competência comunicativa

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Universidade de Brasília Instituto de Letras Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada O desenvolvimento da competência comunicativa a partir da instrução explícita de pronúncia em um curso de formação continuada de professores de línguas Fernando Augusto Torres de Faria Brasília, julho de 2010

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Competência Comunicativa

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  • Universidade de Braslia

    Instituto de Letras

    Departamento de Lnguas Estrangeiras e Traduo

    Programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada

    O desenvolvimento da competncia comunicativa a partir da instruo explcita

    de pronncia em um curso de formao continuada de professores de lnguas

    Fernando Augusto Torres de Faria

    Braslia, julho de 2010

  • Fernando Augusto Torres de Faria

    O desenvolvimento da competncia comunicativa a partir da instruo explcita

    de pronncia em um curso de formao continuada de professores de lnguas

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Lingustica Aplicada do

    Departamento de Lnguas Estrangeiras e

    Traduo da Universidade de Braslia (UnB),

    como requisito parcial obteno do ttulo de

    Mestre em Lingustica Aplicada.

    Orientador:

    Prof. Dr. Jos Carlos Paes de Almeida Filho

    Braslia

    2010

  • Torres de Faria, Fernando Augusto

    O desenvolvimento da competncia comunicativa a partir da instruo

    explcita de pronncia em um curso de formao continuada de professores de

    lnguas / Fernando Augusto Torres de Faria; Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos

    Paes de Almeida Filho. Braslia, 2010.

    145 f.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica

    Aplicada do departamento de Lnguas Estrangeiras e Traduo da Universidade

    de Braslia, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Lingustica

    Aplicada.

    1. Lingustica aplicada. 2. Formao de professores de lnguas. 3.

    Competncia comunicativa. 4. Crenas. 5. Instruo explcita de pronncia 6.

    Fontica e fonologia do ingls I. Universidade de Braslia - UNB. II. Ttulo.

  • Fernando Augusto Torres de Faria

    O desenvolvimento da competncia comunicativa a partir da instruo

    explcita de pronncia em um curso de formao continuada de professores

    de lnguas.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada do

    Departamento de Lnguas Estrangeiras e Traduo da Universidade de Braslia (UnB), como

    requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Lingustica Aplicada.

    Braslia, julho de 2010.

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________ Prof. Dr. Jos Carlos Paes de Almeida Filho

    Orientador Universidade de Braslia (Unb)

    ______________________________ Profa. Dra. Magali Barante Alvarenga

    Examinadora Externa Faculdade de Tecnologia de Indaiatuba (FATEC)

    ______________________________ Profa. Dra. Mariney Pereira Conceio

    Examinadora Interna Universidade de Braslia (Unb)

    ______________________________ Profa. Dra. Maria Luisa Ortiz Alvarez

    Suplente Universidade de Braslia (Unb)

  • Dedico esta dissertao minha noiva, Roseane Naves Pereira,

    que sempre acreditou que ela fosse possvel.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador, professor Dr. Jos Carlos Paes de Almeida Filho, por aceitar to

    prontamente orientar este trabalho.

    professora Dra. Mariney Pereira Conceio, por ter sido um exemplo de profissional

    e pessoa no qual me inspirei nesse incio de caminhada, e por despertar em mim o interesse

    pela ps-graduao ainda durante a faculdade. Por acreditar que eu poderia me tornar um

    excelente profissional da linguagem (suas palavras). Sigo acreditando que poderei.

    Ao professor Kleber Aparecido da Silva, pelas boas contribuies que deu a este

    trabalho.

    A todos os professores deste programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada,

    por sua indiscutvel competncia e dedicao.

    Aos professores participantes desta pesquisa, pela prontido com que aceitaram meu

    convite, e pelo engajamento surpreendente de todos, do incio ao fim do curso.

    Eliane Simo e Jaqueline Barros, pelo carinho e competncia caractersticos da

    forma com que trabalham a frente da secretaria de nosso programa.

    minha me, Silvia Torres e meu pai, Artur Ourofino, que sempre me apoiaram e se

    orgulharam de mim.

    Aos meus irmos, Flvia e Caque, por celebrarem muitas vezes com demasiada

    euforia cada uma de minhas pequenas vitrias.

    CAPES, pelo apoio financeiro, que tornou esta pesquisa possvel.

  • RESUMO

    Poucas pesquisas em Lingustica Aplicada tm se dedicado a investigar a importncia do

    ensino explcito de pronncia tanto na formao de alunos quanto de professores de LE. Este

    estudo de natureza qualitativo-interpretativista (Brown, 1988; Nunan, 1992; Moita Lopes,

    1994) e cunho etnogrfico busca dar mais um passo para preencher esse espao ao dar voz

    professoras que passaram por um curso de formao continuada que se apoiou na instruo

    explcita de pronncia , com o objetivo de levantar os reflexos que um curso como esse teve

    no processo de (re)construo e/ou desenvolvimento da competncia comunicativa das

    participantes. O curso, que se respaldou nos pressupostos tericos e prticos da fontica e

    fonologia do ingls, teve durao de cinco meses, e contou com um encontro por semana de

    quatro horas, totalizando sessenta e quatro horas. Houve instruo explcita de pronncia

    durante todo o curso, tanto nos nveis segmentais quanto suprasegmentais. As participantes da

    pesquisa, todas professoras de ingls, brasileiras e com formao superior em Letras,

    responderam a questionrios aberto e fechado, antes e ao final do curso, os quais nos

    possibilitaram identificar reflexos positivos advindos desse tipo de instruo, como a melhora

    nos nveis de confiana das professoras participantes, tanto ao produzir linguagem oral quanto

    ao ter de dar instrues a seus alunos acerca da pronncia/entonao da lngua-alvo em sala

    de aula.

    Palavras-chave: Lingustica Aplicada; Formao de Professores de Lnguas; Competncia

    Comunicativa; Crenas; Instruo Explcita de Pronncia; Fontica e Fonologia do Ingls

  • ABSTRACT

    Little research has been carried out in the field of Applied Linguistics concerning the

    importance of explicit pronunciation instruction in the formation of students and especially of

    teachers of English as a second language. This qualitative study aims to give voice to teachers

    who have had access to a course based on the theories and practices of English Phonetics and

    Phonology, in both segmental and suprasegmental levels, in order to analyze the effects

    explicit pronunciation instruction had on the (re)construction and/or development of their

    communicative competence. During the sixty-four hour course which lasted for five

    months, with a four-hour meeting every week , the teachers went through theoretical

    sessions which were followed by practical ones. The participants of this research, all Brazilian

    women and Letras graduates, were asked to answer a series of open and closed questions at

    the beginning and at the end of the course. This allowed us to identify some positive effects

    brought about by this sort of instruction, which include a boost in the teachers confidence

    when speaking the foreign language as well as when giving their students pronunciation

    instruction.

    Keywords: Applied Linguistics; Teacher Training; Communicative Competence; Beliefs;

    Explicit Pronunciation Instruction; English Phonetics and Phonology

  • SUMRIO

    Pginas

    INTRODUO

    Primeiras palavras............................................................................................................................ 12

    Justificativa e relevncia do estudo.................................................................................................. 12

    Objetivos e perguntas de pesquisa.................................................................................................... 14

    Organizao desta dissertao.......................................................................................................... 14

    Concluindo esta introduo.............................................................................................................. 15

    CAPTULO 1 REFERENCIAL TERICO

    1.1 Introduo................................................................................................................................... 17

    1.2 A formao continuada do professor de LE............................................................................... 17

    1.3 As competncias do professor de LE......................................................................................... 19

    1.4 As competncias do professor de LE: um olhar crtico-reflexivo dos estudos empricos

    realizados na UnB............................................................................................................................. 22

    1.5 A competncia comunicativa sob o olhar da LA........................................................................ 25

    1.6 Uma breve definio de pronncia............................................................................................. 27

    1.7 A pronncia na linha do tempo................................................................................................... 27

    1.8 A pronncia e a abordagem comunicativa.................................................................................. 28

    1.9 A fontica e a fonologia.............................................................................................................. 29

    1.10 Uma breve explicao sobre o conceito de crenas no contexto de aprendizagem de lnguas. 30

    Concluindo o captulo....................................................................................................................... 32

    CAPTULO 2 METODOLOGIA DA PESQUISA

    2.1 Introduo................................................................................................................................... 34

    2.2 A natureza desta pesquisa........................................................................................................... 34

    2.3 O contexto e as participantes da pesquisa.................................................................................. 36

    2.4 Instrumentos de coleta de registros............................................................................................ 37

    2.5 Trajetria da pesquisa: a aplicao dos instrumentos de coleta de registros, o curso de

    fontica e fonologia do ingls (Pronunciation) e as aulas................................................................ 39

    Concluindo o captulo....................................................................................................................... 43

  • CAPTULO 3 ANLISE DE DADOS

    3.1 Introduo................................................................................................................................... 45

    3.2. Os participantes antes e ao final do curso uma anlise qualitativo-interpretativista.............. 45

    3.2.1 Ana........................................................................................................................................... 46

    3.2.2 Elisa......................................................................................................................................... 53

    3.2.3 Helena...................................................................................................................................... 60

    3.3 As participantes antes e ao final do curso uma anlise quantitativa........................................ 62

    3.3.1 As perguntas do questionrio fechado .................................................................................... 63

    Concluindo o captulo....................................................................................................................... 64

    CAPTULO 4 CONCLUSES E CONSIDERAES FINAIS

    4.1 Introduo................................................................................................................................... 66

    4.2 As perguntas de pesquisa e as implicaes do estudo................................................................ 66

    4.3 Limitaes do estudo e sugestes para pesquisas futuras........................................................... 68

    Consideraes finais ........................................................................................................................ 68

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................................. 69

    APNDICES

    Apndice A Professora Ana Questionrio 1 (antes do curso).................................................... 73

    Apndice B Professora Ana Questionrio 2 (ao final do curso)................................................ 86

    Apndice C Professora Elisa Questionrio 1 (antes do curso)................................................... 97

    Apndice D Professora Elisa Questionrio 2 (ao final do curso)............................................... 110

    Apndice E Professora Helena Questionrio 1 (antes do curso)................................................ 121

    Apndice F Professora Helena Questionrio 2 (ao final do curso)............................................ 135

  • LISTA DE QUADROS E FIGURAS

    Quadro 1: As participantes da pesquisa............................................................................. 37

    Figura 1: As competncias do professor de LE segundo Almeida Filho (2006, 2004,

    1993).................................................................................................................................... 19

    Figura 2: As competncias do professor de LE segundo Basso (2001)............................. 21

    LISTA DE ABREVIATURAS

    LE Lngua Estrangeira

    L2 Segunda Lngua

    L1 Lngua Nativa

    EFL Uso de Ingls como Lngua Estrangeira (English as a Foreign Language)

    AC Abordagem Comunicativa

    ECL Ensino comunicativo de lnguas

    L-alvo lngua-alvo, a lngua que est sendo adquirida/aprendida

    ACL Abordagem comunicativa de lnguas

  • INTRODUO

  • 12

    INTRODUO

    If language is not correct, then what is said is not

    what is meant; if what is said is not what is meant,

    then what must be done remains undone; if this

    remains undone, morals and art will deteriorate; if

    justice goes astray, the people will stand about in

    helpless confusion. Hence there must be no

    arbitrariness in what is said. This matters above

    everything1.

    Confucius, 551-479 BC

    Primeiras palavras

    O presente captulo tem por objetivo apresentar o estudo emprico realizado. Para isso,

    inicialmente apresentaremos a justificativa do trabalho e a lacuna que ele visa preencher, alm

    das perguntas e os objetivos que nortearam esta pesquisa; a seguir, descreveremos como a

    dissertao est organizada.

    Justificativa e relevncia do estudo

    Nestes oito anos em que trabalhei com formao continuada de professores de lnguas,

    nenhum dos cursos que lecionei demonstrou ter impacto parecido com aquele conhecido na

    instituio em que realizei a pesquisa como Pronunciation. O curso consiste no estudo de

    aspectos segmentais e suprasegmentais da lngua inglesa e na introduo de sua fontica e

    fonologia a professores de ingls. Era tambm aberto a alunos advindos daquela ou de outras

    escolas que haviam terminado ou estavam cursando o nvel avanado de ingls. O impacto ao

    1 Se a linguagem no estiver correta, ento o que dito no o que se quis dizer; se o que dito no o que

    se quis dizer, ento o que deve ser feito permanece no feito; se o que deve ser feito permanece no feito, a

    moral e a arte deteriorar-se-o; se a justia se perder, as pessoas ficaro confusas. Assim, no deve haver

    arbitrariedade no que se diz. Isso o que mais importa. (Traduo nossa)

  • 13

    qual me refiro deduzido de uma releitura crtico-reflexiva que fiz dos vrios relatos

    acumulados ao longo desses anos, principalmente advindos desses professores, que diziam

    perceber uma melhora considervel de aspectos da produo oral da lngua aps o curso,

    aspectos esses que dizem respeito a sua competncia lingustico-comunicativa (cf. ALMEIDA

    FILHO, 1993). Tambm foram relatadas atravs destes depoimentos melhoras que muitos

    desses professores afirmavam poder observar em seu dia-a-dia dentro da sala de aula de

    lngua estrangeira (LE).

    Motivado pelo grande interesse pela rea de fontica e fonologia da lngua inglesa que

    sempre nutri desde antes da graduao e pela lacuna presente na rea de Lingustica Aplicada

    (LA), onde observamos haver poucos estudos empricos nessa perspectiva de investigao,

    decidi investigar quais so de fato os reflexos que um curso que se apoia na instruo

    explcita de pronncia pode ter no processo de (re)construo e/ou desenvolvimento da

    competncia comunicativa de seus participantes.

    O ensino explcito da pronncia do ingls, apesar de muitas vezes relegado a um

    segundo plano no aprendizado e no ensino de lnguas em nossa poca, parecia-me desde

    sempre de suma importncia numa poca marcada pelo desejo de comunicao na lngua-alvo

    (L-alvo). No entanto, na grande maioria das vezes, o ensino explcito de fonologia

    principalmente no que diz respeito percepo e produo de fonemas no encontrados na

    lngua nativa (L1) do aluno e tambm a aspectos suprasegmentais da L-alvo raramente

    ocorre nas aulas que observei, tanto nos cursos livres de lnguas como nas escolas

    (particulares e/ou pblicas). Apesar disso, sabemos que sem pronncia, ritmo e entonao

    adequados, a inteligibilidade e a intercompreenso, tanto nos nveis da palavra isolada quanto

    da frase e do discurso conexo, ficam comprometidas. Podemos ir alm e dizer que enquanto

    alguns erros comuns entre estudantes e professores brasileiros como o no uso do glide /j/

    antes do som // na palavra year podem no comprometer a compreenso, esse simples

    desvio, se ocorrer, pode distrair o interlocutor, principalmente se o mesmo for um nativo ou

    mesmo algum no-nativo, mas com alto nvel de produo oral, o que poder fazer com que

    esse interlocutor estranhe algo no desempenho do falante ou ainda descreva seu nvel de

    ingls como baixo ou deficitrio. Dessa forma, pensamos que no nos cabe decidir pelo aluno

    e menos ainda pelo professor que estamos ajudando a se formar qual nvel de pronncia eles

    devem atingir. Esse poder de deciso cabe a eles, e nossos cursos de formao de professores

  • 14

    devem contemplar essa premissa antes de especificar patamares desejveis de desempenho

    oral e/ou de pronncia para aqueles que vo cuidar profissionalmente dos processos de

    aprender e de ensinar lnguas (ALMEIDA FILHO, 1993).

    Objetivos e Perguntas de Pesquisa

    Com o propsito de investigar os reflexos da instruo explcita de pronncia na

    (re)construo e/ou desenvolvimento da competncia comunicativa de professores de lngua

    inglesa num curso de formao continuada, que teve como esteio os paradigmas tericos,

    prticos e metodolgicos da Fontica e fonologia do ingls, foi planejado e ofertado um curso

    a um grupo piloto de professoras. Nessa vivncia do curso, estabelecemos os seguintes

    objetivos de pesquisa:

    a) levantar as crenas de nossas participantes acerca do desenvolvimento da

    competncia comunicativa, antes e ao final do curso;

    b) observar como a competncia comunicativa das participantes afetada por esse

    curso de formao continuada.

    Para atingir tais objetivos, foi formulada e respondida a seguinte pergunta de pesquisa:

    Quais so os reflexos que um curso de formao contnua de professores que se apoia na

    instruo explcita de pronncia pode ter no processo de (re)construo e/ou

    desenvolvimento da competncia comunicativa de seus participantes, segundo eles mesmos?

    Organizao desta dissertao

    Esta dissertao composta de quatro captulos, sendo este primeiro a parte

    introdutria, que abrange os fatores que justificam a realizao deste estudo, alm de

    explicitar os objetivos e as perguntas que nortearam a realizao desta pesquisa.

  • 15

    O primeiro captulo tem por objetivo apresentar uma resenha bibliogrfica do tpico,

    que seja capaz de esclarecer aspectos importantes para o que se ir investigar nesta pesquisa,

    alm de fazer referncia a importantes pesquisas que foram realizadas no Brasil e no exterior.

    O segundo captulo apresenta a descrio da metodologia empregada e o tipo de

    pesquisa proposto para este estudo, alm da descrio do contexto, das participantes, dos

    instrumentos de coleta de registros utilizados e dos procedimentos adotados para anlise dos

    dados.

    O terceiro captulo apresenta a investigao do problema, focalizando a anlise dos

    dados.

    O quarto e ltimo captulo ser reservado s concluses as quais este estudo chegou e

    s consideraes finais, alm de trazer suas limitaes e algumas sugestes para pesquisas

    futuras.

    Concluindo esta introduo

    Neste captulo apresentamos a relevncia da proposta escolhida para o estudo, as

    justificativas que embasam tal proposta, as perguntas e objetivos que foram adotados para o

    desenvolvimento desta pesquisa, alm da organizao desta dissertao. No prximo captulo,

    apresentaremos os principais referenciais tericos por ela adotados.

  • 16

    CAPTULO 1

    REFERENCIAL TERICO

  • 17

    CAPTULO 1 REFERENCIAL TERICO

    O professor de LE no deve ser um armrio de sabedoria que armazena, mas um transformador

    reflexivo de conhecimentos digeridos.

    Almeida Filho (1999 Grifo meu)

    1.1 Introduo

    Este captulo tem por objetivo fundamentar a anlise de dados. Por essa razo,

    apresentaremos, num primeiro momento, as teorias que nortearam nosso estudo, relacionadas

    com a formao continuada do professor de LE dentro de um paradigma crtico-reflexivo

    (GIL & VIEIRA-ABRAHO, 2008), que se respalda, por sua vez, na (re)construo das

    competncias desejveis de um professor de LE na contemporaneidade (SILVA, 2008;

    ALMEIDA FILHO, 2006, 2004, 1999, 1993; BASSO, 2001). Num segundo momento,

    apresentaremos algumas teorias que julgamos importantes para compreenso deste estudo.

    Tivemos como principal objetivo de pesquisa levantar os reflexos que um curso de formao

    continuada de professores que se apoiou na instruo explcita de pronncia teve no processo

    de (re)construo e/ou desenvolvimento da competncia comunicativa das professoras

    participantes, segundo elas mesmas. A nosso ver, essa questo de suma importncia, e por

    essa razo, ser o foco principal deste trabalho.

    1.2 A formao continuada do professor de LE

    A formao crtico-reflexiva de professores de lnguas estrangeiras (doravante LE) na

    contemporaneidade tem exigido dos profissionais inmeras habilidades e competncias que

    lhe permitam desenvolver uma prtica pedaggica sobre a qual se pense critica e

    organizadamente, isto , uma prtica que facilite a otimizao dos processos de ensinar e

    aprender lnguas. Esse, no entanto, , atualmente, o maior desafio para os professores

    formadores. Como planejar e implementar currculos e cursos que garantam que os futuros

    professores desenvolvam competncias para o exerccio pleno da profisso? Acreditamos que

    um dos caminhos tomar conscincia, enquanto professores formadores, de nossas crenas

  • 18

    (BARCELOS, 2006) e de nossa abordagem de ensinar (ALMEIDA FILHO, 1993), e tambm

    conhecer as crenas de nossos alunos, para que assim possamos dar incio ao processo

    deliberado e organizado de formao crtico-reflexiva. Se no tomarmos tal precauo,

    possvel que ao invs de promover o desenvolvimento das competncias almejadas, o

    formador apenas legitime nesses futuros professores as suas prprias crenas (cf. MATEUS et

    al.,2002).

    A preocupao em formar professores de lnguas reflexivos surgiu com a publicao

    de estudos que constatam a pouca (se alguma) experincia didtico-pedaggica da qual

    muitos professores chegam munidos na sala de aula de LE. Essa escassa experincia vem, na

    maioria das vezes, acompanhada de um sistema de crenas e eventuais pressupostos que

    dificultam ou at impossibilitam a otimizao do complexo processo que o de ensinar e de

    aprender lnguas.

    Os primeiros estudos do paradigma da reflexo no Brasil tiveram o impulso da

    teorizao de Paulo Freire, que repercutiu em todo o mundo. Na esfera mundial, autores como

    Dewey e Schn se destacam com suas contribuies para os estudos sobre a prtica reflexiva

    nas ltimas dcadas. Dewey (1933) defende que a ao reflexiva significa considerar a

    prtica de maneira ativa, sempre levando em considerao o contexto no qual se insere essa

    ao. O autor faz referncia a trs atitudes a serem tomadas para que o professor adote a ao

    reflexiva. Primeiro, o professor tem de estar aberto a crticas, isto , saber reconhecer quando

    erra e refletir sobre o erro. Depois, o professor tem de adotar um senso de responsabilidade,

    que possibilita a anlise dos impactos de sua prtica na vida de seus alunos. Finalmente, o

    professor h de ser sincero. Essa sinceridade a qual se refere o autor nada mais do que a

    unio das duas primeiras atitudes descritas por ele.

    Schn (1983) distingue reflexo na ao e reflexo sobre a ao, alm de criticar a

    noo positivista de racionalidade tcnica, que afirma que os profissionais so aqueles que

    solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios tcnicos mais apropriados para

    propsitos especficos.

    clara a contribuio de Schn (op. cit.) para a prtica reflexiva contempornea,

    mesmo que o autor tenha sido criticado inicialmente por ter visto a reflexo como um ato

  • 19

    apenas individual. Estudos no Brasil como o de Ortenzi (1997) demonstraram que a reflexo

    acontece em meio prtica social e coletiva da atividade de ensinar.

    1.3 As competncias do professor de LE

    Segundo Silva (2008), concebemos competncias como a capacidade de saber

    fazer, ser capaz de agir em determinadas situaes (e sob certas atitudes, acrescentaramos),

    fazendo uso de conhecimentos (re)construdos. Visto que esta dissertao se insere dentro

    do campo de atuao e investigao da Lingustica Aplicada (doravante LA), no entendida

    mais como aplicao de teorias lingusticas, mas como um campo de investigao que tem

    como cerne investigar a lngua(gem) em seu mbito social real (ALMEIDA FILHO, 2005),

    apresentaremos o conceito de competncia visto a partir dessa cincia do conhecimento.

    Para tal, tomaremos como referencial o modelo terico proposto por Almeida Filho

    (2006, 2004, 1999, 1993) e os modelos de outros autores que tiveram o de Almeida Filho

    como inspirao. Eles mostram as categorias que consideramos desejveis ao profissional que

    atua no processo de ensino e aprendizagem de LE, conforme ilustrado a seguir.

    Figura 1: As competncias do professor de LE segundo Almeida Filho (2006, 2004, 1993)

    Segundo Almeida Filho (op. cit.), quando um professor se coloca no lugar e momento

    de ensinar, um feixe ou aglomerado de conhecimentos informais anteriormente construdo,

  • 20

    o qual abarca desde percepes, intuies, memrias, sacadas, imagens e crenas at

    pressupostos tericos explcitos, tudo sob uma configurao de atitudes, posta-se a servio

    desse ensinar, embasando todas as suas tomadas de decises. A qualidade, natureza ou

    textura da ao de ensinar, portanto, vai depender de uma combinao ou nvel de uma ou

    mais de cinco competncias bsicas: lingustico-comunicativa, implcita, terica, aplicada e

    profissional. Segundo Almeida Filho (2006, 2004, 1993), para ensinar, o professor necessita,

    no mnimo, das competncias lingustico-comunicativa e implcita.

    A primeira, a competncia lingustico-comunicativa, permitir ao professor ensinar o

    que sabe sobre a lngua em questo e envolver os aprendentes numa teia de linguagem na

    lngua-alvo. A segunda, a competncia implcita, lhe facultar agir espontaneamente para

    ensinar atravs de procedimentos tidos como apropriados (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 13).

    Na medida em que o professor avana em sua profissionalizao, crescem as chances

    desse profissional desenvolver competncia terica sobre os processos de ensinar e aprender

    lnguas, conhecidos em teorizaes de autores e pesquisadores. Tal competncia requer que

    se saiba explicar por meio de termos e teorizaes explcitas e articuladas como se d o

    processo de ensinar e aprender lngua(s) (ALMEIDA FILHO, op.cit.: 13).

    Segundo Almeida Filho (op. cit.), a competncia terica interage com a competncia

    implcita, visando equilibrar o saber dizer com o saber fazer, desfazendo a dicotomia

    teoria-prtica, que assombra muitos na profisso. Nessa perspectiva, ainda segundo o autor,

    comea-se simplesmente fazendo (ensinando e aprendendo) e gradualmente aprende-se a

    explicar satisfatoriamente esse processo.

    A competncia de ensinar que sintetiza essas duas competncias a competncia

    aplicada, um misto de teoria e prtica na medida do seu ajuste possvel num dado momento

    (Almeida Filho, op.cit.:13). Para balizar o desenvolvimento parcial de cada competncia e

    sinalizar os horizontes profissionais desejados, insinua-se uma competncia profissional. Nas

    palavras de Almeida Filho (op. cit. : 13)

    Essa capacidade macro-sistmica de reconhecer-se profissional, de

    reconhecer padres nas redes sociais em que circulam e de buscar ajuda

    no aperfeioamento constitui o domnio dessa competncia conscincia

    de si e das outras.

  • 21

    Basso (2001), inspirada no modelo proposto por Almeida Filho (1993), prope uma

    equao de competncias necessrias a um professor de LE, constituda de duas faces,

    conforme pode ser observada na figura abaixo.

    Figura 2: As competncias do professor de LE segundo Basso (2001)

    A primeira face apresenta as competncias do professor relativas ao domnio do uso e

    da forma da LE: Competncia Discursiva, composta pelas Competncias Estratgica,

    Comunicativa, Lingustica e Competncia Meta. Na outra face, a autora prope o conceito de

    Competncia Profissional, circundada pela Competncia de Ensinar e pela Competncia

    Reflexiva, que "a capacidade de refletir e buscar solues para os problemas que enfrenta no

    cotidiano". Almeida Filho (1993) no admite a existncia de uma competncia reflexiva

    autnoma, vendo a reflexo apenas como um mecanismo importante da competncia

    profissional.

    Por ltimo, chega-se, de acordo com a autora, dimenso maior da Competncia

    Profissional que de "educar para o futuro, transformando o presente; de ser no somente o

    que informa, mas o que forma; no o que repassa somente um cdigo, mas o que aponta

    caminhos aos alunos para que se transformem atravs dos novos horizontes de possibilidades

    abertos pela nova lngua" (BASSO, 2001).

    Competncia de Sustentao do discurso

    Competncia Formulaica

    Competncia

    Estratgica

    Competncia Lingsti

    ca

    Comp

    etncia ComunicativaC

    ompetncia de Uso

    Competncia Ilocucionria

    Compet

    ncia

    text

    ual

    -com

    unicativ

    aC

    om

    pet

    ncia M

    eta

    -gram

    atical

    -funcio

    nal

    COMPETNCIADISCURSIVA

    USO

    FORMA

    COMPETNCIAPROFISSIONAL

    C

    ompetncia

    de Ensinar

    Com

    petncia Reflexiva

    Competncia C

    rtico-Analtica

    Competncia SocialCo

    mpe

    t

    ncia

    Org

    aniz

    acio

    nal

    DIMENS

    O FORMATIVA

    DIM EN SO POLTICA

    Competncia

    ParalingsticaCom

    pet

    nci

    a Soc

    iocu

    ltura

    l

    Com

    pet

    nci

    a L

    exic

    al

    Competncia Gramatical

    Co

    mpetn

    cia tica

    Traos de PersonalidadeAfetividade

    Ambiente

    Formao

    Motivao

    Crenas

    Ideologia

    ValoresC

    om

    pet

    nci

    a Te

    rico

    -pragm

    tica

  • 22

    Basso (op. cit.) optou ainda por no utilizar o conceito "competncia aplicada" por

    dois motivos fundamentais: primeiro porque o mesmo se encontra no conceito de

    competncia reflexiva, proposto pela referida autora; segundo porque a palavra "aplicada"

    poderia ser confundida com aplicaes de teorias lingusticas. claro que ressignificaes so

    sempre possveis e poderiam contornar essa limitao se a mesma viesse a ocorrer.

    Levando-se em considerao que o objetivo desta dissertao investigar a

    (re)construo e/ou o desenvolvimento da competncia comunicativa de professoras inseridas

    em um curso de instruo explcita de pronncia, dedicaremos a prxima seo discusso da

    referida competncia. Antes, porm, apresentaremos um panorama dos estudos empricos

    desenvolvidos na Universidade de Braslia sobre competncias do professor de LE.

    1.4 As competncias do professor de LE: um olhar crtico-reflexivo dos estudos

    empricos realizados na Universidade de Braslia (UnB)

    No programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada da Universidade de Braslia,

    foram desenvolvidos oito estudos empricos em nvel de mestrado envolvendo as

    competncias do professor de LE. Bandeira (2003) analisou as manifestaes espontneas em

    sala de aula de um professor de lnguas, identificou os pontos dessas teorias, denominadas

    pelo autor como teorias informais, e as categorizou em quatro grandes variveis: crenas,

    memrias, intuies e atitudes. Ferreira (2004) teve como objetivo analisar a ao avaliativa

    inserida na Abordagem por Competncias, proposta nos Parmetros Curriculares Nacionais

    preceituados pelo MEC. So enfocadas nesse estudo as implicaes dos fundamentos dos

    Parmetros no campo da avaliao e alguns de seus reflexos na prtica pedaggica.

    Moura (2005) investigou a competncia lingustico-comunicativa do professor de LE,

    e destacou que a referida competncia no deveria levar em considerao somente a

    produo de linguagem humana, aspectos cognitivos, estruturais, funcionais e sociais, mas

    tambm a afetividade e outros elementos de ordem subjetiva. Targino (2007) teve como

    objeto de estudo analisar como se configura a competncia terica do professor de LE. J

    SantAna (2005) investigou a competncia aplicada do professor de LE e desmantelou os

    elementos constitutivos que capacitam o professor a trabalhar de modo conscientizado do

    porqu, do como e dos resultados da ao profissional. Santos (2005) teve como premissa

  • 23

    analisar a competncia profissional do professor de lnguas, e elicitou as dimenses dessa

    competncia, como sendo: a) a do conhecimento especfico, b) a da poltica, c) a da tica e d)

    a da esttica.

    Machado (2007), por sua vez, se dedicou a fazer uma radiografia das competncias

    ditas mnimas (a nosso ver no so competncias mnimas, mas algumas das competncias

    minimamente necessrias para atuarmos com maior chances de provocar a aquisio da L-

    alvo), a saber: a competncia implcita, lingustico-comunicativa, terica, aplicada e

    profissional do professor em pr-servio, atravs da prtica de ensino e estgio

    supervisionado de ingls. Costa (2005) elicitou uma nova competncia, denominada pela

    autora como competncia esttica, e procurou compreender e analisar as contribuies que a

    linguagem esttica oferece para o ensino e aprendizagem significativos de LE (ingls) em um

    contexto especfico. Bomfim (2005) teve como objetivo em seu estudo descrever

    alguns aspectos psicolgicos, afetivo-emocionais que podem influenciar

    no desenvolvimento da competncia lingustico-comunicativa em LE

    (ingls) de alunos na faixa etria de quarenta a sessenta anos,

    identificando as dificuldades e as facilidades encontradas pelo aluno para

    conseguir comunicar-se satisfatoriamente na forma oral, usando

    vocabulrio e estruturas recm-aprendidas, quer em sala de aula, quer em

    situaes da vida real (p. 6).

    Falcomer (2009) realizou um estudo de caso com os objetivos de analisar o perfil de

    competncias obtido do grupo de professores participantes e investigar sinais de

    permeabilidade a mudanas na avaliao que os professores fizeram do curso no momento de

    sua concluso. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram entrevistas

    individuais, uma entrevista coletiva gravada em vdeo, narrativas escritas, sesses reflexivas e

    documentos oficiais. Os resultados sugerem que quando do incio do curso de formao, os

    professores participantes da pesquisa atuavam predominantemente movidos por sua

    Competncia Implcita e possuam uma limitada Competncia Terica. Ao final do curso, os

    resultados evidenciaram indcios de alteraes nas Competncias Lingustico-Comunicativa,

    Terica, Aplicada e Profissional dos participantes (p. 8).

    Kol (2009) teve como objetivo central em sua pesquisa avaliar as competncias de um

    grupo de quatro professores de lngua estrangeira (ingls), procurando identificar o grau de

  • 24

    alinhamento entre as competncias implcita, terica e aplicada de professores cujas

    experincias profissionais variavam de dois a dez anos. O autor constatou que mesmo sem

    formao ou qualquer experincia profissional em ensino de ingls como lngua estrangeira,

    o grupo de comparao obteve resultados muito prximos ao dos professores mais

    experientes, sugerindo que

    o nvel de conhecimentos tcnico-tericos exigidos pelo TKT no a

    caracteriza como prova de qualificao profissional, pois avalia os

    candidatos com peso nas competncias implcitas e lingustico-

    comunicativas, no oferecendo distines claras entre leigos e

    profissionais, e entre profissionais altamente qualificados e aqueles com

    uma qualificao formal apenas mediana, ou totalmente desprovidos dela.

    Alm desses, foram desenvolvidos quatro estudos empricos tendo como pano de

    fundo as competncias desejveis para um aluno aprendiz de lnguas. Das pesquisas que

    investigaram as competncias de aprendizes, destacamos a de Ribeiro (2009), que busca

    conscientizar o aluno de seu novo papel de protagonista no cenrio contemporneo de ensino-

    aprendizagem de lnguas. A autora realizou uma pequisa-ao com alunos de lnguas, com o

    intuito de realizar uma interao dialgica com os participantes da pesquisa,

    buscando uma postura mica no decorrer do trabalho, no intuito de

    diagnosticar, intervir e fortalecer o processo de ensino-aprendizagem dos

    alunos, melhorando assim, sua competncia acadmica na tentativa de

    (re)construir sua identidade como o novo aprendiz de lngua estrangeira

    (ingls) (p. 84).

    Ao analisar os referidos estudos empricos, conclumos que h uma lacuna nesse locus

    de ensino e de pesquisa, a qual este trabalho visa preencher. Ou seja, no h, pelo menos

    nesta universidade, um estudo emprico que tem como objetivo principal investigar os

    reflexos que um curso de formao de professores que teve como alicerce o ensino

    explcito de pronncia tem na competncia comunicativa de professores de lnguas. Esse

    ser, portanto, o foco de nossa investigao.

  • 25

    1.5 A competncia comunicativa sob o olhar da LA

    No campo educacional, segundo Sadalla, Bacchiegga, Pina e Wisnivesky (2002),

    intensificaram-se na dcada de noventa questionamentos e pesquisas a respeito da

    profissionalizao do ofcio do professor. Corroborando o pensamento de Perrenoud (2001),

    os autores citados enfatizam a importncia de se desenvolverem estudos centrados nos

    conhecimentos do professor, em busca de uma relao dialtica entre teoria e prtica, que

    venha garantir que o magistrio seja plenamente concebido como uma profisso e que a ao

    do professor seja legtima e efetiva. Para que analisemos os conhecimentos do professor, os

    referidos autores ressaltam que se faz necessrio o estudo de dois conceitos, quais sejam, os

    saberes e as competncias desse profissional.

    Segundo Perrenoud (op. cit.), podemos definir saberes como o conjunto de

    conhecimentos que apresentam uma certa unidade em virtude de suas fontes e objetivos,

    sendo que os mesmos, conforme apontam Sadalla et al (2002), podem reunir-se segundo

    diferentes categorias e tipologias, tais como saberes cientficos, eruditos, do senso comum, da

    experincia, entre outros. importante ressaltar que o professor apropria-se dos saberes de

    forma nica e subjetiva, sendo os mesmos construdos e desconstrudos na prtica

    (Sadalla et al, 2002, p. 59).

    No que diz respeito atuao docente, Monteiro (1986) discorre sobre a dicotomia

    teoria/prtica, salientando a importncia de que esses saberes (tericos e prticos) relacionem-

    se sem ambiguidades na profissionalizao do ofcio de ensinar. O autor prossegue

    ressaltando que a unio dos saberes docentes provm principalmente da reflexo, o que por

    sua vez refora a relevncia da prtica crtico-reflexiva (Smith, 1992) na formao continuada

    do professor.

    Segundo Sadalla et al (2002, p. 61), exatamente o carter reflexivo que possibilita

    uma relao adequada entre saberes e competncias, uma vez que na ausncia da reflexo tais

    conceitos estariam relacionados a habilidades pura e meramente tcnicas. Perrenoud (2000, p.

    15) afirma que competncia uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos

    para enfrentar um tipo de situao. Desse modo, conforme apontam Sadalla et all (2002: 61),

    podemos entender a competncia do professor no como um saber ou uma atitude, mas como

    a capacidade de mobilizar determinados saberes ou atitudes, esquemas de pensamento, como

  • 26

    recursos para agir numa determinada situao, adaptando-se da melhor maneira a ela.

    Conforme teoriza sua prtica, o professor distancia-se da funo de um mero tcnico da

    educao (Sadalla et al, 2002: 62) que deve lidar com seu conhecimento e habilidades para

    transmitir conhecimento aos seus alunos. Ao repensar e refletir (criticamente) sua prtica, o

    professor assume o carter ativo e criativo de seu papel dentro do processo de ensino-

    aprendizagem, passando a mobilizar saberes e competncias em sua prtica docente.

    Na rea da Lingustica Aplicada, o termo competncia comunicativa foi utilizado

    por Hymes (1967, 1972) em oposio noo de competncia proposta por Chomsky

    (1957, 1965). Ao conceber a gramtica como sendo autnoma e independente do significado,

    Chomsky (op. cit.) a define como sendo a representao abstrata do conhecimento da lngua

    que o falante nativo traz inatamente consigo e que permite que o mesmo crie e entenda as

    construes formais de uma determinada lngua (Mitchell & Myles, 2002). Confrontando tal

    definio, Hymes (op. cit.) assevera que alm da competncia gramatical, a competncia

    lingustica constitui-se da competncia sociolingustica ou pragmtica, a qual est relacionada

    ao uso da linguagem, abarcando, portanto, os falantes da lngua e questes situacionais, de

    adequao, registro, entre outros. Foi a partir dessa noo de competncia comunicativa que,

    segundo Celce-Murcia e Olshtain (2000), Canale e Swain (1980) e Canale (1983) propuseram

    construtos educacionais.

    Neste estudo corroboramos a definio de Alvarenga (1999, p. 202) sobre

    competncia comunicativa, que segundo ela a

    capacidade do professor de interagir com o aluno na lngua alvo e dar

    condies a esse aluno de desenvolver sua prpria competncia

    lingustica, utilizando a de seu professor como insumo. Para tanto,

    necessrio que o professor sinta-se vontade para correr riscos uma vez

    que, quando trabalhando com nfase na comunicao, tudo pode

    acontecer, ou seja, muitas palavras ou situaes no previstas podem

    ocorrer, exigindo do professor uma grande capacidade de produzir

    linguagem em contexto de uso e comunicao.

  • 27

    1.6 Uma breve definio de pronncia

    Entendemos pronncia como a parte da oralidade (recepo + produo) da

    competncia comunicativa dos falantes. a articulao oral de palavras em texto conectado

    numa dada lngua, observadas as regras de produo fonmica de seus sons isolados (plano

    segmental) e sua adaptao ao discurso conexo, ao qual se acrescentam, entre outros,

    contornos entoacionais e padres de acentuao (plano suprasegmental).

    1.7 A pronncia na linha do tempo

    A pronncia um aspecto da aprendizagem/aquisio de LE que vem recebendo

    pouca ateno, tanto no que se refere ao espao reservado a ela na sala de aula de LE quanto

    nos jornais e revistas especializados da rea. Quando vivamos o auge do mtodo gramtica e

    traduo, que enfatizava a leitura e a escrita em detrimento das habilidades de falar e ouvir, a

    pronncia era considerada desnecessria e por isso era praticamente desprezada. Com o

    surgimento do mtodo audiolingual, a fontica e a fonologia voltaram a ter um espao

    reservado na aula de LE. Aspectos segmentais e suprasegmentais, alm das formas de

    articulao, eram constantemente encontrados de forma clara nos livros didticos com base

    audiolingual.

    O ensino de pronncia passou novamente a ser ameaado quando mais tarde

    seguidores da Abordagem Natural (Natural Approach), como Purcell e Suter (1980),

    argumentaram que no era preciso ensinar pronncia de forma explcita, j que acreditavam

    que a mesma se desenvolvia naturalmente a partir do insumo (input) recebido. Mais adiante,

    como a Abordagem Comunicativa comeou a se destacar frente outra grande abordagem (a

    gramatical), pronncia foi novamente reservado um papel secundrio. Enquanto a

    abordagem audiolingual se preocupava com a acuidade, a comunicativa dava mais nfase

    fluncia e inteligibilidade. Assim, os aspectos da pronncia que mais importavam a essa

    abordagem eram aqueles que poderiam de alguma forma ter impacto sobre a compreenso,

    entre eles contrastes fonolgicos como os que acontecem entre pares mnimos, como

    cat/cut, bat/bad e em alguns casos nos quais a entonao poderia produzir diferentes

    significados. Dessa forma, erros de pronncia que no prejudicassem a compreenso, como

  • 28

    produzir a palavra cat como /ket/ ao invs de /kt/ (erro comum entre falantes do portugus)

    poderiam ser justificadamente ignorados de acordo com os princpios dessa abordagem.

    Apesar de a abordagem comunicativa no ter exterminado o ensino de pronncia da

    sala de aula de lngua estrangeira, seus seguidores parecem no chegar a um consenso de

    como o assunto deve ser tratado, quanto tempo deve ser reservado ao seu ensino ou ainda

    como o mesmo deve se dar. Muitos professores e pesquisadores da rea tm sugerido que haja

    uma integrao do ensino de pronncia no mbito da abordagem comunicativa para o ensino

    de lnguas, j que sabemos que essa abordagem est em constante mutao.

    A pronncia desempenha papel fundamental na competncia comunicativa e est

    intimamente ligada s habilidades de compreender linguagem oral e falar.

    Conforme mencionamos anteriormente, pronncia tem-se reservado um papel de

    pouca ou nenhuma importncia na atual sala de aula de LE. Alguns argumentam que no

    currculo da Abordagem Comunicativa de Lnguas (ACL) a pronncia tomou uma nova

    proporo, menos importante, conforme dissemos acima; j outros culpam a escassez de

    livros didticos que do suporte ao professor. Ns ousaramos dizer que alm desses motivos,

    falta conhecimento maioria dos professores acerca da fontica e fonologia da lngua

    ensinada. Parte disso ocorre devido falta de pesquisas conclusivas que demonstrem a

    importncia do ensino explcito dos fonemas da L-alvo e dos aspectos suprasegmentais de sua

    pronncia.

    1.8 A pronncia e a abordagem comunicativa

    Dentro do quadro terico do Ensino Comunicativo de Lnguas (ECL), a pronncia

    continua margem da agenda de pesquisa e do ensino de lnguas. A ateno dada a ela

    resume-se s situaes em que h prejuzo ao significado, ou seja, problemas na compreenso.

    Fica claro que o ensino de pronncia em sala de aula est aqum do desejado. Os benefcios

    que vemos numa pronncia adequada, no entanto, vo alm das questes de comunicao

    bsica, e avanam para questes de aceitabilidade ou recepo positiva do novo falante. Essa

    nossa posio faz com que defendamos o fortalecimento/a integrao de componentes

    explcitos de pronncia no currculo dos cursos de formao de professores de LE em nosso

  • 29

    pas, para que, num segundo momento, possamos integr-los tambm ao ensino regular de

    lngua estrangeira.

    Enquanto alguns erros podem no comprometer a compreenso do que dito, ainda

    sim eles podem ser prejudiciais comunicao de um ponto de vista sociolingustico. Mesmo

    sabendo que o ingls hoje mais utilizado como lngua franca do que como lngua nativa,

    ainda assim devemos considerar que nativos faro parte do grupo dos interlocutores de nossos

    alunos e professores. E especialmente aos nativos, problemas de pronncia podem causar

    irritao e at desinteresse, fazendo com que muitos julguem negativamente o nvel

    intelectual de seu interlocutor. Alm disso, alguns erros podem levar estigmatizao do

    falante por parte de seu interlocutor, que, ao ser percebida pelo falante da lngua estrangeira,

    pode ter um impacto direto em seu grau de autoconfiana e em seu filtro-afetivo. Tudo isso, a

    nosso ver, caracteriza problemas srios de comunicao, e no secundrios como mantm

    muitos.

    No h dvida de que o ensino da pronncia fundamental para a melhora da

    acuidade. Elliot (1997) demostra, em seu artigo intitulado On the teaching and aquisition of

    pronunciation within a communicative approach, que o insumo por si s no suficiente

    para melhoras significativas na pronncia do falante. Os resultados do estudo mostram

    justamente o contrrio, que a pronncia dos participantes melhorou ao serem submetidos ao

    ensino explcito de pronncia. As tcnicas utilizadas no estudo de Elliot se assemelham s

    utilizadas no curso por que passaram as participantes desta pesquisa, e incluem, entre outros,

    contraste de sons entre a L-alvo e a lngua me, explicao sobre a distribuio dos alofones e

    referncia aos rgos envolvidos na fala.

    1.9 A Fontica e a fonologia

    O ensino da pronncia encontra suas bases tericas em duas reas da Lingustica, que

    so a Fontica e a Fonologia. A Fontica caracteriza-se por ser, segundo Lyons (1981:71), o

    estudo do meio fnico, isto , o estudo dos sons produzidos pelo aparelho fonador humano.

    J a Fonologia, segundo Kreidler (1989:13), a descrio do sistema sonoro de uma lngua,

    a ligao entre fala e significado. Ladefoged (1975) afirma que a Fonologia estuda uma

  • 30

    lngua com o objetivo de distinguir seus sons que so distintivos e para determinar as regras

    que descrevem as mudanas que ocorrem quando esses sons se relacionam com outros.

    1.10 Uma breve explicao sobre o conceito de crenas no contexto de aprendizagem de

    lnguas

    O conceito de crenas, hoje amplamente inserido na pesquisa em LA, tem

    antecedentes e ramificaes em outras reas do conhecimento, conforme assevera

    BARCELOS (2006; 2004). A autora indica a utilizao do termo em outras cincias como a

    Sociologia (BORDIEU, 1987, 1991), Psicologia Cognitiva (ABELSON, 1979; POSNER et

    al., 1982; NESPOR, 1987), Psicologia Educacional e Educao (DEWEY, 1933; KRUGER,

    1993; PACHECO 1995; RAYMOND e SANTOS, 1995; SADALLA, 1998; DEL PRETTE e

    DEL PRETTE, 1999; MATEUS, 1999; e ROCHA, 2002) e Filosofia (PIERCE, 1877).

    Mesmo dentro da rea da LA, existe uma profuso de termos que parecem se referir a

    um mesmo construto, a que Barcelos e outros autores se referem como crenas. Dentre os

    vrios termos2 existentes, podemos citar representaes dos aprendizes (Holec, 1987),

    filosofia de aprendizagem de lnguas (Abraham e Vann, 1987), conhecimento

    metacognitivo (Wenden, 1986), crenas (Wenden, 1986), crenas culturais (Gardner,

    1988), representaes (Riley, 1989, 1994), teorias folclrico-lingusticas de aprendizagem

    (Miller e Ginsberg, 1995), cultura de aprender (Almeida Filho, 1993; Cortazzi e Jin, 1996),

    cultura de ensinar (Almeida Filho, 1993), cultura de aprendizagem (Riley, 1997),

    concepes de aprendizagem e crenas (Benson e Lor, 1999) e cultura de aprender

    lnguas (Barcelos, 1995). Toda essa floresta terminolgica, metfora usada por Woods

    (1993), empregada para se referir a crenas sobre aprendizagem e ensino de lnguas.

    Pajares (1992) discorre sobre o assunto afirmando que crenas tm sido descritas

    como um conceito confuso e complexo. Barcelos (2001, p. 73) define crenas como ideias,

    opinies e pressupostos que alunos e professores tm a respeito dos processos de

    ensino/aprendizagem de lnguas e que os mesmos formulam a partir de suas prprias

    2 Se o leitor desejar obter maiores informaes sobre essas categorias de palavras, veja os estudos de Bandeira

    (2003) e Silva (2005).

  • 31

    experincias. J Johnson (1990) refere-se a crenas como a pedra sobre a qual nos

    apoiamos.

    Horwitz (1985) e Wenden (1986) foram os pioneiros na rea de estudo de crenas no

    exterior. No Brasil, os estudos sobre crenas somente ganhariam fora em meados dos anos

    noventa, com o trabalho pioneiro de Almeida Filho (1993) e com a dissertao de mestrado de

    Barcelos (1995) orientada por Almeida Filho na Unicamp.

    Desde ento, o estudo de crenas sobre o ensino e a aprendizagem de lnguas tem se

    tornado um campo de pesquisa cada vez mais frtil dentro da LA brasileira, conforme

    assevera Silva (2008, p. 203), pois no h dvidas quanto importncia do papel que tanto as

    crenas de professores quanto as de alunos desempenham no processo de ensino e

    aprendizagem de LE.

    Para Barcelos (2000), as crenas surgem com as vivncias e experincias, e podem

    influenciar de maneira (in)direta a abordagem de aprender dos alunos, bem como a percepo

    desses sujeitos sobre o que seja ensinar-aprender lngua. A autora afirma que as aes e

    reflexes sobre experincias podem levar a mudanas ou criar outras crenas (BARCELOS,

    2001, p. 85).

    Barcelos (2003) afirma que os primeiros estudos sobre crenas percebiam esse

    fenmeno simplesmente como ideias pr-concebidas, determinadas, sem ligao com as

    aes. As crenas eram vistas como um conhecimento cognitivo, como estruturas mentais,

    estveis e fixas, localizadas dentro da mente das pessoas e alheias ao conhecimento. Barcelos

    (2004) se ope a essa ideia, pois a autora v crenas no somente como um conceito

    cognitivo, mas tambm social, fruto das experincias e problemas os quais vivenciamos, e de

    nossa interao com o contexto, alm de tambm derivar da nossa capacidade de refletir e

    pensar sobre o que nos cerca (Barcelos, 2004, p. 132).

    Neste estudo entendemos crenas como Barcelos (2006, 2004a, 2004b, 2000), que as

    v como complexas, dinmicas, paradoxais, contraditrias, e intimamente relacionadas ao

    nosso eu.

  • 32

    Concluindo o captulo

    Neste captulo, apresentamos alguns conceitos importantes para compreenso desta

    dissertao, alm das teorias que nos ajudaram a nortear a anlise dos dados que faremos mais

    adiante, relacionadas com a formao continuada do professor de LE dentro de um paradigma

    crtico-reflexivo (GIL & VIEIRA-ABRAHO, 2008), que se respalda, por sua vez, na

    (re)construo das competncias desejveis de um professor de LE na contemporaneidade

    (SILVA, 2008; ALMEIDA FILHO, 2006, 2004, 1999, 1993; BASSO, 2001).

    No prximo captulo, apresentaremos a metodologia adotada por este estudo.

  • 33

    CAPTULO 2

    METODOLOGIA

  • 34

    CAPTULO 2 METODOLOGIA DE PESQUISA

    A questo crucial de uma investigao reside na

    relao entre o que ocorre, o que observado e o que

    descrito. Essa relao uma relao de interpretao

    e seu valor deve ser apreciado em termos da verdade

    que se constitui numa relao de acordo: entre

    observao, descrio e interpretao; entre

    observador e participante; e entre relator e leitor

    (ouvinte). Por sua vez, este acordo deve determinar a

    adequao dos argumentos e das evidncias, e o valor

    dos resultados como contribuio ao conhecimento

    interior e exterior a disciplina.

    Van Lier (1988, p. 46 Grifo meu)

    2.1 Introduo

    Este captulo visa apresentar os pressupostos metodolgicos utilizados nesta pesquisa

    e est subdividido em quatro sees. Na primeira, apresentaremos a natureza da pesquisa. A

    seguir, forneceremos uma descrio do contexto e das participantes da pesquisa. Na terceira

    seo, faremos uma descrio dos instrumentos escolhidos para coleta de registros e

    discutiremos os procedimentos adotados para a anlise dos dados. Finalmente, na quarta e

    ltima seo, apresentaremos os caminhos que foram trilhados para a realizao desta

    pesquisa.

    2.2 A natureza desta pesquisa

    Este estudo trata de uma pesquisa qualitativo-interpretativista3 (Brown, 1988; Nunan,

    1992; Moita Lopes, 1994), caracterizada pela descrio e estudo de situaes concretas e

    singulares e pela considerao da perspectiva dos participantes da pesquisa. Esta

    caracterizao se explica, segundo Denzin & Lincoln (2003), pelo fato de ser uma pesquisa de

    base naturalista, (quase) longitudinal e holista. O que a caracteriza como: a) naturalista,

    segundo Denzin & Lincoln (op. cit.), o fato de acontecer num ambiente natural, isto , os

    3 Alguns dados quantitativos foram utilizados nesta pesquisa de forma coadjuvante, e a nosso ver no tm

    impacto algum sobre a caracterstica qualitativo-interpretativista deste estudo.

  • 35

    participantes no so conduzidos a um local artificial em benefcio da pesquisa; b) holista

    porque no focaliza variveis pr-especificadas, mas procura compreender o fenmeno de

    forma mais profunda e descrever os eventos de forma mais ampla; c) (quase) longitudinal

    porque para se investigar um fenmeno da forma proposta acima ampla e profundamente ,

    exigem-se do pesquisador observaes e registros durante um tempo razovel para que se

    produza o processo que se quer observar, no caso deste estudo, cinco meses.

    Barkhuizen & Ellis (2005) destacam ainda uma caracterstica da pesquisa qualitativa

    que vemos como fundamental para o entendimento da presente dissertao: a subjetividade,

    com espao especial dedicado aos participantes da pesquisa. Os autores afirmam que os

    pesquisadores qualitativos no esto interessados em oferecer um ponto de vista isento de

    qualquer subjetividade, como procura fazer o paradigma quantitativo, de natureza positivista.

    Eles acreditam que a pesquisa uma interpretao do mundo e no uma verdade absoluta.

    Denzin & Lincoln (2003, p. 4-5) vo alm ao afirmarem que a nica caracterstica inerente do

    paradigma qualitativo seu carter interpretativo: pesquisadores qualitativos estudam coisas

    em seu estado natural, tentando trazer sentido para, ou interpretar, fenmenos nos termos de

    significados que as pessoas trazem para eles.

    O presente estudo tambm se caracteriza por seu cunho etnogrfico, no qual segundo

    Erickson (2001), a preocupao do pesquisador com o significado, com a maneira prpria

    com que as pessoas veem a si mesmas, suas experincias e o mundo que as cerca. O

    etngrafo, segundo o autor, tem como meios principais de coleta de dados a observao e os

    questionamentos. Esses questionamentos so realizados por meio de entrevistas e/ou

    questionrios e tm por objetivo confirmar as aes aparentes das pessoas a partir da

    observao, esta chamada de participante, uma vez que se admite que o pesquisador tem

    sempre um grau de interao com a situao estudada, afetando-a e sendo por ela afetado ao

    interpret-la. Para Erickson (1989), a realizao de uma pesquisa etnogrfica se d a partir da

    pergunta: o que est acontecendo aqui? Responder essa pergunta permite fazer com que o

    familiar se torne estranho e o comum se torne problemtico e, com isso, muitos dados se

    tornem visveis e possveis de serem sistematicamente documentados. Erickson (op. cit.) vai

    alm ao argumentar que a nfase dada ao significado local essencial para a definio de

    etnografia, que procura caracterizar o sentido do ponto de vista dos atores, dos participantes,

    daqueles que esto sendo pesquisados. Ainda segundo o autor, a etnografia pode ser

    considerada um processo deliberado de investigao guiado por um ponto de vista. O trabalho

  • 36

    de campo fortemente indutivo, mas no existem indues puras, isto , o etngrafo traz para

    o campo um ponto de vista terico e um conjunto de questes explcitas ou implcitas.

    2.3 O contexto e as participantes da pesquisa

    A pesquisa foi realizada em uma escola de ingls localizada em uma cidade satlite de

    Braslia, e contou com a participao de 03 (trs) professoras de ingls, todas brasileiras e

    com formao superior em Letras. A faixa etria mdia entre as participantes do curso vinte-

    oito anos, sendo a participante mais jovem Ana (24) e a mais velha Helena (35).

    Para a realizao desse curso, foram oferecidas bolsas de estudo (parciais e integrais)

    para as participantes da pesquisa. Outros sete alunos que tambm compunham a turma no

    participaram da pesquisa. Eram alunos regulares da escola que tiveram interesse em fazer o

    curso, que oferecido em moldes similares naquela Instituio h oito anos, sempre

    ministrado por mim.

    Ao selecionar os candidatos, procuramos priorizar aqueles que atuavam como

    professores de ingls de escolas pblicas, porm apenas uma das participantes possua tal

    perfil: Helena. As outras atuavam ou haviam atuado em instituies privadas, em sua maioria

    cursos livres de lnguas. Os encontros foram realizados aos sbados de manh, das oito s

    doze horas. A assiduidade das professoras e o engajamento nas atividades propostas em sala

    surpreenderam nossas expectativas e demonstraram a concepo que tinham sobre sua

    profissionalizao por meio de cursos de formao continuada. O quadro 1 apresenta alguns

    dados sobre as professoras participantes da pesquisa4.

    4 Por uma questo de tica, utilizamos nomes fictcios para fazer referncia s professoras participantes.

  • 37

    Quadro 1: As participantes da pesquisa

    Nome Idade Tempo que

    leciona/lecionou

    lnguas

    Faixa etria

    prevalecente

    de alunos que

    lecionou

    Carga horria

    semanal

    prevalecente

    Ana 24 8 semestres 19-28 20 horas

    Elisa 25 5 semestres 20-50 20 horas

    Helena 35 36 semestres 14-20 40 horas

    Ana: A mais jovem das professoras graduou-se em Letras ingls e durante o perodo do

    curso estava se ps-graduando na rea de Lingustica Aplicada, numa universidade pblica

    do centro-oeste brasileiro. Lecionou ingls em instituies privadas e teve como pblico

    prevalecente alunos de dezenove a vinte-oito anos, pelo perodo de quatro anos.

    Elisa: Graduou-se em Letras com habilitao em ingls e portugus. Tambm era, durante a

    pesquisa, aluna de um programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada de uma

    universidade no centro-oeste do pas. Lecionou ingls e portugus por dois anos e meio, a

    alunos de faixa etria variada (20 a 50 anos).

    Helena: Foi a professora que por mais tempo havia se dedicado ao ensino de LE (16 anos).

    Era a nica que atuava na escola pblica, onde lecionou alunos em sua maioria entre quatorze

    e vinte anos.

    A seguir apresentaremos os instrumentos que foram utilizados para a coleta dos

    registros.

    2.4 Instrumentos de coleta de registros

    Para a coleta dos registros foram escolhidos instrumentos frequentemente utilizados

    em pesquisas de cunho etnogrfica, quais sejam: narrativas escritas, questionrio aberto e

    questionrio fechado.

  • 38

    2.4.1 Narrativas escritas

    Foram utilizadas com o objetivo de conhecer melhor as professoras participantes desta

    pesquisa, de forma a possibilitar uma anlise mica dos dados advindos de outros

    instrumentos de coleta utilizados, os quais sero descritos a seguir. As narrativas escritas

    correspondem s duas primeiras perguntas que precedem as perguntas abertas, e foram

    includas no que intitulamos Questionrio 1, em anexo neste trabalho. Nesse instumento

    solicitado s professoras participantes que narrem sua histria enquanto professoras de LE,

    desde o primeiro contato com a lngua, e tambm que narrem a histria de seu

    desenvolvimento oral na LE.

    2.4.2 Questionrio aberto

    Esse instrumento teve como objetivo levantar em dois momentos diferentes (antes e ao

    final do curso) as crenas de cada uma das professoras participantes da pesquisa acerca de

    diversos aspectos da competncia comunicativa, alm das crenas que traziam em relao a

    aspectos de sua prpria competncia comunicativa, como sua capacidade de se comunicar

    oralmente na LE e a qualidade de sua pronncia/entonao, por exemplo. com base nesses

    relatos coletados antes e ao final do curso que analisaremos at que ponto o curso do qual elas

    participaram contribuiu para a (re)construo e/ou desenvolvimento de sua competncia

    comunicativa.

    2.4.3 Questionrio fechado

    As questes fechadas foram utilizadas de forma coadjuvante neste estudo, pois

    tratavam de perguntas que j haviam aparecido na forma de perguntas abertas. Porm, elas

    restringiam as respostas ao uso de uma escala, que variava de 0 a 5. O intuito era confrontar

    os dados advindos desse instrumento com os demais (colhidos atravs das questes abertas),

    contribuindo assim para triangulao dos dados.

  • 39

    A nosso ver, este caminho metodolgico nos propiciar subsdios para que possamos

    responder a pergunta que orienta as aes desta dissertao: Quais so os reflexos que um

    curso de formao contnua de professores que se apoiou na instruo explcita de pronncia

    teve no processo de (re)construo e/ou desenvolvimento da competncia comunicativa das

    professoras participantes, segundo elas mesmas?

    2.5 Trajetria da pesquisa: a aplicao dos instrumentos de coleta de registros, o curso

    de fontica e fonologia do ingls (Pronunciation) e as aulas.

    2.5.1 Condies de aplicao dos instrumentos de coleta de registros

    As narrativas escritas foram coletadas somente antes do curso, pois conforme

    mencionamos anteriormente, tinham como objetivo conhecer as histrias de vida das

    participantes.

    Os questionrios aberto e fechado foram aplicados antes e ao final do curso, isto ,

    com um intervalo de cinco meses. Durante a aplicao dos mesmos, as participantes foram

    instrudas a no tentarem responder s perguntas de forma a agradar o pesquisador,

    fornecendo-lhe respostas que julgassem corretas ou esperadas por ele. A todo momento eu

    reiterava que fossem sinceras, e que dessa forma estariam realmente contribuindo para a

    pesquisa.

    A primeira srie de perguntas (que inclua as narrativas escritas, as perguntas abertas e

    as perguntas fechadas), intitulada questionrio 1, foi aplicada sem que as participantes

    tivessem informaes complementares do curso que fariam. Elas apenas sabiam que se tratava

    de um curso de fontica e fonologia do ingls, por muitas vezes tambm referido por elas e

    pelo pesquisador como Pronunciation.

    Antes da entrega desse primeiro questionrio, deixei claro a todas que no havia

    nenhuma recomendao quanto ao tamanho de cada uma das respostas, que as mesmas

    poderiam variar de menos de uma linha a pginas, de acordo com a necessidade de cada uma.

    Por isso, optei por no entregar-lhes folhas com linhas, que talvez denotasse o contrrio.

    Disponibilizei, no entanto, folhas extras quelas que as desejassem.

  • 40

    Incentivei-as, ainda, a me fazerem perguntas sempre que no compreendessem alguma

    pergunta ou palavra, ou ainda quando no estivessem certas do que cada uma das perguntas

    buscava investigar.

    A mesma srie de perguntas, agora intitulada questionrio 2 (que inclua as mesmas

    perguntas do questionrio 1, exceo daquelas referentes s narrativas escritas, coletadas

    apenas no questionrio 1) foi aplicada s professoras participantes ao final do curso, com as

    mesmas recomendaes dadas na ocasio de entrega do questionrio 1.

    2.5.2 O curso de fontica e fonologia do ingls

    O curso que serviu como alicerce para esta pesquisa teve incio no dia doze de

    setembro de 2009 e se estendeu at doze de dezembro do mesmo ano, com um encontro por

    semana de quatro horas. No ms de fevereiro de 2010, aconteceram mais dois encontros, nos

    dias vinte e vinte sete, que elevaram o nmero de horas-aula a sessenta e quatro. O curso

    explorou os seguintes temas com seus respectivos tpicos:

    1) IPA - International Phonemic Alphabet

    2) Contrasting of L1 and L2 sounds

    3) Speech organs

    4) Word stress

    5) Grammatical vs. meaningful words in connected speech

    6) Sentence stress

    7) Emphatic sentence stress

    8) Intonation of tag questions (rising / falling)

    9) Pronunciation of regular past verbs

    10) Pronunciation of regular plural nouns

    11) BBC vs. CNN English

    12) Aspiration

    O curso parte do pressuposto de que professores de LE precisam ter noes da fontica

    e principalmente da fonologia da lngua que vo ensinar. Postulamos que eles devem

    conhecer no s os aspectos segmentais da lngua que ensinam, mas principalmente os

  • 41

    suprasegmentais. Tambm devem possuir uma base slida da teoria e conhecimento acerca

    de como o sistema sonoro da lngua-alvo funciona (BURGESS E SPENCER, 2000).

    A prtica fonolgica do curso teve como objetivo possibilitar que os professores se

    familiarizassem com os fonemas da lngua inglesa e os pudessem produzir da forma desejada.

    O objetivo mais geral do curso, no entanto, era possibilitar que essas professoras alcanassem

    um nvel de competncia comunicativa maior e assim se sentissem mais seguras ao produzir

    linguagem oral e dar orientaes sobre pronncia em suas salas de aula. Isso certamente as

    tornaria profissionais melhores, alm de tornar seus alunos falantes mais competentes, pois de

    acordo com Dziubalska-Koaczyk (2002), trazer uma conscincia metalingustica ao

    aprendiz com relao fontica, fonologia, morfologia e sintaxe, assim como scio-

    pragmtica, facilitar sua aquisio da segunda lngua (grifo meu).

    Em resumo, partimos do pressuposto de que essas professoras serviro de modelo

    lingustico a seus alunos, e talvez uma das suas principais responsabilidades dentro da sala de

    aula de LE, conforme assevera Gimson (2001), ser proporcionar uma aproximao maior

    possvel do modelo que elas propem ensinar.

    O curso contou com o apoio de material especialmente produzido por mim para esse

    contexto e foi baseado em diversas fontes, todas descritas abaixo. Dentre elas, a mais utilizada

    como modelo terico foi o livro de Roach, P. 2000. English Phonetics and Phonology: a

    practical course. Third edition. Cambridge: CUP.

    Tambm foram utilizadas de forma suplementar as seguintes referncias:

    Bradford, B. (1994) Intonation in context. Cambridge: Cambridge University Press.

    Brazil, D. (1994) Pronunciation for Advanced Learners of English. Cambridge: Cambridge

    University Press.

    Hancock, M. (2003) English Pronunciation in Use. Cambridge: Cambridge University Press.

    Hewings, M. (2004) Pronunciation Practice Activities. Cambridge: Cambridge University

    Press.

  • 42

    Kenworthy, J. (2000) The Pronunciation of English: A Workbook. London: Edward Arnold.

    Kreidler, C. W. (2004) The Pronunciation of English. Second edition. Blackwell Publishing.

    O'Connor, J.D. (1980) Better English Pronunciation. Second edition. Cambridge: Cambridge

    University Press.

    Roach, P., J. Hartman & J. Setter, (eds.) (2003) English pronouncing dictionary. 16th edition.

    Cambridge: Cambridge University Press.

    Wells, J.C. (2000) Longman Pronunciation Dictionary. Second edition. Longman.

    2.5.3 As aulas

    Por serem ministradas em ingls, as aulas incentivaram as professoras participantes e

    os alunos a tambm utilizarem a L-alvo para se comunicarem entre eles e comigo, e assim

    eles o fizeram durante todo o curso, recorrendo lngua portuguesa em pouqussimas

    ocasies. O ambiente de nossa sala de aula, logo no incio, foi marcado por ser pouco

    ameaador, no qual os participantes do curso se sentiam vontade para errar e tentar acertar.

    Tambm foi uma caracterstica forte o baixo filtro afetivo dos participantes desde o fim da

    primeira aula, o que aps os primeiros encontros contribuiu para tornar a atmosfera das aulas

    muito agradvel, caracterizada pela informalidade e pelo bom humor.

    Contvamos em nossa sala de aula com uma TV com sistema de udio de boa

    qualidade e a ela acoplado um aparelho de DVD, alm de um mini system. Todos esses

    recursos foram amplamente utilizados, j que um dos principais objetivos do curso era

    fornecer uma ponte entre as teorias fonolgicas estudadas e a lngua utilizada de forma natural

    na vida cotidiana de seus falantes. Recorremos a filmes, seriados, videoclipes de msica e

    outros, a fim de identificarmos os fonemas e os processos fonolgicos estudados em cada uma

    das sees tericas, para ento discuti-los e problematiz-los de forma crtico-reflexiva.

    Dedicamos o incio do curso aos aspectos segmentais da lngua, mas ao longo do curso

    foram os aspectos suprasegmentais que mereceram nossa ateno. E foi obviamente essa a

  • 43

    parte do curso que mais causou estranhamento e ao mesmo tempo interesse por parte das

    professoras participantes.

    O trabalho feito com msicas tambm teve uma boa repercusso, j que despertou

    forte interesse nas professoras e contribuiu para que elas compreendessem as teorias

    abarcadas no curso. Entre as canes escolhidas demos prioridade quelas que traziam um

    fala mais conectada, nas quais pudssemos encontrar os mesmos processos encontrados no

    discurso oral do cotidiano, mas que ao mesmo tempo permitissem que o ensino se desse de

    forma mais didtica. Essas msicas tambm ajudaram as participantes a familiarizar seu

    aparelho fonador com tais processos, pois em um dado momento do curso elas teriam de

    cant-las. E como eram em sua maioria canes rpidas, a nica forma de conseguirem esse

    feito seria conectando a fala, atentando-se aos processos que nelas havamos identificado,

    discutido e problematizado. As professoras participantes mostraram-se bastante contentes

    com seu desempenho na atividade proposta.

    Concluindo o captulo

    Neste captulo apresentamos os pressupostos metodolgicos adotados por esta

    pesquisa, quais sejam, sua natureza, o contexto em que a mesma estava inserida, as

    participantes que fizeram parte do universo desta investigao, os instrumentos de coleta de

    registros utilizados, as condies nas quais foram aplicados, alm de trazer informaes sobre

    o curso de instruo explcita de pronncia ofertado s professoras participantes desta

    pesquisa. No prximo captulo apresentaremos a anlise dos dados.

  • 44

    CAPTULO 3

    ANLISE DE DADOS

  • 45

    CAPTULO 3 ANLISE DOS DADOS

    A verdadeira mgica da descoberta no est em procurar novas paisagens, mas em

    desenvolver novos olhos.

    (Marcel Proust Grifo meu)

    3.1 Introduo

    Neste captulo, buscaremos investigar, atravs da anlise dos relatos das professoras

    participantes, coletados antes e ao final do curso5, os reflexos que o mesmo teve no processo

    de (re)construo e/ou desenvolvimento da competncia comunicativa de suas participantes.

    3.2. As participantes antes e ao final do curso uma anlise qualitativo-interpretativista

    Apresentaremos nas prximas subsees, num primeiro momento, excertos extrados

    das narrativas escritas das professoras participantes. Logo depois, na tentativa de observar se

    houve reflexos ao final do curso, traremos, para fins de anlise, alguns excertos retirados dos

    questionrios abertos respondidos pelas participantes. Esse caminho nos propiciar subsdios

    para contemplar a pergunta que norteia esta dissertao.

    importante salientar que os excertos retirados do questionrio 1 foram colhidos antes

    do incio do curso, e do questionrio 2, ao final do curso, e que todos os excertos utilizados

    foram transcritos integralmente, sem qualquer tipo de alterao ou adaptao, e por esse

    motivo pequenos erros podero ser encontrados.

    5 As caractersticas do curso esto descritas no item 2.5, intitulado Trajetrias da pesquisa.

  • 46

    3.2.1 Ana

    Tive meus primeiros contatos com o ensino de lnguas no centro de extenso da Universidade Federal

    de Ouro Preto. Eram oferecidos apenas cursos de ingls e, inicialmente, eu tive duas turmas de

    crianas e sempre contava com o apoio de uma professora, que inclusive fez mestrado na UnB. Essas

    duas turmas foram as primeiras e a experincia foi muito valiosa. Nunca me imaginei sendo

    professora. Pensava em ser tradutora, mas como no me identifiquei com a traduo, e senti-me

    extremamente apaixonada pelo ensino e aprendizagem de lnguas, dei incio a uma caminhada nesse

    universo. No segundo semestre do mesmo ano, fui convidada por outro professor a ter duas turmas de

    adolescentes/adultos! Fiquei mais motivada ainda. Concomitante ao ensino de lnguas, interessei-me

    em fazer pesquisa! Entrei num grupo de estudos de crenas, o que contribuiu enormemente para a

    minha carreira! As discusses eram muito valiosas e ricas. Na universidade ainda, tive uma

    experincia com o ensino de lnguas que considerei e ainda considero MARAVILHOSA. A disciplina

    que fiz era Gramtica Comunicativa II e como avaliao processual tnhamos que ministrar aulas em

    uma escola pblica de um bairro de classe social e econmica menos favorecida. ramos um grupo de

    quatro alunas e a professora. Uma das alunas questionou: Nossa isso no d certo! Ahhhh, mas no final ela me disse: Nossa que bacana! Ensinar assim d mesmo certo! A experincia foi to significativa para os alunos que eles queriam mais aulas desse tipo, que visam o desenvolvimento da

    competncia comunicativa. Essa situao me estimulou a querer saber mais sobre questes subjacentes

    ao ensinar/aprender lnguas, por isso resolvi fazer mestrado! Quero muito fazer a diferena na sala de

    aula. Eu ainda fui professora de um cursinho livre em Mariana/Ouro Preto - MG. Revoltava quando

    no tinha espao para usar minha criatividade, por isso resolvi ministrar algumas aulas de conversao

    porque no tinha que seguir nenhum mtodo. Era um momento de interao entre os alunos e eu, fonte

    de aprendizagem vicria. Fiquei na escola por quatro anos, at eu vir para Braslia. Muito me revoltava

    tambm as atitudes das professoras com relao avaliao (tema que eu AMO)! Um deles disse: Os alunos no repetem a frase, a eu disse que quem decorasse teria um ponto na nota final. (OMG!!!) Sem contar que as provas escritas eram totalmente gramaticais. No sou contra o ensino da gramtica,

    apenas tenho a opinio de que ela pode ser trabalhada de forma diferente, sendo + comunicativa!

    Excerto 1: Questionrio 1

    Conforme podemos observar no excerto 1, Ana teve o despertar para o ensino de LE

    ao ter suas primeiras experincias educacionais em um programa de extenso voltado para a

    formao inicial de professores de lnguas, o que a motivou a ingressar na pesquisa cientfica

    na esfera acadmica. O que gostaramos de realar neste excerto a crena de que no se

    aprende ingls na escola pblica, revelada por uma das alunas colega de Ana, que no

    acreditava ser possvel ensinar ingls nesse contexto. No entanto, observamos que aps a

    experincia educacional que vivenciou, a colega de Ana viu essa crena ressignificar-se:

    Nossa que bacana! Ensinar assim d mesmo certo!. Isto corrobora o que postula Miccoli

    (2010) quando afirma que as experincias podem moldar as nossas crenas e aes em sala de

    aula.

    No que se refere ao desenvolvimento de sua competncia comunicativa, veja como

    Ana nos relata sua experincia

  • 47

    Fiz uns nove anos de ingls no CCAA e durante a universidade eu cursei muitas disciplinas que

    eram ministradas em ingls e nas quais tnhamos que discutir sobre os mais variados temas, dentre

    eles: cinema, literatura, gramtica, leitura, etc. Eu tambm fui aos E.U.A, foi uma experincia muito

    boa e enriquecedora. Quando viajei pra l, j sabia me comunicar na lngua! Acredito que meu

    desenvolvimento oral se deu tambm, em boa parte, quando ministrava aulas de ingls.

    Excerto 2: Questionrio 1

    Conforme podemos observar o excerto 2, Ana atribui a trs fatores o desenvolvimento

    de sua proficincia oral: a) experincia educacional obtida em um curso de livre de lnguas e

    tambm na universidade; b) vivncia em um pas falante da L-alvo, nesse caso, os Estados

    Unidos; e c) a sua experincia como docente.

    Vejamos o que nos diz Ana quando lhe perguntamos (antes do incio do curso) como

    se sentia ao ter de dar orientaes sobre pronncia/entonao da lngua ensinada ou mesmo ao

    ter de conduzir o tratamento de erros dessa natureza cometidos por seus alunos em sala de

    aula

    Eu j fiz duas disciplinas: uma de fontica e outra de fonologia na universidade. Nossa, tive uma base

    terica muito boa, que me ajudou a dar orientaes aos meus alunos. Aconteceu uma histria

    engraada!! (pelo menos eu acho). Certo dia comentei com um colega meu de trabalho o tanto que as

    disciplinas supracitadas estavam me oferecendo subsdios para a minha prtica! Mas ele fez o seguinte

    comentrio: Nossa, pra que isso? Acho bobeira! Eu fiquei pasma!! S que hoje posso dizer que um amante da fontica e fonologia. Ele at teve projeto de iniciao cientfica nessa rea e atualmente est

    fazendo uma disciplina isolada do mestrado na UFMG.

    Excerto 3: Questionrio 1

    A partir da anlise do excerto 3, podemos afirmar a professora Ana atribuiu um grande

    valor s disciplinas voltadas Fontica e Fonologia. No entanto, conforme podemos observar

    neste mesmo excerto, um de seus colegas de trabalho no atribuiu esse mesmo valor: Nossa,

    pra que isso? Acho bobeira!. Esse exemplo mostra que este professor refletia/refratava uma

    crena de que os estudos da fontica e fonologia no traziam benefcio algum ao professor,

    que com o tempo passou por um processo de reflexo crtica, que fez com que ele a

    ressignificasse, visto que o referido colega passou a engajar os seus estudos e pesquisas neste

    campo de investigao. Isto nos faz hipotetizar sobre a importncia dos cursos de formao

    inicial e continuada inserirem os professores em (trans)formao em um processo crtico-

    reflexivo (SILVA, ROCHA & SANDEI, 2005), conscientizando-os do complexo processo

  • 48

    que o de ensinar-aprender (ALMEIDA FILHO, 1993) e de (trans)formar professores de

    lnguas (GIL & VIEIRA-ABRAHO, 2008).

    Observe o que ela nos fala antes do curso especificamente em relao ao tratamento de

    erros em sala de aula

    Com relao correo dos alunos, inicialmente eu os corrijo, principalmente se o erro causa

    problemas na comunicao. As vezes eu fazia anotaes e no final da aula eu dava um feedback para a

    turma toda. Gostava muito de trabalhar com minimal pairs e tambm, quando lembrava, contava umas histrias engraadas que envolveram erros de pronncia.

    Excerto 4: Questionrio 1

    A noo de que o aluno deve ser corrigido principalmente se o erro causa problemas

    na comunicao reflete o que pensam muitos comunicativistas que vem problemas na

    comunicao de forma muito restrita. Que estes erros devem ser tratados, no h dvida.

    Mas ser que s esses erros merecem a nossa ateno enquanto professores? Pensamos que

    no. E Bruna parece pensar da mesma forma, j que usa o advrbio principalmente.

    Ana uma professora que, conforme corrobora seu currculo Lattes, frequentadora

    assdua de conferncias e minicursos para professores. Adepta do comunicativismo (fato que

    fica bvio ao analisarmos os outros instrumentos de coleta), ela mostra grande interesse em

    crescer, e se dedica para que isso ocorra. Porm, observamos que seu discurso vem sempre

    acompanhado de um eco de outras vozes. Ela procura reproduzir o que mais comumente

    aceito, talvez para que se sinta atualizada, alinhada com a tendncia majoritria de prestgio (o

    mainstream). Por isso a ressalva em principalmente quando o erro causa problemas na

    comunicao e mais adiante no excerto 5, quando diz No entanto se mantivermos a

    mentalidade de que a pronncia no importante seremos menos aliengenas! [mas] Na

    minha opinio, a pronncia uma ponte para saber se comunicar oralmente.

    Tambm no excerto 4, Ana faz referncias histrias engraadas envolvendo

    pronncia que conta a seus alunos. Essas histrias mostram o quo interessante o assunto e

    como podemos facilmente despertar nos alunos a vontade de se aventurar por esses caminhos.

    Aps o curso, veja o que Ana nos diz ao responder novamente a mesma pergunta

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    Caramba!! Hoje me sinto uma pessoa/professora 80% segura, pois acredito que esse curso foi o

    primeiro de uma longa caminhada, pois nunca estarei completamente preparada. Acredito que poderei

    corrigir meus alunos com mais plausibilidade.

    Excerto 5: Questionrio 2

    O entusiasmo de Ana se reflete na escolha da primeira palavra de sua resposta:

    Caramba!!. Ela traz tambm sua segurana medida em p