de sobrevivência para englobar a compreensão
de processos totalizantes que ameaçariam a diversidade política,
comprometendo os esforços de emancipação.
A atuação constante da comunidade internacional evidenciaria a rea-
lização da política nas áreas de contato entre as comunidades, de-
monstrando o papel ativo e dinâmico das fronteiras, que não se res-
tringiriam a ser um elemento material de constituição da soberania.
Não só o espaço de tolerância estaria configurado, permitindo o diá-
logo entre o Eu e o Outro nos mesmos termos de humanidade que
existiria dentro da própria comunidade, mas também os limites para
que esta tolerância aconteça, mobilizando ações que viabilizem a
constituição plena do Eu e do Outro.
Considerações Finais
Buscamos expor neste trabalho como as limitações da Escola Inglesa
em tratar os elementos que constituem a sociedade internacional im-
pedem uma visão compreensiva das intervenções humanitárias. Por
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
se ater ao debate entre solidaristas e pluralistas, com repercussões na
forma como a ordem e a justiça são concebidas, a Escola Inglesa dei-
xa de problematizar o papel dinâmico que as fronteiras desempe-
nham na formação das comunidades políticas, atuando separada-
mente da soberania. Assim, as possibilidades da intervenção huma-
nitária acabam reduzidas ao entendimento da sociedade internacio-
nal de Estados. A fronteira, elemento não problematizado pela Esco-
la Inglesa, assumiria um importante papel ao estabelecer um espaço
de diálogo entre as diferentes comunidades políticas existentes no
plano internacional por proporcionar elementos dinâmicos de reali-
zação da política.
A leitura arendtiana de Williams mostra que as fronteiras funcionam
como um espaço intermediário onde a tolerância à diversidade acon-
teceria, permitindo a compreensão do Outro como ser humano e não
como um elemento excluído ou renegado (WALKER, 2005). A di-
versidade, vista de maneira otimista, promoveria a estabilização da
ordem internacional, mas não da maneira artificial que a Escola
Inglesa defende: Williams baseia-se na construção de identidades e
do sentimento de pertencimento a uma comunidade, criando sujeitos
separados pelas fronteiras que interagem, dialogam e mutuamente se
constituem, fugindo da lógica excludente pós-moderna e pós-positi-
vista.
A negação da diferença levaria à condição de isolamento, evidenci-
ando situações em que a emergência complexa ocorreria, ameaçando
a estabilidade da ordem internacional. Fica claro que o pluralismo de
Williams, ao contrário daquele da Escola Inglesa, concebe sim a
ocorrência de emergências complexas. Isto acontece porque os ide-
ais de emergência complexa e de humanitarismo são controversos na
Escola Inglesa, com os pluralistas negando a sua existência e os soli-
daristas defendendo a sua ocorrência quando da violação maciça de
direitos humanos por meio da violência física e política.
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Contudo, Williams dá indicações de que o humanitarismo surgiria
quando da presença do intolerável, mas sem apontar critérios para
defini-lo. Surge daí nossa necessidade de buscar nos Estudos da Paz
um suporte para tal definição, de forma a operacionalizá-la, escapan-
do do uso abusivo do termo para justificar posturas políticas autointe-
ressadas. A emergência complexa aconteceria, então, quando hou-
vesse uma situação de isolamento, impedindo que a diversidade fos-
se mantida. A intervenção internacional seria legitimada para garan-
tir que o espaço de diálogo fosse restabelecido, evitando o abuso que
distorcesse os elementos morais e éticos que norteariam as práticas
sociais entre as comunidades políticas.
Para tanto, expande-se o conceito de intervenção. Deixando de con-
sistir em ação coercitiva tal como entendida pela Escola Inglesa, a in-
tervenção passa a assumir diferentes formatos, de forma a entender e
aliviar o sofrimento humano por meio da eliminação de qualquer for-
ma de violência, direta ou estrutural. Com base nos preceitos do hu-
manitarismo, as intervenções humanitárias se voltariam para a ga-
rantia da emancipação, superando o gap entre a capacidade potencial
e o que é realmente atingido pelos indivíduos, não mais buscando
apenas a restauração da ordem internacional ou evitando a violação
de valores compartilhados. A agência humana passa a ter grande re-
levância, delimitando formas pragmáticas de atuar com base na
leitura da realidade e não mais em pressupostos abstratos.
Com isso, retornamos aos questionamentos que guiaram nossa expo-
sição e que foram apresentados na introdução deste trabalho. Diante
da pergunta de até que ponto existiria a condição de emergência com-
plexa, nossa explanação indica que esta existiria sempre que a reali-
zação da política fosse impedida por meio do isolamento dos indiví-
duos, impedindo a sua emancipação. Este entendimento extrapolaria
os limites da Escola Inglesa ao permitir compreender as emergências
complexas para além da violação material e direta dos direitos dos in-
divíduos, incluindo a violência estrutural, fator menos perceptível e
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
menos abordado pela comunidade internacional. A promoção ativa
do desenvolvimento social e econômico passaria a entrar na agenda
política, motivando ações mais concretas da comunidade internacio-
nal. Os limites para intervir seriam percebidos a partir da análise
pragmática da situação considerada como potencial emergência
complexa, implicando um tratamento mais “humano” no plano inter-
nacional e percebendo na interação entre os indivíduos e suas comu-
nidades políticas as dificuldades enfrentadas pelas partes de forma a
evitar o isolamento e, por consequência, os projetos totalizantes que
oprimam o indivíduo.
Finalmente, resta falar da forma como os Estados deveriam se com-
portar durante a intervenção. Acreditamos que a questão deveria ser
reformulada para indagar como os Estados deveriam se comportar
diante da possibilidade de intervenção. A intervenção deve deixar de
ser vista como algo excepcional e coercitivo, pois, ao contrário, ela
implica a participação ativa da comunidade internacional no diálogo
entre seus diversos componentes, permitindo a dinâmica na política
e, com isso, o tratamento do Outro com humanidade. A diferença não
pode servir como pretexto de exclusão, mas como forma de se perce-
ber a própria identidade e, por meio do reconhecimento do Outro
como possuindo status de humano, buscar a redenção do Eu, prolon-
gando o entendimento entre as diferentes comunidades e eliminando
o risco de isolamento, de forma a proporcionar a estabilidade e o bom
funcionamento da ordem internacional.
Notas
1. Optamos por utilizar a expressão emergência complexa como sinônimo
para as expressões “emergência humanitária suprema” (WHEELER, 2000, p.
34) e “extrema emergência” (WALZER, 2003, p. 426). Por emergência comple-
xa, entendemos as situações sociopolíticas decorrentes da violência cometida
Política, Emancipação e Humanitarismo: Uma
Leitura Crítica da Escola Inglesa...
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
contra indivíduos ou grupos (EVANS; NEWNHAM, 1998, p. 88), afetando o
sentimento humanitário e fundamentando a postura intervencionista.
2. Bellamy (2003) critica Robert Jackson por diferenciar intervenção de per-
suasão. A primeira afetaria a soberania dos Estados, enquanto a última se dirigi-
ria à sua autonomia. Segundo Jackson (2000), como nenhum Estado possui
completa autonomia, seu comportamento poderia ser afetado voluntariamente
por meio de vias diplomáticas ou econômicas, mas a intervenção não seria pos-
sível por violar sua soberania. A argumentação de Jackson poderia servir para
ocultar o abuso, ao dissociar política, economia e sociedade.
3. Ressaltamos que a posição “verdadeiramente pluralista” de Williams em
comparação aos autores da Escola Inglesa é mencionada pelo próprio. Segundo
ele, para os pluralistas da Escola Inglesa, não apenas o direito de coexistência na
sociedade internacional é visto como o único valor compartilhado, mas também
a necessidade da diferença como forma de os Estados se autodefinirem se torna
um valor comum aos atores internacionais (WILLIAMS, 2006, p. 77). Assim, o
autor trata a Escola Inglesa como se solidarista fosse, de modo a justificar estes
valores compartilhados “implicitamente”.
4. Nas palavras de Ken Booth (2001, p. 539), o conceito de emancipação esta-
ria ligado a posturas que possibilitassem libertar as pessoas “dos constrangi-
mentos que as impedem de escolher livremente o que fazer, dos quais guerra,
pobreza, opressão e má-educação são alguns”. Esta conceituação, identificada
mais frequentemente com o conceito de segurança humana, também nos ajuda a
fugir da análise de referencial no Estado e passar a focar mais nos indivíduos.
5. No original em inglês, “freedom from want and freedom from fear”
(FIERKE, 2007, p. 145).
6. Todas as citações em inglês foram traduzidas pelo autor deste trabalho.
7. O legado de Hedley Bull é marcado por dois momentos distintos. Em A so-
ciedade anárquica, Bull apresenta-se como um pluralista, defendendo a diver-
sidade da sociedade internacional. Posteriormente, em trabalhos como Justice
in International Relations, Bull mostrar-se-ia partidário do solidarismo. Em
ambos os momentos, contudo, Bull reconhece que solidarismo e pluralismo es-
tão presentes a todo instante na política mundial, em diferentes escalas, mas
mantendo o predomínio do pluralismo (ALMEIDA, 2003, p. 149), caracteri-
zando a abordagem racionalista.
8. Entre os autores que seriam representativos desta postura, Wheeler (2000),
um dos expoentes da ala solidarista da Escola Inglesa, trabalha seu argumento
relacionando as condições da intervenção com as possibilidades oferecidas pela
guerra justa.
Marcelo Mello Valença
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
9. Keene trabalha com a limitação do conceito de sociedade internacional ao
questionar a sua equivalência ao conjunto de valores compartilhado pelos Esta-
dos europeus em um processo artificial de tolerância. Ao mesmo tempo em que
se buscaria uma ordem internacional única, rompia-se com a diferença a partir
da relação entre civilização e barbárie. Esta seria domada a partir do uso da for-
ça, método encontrado para lidar com a diferença não tolerada. Este posiciona-
mento acaba por ignorar ordens internacionais formadas às margens da Europa,
por não partilharem do sentimento de civilização que os Estados europeus
buscavam àquele tempo.
10. Raimo Väyrynen (1999) apresenta uma tipologia para evidenciar as dife-
rentes formas de emergências complexas que ocorreram durante a década de
1990, ajudando o nosso argumento a ampliar esta concepção para além da ques-
tão da violência direta de caráter político. Em suas palavras, “a guerra é opera-
cionalizada pelo número de baixas, a saúde pela mortalidade infantil e abaixo
dos cinco anos de idade, a fome pelo percentual de crianças subnutridas abaixo
dos cinco anos, e o deslocamento pelo número total de refugiados e deslocados
internos” (VÄYRYNEN, 1999, p. 191, grifo no original).
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Resumo
Política, Emancipação e
Humanitarismo: Uma Leitura
Crítica da Escola Inglesa sobre a
Questão da Intervenção
Humanitária
O artigo analisa as possibilidades de realização de intervenções humanitá-
rias a partir da lógica desenvolvida pela Escola Inglesa das Relações Inter-
nacionais. Apesar da ênfase dada ao tema de intervenções humanitárias por
muitos de seus adeptos atualmente, buscamos evidenciar a necessidade do
diálogo da Escola Inglesa com os Estudos da Paz e com outras teorias que
trabalham especificamente com intervenções para superar as suas limita-
ções, ontológicas e epistemológicas. Isto acontece principalmente pela im-
possibilidade do consenso sobre a existência de valores compartilhados
pela sociedade internacional, tornando problemática a legitimação destas
ações. Sugerimos que tais limitações sejam superadas a partir de um novo
entendimento do que seriam “fronteiras”. Enxergando as fronteiras como
zonas políticas de troca onde a diferença é preservada para garantir a ordem
internacional, podemos vê-las como espaço ético de delimitação e proteção
da diferença, não apenas de exclusão. Neste sentido, e resgatando o ideal de
diversidade e tolerância de Hannah Arendt, partimos em busca da valoriza-
ção e aceitação da diferença no plano internacional, não nos restringindo às
comunidades estatais dos pluralistas, nem à aceitação absoluta de valores
universais solidaristas. Com isso, podemos ampliar coerentemente o con-
ceito de intervenção.
Palavras-chave: Escola Inglesa – Intervenção Humanitária – Fronteiras
– Estudos da Paz
Marcelo Mello Valença
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Abstract
Politics, Emancipation, and
Humanitarianism: A Critical
Reading of the English School
over the Issues of the
Humanitarian Intervention
This article discusses the possibilities of humanitarian intervention from
the theoretical standpoint of the English School. Despite its recently
emphasis on humanitarian intervention, the article shows the possibility of
establishing a dialogue with Peace Studies and other theoretical approaches
that discuss intervention in order to overcome the limitations of the English
School – both ontological and epistemological – in this area due to the
controversy over the existence or not of shared values by the international
society. The article suggests that the limitations presented by the English
School should be approached with a new understanding of the concept of
“borders”. By understanding borders as political zones where difference is
preserved to guarantee international order, one may see borders as an
ethical space of protection of difference, not only as a space of exclusion. In
that fashion, and by using Hannah Arendt’s ideals of diversity and
tolerance, the article defends the acceptance of difference in international
politics and the widening of the concept of intervention in the terms
presented leading to a more politically conscious idea of humanitarian
intervention.
Keywords: English School – Humanitarian Intervention – Borders –
Peace Studies
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Leitura Crítica da Escola Inglesa...
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Introdução
A institucionalização da área de Relações Internacionais (RI) como
disciplina acadêmica data do final da Primeira Guerra Mundial. Em
1919, David Davies, empresário e parlamentar, doou fundos para
que fosse criada, na Universidade de Gales, Aberystwyth, a cadeira
Woodrow Wilson de Política Internacional. Davies
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
* Artigo recebido em julho e aprovado em dezembro de 2008. Agradecemos a Clemilson Batista e a Edil-
ma Macedo pelo auxílio na coleta e interpretação de dados.
** Doutora em Relações Internacionais pelo Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales, em
Genebra (Suíça), professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
(Irel/UnB) e editora da revista Cena Internacional. Email: [email protected].
*** Doutor em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília (Irel/UnB), analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) e professor
colaborador do Irel/UnB. E-mail: [email protected].
CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 31, no 2, maio/agosto 2009, p. 353-380.
A Pós-Graduação
em Relações
Internacionais no
Brasil*
Norma Breda dos Santos** e Fúlvio Eduardo
Fonseca***
propunha que se estudasse direito, ética, eco-
nomia, outras civilizações e organizações in-
ternacionais, [e] o que ficou registrado na me-
mória coletiva foi a ideia de que o estudo da po-
lítica internacional, catapultado para a vida
acadêmica pela Grande Guerra, deve incluir o
estudo da guerra como seu objetivo supremo
(BOOTH, 1996, p. 328).1
Assim, a preocupação de compreender os fatores que engendram a
guerra e o que fazer para preveni-la aparece como constitutiva da dis-
ciplina. É verdade que essa tão repetida referência a Aberystwyth na
institucionalização do estudo de RI acaba sendo mais mitificadora do
que explicativa; no entanto, tem justamente a seu favor o fato de dei-
xar manifesto um dos mitos fundadores da disciplina, cujo apareci-
mento é certamente mais complexo, e suas interconexões com vários
campos de conhecimento, mas particularmente com a Economia, o
Direito Internacional, a Ciência Política (CP) e a História.
No Brasil, a institucionalização da área de RI seguiu o padrão nor-
te-americano, preponderante internacionalmente, em que CP e RI
são áreas acadêmicas de um mesmo departamento (LIMA, 2001).2
Ainda que, em sua origem, a disciplina acadêmica de RI tenha muito
a dever à Grã-Bretanha e que a produção intelectual britânica tenha
considerável impacto internacional, notadamente com a Escola In-
glesa,3
o mainstream da disciplina é norte-americano. Ou seja, é nos
Estados Unidos que a disciplina se expande e onde se estabelece o
paradigma hegemônico.
Os cursos autônomos de RI começaram a surgir há pouco mais de
trinta anos. O primeiro deles em 1974, na Universidade de Brasília
(UnB). A “explosão” dos cursos de RI se dá a partir de 1995
(MYIAMOTO, 2003, p. 113). Em 2003, já havia em torno de sessen-
ta cursos no país. Atualmente, existem 89 cursos autorizados pelo
Ministério da Educação.4
Em apenas cinco anos, cresceu 30%.
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
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Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
A outra faceta dessa realidade, que também mostra uma sensível pro-
gressão, é o crescimento no número de programas de pós-graduação
(PG) em RI no Brasil, que quadruplicou, passando de dois progra-
mas, na década de 1980, para oito, em 2008. Vê-se, no entanto, que o
crescimento da PG em RI, embora expressivo, é muito mais modesto
do que o dos cursos em nível de graduação. Qual seria a proporção
adequada entre o número de cursos de graduação e o de PG?
A criação da Associação Brasileira de Relações Internacionais
(ABRI), em 2005, é também manifestação do visível crescimento de
RI no país. A ABRI realizou o seu primeiro encontro nacional em ju-
lho de 2007. Nele, estiveram presentes muitos alunos de graduação,
assim como pesquisadores de todos os programas de PG em RI de
todo o Brasil.
Este trabalho analisa a PG em RI no Brasil e está dividido em duas
partes principais. A primeira trata da evolução, do crescimento e das
políticas de indução para a criação e a consolidação da PG em RI. A
segunda aborda principalmente questões relativas à avaliação desses
programas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-
vel Superior (Capes). O trabalho chama a atenção para o ritmo de
crescimento da PG em RI, que tem entre as suas missões a formação
dos docentes para a graduação. O número de programas de PG exis-
tentes no país mostra-se insuficiente para formar os docentes para le-
cionar em nível de graduação, assim como para a formação de douto-
res na área, já que só existem dois cursos de doutorado no país. Da
mesma maneira, é necessário repensar a distribuição de recursos pe-
las agências de fomento a fim de responder adequadamente às de-
mandas da pesquisa na área.
Embora se tenha feito um esforço para traçar com algum rigor e crité-
rio a dinâmica da área, este trabalho não deixa de ter um caráter ex-
ploratório, e visa, sobretudo, o estabelecimento de uma reflexão que
deverá ser aprofundada.
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
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RI: O Crescimento e a Maior
Visibilidade da Área
Quando observamos a história da PG em RI no Brasil, o traço que
logo chama a atenção é o de um crescimento significativo no número
de programas nos últimos cinco anos. Em primeiro lugar, esse cresci-
mento tem a ver indubitavelmente com o que tem sido conhecido
como globalização,5
que tem promovido um importante aumento do
grau de complexidade dos instrumentos analíticos das ciências soci-
ais e humanas, que procuram dar conta de sua multidimensionalida-
de. Todas as áreas de conhecimento são evidentemente objeto do im-
pacto da globalização, mas a disciplina de RI, cuja institucionaliza-
ção acadêmica esteve historicamente centrada no estudo das relações
entre Estados-nação e na preocupação de evitar a guerra entre eles, é
certamente um campo privilegiado de reflexão sobre as transforma-
ções contemporâneas, que indicam uma crescente superação da cen-
tralização do poder estatal e da consequente erosão de sua soberania,
assim como a atenção aos múltiplos atores não estatais.
O crescimento do número de programas de PG em RI no Brasil tem a
ver ainda com pelo menos três fatores: (i) o espetacular aumento do
número de cursos de graduação em RI, (ii) o contexto geral de cresci-
mento da PG no país e (iii) o processo de indução de formação de
recursos humanos.
O Gráfico 1 a seguir mostra claramente duas características do gran-
de crescimento do número de cursos de graduação em RI: sua distri-
buição geográfica em termos regionais e capital interior dos Estados.
A região Sudeste concentra mais da metade de todos os cursos de gra-
duação, de cujo total, por sua vez, mais da metade estão localizados
em capitais (34 cursos no interior e 55 nas capitais). Essas caracterís-
ticas não são particulares à área de RI. No Brasil, a marcante assime-
tria na distribuição regional e entre as capitais e o interior dos Estados
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
nos cursos de graduação é comum a praticamente todas as áreas de
conhecimento.
O grande crescimento da PG no Brasil é também um fenômeno bas-
tante claro. Em 1996, existiam em torno de mil programas de PG. Em
menos de dez anos, este número dobrou: em 2004, já existiam quase
2 mil programas. Em 2008, este número chegou a 2.581.6
A política de indução ao desenvolvimento da PG especificamente em
RI se deu pelo lançamento de dois programas. Em 2000, a Capes pu-
blicou o edital do Programa San Tiago Dantas de Apoio ao Ensino de
Relações Internacionais (STD). O Ministério da Ciência e Tecnolo-
gia e o Ministério das Relações Exteriores (MRE ou Itamaraty) lan-
çaram em 2006 o Programa Renato Archer de Apoio à Pesquisa em
Relações Internacionais (RA).
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
0
10
20
30
40
50
S
SE
CO
NE
N
Gráfico 1
Graduação em RI por Região
SE: 50
S: 20
CO: 10
N: 3
NE: 6
Total: 89
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Disponível em:
<http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/lista_cursos.asp>. Acesso em: 27 nov. 2008.
O STD foi executado de 2002 até o final de 2007.7
Ao edital, pude-
ram concorrer instituições públicas de ensino superior, admitindo-se
a parceria com instituições privadas, na qualidade de associadas.
Graças ao STD, foram criados três programas de PG em RI:8
(i) o
programa Tricampi envolvendo a Universidade Estadual Paulista
(Unesp), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); (ii) o programa
da Universidade Federal Fluminense (UFF); e (iii) o da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O programa da UnB tam-
bém foi contemplado pelo STD, com o objetivo de promover a sua
“consolidação”. Os programas puderam custear vários itens, como a
compra de computadores e de livros, missões técnicas, vinda de
professor visitante e bolsas de estudo para mestrado e doutorado.
O RA visa a formação de redes de pesquisa em temas considerados
prioritários na política externa brasileira: paz e segurança internacio-
nal; estudos sobre pólos de poder; América do Sul; desenvolvimento,
ciência e inovação tecnológica; normatividade e governança interna-
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
358 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Gráfico 2
Fonte: Capes. Disponível em: <www.capes.gov.br/sobre-a-capes/historia-e-missao>. Acesso em: 27
nov. 2008.
cional. Diferentemente do STD, o RA tem como alvo os pesquisado-
res da área de RI, e não diretamente os programas de pós-graduação.
Está sendo executado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). De dezessete propostas, cinco fo-
ram selecionadas9
e receberão recursos oriundos do Fundo Setorial
de Infra-Estrutura e do Fundo Setorial Verde Amarelo, a serem
repassados em quatro parcelas anuais em 2006, 2007, 2008 e 2009.
A implementação do RA demonstra que o CNPq, como a Capes, tem
reconhecido RI como campo de conhecimento específico. Além dis-
so, no projeto da nova Tabela das Áreas do Conhecimento, proposto
pela Comissão Especial de Estudos, constituída pelo CNPq, Capes e
a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), as RI estão inscritas
de forma independente da Ciência Política (CP).
Na década de 1970, quando a PG foi estabelecida no Brasil, um rela-
tório do CNPq sobre a área de CP registrava que
[a] área de política internacional é quase intei-
ramente descuidada, com 2 projetos. [...] O
abandono em que se encontra a área de relações
internacionais encontra outro tipo de explica-
ção. Primeiro, [...] o interesse por esta área ten-
de a ser maior em países que desempenham um
papel muito ativo no sistema internacional, que
não tem sido, historicamente, o caso brasileiro.
Segundo, a própria excelência do corpo diplo-
mático brasileiro, formado através do curso do
Itamarati [sic], fez com que o estudo de ques-
tões internacionais fosse desenvolvido entre
nós em estreita proximidade com o serviço di-
plomático e afastado da universidade. Esta ten-
dência irá certamente se alterando, na medida
em que a participação do Brasil no cenário in-
ternacional aumente, e a relevância interna do
sistema internacional passe a ser objeto de
atenção mais geral (CNPq, 1977, p. 12-13,
grifos nossos).
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
359
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Ou seja, o padrão de inserção internacional do Brasil na década de
1970 e o que buscava a política externa brasileira se refletiam na mais
do que modesta relevância que se conferia ao estudo do sistema inter-
nacional e da atuação internacional do Brasil. O país buscava autono-
mia e distanciamento com relação às injunções da política internaci-
onal “ditada” pelas grandes potências. Adicionalmente, o estudo de
RI era tido como praticamente desnecessário, já que, historicamente,
a política externa brasileira era conduzida com competência pelo
Itamaraty. No entanto, esse mesmo relatório de 1977 previa mudan-
ças, que se dariam ao longo do tempo.
Na verdade, como aponta Gelson Fonseca Jr. (1981, p. i), já na déca-
da de 1970,
[...] temas diplomáticos brasileiros transforma-
ram-se em temas de estudos acadêmicos; fo-
ram “absorvidos” pela academia. [...] Numa
comparação entre a produção intelectual sobre
política externa nos anos 50 e 60 com a dos
anos 70, o que ressalta é o profissionalismo, a
scholarship destes últimos”.
De fato, como se viu, ao longo das décadas, não é difícil constatar o
crescente interesse acadêmico pela área de RI. Nos anos 1970, surge
uma geração de pesquisadores acadêmicos especialmente interessa-
dos pela política externa brasileira em RI. Entre eles, Maria Regina
Soares de Lima, Celso Furtado, Alexandre Barros, Otavio Ianni e
Carlos Estêvão Martins, Moniz Bandeira, Roberto Gambini e Ger-
son Moura (CNPq, 1977, p. 12-13). Os estudos sobre política externa
ainda se sobressaem nos programas de PG em RI atualmente existen-
tes. Vários deles contemplam os “Estudos de Política Externa” como
Linha de Pesquisa (LP), a exemplo do programa da Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da UnB. Na UnB,
existem duas LPs dedicadas à política externa: “Estudos de Política
Externa” e “História da Política Exterior do Brasil”. O programa
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
360 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
Contexto Internacional (PUC)
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Tricampi tem uma Área de Concentração (AC) sobre “Política
Externa”.
Em sentido inverso, constata-se certa “academização” dos estudos
realizados pelos diplomatas brasileiros. Primeiramente, esta acade-
mização resulta do interesse pessoal de alguns diplomatas pela pes-
quisa ou está ligada à própria formação do(a)s diplomatas e à sua as-
censão profissional. Para serem candidato(a)s a embaixador(a), o(a)s
diplomatas devem seguir o Curso de Altos Estudos (CAE), no final
do qual apresentam uma tese relativa a tema de interesse da diploma-
cia brasileira. Várias dessas teses foram e estão sendo publicadas.
Em segundo lugar, o que diz respeito mais diretamente à PG, desde
2004, os aprovados no concurso de admissão para a carreira diplomá-
tica são automaticamente inscritos no mestrado profissionalizante
em Diplomacia do Instituto Rio Branco (IRBr). O Instituto oferece o
único mestrado profissionalizante avaliado pelo Comitê de Ciência
Política e Relações Internacionais (CCPRI), da Capes. É o mestrado
que tem o número mais alto de alunos ingressos a cada ano. Em 2006,
registrava cinquenta alunos, número que deve dobrar nos próximos
anos, enquanto os demais programas selecionam, para o mestrado,
em torno de vinte candidatos a cada ano.10
A participação do IRBr no
CCPRI, combinada a outras iniciativas como o RA, provavelmente
resultará no incremento da interlocução entre o Itamaraty e a acade-
mia.
Os primeiros programas autônomos de PG em RI do Brasil foram cri-
ados na década de 1980: o primeiro na UnB, em 1984, e o segundo na
PUC-Rio, em 1987. É importante mencionar, todavia, que tanto na
UnB quanto na PUC-Rio a pesquisa na área tem precedentes institu-
cionais importantes. Na UnB, já em 1976, havia sido criada no pro-
grama de PG em História uma AC em “História das Relações Inter-
nacionais”. Essa AC passou a integrar o Instituto de Relações Inter-
nacionais (IREL) da UnB quando este foi criado, em 2002.11
Na
PUC-Rio, foi criado em 1979 o Instituto de Relações Internacionais
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
361
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
(IRI) com o objetivo de desenvolver pesquisas e promover debates na
área de RI. O ensino tornou-se parte das atividades do IRI em 1983,
quando passou a constituir uma AC do mestrado em Ciências Jurídi-
cas.12
Outros precedentes importantes são o Centro de Estudos Afro-Asiá-
ticos (CEAA) e o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Ja-
neiro (Iuperj), da Universidade Candido Mendes (então Centro Uni-
versitário Candido Mendes). O CEAA foi criado em 1973, e a PG em
CP do Iuperj oferecia na década de 1970 três disciplinas de RI
(CNPq, 1977, p. 113-114).
Segundo um diagnóstico feito pela Capes em 2004, a maior parte dos
cursos da Área de Humanas está nas regiões Sudeste e Sul: são 72%
dos mestrados e 80% dos doutorados, enquanto na Região Norte os
percentuais chegam a 4% de mestrados e 2% de doutorados. Durante
vinte anos, os programas de PG em RI da UnB e da PUC-Rio eram os
únicos existentes no país. Atualmente, os oito programas de PG em
RI concentram-se na região Sul e Sudeste, confirmando o padrão
geral de assimetria regional.
Enfim, a PUC-Rio criou seu doutorado em 2001, e a UnB, em 2002,
os quais continuam a ser os únicos existentes em RI no Brasil. Esse
número é, sem dúvida, baixo, principalmente quando se considera,
de um lado, o expressivo crescimento no número de cursos de gradu-
ação em RI, acompanhado, ainda que modestamente, pela criação de
mestrados em RI; e de outro, comparativamente, que existem dez
programas de PG em CP que oferecem doutorado.13
A Avaliação e a Pesquisa
Viu-se que é na década de 1970 que, no Brasil, surge uma geração de
pesquisadores acadêmicos interessados em RI. Em 1977, quando o
CNPq dá início ao processo de avaliação das áreas de conhecimento,
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
362 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
Contexto Internacional (PUC)
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
fica patente a pouca importância dada ao estudo do sistema internaci-
onal e da política externa brasileira. Os pesquisadores da área não
têm a visibilidade que ganhariam ao longo dos anos. Registra-se uma
remota noção do que seria o objeto de interesse de RI, área que não
mostra grande sofisticação. É verdade que o relatório do CNPq sobre
a evolução da área de CP reflete sobretudo a recepção do modelo be-
haviorista norte-americano, prevalecente naquele momento, cujos
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
363
Contexto Internacional (PUC)
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Tabela 1
Comitê de CP e RI – Programas por Ordem de Criação (1969-2008)
Instituição Programa Criação
1. Iuperj Ciência Política 1969
2. UFMG Ciência Política 1969
3. Unicamp Ciência Política 1974
4. UFRGS Ciência Política 1973
5. USP Ciência Política 1974
6. UFPE Ciência Política 1982
7. UnB Ciência Política 1984
8. UnB Relações Internacionais 1984
9. PUC-Rio Relações Internacionais 1987
10. UFF Ciência Política 1993
11. UFRJ Ciência Política 2001
12. IRBr Diplomacia 2002
13. Tricampi Relações Internacionais (Unesp/Unicamp/PUC-SP) 2003
14. UFRGS Relações Internacionais 2003
15. UFF Relações Internacionais 2003
16. PUC-Minas Relações Internacionais 2006
17. UEPB Relações Internacionais 2008
18. Unieuro Direitos Humanos, Cidadania e Violência 2008
19. UFSCar Ciência Política 2008
20. FUFPI Ciência Política 2008
21. UFPE Ciência Política 2008
22. UFPA Ciência Política 2008
Fonte: Capes. Disponível em: <http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/CadernoAvaliacao-
Servlet?acao=filtraArquivo&ano=2007&codigo_ies=&area=39>. Acesso em: 27 nov. 2008.
parâmetros de validação científica buscavam a aproximação da obje-
tividade das ciências exatas:
[o] principal foco de atenção [dos estudos de
política internacional] é a relação entre as gran-
des potências internacionais. Estudos sobre pa-
íses mais afastados dos grandes centros mundi-
ais de decisão tendem a ser feitos por “especia-
listas da área”, que passam naturalmente do es-
tudo do comportamento internacional dos paí-
ses de sua capacidade para o estudo do funcio-
namento de seus sistemas políticos e sociais.
Surge, assim, a área de estudos políticos com-
parados, que pouco a pouco se desprende da
área de política internacional para vincular-se
mais à de teoria política contemporânea. A pes-
quisa na área de política internacional tende a
ser, tradicionalmente, histórica e descritiva.
Mas também incorpora, em outra vertente, me-
todologias de tipo matemático e quantitativo,
principalmente as derivadas das teorias de jo-
gos, conflitos e coalizões (CNPq, 1977, p. 7).
Os programas de PG em RI sempre foram avaliados pelo Comitê de
Ciência Política (CCP) da Capes, que se tornou, em 2006, CCPRI. A
mudança na denominação e no funcionamento do Comitê correspon-
deu principalmente a mudanças ocorridas entre 2003 e 2005. Além
dos três programas resultantes da política de indução da Capes, pas-
saram a ser avaliados pelo Comitê nesse período o mestrado em Di-
plomacia do IRBr e o Mestrado em Integração Latino-Americana
(MILA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O mes-
trado do IRBr foi criado em 2002. O MILA foi criado em 1993. Em
2006, outros dois programas foram criados, compondo hoje o Comi-
tê: da Pontifícia Universidade de Minas Gerais (PUC-Minas) e do
Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela, Rio de Ja-
neiro).14
Foram homologados em 2007 três novos programas de CP:
na Fundação Universidade Federal do Piauí (UFPI), na Universidade
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364 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Federal do Pará (UFPA) e na Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). O programa do Centro Universitário Unieuro, que funcio-
nava desde 2004, passou a fazer parte do CCPRI em 2008.
O Sistema de Avaliação da PG foi implantado pela Capes em 1976.
Até 1985, não existia nenhum processo informatizado de coleta e
processamento das informações (BATISTA, 2006, p. 46). Continua-
mente novas polêmicas são criadas em torno da importância relativa
de cada critério da avaliação, mas, mesmo entre seus mais ferrenhos
críticos, existe grande consenso sobre a importância da avaliação. Os
critérios comuns aos programas são basicamente os seguintes: arti-
culação entre AC e LP; titulação dos professores; proporção entre o
número de docentes permanentes e o número de dissertações e teses
concluídas; produção bibliográfica dos professores; apresentações
de trabalhos em congressos, conferências ou seminários internacio-
nais; número de dissertações e teses concluídas; tempo médio de titu-
lação dos alunos; e produção bibliográfica dos alunos.
No biênio 1996-1997, a Capes redefiniu sua política com relação à
PG e alterou sua ordem de prioridades. Nesse sentido,
[...] o destaque aos cursos de excelência, com-
preendida como inserção internacional, e a or-
ganicidade entre linhas de pesquisa, projetos,
estrutura curricular, publicações, teses e disser-
tações não deixam dúvidas quanto à finalidade
esperada da pós-graduação: a de ser, priorita-
riamente, locus de produção de conhecimento
e de formação de pesquisadores. Da mesma
forma, a ênfase avaliativa sobre os produtos –
basicamente, a produção bibliográfica qualifi-
cada – indica a expectativa de ampla divulga-
ção dos resultados de pesquisa instalada
(HORTA; MORAES, 2005, p. 95, grifos
nossos).15
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
365
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Ou seja, como regra geral, a pesquisa e as publicações científicas são
as atividades mais valorizadas na avaliação de todas as áreas. O ensi-
no, a extensão, a cooperação com setores empresariais e governa-
mentais, assim como a interação com a sociedade, têm tido menor
peso. A história do CCPRI começa com uma composição de cinco
programas de CP. Viu-se que, até 2005, o Comitê denominava-se
CCP e que, entre 1976 a 1984, não existia nenhum programa de RI no
país. Os programas de CP contemplavam marginalmente a área de
RI, então entendida como uma subárea de CP, e em programas de ou-
tras áreas alguns pesquisadores também se dedicavam a temas liga-
dos a RI, como hoje ainda acontece. A crescente importância da área
de RI refletiu-se na expansão do Comitê ao longo do tempo e
certamente é dos aspectos que mais marcaram a sua história.
Provavelmente, os momentos mais difíceis no funcionamento do
CCPRI aconteceram em 2004 e 2005. Em 2004, as notas de vários
programas, relativas ao triênio 2001-2002-2003, foram rebaixadas.
Em 2005, ajustes no funcionamento do Comitê foram objeto de dis-
cussão e preocupação de todos os programas.
Os programas de CP do Iuperj e da USP, que estavam na faixa de “ex-
celência” (programas com notas 6 e 7) e que, historicamente, tinham
grande peso no Comitê, por sua antiguidade, produção científica, nú-
mero de docentes e sua atuação institucional na própria Capes,16
tive-
ram nota 5. O programa de RI da UnB passou de 5 para 4. Os progra-
mas de CP da UFMG e da UFRGS, que tinham feito, particularmente
nos dois triênios anteriores, um importante esforço de adequação aos
critérios e recomendações dos Documentos de Área elaborados pelo
Comitê, não tiveram suas notas aumentadas, continuando com nota
4. E, mais precisamente, as Fichas de Avaliação de 2001 e 2002 indi-
cavam em geral que o desempenho dos programas era “Muito Bom”.
As notas do triênio, portanto, não eram consistentes com a avaliação
continuada realizada pelo próprio Comitê. Uma boa parte dos pro-
gramas considerava as notas injustas e argumentava que o Comitê
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
não tinha critérios bem definidos. Dos dez programas, cinco entra-
ram com recurso para que a nota fosse revista, seja porque haviam
sido rebaixadas – Iuperj, USP e UnB –, seja porque suas notas não
haviam aumentado – UFMG e UFRGS.
Esse resultado intensificou as tensões que vinham sendo vividas pe-
los programas, que dizia respeito a especificidades do CCP, como a
relação entre o número de programas de CP e de RI e o conhecimento
e reconhecimento insuficiente da produção intelectual específica de
RI. No entanto, também tinha a ver com a insuficiência e pouca clare-
za do trabalho realizado pelo Comitê daquele triênio. Por exemplo, o
Qualis, que os Comitês de todas as áreas haviam elaborado pela pri-
meira vez justamente no triênio 2001-2002-2003, só foi divulgado
pelo CCP ao final do triênio, não cumprindo sua função de orientar a
desejada priorização da publicação dos docentes em periódicos mais
qualificados. Além disso, esse Qualis continha vários equívocos e es-
tava bastante incompleto. Enfim, as modificações gerais que a Capes
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
367
Contexto Internacional (PUC)
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Tabela 2
Notas dos Programas mais Antigos do CCPRI por Triênio (1996-2006)
Programas 1998
2000
2001
2003
2004
2006
1. Iuperj Ciência Política 6 5 6
2. UFMG Ciência Política 6 4 5
3. Unicamp Ciência Política 4 4 5
4. UFRGS Ciência Política 4 4 5
5. USP Ciência Política 6 5 6
6. UFPE Ciência Política 4 4 5
7. UnB Ciência Política 4 4 4
8. UnB Relações
Internacionais
5 4 5
9. PUC-Rio Relações
Internacionais
5 5 5
10. UFF Ciência Política 3 5 3
Fonte: Capes. Disponível em: <http://www.capes.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2008.
introduzira desde 1996-1997 na avaliação da PG também tiveram
papel importante nesse contexto.17
O impacto das notas do triênio 2001-2002-2003, que atingia a maior
parte dos programas avaliados pelo CCP, provocou uma transforma-
ção na dinâmica do relacionamento entre os programas, que volta-
ram a se reunir no Fórum de Coordenadores, criado dois anos antes.
Os coordenadores reuniram-se algumas vezes e acordaram posições
comuns, tornando mais próximo também, de forma geral, o relacio-
namento entre os programas.
Naquele momento, muito em função dessa situação – as incertezas
sobre o futuro imediato do funcionamento do Comitê –, os progra-
mas defendiam duas alternativas. A primeira, defendida por vários
docentes ligados à área de RI, era a de criar um Comitê independente
para RI. A segunda era a de que as duas áreas, CP e RI, continuassem
no mesmo Comitê, com a alteração na organização da avaliação apri-
morando os critérios e a transparência da avaliação, e uma eventual
mudança na própria designação do Comitê, que passaria a ser deno-
minado de “Ciência Política e Relações Internacionais”. Os que
defendiam essa segunda opção temiam pelo enfraquecimento do
Comitê, caso este fosse fragmentado.
Ao longo do segundo semestre de 2004 e do ano de 2005, algumas re-
uniões foram realizadas com o diretor de Avaliação da Capes. Dessas
reuniões, participaram os programas da UnB, PUC-Rio, IRBr e Tri-
campi, que já estavam sendo avaliados pelo CCPRI. Também partici-
param os coordenadores dos programas de PG em RI da UFRGS e da
UFF, então avaliados pelo Comitê Multidisciplinar. Nessas reuniões,
o diretor de Avaliação da Capes indicou sua preferência pela continu-
idade da composição do Comitê e pela busca da melhora em seu fun-
cionamento, assim como a preocupação de evitar os problemas do
triênio 2003-2004-2005, sem, no entanto, esclarecer quais seriam as
mudanças que tinha em mente.
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
No triênio 2004-2005-2006, avanços positivos se deram na avaliação
dos programas. Um deles foi a nova denominação do Comitê, em
2006, para CCPRI. Nesse triênio o Qualis de CP e de RI foi revisado,
para corrigir problemas existentes e incluir periódicos de relevância.
As duas áreas passaram a ser representadas no Comitê de forma equi-
tativa. Os critérios principais que pautaram a definição dos conceitos
foram “a valorização da produção individual de livros e periódicos
internacionais e nacionais” e “a valorização do esforço de internacio-
nalização atualmente em curso nos programas” de CP e de RI. O Do-
cumento de Área define com clareza e especificamente os critérios
para cada nota.
O fomento à pesquisa pelo CNPq em RI tem avançado e recuado. De
um lado, vê-se progresso com relação ao reconhecimento de RI, que
foi contemplada com o RA. Observa-se também que na proposta
“Tabela de Áreas do Conhecimento”, que está em discussão desde
2005, RI aparece como uma “Área” da “Grande Área” de Ciências
Humanas. Nessa versão preliminar, “Ciências Humanas”, uma das
“Grandes Áreas”, inclui doze “Áreas”: 1. Filosofia, 2. Sociologia, 3.
Antropologia, 4. Arqueologia, 5. História, 6. História do Conheci-
mento, 7. Geografia, 8. Psicologia, 9. Educação, 10. Ciência Política,
11. Relações Internacionais, 12. Teologia.18
De outro lado, na atual “Grande Área” de Ciências Humanas, RI está
“embutida” em CP. Entretanto, o Comitê de Assessoramento do
CNPq19
é composto pela Antropologia, Arqueologia, CP, RI, Direito
e Sociologia, ou seja, são seis disciplinas em um só Comitê. De 2005
a 2008, um dos três representantes de CP era um pesquisador de RI.
Os atuais representantes são todos da CP: um da Universidade Fede-
ral da Bahia (UFBA), dois do Iuperj (um titular e um suplente) e um
da UnB. Caminhou-se, pois, em sentido inverso do esperado, não
contemplando RI na representação de CP. Desde julho de 2008, as
solicitações de bolsas de produtividade em pesquisa (bolsas PQ),
bolsas especiais no país e exterior, auxílio viagem e demais auxílios
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no Brasil
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Contexto Internacional (PUC)
Vol. 31 no
2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
do CNPq são julgados por três pesquisadores com clara inserção na
área de CP.
As tabelas e gráficos abaixo mostram a participação dos docentes de
RI e de CP no fomento do CNPq. A Tabela 3 mostra que o maior nú-
mero de pesquisadores se encontra na base da ordem e que, portanto,
o número de pesquisadores mais jovens, pesquisadores nível II, é
bem maior do que os pesquisadores nos demais níveis – I-D, I-C, I-B
e I-A. Como o número de pesquisadores I-A é relativamente próximo
entre RI e CP (5 para 8), enquanto em todos os demais níveis a dife-
rença é muito acentuada (3 para 11, 0 para 6, 1 para 6 e 15 para 36), é
possível afirmar que a substantiva expansão de RI – número de cur-
sos de graduação e, em menor medida, número de mestrado – não se
vê refletida na distribuição de bolsas de produtividade. Essa dispari-
dade fica ainda mais flagrante nos Gráficos 3 e 4. As colunas que re-
presentam o número de bolsistas PQ indicam que o número de con-
cessões se encontra particularmente defasado. Embora não se consi-
dere o número de solicitações de bolsas por pesquisadores de RI e CP,
parece plausível considerar que exista uma maior aproximação nes-
ses números.
Tabela 3
Pesquisadores de RI e CP com Bolsa PQ – 2008 – Por Nível
RI CP
I-A 5 8
I-B 3 11
I-C 0 6
I-D 1 6
II 15 36
Total 24 67
Fonte: CNPq. Disponível em: <http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.curso>.
Acesso em: 27 nov. 2008.
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
Fonseca
370 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 32, no 2, maio/agosto 2009
Contexto Internacional (PUC)
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2 – Mai/Ago 2009
1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
A Tabela 4 e o Gráfico 4 confirmam a marcante concentração dos
pesquisadores, tanto de RI quanto de CP, na região Sudeste e, em me-
nor medida, na região Sul. Impressiona o fato de que não existe um
único pesquisador na região Norte. Com essas curvas tão assimétri-
A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
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Contexto Internacional (PUC)
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0
5
10
15
20
25
30
35
40
IA IB IC ID II
CP
RI
Gráfico 3
Pesquisadores de RI e CP com Bolsa PQ – 2008 – Por Nível
Fonte: CNPq. Disponível em: <http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.curso>. Aces-
so em: 27 nov. 2008.
0
10
20
30
40
50
S SE CO NE N
CP
RI
Gráfico 4
Pesquisadores de RI e CP com Bolsa PQ – 2008 – Por Região
Fonte: CNPq. Disponível em: <http://efomento.cnpq.br/efomento/distribuicaoGeografica/distribuicao-
Geografica.do?metodo=apresentar>. Acesso em: 27 nov. 2008.
cas, é possível supor que tais proporções irão se reproduzir futura-
mente caso não se crie uma política de indução que modifique essa
tendência. Finalmente, a Tabela 5 e o Gráfico 5 mostram que os nú-
meros de CP continuam muito superiores aos de RI (praticamente o
dobro).
Tabela 4
Pesquisadores de RI e CP com Bolsa PQ – 2008 – Por Região
Bolsistas PQ
RI CP
S 3 11
SE 16 46
CO 3 5
NE 2 5
N 0 0
Fonte: CNPq. Disponível em: <http://efomento.cnpq.br/efomento/distribuicaoGeografica/distribui-
caoGeografica.do?metodo=apresentar>. Acesso em: 27 nov. 2008.
Tabela 5
Projetos de RI e CP apoiados pelo Edital Universal – 2002-2007
RI CP
2002 7 23
2004 7 11
2006 13 25
2007 18 40
Fonte: CNPq. Disponível em: <http://www.cnpq.br/resultados/index.htm>. Acesso em: 27 nov.
2008.
As bolsas de Produtividade em Pesquisa são, reconhecidamente, a
modalidade mais competitiva do CNPq, conferindo ao pesquisador
um diferencial de prestígio que o distingue na comunidade científica.
Os critérios de concessão são definidos pelos próprios comitês por
um período de três anos, ao fim dos quais podem ser modificados. No
caso do comitê que julga a demanda de Relações Internacionais e
Ciência Política, os critérios mínimos para análise da proposta são:
estar vinculado a programa de PG e/ou a grupo de pesquisa consoli-
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dado, constante do Diretório de Pesquisa do CNPq; ter produção aca-
dêmica qualificada e capacidade de formação de pesquisadores (es-
pecialmente nos últimos cinco anos); e apresentar projeto de pesqui-
sa que venha a ser executado ao longo do período de vigência da bol-
sa. Além desses, são requisitos mínimos para a classificação no nível
II: ter publicado pelo menos um artigo em periódico indexado pelo
Qualis, nacional/internacional A, e ter orientado pelo menos duas
dissertações de mestrado quando vinculado a programa de PG.20
A cada ano, a demanda por bolsas de Produtividade em Pesquisa tor-
na-se mais qualificada e, considerando que cotas adicionais não são
frequentes, é bastante comum o pesquisador ter o mérito de seu pro-
jeto reconhecido pelo Comitê, mas ser classificado em uma priorida-
de que não permite o atendimento de sua solicitação de bolsa.21
Ain-
da que os critérios elencados contemplem o conjunto de publica-
ções/orientações/projetos, o item de maior relevância tem sido a pro-
dutividade do proponente, materializada em artigos que apareçam
em periódicos prestigiados da área. Assim, no último julgamento de
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0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
2002 2004 2006 2007
CP
RI
Gráfico 5
Projetos Apoiados pelo Edital Universal – 2002-2007
Fonte: CNPq. Disponível em: <http://www.cnpq.br/resultados/index.htm>. Acesso em: 27 nov. 2008.
Bolsas de Produtividade, ocorrido entre os dias 29 de outubro e 1o
de
novembro de 2007, seis bolsistas de CP/RI não solicitaram renova-
ção, sendo três de nível II, um de nível I-C e dois bolsistas de nível
I-A, o que totalizou oito bolsas nível II que puderam ser realocadas.
Ao tomar-se como parâmetro os quatro pesquisadores de RI que re-
ceberam quatro dessas oito bolsas, verifica-se que dois deles publica-
ram sete artigos em revistas acadêmicas e os outros dois, mais de uma
dezena, o que denota um nível de produção muito superior ao
mínimo exigido.22
Considerações Finais
A visão panorâmica que se buscou traçar no presente artigo contem-
plou basicamente facetas do crescimento do interesse geral e acadê-
mico pela área de RI. Viu-se que a avaliação dos programas de PG em
CP e RI da Capes se beneficiou no último triênio (2004-2005-2006)
de mudanças importantes que trouxeram maior legitimidade ao pró-
prio processo de avaliação. O antigo Comitê de Ciência Política apa-
rece agora como Comitê de Ciência Política e Relações Internacio-
nais. Apesar dos avanços apontados do ponto de vista da representa-
ção institucional no CNPq, a questão preocupante parece ser a recen-
te indicação de três representantes da área de CP, sem contemplar RI,
para o Comitê de Assessoramento de Ciências Sociais.
Observou-se, mais precisamente, o considerável crescimento do nú-
mero de cursos de graduação que, em cinco anos, cresceu 30%, en-
quanto o número de programas de pós-graduação em RI quadrupli-
cou em vinte anos. Se a formação de docentes para a graduação está
sendo em certa medida atendida pelo crescimento, mesmo que insu-
ficiente, do número de mestrados em RI, causa preocupação o peque-
no número de cursos de doutorado – apenas dois – na área. Com uma
perspectiva otimista, poderíamos supor que candidatos ao doutorado
em RI têm sido financiados para estudar no exterior a fim de respon-
der a essa demanda, ou seja, para formar os docentes e pesquisadores
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que formarão mestres em RI nos próximos anos. Tudo leva a crer que
estamos diante de uma situação que exige que as agências de fomen-
to, sobretudo a Capes e o CNPq, repensem a distribuição de recursos
a fim de responder adequadamente às necessidades evidenciadas.
Notas
1. Sobre a questão, ver International theory: positivism & beyond, livro pu-
blicado em 1996 para comemorar os 75 anos da criação do primeiro Departa-
mento de Política Internacional, na Universidade de Gales. A obra faz uma re-
flexão sobre o estado da arte na área de RI. A propósito do caráter mitificador da
explicação sobre a criação da disciplina, vale citar o comentário crítico de Ken
Booth (1996, p. 328), organizador do livro: “Mitos não são facilmente ignora-
dos e, no geral, eu acredito que eles tendem a compreender a condição humana
de maneira mais primitiva do que complexa. Esse tem sido o caso dos mitos fun-
dadores do nosso objeto de estudo. Eles ajudaram a disciplinar a disciplina”. As
citações de originais em língua estrangeira foram livremente traduzidas para
este artigo.
2. Sobre o desenvolvimento da área no Brasil, além de Lima (2001), ver: Fon-
seca Jr. (1981, 1989), Cheibub (1981), Lima e Cheibub (1983), Barros (1985),
Cervo (1992), Almeida (1993), Myiamoto (1999), Herz (2002), Breda dos San-
tos (2002, 2005), Lessa (2005).
3. Ver o interessante trabalho de Emerson Maione de Souza (2006) sobre os
novos debates teóricos e contribuições analíticas da Escola Inglesa.
4. O número atualizado de cursos pode ser encontrado em: <http://www.edu-
cacaosuperior.inep.gov.br/>. Acesso em: 28 jul. 2008. Myiamoto (2003) faz um
balanço crítico sobre o ensino de graduação em RI no Brasil.
5. Held et al. (1999) e Held e Mcgrew (2007) têm conseguido sintetizar em
boa medida os vários aspectos do debate sobre a globalização de interesse para
RI.
6. Os dados considerados no gráfico foram atualizados pela Capes em
12/02/2008. Ver: <http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRe-
lacaoCursosServlet?acao=pesquisarGrandeArea>. Acesso em: 28 jul. 2008.
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no Brasil
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
7. A previsão inicial do tempo de execução dos projetos envolvidos no STD
era de quatro anos. Em 2005, no entanto, a Capes deferiu a solicitação dos pro-
gramas envolvidos e prorrogou o STD por mais dois anos.
8. Sobre o programa STD, ver: <http://www.capes.gov.br/bolsas/especia-
is/san_tiago.html>. Acesso em: 28 jul. 2008.
9. Ver: <http://memoria.cnpq.br/noticias/2006/20060602.htm>. Acesso em:
28 jul. 2008. Os cinco projetos selecionados, bem como as instituições que os li-
deram, são os seguintes: “Parcerias estratégicas do Brasil: a construção do con-
ceito e as experiências em curso” (UnB); “Expansão, renovação e fragmentação
das agendas e atores de política externa” (PUC-Rio); “Rede de pesquisa sobre
paz e segurança internacional” (UFRGS); “A política externa brasileira e os de-
safios do desenvolvimento dos países menos avançados: o caso do Haiti”
(UFSM); e “Estados Unidos: impactos de suas políticas para a reconfiguração
do sistema internacional” (Unesp).
10. Desde 2006, o IRBr tem selecionado em torno de cem candidatos para a
carreira de diplomacia. Até então, eram selecionados por volta de 35. A partir de
2010, quando o número de diplomatas no MRE atingir o que prevê a Lei no
11.440, de 29 de dezembro de 2006, provavelmente o número de candidatos se-
lecionados ficará em torno de 35 novamente.
11. Para indicar a importância dessa experiência, basta mencionar que, de
1978 ao final de 2002, das 168 dissertações defendidas no programa de PG em
História, 53 estavam ligadas à área de concentração de História das Relações
Internacionais, ou seja, praticamente 1/3 do total, sendo que, no período, o pro-
grama quase sempre esteve organizado em três AC. Ver: <http://www.unb.
br/ih/novo_portal/portal_his/pos_graduacao/arquivos/relacao_de_
teses_e_dissertacoes.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2008.
12. Ver: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/iri/apresenta.html>. Acesso
em: 28 jul. 2008.
13. Nas seguintes instituições: Iuperj, USP, UFMG, Unicamp, UFRGS, UnB,
UFPE e UFSCar.
14. O MILA e o mestrado do Cebela foram descredenciados pela Capes em
2007.
15. Os autores remetem o leitor a Kuenzer e Moraes (2006). No triênio
1998-1999-2000, o Conselho Técnico Científico (CTC), que basicamente ho-
mologava a avaliação realizada pelos comitês de área, passou a “avaliar a avali-
ação” dos comitês, alterando em vários casos as notas resultantes daquela avali-
ação. “Verificou-se, com nitidez, o que possivelmente já podia se antever em de-
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
cisões anteriores do CTC: os níveis 6 e 7 foram definidos exclusivamente a par-
tir de um único parâmetro, qual seja, o da produção científica internacional, e
basicamente em periódicos estrangeiros. [...] Aquele foi um momento particu-
lar de luta por hegemonia no interior do CTC – a de alcançar o mainstream epis-
temológico que asseguraria mais verbas e prestígio – e, nesse esforço, lançou-se
mão de forte desqualificação epistemológica das áreas de ciências humanas e
recorreu-se a ásperos enfrentamentos” (HORTA; MORAES, 2005, p. 96).
16. Os Comitês que avaliaram os programas nos triênios 1998-1999-2000 e
2001-2002-2003 foram presididos por docentes desses dois programas.
17. O Qualis, segundo a Capes, é “uma lista de veículos utilizados para a di-
vulgação da produção intelectual dos programas de pós-graduação stricto sensu
(mestrado e doutorado), classificados quanto ao âmbito de circulação (Local,
Nacional, Internacional) e à qualidade (A, B, C)”. Ver: <http://www.capes.gov.
br/avaliacao/webqualis.html>. Acesso em: 28 jul. 2008.
18. Ver: <http://www.memoria.cnpq.br/areas/cee/proposta.htm>. Acesso
em: 28 jul. 2008.
19. Instância formada por membros da comunidade científica de reconhecida
liderança e competência, responsável pelo julgamento do mérito das propostas
submetidas ao CNPq. A grande área de Ciências Humanas é constituída, no
CNPq, por duas coordenações técnicas – Ciências Humanas e Ciências Sociais
Aplicadas –, a primeira contando com cinco Comitês de Assessoramento e a se-
gunda, com quatro Comitês, nos quais estão inseridas CP e RI. Sua composição
pode ser consultada em: <http://www.cnpq.br/cas/membros.htmchs>. Acesso
em: 28 jul. 2008.
20. Os critérios de julgamento do Comitê de Assessoramento de Ciências So-
ciais (CA-CS) podem ser consultados em: <http://www.cnpq.br/cas/ca-cs.
htm#criterios>. Acesso em: 28 jul. 2008.
21. Uma lista adicional de bolsas PQ referentes ao julgamento de 2007 foi di-
vulgada em 09/07/2008, contemplando todas as áreas do conhecimento:
<http://www.cnpq.br/resultados/2008/pq_adicional.htm>. Acesso em: 28 jul.
2008.
22. A lista dos pesquisadores da área com bolsas em curso pode ser consultada
em: <http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.curso>. Acesso
em: 28 jul. 2008.
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Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
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A Pós-Graduação em Relações Internacionais
no Brasil
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1ª Revisão: 04.10.2009 – 2ª Revisão: 09.11.2009
Resumo
A Pós-graduação em Relações
Internacionais no Brasil
Este trabalho trata dos programas de pós-graduação em Relações Internaci-
onais no Brasil, cujo número tem crescido de forma expressiva, passando de
dois, na década de 1980, para oito, em 2008. Em sua primeira parte, são
abordados a evolução, o crescimento e as políticas de indução para a criação
e a consolidação dos programas na área. A segunda parte trata da avaliação
desses programas pela Capes e busca mapear, de forma aproximativa, a si-
tuação da área com relação ao fomento à pesquisa na Capes e no CNPq.
Palavras-chave: Pós-graduação – Relações Internacionais – Pesquisa –
Avaliação – Fomento
Abstract
Advanced Degrees in
International Relations in Brazil
This work is on advanced degrees in International Relations in Brazil,
which have grown four-fold from two in the 1980s to eight in 2008. The first
part of the paper discusses this increase in the total of degrees and public
policy incentives for the creation and consolidation of such programs. The
second part discusses the evaluation of these programs by Capes and maps
out the state of International Relations in Brazil given research incentives
from Capes and CNPq.
Keywords: Advanced Degrees – International Relations – Research –
Evaluation – Public-Policy Incentives
Norma Breda dos Santos e Fúlvio Eduardo
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Articles
The Participation of the Private Sector in the Global Environmental Governance:
Evolution, Contributions and Obstacles 215
Jose Célio Silveira Andrade
Environment and International Trade: Sustainable Relationship or Irreconcilable
Opposites? Environmental and pro-Commerce Arguments of the Debate 251
Fábio Albergaria de Queiroz
Nation-building and International Security: A Debate under Construction 285
Aureo de Toledo Gomes
Politics, Emancipation, and Humanitarianism: A Critical Reading of the English
School over the Issues of the Humanitarian Intervention 319
Marcelo Mello Valença
Advanced Degrees in International Relations in Brazil 353
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Informações para Autores
1. A revista tem como objetivo a promoção e divulgação do debate acadêmico nocampo das relações internacionais.
2. Serão aceitos trabalhos inéditos em português, inglês ou espanhol.
3. A política editorial de Contexto Internacional estabelece que os trabalhos devemser de interesse acadêmico e representar uma reflexão inovadora na área de relaçõesinternacionais. Artigos que abordam temas de política internacional e que contri-buem para a compreensão da pluralidade de perspectivas presentes no meio acadê-mico são publicados.
4. Todos os artigos terão sua publicação condicionada a pareceres de especialistas.Todas as referências e citações que podem identificar os autores devem ser removi-das. Acadêmicos de diferentes países participarão deste processo.
5. Os trabalhos devem estar configurados com espaçamento duplo e salvos no pro-grama Word para Windows.
5.1 Os artigos devem ter aproximadamente 8.000 palavras e apresentar, em portu-guês e em inglês, os seguintes itens:
a) título; b) 4 palavras-chave; c) um resumo de cerca de 150 palavras; d) uma fraseem português contendo o objetivo do artigo.
5.2 Solicita-se que seja enviado, separadamente, um breve currículo do autor quecontenha a titulação, a função que exerce atualmente e as publicações recentes.
6. Para citações e referências bibliográficas, Contexto Internacional adota as regrasda Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): <http://www.abnt.org.br>.
7. As citações em língua estrangeira deverão ser traduzidas para a língua portugue-sa. As citações pequenas (até 3 linhas) devem ser inseridas no texto entre aspas du-plas e sem itálico.
As citações longas (mais de 3 linhas) devem ser destacadas com recuo de 4 cm damargem esquerda, com tipologia Arial ou Times New Roman 10, espaçamento sim-ples entre linhas e sem aspas. A referência, quando existir, deve ser incluída logoapós a citação e antes do sinal de pontuação.
8. As referências bibliográficas, quando necessárias, deverão aparecer no própriotexto, com a menção do último sobrenome do autor, acompanhada do ano da publi-cação e do número da página.
9. Toda correspondência deve ser enviada para:
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