comunidades-terapêuticas - laura fracasso

9
54 Na segunda década do século XX, foi fundada uma organização religiosa, grupo de Oxford (por vezes chamado de “movimento”), por Frank Buchman, minis‑ tro evangélico luterano. Em seu primeiro nome, First Century Christian Fellowship, transmitia sua mensa‑ gem essencial – um retorno à pureza e à inocência dos primórdios da Igreja Cristã. A missão de Oxford para o renascimento espiritual dos cristãos acomodava, de modo amplo, todas as formas de sofrimento humano. Os transtornos mentais e o alcoolismo, embora não fossem o foco principal, eram contemplados pelas preo‑ cupações do movimento por serem sinais de destruição espiritual. 1 Parte das ideias e práticas incluía a ética do trabalho, o cuidado mútuo, a orientação partilhada e os valores evangélicos da honestidade, da pureza, do altru‑ ísmo e do amor, o autoexame, a reparação e o trabalho conjunto. 2,3 Em 1935, em Akron, Ohio, foi fundada a irmandade de Alcoólicos Anônimos (AA), por dois dependentes de álcool em recuperação, Bill Wilson, cor‑ retor de Nova York, e o médico Bob Smith. A influência do grupo de Oxford e a irmandade de AA associam‑se a pessoas específicas. Ebby T., um dos convertidos pelo grupo de Oxford no final de 1934, tentou ajudar Bill W., um antigo amigo dado a beber, falando de religião e das ideias do grupo de Oxford. Mas Bill W. passou por um verdadeiro despertar espiritual para manter a sobriedade, ao que parece influenciado pelo livro de William James, Variedades da Experiência Religiosa, após uma hospitalização por desidratação. 1 Em uma posterior viagem de negócios a Akron, Bill W. sentiu um forte desejo de beber, e Henrietta Sieberling, associada ao grupo de Oxford, indicou‑lhe o nome de Bob S., outro dependente de álcool, para que o procurasse. A conversa entre os dois homens foi um momento fun‑ dador para a irmandade de Alcoólicos Anônimos, pois a troca de experiências desencadeou a missão de ajudar outros dependentes de álcool. 1 Entre os princípios do AA, diretamente provenien‑ tes do grupo de Oxford, estão: confessar‑se aos outros, reparar males feitos e a convicção de que a mudança individual envolve a conversão à crença no grupo. Mas, na irmandade de AA, o membro individual pode se en‑ volver de forma particular com seu próprio conceito de Poder Superior, enquanto o membro do Oxford tem re‑ lação específica com o Deus Cristão. No entanto, há nas duas orientações a ênfase em um Poder Superior ao eu como a fonte espiritual de mudança pessoal. 1 No campo psiquiátrico acontecia outra revolução: a experiência da comunidade terapêutica democrática para distúrbios mentais. A comunidade terapêutica (CT) psiquiátrica prototípica foi desenvolvida a princípio na unidade de reabilitação social do Belmont Hospital (mais tarde chamado de Henderson), na Inglaterra, na metade da década de 1940. Tratava‑se de uma unidade de 100 leitos voltada para o tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos que apresentavam trans‑ tornos da personalidade duradouros. 1 Maxwell Jones e colaboradores 4,5 esboçaram em profundidade as várias características da CT psiquiá‑ trica. O Quadro 54.1 apresenta um breve resumo dessas características. 6 A natureza terapêutica do ambiente total (moti‑ vação geral das CTs de Maxwell Jones) é precursora do conceito fundamental de comunidade como método na CT de tratamento de substâncias psicoativas, que surgi‑ ria mais tarde. 54 COMUNIDADES TERAPÊUTICAS Laura Fracasso PONTOS‑CHAVE O objetivo específico da comunidade terapêutica é tratar o transtorno individual, transformando estilos de vida e identidades pessoais. O processo de recuperação começa quando os indivíduos aceitam a responsabilidade por suas ações, independentemente da etiologia da substância psicoativa. A permanência indefinida é substituída por uma duração planejada de permanência residencial orientada por um plano e por um protocolo de tratamento. A recaída pode oferecer oportunidades de aprendizagem.

Upload: junior-medeiros

Post on 16-Nov-2015

44 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Texto por Laura fracasso sobre CTs

TRANSCRIPT

  • 54

    Na segunda dcada do sculo XX, foi fundada uma organizao religiosa, grupo de Oxford (por vezes chamado de movimento), por Frank Buchman, ministro evanglico luterano. Em seu primeiro nome, First Century Christian Fellowship, transmitia sua mensagem essencial um retorno pureza e inocncia dos primrdios da Igreja Crist. A misso de Oxford para o renascimento espiritual dos cristos acomodava, de modo amplo, todas as formas de sofrimento humano. Os transtornos mentais e o alcoolismo, embora no fossem o foco principal, eram contemplados pelas preocupaes do movimento por serem sinais de destruio espiritual.1 Parte das ideias e prticas inclua a tica do trabalho, o cuidado mtuo, a orientao partilhada e os valores evanglicos da honestidade, da pureza, do altrusmo e do amor, o autoexame, a reparao e o trabalho conjunto.2,3 Em 1935, em Akron, Ohio, foi fundada a irmandade de Alcolicos Annimos (AA), por dois dependentes de lcool em recuperao, Bill Wilson, corretor de Nova York, e o mdico Bob Smith.

    A influncia do grupo de Oxford e a irmandade de AA associam se a pessoas especficas. Ebby T., um dos convertidos pelo grupo de Oxford no final de 1934, tentou ajudar Bill W., um antigo amigo dado a beber, falando de religio e das ideias do grupo de Oxford. Mas Bill W. passou por um verdadeiro despertar espiritual para manter a sobriedade, ao que parece influenciado pelo livro de William James, Variedades da Experincia Religiosa, aps uma hospitalizao por desidratao.1 Em uma posterior viagem de negcios a Akron, Bill W. sentiu um forte desejo de beber, e Henrietta Sieberling, associada ao grupo de Oxford, indicou lhe o nome de Bob S., outro dependente de lcool, para que o procurasse.

    A conversa entre os dois homens foi um momento fundador para a irmandade de Alcolicos Annimos, pois a troca de experincias desencadeou a misso de ajudar outros dependentes de lcool.1

    Entre os princpios do AA, diretamente provenientes do grupo de Oxford, esto: confessar se aos outros, reparar males feitos e a convico de que a mudana individual envolve a converso crena no grupo. Mas, na irmandade de AA, o membro individual pode se envolver de forma particular com seu prprio conceito de Poder Superior, enquanto o membro do Oxford tem relao especfica com o Deus Cristo. No entanto, h nas duas orientaes a nfase em um Poder Superior ao eu como a fonte espiritual de mudana pessoal.1

    No campo psiquitrico acontecia outra revoluo: a experincia da comunidade teraputica democrtica para distrbios mentais. A comunidade teraputica (CT) psiquitrica prototpica foi desenvolvida a princpio na unidade de reabilitao social do Belmont Hospital (mais tarde chamado de Henderson), na Inglaterra, na metade da dcada de 1940. Tratava se de uma unidade de 100 leitos voltada para o tratamento de pacientes com problemas psiquitricos que apresentavam transtornos da personalidade duradouros.1

    Maxwell Jones e colaboradores4,5 esboaram em profundidade as vrias caractersticas da CT psiquitrica. O Quadro 54.1 apresenta um breve resumo dessas caractersticas.6

    A natureza teraputica do ambiente total (motivao geral das CTs de Maxwell Jones) precursora do conceito fundamental de comunidade como mtodo na CT de tratamento de substncias psicoativas, que surgiria mais tarde.

    54Comunidades teraputiCas

    Laura Fracasso

    pontos Chave

    O objetivo especfico da comunidade teraputica tratar o transtorno individual, transformando estilos de vida e identidades pessoais.

    O processo de recuperao comea quando os indivduos aceitam a responsabilidade por suas aes, independentemente da etiologia da substncia psicoativa.

    A permanncia indefinida substituda por uma durao planejada de permanncia residencial orientada por um plano e por um protocolo de tratamento.

    A recada pode oferecer oportunidades de aprendizagem.

  • 62 diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

    SynAnOn

    Em agosto de 1959, em Santa Mnica, na Califrnia, a fora fundadora da Synanon (primeira comunidade teraputica) foi Charles (Chuck) Dederich, um dependente de lcool em recuperao que uniu suas experincias da irmandade de AA a outras influncias filosficas, pragmticas e psicolgicas, a fim de lanar e desenvolver o programa da Synanon.1 As influncias dos AA sobre a Synanon so fundamentais: as duas organizaes seguiam a premissa da recuperao por meio da mtua ajuda, da crena de que a capacidade de mudana e recuperao est no indivduo e da perspectiva de que a sobriedade ocorra primordialmente por meio de relacionamentos teraputicos com outros indivduos em situaes similares.7

    As diferenas vitais na CT Synanon, que tanto a distingue da irmandade de AA, so os aspectos relativos ao ambiente residencial do programa (incluindo se todas as atividades da vida cotidiana, do trabalho, dos relacionamentos e da recreao, alm de grupos teraputicos e reunies comunitrias), sua estrutura organizacional (organizao hierrquica de alto grau de estruturao), o perfil dos participantes (mudana do atendimento exclusivo aos dependentes de lcool para a incluso de dependentes de opioides e de usurios abusivos de todos os tipos de substncias), bem como suas metas (mudana psicolgica e de estilo de vida), sua filosofia e sua orientao psicolgica (o poder da mudana reside essencialmente na pessoa, sendo estimulada por

    sua plena participao na comunidade dos pares). Os grupos semanais de livre associao refletiam parte das influncias psicanalticas a que estiveram sujeitos Dederich e os primeiros participantes da comunidade teraputica.1

    O objetivo do processo grupal era ajudar a pessoa a desvelar e alterar comportamentos e atitudes caractersticas associadas dependncia de substncias psicoativas. A interao grupal era utilizada para elevar a autoconscincia individual desses aspectos negativos da personalidade, por meio de seu impacto nas outras pessoas, sendo a persuaso grupal um recurso destinado a levar a total honestidade pessoal, completa autoexposio e compromisso absoluto com a mudana de si mesmo.8

    A CT Synanon herdou elementos morais e espirituais do grupo de Oxford e AA (parte dos 12 Passos e das 12 Tradies). Integrou a esses elementos outras influncias sociais, psicolgicas e filosficas da poca (p. ex., o existencialismo e a psicanlise), com o objetivo no s de manter a sobriedade como tambm de mudar a personalidade e os estilos de vida. Em um ambiente residencial de 24 horas, os indivduos ficavam afastados dos elementos sociais, circunstanciais e interpessoais da comunidade mais ampla que poderiam influenciar seu uso de substncias.9 Esse tipo de alternativa teraputica firmou se e deu origem a outras CTs, que, conservando os conceitos bsicos, aperfeioaram o modelo proposto pela Synanon.

    AS cOmunidAdeS terAputicAS cOntempOrneAS

    A CT Daytop Village o exemplo mais significativo desse tipo de abordagem. Foi fundada em 1963, pelo Monsenhor William OBrien e por David Deitch, tornandose um programa teraputico muito articulado. Com a multiplicao das iniciativas desse modelo de abordagem teraputica na Amrica do Norte, a experincia atravessou o Oceano Atlntico e deu incio a programas teraputicos no norte da Europa, principalmente na Inglaterra, na Holanda, na Blgica, na Sucia e na Alemanha.9 No incio de 1979, a experincia chegou Itlia, onde foi fundada uma Escola de Formao para educadores de CTs. Esses educadores deram um novo impulso ao processo na Espanha, na Amrica Latina, na sia e na frica.

    A maioria dos programas que seguiram a Synanon foi desenvolvida com a ajuda e a participao de lderes cvicos, de membros do clero, de polticos e de profissionais da sade e assistncia social.8 Ainda que os dependentes de lcool e outras drogas tenham sido os pioneiros no tratamento da dependncia de substncias psicoativas em CTs, a evoluo recente dessa abordagem apresenta importante influncia da educao, da medicina, do direito, da religio e das cincias sociais. Os programas exibem diferenas de linguagem (p. ex.,

    QuAdrO 54.1caractersticas da comunidade teraputica psiquitrica

    Considerava se a organizao como um todo responsvel pelo resultado teraputico.

    a organizao social til para criar um ambiente que maximize os efeitos teraputicos, em vez de constituir mero apoio administrativo ao tratamento.

    um elemento nuclear a democratizao: o ambiente social proporciona oportunidades para que os pacientes participem de forma ativa dos assuntos da instituio.

    todos os relacionamentos so potencialmente teraputicos.

    a atmosfera qualitativa do ambiente social teraputica no sentido de estar fundada em uma combinao equilibrada de aceitao, controle e tolerncia a comportamentos diruptivos.

    atribui se um alto valor comunicao. o grupo orienta se para o trabalho produtivo e

    para o rpido retorno sociedade. usam se tcnicas educativas e a presso para

    propsitos construtivos. a autoridade difunde se entre funcionrios,

    responsveis e pacientes.

  • dependncia qumica 63

    termos psicolgicos), de servios especiais (p. ex., grupos familiares) e de variedade de temas teraputicos e sociais abordados (p. ex., questes de violncia domstica, abuso sexual, de gnero e de cunho cultural).1

    As geraes subsequentes de CTs conservaram muitos dos elementos do prottipo da Synanon, porm vrias influncias intervenientes levaram a algumas alteraes que se evidenciaram de imediato, outras foram evolues mais graduais.

    importante registrar que, em 1976, o National Institute on Drug Abuse (NIDA), nos Estados Unidos, patrocinou a primeira conferncia de planejamento das CTs, em Crystal City, Virgnia, realizada pela Federao das Comunidades Teraputicas das Amricas (Therapeutic Communities of America, TCA). Profissionais reuniramse para deliberar e esclarecer a natureza e o propsito das CTs como tratamento para o abuso de substncias psicoativas (SPA).

    Ao longo das trs ltimas dcadas, profissionais e participantes de CTs de todo o mundo tm enfrentado continuamente a tarefa de definir essa modalidade de tratamento. Discusses marcam esses esforos em conferncias realizadas pelas Federaes Nacionais, Internacionais e Mundial de Comunidades Teraputicas, para definir um modelo com base em evidncias. No Quadro 54.2, esto algumas consideraes importantes de Elena Goti sobre a abordagem da comunidade teraputica:10

    A seguir, sero citados os principais desenvolvimentos das CTs contemporneas, comparadas ao prottipo da Synanon.1

    Passagem de uma permanncia indefinida na mesma comunidade residencial a uma durao planejada de permanncia residencial orientada por um plano e um protocolo de tratamento.

    Retirada da nfase em lderes carismticos e aumento da importncia da liderana pelos pares, dos funcionrios em geral como modelos e das decises tomadas por vrias pessoas.

    Incluso de uma crescente proporo de funcionrios no recuperados em funes clnicas e administrativas primrias, advindos de campos discipli nares variados.

    Desenvolvimento de servios de atendimento pstratamento para quem termina a fase residencial.

    Reintegrao dos princpios e das tradies dos 12 Passos da irmandade de AA no protocolo de tratamento de muitas CTs residenciais.

    Gradual aproximao entre modelos e mtodos da CT psiquitrica e da CT de tratamento da dependncia de substncias psicoativas.

    Adaptao da CT a populaes e a ambientes especiais, como instalaes de sade mental e instituies para autores de atos infracionais dependentes de substncias psicoativas.

    Desenvolvimento de uma base de conhecimentos de pesquisa e de avaliao por equipes de pesquisa independentes e baseadas em programas especficos.

    Codificao de requisitos de competncia para a formao e a certificao de funcionrios e para o credenciamento de programas.

    Desenvolvimento de organizaes de CTs nos nveis regional, nacional e internacional.

    Promulgao e disseminao mundiais das CTs de tratamento da dependncia de substncias psicoativas por meio de formao, desenvolvimento de programas, assistncia tcnica e pesquisa.

    No Brasil, existe um enfrentamento com a rea da sade devido ao desconhecimento de toda essa evoluo da abordagem de comunidade teraputica e de seu no reconhecimento na poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogas, mesmo diante do fato de as CTs estarem contempladas no eixo de tratamento da Poltica Nacional sobre Drogas da Secretaria Nacional sobre Drogas (SENAD),11 revisada e construda coletivamente por meio de cinco fruns regionais, em 2005.

    Muito desse enfrentamento se deve ao fato de grande parte das CTs, embora regulamentadas desde 2001 pela RDC 101/01 da ANVISA,12 ainda no se terem adequado s normas mnimas de funcionamento e tambm de seu nome estar sendo utilizado indevidamente, o que prejudica os usurios e seus familiares. Porm, no correto que as CTs que esto cumprindo

    QuAdrO 54.2caractersticas da abordagem de comunidade teraputica

    1. deve ser aceita voluntariamente.2. no se destina a todo tipo de dependente. isso

    ressalta a importncia fundamental da triagem, como incio do processo teraputico. muitas vezes, algumas Cts, por meio de suas equipes, se sentem onipotentes e adoecem, acreditando que, se o residente no quer ficar, porque no quer recuperao. no consideram que o residente tem o direito de escolher como e onde quer se tratar.

    3. deve reproduzir, o melhor possvel, a realidade exterior para facilitar a reinsero.

    4. deve fornecer um modelo de tratamento residencial altamente estruturado.

    5. atua por um sistema de presses provocadas de modo artificial.

    6. estimula a explicao da patologia do residente, diante dos pares.

    7. os pares servem de espelho da consequncia social de atos do residente.

    8. h um clima de tenso afetiva.9. o residente o principal ator do prprio

    tratamento. a equipe oferece apenas apoio e ajuda.

  • 64 diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

    a regulamentao da RDC 101/01, procurando prestar um servio de qualidade, no sejam reconhecidas, includas e respeitadas na Rede de Servio de lcool e outras Drogas, j que o mapeamento das instituies governamentais e no governamentais de ateno s questes relacionadas ao consumo de lcool e outras drogas no Brasil em 2006/2007 apresenta os seguintes dados:13

    Dos 1.642 questionrios validados, 1.256 referem se s atividades ligadas ao tratamento.

    Das 1.256 organizaes governamentais e no governamentais relacionadas ao tratamento, 596 foram em comunidades teraputicas.

    Das 789 internaes para o tratamento de dependncia qumica (em hospital psiquitrico e CTs), 596 foram em CTs.

    regulAmentO tcnicO (rdc 101/01)

    No Brasil, em 30 de maio de 2001, a Diretoria Colegiada da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria, considerando a necessidade de normatizao do funcionamento de servios pblicos e privados, de ateno s pessoas com transtornos decorrentes do uso ou do abuso de substncias psicoativas, segundo o modelo psicossocial, para o licenciamento sanitrio, adotou a Resoluo de Diretoria Colegiada (RDC 101/01) que estabeleceu o Regulamento Tcnico para o Funcionamento das Comunidades Teraputicas Servios de Ateno a Pessoas com Transtornos Decorrentes do Uso ou Abuso de Substncias Psicoativas (SPA), segundo o modelo psicossocial.12

    O regulamento oferece a seguinte conceituao sobre comunidade teraputica:

    [So] servios de ateno a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substncias psicoativas (SPA), em regime de residncia ou outros vnculos de um ou dois turnos, segundo modelo psicossocial, so unidades que tm por funo a oferta de um ambiente protegido, tcnica e eticamente orientado, que fornea suporte e tratamento aos usurios abusivos e/ou dependentes de substncias psicoativas, durante perodo estabelecido de acordo com programa teraputico adaptado s necessidades de cada caso. um lugar cujo principal instrumento teraputico a convivncia entre os pares. Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperao das pessoas, resgatando a cidadania, buscando encontrar novas possibilidades de reabilitao fsica e psicolgica e de reinsero social. Tais servios, urbanos ou rurais, so tambm conhecidos como Comunidades Teraputicas.12

    No regulamento, encontram se:

    1. Histrico: como se chegou RDC 101/01 e quais as contribuies recebidas.

    2. Conceituao: qual a conceituao da abordagem de comunidade teraputica.

    3. Critrios para o tratamento de pessoas com transtornos decorrentes de uso ou abuso de SPA. As dimenses envolvidas para a definio do padro de comprometimento de dependncia so: Adeso: grau de resistncia ao tratamento de

    acordo com o comprometimento da pessoa em avaliao.

    Manuteno: grau de resistncia continuidade do tratamento.

    Comprometimento biolgico. Comprometimento psquico. Comprometimento social, familiar e legal. Critrios de elegibilidade: as pessoas em avalia

    o que apresentarem grau de comprometimento grave no mbito biolgico e/ou psquico no so elegveis para tratamento nesses servios, devendo ser encaminhadas a outras modalidades de ateno.

    4. Procedimentos do servio de tratamento a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substncias psicoativas.

    5. Recursos humanos dos servios de ateno a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substncias psicoativas.

    6. Infraestrutura fsica. 7. Monitoramento.

    Ao encaminhar familiares ou dependentes de lcool e outras drogas para a abordagem de comunidade teraputica, importante certificar se de que a CT seja filiada Federao Brasileira de Comunidades Teraputicas (FEBRACT) e de que cumpre a RDC 101/01.

    A AbOrdAgem de cOmunidAde terAputicA

    o uso da comunidade como mtodo que diferencia a CT de outras modalidades de comunidade. O objetivo especfico da CT tratar o transtorno individual, mas com o propsito mais amplo de transformar estilos de vida e identidades pessoais. A comunidade como mtodo destinada a ajudar os indivduos a mudar a si mesmos.1

    A estrutura (organizao social), a populao (fun cionrios, residentes e voluntrios) e a rotina diria de atividades (grupo, reunies, trabalho, recreao) da CT so projetadas para facilitar o tratamento, a aprendizagem e a mudana da pessoa inteira. difcil conceber esse tipo de mudana de forma isolada de uma comunidade com outras pessoas. Na comunidade residencial, os indivduos podem ser observados por inteiro, em toda a complexidade, nas variadas situaes da vida comunitria, com as exigncias de desempenho social, os papis com mltiplos participantes e as constantes interaes sociais.1

    Na CT, o fim primordial da comunidade manter a plena participao do indivduo, para que possa alcanar as metas sociais e psicolgicas de mudana de vida

  • dependncia qumica 65

    e de identidade. A comunidade como mtodo significa que os prprios membros estabelecem expectativas ou padres de participao e uso na comunidade. A participao avalia o grau de atendimento dessas expectativas por parte dos indivduos e responde a elas por meio de estratgias que promovam a participao continuada.

    concepo da pessoa

    O centro do transtorno do abuso e da dependncia de SPA a pessoa como ser social e psicolgico o modo como os indivduos se comportam, pensam, administram emoes, interagem e se comunicam com os outros, bem como sua maneira de perceber e de vivenciar a si mesmos e o mundo. nessa perspectiva que a comunidade teraputica atua.1

    Os residentes de CTs demonstram uma variedade de caractersticas cognitivas associadas a seus problemas, como tambm a falta de capacidades educacionais, vocacionais, sociais e interpessoais, e um nmero crescente revela claras deficincias de aprendizagem.1 Entre eles, quase universal a presena de uma percepo negativa de si mesmos: tm problemas com a maneira como veem a si mesmos e como membros da sociedade. Apresentam tambm dificuldades de vivncia, de co municao emocional e poucas fronteiras compor tamentais em suas reaes emocionais. Suas carncias em termos de autoadministrao emocional esto associadas a seu comportamento social, indutor de derrotismo.9 Comportamentos e atitudes problemti cos que perturbam suas relaes pessoais com outras pessoas ou com o mundo em geral esto muito presentes nos residentes da CT, e as caractersticas sociais que ela busca tratar so: o sentido de direitos, a irresponsabilidade e a falta de confiana.8 Diante de um confronto ou de um questionamento da parte de membros da famlia, amigos, autoridades, ou outros, comum os residentes recorrerem a formas conscientes e inconscientes de enganar os outros e a si mesmos. So habilidosos em encontrar meios para beneficiar seus prprios desejos imediatos.9

    Alguns dos residentes de CT tm uma histria de problemas com a justia. O grau e a gravidade desses problemas revelam at que ponto o indivduo est imerso em um estilo de vida antissocial. Alguns residentes tinham um comportamento e uma perspectiva antissociais antes de se envolverem seriamente com drogas. Outros comearam a ter problemas com a justia depois de iniciado o uso contnuo de substncias psicoativas. Um grupo menor de residentes formado por indivduos bem socializados, mas que tiveram prejudicado ou perderam um estilo de vida pr social devido ao uso de drogas.1

    concepo do transtorno

    A concepo do transtorno que os profissionais da comunidade teraputica tm no contexto atual : um

    quadro de disfuno e perturbao que afeta a pessoa inteira e que vai alm do abuso e da dependncia de SPA. Diante de tal complexidade, fundamental que, no tratamento, haja uma compreenso biomdica, social e psicolgica da dependncia de lcool e/ou drogas.1 O indivduo que avaliado por uma triagem, como preconiza a RDC 101/01, e recebe como indicao o tratamento na CT, apresenta as seguintes condies:

    Risco para a sade Crises sociais Uso de SPA est ou esteve h pouco tempo fora de

    controle Pouca ou nenhuma capacidade de manter a abstinn

    cia por si s Reduo da funo social e interpessoal Uso que faz de droga parte de um estilo de vida

    socialmente excludente ou o degenerou a tal estilo.

    Para a equipe de tratamento, a droga de escolha ou o padro de uso no so mais importantes do que os comportamentos, as atitudes, os valores e o estilo de vida do usurio abusivo de SPA, porque esse uso/abuso um sintoma, e no a essncia do transtorno. Poderiam ser citados vrios motivos que levam as pessoas a fazer uso abusivo de SPA, porm os prprios usurios negam ou no aceitam a prpria contribuio para os problemas que tm, da mesma maneira como no reconhecem de modo pleno o potencial que tm para chegar s solues. Os indivduos apresentam incapacidade de assumir responsabilidade por suas decises e aes. Os usurios abusivos de SPA sofrem uma reduo da capacidade de tomar decises responsveis, para no falar do compromisso com a mudana de estilo de vida e com a sobriedade.9

    Grande parte das pessoas que recebem indicao de tratamento na CT apresenta um duplo transtorno um diagnstico psiquitrico e o abuso de SPA. Para a CT, a presena de duplos transtornos (abuso de SPA e depresso, ansiedade, diagnstico ps traumtico, transtornos antissociais) acentua a validade de tratar a pessoa inteira.1

    concepo de recuperao

    Para funcionrios e residentes de CTs, o processo de recuperao comea quando os indivduos aceitam a responsabilidade por suas aes e passam a responder por seu prprio comportamento, seja qual for a etiologia do uso abusivo de SPA. A recuperao considerada uma mudana de estilo de vida e de identidade e vai alm de conseguir ou manter a abstinncia. Essas mudanas fazem parte de um processo evolutivo de aprendizagem social que ocorre por meio de grupos de mtua ajuda em um contexto social1 (ver Captulo 27).

    Alguns residentes em CTs tm, em sua histria de vida, boa capacidade educacional, vocacional, vnculos familiares e comunitrios saudveis, mas o abuso de

  • 66 diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

    SPA comprometeu esse estilo de vida pr social. Nesses casos, a recuperao envolve reabilitao, reaprendizagem ou restabelecimento da capacidade de manter um estilo de vida saudvel, bem como a recuperao da sade fsica e emocional.

    Outros residentes no chegaram a adquirir estilos de vida funcionais, por estarem inseridos em um contexto mais amplo de disfunes biopsicossocial e espiritual, com dficits sociais em educao, emprego e capacidades de interao. Nesses casos, a recuperao envolve a habilitao, ou a aprendizagem, pela primeira vez, de capacidades, atitudes e valores comportamentais associados vida socializada.9

    O tratamento e a recuperao

    A residncia na CT um perodo breve da vida do indivduo, e as influncias externas insalubres so minimizadas at que esteja mais bem preparado para lidar com elas. Por ser um perodo breve, importante que haja distino entre um perodo de tratamento e o processo geral de recuperao. O tratamento e a recuperao no so necessariamente a mesma coisa. O tratamento considerado como apenas uma contribuio ao processo de recuperao.

    Fatores no associados ao tratamento podem contribuir para o processo de recuperao, tais como os recursos sociais, a famlia, sade, relacionamentos, etc. As mudanas de estilo de vida que comeam durante o tratamento na CT tm de ser mantidas no processo de recuperao depois que as pessoas terminam os estgios de tratamento, para que a prtica diria dessas mudanas evolua na direo de um estilo de vida e de identidade transformados.1

    recada

    importante considerar a realidade da recada durante o tratamento e sua profunda importncia no desenvolvimento do processo da recuperao. A recada pode se referir a um incidente nico, discreto (isto , um deslize), a um perodo temporrio de alta frequncia de uso (isto , compulsivo) ou a um retorno completo aos nveis de uso anteriores ao tratamento. Pode no significar uma total regresso no processo de recuperao e pode oferecer oportunidades de aprendizagem se for feita uma reviso profunda das circunstncias, dos elementos desencadeadores, dos antecedentes, etc. Na perspectiva da aprendizagem, a recada um elemento integral da recuperao.8

    A eficciA dO prOgrAmA

    O programa, para ser eficaz, deve ser aberto tanto internamente, entre os membros que fazem parte do

    ambiente social, quanto externamente, com os devidos cuidados e respeito s regras fundamentais (as fronteiras da CT devem ser protegidas, mas as informaes devem entrar e sair).14 claro que uma organizao aberta est mais exposta a transformaes e por isso mais vulnervel, envolvendo riscos, uma vez que dela participam pessoas buscando determinados resultados, mas sem experincia suficiente para alcan los.15 Na CT, preciso considerar tudo o que possibilita a criao de um ambiente teraputico e educativo, j que ela um grupo de mtua ajuda permanente, no qual os componentes interagem a todo momento. necessrio considerar:

    Nmero de residentes Suas experincias Idade Classe socioeconmica e cultural Organizao e regras Valores Diviso do trabalho e respectivas funes Administrao da autoridade Instrumentos teraputicos Estmulos educativos O nmero e a qualificao da equipe transdisci

    plinar

    importante ressaltar que as trs regras fundamentais so:

    a) No fazer uso de substncias psicoativas.b) No violncia.c) No ao sexo.

    Sobre a regra de renunciar temporariamente s relaes sexuais, importante ressaltar que a sexualidade uma energia de comunicao, e a interrupo das relaes sexuais pode estimular o residente a se comunicar de outras maneiras, tendo a oportunidade de vivenciar uma nova forma de aprendizado social. Permite tambm desenvolver aquela parte da afetividade que pode ter permanecido escondida e foi negada em razo de experincias pessoais.8

    Alm dessas regras fundamentais, so feitas duas solicitaes temporrias, para criar os pressupostos do trabalho pessoal e social sem jamais desrespeitar o direito fundamental sade e liberdade de sair da CT no momento em que a pessoa assim desejar:

    Renunciar totalmente liberdade de sair da CT sem, antes, falar com o grupo e com a equipe transdisciplinar.

    Respeitar o contrato de mtua ajuda, participando sempre de todas as atividades da CT.

    O indivduo em um grupo ou em uma CT que se recuse a colaborar prejudica o bem estar de todos. O indivduo no deve ser prejudicado em favor do grupo, ou vice versa, pois importante que ele aprenda a

  • dependncia qumica 67

    participar de uma relao equilibrada. As regras devem ser definidas, tanto morais quanto ticas, e elaboradas de acordo com as necessidades da CT. Podem ser discutidas e alteradas, se necessrio, a partir de um consenso entre residentes e equipe transdisciplinar. importante compreender que as regras existem para serem respeitadas e que sua transgresso leva a consequncias que devem ser assumidas. A equipe transdisciplinar deve garantir a todo residente o conhecimento e a compreenso das regras para poder exigir seu cumprimento.14

    As cinco reas

    Existem cinco reas necessrias para que algum se relacione em determinado nvel de equilbrio. So elas: famlia, amigos, trabalho/escola, lei (regras sociais) e espiritualidade. O desequilbrio em uma dessas reas pode desencadear relaes disfuncionais. Levando isso em considerao, preciso ter presente que muito provvel que o residente apresente desequilbrio em quase todas essas reas, o que faz com que se relacione de maneira completamente disfuncional consigo mesmo e com os outros.8 Para ajud lo, preciso criar na CT um ambiente em que ele possa se exercitar (como em uma academia de ginstica, na qual se exercita o corpo) e ter a compreenso necessria de que a droga apenas um sintoma de algo mais profundo que precisa ser trabalhado e que sem dvida tem ligao com essas cinco reas. O processo de recuperao est diretamente relacionado ao trabalho a ser desenvolvido nas cinco reas, pois as questes relativas a famlia, espiritualidade e trabalho ou escola no podem ser abordadas e, ao mesmo tempo, desconsideradas as reas da lei e dos amigos, ou vice versa.

    A estrutura organizacional do programa de tratamento da CT pode ser descrita como uma pirmide que representa a estratificao dos funcionrios e dos residentes. Os funcionrios do programa ficam restritos ao nvel superior da pirmide, enquanto residentes, em diferentes estgios na comunidade e funes de trabalho, representam a maior parte da rea que vai da base.1

    Os funcionrios dividem se entre pessoal de administrao do programa (tambm chamados de funcionrios clnicos ou de tratamento) e pessoal de apoio. Alm de suas funes especficas de trabalho, todos os membros do grupo de funcionrios do programa de tratamento assumem vrios outros papis na comunidade.1 Os residentes representam o mais numeroso componente da estrutura organizacional. Na pirmide, so estratificados em nveis definidos de forma especfica pelo trabalho que realizam e, em termos gerais, por sua posio na comunidade. Os residentes tambm ocupam posies hierrquicas informais de status comunitrio na organizao social. Para isso, so considerados dois critrios: o perodo temporal de permanncia no programa (tempo no programa) e o progresso clnico (estgio no programa). Ainda que o estgio e o tempo no programa

    tenham muita relao entre si, sua correlao no perfeita, porque o progresso clnico dos residentes ocorre em diferentes ritmos. Alguns podem estar h muito tempo no programa, mas ainda no ter alcanado o estgio final de tratamento, a reinsero social.1

    mtua ajuda

    Na perspectiva da CT, a mtua ajuda tanto uma filosofia como um requisito para a recuperao, o que significa que os indivduos do a principal contribuio ao processo de mudana.1 A eficcia da metodologia depende da participao plena na rotina diria a fim de beneficiar se dela. Os indivduos tm de usar o programa, as pessoas, os ensinamentos e as atividades que o compem para aprender e manter a recuperao.

    Mtua ajuda significa que os residentes assumem a responsabilidade pela recuperao dos companheiros, com o intuito de manter a prpria recuperao. As principais mensagens de recuperao, de evoluo pessoal e do processo de mudana so transmitidas por companheiros de recuperao por meio dos depoimentos pessoais em grupo. Esses companheiros servem de modelos de comportamento e oferecem apoio, na qualidade de amigos que proporcionam estmulos nas interaes dirias.1

    Os companheiros

    Os companheiros so os principais agentes de mudana. Em seus variados papis sociais e relacionamentos interpessoais, os residentes so os mediadores da socializao e do processo teraputico.8 Os papis so um conjunto de comportamentos e atitudes relacionados socialmente e podem com frequncia ser aprendidos de forma coletiva com maior rapidez do que por meio do treinamento em separado de elementos comportamentais ou de atitudes distintas.

    Ambiente fsico

    As comunidades teraputicas so projetadas, fsica e programaticamente, para aprimorar a experincia de comunidade dos residentes. As CTs ocupam uma variedade de locais: algumas se situam em reas rurais (chcaras, fazendas) e outras em reas urbanas.

    Na perspectiva que a CT tem da recuperao, essencial deslocar o dependente de lcool e outras drogas de ambientes fsicos, sociais e psicolgicos antes associados a sua perda de controle e seu estilo de vida disfuncional e negativo. Os residentes no tm apenas de se afastar dos efeitos psicoativos do uso de substncias, mas tambm se distanciar de lugares, pessoas e coisas antes ligadas ao uso de drogas. As subculturas das drogas so fortes concorrentes da cultura positiva

  • 68 diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

    de companheiros da CT. Assim, a separao do mundo exterior necessria para facilitar uma gradual adeso do novo residente comunidade teraputica.1 importante que os programas das CTs alcancem um equilbrio entre a separao do mundo exterior e a preparao para a reinsero nele, para que os residentes tenham tanto a oportunidade de fortalecer seu sentido de comunidade e pertencimento longe de situaes de alto risco, como a chance de aprender, aos poucos, como lidar com as influncias do mundo real durante a reinsero.9

    Sistematizao

    A execuo de praticamente todas as atividades na CT sistematizada por meio de procedimentos, passo a passo. Desde uma funo formal de trabalho (ou de um pedido de mudana no trabalho) s operaes nas instalaes (treinamento para combate a incndios) e s atividades individuais (telefonemas pessoais, sadas mdicas).1 Manuais escritos apresentam procedimentos dos sistemas da CT a novos residentes, e aqueles com mais tempo de residncia tambm orientam os novos com relao a procedimentos, mediante instruo verbal.

    comunicao

    A comunicao na CT ocorre de maneira formal e informal e em diferentes ambientes e contextos. No interior da estrutura, a via de comunicao formal vertical. As informaes so passadas em uma ordem prescrita, indo do topo para o ltimo nvel da pirmide, e, de baixo, a partir dos residentes, para cima, aos principais funcionrios. Ainda que se possam tomar decises em nveis funcionais especficos, os passos organizados da transmisso tm de ser seguidos por todos os residentes e funcionrios.1

    rotina diria

    A rotina diria um componente tanto estrutural quanto sistmico do modelo de tratamento. tambm um sistema de atividades planejadas interrelacionadas, projetadas para alcanar metas clnicas e administrativas.

    O trabalho

    A base da maioria das outras abordagens residenciais de tratamento do abuso de SPA a ideia de que o indivduo um paciente. Na CT, o trabalho um elemento essencial. O objetivo primordial das funes de trabalho facilitar o intercmbio pessoal dotado de

    sentido em comportamentos, atitudes e valores de cada trabalhador.8

    O trabalho tem como foco caractersticas da pessoa e do transtorno. Essas caractersticas podem ser o resultado de anos de uso de drogas ou refletir traos de personalidade preexistentes. Podem ser classificadas em categorias inter relacionadas: hbitos pessoais, de trabalho, relaes de trabalho, autocontrole e valores do trabalho.1

    O trabalho tambm usado para administrar e aprimorar a comunidade. A mudana teraputica e educacional medida no somente pelo trabalho, mas tambm por uma variedade de papis ocupados por funcionrios e companheiros na organizao social da CT.

    Aprendizagem social

    Por meio da interao individual e do grupo, possvel conseguir grande compreenso da problemtica do indivduo, mas a aprendizagem pela experincia (errando, acertando e experimentando as consequncias) corresponde influncia mais eficaz para atingir uma mudana duradoura (aprendizagem social).8 Alm das inmeras possibilidades de aprendizagem social, a estrutura da CT deve ter certa flexibilidade para oferecer e estimular a iniciativa do residente, objetivando seu crescimento. A conduta, o comportamento, sempre algo objetivo, observvel, na qual podem ser identificados os progressos realizados pelo dependente. Na conduta esto os frutos e se concretizam os sucessos e as dificuldades do trabalho pessoal do residente nas reas biopsicossocial e espiritual. A solicitao gradativa de mudana na CT ajuda o a responsabilizar se por seu prprio processo de crescimento e a participar ativamente no processo dos outros residentes e da administrao do processo teraputico educativo da CT.9

    cOnSiderAeS finAiS

    A comunidade teraputica contempornea desafia o destino de seus prottipos histricos. A CT uma experincia em desenvolvimento contnuo que vem reconfigurando os ingredientes de tratamento e de formao das comunidades de mtua ajuda em uma metodologia sistemtica de transformao de vidas.1

    Hoje, uma sofisticada abordagem de tratamento, evidenciada pela variedade de recursos teraputicos oferecidos e pela diversidade da demanda dos indivduos atendidos. Por isso, necessita do desenvolvimento constante de pesquisas e capacitao dos profissionais para oferecer aos dependentes de lcool e outras drogas e aos familiares destes um atendimento com respeito e profissionalismo, contribuindo para uma mudana verdadeira de estilos de vida.

  • dependncia qumica 69

    refernciAS

    1. Leon GD. A comunidade teraputica. So Paulo: Loyola; 2003.

    2. Ray R. The Oxford connection. In: Leon GD. A comunidade teraputica. So Paulo: Loyola; 2003. p.18

    3. Wilson B. Alcoholics Anonymous comes of age: a brief history of AA. New York: Alcoholics Anonymous world services; 1957.

    4. Rapaport RN. Community as doctor. London: Tavistock; 1960.

    5. Salasnek S, Amini F. The heroin addict a therapeutic community for adolescents: a cultural ripoff. J Psychedelic Drugs. 1971;492:13844.

    6. Kennard D. An introduction to therapeutic communities. London: Rutledge and Kegan Paul; 1983.

    7. Anglin SW, Nugent JF, Ng LKY. Synanon and Alcoholics Anonymous: is there really difference? Addiction Therapist. 1976;7(4):69.

    8. Soave LF. Corso base di formazione per operatori di comunit terapeutica. Roma: Federazione Italiana delle Comunit Terapeutiche; 1993.

    9. Federao Mundial de Comunidades Teraputicas. Manual: o modelo de tratamento em aprendizado social atravs da autoajuda: um programa de treinamento prtico para especialistas em adico. So Paulo: Fundao Casa; 2007.

    10. Goti E. La comunidade teraputica: un desafo a Ia droga. Buenos Aires: Nueva Visin; 2000.

    11. Secretaria Nacional Antidrogas. Poltica nacional sobre drogas. Braslia; 2005.

    12. Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria. Normatiza o funcionamento de servios pblicos e privados, de ateno s pessoas com transtornos decorrentes do uso e abuso de substncias psicoativas, segundo modelo psicossocial para o licenciamento sanitrio: resoluo de Diretoria Colegiada RDC 101 de 30 de Maio de 2001. Braslia; 2001.

    13. Secretaria Nacional Antidrogas. Mapeamento das instituies governamentais e no governamentais de ateno s questes relacionadas ao consumo de lcool e outras drogas no Brasil em 2006/2007. Braslia: Fundao Universitria de Braslia; 2007.

    14. Serrat SM. Drogas e lcool: preveno e tratamento. Campinas: Komedi; 2001.

    15. Whiteley S. The evolution of the therapeutic community. Psychiatric Quarterly. 2004;75(3):23348.

    QQuestes para disCusso 1. da primeira comunidade teraputica, synanon, para as comunidades teraputicas contemporneas, h vrias

    caractersticas que foram se adequando, sem perder a essncia da abordagem. Cite e comente pelo menos cinco que na sua opinio so as mais importantes.1

    2. Quais os aspectos importantes na estrutura da Ct para que o programa seja eficaz?12,13