considerações sobre memória, silêncio e esquecimento · memórias a partir do recurso de...

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Considerações sobre memória, silêncio e esquecimento Recordo-o [...] com uma escura flor-da-paixão na mão, vendo-o como ninguém o viu, embora o avistasse do crepúsculo do dia até o da noite, toda uma vida. Recordo- o, o rosto taciturno, indiático e singularmente distante, por trás do cigarro. Recordo (creio) suas mãos afiladas de trançador. Recordo perto dessas mãos um chimarrão, com as armas da Banda Oriental; recordo na janela da casa uma esteira amarela, com uma vaga paisagem lacustre. Recordo claramente sua voz; a voz pausada, ressentida e nasal do antigo homem dos subúrbios, sem os silvos italianos de agora. Mais de três vezes não o vi. (Personagem narrador, sobre suas lembranças acerca de Funes) Mais recordações tenho eu sozinho que as que tiveram todos os homens desde que o mundo é mundo. [...] Meus sonhos são como a vigília de vocês. [...] Minha memória, senhor, é como despejadouro de lixos. 1 (Irineu Funes, sobre sua falta de capacidade de esquecer) Refletir sobre o esquecimento, sobre o tipo de esquecimento que necessariamente articula-se com as categorias tempo e memória, esquecimento que pode vir a ser produzido pelo silenciamento que, nesses casos, está ligado aos silêncios que possuem seus sentidos carregados de ideologia e historicidade, pode, por diversos caminhos, fazer-nos lembrar de Funes, o memorioso, o complexo personagem de um dos contos do argentino Jorge Luis Borges. Talvez um olhar sobre Funes, o homem que percebia tudo e não conseguia esquecer-se de nada, de nenhum detalhe daquilo que vivenciava, possa nos auxiliar a iniciar o percurso do complexo caminho que nos leve a refletir sobre os elementos acima elencados. Talvez o Funes de Borges, ao ser agenciado em certos momentos de nossas discussões, possa nos ajudar a pensar sobre alguns dos elementos componentes das experiências sobre memória, lembrança e esquecimento, advindos não apenas das análises oferecidas por estudos especializados, mas também, do senso comum. O que pretendemos nesse ensaio é refletir sobre a produção dos esquecimentos, e sobre a necessidade de sua existência em nosso mundo. Partiremos dos esquecimentos que 1 BORGES, Jorge Luis. Funes o Memorioso. In: ________. Ficções. Porto Alegre: Globo, 1969.

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Considerações sobre memória, silêncio e esquecimento

Recordo-o [...] com uma escura flor-da-paixão na mão, vendo-o como ninguém o

viu, embora o avistasse do crepúsculo do dia até o da noite, toda uma vida. Recordo-

o, o rosto taciturno, indiático e singularmente distante, por trás do cigarro. Recordo

(creio) suas mãos afiladas de trançador. Recordo perto dessas mãos um chimarrão,

com as armas da Banda Oriental; recordo na janela da casa uma esteira amarela,

com uma vaga paisagem lacustre. Recordo claramente sua voz; a voz pausada,

ressentida e nasal do antigo homem dos subúrbios, sem os silvos italianos de agora.

Mais de três vezes não o vi.

(Personagem narrador, sobre suas lembranças acerca de Funes)

Mais recordações tenho eu sozinho que as que tiveram todos os homens desde que o

mundo é mundo. [...] Meus sonhos são como a vigília de vocês. [...] Minha

memória, senhor, é como despejadouro de lixos. 1

(Irineu Funes, sobre sua falta de capacidade de esquecer)

Refletir sobre o esquecimento, sobre o tipo de esquecimento que necessariamente

articula-se com as categorias tempo e memória, esquecimento que pode vir a ser produzido

pelo silenciamento que, nesses casos, está ligado aos silêncios que possuem seus sentidos

carregados de ideologia e historicidade, pode, por diversos caminhos, fazer-nos lembrar de

Funes, o memorioso, o complexo personagem de um dos contos do argentino Jorge Luis

Borges.

Talvez um olhar sobre Funes, o homem que percebia tudo e não conseguia

esquecer-se de nada, de nenhum detalhe daquilo que vivenciava, possa nos auxiliar a iniciar o

percurso do complexo caminho que nos leve a refletir sobre os elementos acima elencados.

Talvez o Funes de Borges, ao ser agenciado em certos momentos de nossas discussões, possa

nos ajudar a pensar sobre alguns dos elementos componentes das experiências sobre memória,

lembrança e esquecimento, advindos não apenas das análises oferecidas por estudos

especializados, mas também, do senso comum.

O que pretendemos nesse ensaio é refletir sobre a produção dos esquecimentos, e

sobre a necessidade de sua existência em nosso mundo. Partiremos dos esquecimentos que

1 BORGES, Jorge Luis. Funes o Memorioso. In: ________. Ficções. Porto Alegre: Globo, 1969.

podem nascer nas memórias individuais para que reflitamos, em seguida, sobre a produção

coletiva de memória e esquecimento nos e para os grupos sociais.

Para cumprir tal tarefa, percorreremos caminhos heterogêneos, porém, não

dissonantes, na medida em que discutiremos o esquecimento, primeiramente, a partir de sua

articulação elementar com uma fenomenologia da memória, em seguida, pelas formas de

silêncio detectadas a partir dos preceitos da análise de discurso para, enfim, refletirmos sobre

as relações entre literatura e esquecimento2, ou melhor, sobre as narrativas literárias e seu

potencial de, ao circularem e serem consumidas, auxiliarem na produção/manutenção de

memórias compostas tanto por enunciações quanto por silenciamentos3.

Como essa discussão deve auxiliar, mais adiante, a pensarmos a questão dos

esquecimentos acerca das cidades sertanejas enquanto componentes constituintes e

significantes da própria noção de sertão, nosso foco principal não estará voltado para todos os

tipos de esquecimento, mas, para aqueles advindos dos silenciamentos socialmente e

politicamente produzidos pelos discursos circulantes – chegaremos a eles. Mas, comecemos

por um primeiro olhar sobre a história de Funes.

***

Rapaz de dezenove anos, morador da pequena cidade de Fray Bentos no Uruguai

oitocentista, Irineu Funes, protagonista do conto concluído por Borges em 1942, nos é

apresentado desde o início como figura excêntrica, conhecida por não dar-se bem com

ninguém e por saber as horas sem precisar consultar um relógio. Após sofrer uma queda de

cavalo que supostamente lhe provocou um trauma singular, o rapaz ficou paralítico, porém,

teve a motricidade perdida compensada por uma “sobrenatural” potencialização de suas

capacidades de percepção e memorização. Após o acidente, Funes passou a ser capaz de

2 No presente trabalho, apresentado como requisito da disciplina Seminário de Tese, apenas a discussão do

esquecimento a partir da fenomenologia da memória será apresentada. Por questões de cronograma e número

de páginas definidas para o presente trabalho, as discussões sobre o esquecimento pela análise de discurso e

pelas narrativas literárias serão apresentadas na ocasião da conclusão do primeiro capítulo desta Tese. Os

tópicos referidos nessa introdução de capítulo estão descritos em detalhes no sumário apresentado no final

desse trabalho. 3 A noção de silenciamento como esquecimento produzido pelos sentidos que os silêncios imputam aos

discursos será detalhadamente discutida no tópico 1.2. deste capítulo.

perceber e memorizar tudo à sua volta. Não apenas o presente passou a ser percebido e

registrado em sua memória com uma riqueza ímpar de detalhes, como o seu passado, desde o

nascimento, emergiu de modo a poder ser rememorado e classificado com uma exatidão

cronológica incrível. O Funes construído por Borges era capaz, por exemplo, de comparar o

formato das nuvens que viu na manhã de trinta de abril de mil oitocentos e oitenta e dois, com

“os veios de um livro encadernado em couro que vira somente uma vez e às linhas da espuma

que um remo levantou no Rio Negro na véspera da batalha do Quebracho”4. Ele também era

capaz de reconstituir em pensamento um dia inteiro, segundo a segundo, mesmo que para isso

fosse preciso utilizar o tempo de outro dia inteiro. Essas lembranças não eram apenas

imagéticas: “eram carregadas de sensações térmicas, musculares, etc”5.

Ocorre, no entanto, que o estado de rememoração constante vivido por Funes

colocava-o no paradoxo de viver para não pensar, apenas lembrar e lembrar. A capacidade de

lembrar-se de tudo, sem nenhuma perda de detalhes, sem a possibilidade de nenhum tipo de

“negociação” da memória entre o que precisava ser lembrado e o que deveria ser esquecido

para, talvez, poder ser relembrado em momento propício, fazia com que o dom de lembrar-se

de tudo sempre, se convertesse num tipo de imobilidade tão rara e inusitada quanto o seu

dom. Essa imobilidade consistiria muito mais na falta de capacidade de deixar de lembrar, de

esquecer, do que necessariamente em sua condição de paralítico. Sua habilidade de perceber

tudo, de registrar tudo, interferiria inclusive na capacidade de pensar ou de refletir

criticamente certos elementos à sua volta. O próprio autor do conto, que se coloca como

personagem e narrador em primeira pessoa, relata sua suspeita de que o protagonista, que

havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim, não fosse, contudo,

muito capaz de pensar6.

Talvez como forma de criar um contraponto narrativo às excepcionais habilidades

de Funes, o “personagem narrador”, faz questão de realçar aspectos de sua própria memória

que, ao contrário daquela que encontramos no protagonista, é comum, convencional, falível,

capaz de vivenciar, esquecer e rememorar.

De maneira provavelmente intencional, o narrador do conto utiliza-se

recorrentemente de tempos verbais tais como “recordo-me” ou “lembro-me”, como quem

4 Borges, Jorge Luis. Op. Cit., p. 55. 5 Ibid., p. 55. 6 Ibid., p. 57.

necessite reafirmar-se, demarcando constantemente os momentos em que esforça-se para alçar

mão do recurso de rememorar, ou seja, de reativar suas memórias pela reconstrução de suas

lembranças. A partir de argumentações do tipo “minha primeira lembrança sobre Funes é

muito perspícua”, ou de expressões como “recordo (creio)”, o narrador coloca em questão a

sua própria capacidade de lembrar as coisas com exatidão ao mesmo tempo em que contrapõe

o que seriam as operações de memória de alguém “comum” com aquelas encontradas em

Funes.

Na condição de pessoa convencional, comum, o narrador nos permite perceber,

ainda que não explicitamente, que suas memórias operam a partir de jogos que giram entre o

lembrar e o esquecer, a partir da seleção, consciente ou não, daquilo que deve ser elencado,

organizado e enunciado para compor lembranças, e aquilo que pode ou deve ser silenciado.

Assim como ocorre não apenas com as memórias individuais, mas também, com aquelas que

se constituem coletivamente, as memórias do personagem narrador são construídas e

apresentadas a partir de seleções que envolvem algumas enunciações e muitos silenciamentos:

“Lembro-me da bombacha, das alpargatas, lembro-me do cigarro no duro rosto, contra o

nuvarrão já sem limites”.

Borges também nos lembra (sem trocadilhos) de que as nossas memórias podem

ser (re)ativadas pelas memórias de terceiros, ou ainda, que as enunciações baseadas nas

memórias de outrem podem auxiliar na produção das nossas imagens de memória: “sou tão

distraído que o diálogo que acabo de contar não me teria chamado a atenção se não o

houvesse repetido meu primo [...]”.

A contraposição das formas de memórias dos dois personagens acima citados nos

permite pensar, ainda que metaforicamente, na relação entre os mecanismos de

funcionamento das memórias individuais ou coletivas das pessoas e grupos sociais (aqui

representadas pelas lembranças do narrador) e os arquivos documentais (presentes,

simbolicamente, metaforicamente, na maneira sistemática e organizada com a qual Funes

registra os acontecimentos do passado para poder consultá-los quando desejar). Nesse

sentido, Funes poderia ser uma grande metáfora à obsessão moderna por salvaguardar as

memórias a partir do recurso de arquivar, registrar, organizar e escrever sobre as experiências

humanas, produzindo formato às memórias e esquecimentos em disputa, a partir aquilo que

Michel Pollak chamaria de “moldura” ou “enquadramento” 7.

O nosso “Funes-arquivo”, talvez por sua condição extremamente singular de

existência no mundo, parece rejeitar qualquer função para o ato de esquecer. Ele, sentindo-se

preenchido, quase completo, por suas percepções e operações de reconstituição de suas

experiências, ensimesmava-se e exaltava o não esquecimento, maravilhando-se com ele,

embora reconhecendo a sua excepcionalidade e sua “quase” impossibilidade. Assim como

podemos encontrar em algumas concepções advindas do senso comum – falaremos mais

adiante sobre isso – Funes considerava o esquecimento uma perda, uma derrota pela qual não

precisaria mais passar. Ele reclamava que antes do acidente, quando era uma “pessoa

comum”, “havia vivido como quem sonha: olhava sem ver, ouvia sem ouvir, esquecia-se de

tudo, de quase tudo”8.

Nossa principal intenção em elencar aqui alguns dos ricos elementos desse conto

de Jorge Luis Borges, reside na pretensão de, antes mesmo que comecemos qualquer

problematização baseada em preceitos teóricos mais formais, levarmos o leitor a uma primeira

reflexão – a ser desenvolvida nas páginas que se seguem – acerca dos elementos memória,

silêncio, lembrança e esquecimento. Mesmo que ainda não tenhamos começado a construir

argumentações mais aprofundadas sobre o funcionamento desses elementos e suas respectivas

importâncias para a existência humana, é possível que o leitor seja tocado por certo

estranhamento (ou até, maravilhamento) quando posto diante das inusitadas habilidades de

Funes. Ao mesmo tempo, essa breve reflexão inicial nos permite um olhar sobre a forma

“normal”, “convencional”, que caracteriza as maneiras de vivenciar, esquecer-se e lembrar-se

do personagem narrador. É possível que o leitor sinta-se provocado a, desde já, refletir acerca

de como nos identificaríamos com as formas de memória e esquecimento apresentadas por

essa breve discussão introdutória. A partir desse ponto, dessas provocações, gostaríamos de

convidar o leitor a nos acompanhar na busca por respostas a indagações que consideramos

essenciais para o desenvolvimento desse trabalho. Indagações tais como: em quais medidas o

esquecimento torna-se necessário à dinâmica das operações de memória das pessoas e grupos

sociais? Como e por que o esquecimento se produz?

7 POLLAK. Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 2, n. 3, 1989, p. 13. 8 Borges, Jorge Luis. Op. Cit., p. 55.

Talvez o próprio Funes nos forneça uma primeira pista a essas questões ao afirmar

que sua memória é como um “despejadouro de lixo”, retendo de uma só vez tudo o que

poderia ser lembrado ou esquecido, selecionado, silenciado ou descartado. Desse ponto em

diante, pedimos licença para prosseguirmos por caminhos mais bem embasados, que nos

ajudem a discutir o esquecimento em suas relações com a memória e com as diversas formas

de silêncio.

1.1. Memórias e esquecimentos

Saber esquecer! É antes uma sorte do que uma arte. [...] A

memória não é apenas rebelde porquê nos deixa na mão

quando mais precisamos dela, mas também é insensata, pois

chega correndo quando não é hora.

(Baltazar Gracián, moralista espanhol – 1601 – 1685)

Paul Ricoeur, no livro A memória, a história e o esquecimento9 oferece-nos

discussões que culminam no esquecimento como elemento-chave para que se estabeleçam

compreensões acerca das relações entre a memória e a história. A partir de profundas análises

que colocam em diálogo várias filosofias (Platão, Aristóteles, Agostinho, Husserl, Bergson),

Ricoeur constrói pressupostos para uma fenomenologia da memória, ao mesmo tempo em que

nos apresenta uma densa epistemologia da história. É a partir de análises acerca das relações

dialógicas entre história, memória e esquecimento que o autor nos oferece reflexões sobre

como esses elementos constituem-se indispensáveis na dinâmica de vida dos indivíduos e dos

grupos sociais.

As análises de Ricoeur culminam na possibilidade de se relacionar as noções de

esquecimento e perdão naquilo que resultaria o que ele denomina uma memória apaziguada.

Considera-se esse apaziguamento pela possibilidade existencial de uma “memória feliz”,

constituída a partir de uma vitória da fenomenologia da “memória normal” sobre as

“patologias da memória”. Essa perspectiva, que desenvolveremos mais detalhadamente nas

próximas páginas, coloca o esquecimento em relação dialógica com a memória e com a

história. Antes, porém, sugerimos percorrermos o caminho proposto pelo autor para a

9 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas SP: Editora UNICAMP, 2007.

compreensão dos mecanismos e elementos constituintes das noções de esquecimento e

memória.

Primeiramente faz-se pertinente compreendermos que, pelo senso comum, o

esquecimento costuma ser tomado, majoritariamente, por seus sentidos negativos. O

esquecimento seria como um dano (fraqueza, lacuna) à confiabilidade da memória. A

memória, nessa perspectiva, seria confundida com a própria capacidade de rememoração

(“fulano possui boa memória”) e, nesse caso, se definiria como luta contra o esquecimento.

Paradoxalmente, o mesmo senso comum tende a afastar a ideia de uma “memória total”, que

não se esqueceria de nada, análoga àquela representada pela figura de Funes e, nesse caso,

tida como monstruosa, perturbadora, anormal. A memória seria, então, constituída por

negociações cabíveis com o esquecimento, mas, nesse ponto, vale perguntar: haveria medida

entre o que deve ser esquecido e o que pode ser lembrado? Levemos em conta ainda, que,

como escreveu Harald Weinrich em seu criterioso Lete10 (analisaremos em detalhes essa obra

nos próximos tópicos), parte do problema nos usos e concepções que se fazem da noção de

memória estaria na polissemia da palavra esquecimento. A solução seria a elaboração de uma

análise baseada em grau e profundidade do esquecimento. Prossigamos...

O estudo realizado pela perspectiva da profundidade do esquecimento faz-se,

primeiramente, a partir da noção de rastros de memória. Desde o início de sua análise,

Ricoeur propõe trabalhar com três tipos de rastros: o escrito, do campo da historiografia, do

rastro documental; o psíquico, impresso na memória sob a forma de imagens de memórias,

representações acerca do evento marcante, rastro mnemônico; o cortical, cerebral, tratado

pelas neurociências, rastro mnésico. A problemática do esquecimento de Ricoeur se dá pela

justaposição entre as formas psíquica e cortical dos rastros e, para tanto, o autor trabalha com

a polaridade existente entre três formas de esquecimento: o apagamento de rastros, o

esquecimento de reserva e, derivado deste último, o esquecimento manifesto.

Apagar, passar a borracha, passar a esponja, deletar. Essas seriam, segundo

Weinrich, metáforas modernas para o tipo de esquecimento que se daria de forma

irremediável, irreversível, irrecuperável11. Mas, em que medida os rastros de memória podem

ser apagados sob essa forma tão radical?

10 WEINRICH, Harald. Lete: Arte e crítica do esquecimento. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2001. 11 Ibid., p. 23.

Ricoeur argumenta que, pelas ciências neuronais, o esquecimento e os rastros

mnésicos são evocados nas proximidades das disfunções que levam a pensar os tipos de

apagamento residentes na fronteira incerta entre o normal e o patológico.

Ainda assim, o autor nos adverte que o ato de “lembrar” pode ser analisado por

duas abordagens distintas: a primeira cognitiva, que buscaria representar fielmente o passado;

a outra, pragmática, ligada às operações, exercícios e usos da memória. Buscar compreender

o esquecimento convida à releitura das duas problemáticas pela perspectiva dos níveis de

profundidade aos quais o esquecimento é submetido.

Do ponto de vista cognitivo, o esquecimento se dá como fator que desafia a

memória pela capacidade de lembrar. Nesse momento entra na discussão a noção de que a

memória opera pela impressão de imagens-representação do passado, produzidas enquanto

este ainda era presente e estava sendo vivido no campo da ação. Essas representações não

desafiariam a memória apenas por suas presenças ou ausências plenas e contínuas,

definitivas, mas, pela perspectiva do seu distanciamento. Uma primeira noção de

esquecimento a ser desenvolvida, portanto, sugere que, o que foi esquecido, não lembrado,

pode ocorrer não necessariamente pelo apagamento total da representação, mas pelo

distanciamento que possibilita, no momento certo, sua reativação, ou, “o relembrar”, aquilo

que Ricoeur chama de “milagre da memória feliz”.

Enquanto filósofo, Ricoeur confronta a ciência dos rastros mnésicos, a neurologia,

com a fenomenologia da memória, balizada pela dialética da presença, da ausência e do

distanciamento, ou ainda, da representação presente do passado ausente. O autor argumenta,

porém, que, diante da heterogeneidade verificável entre os trabalhos do neurologista e do

filósofo, não se deva transformar dualismo de referências em um dualismo de substâncias, ou

seja, as visões das neurociências e da filosofia não se excluem, aliás, elas se complementam.

O nível cortical (aonde se situa o campo das neurociências), que coloca o cérebro

como um órgão funcional, de ação, serve de parâmetro ao filósofo que trabalha acima deste,

“na ordem das ciências (neuro)cognitivas, da psicologia do comportamento, da etnologia, da

psicologia social, transpondo (alegremente) o passo entre o rastro cortical e o rastro

cultural”12. Como as neurociências estudam o cérebro em seus elementos funcionais, seus

12 RICOEUR, Paul. Op. Cit., p. 425.

estudos contribuem para a compreensão, majoritariamente, nos casos das disfunções do

órgão.

Seguindo pelos passos das neurociências e de seu campo basicamente circunscrito

à ação, ao funcionamento dos órgãos biológicos e às suas disfunções e patologias, Ricoeur

elaborou uma taxonomia da memória funcional, onde se pôde concluir que a noção de rastro

de memória só existe, de maneira presente e perceptível, na forma de signo que simboliza um

referente passado, ou seja, a noção de rastro, em relação ao tempo corrido, se opera de forma

semiótica.

Nesse sentido, as metáforas da borracha que “apaga”, da esponja que “limpa”, da

lousa ou da tábula de cera, que armazenam informações de formas efêmeras, não resolvem a

questão da função mnemônica do esquecer e do lembrar. Esta só se resolve pela relação da

representação com o tempo, pela dialética da presença, ausência, distância. Apenas o

discurso sobre o mental explica isso. Nesse sentido as neurociências só explicam aquilo que

faz com que as pessoas pensem, seus mecanismos e funcionamentos, o que não é tudo.

Embora disfunções e distorções da memória existam e não devam ser

desprezadas, o esquecimento não ocorre a partir desse campo13. O esquecimento estaria

associado muito mais às estratégias da memória ou àquilo que Weinrich chama de ‘ars

oblivionis’14. O esquecimento estaria tão estreitamente confundido com a memória que

poderia ser considerado uma de suas condições. Essa estreita relação explicaria o silêncio das

neurociências em relação ao que poderia ser chamado de “esquecimentos comuns”.

Se retornarmos por mais um momento à fábula de Funes, poderíamos, por

analogia, propor que a condição excepcional do protagonista, dadas, inclusive, as

circunstâncias em que se efetivaram, estariam muito mais próximas das disfunções e

patologias da memória do que daquilo que Ricoeur chama de memória comum. O caso de

Funes seria, nesse contexto, composto por uma condição anormal, patológica, inversa àquela

da amnésia definitiva ou do apagamento total de rastro (primeira forma de esquecimento

analisada por Ricoeur). A memória comum, aquela que efetiva jogos de negociações entre o

13 Nessa perspectiva a noção de apagamento contrapõe-se à de esquecimento na medida em que a primeira designaria o tipo específico de esquecimento que promove a preda definitiva do rastro, enquanto a segunda, refere-se ao esquecimento pelo rastro distante, latente, mas passível de retornar como lembrança. 14 Expressão latina que se refere às artes do esquecimento em oposição às ars memoriae (artes da memória ou mnemotécnicas). Segundo Weinrich, uma arte da memória “significa um objeto de saber sujeito a regras e por isso mesmo bom de aprender, de uma certa complexidade, que pede considerável esforço e paciência para ser aprendido” .WEINRICH, Harald. Op. Cit., p. 30.

lembrar e o esquecer, não pelo apagamento definitivo mas pelo distanciamento circunstancial

do rastro, estaria muito mais próxima das memórias perceptíveis no personagem narrador do

conto. Essa memória comum é primordial para a compreensão da segunda forma de

esquecimento proposta por Ricoeur.

Efetivamente, para o presente trabalho, a forma de esquecimento mais importante

a ser discutida e compreendida, para que possa ser operada junto às fontes nas

problematizações que se seguirão, é aquela que Ricoeur denomina esquecimento por

persistência de rastros, aquilo que nos levaria à noção de esquecimento de reserva. Essa

forma de esquecimento não está ligada aos outros dois tipos “externos” de rastro, o cortical e

o arquivo, ou seja, o biológico e o institucional, historiográfico, mas sim, ao terceiro tipo, o

psicológico, cognitivo, simbioticamente perpassado pelas operações de registro e persistência

de imagens dos acontecimentos que deixaram marcas afetivas permanentes, não no cérebro

enquanto órgão funcional, mas, “no espírito” 15.

Ricoeur toma como base os estudos do filósofo Henri Bergson, apresentados na

obra Matéria e memória, para discutir os esquecimentos de reserva a partir de quatro

pressupostos:

o princípio básico dos mecanismos de memória é a sobrevivência e a tentativa do não

apagamento do rastro;

os obstáculos à recordação existem e são verificáveis, portanto, entendê-los auxilia a

compreender os processos que envolvem o esquecer e o recordar;

não há contradição entre os rastros corticais e os existenciais;

e, por fim; o esquecimento de reserva é fruto da sobrevivência de imagens e essas

fazem parte da chave para a compreensão do esquecimento.

Se voltarmos àquilo que, linhas atrás, denominamos de “milagre da memória

feliz” poderemos finalmente discutir os jogos entre memória e esquecimento que resultam no

esquecimento de reserva. Para Ricoeur, o reconhecimento é o principal elemento de

experiência a balizar a hipótese da sobrevivência da lembrança. Esse reconhecimento pode,

15 RICOEUR, Paul. Op. Cit., p. 436.

também, apoiar-se num suporte material ou figurado, como uma foto ou um poema, na

medida em que esse induza ao reconhecimento da coisa representada em sua ausência.

A resposta ao “enigma do reconhecimento” está na justaposição entre uma

imagem que agora se apresente, no campo da ação – que só se manifesta no presente – e

aquela produzida no passado, em uma primeira impressão na memória. O reconhecimento

ocorre por essa justaposição. Mesmo que esse reconhecimento se dê de forma equivocada

(aquele que reconheço por me fazer lembrar, não corresponde exatamente ao referente

primeiro), ainda assim ele produz o “lembrar”. Ora, “se uma lembrança volta, é porquê eu a

perdera; mas se, apesar disso, eu a reencontro e a reconheço, é que sua imagem

sobrevivera.”16

Uma imagem me acode ao espírito; e digo em meu coração: é ele sim, é ela

sim. Reconheço-o, reconheço-a. Esse reconhecimento pode assumir

diferentes formas. Ele já se produz no decorrer da percepção: um ser esteve

presente uma vez; ausentou-se; voltou. Aparecer, desaparecer, reaparecer.

Nesse caso, o reconhecimento ajusta — ajunta — o reaparecer ao aparecer

por meio do desaparecer. (RICOEUR, 2008, p. 437.)

Reconhecimento e sobrevivência, não são apenas os dois pilares centrais da obra

Matéria e memória, de Bergson, mas também, servem como base para a problemática do

esquecimento de reserva de Ricoeur. É preciso que sempre levemos em conta que o cérebro é

um órgão de ação, enquanto a memória, um elemento de representação. O reconhecimento

ocorre pela combinação desses dois modelos de memória. Haveria, portanto duas

modalidades de reconhecimento imbrincadas: a primeira, pela ação e a segunda pelo espírito,

que busca no passado as melhores imagens que se ajustem ao presente.

Se colocarmos o mecanismo do esquecimento de reserva – do esquecer-se e do

lembrar-se – no formato de cadeia explicativa, podemos chegar ao seguinte resultado:

reconhecer uma lembrança é reencontrá-la; reencontrá-la é presumi-la acessível, até

disponível (esperando a recordação), mas não ao alcance das mãos; se não está ao alcance

das mãos é porque a impressão primeira foi colocada em estado de latência; essa latência

indica a sobrevivência da imagem que, ao retornar, pelo reconhecimento, pela justaposição

com uma imagem da ação presente, configura-se como lembrança.

16 Ibid., p. 438.

Se tentarmos explicar essa operação por outro formato argumentativo, podemos

dizer que o rastro cortical registra, por ação do cérebro (ação vivida), a imagem presente que,

imediatamente, se torna passado. Essa imagem, inconsciente e impotente, precisa ser

contraposta com seus referentes significantes no presente para poder tornar-se recordação. O

estado de latência, a sobrevivência, ocorre no entreposto entre a ação vivida junto aos

registros corticais e a justaposição significante de imagens (presente-passado) que reverte o

estado de latência pela produção do reconhecimento (lembrança).

Restar-nos-ia, sobre o esquecimento de reserva, indagar sobre os critérios da

memória no tocante a como e o quão profundo as imagens devem ser guardadas. Bergson

afirma que o cérebro contribui para recordar aquilo que ele denomina “lembrança útil” e

para afastar provisoriamente todas as outras. Ricoeur diz que “o esquecimento designa o

caráter despercebido da perseverança da lembrança, sua subtração à vigilância da

consciência”17. Ambas as afirmações se complementam.

A noção de esquecimento de reserva até aqui discutida nos serve de base para

pensarmos algumas modalidades de esquecimentos reveladas pela prática conjunta entre este

e a memória. Ricoeur analisa essas modalidades a partir do que considera os usos e abusos

da memória e do esquecimento. Para isso, o autor propõe uma tipologia do esquecimento

manifesto, formulada a partir de três modalidades perpassadas por esses usos e abusos:

a relação entre o esquecimento e a memória impedida;

o esquecimento e a memória manipulada;

e, por último, o esquecimento comandado: a anistia.

Nesse momento torna-se importante colocarmos em pauta outro conceito até aqui

não explorado diretamente por Ricoeur: as memórias coletivas. Vale-nos a noção de que,

assim como as memórias individuais constituem-se, dinamicamente, pelas tensões e jogos

entre o que deve ser esquecido e lembrado, essas mesmas memórias, ao serem enunciadas e

compartilhadas com membros da família, da comunidade, do grupo social ao qual se faça

parte, auxiliam em sua constituição identitária a partir da identificação conjunta de elementos

que conferem aos sujeitos envolvidos no processo, a noção de pertencimento.

17 RICOEUR, Paul. Op. Cit., p. 448.

No campo coletivo, a memória é aquilo que o grupo “se lembra” conjuntamente,

tendo-se ou não vivenciado individualmente e diretamente cada acontecimento. Mas também

é aquilo que, por complexos processos e diversas naturezas de motivação, o grupo silenciou e

relegou ao esquecimento em nome de sua própria sobrevivência. Assim, as memórias

individuais apoiam-se umas nas outras formando uma rede de enunciações e silenciamentos,

lembranças e esquecimentos reconhecíveis como necessários à manutenção da identidade e

da integridade do grupo.

Num jogo de escalas, uma vez que somos seres sociais, podemos afirmar que as

memórias coletivas são formadas e são formadoras das memórias individuais. Ora, tanto

quanto as memórias individuais, as memórias dos grupos sociais são constituídas a partir de

relações necessárias (ou até abusivas) com o esquecimento. Ocorre que no campo coletivo,

mais até do que no individual, o entendimento das relações entre memória e esquecimento

deve dar-se pelo imbrincado e complexo jogo entre esses dois campos e a história. Ricoeur

argumenta e adverte:

De um lado, as anotações sobre o esquecimento constituem, em grande

parte, um simples anverso daquelas que dizem respeito à memória; lembrar-

se é, em grande parte, não esquecer. De outro lado, as manifestações

individuais do esquecimento estão inextricavelmente misturadas em suas

formas coletivas, a ponto de as experiências mais perturbadoras do

esquecimento, como a obsessão, somente desenvolverem seus efeitos mais

maléficos na escala das memórias coletivas. (RICOEUR, 2008, p. 45)

Em Memória, História, silêncio, Michael Pollak nos oferece importantes

problematizações voltadas às compreensões das memórias coletivas. Tomando como ponto de

partida trabalhos oitocentistas de Maurice Halbwachs e Durkheim, Pollack ressalta a

importância de elementos tais como monumentos, estilos arquitetônicos, paisagens, narrativas

construídas acerca de personagens históricos, em seus papéis de constituição e manutenção de

memórias que “ao definir o que é comum a um grupo e o que, o diferencia dos outros,

fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras socioculturais”18.

Halbwachs defendia que, longe de ser necessariamente uma forma de dominação ou de

violência simbólica, a memória coletiva comum desempenharia a positiva função de “reforçar

18 POLLAK, Michael. Op. Cit., p. 03.

a coesão social, não pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo”19. Ainda segundo

Halbwachs, Pollak argumenta:

Em vários momentos, Maurice Halbwachs insinua não apenas a seletividade

de toda memória, mas também um processo de "negociação" para conciliar

memória coletiva e memórias individuais: "Para que nossa memória se

beneficie da dos outros, não basta que eles nos tragam seus testemunhos: é

preciso também que ela não tenha deixado de concordar com suas memórias

e que haja suficientes pontos de contato entre ela e as outras para que a

lembrança que os outros nos trazem possa ser reconstruída sobre uma base

comum." (POLLAK, 1997, 1-2)

Interessado nos processos e atores que intervém no trabalho de formação e

constituição das memórias coletivas, Pollak utilizou-se da História Oral para produzir uma

análise das memórias dos excluídos, dos marginalizados, das minorias. Essa tomada de

perspectiva permitiu que o autor detectasse e tipificasse a ocorrência daquilo que ele

denomina memórias subterrâneas, operadas em oposição às “memórias oficiais”. Em

argumentação que pode ser reforçada com a noção de esquecimento de reserva até aqui

discutido por nós, Pollak questiona a visão “apaziguadora” de formação de memórias

coletivas de Halbwachs, defendendo que as memórias subterrâneas produzem seu trabalho de

manutenção subversiva no silêncio e de maneira quase imperceptível, porém, afloram em

sobressaltos bruscos e exacerbados, nos momentos de crise20.

Ampliando a brecha em direção a fenômenos atribuíveis ao grande alcance do

plano da memória coletiva e suas relações com a história, Ricoeur discute, pela via da

psicanálise, os usos e abusos tributados às relações entre o esquecimento e as memórias

impedidas. Por essa denominação o autor designa aqueles mecanismos de memórias que se

produzem inconscientemente a partir de situações que levem ao esquecimento de reserva, ao

retorno do que foi esquecido e à sua prelaboração21. Baseando-se em trabalhos de Freud22,

Ricoeur conclui que, a exemplo do que ocorreria com as memórias subterrâneas apresentadas

19 Ibid., p. 03. 20 POLLAK, Michael. Op. Cit., p. 03. 21 O termo prelaboração, desenvolvido por Freud e amplamente utilizado pela literatura ligada à psicanálise, pode ser definido como uma forma rememoração ou recapitulação que implica em revisões e reelaborações que ajustem o passado ao presente, levando-se em conta as relações com as perdas e demais sentimentos relacionados ao que se está rememorando. 22 Ricoeur analisa os trabalhos de Freud: “Rememoração, repetição, perlaboração”, “Luto e melancolia” e “Psicologia da vida cotidiana”.

por Pollak, nos casos de situações crise, situações traumáticas (individuais ou coletivas), o

trauma permanece na memória, mesmo quando tornado inacessível por um processo de

esquecimento de reserva, portanto, em momentos que se façam propícios, porções inteiras do

passado, esquecidas e reputadas, podem voltar. Esse retorno acontece a partir de processos de

prelaboração, onde o rememorar não se dá sem o trabalho de luto “pelo qual nos

desprendemos dos objetos perdidos, do amor e do ódio”23 enquanto reelaboramos as

lembranças, ajustando-as ao presente.

Seriam exemplos de memórias impedidas, casos como os de substituição de

nomes esquecidos e substituídos por outros, capazes de preencher o vazio e o incômodo

causado pela incapacidade de rememoração correta, também, os casos das lembranças

encobridoras, que criam, por exemplo, com certa confiança, noções de realidade a partir das

interposições entre nossas lembranças infantis e as narrativas que delas fizemos (ou fizeram

por nós), ou ainda, os casos de esquecimentos de projetos, onde inconscientemente deixamos

de lembrar algo que de fato nos caiba naquele momento, em detrimento de outros fatores e

elementos que se façam necessários serem lembrados por hora24. A evocação a tais tipos de

esquecimentos, alinhados às intenções inconscientes, leva-nos à reflexão sobre a vida

cotidiana nos grupos sociais. Segundo Ricoeur, “esquecimentos, lembranças encobridoras,

atos falhos assumem na memória coletiva, proporções gigantescas, que apenas a história, e

mais precisamente, a história das memórias é capaz de trazer à luz” 25.

Mas é na modalidade que Ricoeur denomina como memória manipulada que a

história terá seu papel mais contundente e intrinsecamente ligado ao esquecimento. Num nível

horizontal, distribuído entre um polo de passividade e outro de atividade, a memória

manipulada articula a memória e o esquecimento com as identidades e com a manipulação

ideológica das memórias. Nessa modalidade os abusos da memória são, de saída, abusos do

esquecimento, só possíveis devido à função mediadora das narrativas.

Vale-nos a noção de que, assim como a memória não pode lembrar-se de tudo, a

narrativa não pode narrar tudo. A ideologização das memórias só é possível pela mediação

das narrativas que, por abuso ou, antes, por uso, é essencialmente seletiva. Os elementos em

23 RICOEUR, Paul. Op. Cit., p. 453. 24 RICOEUR, Paul. Op. Cit., p. 454. 25 Ibid., p. 455.

jogo aqui seriam: memória, narratividade, testemunho e representação figurada do passado

histórico. Ricoeur argumenta:

As estratégias do esquecimento enxertam-se diretamente nesse trabalho de

configuração: pode-se sempre narrar de outro modo, suprimindo, deslocando

as ênfases, refigurando diferentemente os protagonistas da ação assim como

os contornos dela. Para quem atravessou todas as camadas de configuração e

refiguração da narrativa desde a constituição da identidade pessoal até as

identidades comunitárias que estruturam nossos vínculos de pertencimento, o

perigo maior, no fim do percurso, está no manejo da história autorizada,

imposta, celebrada, comemorada – da história oficial. (RICOEUR, 2008, p.

455.)

Impostas por meio da intimidação ou da sedução, sempre com a cumplicidade dos

atores envolvidos, a composição de narrativas canônicas utiliza-se do esquecimento como

recurso fruto do silenciamento (aquilo que, como discutiremos mais adiante, Eni Orlandi

designa por silêncio político26). A natureza seletiva da narrativa faz com que memórias sejam

constituídas, paulatinamente, a partir de acordos entre o lembrar e o esquecer, que recordam e

enunciam certos acontecimentos e contextos em detrimento muitos outros que serão

silenciados e cairão no esquecimento. O que Ricoeur chama de esquecimento de fuga, por

exemplo, seria a expressão de um esquecimento por estratégia de “evitação” motivada pela

vontade ou necessidade de não informar, de um querer-não-saber (ou que se saiba).

Podemos encontrar nos estudos de Pollak, casos que servem como exemplo de

constituição de memórias a partir negociações com o esquecimento e da mediação das

narrativas. Um caso significativo dessas “memórias em disputa” pode ser verificado no

processo de reescrita da história promovida pela dinâmica de destalinização russa,

principalmente durante o período da Glasnost e da Perestroika, a partir da emergência de

memórias subterrâneas que, por força do contexto coercitivo do Estado Stalinista e seus

efeitos posteriores, encontravam-se silenciadas por mais de cinquenta anos. Segundo Pollak o

contexto de abertura vivido pelos soviéticos gerou um movimento intelectual imbuído de

reabilitar alguns dissidentes atuais e outros, já falecidos, dirigentes nos anos de 1930 e 1940,

todos alegadamente vítimas do terror estalinista.

26 ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, SP: Editora Unicamp. 2007. 6ª ed. p. 29.

A possibilidade de reativação de memórias há muito distanciadas pelos

mecanismos de esquecimento de reserva, resultou em um amplo movimento popular que,

além de promover um paulatino processo de revisão da “história oficial”, organizou-se em

torno do projeto de construção de um monumento em memória das vítimas do período

estalinista. Segundo esse emblemático caso, Pollak acrescenta:

Essa memória “proibida” e portanto “clandestina” ocupa toda a cena

cultural, o setor editorial, os meios de comunicação, o cinema e a pintura,

comprovando, caso seja necessário, o fosso que separa de fato a sociedade

civil e a ideologia oficial de um partido e de um Estado que pretende a

dominação hegemônica. (POLLAK, 1997, p. 3-4)

A memória manipulada, mediada pelo processo de construção de narrativas,

articula-se ainda com a terceira modalidade de uso e abuso elencada por Ricoeur: o

esquecimento comandado, que teria como maior expoente a questão da anistia. Essa

modalidade designa abusos da memória, no sentido da memória imposta, obrigada,

comandada. Se tomarmos como exemplo desse tipo de uso os pactos de anistia passíveis de

serem analisados ao longo do tempo, concluiremos que esse é um tipo radical de pacto de

esquecimento mútuo onde ambos os lados envolvidos em um conflito, são postos a esquecer

dos acontecimentos traumáticos a fim de trazerem à tona apenas as lembranças que levem à

formação de um imaginário positivo de futuro e paz. As dores e as mágoas dos conflitos, ao

serem silenciadas, deverão ser esquecidas, guardadas nas profundezas da memória de reserva

para, talvez, emergirem num momento oportuno. Quem quebra a anistia pode ser considerado

um contraventor da paz. Essa seria a “ambição de fazer calar o não-esquecimento da

memória”.27

Ocorre que a anistia que deveria produzir amnésia social, não a produz de fato.

Imposta pelo Estado, ela desloca as lembranças traumáticas para as memórias subterrâneas

que tem sua manutenção nas memórias familiares e comunitárias. Dessa forma a anistia teria

sentido, apenas, como terapia social emergencial, sob o signo da utilidade em um dado

momento.

Um elemento, porém, o silêncio, necessita a partir desse momento adentrar em

nossas análises a fim de que possamos estender o escopo das compreensões sobre o

27 RICOEUR, Paul. Op. Cit., p. 461.

esquecimento à literatura e à produção de discursos que esta pode ajudar a consolidar.

Prossigamos, portanto, por outros caminhos...

1.2. A literatura, o discurso e o esquecimento, produzidos pelo não-dito

Bem distante desses, numa torrente lenta e quieta, Lete

o rio do esquecimento corre seu labirinto de águas, do

qual quem bebe imediatamente esquece seu antigo

estado de ser, esquece alegria e dor, prazer e

sofrimento.

(John Milton – Polemista – Paraíso Perdido – 1667)

Iniciemos esse ponto de nossa discussão a partir de um caso contemporâneo,

relativamente recente.

Em 2010, Araquém Alcântara, renomado fotógrafo pertencente à National

Geographic Society, lançou um livro cuja proposta seria mostrar, a partir da combinação entre

imagens fotográficas e legendas em texto escrito, aquilo o que seria “o verdadeiro sertão”

brasileiro, o sertão clássico, o sertão tantas vezes representado pela literatura do século XX 28.

As noventa belíssimas fotos em preto e branco publicadas em seu livro, foram

cuidadosamente escolhidas pelo fotógrafo que, em matérias jornalísticas decorrentes do

lançamento da obra, afirmou terem sido produzidas ao longo de dois anos de planejamentos e

andanças pelas terras sertanejas. As fotos do belo livro embrincam-se aos textos das legendas

que as acompanham e parecem buscar demonstrar não apenas os elementos ligados ao

ambiente natural do sertão, mas, principalmente, sua gente, seus modos de ser e de viver, a

partir das práticas sociais definidoras de uma “identidade sertaneja”.

Alcântara declara ter escolhido andar “somente por estradas de terras, em busca

dos vestígios de um mundo perdido no tempo”29. Também explicitou sua intenção em

transformar em imagens “ a aridez tantas vezes cantada por Guimarães Rosa, Euclides da

Cunha, Graciliano Ramos, Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto”30. No texto de

divulgação da obra, o autor ainda nos explica:

28 ALCÂNTARA, Araquém. Sertão sem fim. São Paulo: Editora terra Brasil, 2010. 176 p. 29 Dados fornecidos por revista eletrônica local, disponível em: < www.portalimprensa.com.br/noticias/pontodevista/40207/ > Acesso em: 15 abr 2017. 30 Idem.

"Escolhi mapear o sertão como espaço geográfico o mais desabitado

possível, a partir do norte de Minas e depois os interiores de Sergipe,

Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará,

lugares que não estão no mapa, esquecidos pela civilização, mais que ainda

mantém uma natureza primordial e intocada. No livro está o sertão de terra

dura, ocre, agreste, banhado pelo sol escaldante, de estradas empoeiradas,

lajedos e pedras calcinadas... Pobreza, fome, seca, fadiga, o amor e o sangue,

a possessão das terras, as lutas pelas cabras e carneiros, a vida e a morte,

tudo que é elementar no homem está presente nesta terra perdida"

Na citação acima, a argumentação inicia-se acertadamente pela conjugação verbal

“escolhi” e busca legitimar as escolhas do autor através de expressões como “o mais

desabitado possível”, ou ainda, por adjetivações tais como “terra perdida”, terra formada por

um ambiente de sol escaldante, de estradas empoeiradas, lajedos e pedras calcinadas, pobreza,

fome, seca, fadiga, vida e morte. Essas escolhas evocam velhas tradições constituídas

historicamente e consolidadas a partir de visibilidades e dizibilidades que ajudaram a

cristalizar um imaginário hegemônico acerca do que seria o sertão.

Evocando essas velhas tradições, a partir de escolhas que buscam, inclusive, a

produção e/ou a manutenção de uma “estética sertaneja”, as imagens apresentadas nas páginas

do livro de Alcântara foram registradas em equipamento análogo ao utilizado há mais de 40

anos: “uma câmera Leica, totalmente manual, três lentes e incontáveis rolos de filme Tri-X

Pan, um clássico em p&b da Kodak”31.

Nas fotos podem ser contemplados lindos campos de caatinga com sua vegetação

única e sua secura peculiar. Também estão representados vaqueiros encourados campeando o

gado na caatinga, moradias solitárias tão esparsas que parecem estar longe de tudo e de todos,

gente de fé, rezando em altares domésticos, currais onde o gado é ajuntado e ferrado.

O que não existe entre as imagens do lindo livro, produzido, lembremos, nesse

início de século XXI, são cidades. Dentre as fotos não estão representadas imagens urbanas,

nenhuma prática social ligada às urbes do sertão, mesmo que elas existam e possuam

relevância na vida e na história de muitos dos sertanejos. Essa ausência, esse silêncio, não são

mero acaso.

Podemos constatar e afirmar que o “esquecimento” das cidades como

componentes do ambiente sertanejo, é fruto de um processo de silenciamento desenvolvido

31 Dados fornecidos por revista eletrônica local, disponível em: <

www.portalimprensa.com.br/noticias/pontodevista/40207/ > Acesso em: 15 abr 2017.

socialmente e historicamente. Silenciamento que, ao longo de décadas, esteve tão presente na

literatura em prosa ou verso, na música, nas artes plásticas, no cinema, entre outras formas de

expressão e arte, que contribuíram com a consolidação de um imaginário hegemônico acerca

de um sertão, onde as cidades não constituem-se como instância espacial importante para

representá-lo. Guardemos, por ora, o caso do livro de Araquém Alcântara, para que possamos

retomá-lo mais adiante...

***

Interessa-nos uma forma específica de esquecimento: aquela na qual este se

produz e se efetiva a partir do silenciamento, ou melhor dizendo, a partir do conjunto de

disputas discursivas que, em determinado tempo histórico, “põem em silêncio” determinados

elementos em detrimento de outros, que disciplinam esse silêncio a partir daquilo que é

narrado. Interessa-nos, portanto, o esquecimento que se consubstancia a partir do não-dito.

Interessa-nos entender como o esquecimento negocia com as memórias e como

essas negociações conferem sentidos aos silêncios em variados momentos da história do

homem.

Interessa-nos, principalmente, discutir acerca de como a literatura, ao circular e

ser consumida, ao sobreviver a vários tempos e ser ressignificada a partir desses tempos,

consegue ajudar a dar vida a esses silêncios e, consequentemente, consolidar seus

esquecimentos.

Ao buscar construir uma história cultural do esquecimento, Halard Weinrich nos

auxilia em parte da nossa busca, na medida em que nos oferece rica e criteriosa discussão

acerca daquilo o que significaria o esquecimento em diversas produções literárias, concebidas

em variados tempos da história do Ocidente.

O Lete é o elemento mais recorrente em suas reflexões e, de certa forma, o fio

condutor das discussões apresentadas por esse autor. Na mitologia grega, Lete é o nome de

um rio do submundo, uma torrente mítico-poética que confere esquecimento às almas dos

mortos. O esquecimento estaria aqui simbolicamente mergulhado no fluir do elemento

“líquido” das águas desse rio que permite aos mortos esquecerem-se de suas duras

lembranças, que seriam “liquidadas” como forma de renovarem suas almas.

Mas, partindo dos sentidos conferidos ao Lete pelos antigos gregos, verifica-se

que este rio mítico foi elencado muitas outras vezes ao longo da história da literatura

ocidental, por obras que buscaram discutir o esquecimento a partir dos contextos

sociohistoricos aos quais seus autores estiveram ligados. A percepção das ressignificações

construídas para este elemento literário ao longo dos tempos nos permite trabalhar com uma

conclusão já bastante conhecida, porém, crucial para a pesquisa ora em curso: a literatura,

assim como outras formas de expressão humana, não poderia constituir-se senão a partir das

demandas sociais de seu tempo histórico.

O Lete é, por exemplo, representado na Divina Comédia (Aliguieri, 1304-1321)

em, pelo menos, dois momentos importantes dessa epopeia poética pré-renascentista.

Primeiramente, quando Dante está sendo conduzido ao “funil infernal” por Virgílio, o poeta –

que precisará lembrar-se de tudo, não esquecer-se de nada de sua jornada, a fim de contá-la

aos viventes após seu retorno – queixa-se por ainda não ter visto o Lete. Usando-se mais de

silêncios do que de explicitações, Virgílio argumenta a Dante que ele ainda verá o rio do

esquecimento, porém, isso só acontecerá no momento propício. Muito posteriormente Dante

encontra-se com o Lete e este situa-se na saída do Purgatório, porta de entrada para os belos

campos do Paraíso.

Uma vez que as águas do rio do esquecimento possuem a propriedade de apagar

as lembranças dos pecados cometidos em vida, no Inferno e no Purgatório de Dante não faria

sentido que as almas fossem presenteadas com esse esquecimento. Já os que conseguem

chagar ao Paraíso bebem das águas do Lete, mas também do Eunoë (boa memória), rio gêmeo

cujas águas funcionam como antídoto para o esquecimento, apenas para as lembranças das

boas ações na vida terrena e para que as almas entrem no céu com todos os bons sentidos.

Para esses, merecedores, somente os pecados, as angústias, as agonias, são esquecidos.

Por um lado, apenas em um dado lugar da narrativa (topos) é permitido ao leitor

da Divina Comédia perceber que Dante não poderia, antes do “momento propício” ter contato

com o Lete, não somente por este se fazer presente apenas aos que merecem o esquecimento

reconfortante do Paraíso, mas, também, porque Dante é na Comédia aquele que representa a

memória em si, aquele que deve lembrar-se do que viu para poder contar. Por outro lado,

Virgílio ao ser indagado acerca do Lete, opta pelo silêncio quando poderia explicar ao

visitante os motivos da ausência desse rio. Esse silêncio perpassado pelo jogo de palavras

serve para enunciar aquilo que ganha sentido a partir do que não será dito.

Vale nesse caso dedicarmos algum espaço à relação entre o dito e o não-dito,

entre o enunciado e o silêncio, a partir de noções fornecidas pelos estudos de Eni Orlandi,

onde se argumenta que as palavras combinadas na composição de narrativas estão repletas de

silêncio.

Orlandi nos apresenta que na literatura em prosa ou em verso, assim como ocorre

no cinema ou na música, entre outras artes, os silêncios são tão fundamentais quanto o que se

escolhe dizer. Ao se decidir narrar algo a partir da enunciação de determinados elementos,

incontáveis outros elementos são silenciados. As intencionalidades imbrincadas nessas

escolhas carregam de sentidos tanto o que é dito quanto o que se escolheu definir pelo não-

dito.

Em qualquer narrativa que se apresente, o silêncio não é um “complemento da

linguagem”, não é tampouco aquilo que está “implícito”, muito menos é “um nada”, “um

vazio”. O silêncio é o “elemento fundante”, aquele que já existe quando se escolhem palavras

para formar uma narrativa. Nessa perspectiva, oriunda dos preceitos da análise de discurso32,

o homem teria criado a linguagem a fim de reter e disciplinar o silêncio, por si só carregado

de sentidos, uma vez que este sempre está inserido em um contexto sociohistorico.

Podemos afirmar que as palavras em uma narrativa são perpassadas por silêncio.

O silêncio pode não falar, mas ele significa. Ele só pode ser observável a partir das fissuras e

rupturas em relação de sentidos entre o que é dito e a história.

Assim, o silêncio é justamente o elemento que dá movimento aos sentidos que as

palavras buscam estabilizar. O jogo de palavras que compõe o que é narrado confere sentido

não apenas àquilo que é enunciado, mas, principalmente, a tudo o que decidiu-se por não

enunciar, por se manter em silêncio (lembram-se das cidades que Araquem de Alcântara

escolheu silenciar em suas fotos?). É assim que o silenciado e o explicitado fazem sentido e

compõe, ambos, facetas indissociáveis das narrativas que se convertem em discurso.

O discurso por sua vez, carregado de palavras e silêncios, não se dá pelo

significado das palavras em si (caso assim fosse, o silêncio que perpassa as palavras seria um

nada). Sob a perspectiva da análise de discurso este se consubstancia pelo jogo de palavras,

pelos sentidos metafóricos desse jogo e pelas imagens que ele pode produzir. O discurso se

32 Orlandi baseia-se na perspectiva de análise de discurso produzida pela Escola Francesa a partir das teorizações de Pêcheux, que trata o discurso como constructo e lugar de contato entre a língua e a ideologia.

opera pela relação entre o real, o imaginário e o simbólico, conferindo materialidade aos

sentidos produzidos por essa relação.

Na análise de discurso, o real, o imaginário e o simbólico dão-se em um campo

específico: em relação à ideologia e à determinação histórica. Nesse caso talvez seja

importante lembrar que, como já vimos anteriormente, na psicanálise isso se dá em relação ao

inconsciente. Nessa perspectiva, o discurso não é a narrativa em sí, mas, o processo de

produção de efeitos de sentidos que só é possível ocorrer entre interlocutores. Já a formação

de sentidos entre interlocutores é necessariamente regulada a partir do momento

sociohistórico que esses vivenciam.

Voltando ao exemplo do esquecimento representado na Divina Comédia, notemos

que na relação entre o Lete, que faz esquecer, e o Eunoë, que devolve as lembranças boas,

aquelas que não torturam, que não incomodam, podemos encontrar o esquecimento sendo

representado como prêmio àqueles que merecem entrar no paraíso. Metaforicamente, esse

prêmio não se dá por um esquecimento qualquer, aleatório, mas sim, pelo resultado de

negociações com a memória que, de forma um tanto análoga às relações entre esquecer e

lembrar discutidas no tópico anterior, promovem o esquecimento em detrimento daquilo que

precisa ser lembrado.

Passariam-se séculos desde a publicação da obra-prima de Dante Alighieri, para

que Freud nos apresentasse o esquecimento como algo que não se opera por “apagamento”33,

mas sim, sendo direcionado ao inconsciente, aonde aquilo que foi “guardado” continuaria

agindo sem que se perceba. Freud nos lembra que aquilo que foi esquecido a partir da

experiência traumática, do “inconsciente penoso”, pode ser reativado, inclusive na forma de

sonho ou ato falho.

Muito antes dos estudos de Freud ou Bergson as relações entre o lembrar e o

esquecer já eram representadas pela literatura. É o que se pode verificar, só para citar mais um

exemplo, em Dom Quixote, obra-prima de Cervantes.

Segundo as análises de Weinrich, na obra de Cervantes os jogos entre o

esquecimento e a memória dão-se na composição e na relação estabelecida entre seus dois

principais personagens: Dom Quixote, o cavaleiro melancólico, alto, magro, “seco”, montado

33 WEINRICH, Harald. Op. Cit., p.187.

em um cavalo e Sancho Pança, seu fiel escudeiro, baixo, gordo, “úmido”, viajando sobre um

burro34.

Dom Quixote seria por definição o cavaleiro do esquecimento. Melancólico e

dotado de grande intelecto, o cavaleiro da Mancha seria capaz de espantosas ações mentais,

não por fazer uso da memória, mas sim, de uma transbordante fantasia que o habilitava aos

mais fantásticos feitos, justamente por sua capacidade de esquecer-se dos duros elementos

que compõe a realidade.

Se para os padrões da época a melancolia poderia levar a um temperamento

delirante e fantasioso, típico de quem esquece-se da realidade, Quixote teria esse

temperamento potencializado pela “droga” que seria o excesso de leituras de cavalaria.

Quixote representa o esquecimento na medida em que, ao enfiar-se na leitura fantasiosa,

“ressecou” seu cérebro e esqueceu-se deliberadamente do mundo, tornando real e “material”,

toda a fantasia na qual mergulhava. A genialidade de Quixote dar-se-ia pela “loucura” que o

esquecimento pernite e pela forma como a lacuna do esquecimento abre espaço para a

imaginação, mesmo que ao problematizarmos a natureza dessa “loucura” possamos perceber

representadas no enredo algumas das formas como a literatura possui o poder de construir

realidades junto aos seus leitores (materialidade do discurso).

Sancho Pança, camponês simples, “simplório inteligente”, fleumático, é dotado de

pouco intelecto, porém, está igualmente protegido dos delírios que podem levar à loucura.

Pança assemelha-se ao animal que cavalga, segundo concepções da época – resistente, pouco

inteligente mas dotado de ótima memória. Pança é na obra de Cervantes o homem da

memória, aquele que conduz-se irreflexivamente pelas tradições dos provérbios populares que

memorizou: “sei mais refrões do que um livro e vem tantos juntos à minha boca quando falo

que brigam por sair uns com os outros. Mas a língua vai lançando fora os primeiros que

encontra, ainda que não sejam exatos.”35

34 Segundo Weinrich, Cervantes é influenciado pelas noções aristotélicas acerca daquilo que seria o engenho humano e sua relação com os conceitos de memória e lembrança. Até os detalhes fisionônicos dos personagens de Cervantes seguem arquétipos que definem Dom Quixote como melancólico e Sancho Pança como Fleumático. O temperamento melancólico de Quixote é determinado, segundo preceitos pós-aristotélicos do século XIV, por certa mistura de sucos corporais (humores) que dominariam sua intelectualidade e imaginação, configurando o personagem a partir da magreza, da secura (corporal e cerebral). Já Sancho Pança é determinado, a partir dos mesmos conceitos da época, por seu físico redondo, seu cérebro úmido, características que remetiam à ideia de pouco intelecto e boa memória. 35 WEINRICH, Harald. Op. Cit., p. 79.

Se os jogos da memória entre o lembrar e o esquecer, tanto no âmbito individual

quanto no coletivo, podem ser problematizados quando pensados a partir dos silêncios,

incluindo-se aqueles que compõe as narrativas literárias, podemos afirmar que algumas

formas específicas de silêncio estariam mais próximas da produção de esquecimento. Esse é o

caso da forma de silêncio que Orlandi denominou de silenciamento, ou para usar outra

expressão, silêncio político.36

Algumas demandas sociais, em determinadas épocas, evocaram e evocam

silêncios aptos a provocar certa “amnésia social”, capaz de consolidar realidades tidas como

necessárias pela maioria dos sujeitos envolvidos nessa produção. É esse o caso do tipo de

esquecimento produzido pelos processos de anistia, onde se determina que os antigos eventos

traumáticos, as ofensas e desavenças sejam silenciadas por todas as partes envolvidas a fim de

que se alcance certo equilíbrio evocado em nome da “paz”. A operação proposta nesses casos

consiste em pôr em silêncio aquilo que se pretende que, com o tempo, caia no esquecimento.

Seria esse o tipo de silenciamento encontrado em Luiz XVIII quando, em 1814, no contexto

da Restauração, promete “unidade e esquecimento” na Constituição do mesmo ano: “Todas as

pesquisas por opiniões e posições de antes da restauração são proibidas. O mesmo

esquecimento é recomendado aos tribunais e aos cidadãos”37.

Se retomarmos o caso abordado no início desse tópico, poderemos perceber que

as operações de produção de esquecimentos que vemos nos silenciamentos políticos

adequam-se ao caso contemporâneo das cidades não enunciadas nas fotos do artista que

escolhe, politicamente, (re)construir “seu” sertão a partir de elementos – já tradicionais – que

para ter a visibilidade adequada, pretendida, deverão ser enunciados em detrimento do

silenciamento das cidades sertanejas. Nesse jogo de escolhas o que é enunciado e o que é

silenciado estão igualmente carregados de sentidos e materialidade discursiva.

Dizendo de outra forma, podemos afirmar que através de mecanismos análogos

aos ora discutidos, mesmo que acionados por motivações diferentes daquelas que vemos nos

casos de anistias ou censuras, o silenciamento deliberado, politicamente ajustado ao não-dizer

que precisa auxiliar na constituição de uma dada noção de realidade, pode ser constatado na

forma como, a partir de um longo processo, historicamente verificável, os sertões do atual

Nordeste brasileiro tiveram as suas cidades silenciadas em detrimento daquilo que já há

36 ORLANDI, Eni Puccinelli. Op. Cit., p. 29. 37 WEINRICH, Harald. Op. Cit., p. 137.

bastante tempo, vem se cristalizando a partir da visibilidade dada àquilo que se escolheu

definir como o “verdadeiro sertão”.

Levemos em conta que muitas cidades situadas nos sertões da atual região

Nordeste, tem suas histórias relacionadas aos processos de implantação das grandes fazendas

ligadas ao ciclo do gado. Esse processo de formação e consolidação sociocultural do sertão da

pecuária, que tornou-se efetivamente forte a partir das primeiras décadas do século XVIII,

permitiu que as grandes fazendas de gado e todo um conjunto de práticas sociais existentes

em torno delas, dessem origem a vilas que ascenderam, com o tempo, à condição de cidades.

Cidades como Patos, Teixeira, Santa Luzia, Princesa Isabel, no alto sertão

paraibano, ou ainda, Caicó, Currais Novos, Jardins de Piranhas, Serra Negra do Norte, na

região sertaneja do Seridó norte-rio-grandense, pertencem a um elenco bastante numeroso de

cidades nascidas a partir da ordem social que se desenvolveu em decorrência da pecuária

sertaneja.

Nas primeiras décadas do século XX boa parte dessas cidades já estava bem

consolidadas enquanto tal. A cidade de Patos, por exemplo, originou-se de uma sesmaria,

próxima ao leito do rio Espinharas, concedida no final do século XVIII à família dos Oliveira

Ledo. João Pereira de Oliveira fundou ali os currais que se tornariam a Fazenda Patos (nome

dado em referência à Lagoa dos Patos que ficava próxima aos currais). No início do séc. XIX

as várias fazendas que coexistiam na região do Espinharas, orbitando em torno da Fazenda

Patos, contribuíram para a formação do Povoado dos Patos que, entre março de 1830 e maio

de 1833, desmembrou-se do município de Pombal, tornando-se assim a Imperial Vila dos

Patos. Segundo dados fornecidos pela prefeitura da cidade, na última década do século XIX,

Patos contava com 800 habitantes e 138 prédios urbanos. Já em 1950, segundo o Censo

Nacional realizado nesse ano, o número de habitantes da cidade contabilizava 49.540 almas38.

Atualmente a cidade de Patos compõe uma espacialidade relevante na vida social, política,

econômica e cultural de toda a região que a orbita.

Um segundo exemplo pode ser encontrado na cidade de Caicó, no Rio Grande do

Norte, que nas primeiras décadas do século XX, destacava-se por seu grau de

desenvolvimento diferenciado em relação aos seus municípios vizinhos, fato que, aliado ao

conjunto de memórias enunciadas, tradições e identidades construídas ao redor de sua

38 Dados fornecidos por revista eletrônica local, disponível em:< www.patosemrevista.com/histórico.html>. Acesso em: 01 out 2014.

existência, fazia com que essa fosse e ainda seja considerada a “capital” da região sertaneja do

Seridó.

Ocorre, porém, que, se por um lado essas e outras cidades foram fruto de

processos históricos intimamente ligados à formação do sertão da pecuária, por outro, esses

mesmos processos contribuíram com o desenvolvimento e com o estabelecimento de outras

instâncias espaciais componentes desse mesmo sertão. Essas espacialidades concorreram com

as cidades em termos de potencial de representatividade para a composição daquilo que

deveria ser tomado como sertão. Expliquemos: além do espaço do município, o sertão da

pecuária agregou em sua composição, espaços significativos, do ponto de vista sociocultural,

tais como, os campos abertos da caatinga e a própria fazenda da qual diversos municípios se

originaram.

Esses espaços constituíram-se historicamente, ganharam importância e

visibilidade devidos não apenas às práticas sociais que neles se estabeleciam, mas também,

aos poderes que passaram, em decorrência dessas práticas, a existir e travar no e para o

espaço sertanejo suas relações, concorrências e disputas.

A fazenda configurar-se-ia em local aonde ocorriam as apartações de boi e os

rituais de vaquejada. Lugar que, nesses momentos, agregava sertanejos de todas as esferas

sociais. Esse espaço representava simbolicamente o poder econômico dos poderosos

proprietários de terras, mas também, servia ao papel de “ajuntar” gente sertaneja, em torno de

práticas como ritos religiosos e festas típicas.

Já a caatinga, constituiu-se socialmente e culturalmente como espaço de

passagem, errância, privação e provação, onde a natureza austera e os sentidos simbólicos a

ela atribuídos legitimavam os valores de resistência, coragem e fé de seus habitantes, muito

embora, também, esse tenha se constituído como espaço de beleza e fartura, de paisagens

bucólicas, de convivências em torno da expectativa pela chegada do inverno, da chuva. Esse

era tido e representado como espaço de gente honesta, comida simples, porém, farta, espaço

repleto de histórias que eram cantadas por violeiros e cantadores que enalteciam os valores da

sua terra.

Ao longo de sua formação histórica, o espaço sertanejo, suas instâncias espaciais e

seus principais tipos sociais têm sido recorrentemente agenciados por representações advindas

de diversas vertentes de produção cultural, capazes de auxiliar na construção ou atualização

do sertão enquanto espaço socialmente e culturalmente constituído.

Tipos sociais que se converteram em tipos literários, tais como, o retirante, o

coronel fazendeiro, o vaqueiro, o romeiro ou o beato messiânico, o cangaceiro, fazem parte do

elenco de representações sertanejas circulantes a partir da música, dos filmes, das produções

fotográficas, dos romances em prosa, dos versos populares, que se consubstanciavam em

cantorias, modas de viola, repentes e, principalmente, em poemas que ao serem, a partir do

final do século XIX, materializados em suporte de papel, passaram a compor a literatura de

cordel brasileira.

Desde pelo menos a segunda metade do século XIX, perpassando todo o século

XX e esse início de XXI, a grande maioria das narrativas que buscam representar o sertão

como uma espacialidade dotada de características, homogeneizadas – “sertão”, assim, no

singular – tenderam a silenciar as cidades. Há muitas décadas, ao ser representado, o sertão

vem sendo imageticamente reformulado a partir de cenas que, majoritariamente, reconstroem

acontecimentos nos campos de caatinga ou nas grandes fazendas.39

Partindo, portanto, da constatação da existência material de tantas cidades

sertanejas significativamente importantes, constatamos a presença do processo de

silenciamento que pode nos levar a questionar os motivos pelos quais, grande parte das

narrativas que tem por objetivo representar o sertão, o espaço sertanejo, seus tipos sociais e

seus elementos ambientais, não produzem imagens de acontecimentos ocorridos no espaço

urbano das cidades sertanejas.

Não se está aqui afirmando que as cidades nunca eram (ou são) enunciadas em

representações sobre o sertão. O que se questiona, busca chamar atenção para o fato de que

em grande parte das representações que tem como foco o sertão, praticamente inexistem

imagens construídas a partir do espaço da cidade, ou melhor, imagens construídas a partir de

cenas urbanas nas cidades sertanejas.

Notemos, porém, que a simples constatação desse processo de silenciamento não

é suficiente para que saibamos em detalhes seu percurso histórico, suas intencionalidades e

seus mecanismos de consolidação em termos de produção de discursos. Esses elementos

merecem ser levantados e problematizados em pesquisa que se proponha ao enfrentamento

dessas questões.

39 A afirmação apresentada nesse parágrafo é fruto de alguns dos resultados e conclusões obtidos a partir das pesquisas decorrentes da dissertação de mestrado desse autor.

Ainda assim, vale perceber que esse silêncio, ou mais especificamente, a

recorrente presença dessa ausência, termina por compor formas peculiares de discursos

capazes de ressignificar o espaço sertanejo, uma vez que auxilia na construção e naturalização

de um (equivocado) imaginário social, no qual o sertão é formado apenas por seus campos

abertos de caatinga, suas estradas desertas ou margeadas por casas de taipa pertencentes a

famílias de moradores sertanejos, feitas para ligar lugares (não necessariamente municípios) e

seus espaços de fazenda para criação ou, em menor escala, plantação.

Ao lançar seu livro em 2010, ao optar por percorrer apenas os campos ermos da

caatinga, as “estradas empoeiradas”, ao escolher buscar o sertão de Guimarães Rosa, Euclides

da Cunha, Graciliano Ramos, Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto, Araquém

Alcântara ao mesmo tempo atualiza e reafirma tradições que se construíram baseadas em um

imaginário sobre o sertão onde as cidades são postas em silêncio e, portanto, com o tempo,

caem no esquecimento.

O deliberado silenciamento sobre as cidades sertanejas no livro de Alcântara é

apenas mais um entre muitos exemplos que podem ser verificados em obras sobre o sertão

que o antecedem desde muitas décadas atrás. Logicamente, como já afirmamos, esses

silenciamentos não se dão ao acaso. Sua persistência e recorrência ao longo dos anos também

não ocorrem necessariamente sempre pelos mesmos motivadores ou veículos de produção de

discurso. Cada tempo, cada demanda social por visibilidade, poderá definir o que deve ser

silenciado ou enunciado, ou ainda, o momento de se optar pela permanência ou ruptura em

relação aos silêncios que produzem certos esquecimentos.

Das discussões acerca das memórias individuais ou coletivas, das reflexões sobre

os jogos entre o lembrar e o esquecer, das formas como a literatura e outras artes produzem

representações sociais a partir das escolhas entre o que deve ser enunciado e silenciado, das

maneiras como os silêncios, carregados de sentidos, podem compor discursos que

contribuirão com a produção de esquecimentos, podemos nos servir de um cardápio de

elementos capazes de nos auxiliar em problematizações e compreensões acerca de como as

noções de realidade a nossa volta se consolidam. Nesse “cardápio” memória, silêncio e

esquecimento são os ingredientes principais e, notemos, fazem-se presentes nos mais variados

“pratos”, produzidos a partir de uma enorme diversidade de “receitas” que com o tempo,

tenderão a sempre ser alteradas, modificadas, atualizadas. A temática aqui abordada é imensa

em possibilidades e é imensamente complexa em operações e elementos.

Nesse breve ensaio, alguns desses elementos, desses “ingredientes e receitas” são

apresentados e postos em diálogo a partir de exemplos e discussões que, não sem seus

próprios silenciamentos e visibilidades, devidamente escolhidos, selecionados, talvez possam

– esperamos que sim – auxiliar ao leitor interessado na temática da produção do

esquecimento.

REFERÊNCIAS

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WEINRICH, Harald. Lete: arte e crítica do esquecimento. Rio de Janeiro: Editora Civilização

Brasileira, 2001.

www.patosemrevista.com/histórico.html Acesso em: 01 out 2014.

www.portalimprensa.com.br/noticias/pontodevista/40207 Acesso em: 15 abr 2017