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CONCEPÇÕES DE DOCÊNCIA DE ESTÁGIÁRIOS DE PEDAGOGIA, A PARTIR DA
CONSTRUÇÃO DE FANZINES
Késsia Mileny de Paulo MOURA José Edilmar de SOUSA
Universidade Federal do Maranhão Eixo 01: Formação inicial de professores de educação básica
1. Introdução
Os estágios curriculares obrigatórios são pensados hoje, como possibilidades dos
futuros professores desenvolverem uma consciência crítica da profissão, ou seja, que a
dimensão da profissão possa ser assumida por esses estudantes, já no seu processo
formativo.
Nessa perspectiva, o aluno pode construir uma compreensão da atividade
docente, que exige uma reflexão sobre o fazer docente, uma contextualização do tempo
e espaço de atuação e, principalmente, um compromisso de mudança, pois como
destaca Freire (1992), o ensino é uma atividade especificamente humana, uma forma de
intervenção no mundo, que retira a docência do campo da neutralidade ou tendência
vocacional.
É importante destacar ainda que o ensinar implica fazer aprender algo a alguém.
Dessa forma, insere-se aqui a relação sujeito-objeto da ação. Além dessa clareza quanto
à relação, é necessário ressaltar que as intervenções dos sujeitos não são dotadas de
passividade. Nesse exercício do fazer aprender, a intervenção do professor visa influir
sobre o desenvolvimento de alguém, que modifica e é modificado pelo objeto. Há um
movimento dialético, um processo de negociação entre os sujeitos.
Essa compreensão da atividade docente torna-se importante, nos processos
formativos dos futuros professores. Afinal, remete a aprendizagem do conhecimento
profissional, requisito para uma atuação docente significativa.
Com o intuito de problematizar as nuances que envolvem a docência, no Estágio
em Educação Infantil e Anos Iniciais, lançamos como atividade aos alunos do nono
período de pedagogia, a oficina de construção de fanzines, que fundamentasse ou
elucidasse as concepções de docência dos estagiários.
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Diante dessa proposta, este texto tem como objetivo apresentar as concepções de
docência da turma do nono período de pedagogia, do segundo semestre de 2015, a partir
da oficina de fanzines, na ocasião do cumprimento do estágio obrigatório. Os dados que
serão apresentados são resultados das construções e reflexões dos alunos, durante a
oficina. Para fundamentar nossa atividade, nos reportamos em autores como Tardif
(2012)(2007), Freire (1992)(2007), Pimenta(2010), dentre outros autores.
2. Aprendizagem da docência: que movimento é este?
Discutir a docência é tarefa que envolve a consideração de várias nuances que o
exercício da profissão suscita. Nuances que vão desde as tendências que foram
elencadas a profissão ao longo dos anos e circunstancias, ou seja, as especificidades
que constituem a docência, como também a consideração das conjunturas em que a
profissão é pensada e exercida, em termos de investimentos, formação, infraestrutura,
salários, condições de trabalho em geral.
Ao pensar nas tendências, é necessário destacar que as mudanças que se
produziram no seio das sociedades, influenciaram e influenciam na maneira como a
docência era exercida. Nas sociedades mais tradicionais, a profissão tinha objetivos mais
específicos, transmitir as novas gerações os valores e conhecimentos acumulados pelos
mais antigos. À medida que as sociedades vão se complexificando, a docência ganha
novas problematizações, e seu exercício passa a se constituir por fios interconectados,
que conduzem a respostas por vezes diferentes, mas que tem a mesma base, a
formação de novas gerações de sujeitos, na escola, espaço determinado pela sociedade
para que essa função aconteça.
Esses aspectos formatam a profissionalidade docente, que no dizer de Passos
(2002, p.01):
É um conceito em constante elaboração, cuja compreensão deve ser situada num determinado contexto sócio-histórico. Professores e professoras são os responsáveis pelos processos instituicionalizados de educação, ainda que muitos outros agentes educacionais nele interfiram. A atividade dos(as) professores(as) diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem que ocorre nas instituições de ensino. A função docente, suas características, a forma de desempenha-la, a importância a ela atribuída e as exigências feitas em relação à profissão variam de acordo com as diferentes concepções e valores atribuídos à educação e ao processo de ensino-aprendizagem nos diferentes tempos e espaços.
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Essas características dão pistas da complexidade da docência e revelam que as
práticas podem ser diferentes, baseados em conhecimentos, técnicas e destrezas que o
professor acumula ao longo de sua trajetória pessoal e profissional. Para Tardif (2014,
p.61), esse acúmulo é fruto dos saberes que podem se diferenciar e se amalgamar na
identidade que o professor vai construindo para sua carreira, “parecem ser, portanto,
plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem a tona, no próprio exercício de trabalho,
conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados e
provenientes de fontes variadas.”
Ainda em Tardif (2014), encontramos uma classificação dos diversos saberes dos
professores, sendo: saberes experienciais, oriundos do processo de socialização, das
vivencias pessoais e profissionais desse trabalhador; saberes disciplinares, que refere-se
aos adquiridos na formação para o magistério; saberes curriculares, que diz respeito aos
que são provenientes dos programas de ensino e, os saberes profissionais, que
sintetizam os demais e se efetivam no exercício profissional.
Esses saberes são utilizados pelos docentes, servindo de base para o ensino, que
não se resume a aplicação de racionalidade técnica, visto que a docência é
compreendida como uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu objeto de
trabalho, que é justamente o outro ser humano, consequentemente, uma profissão que
ocorre por meio das interações humanas.
A docência não pode abstrair-se dessa interação. O professor então é mediador
de um processo que transforma e é transformado pelo outro sujeito da relação. De
acordo com Roldão (2007) apud Silvestre(2011, p.184), saber fazer esta mediação:
Não é um dom, embora alguns o tenham; não é uma técnica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo.
Num projeto formativo em que se pretenda formar professores críticos, reflexivos
e capazes de pensar e reinventar a própria prática, surge a necessidade de romper com
visões que reduzam a formação à mera aquisição de técnicas a serem aplicadas aos
contextos de ensino e aprendizagem. Embora essa dimensão do processo seja
importante, compreendemos que o processo de ensino e aprendizagem é complexo que
envolve múltiplos fatores. De acordo com Passos (2002, p. 01):
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O ensino é uma prática social concreta, dinâmica, multidimensional, interativa, sempre inédita e imprevisível. É um processo que sofre influências de aspectos econômicos, psicológicos, técnicos, culturais, éticos, políticos, institucionais, afetivos, estéticos.
O nosso pressuposto é o de que a aprendizagem da docência é um processo
dinâmico porque envolve movimentos diversos de produção de saberes, antes da
formação inicial e na atuação docente. Ao mesmo tempo, trata-se de um processo
dialético porque envolve diferentes sujeitos e concepções, num “jogo” de formas de
compreensão dos processos formativos.
A partir desse pressuposto, em nossa atuação no âmbito do Curso de Pedagogia,
com especial foco no Estágio Curricular em Docência, temos procurado refletir junto com
os formandos, sobre a dinamicidade da formação e da atuação docente, aspirando a que
os futuros professores desenvolvam uma postura criativa, reflexiva e indagadora acerca
dos processos de ensino e aprendizagem.
Ao mesmo tempo, compreendemos que estamos inseridos nesse contexto como
formadores e como professores em formação, pois como afirma Freire (2007, p.23): “É
preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais
claro que, embora diferentes entre si, quem forma se re-forma ao formar e quem é
formado forma-se e forma ao ser formado”
Nesse processo de formar e ir sendo formado, temos procurado desenvolver
estratégias metodológicas, em que os estudantes de Pedagogia possam refletir
criticamente sobre a realidade educacional, onde o estágio curricular funciona como um
lócus de articulação teoria-prática e do desenvolvimento de atitudes investigativas sobre
a ação docente.
No desenvolvimento de tais estratégias, temos encontrado dentre os diferentes
recursos para a promoção do debate e reflexão, a produção de fanzines somados às
leituras, exibição de filmes, seminários e produções textuais, que têm se constituído
como recursos metodológicos profícuos. No presente trabalho focalizamos a produção de
fanzines, como recurso que possibilita ao mesmo tempo o diagnóstico das concepções e
a promoção do debate sobre a docência.
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3. Pistas sobre as concepções de docência, na utilização de fanzines como
recurso metodológico
Fanzine é uma produção livre e independente a partir de bricolagens, pinturas em
que o seu autor expõe de forma livre suas impressões, sentimentos em relação a
determinados temas. O termo tem origem na aglutinação de duas palavras inglesas
fanatic e magazine, que se tomou a primeira e a última sílaba dessas palavras,
respectivamente. Traduzindo o vocábulo magazine, por revista em português e a primeira
sílaba de fanatic por fã, tem-se dessa forma fanzine podendo ser traduzida como revista
do fã.
Segundo Fernandes (2013), o fanzine se insere no campo da comunicação
alternativa, campo emergente no âmbito dos estudos na área da comunicação. Segundo
o autor, a história dos fanzines remete ao ano de 1920, no entanto, de acordo com o
autor, o termo foi cunhado nos Estados Unidos por volta dos anos 40. No Brasil, o
contexto de censura à imprensa imposta pela ditadura militar favoreceu a utilização dos
fanzines como imprensa alternativa, em que servia de resistência contra hegemônica,
aos impositivos da época após o golpe militar.
Franco (2014) desenvolveu um estudo, em que focaliza a utilização dos fanzines
como recurso para o ensino de Geografia, bem como para a investigação dos repertórios
e representações sociais, que os sujeitos constroem cotidianamente em torno dos
conceitos abordados pela ciência geográfica.
Para Nascimento (2010), mais que recortar papéis, fazer pinturas e bricolagens e
depois reproduzir em papel xerocado, fazer fanzines é além de um instrumento de
comunicação informal, uma possibilidade de produção de saberes e expressá-los de um
modo livre e independente. Mais que um modo de comunicação alternativa, o fanzine
possibilita também ultrapassar as paredes institucionais da escola e da sala de aula.
Nessa perspectiva, temos adotado a oficina de fanzines como um espaço
privilegiado para a reflexão sobre a realidade educacional e suas problemáticas, bem
como a articulação de saberes, leituras envoltas da formação docente, a partir do estágio
curricular. Lembrando que essas oficinas se desenvolveram ao longo de três semanas,
sendo construída por etapas, a primeira de fundamentação sobre a docência; em seguida
a divisão dos grupos das oficinas; por último a construção e apresentação dos resultados.
Apresentamos a seguir algumas imagens dos fanzines, resultantes da oficina realizada
no semestre 2015.2, dos quais dividimos por eixos temáticos.
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A função social e a formação para o futuro
Fonte: oficina de Fanzine
A consciencia da não neutralidade
Fonte: Oficina de Fanzine
Nesses primeiros registros, os alunos destacam o compromisso social que a
docência exerce, frente as gerações futuras. Essa preocupação é pertinente, pois o
exercício da docência se legitima nessa tarefa de formar os sujeitos, sobretudo na
capacidade de atuar de forma consciente e capaz de transformar a realidade. Freire
(2007, p. 81), nos lembra de que, “a despolitização do futuro numa compreensão
mecanicista da história, leva necessariamente à morte ou a negação autoritária do sonho,
da utopia, da esperança.”
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Profissão de interações
Fonte: Oficina de Fanzine
Fonte: Oficina de Fanzine
Nesses esboços acima, introduziram a questão do objeto de trabalho da docência,
que parte das interações humanas. Tardif(2007, p. 31) destaca que ensinar é trabalhar
com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Esta impregnação do
trabalho pelo objeto humano é a própria natureza desse objeto, como fundamentamos
acima.
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Os saberes e a experiência
Fonte: Oficina de Fanzine
Fonte: Oficina de Fanzine
Fonte: Oficina de Fanzine
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Os saberes docentes, como sabemos, são saberes oriundos de diversas fontes e
dão forma a profissionalidade construída pelos docentes. Acrescenta Tardif (2002) apud
Carmensita (2004, s/p), “os saberes docentes mobilizam diversas fontes de diferentes
espaços e tempos, sempre aberto e inacabado, continuamente reconstruído a partir de
novos conhecimentos, novas experiências e novas necessidades.”
4. Conclusão
As reflexões dos estagiários sobre docência, a partir da oficina de fanzine parece-
nos conduzirem a compreensões bem elaboradas sobre as nuances que envolve a
profissão docente e a construção da profissionalidade. Destacaram a especificidade da
docência, a função social que a profissão assume e ainda referenciam os saberes na
constituição da profissão.
A oficina de fanzine proporcionou uma atividade integradora, de construção
coletiva sobre as concepções de docência. As reflexões trazidas foram produzidas de
forma prazerosa e fundamentaram-se nos autores que trabalhamos durante o estágio.
As avaliações do trabalho desenvolvido permitem destacar que, inúmeros foram
os elementos problematizados pelos estagiários, que demonstraram capazes de olhar
para a profissão, para os alunos, para a escola e para a função assumida pela escola, de
forma critica e reflexiva.
Referenciais Bibliográficas
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