concepo e justiciabilidade dos direitos humanos no tribunal de
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CONCEPÇÃO E JUSTICIABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
José Ricardo Cunha∗
Alexandre Garrido da Silva∗∗
Lívia Fernandes França∗∗∗
Vinícius da Silva Scarpi ∗∗∗∗
RESUMO
O artigo investiga o grau de efetivação ou justiciabilidade dos direitos humanos
consagrados em tratados internacionais na prestação da tutela jurisdicional pelos juízes
e desembargadores do TJERJ. O presente trabalho baseia-se em uma pesquisa realizada
entre magistrados de primeira e segunda instâncias do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro. A análise das entrevistas permitirá compreender a relação entre as
decisões judiciais e a concepção e conhecimento teóricos que os magistrados possuem
sobre os direitos humanos.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS HUMANOS - JUSTICIABILIDADE - PODER JUDICIÁRIO. ABSTRACT
The article analyses the effectiveness or justiciability of human rights contemplated in
international treaties concerning the judicial practice in Rio de Janeiro. The present
study is based on a research conducted among judges of the first and second levels of
jurisdiction of the Justice Court of Rio de Janeiro. The examination of those interviews
∗ Professor da Faculdade de Direito da UERJ e da FGV Direito Rio. Doutor em Direito pela UFSC. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Direitos Humanos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: concepção, aplicação e formação”. ∗∗ Professor substituto da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Doutorando e mestre em Direito Público pela UERJ. ∗∗∗ Mestranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. ∗∗∗∗ Doutorando em Direito da Cidade pela UERJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
allows us to understand the relation between judicial decisions and theoretical
conception and knowledge regarding Human Rights.
KEYWORDS: HUMAN RIGHTS – JUSTICIABILITY – JUDICIARY.
1. Introdução:
Os direitos humanos consistem no principal instrumento de defesa, garantia e
promoção das liberdades públicas e das condições materiais fundamentais para uma
vida humana digna. A implementação de ações estratégicas que contribuam para a
ampliação da efetividade dos direitos humanos na esfera judiciária requer, em primeiro
lugar, a pesquisa e a análise sobre como os magistrados concebem e aplicam as
normativas internacionais de direitos humanos, em especial aquelas que salvaguardam e
promovem os direitos econômicos, sociais e culturais.
Neste sentido, a pesquisa intitulada “Direitos Humanos no Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro: concepção, aplicação e formação” tem como principal
objetivo investigar, com o auxílio da metodologia estatística, o grau de efetivação ou
justiciabilidade dos direitos humanos consagrados em tratados internacionais na
prestação da tutela jurisdicional1.
A presente pesquisa divide-se em dois planos analíticos: um teórico e outro
empírico. No âmbito do primeiro, foi realizado um estudo sistemático dos fundamentos,
do desenvolvimento histórico e da dimensão positiva e institucional do Direito
Internacional dos Direitos Humanos. No plano empírico, após a elaboração de um
instrumento de pesquisa – isto é, um questionário estruturado – este foi aplicado, em um
primeiro momento, através da realização de entrevistas2, às varas que conformam a
primeira instância da Comarca da Capital do Poder Judiciário fluminense.
1 O presente grupo de pesquisa é integrado por professores, pós-graduandos e graduandos da UERJ, UFRJ, PUC-Rio e FGV Direito Rio. A pesquisa foi contemplada com o financiamento institucional da FAPERJ. Os seguintes pesquisadores colaboraram na elaboração do artigo: Daniel Pêcego, Diana Neves, Eugênia Queiroz, Felipe Silvestre, Paula Barbosa, Rafael Viola e Rodrigo Chauvet. 2 As entrevistas foram realizadas entre os anos de 2004 e 2006 e duraram cerca de 5 meses em cada uma das duas etapas da pesquisa. Em sua primeira etapa, foram visitadas 225 das 244 varas em funcionamento na primeira instância do TJERJ. Foram entrevistados 104 juízes. Optou-se pela comarca da capital do Rio
Na atual fase da pesquisa, objeto da presente exposição, o questionário também foi
aplicado aos desembargadores que integram as vinte e seis câmaras em funcionamento
da Comarca da Capital do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ao final
desta etapa foram entrevistados 39 desembargadores. O questionário, igualmente
aplicado nas duas instâncias, contemplou indagações relacionadas às características
pessoais do magistrado, sua formação escolar e universitária, sua concepção teórica
sobre a aplicabilidade dos direitos humanos e o conhecimento sobre o funcionamento
dos sistemas internacionais de proteção da ONU e da OEA, além do grau de utilização
específica das normas internacionais sobre direitos humanos. As respostas consignadas
pelos desembargadores permitiram aferir o grau de utilização das principais normativas
internacionais de proteção dos direitos humanos na fundamentação de suas decisões
judiciais, bem como a concepção teórica e o conhecimento específico que possuem ou
não nesta temática.
Para os dados obtidos na primeira instância foi possível ainda aplicar modelos
estatísticos que ajudassem a entender quais variáveis são significativas para a utilização
das normativas internacionais de proteção aos direitos humanos na fundamentação das
sentenças proferidas pelos juizes. Em síntese, o procedimento utilizado – modelo de
regressão logística multinomial – consistiu em aplicar sucessivos testes de hipótese
acerca da contribuição de cada variável para o poder de explicação do modelo, em um
nível de 5% de significância. Foram excluídas do modelo as variáveis cuja contribuição
não foi considerada significativa, ao nível fixado, para explicar a utilização das
normativas na fundamentação das sentenças3.
Na segunda fase da pesquisa, no entanto, não foi possível elaborar uma análise
regressiva dos dados coligidos em razão da elevada taxa de não resposta alcançada após
o término da realização das entrevistas com os desembargadores4. Deste modo, optou-se
de Janeiro, tanto por sua representatividade em relação às demais comarcas do estado quanto pela existência de um maior fluxo e diversidade de processos. 3 A apresentação detalhada e os comentários elaborados a partir das análises exploratória e regressiva dos dados obtidos na primeira fase da pesquisa encontram-se disponíveis no terceiro número da SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. Acesso gratuito em www.surjournal.org. 4 Foram entrevistados 39 dos 130 desembargadores em exercício no TJERJ. Os pesquisadores, em regra, encontraram grandes dificuldades no acesso aos desembargadores para a aplicação dos questionários. Estas dificuldades podem ser reconduzidas a três problemas fundamentais encontrados pelos pesquisadores em campo: (a) desinteresse manifesto ou tácito dos desembargadores no preenchimento de questionários ou de outros instrumentos de pesquisa; (b) falta de tempo e/ou excesso de trabalho
pela realização de uma análise exploratória comparativa entre os dados obtidos com as
entrevistas dos juízes e desembargadores do TJERJ.
A investigação empírica e a análise estatística sobre como os magistrados do
TJERJ concebem e aplicam as normas internacionais de proteção dos direitos humanos
constitui uma etapa indispensável para a justificação e efetividade de novas estratégias
de informação e promoção que resultem na maior justiciabilidade dos direitos humanos
no âmbito no Poder Judiciário.
Em seguida, o presente trabalho de pesquisa apresentará uma análise exploratória
comparativa entre os dados obtidos a partir das respostas dos juízes e desembargadores
ao questionário estruturado supramencionado.
2. Análise comparativa entre as duas fases da pesquisa:
Em primeiro lugar, com relação ao sexo dos juízes e desembargadores
entrevistados, podemos afirmar que o Poder Judiciário, como instituição social, ainda
reflete a predominância masculina nas relações de poder. A maioria dos juízes de 1ª
instância são homens, totalizando um percentual de 60%. As instituições políticas e
jurídicas vêm, no entanto, se feminizando ao longo dos últimos anos e já se pode notar
uma significativa aproximação entre os dois percentuais na primeira instância do
tribunal de justiça. No entanto, essa aproximação é ainda bastante incipiente na segunda
instância do TJERJ, onde há apenas três mulheres em um total de 39 desembargadores
entrevistados, o que totaliza um percentual de 8%, apenas, de desembargadoras.
G rá fic o 1 - C o r o u R a ç a
Ind íg e n a3 %
B ra n c a9 4 %
P a rd a3 %
alegado(s) pelos desembargadores ou por seus assessores de gabinete e (c) dificuldade encontrada pelos pesquisadores no acesso aos desembargadores para a realização de entrevistas ou esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa.
Em relação à cor ou raça, os resultados obtidos estão dentro do previsível. Se no
universo da primeira instância os auto-declarados brancos eram 87%, seria mais que
esperado que, dentre os 39 desembargadores que responderam à pesquisa – membros
mais antigos do Tribunal de Justiça e, em geral, de faixa etária mais elevada – também
em sua grande maioria (94%) fossem brancos. Dos 39 desembargadores entrevistados,
37 magistrados declararam-se brancos, enquanto apenas um declarou-se pardo,
acompanhado por outro desembargador auto-declarado indígena.
Em seguida, a pergunta dirigida aos magistrados indagou se já haviam estudado
Direitos Humanos. Algumas respostas não apresentam disparidades significativas
quando comparamos os magistrados da segunda instância com os da primeira (são elas:
“não”, “sim, em cursos diversos” e “sim, na graduação”); já as respostas “sim, na pós-
graduação” (escolhida por 5,1% dos desembargadores e 10,5% dos juízes) e “sim, de
mais de uma maneira” (alternativa de 5,1% dos desembargadores e 9,5% dos juízes)
representam as opções em que se pode depreender que os magistrados de primeira
instância se dedicam mais ao estudo dos direitos humanos do que seus pares de segunda
instância. Os dados referentes aos desembargadores estão dispostos no gráfico a seguir.
Nos últimos dez anos a disciplina de Direitos Humanos tem crescido em
importância e presença nos cursos de pós-graduação, destacando-se como temática no
debate internacional e no interesse dos docentes e discentes do Direito. Neste sentido,
considerando que os juízes de primeira instância cursaram a graduação em períodos
mais recentes que os desembargadores, por conta de serem aqueles mais jovens,
podemos compreender as seguintes respostas apresentadas: (a) o percentual de juizes
que estudaram Direitos Humanos na pós-graduação é maior que o dobro do de
desembargadores (10,5% dos juízes e 5,1% dos desembargadores entrevistados); (b) por
outro lado, a resposta “sim, autodidaticamente” representa 28,2% dos desembargadores
e apenas 19% dos juízes, demonstrando que os magistrados da segunda instância
tiveram interesse pela matéria, apesar de não haverem cursado formalmente a disciplina
em cursos de graduação ou pós-graduação em Direito ou áreas afins.
Comparando todas as respostas à pergunta em questão, verificamos que em geral
os magistrados de primeira e de segunda instâncias apresentam os mesmos índices com
relação a estudos já efetuados sobre direitos humanos, se distanciando apenas nas
particularidades das formas como esse estudo foi ou é realizado.
Gráfico 2 - Já estudou Direitos Humanos?
-Sim , de mais deum a maneira
Não -
-Sim , na pósgraduação
_ Sim , na graduação
Simautodidaticamente
-Sim , em cursos_ diversos
0 2 4 6 8 10 12 14 16
As reflexões seguintes referem-se à pergunta: “se tivesse oportunidade, gostaria de
fazer cursos de direitos humanos?”. As respostas obtidas a partir desse questionamento
evidenciam disparidades quando comparamos a primeira e a segunda instâncias do
TJERJ. Enquanto 29,5% dos juízes responderam “sim”, apenas 12,8% dos magistrados
entrevistados adotaram o mesmo posicionamento; e ao mesmo tempo em que 43,8% dos
juízes optaram por “sim, se fosse de curta duração”, um percentual menor de
desembargadores entrevistados, 38,5%, seguiu a mesma linha. Já em relação à resposta
“não”, o percentual de desembargadores que não tem interesse pelo estudo dos Direitos
Humanos foi bastante superior quando comparado aos números fornecidos pelos juízes,
respectivamente 41% e 17,1%.
Com isso, observamos uma notória maior disposição dos magistrados de primeira
instância no que tange ao engajamento em estudos envolvendo a temática dos direitos
humanos em relação aos magistrados da segunda instância. Esse dado é motivador para
aqueles que esperam a consagração e efetivação dos direitos humanos nos quadros do
Poder Judiciário, uma vez que indica uma tendência no sentido de os mais novos
membros dessa instituição estarem mais receptivos ao contato e interessados no estudo
dessa temática.
G ráfico 3 - S e tivesse o po rtun id ad e, go stariad e fazer cu rso s d e D ire ito s H u m an o s?
-S im , se fosse decurta duração
38%
N ão41% N R
8%Sim13%
Quanto à presença dos desembargadores entrevistados em movimentos,
instituições ou ONGs de Direitos Humanos há uma surpresa. Apesar de pouco afeitos à
sistemática dos Direitos Humanos (como se verá abaixo), 10,3% dos desembargadores
que responderam à pesquisa afirmam participar de ONG, instituição ou movimento de
direitos humanos – um percentual maior do que os 6% entre os juízes de primeira
instância. Uma interpretação possível pode ser encontrada em dado não contabilizado,
porém aferido pessoalmente pelos pesquisadores, acerca da definição de movimento de
Direitos Humanos. Com efeito, alguns dos desembargadores entrevistados entendem
suas atividades em clubes sociais, como o Rotary, e mesmo em Lojas Maçônicas como
enquadradas no conceito de Direitos Humanos.
Com relação à pergunta acerca do conhecimento sobre os sistemas internacionais
de proteção aos Direitos Humanos da ONU e da OEA, é possível aferir mudanças
significativas nas respostas obtidas entre os desembargadores e juízes entrevistados. Se
entre estes, 59% admitiam conhecê-los apenas superficialmente, no caso da segunda
instância esse percentual cai para 43%. O percentual dos que não sabem absolutamente
nada sobre a temática é maior nas respostas da segunda fase da pesquisa: 28% dos
desembargadores entrevistados afirmam não ter conhecimento contra 20% dos
magistrados de primeira instância. Por último, aqueles que afirmam conhecer os
sistemas ONU e OEA representam 21% dos desembargadores entrevistados,
surpreendentemente um percentual maior do que o observado entre os juízes, que é de
16%.
No tocante aos desembargadores entrevistados, dentro do universo da pesquisa
realizada, verifica-se uma tendência preocupante, bastante próxima dos resultados
revelados na pesquisa com os magistrados de primeira instância. Dos 39
desembargadores entrevistados, 20,5% raramente possuem informações acerca das
decisões das cortes internacionais de proteção de direitos humanos e 12,8% nunca
tiveram acesso a tais informações; quanto aos magistrados de primeira instância, 21%
raramente possuem essas informações e 10% nunca tiveram acesso a elas.
Esses dados podem ser entendidos como alarmantes à difusão dos direitos
humanos, pois uma considerável parcela de juízes e desembargadores possui reduzido
ou nenhum conhecimento sobre as decisões supramencionadas. Na segunda instância do
TJERJ, 46,2% dos entrevistados eventualmente têm acesso às referidas decisões,
representando um significativo decréscimo se comparado aos 56% dos magistrados de
primeira instância que eventualmente possuem tais informações; e 18% dos
desembargadores entrevistados freqüentemente possuem informações sobre tais
decisões, percentual ligeiramente superior se comparados aos 13% dos juízes que
possuem tal conhecimento. Os dois conjuntos de dados, da primeira e da segunda
instâncias, permitem constatar que poucos juízes e desembargadores possuem acesso
freqüente às decisões das cortes internacionais de proteção aos direitos humanos.
G rá f ic o 4 - D e s e m b a rg a d o re s p e la f re q u ê n c iac o m q u e tê m in fo rm a ç õ e s a c e rc a d a s d e c is õ e s
d a s C o r te s In te rn a c io n a is d e P ro te ç ã o d o sD ire i to s H u m a n o s ?E ve n tu a lm e n te
4 5 %
N R3 %
F r e q u e n te m e n te1 8 % N u n c a
1 3 %
R a r a m e n te2 1 %
Acerca do questionamento de se o conhecimento das decisões das cortes
internacionais de proteção de direitos humanos auxiliaria em suas sentenças, 43% dos
entrevistados na segunda instância responderam que sim, 41% acreditam que talvez,
13% responderam não e 3% (um desembargador) não respondeu. Na primeira instância,
a resposta de 50% dos juízes entrevistados foi sim; 41% disseram que talvez; e 9%
responderam não.
Em comparação com os dados obtidos entre os juízes, há um percentual um
pouco inferior em relação aos desembargadores entrevistados que acreditam que o
G ráfic o 5 - A c h a q u e o c o n h e cim e n to d a sd e c is õ es d a s C orte s In tern a cio n ais de Pro te çã o
d o s D ire ito s H um a n o s p o d eria a u xiliar ee n r iq ue c e r a s s u a s s e nte n ç a s?
T a lve z4 1 %
N ã o1 3 %
N R3 %
S im4 3 %
conhecimento das referidas decisões auxiliaria e enriqueceria suas sentenças. As
respostas dos juízes e desembargadores que acreditam que talvez seja positivo conhecer
tais decisões para elaborar suas sentenças estão no mesmo nível, 41% dos entrevistados.
Portanto, apesar de algumas variações, percebe-se que dentre os 39 desembargadores
entrevistados, assim como dentre os juízes entrevistados na primeira fase da pesquisa, a
maioria entende que o conhecimento de tais decisões internacionais sobre direitos
humanos constitui uma fonte de auxílio e enriquecimento de suas sentenças.
Com relação à indagação “preenchidos os requisitos legais para a expedição de
mandado de despejo contra réu que não possui outro imóvel, qual seria a sua atitude?”,
verificamos que 43,6% dos desembargadores entrevistados concederiam o despejo por
se tratar de direito subjetivo do autor, não tendo o juiz poder para negá-lo; 30,8%
concederiam a ordem por se tratar de medida prescrita em lei não cabendo ao juiz
questionar os fundamentos da mesma; 7,7% concederiam o despejo pelos dois motivos
acima e apenas 15,4% permitiriam um maior prazo para a entrega do imóvel (2,6% não
opinaram).
Trata-se de um número expressivo de desembargadores que concederiam a ordem
de despejo (74,4%). Com apoio no primeiro motivo aduzido acima, é possível verificar
uma visão do direito subjetivo do autor em sentido absoluto em que o juiz não poderia
interferir na esfera individual de um titular de direito.
Entretanto, é uma concepção superada, pois verificamos uma tendência, trazida
inclusive por nossa Constituição de 1988 que institui um Estado Social e Democrático
de Direito, no sentido de que, é necessário que o interesse individual de um titular de
direito esteja em conformidade com o interesse de toda a sociedade, ou seja, que atinja o
seu fim social. Em relação ao segundo motivo para concessão do despejo, constatamos
uma concepção interpretativa como se o direito positivo não pudesse ser questionado:
uma vez que é formalmente constitucional, a lei deve ser aplicada. No contexto
hermenêutico atual em que ocorre uma reaproximação entre ética e Direito, de
superação do positivismo lógico-formal, a lei não pode ser tida como o fundamento
único. A sua interpretação deve levar em conta o pluralismo das fontes do Direito, tendo
em consideração os valores e princípios que fundamentam o ordenamento jurídico. É a
superação da subsunção lógica, isto é, do positivismo em sua dimensão estritamente
formalista, em prol de uma compreensão do sistema jurídico como um conjunto aberto
de regras e princípios jurídicos.
Verifica-se, portanto, que no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a
aplicação dos Direitos Humanos em sede de direito privado ainda encontra muita
resistência entre os magistrados, com um percentual de quase 75% dos
desembargadores entrevistados aplicando a lei em detrimento dos direitos humanos e do
princípio da dignidade da pessoa humana.
Gráfico 6 - Preenchidos os requisitos legais
para a expedição de mandado de despejo contraRéu que não possui outro imóvel, qual seria sua
atitude?
NR
-Concederia o despejo por-ambas as razões
mencionadas
-Concederia um prazo-maior ao prescrito para a
entrega do imóvel
-Concederia o despejo por-ser a medida legal
-prescrita ,não cabendo ao-juiz questionar os
fundamentos da lei
-Concederia o despejo porser um direito do autor-não tendo o juiz poder
para negá - lo
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Os magistrados de primeira e segunda instâncias também foram indagados sobre a
sua opinião em relação à constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. O
princípio da igualdade se traduz em duas vertentes: a isonomia formal e a isonomia real
existencial, ambas previstas em nossa Carta Magna nos art. 5º, caput e art. 3º, III,
respectivamente. A primeira diz respeito àquela velha máxima provinda da Revolução
Francesa proclamada pela burguesia de que todos os homens são iguais. Daí, dizer que
todos os homens são iguais perante a lei e, portanto, não podem receber qualquer tipo de
tratamento discriminatório seja pela raça, sexo, idade, religião, opção sexual, ideologia
política, etc.
As ações afirmativas constituem, por outro lado, um resgate das desigualdades até
então insuficientemente confrontadas. São mecanismos de inclusão e estão em
conformidade com nosso ordenamento jurídico, uma vez que este institui um Estado
social de Direito com o objetivo fundamental de erradicar a pobreza e a marginalização,
bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ressalte-se que essas ações
afirmativas podem se operar através das leis ou de ações da administração pública.
Exemplos destas leis são os surgimentos dos estatutos da criança e do adolescente, do
idoso, consumidor, dentre outros. Todas os estatutos mencionados são tentativas de
equacionar situações de desequilíbrio, isto é, situações de vulnerabilidade de uma das
partes envolvida na relação jurídica.
Exemplo polêmico de ação afirmativa no contexto social, político e jurídico
nacional é o das cotas nas universidades públicas. Devemos lembrar que as ações
afirmativas são medidas compensatórias que visam à diminuição das desigualdades
fáticas, sejam estas econômicas ou sociais, de forma a promover a justiça social.
Podemos dizer então, que estas ações são “tentativas de concretização da igualdade
substancial ou material5”.
No gráfico a seguir, 59% dos desembargadores entrevistados admitem as Ações
Afirmativas como constitucionais em razão da necessidade de superação das
desigualdades históricas e sociais, enquanto 33,3% entendem serem inconstitucionais
por ferirem o princípio da isonomia. Ainda em relação ao gráfico mencionado, 7,7%
não quiseram opinar.
Apesar de registrarmos uma redução no percentual de desembargadores que
entendem as Ações Afirmativas como constitucionais (59%) em relação ao percentual
de magistrados de primeira instância que também entendem dessa forma (70%), parece-
nos que no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro prevalece o entendimento
do princípio da igualdade no seu sentido material em detrimento de uma compreensão
estritamente formalista do aludido princípio constitucional.
5 SANTOS, Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (orgs.). “Ações afirmativas – políticas públicas contra as desigualdades sociais”. In: GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 20.
G r á f ic o 7 - D e s e m b a r g a d o r e s s e g u n d o a s u ao p in iã o s o b r e a s P o lí t ic a s d e A ç ã o A firm a tiv a ?
-S ã o-c o n s t i tu c io n a is , e m
-ra z ã o d a-n e c e s s id a d e d e
-s u p e ra ç ã o d e-d e s ig u a ld a d e s
s o c ia is h is tó r ic a s5 9 %
N R8 %
-S ã oin c o n s t i tu c io n a is-p o is fe r i r ia m o
-p r in c í p io d ais o n o m ia
3 3 %
Em seguida, os magistrados foram questionados sobre o conceito de direitos
humanos. Na primeira instância do TJERJ, 7,6% dos juízes afirmaram serem os direitos
humanos valores jurídicos que instruem o ordenamento jurídico, mas que não têm
aplicabilidade efetiva; 34,3% dos juízes opinaram no sentido de que os direitos
humanos são princípios que podem ser aplicados subsidiariamente na ausência de regra
específica que discipline o caso concreto; 54,3% dos magistrados de primeira instância
afirmaram, por outro lado, que são normas jurídicas plenamente aplicáveis quando o
caso concreto assim demandar, isto é, defendem uma concepção forte de direitos
humanos, concebendo-os não apenas como princípios supletivos, mas como normas
imperativas plenamente aptas a decidir imediatamente o caso concreto; por último,
apenas 2,9% dos juízes combinaram dois ou mais conceitos teóricos supramencionados.
Com relação aos desembargadores entrevistados na segunda fase da pesquisa,
encontramos os seguintes percentuais: 5,1% dos magistrados entrevistados afirmaram
serem valores jurídicos que não possuem aplicabilidade efetiva; 43,6% dos
desembargadores consideraram que os direitos humanos são princípios meramente
supletivos, aplicáveis diante da ausência de regras específicas; 41% dos
desembargadores entrevistados afirmaram serem normas jurídicas plenamente
aplicáveis; por último, 10,3% combinaram dois ou mais conceitos. Em comparação aos
juízes, os desembargadores entrevistados possuem uma concepção teórica
predominantemente tradicional sobre os direitos humanos, aproximando-os, quanto ao
funcionamento, dos princípios meramente subsidiários ou supletivos, pois enquanto
54,3% dos juízes afirmaram serem os direitos humanos normas jurídicas plenamente
aplicáveis se o caso concreto assim demandar, apenas 41% dos magistrados de segunda
instância entrevistados adotaram o mesmo posicionamento teórico.
Neste sentido, 43,6% dos desembargadores entrevistados, ao afirmarem que os
direitos humanos são princípios subsidiários, defendem a prioridade da aplicação da
regra específica na hipótese de conflito normativo com princípio que consagre um
direito humano em um caso concreto, inclusive quando a regra específica limitar ou
contrariar o enunciado normativo de um princípio que garanta ou promova direitos
humanos.
Gráfico 8 - Desembargadores segundo o conceito de Direitos Humanos
Valores que instruem o ordenamento jurídico, mas
não têm aplicabilidade efetiva
M ais de um dos conceitos mencionados
Princípios que podem ser aplicados subsidiariamente na
falta de regra específica
Normas jurídicas plenamente aplicáveis quando o caso concreto assim demandar
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
Ainda com relação ao tema acerca da concepção teórica dos direitos humanos,
os magistrados foram questionados se os direitos humanos econômicos e sociais podem
ser judicialmente aplicados da mesma forma que os direitos humanos civis e políticos.
Na primeira instância do TJERJ, 79% dos juízes responderam afirmativamente, ou seja,
todos os direitos humanos são igualmente aplicáveis pelo Poder Judiciário, enquanto
que apenas 18,1% afirmaram não ser possível a mesma forma de aplicação dos direitos
econômicos e sociais em relação aos direitos civis e políticos. A mesma indagação foi
respondida pelos desembargadores: neste caso, 72% dos magistrados entrevistados
responderam de modo afirmativo, enquanto que o percentual de desembargadores que
responderam negativamente elevou-se para 28% quando comparado aos 18,1% dos
juízes que adotaram o mesmo posicionamento.
Por último, os magistrados foram indagados sobre o deferimento da tutela de
direitos humanos econômicos e sociais que implique obrigação de fazer que resulte em
gasto para o Poder Executivo. Enquanto 80% dos juízes afirmaram que o deferimento
da tutela em questão é aceitável, pois representaria apenas a efetivação de normas
jurídicas já existentes, esse percentual decresceu para 64,1% entre os desembargadores
entrevistados.
Ao mesmo tempo, a principal justificativa para a negação da tutela – a de que
não cabe ao Poder Judiciário implementar políticas públicas – cresceu de 4,8%, dentre
os juízes, para 20,5%, dentre os desembargadores entrevistados. Em síntese, podemos
afirmar que há um crescimento do apoio a teses jurídicas – divisibilidade dos direitos
humanos em direitos civis e políticos e direitos econômicos e sociais, incompetência do
Poder Judiciário no tocante à implantação de políticas públicas que visem suprir a
omissão constitucional dos outros poderes, dentre outras – que acabam por limitar a
plena eficácia jurídica e social dos direitos humanos entre os desembargadores
entrevistados quando comparados aos juízes que integram a primeira instância do
TJERJ.
A pergunta ora abordada é a seguinte: “acredita que a inexequibilidade de
sentenças que assegurem Direitos Humanos é uma justificativa para a não aplicação
destes direitos?”. Contrariando uma colocação que recorrentemente é encontrada no
universo dos estudiosos e aplicadores do Direito, no sentido de que um dos principais
óbices à efetivação dos Direitos Humanos, especialmente daqueles que demandam
prestações positivas do aparato estatal, se caracteriza pela eventual inocuidade das
sentenças assecuratórias de tais direitos, por carecer o Judiciário de meios satisfatórios
para garantir sua implementação, 71% dos desembargadores entrevistados afirmaram
que a possível inexequibilidade desse tipo de decisão judicial não representa uma
justificativa para a não aplicação dos Direitos Humanos6.
6 Aprofundando um pouco mais a análise dos dados colhidos na pesquisa, se a este resultado forem acrescentadas as informações de que 72% dos desembargadores afirmaram que os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais podem ser judicialmente aplicados da mesma forma que os Direitos Civis e Políticos, e que 64% dos desembargadores declararam ser aceitável o deferimento de tutela de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que envolva obrigação de fazer resultante em gastos para o Poder Executivo, pode-se validamente inferir que, no plano teórico, o Poder Judiciário não se encontra refratário à judicialização das questões envolvendo os Direitos Humanos, inclusive percebendo-as como decorrência da aplicação de normas jurídicas já existentes.
Nesta mesma linha de raciocínio, vale ressaltar que os dados apontados autorizam
a inferência de que a baixa utilização dos Direitos Humanos no processo de tomada e
fundamentação das decisões judiciais ocorre em virtude de razões outras, como, por
exemplo, o desconhecimento acerca do funcionamento do Sistema Internacional de
Proteção dos Direitos Humanos, bem como a dificuldade correlata de reconhecimento
da incidência de disposições envolvendo Direitos Humanos no caso submetido à
apreciação jurisdicional, mas não pela crença de que a decisão envolvendo a matéria
eventualmente carecerá de exeqüibilidade.
Gráfico 9 - Acredita que a possível inexequibilidade
de sentenças que assegurem Direitos Humanos éuma justificativa para a não aplicação destes
Direitos?
Sim26%
Não71%
NR3%
A Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa
Rica – e o Protocolo Adicional à Convenção em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador – são apontados por autores como
Fábio Konder Comparato7 e Flávia Piovesan8 como os principais instrumentos
constituintes do Sistema Interamericano de proteção de Direitos Humanos. Nesse
sentido, enquanto a Convenção Americana, aprovada em 1969, reconhece um catálogo
de direitos bem próximo ao delineado no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, o Protocolo de San Salvador, elaborado em 1988, contém algumas
disposições inovadoras se comparado ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais de 19669.
7 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3a edição. São Paulo: Saraiva, 2003. 8 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6a edição. São Paulo: Max Limonad, 2004. 9 Entre as disposições inovadoras, destacam-se, por exemplo, tanto as proposições mais específicas referentes ao Direito do Trabalho (estabilidade dos trabalhadores em seus empregos, proibição de
Vale também ressaltar que os avanços realizados na constante tentativa de
fortalecimento da proteção dos Direitos Humanos no Sistema Interamericano se
expressam tanto pelo reconhecimento da possibilidade de responsabilização do Estado
no plano internacional, sobretudo mediante a utilização dos mecanismos existentes no
âmbito da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, quanto pela
construção de premissas interpretativas como o princípio da prevalência dos direitos
mais vantajosos para a pessoa humana, segundo o qual, em matéria de direitos humanos,
deve ser sempre aplicado o diploma legal (nacional ou internacional) que melhor proteja
o ser humano10.
Questionados sobre a utilização da Convenção Americana de Direitos Humanos,
57% dos desembargadores entrevistados afirmaram que não utilizam esse instrumento
internacional, enquanto 33% afirmaram que a sua utilização para a fundamentação das
decisões raramente ocorre. Apenas 10,3% utilizam freqüentemente a Convenção
Americana de Direitos Humanos na motivação de suas decisões.
Com relação ao Protocolo de San Salvador, manteve-se o percentual de 33% para
a rara utilização, acompanhado de um aumento no índice de não utilização, que
alcançou a marca de 61% dos desembargadores entrevistados. Cabe ressaltar que apenas
2,6% dos desembargadores entrevistados utilizam freqüentemente o Protocolo de San
Salvador na fundamentação de suas decisões.
Realizando-se uma comparação com os dados colhidos em primeira instância,
tem-se que, no tocante à Convenção Americana de Direitos Humanos, houve um
decréscimo no percentual relacionado à não utilização, que passou de 66% dos juízes
para 57% dos desembargadores. Paralelamente, nota-se um pequeno aumento no
percentual de rara utilização, que de 24% dos juízes passou a alcançar 33% dos
desembargadores. Nesse contexto, fica evidente a existência de uma simetria, em termos
percentuais, entre as respostas apresentadas pelos dois grupos, já que em ambos a soma
trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para menores de 18 anos e previsão de jornada de trabalho de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos), quanto as previsões relacionadas à proteção de pessoas idosas e portadoras de deficiência. Para uma abordagem mais detalhada, conferir especialmente os arts. 7o, 17 e 18 do Protocolo de San Salvador. 10 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3a edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 363.
dos percentuais referentes à não utilização ou à rara utilização atingiu o patamar de 90%
dos magistrados entrevistados.
No que tange ao Protocolo de San Salvador, a margem de alteração percentual da
opção ‘não utilizo’ foi pequena, variando de 67% dos juízes para 61% dos
desembargadores que responderam ao questionário proposto. A opção ‘raramente
utilizo’, por sua vez, sofreu um pequeno acréscimo em segunda instância, saindo do
patamar de 26% dos juízes e alcançando 33% dos desembargadores entrevistados.
Novamente verifica-se uma simetria percentual entre as respostas apontadas pelos dois
grupos, restando a soma das opções ‘não utilizo’ ou ‘raramente utilizo’ responsável por
93% e 94% das respostas apontadas, respectivamente, em primeira e segunda instância.
Sem dúvida, as considerações em questão delineiam um cenário em que o Poder
Judiciário, a despeito dos significativos avanços realizados no processo de salvaguarda
dos direitos humanos, permanece refratário à utilização dos diplomas internacionais
para a tomada e fundamentação de seus acórdãos e decisões judiciais.
No gráfico a seguir, é possível analisar a distribuição percentual dos
desembargadores quando questionados acerca da utilização da Convenção
Interamericana para prevenir e punir a tortura. É possível conceituar a prática da tortura
como o infligir violento castigo corporal ou psicológico a alguém, a partir da utilização
de expedientes mecânicos ou não, podendo, ainda, tal conduta visar alguns objetivos
específicos como o de compelir alguém a praticar conduta ilícita, de admitir ou omitir
fato lícito ou ilícito, dentre outros.
Os resultados obtidos na segunda fase da pesquisa apresentam uma certa sintonia
em relação àqueles obtidos junto aos magistrados de primeira instância – em ambos os
trabalhos de campo, a maioria dos julgadores, 73% dos magistrados na primeira
instância e 61% dos desembargadores entrevistados, afirmaram categoricamente não
fazerem uso da referida convenção, destacando-se, entretanto, maior diferença entre as
duas categorias no tocante à opção “raramente”, à qual ratificaram, em primeira
instância, 16% dos juízes, percentual que subiu para 31% no caso dos magistrados de
segunda instância entrevistados. Cabe destacar que apenas 8% dos desembargadores
entrevistados utilizam freqüentemente a supracitada Convenção, enquanto que esse
percentual sobe para 10% entre os magistrados de primeira instância do TJERJ.
Gráfico 11 - Desembargadores segundo a
utilização da Convenção interamericana paraprevenir e punir a tortura
Frequentemente8%
Raramente31%
Não utilizo61%
No preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança observa-se a
importância atribuída à defesa dos diretos da criança consagrados na “Declaração de
Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924 e na Declaração sobre os Direitos da
Criança, adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (particularmente nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (particularmente no artigo 10) e nos estatutos e
instrumentos relevantes das agências especializadas e organizações internacionais que
se dedicam ao bem estar da criança”11.
Extrai-se da Convenção sobre os Direitos da Criança que as mesmas necessitam
de cuidados especiais, incluindo-se, neste aspecto, a tutela jurídica, tendo em vista sua
fragilidade física e mental.
No entanto, apesar da relevância atribuída à proteção à criança, apenas 30% dos
juízes entrevistados na primeira etapa da pesquisa responderam que utilizam, como base
normativa, a Convenção sobre os Direitos da Criança, sendo que apenas 12% dos
mesmos utilizam-na freqüentemente, enquanto outros 12% apenas raramente recorrem à
Convenção para fundamentar suas decisões judiciais. Cabe ressaltar que 68% dos
magistrados de 1ª instância dizem jamais utilizar a Convenção sobre os Direitos da
Criança.
11 Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990.
Em relação aos desembargadores entrevistados é maior, de acordo com as
respostas obtidas, a utilização da Convenção sobre os Direitos da Criança. Somando
aqueles que utilizam apenas raramente a convenção, 44% dos magistrados, àqueles que
a utilizam freqüentemente, 15% dos desembargadores, observa-se que mais da metade
deles utiliza a Convenção sobre os Direitos da Criança. Na segunda instância, diminui
para 41% o percentual de magistrados que nunca utilizam a Convenção.
G ráfico 12 - Desem bargadores segundo a
utilização da Convenção sobre os direitos dacriança (O NU):
Frequentem ente15%
R aram ente
44%
N ão utilizo41%
3. Considerações finais:
De acordo com Norberto Bobbio, referindo-se ao tema dos direitos humanos, “o
problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais
amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua
natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos,
mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das
solenes declarações, eles sejam continuamente violados12”.
É certo que o problema jurídico da aplicação dos direitos humanos não pode
conduzir ao esquecimento a temática da legitimação ou justificação de tais direitos, sob
pena de separarmos abruptamente o Direito da reflexão ética. No decorrer do século
passado evoluiu-se sobremaneira no que tange à produção de diversas normas
internacionais de proteção aos direitos humanos. No entanto, a incorporação formal das
declarações, pactos e convenções internacionais ao ordenamento jurídico de cada país
não é suficiente para garantir a aplicação e efetividade das normas de direitos humanos.
12 BOBBIO, Norberto. “Presente futuro dos direitos do homem”. In: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.45.
Elas precisam ser, em última análise, utilizadas pelos magistrados na fundamentação de
seus acórdãos e decisões judiciais, transformando a norma jurídica antes abstrata – e
apenas potencialmente incidente – em regra específica a disciplinar um caso concreto. É
o Poder Judiciário a instituição responsável pela justiciabilidade dos direitos humanos,
ao extrair direitos e obrigações, positivados ou não, aplicáveis às situações que são
objeto de tutela jurisdicional.
Com relação à justiciabilidade dos direitos humanos, isto é, o grau de utilização
pelos magistrados das normativas internacionais de proteção de tais direitos em suas
decisões, podemos concluir com a apresentação de alguns dados que causam
preocupação entre os defensores da difusão de uma cultura dos direitos humanos. Não
obstante a notória importância das normativas internacionais que tratam dos diretos
humanos, observa-se que mais da metade dos juízes, precisamente 51,4% dos
magistrados que atuam na primeira instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, jamais utilizam quaisquer das normas internacionais citadas no questionário
para fundamentar suas decisões13. Acrescenta-se que 32,4% dos juízes alegam que
raramente utilizam tais normativas. O restante, apenas 16% dos juízes, disseram aplicar
freqüentemente os pactos e convenções internacionais na fundamentação de suas
decisões judiciais.
Em relação aos desembargadores entrevistados, verificou-se uma maior utilização
das normativas internacionais sobre direitos humanos, uma vez que 26% deles
afirmaram utilizar com freqüência tais normas, enquanto que o percentual de
magistrados que raramente utilizam essas normas elevou-se para 41%. Deste modo,
decresceu para 33% o número de desembargadores que não utilizam nenhuma das
normativas mencionadas no questionário em comparação aos dados obtidos com os
juízes. No entanto, o grau de utilização de normas internacionais sobre direitos humanos 13 São elas: 1. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; 2. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; 3. Convenção Americana de Direitos Humanos; 4. Protocolo de San Salvador; 5. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (ONU); 6. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (ONU); 7. Convenção para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (ONU); 8. Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes (ONU); 9. Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura; 10. Convenção sobre os direitos da criança (ONU); 11. Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. As convenções, os pactos e o protocolo supramencionados foram regularmente
pelos desembargadores entrevistados é ainda baixo, visto que somadas as respostas
“raramente” e “não utilizo”, ambas atingem o elevado percentual de 74,3%.
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incorporados ao ordenamento jurídico pátrio por intermédio de seus respectivos decretos legislativos e executivos.