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0 FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA TRICORDIANA DE EDUCAÇÃO Decretos Estaduais n.º 9.843/66 e n.º 16.719/74 e Parecer CEE/MG n.º 99/93 UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRÊS CORAÇÕES Decreto Estadual n.º 40.229, de 29/12/1998 Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão CORPO E DISCURSO NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA Três Corações 2008

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FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA TRICORDIANA DE EDUCAÇÃO Decretos Estaduais n.º 9.843/66 e n.º 16.719/74 e Parecer CEE/MG n.º 99/93

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRÊS CORAÇÕES Decreto Estadual n.º 40.229, de 29/12/1998

Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão

CORPO E DISCURSO NO ENSINO DE

LÍNGUA INGLESA

Três Corações 2008

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KARINA LÚCIA NISHIYAMA

CORPO E DISCURSO NO ENSINO DE

LÍNGUA INGLESA

Dissertação apresentada à Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR como parte das exigências do Programa de Mestrado em Letras, área de concentração Linguagem, Cultura e Discurso, para obtenção do título de Mestre.

Orientador

Prof. Dr. José Guillermo Milán-Ramos

Três Corações 2008

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Aos meus pais, Roberto e Eva.

A todas as pessoas que estiveram envolvidas, direta e indiretamente.

OFEREÇO

À amiga Vera e ao noivo Hercules.

DEDICO

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por dar-me força nesta conquista.

Aos meus pais e ao meu noivo, pelo apoio e incentivo para vencer mais esta etapa.

Aos meus irmãos Gisele e Everton, por tolerarem os momentos de stress.

Ao orientador, Dr. José Guillermo Milán-Ramos, pelos ensinamentos passados, pela amizade,

pela compreensão e pela brilhante e firme orientação.

À amiga Vera, pelas palavras de incentivo e ajuda nos momentos de fraqueza.

À Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR) pela acolhida.

A todos os colegas do mestrado e aos brilhantes professores mestres.

A todos que, de alguma forma, contribuíram para o meu êxito profissional.

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SUMÁRIO

Página

RESUMO........................................................................................................................... 9

ABSTRACT...................................................................................................................... 10

ANEXOS ……………………………………………………………………………… 11

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 12

1.1 Por que corpo e discurso no ensino de língua inglesa?............................................ 12

1.2. Uma pesquisa em análise do discurso...................................................................... 14

2 COMUNICAÇÃO........................................................................................................ 17

2.1 A Teoria da Informação: comunicação como transmissão de unidades mínimas

de informação.................................................................................................................... 18

2.2 O ponto de vista psicologista: comunicação e intenção........................................... 21

2.3 Jakobson: informação, linguagem e comunicação.................................................. 22

2.4 A (não) redução da linguagem à comunicação....................................................... 25

2.5 A “competência comunicativa” de Dell Hymes....................................................... 28

2.6 A competência social de Goffman ............................................................................ 29

2.7 Comunicação e interação social................................................................................ 31

2.8 A visão da Análise do Discurso sobre o problema da comunicação...................... 32

3. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E CORPO NOS MÉTODOS DE ENSINO

DE SEGUNDA LÍNGUA ................................................................................................ 33

3.1 Gramática-Tradução ................................................................................................. 34

3.2 Audiolingual ............................................................................................................... 39

3.3 Comunicativo ............................................................................................................. 48

3.3.1 Dos anos 70 aos 90 .................................................................................................. 53

3.3.2 Anos 90 em diante ................................................................................................... 54

4 A QUESTÃO DO CORPO E A DISCURSIVIDADE ............................................... 57

4.1 A análise do discurso e a questão do corpo ............................................................. 57

4.1.1 Althusser e Haroche: corpo e ritual ...................................................................... 57

4.1.2 Maingueneau: ethos, cenografia, tom, caráter e corporalidade ......................... 59

4.1.2.1 Cenografia............................................................................................................. 60

4.1.2.2 Tom........................................................................................................................ 61

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4.1.2.3 Caráter e corporalidade....................................................................................... 62

4.1.2.4 Incorporação......................................................................................................... 62

4.1.3 Orlandi: a inscrição no corpo................................................................................. 63

4.1.4 Pêcheux: imagem, corpo e sujeito pragmático ..................................................... 65

4.2 Análise de slogans e de “cenas enunciativas”.......................................................... 67

4.2.1 Slogans ..................................................................................................................... 71

4.2.2 O utilitarismo e o hedonismo em algumas “cenas enunciativas” nas lições de

inglês ................................................................................................................................. 74

4.2.2.1 O ethos e os rituais ............................................................................................... 75

4.2.2.2 Assujeitamento e mito continuísta empírico-subjetivista ................................ 77

4.2.3 Uma observação sobre um texto teórico................................................................ 83

5 CONCLUSÕES.............................................................................................................. 85

5.1 Comunicação, métodos de ensino, e o corpo na AD: subsídios para uma análise 85

5.2 Alguns pontos para o debate..................................................................................... 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 99

ANEXOS........................................................................................................................... 103

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Página FIGURA 1 Canal de comunicação................................................................................ 19

FIGURA 2 Comunicação verbal .................................................................................... 23 FIGURA 3 Funções da linguagem ................................................................................. 24 FIGURA 4 Disposição dos alunos em sala de aula seguindo o método gramática-

tradução........................................................................................................ 38

FIGURA 5 Princípios de aprendizagem segundo o método audiolingual...................... 42 FIGURA 6 Disposição dos alunos numa sala de aula que segue o método

audiolingual ................................................................................................. 47

FIGURA 7 Disposição dos alunos em sala de aula seguindo o método comunicativo.. 55 TABELA 1 Elementos temáticos e Recortes discursivos ............................................... 74 TABELA 2 Mito continuísta empírico-subjetivista (MCES) ......................................... 79

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RESUMO

NISHIYAMA, Karina Lúcia. Corpo e discurso no ensino de Língua Inglesa. 2008. 117p. (Dissertação – Mestrado em Letras). Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR – Três Corações – MG1 Baseando-nos no ponto de vista da Análise do Discurso de linha francesa de Michel Pêcheux, realizamos um trabalho de análise com um corpus de livros didáticos que utilizam o método comunicativo de ensino de línguas e de slogans de publicidade de uma escola de língua inglesa que utiliza o referido método. Na nossa análise, tentamos focar a questão do corpo (a representação do corpo, a experiência do corpo) no ensino de línguas, e em particular no método comunicativo. Para sustentar nossa análise, realizamos um estudo crítico sobre os múltiplos significados da palavra “comunicação”, fizemos um percurso pelos métodos que precederam o comunicativo e realizamos uma busca sobre os subsídios teóricos que, na referida linha de Análise do Discurso, poderiam nos ajudar a abordar a questão do corpo. Na própria análise, tentamos estabelecer relações entre o corpo e sua materialidade na cena dos rituais que constituem a materialidade da ideologia. De um modo preliminar, sustentamos que a inscrição ideológica do corpo que subjaz ao método comunicativo de ensino de línguas se articula a partir da injunção de duas discursividades superpostas e complementares: o discurso “utilitarista-instrumentalista” sobre o corpo, baseado no saber bio-médico, no vitalismo e no higienismo - articulados com as disciplinas que fazem parte do saber científico e pedagógico sobre o corpo – e o discurso “hedonista-sensível” sobre o corpo, atento às novas exigências do mercado do consumo, que promove “o uso dos prazeres”, a “qualidade de vida”, um certo “produzir-se como sujeito”, uma “restauração da imagem do eu”. Palavras-Chave: método comunicativo, comunicação, análise do discurso, corpo

1 Orientador: José Guillermo Milán-Ramos - UNINCOR

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ABSTRACT NISHIYAMA, Karina Lúcia. Body and discourse in the English language teaching. 2008. 114 p. (Dissertation – Master in Letras). Universidade Vale Rio Verde - UNINCOR, Três Corações - MG2

Based on the Discourse Analysis following the French stream from Michel Pêcheux we carried out an analysis with a corpus of didactic books that uses the communicative approach of language learning and slogans from an English school which uses the communicative approach method. In our analysis, we have tried to focus on the body question (the representation of the body, the experience of the body) in the language teaching, and particularly in the communicative approach. In order to support our analysis, we perceived a critical study on the multiple meanings of the word "communication"; we traveled through the methods that preceded the communicative method and we have done a research on the theoretical subsidies that, in the related Discourse Analysis stream, could help us with the body question. In the analysis itself, we tried to establish relations between the corpus and its materiality in the scene of the ritual that constitutes the materiality of the ideology. In a preliminary way, we support that the ideological registration of the body that undergoes the communicative approach of language teaching articulates from the injunction of two protruding complementary discursiveness: the "utilitarism-instrumentalism" speech on the body, based on biomedical knowledge, the vitalism and the hygienism - articulated with the discipline which are part of scientific and pedagogical knowledge on the body - and "the hedonism-sensible" speech body, attentive to the new requirements of the market that promotes "the use of pleasure", the "quality of life", "to produce itself as subject" a "restoration of the self image". Key-words: communicative approach, communication, speech analysis, body

2 Guidance: José Guillermo Milán-Ramos

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ANEXOS

Página ANEXO 1 Slogans de campanha - CNA ................................................................ 103 ANEXO 2 Texto para análise – Comunidades minoritárias/ diferentes ............. 105 ANEXO 3 Texto para análise – Etnias diversas .................................................... 106 ANEXO 4 Texto para análise – Moda “Fashion” ................................................. 107 ANEXO 5 Texto para análise – Remédios caseiros............................................... 108 ANEXO 6 Texto para análise – Regras de comportamento ................................. 109

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INTRODUÇÃO

No contexto da Análise do Discurso de linha francesa – originado no trabalho de

Michel Pêcheux – realizamos uma análise de: (i) livros didáticos usados em sala de aula por

professores que seguem o método comunicativo de ensino de línguas; e (ii) alguns slogans

propagandísticos de uma academia de línguas que trabalha de acordo com esse método. Na

nossa análise visamos, sobretudo a questão da representação do corpo no referido ambiente

pedagógico. Interessados, então, na questão do corpo no ensino de línguas, fizemos um estudo

crítico sobre os múltiplos sentidos da palavra “comunicação” – presente no próprio nome do

referido método, alvo de nossas pesquisas (capítulo 2). Em seguida, no capítulo 3, tentamos

relacionar esse percurso com as concepções de linguagem e corpo dentro dos métodos de

ensino de língua inglesa, a fim de buscar neles um ponto de apoio inicial para nossa análise e

reflexão.

Sustentamos, de forma preliminar, que a inscrição ideológica do corpo que subjaz o

método comunicativo se articula a partir do discurso utilitarista-instrumentalista (baseado no

saber bio-médico, no vitalismo e higienismo) e no discurso hedonista-sensível, em sintonia

fina com as necessidades de consumo e as injunções de gozo do mercado capitalista

globalizado. Procuramos trabalhar, entre outras questões: a “redução” do corpo a um objeto

de conhecimento; o funcionamento ideológico denominado por Pêcheux (1975) mito

continuísta empírico-subjetivista – a articulação do particular (sensível) com o universal

(especulativo) criando uma ilusão de singularidade –; e a noção de “corpo ideológico” ligada

à problemática da interpelação/ assujeitamento.

1.1. Por que corpo e discurso no ensino de língua inglesa?

O ensino de línguas estrangeiras ganhou um renovado impulso logo após a Segunda

Guerra Mundial, primeiramente como instrumento estratégico de guerra – saber/dominar a

língua dos inimigos e dos aliados. Mas aprender línguas estrangeiras também foi se definindo

como uma necessidade para as “comunicações” no mundo capitalista globalizado, ou como

uma condição sine qua non para o sucesso individual e profissional, ou também como um

complemento “cultural” – mais um recurso de prazer.

Datada do século 5 d.C., a língua inglesa nasceu onde hoje é a Grã-Bretanha –

invadida por diversos povos (por ser considerada terra fértil e produtiva) resultou numa

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multiplicidade e uma influência lingüística variada. Os saxões (anglo-saxões) foram os

responsáveis pela introdução do latim no vocabulário da língua inglesa por terem contato com

os Romanos. Porém, apenas as cidades “aderiram a esta latinização”; os camponeses não

tiveram, na época, muito contato com a cultura romana. Em 1066, Guillerme, o Normando

(descendente dos Normandos, conhecido como povo Viking), torna-se rei da Inglaterra e o

inglês é “banido” em função da língua francesa. Três línguas, portanto, são encontradas em

território inglês – o latim, o francês e o inglês, sendo este considerado a língua das camadas

pobres. Influenciado pelos Normandos (que falavam uma mistura de Norueguês com Francês)

a língua evoluiu e hoje é uma língua falada e usada mundialmente.

O inglês chega ao Brasil em 1809 pelo decreto assinado por D. João VI com objetivos

imediatos de comércio e tráfico, devido às “boas” relações entre portugueses e ingleses. A

inclusão do inglês nos currículos escolares data de 1837 quando um Seminário, chamado

Seminário de São Joaquim, torna-se Imperial Colégio de Pedro II. Na década de 1930 um

grande interesse pelo aprender a língua impulsiona o inglês e este passa a ter grande

importância no Brasil3.

Ao longo de todo esse tempo, o estudo de língua inglesa sofreu várias mudanças tanto

no aspecto curricular quanto na maneira de ensinar. Alguns aspectos pedagógicos começaram

a ser cogitados, como considerar o “aspecto social” da língua e a prática da “interação” em

sala de aula, aparecendo como um terreno fértil para as pesquisas na área, que se multiplicam

hoje na encruzilhada dos estudos “aplicados” de inspiração funcionalista, pragmática e/ ou

discursiva. Nesse ambiente, o método comunicativo contribuiu para construir a imagem de

uma língua inglesa carregada, plena de “funções” – sociais comunicativas... - e as pesquisas

foram desenvolvidas pelos pesquisadores.

Ao iniciar a carreira profissional como professora de língua inglesa, antes mesmo da

graduação em Letras, algumas questões levantadas em relação aos métodos de ensino

deixavam-me sem respostas. Eu me “apropriei” do debate corriqueiro no âmbito do ensino de

línguas: qual é a via para um ensino mais eficaz de língua, a ênfase na forma ou a ênfase na

função; o que fazer quando se percebe que o aluno não aprende porque o método não o

satisfaz; como lidar com a questão das diferenças em sala de aula; como aguçar o aluno para

fazê-lo falar mais; por que a disposição dos alunos dentro da sala de aula deve ter o formato

3 O país percebe a necessidade de começar a ensinar línguas estrangeiras. Em 1935, o Brasil firma acordo com o Consulado Britânico nascendo os primeiros institutos de língua.

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que tem (ver, por exemplo, Savignon 1997); e alguns outros questionamentos tiveram

importância antes de pensar em fazer mestrado e procurar respostas.

A responsabilidade em lecionar a disciplina de língua inglesa, primeiramente em

cursos livres de idiomas (1999) e, depois, simultaneamente, colégios regulares de ensino

fundamental e médio (2003), fizeram aumentar os questionamentos a respeito não só, dos

métodos de ensino de língua inglesa, como também a respeito do “assujeitamento” do

aprendiz e seu “corpo” pelos discursos circulantes em sala de aula.

As questões iniciais então foram deslocadas, transformadas, quando, mais tarde,

comecei com minha experiência de aluna no mestrado e no estudo de Análise do Discurso.

Novos questionamentos também surgiram em função de tal experiência: questões gerais - a

respeito da problemática da ideologia, do discurso, do assujeitamento – e também questões

mais específicas: como se dá o assujeitamento ideológico no ensino de língua inglesa; como o

corpo se inclui nesse cenário educativo; porque esse assujeitamento acaba por transformar a

cena em ritual; como as questões de corpo, oralidade e comunicação acontecem no cenário de

sala de aula; como os materiais didáticos “resolvem” essas questões; quais críticas podem ser

feitas quanto aos métodos de ensino, etc.

1.2. Uma pesquisa em análise do discurso

Quando falamos em Análise do Discurso de linha francesa devemos pensar na

influência do discurso dominante4 na França dos anos 60 e 70. A AD começa a ganhar forma

com Pêcheux e sua Análise Automática do Discurso (AAD-69). Na discussão em torno da AD

“[tratava-se] de pensar a relação entre o ideológico e o lingüístico, evitando, ao mesmo

tempo, reduzir o discurso à análise da língua e dissolver o discursivo no ideológico”

(CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2006, p. 202).

A questão central da AD nos anos 60 e 70 é a questão da ideologia. Para Althusser,

filósofo marxista, o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia, ou seja, o indivíduo

torna-se sujeito pela ideologia. Diz Althusser (1970, apud Charaudeau e Maingueneau 2006):

Como todas as evidências, incluídas as que fazem com que uma palavra ‘designe uma coisa’, ou ‘tenha uma significação’ (logo, incluídas as evidências da

4 Em CHARAUDEAU e MAINGUENEAU (2006, p. 202) encontramos no verbete discurso: “O núcleo dessas pesquisas foi o estudo do discurso político conduzido por lingüistas e historiadores com uma metodologia que associava a lingüística estrutural a uma ‘teoria da ideologia’, simultaneamente inspirada na releitura da obra de Marx pelo filósofo Louis Althusser e na psicanálise de Lacan”.

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‘transparência’ da linguagem), essa evidência de que você e eu somos sujeitos – e que isso não é um problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar.

Para realizar a articulação da dimensão ideológica com a materialidade lingüística, o

conceito de formação discursiva é crucial. Introduzida inicialmente por Foucault,5 o conceito

foi acolhido por Pêcheux. Em CHARAUDEAU e MAINGUENEAU (2006, p. 241) vemos

que “[é] nas formações discursivas que se opera o ‘assujeitamento’, a ‘interpelação’ do

sujeito como sujeito ideológico.” Esse conceito é mais tarde revisto por Pêcheux, pois aparece

ligado ao interdiscurso6: “Uma formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, já

que ela é constitutivamente ‘invadida’ por elementos provenientes de outros lugares (...) que

nela se repetem, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais” 7. Para Pêcheux

(1975, p. 172) formação discursiva é “[um] espaço de reformulação-paráfrase onde se

constitui a ilusão necessária de uma ‘intersubjetividade falante’ pela qual cada um sabe de

antemão o que ‘outro’ vai pensar e dizer..., e com razão, já que o discurso de cada um

reproduz o discurso do outro (...)”

A interpelação do sujeito pela ideologia se produz a partir de processos identificatórios

do sujeito com a formação discursiva que o determina/ constitui. Assim:

Podemos agora precisar que a interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é constituído como sujeito): essa identificação, fundadora de unidade (imaginária) do sujeito, apóia-se no fato de que os elementos do interdiscurso (sob sua dupla forma (...) enquanto “pré-construído” e “processo de sustentação”) que constituem, no discurso do sujeito, os traços daquilo que o determina, são re-inscritos no discurso do próprio sujeito. (PÊCHEUX, 1975, p.163)

Esse nível de reflexão teórico-epistemológico e metodológico que Pêcheux

desenvolvia sobre questões ideológicas chamou a nossa atenção e nos permitiu realizar uma

aproximação à problemática do ensino de línguas, e, em particular, ao método comunicativo.

Trabalhando essa questão, descobrimos que Pêcheux desenvolveu algumas reflexões

específicas sobre a problemática da comunicação, e que a relacionou com uma noção de não-

comunicação (ver capítulo 2), no contexto do papel crucial que ele adjudica, no próprio

5 Foucault fala de formação discursiva em “A Arqueologia do Saber”. 6 Interdiscurso, em principio, pode ser compreendido como as “relações de força” de um discurso com outros discursos. Esse “discurso” no interdiscurso é considerado em Charaudeau e Maingueneau (2006, p.172): “o discurso não adquire sentido a não ser no interior de um universo de outros discursos, através do qual ele deve abrir um caminho. Para interpretar o menor enunciado, é preciso colocá-lo em relação com todos os tipos de outros, que se comentam, parodiam, citam...” 7 PÊCHEUX (1983, p.297) apud CHARAUDEAU e MAINGUENEAU (2006, p.241)

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funcionamento da língua, ao equívoco. Em princípio, nos perguntamos: que pode acontecer se

passamos pelo “crivo” da Análise do Discurso a noção de “comunicação” que sustenta o

método comunicativo? Outro foco de nosso interesse, a questão do “corpo” em sala de aula,

nos suscitou um questionamento similar.

O equívoco precede a descrição do discurso e sua interpretação, onde:

(...) todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro. (...) Todo enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. (PÊCHEUX, 1997, p.53-54)

O desafio para o analista do discurso é encontrar o lugar, o ponto da interpretação

onde o discurso se encontra, isto é, decidir o ponto no qual seu gesto de interpretação vai

“fixar” o discurso. Por isso, o termo “comunicação” teve que ser elaborado em nosso trabalho,

primeiramente, como uma série de definições, que, introduzidas na técnica de leitura da

Análise do Discurso – no bate e rebate entre descrição e interpretação – se transformou em

matéria de equívoco. Para nós, encontrar o lugar de uma série de interpretações – as várias

derivas do significante comunicação –, isto é, perceber que ela já se constitui em equívoco, foi

o primeiro passo para entender a ótica da Análise do Discurso.

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CAPÍTULO II

COMUNICAÇÃO

No presente capítulo procuramos subsídios para uma crítica da noção de comunicação

presente no “método comunicativo”, método este que propõe desenvolver a linguagem através

da “comunicação”, deslocando o foco na forma para o foco na função.8

O termo “comunicação” tem diversas acepções. Várias teorias incorporam ou

desenvolvem uma noção de comunicação, desde a Teoria da Informação, passando pelos

pontos de vista psicológicos sobre comunicação (com ênfase na noção de “intenção” ou

“intenção comunicativa”) até as concepções que fazem da comunicação um aspecto da

interação social.

O verbete communication, em HOUDÉ et al. (2003) permite captar essa

multiplicidade. Segundo a neurociência (KOENIG, 2003), comunicação refere-se à

transmissão de informação de um lugar para outro em dois níveis – transmissão de

informação pelos neurônios e transmissão de informação pelos subsistemas cognitivos do

cérebro (rede neural).

Na perspectiva da psicologia, Nadel (2003, p.58-59), existem divergências de opinião

quanto à definição de comunicação humana. “Alguns aceitam a definição que compara

‘comunicação’ com todas as formas de interação entre os organismos vivos, independente de

seu nível e forma. Neste caso, a comunicação pode ser química, sensorial ou codificada

(...)9”.

De um ponto de vista psicológico mentalista – isto é, das teorias psicológicas que

propõem níveis de representação especificamente mentais – a noção de comunicação vem

associada com a noção de “intenção” de comunicação. Vejamos o que FODOR (1976, p.64)

diz a respeito desse ponto de vista:

Se o que eu escolho dizer depende do que eu quero, do que eu creio e, sobretudo, do que eu creio serão as conseqüências do que eu disser, então a falta de tais teorias [como as utilidades são formadas e exploradas e sobre o modo como as provas afetam as crenças] tornará normalmente impossível a previsão de comportamentos voluntários, como a verbalização. (...) Se pensarmos que uma vasta e complicada estrutura cognitiva está rotineiramente implicada na análise perceptual, então é bem provável que queiramos uma teoria psicológica que atribua ao

8 Falaremos de “foco na forma” e “foco na função” no próximo capítulo quando desenvolvemos a respeito do método comunicativo. 9 Tradução minha do verbete communication em Psychology de NADEL (2003, p.58-59): Some authors accept an extensive definition that likens communication to all forms of interaction between living organisms, irrespective of their level or form.

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organismo um correspondente sistema elaborado de estados internos que operem como mediadores no uso dessa estrutura. Analogamente, se pensarmos que, no decurso de suas atividades normais, o organismo determina as suas respostas, não como uma conseqüência de associações mecanicamente acopladas aos estímulos mas como função de estimativas de utilidade provável, então iremos querer atribuir ao organismo os apropriados mecanismos psicológicos para a elaboração de tais estimativas. Num caso ou outro, resulta que os estados e operações mentais do organismo é que constituem o objeto primordial do inquérito psicológico, não o comportamento manifesto do organismo.

Depois, Claude Shannon e Warren Weaver (que desenvolveram a Teoria da

Informação) propuseram um modelo de comunicação em que “a mensagem advinda de uma

fonte é codificada como um sinal e então transmitida por um canal para o seu destino, onde o

sinal recebido era decodificado.” 10

Nos anos de 1960, a Inteligência Artificial direciona “a questão da comunicação sob

os termos de homem-máquina onde o usuário humano interage com um sistema automático.

A inteligência artificial empenha-se para fazer com que esse tipo de interação seja tão

natural e eficiente quanto possível.” 11

2.1 A Teoria da informação: comunicação como transmissão de unidades mínimas de

informação

A Teoria da Informação, ou também conhecida como Teoria da Comunicação e Teoria

da Informação e da Comunicação surgiu da necessidade de se multiplicarem as tecnologias de

informação bem como decodificar as mensagens dos inimigos de guerra. Durante a Primeira

Guerra Mundial e logo após a Segunda Grande Guerra, percebeu-se a necessidade de se

estudar a respeito da transmissão da informação e dos problemas causados pela perda na

transmissão dessa informação; visto que a comunicação era vital.

Essa teoria tem como idealizadores Claude Shannon 12 e Warren Weaver 13. No início,

o interesse dessa teoria era o de medir a quantidade de informação e não, a qualidade da

mesma. Ela surge segundo GARDNER, (1987, p.37) quando Shannon “observou que poderia

10 Em CHARAUDEAU e MAINGUENEAU (2006, p. 202): a message coming from a source is encoded as a signal and then transmitted via a channel to a destination, where the received signal is decoded. 11 (Idem referência 8): Artificial intelligence (AI) addresses the question of communication in terms of man-machine communication in which a human user is interacting with an automated system. It strives to make this type of interaction as natural and efficient as possible. 12 Shannon, Claude Elwood – matemático, engenheiro e cientista da computação americano, nasceu em Petoskey, Michigan em 1916. Graduado pela Universidade de Michigan, mestre e doutor pelo Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT). 13 Weaver, Warren – matemático e cientista americano, nasceu em Reedsburg, Wisconsin em 1894. Graduado pela Universidade de Wisconsin-Madison em engenharia civil e matemática.

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se utilizar dos princípios da lógica para descrever os estados das chaves eletromagnéticas.

Em sua tese de mestrado, Shannon sustenta que os circuitos elétricos poderiam abarcar

operações fundamentais do pensamento” e logo depois, em 1948 com a colaboração de

Weaver, estabelecem os fundamentos da Teoria da Informação. O estudo foi feito em função

da quantidade/ taxa de informação que uma mensagem transmitia. Segundo PIGNATARI

(1968, p.16), importava nessa teoria “a medida do conteúdo de informação, ou melhor, do

teor ou taxa de informação. (...) [que] é uma propriedade ou potencial dos sinais e está

intimamente ligado à idéia de seleção, escolha e discriminação.” (grifo do autor). Segundo

GARDNER (1987, p.37),

A unidade básica da informação, o bit14 é a quantidade de informação requerida para selecionar uma mensagem entre as alternativas prováveis. Assim, para escolher uma mensagem entre oito alternativas equiprováveis, três pedaços de informação são requeridos: o primeiro limita-se à eleição de oito a quatro alternativas; o segundo se limita de quatro a dois; e o terceiro permite escolher uma dessas alternativas. 15

(grifo do autor).

O objetivo, portanto, não era apenas a quantidade de signos transmitidos, e sim, a

mensagem e seu conteúdo, podendo ser uma mensagem pequena, mas com um grau de

inteligibilidade grande. Para explicar melhor como essa teoria funciona, colocamos abaixo um

diagrama feito por Pignatari (1968) no qual é demonstrado o caminho da comunicação.

F ------ ���� ------ E ------ ���� ------ R ------ ���� ------ D

----------------------------------------- ---------------RUÍDO----------------

FIGURA 1: Canal de comunicação16

O diagrama mostra simplificada e matematicamente como é a transmissão da

mensagem, sendo “F” a fonte, “E” o emissor, “R” o receptor e “D” o destino. Vale elucidar

que na passagem de qualquer um dos pontos do diagrama, o ruído ou barulho podem

14 Bit ou BInary digiT é usado como uma referência ou unidade mínima de medida. 15 Tradução minha de GARDNER (1987, p.37): La unidad básica de información, el bit (acrônimo de binary digit , dígito binario), es la cantidade de información requerida para seleccionar un mensaje entre dos alternativas equiprobables. Así, para elegir un mensaje entre ocho alternatives equiprobables se requieren tres bits de información: el primer bit limit la elección de ocho a cuatro alternativas; el segundo la limita de cuatro a dos; y el tercero permite escoger una de esas dos opcionales. 16 Tomado de PIGNATARI (1968, p.17). Gráfico que ilustra como a comunicação acontece.

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modificar as condições da transmissão da mensagem. Vejamos como o gráfico é interpretado

por Pignatari:

A informação a ser comunicada deve ter uma fonte e um destino distintos no tempo e no espaço, onde se origina a cadeia que os une e que constitui o canal de comunicação. Para que a informação ou mensagem transite por esse canal, necessário se torna reduzi-la a sinais aptos a essa transmissão: esta operação é chamada de codificação e quem ou o que a realiza é o transmissor ou emissor. No ponto de destino, um receptor reconverte a informação à sua forma original, decodificando-a com vistas ao seu destinatário. (...) Mas nenhum sistema de comunicação está isento de possibilidades de erros. Todas as fontes de erros são agrupadas sob a mesma denominação de ruído ou distúrbio. Se a taxa do ruído é baixa, temos possibilidade de obter boa informação; mas, se é grande a possibilidade de erros, também é elevada a taxa de distúrbio, o que reduz a possibilidade de boa informação. (PIGNATARI, 1968, p.17; grifos nossos)

Um dos objetivos do canal de comunicação é, sem dúvida, a transmissão de

informação. Essa transmissão, por sua vez, depende da capacidade de interação de cada um

presente no ato comunicativo. Neste caso, se a transmissão da informação depende da

capacidade de interação de cada um, pode haver ruídos nessa passagem que danifiquem de

alguma maneira a informação causando mal entendidos na mensagem final.

Como dissemos, acima, o termo “informação” sofreu um processo de diversificação ao

longo do tempo. Novas perspectivas e disciplinas o têm usado o termo com significados

diferentes de quando foi cunhado por Shannon na Teoria da Informação. No verbete

information de HOUDÉ et al. (2003), podemos perceber esse processo. Para a neurociência

cognitiva e na psicologia, Decéty e Houdé (2003) mostram que “todo input ou output para ou

dos subsistemas dessa arquitetura funcional é informação.” 17

Já para os cientistas cognitivos, a visão é diferente da teoria de Shannon, pois incluem

componentes semânticos e cognitivos: “estudam como a informação do meio é codificada,

selecionada, organizada, guardada e mantida pelos sistemas sensorial, perceptivo, atentivo e

da memória.” (DECÉTY e HOUDÉ, 2003, p.162) 18

A Teoria da Informação, portanto, reduz e confina qualquer possibilidade ou

fenômeno de “equívoco” à de “ruído”, como uma coisa que deve ser superada e descartada,

17 Tradução minha do verbete information em Neuroscience and psychology de Decéty e Houdé (2003, p.161): all input and output to and from the subsystems of a functional architecture is information. 18 (Idem referência 15): (…) study how information from the environment is encoded, selected, organized, stored, and retrieved by the sensory perceptual, attentional, and memory systems.

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como um “erro” do sistema. Não interessa a ela, portanto, a mensagem em si, mas a

eliminação das dúvidas, dos “equívocos” e dos “ruídos”.

2.2 O ponto de vista psicologista: comunicação e intenção

Antes de falarmos em sujeito intencional, comunicação e interação, faz-se necessária a

delimitação do significado de intenção que está diretamente ligado às palavras

intencionalidade e intencional.

No verbete intentionality de GREGORY (1987, p.481), o termo intencionalidade

refere-se aos estados e eventos mentais. Tanto o termo “intencionalidade” quanto

“intencional” é de uso técnico e não deve ser confundido com o sentido mais familiar de fazer

algo deliberadamente ou com finalidade. O termo foi cunhado na Idade Média e deriva do

verbo latino intendo. Mas foi no século XIX com Franz Brentano19 que o termo foi definido

como sendo a distinção entre o físico e o mental. No mesmo verbete, agora de FERRATER

MORA (1979, p. 1737), e segundo Brentano:

(...) os atos psíquicos têm – ao contrário dos fenômenos físicos – uma intencionalidade, ou seja, se referem a um objeto ou mentem a seu respeito. Todo fenômeno psíquico – escreve Brentano – está caracterizado pelo que os escolásticos da Idade Média chamam de inexistência intencional (ou mental) de um objeto, e que chamaríamos, ou com expressões não inteiramente inequívocas, a referência a um conteúdo, em direção a um objeto ou objetividade imanente. 20

A partir deste ponto buscaremos em alguns autores um modelo de sujeito intencional,

“estrategista”, como em Hymes, Goffman, entre outros.

As opiniões de como acontece a comunicação humana variam sob uma perspectiva

psicologista. Alguns autores ligam comunicação com interação. Outros restringem a

definição de comunicação baseando-se na intenção da comunicação. Segundo NADEL (2003,

p.58) 21, “esta definição é usada na pragmática, onde o ato comunicativo é levado a ser

qualquer ação que carregue significado e que produza um efeito no receptor, com ou sem

19 Franz Brentano (1838-1917): filósofo e psicólogo alemão considerado o fundador do intencionalismo. 20 Tradução minha do verbete intención, intencional, intencionalidade de FERRATER MORA (1979, p. 1737): los actos psíquicos poseen – a diferencia de los fenómenos físicos – una intencionalidad, es decir, se refieren a un objeto o lo mientan. Todo fenómeno psíquico – escribe Brentano – está caracterizado por lo que los escolásticos de la Edad Media han llamado la inexistencia intencional (o mental) de un objeto, y que nosotros llamaríamos, si bien con expresiones no enteramente inequívocas, la referencia a un contenido, la dirección hacia un objeto o la objetividad inmanente. 21 Tradução minha do verbete communication de NADEL (2003, p.58): This narrower meaning is used in communicative pragmatics, where a speech act is taken to be any action carried out by means of language that produces an effect on an addressee, whether intentional or unintentional.

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22

intenção.”. Ainda para Nadel, há vantagens e desvantagens para a primeira definição. A

vantagem de se considerar comunicação como interação está na clareza da intencionalidade

recíproca; a desvantagem “está na dificuldade em se encontrar um critério válido e sem

equívocos para o estabelecimento da intencionalidade das trocas não-verbais, uma que possa

carregar tanto trocas entre indivíduos de espécies não humanas e trocas entre crianças e

pessoas ao redor”. (idem) 22

2.3 Jakobson: Informação, linguagem e comunicação

O Círculo Lingüístico de Praga (CLP, 1925) simboliza a trajetória de Jakobson, “que

chegou à lingüística através da poética” (GADET e PÊCHEUX, 1981, p.105) cuja

preocupação estava voltada para o “domínio dos sons”. Porém,

A contribuição do C.L.P. pode ser considerada como essencialmente contraditória. Por um lado, será uma tentativa de aplicação prática do que havia ficado no plano teórico com Saussure: a reflexão privilegiada sobre o domínio dos sons baseia-se na apreensão da maneira pela qual nasce o sentido na poesia, o que significa que a língua, objeto do lingüista, nunca é separada da língua, objeto da literatura. Por outro lado, ele será uma primeira etapa para a instalação da ordem do sério na lingüística, uma retomada da ideologia da comunicação, à qual ele traz uma garantia científica. (GADET e PÊCHEUX, 1981, p. 106) (grifo nosso)

Jakobson foi trazido para a lingüística “seduzido por um ‘campo que não pertencia a

ninguém’ (Cahiers Cistre), a poesia” (GADET e PÊCHEUX 1981, p. 106), talvez um dos

motivos que o influenciou a trabalhar com as funções da linguagem, pois, no C.L.P. Bühler,

representante ativo do círculo, especificou “uma teoria da linguagem (de natureza

semântica), baseada em funções concebidas como constitutivas da natureza da língua. Ele

distingue, essencialmente, a função de representação, a de expressão e a de apelo.” Será

muito mais tarde que Jakobson trabalhará e desenvolverá as funções da linguagem e,

especificamente, a função poética, mas, a influência de Bühler está:

(...) [na] caracterização da língua como equilíbrio entre o aspecto da intelectualidade e o da afetividade, que se organizam na função de comunicação (voltada para o significado, subdividindo-se em linguagem prática e linguagem de formulação) e a função poética (voltada para o significante). (GADET e PÊCHEUX, 1981, p. 107).

22 Tradução minha do verbete communication de NADEL (2003, p.58): a disadvantage is difficulty finding valid and unequivocal criterion for establishing intentionality in nonverbal exchanges, one that can handle exchanges between individuals in nonhuman species as well as exchanges between young infants and the persons around them.

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23

O C.L.P. foi dissolvido em 1939. Jakobson foi expulso da Europa, quando da entrada

dos nazistas em Praga. Vai para os Estados Unidos e funda, no fim da Segunda Guerra, o

Círculo Lingüístico de Nova York. Nesse momento, Jakobson radicaliza seus pensamentos e

escreve “Sobre o lugar da lingüística nas Ciências Humanas e Sociais: a teoria da

informação, a afasia, a elaboração de uma segunda teoria fonológica que ele organiza com

Fant e Halle, onde suas tendências para uma teoria dos universais se ampliam”. (GADET e

PÊCHEUX, 1981, p. 109). Em 1963, Jakobson, acrescenta outras funções – que achava

necessário para a comunicação e escreve sobre os fatores constitutivos do processo

lingüístico:

CONTEXTO

REMETENTE MENSAGEM DESTINATÁRIO

................................................

CONTACTO

CÓDIGO

FIGURA 2: Comunicação verbal23

O esquema pode ser observado por JAKOBSON (1999, p.123) assim:

O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. (grifos do autor)

Pode-se dizer que na Teoria da Informação, a função predominante era a

metalingüística, pois a ênfase estava colocada no código, na limpeza da transmissão, na

redução da mensagem a um determinado de código binário. Na concepção de Jakobson são

seis os fatores constitutivos da comunicação, podendo haver outras funções como: a emotiva,

ou “expressiva”, centrada no remetente; conativa, centrada no destinatário; fática, centrada no

contato; a poética, centrada na mensagem; a referencial, centrada no contexto e a

metalingüística, centrada no código. Isto, segundo Jakobson, traz como conseqüência que “a

23 Tomado de JAKOBSON (1999, p.123). Gráfico que mostra a comunicação verbal de acordo com a teoria desse autor.

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24

estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante”.

(JAKOBSON, 1999, p.123). Vemos assim que, a cada momento de fala, a função muda

dependendo da intenção de cada uma das trocas comunicativas e seus participantes. Podemos

visualizar o gráfico de acordo com as funções da seguinte forma:

REFERENCIAL

EMOTIVA POÉTICA CONATIVA

................................................

FÁTICA

METALINGÜÍSTICA

FIGURA 3: Funções da linguagem24

As trocas comunicativas e a informação dependem assim, do lugar do participante no

ato da fala. Para tanto, Jakobson deixa claro que:

(...) se o observador estiver situado dentro do sistema de comunicação, será mister compreender que a linguagem apresenta dois aspectos muito diferentes conforme seja vista de uma ou outra extremidade do canal de comunicação. Grosso modo, o processo de codificação vai do sentido ao som, e do nível léxico-gramatical ao nível fonológico, enquanto que o processo de decodificação exibe direção inversa – do som ao sentido e dos elementos aos símbolos. (...) O aspecto probabilístico do discurso encontra insigne expressão na maneira pela qual o ouvinte considera os homônimos, ao passo que, para quem fala, a homonímia não existe. (...) Para o receptor, a mensagem apresenta grande número de ambigüidades onde não havia qualquer equívoco para o emissor. As ambigüidades do trocadilho e da poesia utilizam, para a emissão, esta propriedade da recepção. (JAKOBSON, 1999, p. 80-81) (grifos do autor)

O lingüista traz à tona a questão da ambigüidade e do equívoco talvez numa tentativa

de superação do “ruído semântico” mencionada na Teoria da Informação de Shannon e

Weaver. Sabemos que a comunicação é passível de equívocos, de apagamentos e os ruídos

podem ser inevitáveis dependendo do cenário onde os participantes se encontram. O contexto,

para Weaver, influencia nas condições de produção do significado. A teoria da comunicação

pode medir através de uma escala binária (binary digits) o sistema de categorias gramaticais,

mas talvez não consiga decodificar todos os códigos da comunicação e suas particularidades,

as ambigüidades e os apagamentos.

24 Tomado de JAKOBSON (1999, p.129). Gráfico que mostra a comunicação em relação às funções da comunicação.

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25

2.4 A (não) redução da linguagem à comunicação

No verbete linguagem e comunicação em WILSON e KEIL (1999, p.438), define-se

comunicação como “uma habilidade humana que se refere abstratamente com intenção de

influenciar o pensamento e as ações de outros indivíduos” e, linguagem, é pensada “como

sendo um amplo sistema de comunicação que possui características semelhantes ao sistema

de comunicação dos animais” (idem) 25. Antes, na Teoria da Informação, procurou-se reduzir

a linguagem em unidades de sistemas binários (binary digits) com o objetivo de

reduzir/eliminar o ruído. Comunicação era, assim, sinônimo de transmissão de informação.

Essa idéia de binary digits foi amplamente usada e servia também para explicar a

comunicação dos animais. A fim de diferenciar a linguagem humana e a comunicação animal,

no verbete communication em MOESCHLER (2003, p.88-89) vemos que:

A comunicação animal recai em canais mais amplos, incluindo sinais auditivos, visuais, e olfativos. Os variados sinais que os animais enviam uns aos outros podem ser analisados sob diferentes caminhos, dependendo se eles são ou não considerados intencionais. Mas existe alguma coisa comum a todos os sinais dos animais: eles têm uma e apenas uma interpretação (ou seja, eles são não-ambíguos). 26

Evidencia-se, portanto, que na linguagem humana, diferentemente da comunicação

animal27, existem ambigüidades, interferências, equívocos, etc., e, talvez, seja errado pensar

que a linguagem humana tenha apenas um caráter informativo, como evidencia CHOMSKY

(1971, p.92):

A linguagem humana pode ser usada para informar ou desorientar, para clarificar os pensamentos de uma pessoa, ou para exibir sua habilidade, ou simplesmente por brincadeira. Se falo sem nenhum interesse em modificar o comportamento ou os pensamentos do interlocutor, não estou usando menos a linguagem do que se dissesse exatamente as mesmas coisas com esta intenção. Se esperarmos entender a linguagem humana e as faculdades psicológicas sobre as quais repousa, devemos em

25 Tradução minha de WILSON e KEIL (1999, p.438): (...) human ability to refer abstractly and with intent to influence the thinking and actions of other individuals. (…) the uniquely human part of a broader system of communication that shares features with other animal communication systems. 26 Tradução minha de MOESCHLER (2003, p.88,89): La communication animale passe par dês canaux três divers, depuis lê canal sonore, jusqu’au canal visuel, sans parler du canal olfactif. Lês divers signaux que s’envoient lês animaux sont susceptibles d’analyses différentes, suivant que l’on peut ou non lês considérer comme intentionnels, mais ils semblent généralement avoir pour caractéristique de ne pouvoir donner lieu qu’à une interprétation unique (em d’autres termes, ils ne sont pás ambigus) 27 Benveniste (lingüista estruturalista francês) em Problemas de Língüística Geral I (cap.5- Comunicação animal e comunicação humana) refuta a interpretação behaviorista quando demonstra que a linguagem humana, diferentemente das linguagens das abelhas e de outros animais, não pode ser simplesmente reduzida a um sistema de estímulo-resposta.

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26

primeiro lugar perguntar o que ela é, não como, ou para que fins, é usada. Não há nada de útil para ser dito a respeito do comportamento ou do pensamento no nível de abstração em que a comunicação animal e a humana coincidem.

Os “problemas da comunicação” vão além das definições acima. Elas refletem

amplamente na natureza da linguagem verbal humana.28 Percebe-se, portanto, que

comunicação e linguagem podem ser diferentes na medida em que alguns sistemas

comunicativos podem não ser linguagem verbal, como a dos animais, já citado.

A partir da discrepância entre a linguagem verbal humana e a comunicação animal

começamos a entrever a importância de uma dimensão “além do comunicativo”,

precisamente, aquela que abre para os fenômenos especificamente discursivos. Como se para

falar em discurso, fôssemos obrigados a falar em in-comunicação ou em não-comunicação.

Nas palavras de PIGNATARI (1971, p. 9): “Para haver comunicação, é preciso haver

diferenças (...). As diferenças são o incomunicável, diversos graus. Há graus de

incomunicação, assim como há graus de comunicação (...). Sem o incomunicável, não há

comunicação.”.

Apontando para o modo em que essa dimensão discursiva da linguagem verbal

humana se realiza no modo de produção capitalista, PÊCHEUX (1997, p.26) também faz

referência à oposição “comunicação/ não-comunicação”. De acordo à filiação marxista de

Pêcheux, o conceito de luta de classes é o pano de fundo de sua interpretação. A luta de

classes é o nome do antagonismo-divisão social, que de certa forma é “refletida” pela divisão

discursiva-ideológica, pelo jogo entre relações discursivo-ideológicas de assujeitamento pela

ideologia. Segundo Pêcheux, a oposição “comunicação/ não-comunicação” deve ser

enxergada como uma “divisão discursiva por detrás da unidade da língua” (PÊCHEUX,

1997, p.26), divisão discursiva que adota a aparência do par lógica/ retórica. A divisão ou

oposição entre “comunicação/ não-comunicação” estaria presente em todo lugar:

- na base econômica, no próprio interior das condições materiais da produção capitalista: necessidades da organização do trabalho, da mecanização e da estandardização que impõem uma comunicação sem equívocos – clareza “lógica” das instruções e diretivas, propriedades dos temas utilizados, etc. – comunicação que é, ao mesmo tempo, através da divisão social-técnica do trabalho, uma não-comunicação que separa os trabalhadores da organização da produção e os submete à “retórica” do comando; - encontramos essa divisão nas relações de produção capitalistas, e sob sua forma jurídica, que deve tirar os equívocos nos contratos, trocas comerciais, etc. (igualdade lingüístico-jurídica entre as partes contratantes), e, simultaneamente, manter o equívoco fundamental do “contrato de trabalho”, o que se pode resumir dizendo que,

28 Não discutiremos a este respeito agora. Veremos mais detalhadamente quando inserirmos Pêcheux, especificamente.

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27

no direito burguês, “todos os homens são iguais, mas há alguns que o são mais que outros”! - encontramos, enfim, a mesma divisão (igualdade/ desigualdade, comunicação/ não-comunicação) nas relações sociais políticas e ideológicas; a dependência nas próprias formas da autonomia... (...) (grifos do autor) (PÊCHEUX, 1997, p.26)

Vemos assim, a crítica que Pêcheux faz a respeito da oposição comunicação/não-

comunicação ligada à Teoria da Informação que propunha a decomposição da mensagem em

unidades mínimas de informação. Lyons (1982) aborda essa questão através da decomposição

em traços mínimos que a semântica formal realiza com a significação dos lexemas – onde

devem ser definidos com precisão para fornecer significado às sentenças e à estrutura

gramatical.

Essa construção de divisões dicotômicas (levadas até o limite) que Pêcheux menciona

é análoga às tentativas dos teóricos da Teoria da Informação. Dentro dessa classificação

dicotômica, o ideal é a redução da mensagem em unidades mínimas, a fim de eliminar ruídos

e equívocos como visto em PÊCHEUX (1997, p.30-31):

- por exemplo, uma cadeira seria, segundo J. Katz, caracterizada pelos seguintes traços: (objeto) – (físico) – (não-animado) – (artificial) – (móvel) – (portátil) – (com pés) – (com encosto) – (com assento) – (para uma pessoa); - da mesma forma, um solteiro será caracterizado como (físico) – (animado) – (adulto) – (masculino) – (não-casado), (...) - mas suponhamos que se queira abordar, por meio dessa classificação, realidades tão estranhas quanto a história, ou as massas, ou ainda a classe operária... O que dirá o semanticista? Trata-se de objetos, ou de coisas? Ou de sujeitos, humanos ou não-humanos? Ou de coleções de sujeitos? Gozado como a máquina de classificar de repente se enrola... No entanto, ela funciona com respeito a pessoas e coisas! Será que, por acaso, para funcionar, ela tem necessidade do espaço universal abstrato do direito tal como o modo de produção capitalista produziu?

Até aqui fizemos referência a autores que, de um modo ou de outro, mostraram uma

influência “predominante” do modelo de comunicação extraído da Teoria da Informação, que

como dissemos, apontam, pelo menos como tendência, na direção de uma redução da

comunicação à transmissão de informação. Agora, faremos referência a uma outra via –

poderíamos dizer, psico-social – na qual se desenvolveu uma noção de comunicação, em

princípio, diferente. Nessa via, o aspecto psico-social da comunicação é enfatizado através de

sua combinação com noções como “interação” e “intenção”.

Fica pendente, para as conclusões finais da presente dissertação, uma discussão dos

pontos em comum, e das diferenças, entre essas tendências. Essa discussão será conduzida a

partir das idéias de Pêcheux.

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28

2.5 A “competência comunicativa” de Dell Hymes

As relações entre o meio lingüístico e o contexto social são como alicerces na

interação da vida lingüística e social do falante. Segundo HYMES (1986, p.52) “O problema

fundamental que ainda não foi desenvolvido está em descobrir e tentar explicar que a

competência capacita os membros de uma comunidade a conduzir e a interpretar o

discurso.” 29 A preocupação de Hymes vai além da observação das convenções da língua ou

dos modelos demonstrados para o estabelecimento da conversação. Ele se preocupa com o

nível das comunidades e dos grupos. Diz HYMES (1986, p.52-53) a esse respeito:

A interação da linguagem com a vida social é vista primeiramente como um problema da ação humana, baseado no conhecimento, algumas vezes consciente, outras inconscientes, que permite às pessoas usarem a linguagem. Os eventos comunicativos dos sistemas têm, com certeza, propriedades que não são redutíveis às da competência lingüística das pessoas. Essa competência, contudo, embasa a conduta comunicativa, não apenas nas comunidades como também nos encontros delas. A competência lingüística das pessoas podem ser vistas como entradas nos sistemas de encontro entre níveis diferentes. 30

Essa noção de competência comunicativa surge na etnografia da comunicação na

tentativa de explicar a linguagem a partir de uma noção de “comunicação”. HYMES (1986,

p.58-65) baseia-se no material etnográfico a fim de indicar os componentes da fala e destaca

dezesseis elementos fundamentais para a comunicação:

1. a forma da mensagem 2. o conteúdo da mensagem 3. o cenário 4. a cena 5. o falante, ou o emissor 6. a quem se endereça 7. o ouvinte, ou receptor, ou audiência 8. o local ou endereço 9. as conseqüências da intenção 10. os objetivos dessa intenção 11. as modalidades 12. o canal 13. as formas de diálogos

29 Tradução minha de HYMES (1986, p.52): The fundamental problem – to discover and explicate the competence that enables members of a community to conduct and interpret speech – cuts deeper than any schema any of us have so far developed. 30 (Idem referência 22, p.52,53): The interaction of language with social life is viewed as first of all a matter of human action, based on a knowledge, sometimes conscious, often unconscious, that enables persons to use language. Speech events and larger systems indeed have properties not reducible to those of the speaking competence of persons. Such competence, however, underlies communicative conduct, not only within communities but also in encounters between them. The speaking competence of persons may be seen as entering into a series of systems of encounter at levels of different scope.

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29

14. as normas de interação 15. as normas de interpretação 16. os gêneros discursivos31

Dentre os dezesseis elementos listados acima, destacaremos apenas três para o

momento de nossa reflexão. São eles: a mensagem, o cenário e a intenção da interação.

A mensagem – seu conteúdo e sua forma – são fundamentais para a comunicação e o

que HYMES (1986, p. 59) “denuncia” é que nas pesquisas ignora-se “ o como alguma coisa é

dita é parte do o quê é falado”. (...) “quanto mais o discurso torna-se compartilhado e

significativo dentro de um grupo, mais prováveis as sugestões se tornam em escala.” (grifos

do autor) 32.

Outro elemento importante é o cenário, onde a mensagem está inserida. Ele define o

tipo de interação dos participantes da cena podendo ser “formal ou informal, sério ou festivo,

ou algo correlato." (HYMES, 1986, p.40)33. Dentro do cenário também observamos outros

aspectos como: os objetivos que cada falante deseja alcançar (pela entonação), quem é o

emissor, o receptor, a audiência, entre outros componentes.

Nas normas de interação, deve-se prestar atenção em qual é a intenção de cada

comportamento específico; se, deve-se ou não interromper o falante, o tom de voz que deve

ser usado, etc. É o que HYMES (1986, p.64) explicita: “As normas de interação obviamente

implicam a análise da estrutura e das relações sociais dentro da comunidade”.34

Voltaremos no próximo capítulo a fazer referência à Hymes, em oposição à Chomsky.

2.6 A competência social de Goffman

A capacidade de cada participante no ato comunicativo depende não apenas de sua

capacidade comunicativa, como também, de como esse participante se envolve na

competência social. Ervin Goffman, sociólogo que estudou a comunicação face-a-face, diz

que se vêm negligenciando a situação social em que o falante está inserido. Fala-se sobre uma

linearidade entre os participantes do ato comunicativo e se esquecem do cenário, da

31 Tradução minha de HYMES (1986, p.58-65): 1. message form; 2.message content; 3. setting; 4. scene; 5. speaker, or sender; 6. addressor; 7. hearer, or receiver, or audience; 8. addresses; 9. purposes – outcomes; 10. purposes – goals; 11. goals; 12. channels; 13. forms of speech; 14. norms of interaction; 15. norms of interpretation; 16. genres. 32 (Idem referência 23, p. 59): (…) ignored in research, that how something is said is parte of what is said. (…) The more a way of speaking has become shared and meaningful within a group, the more likely that crucial cues will be efficient, slight in scale. 33 (Idem referência 23, p.40): (...) formal to informal, serious to festive, or the like. 34 (Idem referência 23, p.64): Norms of interaction obviously implicate analysis of social structure, and social relationships generally, in a community.

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30

apresentação física do falante e seus gestos. Esses componentes, segundo Goffman,

determinam todo o ato comunicativo, pois se associam gestos e cenário à fala35, porque ela

ocorre perante uma determinada situação social. Para abordar a idéia de gesto é necessária a

presença do cenário, visto que é o lugar onde o gesto se faz presente. Segundo GOFFMAN

(2002, p.15),

O indivíduo gesticula usando o seu ambiente imediato, não apenas seu corpo. (...) Em certos níveis de análise, então, o estudo do comportamento enquanto se fala e o estudo do comportamento dos que estão em presença uns dos outros mas não estão engajados em falar não pode ser separado analiticamente. O estudo de um incita o estudo do outro.

Além do conceito de cenário, também o conceito de situação social é importante, pois

muitos negligenciam o seu estudo. GOFFMAN (2002, p.17) define situação social como:

(...) um ambiente que proporciona possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão “presentes”, e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante. De acordo com essa definição, uma situação social emerge a qualquer momento em que dois ou mais indivíduos se encontram na presença imediata um do outro e dura até que a penúltima pessoa tenha se retirado.

Existem, portanto, regras que limitam, estabelecem e conduzem a forma e as regras de

convivência dos participantes de uma determinada situação social. Há como diz GOFFMAN

(2002, p.18) “regras claras para o início e o término de encontros, para a entrada e a saída

de certos participantes em particular, para as exigências que um encontro pode requerer de

seus sustentadores (...)”.

Assim também, Hymes percebe a necessidade de se ter um comportamento adequado

e aceitável além de conhecer a forma verbal e não-verbal do comportamento humano perante

cada contexto social. A competência lingüística engloba, portanto, mais do que a capacidade

do falante de aplicar regras gramaticais; engloba envolver-se segundo ERICKSON e

SHULTZ (2002, p.217) “na competência social, já que, para interagirmos de maneira

aceitável, é preciso que tenhamos a capacidade de produzir elocuções que sejam não apenas

gramaticalmente corretas, mas também apropriadas à situação.”.

Descritas as duas competências, a social e a lingüística, podemos tecer algumas

considerações a respeito da organização social dessa interação. Na comunicação face-a-face,

Goffman diz, então, que a situação social tem sido negligenciada devido aos caminhos

35 Maingueneau também discute a questão do gesto e do cenário no contexto comunicativo. Esse assunto será retomado nos capítulos seguintes.

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31

escolhidos para os estudos dessa comunicação, visto que a cada instante o contexto pode

mudar do mesmo modo que a “cognição” dos indivíduos, e suas “inferências” – verbais ou

não-verbais envolvidas na comunicação face-a-face.

2.7 Comunicação e interação social

O “problema da comunicação” tem sido tratado nas diversas áreas do conhecimento –

a psicologia, a antropologia filosófica, a filosofia da linguagem e a semiótica, já citados no

início do capítulo. De maneira generalizada, a comunicação é vista como uma forma de

interação social em que não há apenas troca de informações ou mensagens, mas, também

construção de conhecimento e onde, segundo FILHO (2007, p.9):

Os participantes da interação social são sujeitos históricos cujas trajetórias se aliam a capacidades intrínsecas distintas para modular a construção de discurso, geralmente num processo de negociação cujo objetivo é alcançar compreensão mútua (...).Por isso numa fase inicial de aprendizagem de uma nova língua predomina a busca de redução de incertezas especialmente quando os interlocutores são relativamente desconhecidos um do outro.

Dentro dessa interação social, a comunicação não é mais de via única, mas sim, de

mão dupla. Cada participante possui um grau de competência comunicativa e lingüística que

determina sua função dentro da esfera social e do processo comunicativo pertencente. Para

SAVIGNON (1997), o contexto determina as trocas de significados e a própria comunicação.

Sendo as trocas sociais diferentes, os comportamentos dos falantes e dos ouvintes também o

são. A interação social utiliza-se não apenas dos recursos verbais, mas também dos não-

verbais (corpo, gestos); já estes usam, inicialmente, a forma não-verbal.

Além disso, na interação face-a-face, vista acima com Goffman, os turnos de fala são

organizados de acordo com o arranjo social dos participantes. Para haver interação e

comunicação faz-se necessária a organização desses turnos. Assim, diz GOFFMAN (2002, p.

19) com relação aos turnos de fala:

A fala é socialmente organizada, não apenas em termos de quem fala para quem em que língua, mas também como um pequeno sistema de ações face a face que são mutuamente ratificadas e ritualmente governadas, em suma, um encontro social. (...) Uma colaboração íntima deve ser mantida para assegurar que um turno de fala nem se sobreponha ao anterior em demasia, nem careça de um acréscimo conversacional supérfluo (...).

Na verdade, quem estabelece o tipo de interação são os próprios participantes da

interação. Sendo assim, existe uma dificuldade por parte dos especialistas em estudar a

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32

situação social dessas interações, haja vista que a cada momento o contexto pode mudar e

seus participantes podem determinar o tipo da interação a ser produzida e desenvolvida na

organização dos turnos dessa interação social.

2.8 A visão da Análise do Discurso sobre o problema da comunicação

Na tentativa de explicar e/ou resolver o “problema da comunicação”, Jakobson – como

já visto anteriormente – tenta delimitar a posição do emissor e do receptor dentro da

comunicação, afirmando que “para o receptor, a mensagem apresenta grande número de

ambigüidades onde não havia qualquer equívoco para o emissor” (JAKOBSON, 1999, p.81).

Afirma Pêcheux:

Entre a simetria (através da qual o outro aparece como o reflexo do mesmo, por uma regra de conversão) e o equívoco (no qual a identidade do mesmo se desregula, se altera a partir do interior), o paradoxo da língua toca duas vezes na ordem da regra: pelo jogo nas regras, e pelo jogo sobre as regras. Pensar a língua como simples jogo nas regras apresenta sempre riscos de cobrir o espaço próprio do que regulamenta o real da língua, substituindo-o por regras (bio)-lógicas de engendramento das arborescências sintáticas, constrangidas pela semântica de “sistemas de conhecimento” (discursivamente estabilizados em relações temáticas e em formas lógicas), ou por regras de jogos de linguagem translingüísticos a partir das quais o registro social do pragmático e do enunciativo escaparia ao “próprio da língua”, desmascarando, desse modo, o estatuto fictício deste último. (grifos do autor) (PÊCHEUX, 1984, p. 27)

Pensando na língua pelo jogo nas regras e sobre as regras, Pêcheux coloca em xeque o

problema da comunicação. Segundo ele, a língua possui equívocos e ambigüidades que

“constituem um fato estrutural incontornável: o jogo das diferenças, alterações, contradições

não pode aí ser concebido como o amolecimento de um núcleo duro lógico (...)”.

(PÊCHEUX, 1984, p.24). Diz ainda PÊCHEUX (op cit, p.27-28) a respeito do jogo nas regras

e sobre as regras:

Tentar pensar a língua como espaço de regras intrinsecamente capazes de jogo, como jogo sobre as regras, é supor na língua uma ordem de regra que não é nem lógica, nem social: é fazer a hipótese de que a sintaxe, como espaço especificamente lingüístico, não é nem uma máquina lógica (um sistema formal autônomo, exterior ao lexical, ao semântico, ao pragmático e ao enunciativo), nem uma construção fictícia de natureza metalingüística (redutível a efeitos de poder inscritos em um domínio que, supostamente, governa o discurso escrito). (grifos do autor).

Tentar então pensar a língua pela via da lógica já constitui um problema. Se a língua

por si só, já é equívoco, não há como pensar lógica e ordenadamente sobre sua constituição e

sobre sua linearidade. A língua não se deixa reduzir a isso.

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33

CAPÍTULO III

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E CORPO NOS MÉTODOS DE

ENSINO DE SEGUNDA LÍNGUA

O processo de ensino-aprendizagem de línguas tem mudado com o passar dos

tempos, refletindo diversas posições ou concepções sobre a linguagem, sobre o ensino, sobre

o sujeito-aprendiz, etc. Nosso objetivo neste capítulo é fazer um percurso pelos três métodos

de aprendizagem de Língua Estrangeira (LE) considerados os mais significativos: o método

audiolingual, a gramática-tradução e a abordagem ou método comunicativo. Para tanto,

delinearemos historicamente como esses métodos ganharam força e como repercutem hoje, no

século XXI, visto que, de uma forma ou de outra, sob diferentes aspectos, esses métodos

vigoram ainda hoje nas escolas tradicionais e em cursos de idiomas. Deter-nos-emos na busca

das noções ou concepções sobre a linguagem e corpo que perpassam esses métodos. Não é

nosso objetivo dizer se o método é eficaz ou não para o ensino de língua estrangeira.

Os métodos surgiram da derivação do nome Classical Method atribuído,

primeiramente, ao aprendizado de latim ou de grego (tradicionalmente chamadas de línguas

estrangeiras – “foreign languages”). Eram sinônimas de promover a intelectualidade através

do “exercício mental” focados nas regras gramaticais, na memorização do vocabulário e nas

várias declinações, na tradução de textos, nos exercícios escritos (BROWN, 2001). O

aprendizado das línguas clássicas era considerado como o desenvolvimento das habilidades

intelectuais com o uso de textos e diálogos para estabelecer um paralelo entre a língua de

partida e a de chegada.

Há 500 anos o Latim era a língua que dominava não apenas a educação, como

também o comércio, a religião e o governo. Apenas a partir do século XVI outras línguas

(ditas “modernas”) começaram a ser ensinadas nas escolas (francês, italiano e o inglês) como

resultado das mudanças políticas ocorridas na Europa. Essas línguas entraram no currículo das

escolas européias no século XVIII e seguiram o “método clássico” de ensino do latim, como

dissemos, fazendo uso de regras gramaticais abstratas, listas de vocabulário e textos escritos

para serem lidos e traduzidos. Na época, o ensino da fala era restrito à leitura em voz alta de

sentenças que os próprios alunos haviam traduzido. O foco nas escolas era tornar-se

escolarizado ou tornar-se um leitor proficiente de língua estrangeira. As LE’s eram, portanto,

ensinadas como qualquer outra matéria escolar. De acordo com RICHARDS e RODGERS

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34

(2001, p. 4): “cada ponto gramatical era listado, regras e uso explicados e ilustrado com

sentenças simples”. 36

No século XIX, a forma de aprendizagem do latim chega-se ao seu ápice. Os livros

consistiam em capítulos e capítulos de pontos gramaticais, regras de morfologia e de sintaxe.

No fim do século XIX e início do XX, acontece uma “revolução” ou “reforma” no

aprendizado de línguas estrangeiras. “Abandonou-se” o método clássico e aderiu-se ao

chamado Método Gramática-tradução (Grammar-Translation method), amplamente usado e

divulgado, por enfatizar não apenas a leitura, a memorização e a tradução

descontextualizadas, mas por colocar em evidência a necessidade de exercícios apropriados

de acordo com as regras gramaticais ensinadas. Passemos a estudá-lo mais detalhadamente.

3.1 Gramática - Tradução

Método que se originou do modelo clássico no século XIX que evidencia e se

concentra na escrita baseando-se na tradução para o entendimento da língua alvo. Entre os

seus principais expoentes destacamos Johann Seidenstücker, Karl Plötz, H.S. Ollendorf e

Johann Meidinger. O método foi de fato conhecido primeiramente nos Estados Unidos como

o “método Prússio”.

A conceituação da noção de tradução que subjaz esse método é importante, porque

permite aproximar-nos à noção de língua e linguagem correspondentes. A definição

“tradicional” de tradução que propõe Eugene Nida, por exemplo, se aproxima dos processos

visados pelo método gramática-tradução. Nida (1964) apud Santana (2002, p. 46) define

tradução como “um processo de busca na língua de chegada de equivalentes para o conteúdo

e a forma do texto de partida e também de reprodução do caráter dinâmico da comunicação

como um todo.” 37 Por enquanto, preste-se atenção ao que Nida chama de “busca de

equivalentes”, que possibilita o uso da matriz léxica e gramatical da língua-mãe como ponto

de partida para o aprendizado da LE.

36 Tradução minha de RICHARDS e RODGERS (2001, p. 4): Each grammar point was listed, rules on its use were explained, and it was illustrated by sample examples. 37 Mais a frente Santana dá outros detalhes sobre a concepção tradicional de tradução: O seu modelo operacional se divide em três etapas: a primeira seria a redução do texto original a seus núcleos mais simples e semanticamente mais evidentes; a segunda, a transferência do significado que o texto tem na língua original para um texto escrito na língua da tradução e a terceira, a geração de uma expressão estilística e semanticamente equivalente na língua da tradução. (SANTANA, 2002, p.46).

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35

Chamamos a atenção para o fato de os rituais de cópia, tradução e repetição serem

muito fortes nesse método. 38 Além disso, faz parte dele o controle gramatical39, o uso de uma

quantidade expressiva de vocabulário, a repetição de estruturas, as leituras de textos

específicos e limitados ao vocabulário aprendido, sem referência sistemática a aspectos da

oralidade, como a pronúncia. O importante para o método é entender e manipular a

morfologia e a sintaxe da LE através da tradução e frases soltas e desconexas, como aponta a

definição de Nida, procurando os “equivalentes” entre as línguas. A língua materna é mantida

como referência na aquisição da língua-alvo ou língua de chegada, pois, a partir do

conhecimento do significado e das estruturas das sentenças da língua mãe, realiza-se a

tradução-transposição para a língua-alvo, produzindo-se assim o “aprendizado” da LE.

Prator e Celce-Murcia (1979) apud BROWN (2001, p.18-19) condensam em oito

pontos as características principais desse modelo:

1. As aulas são dadas na língua mãe, com pouco uso da língua alvo. 2. Muito vocabulário é ensinado na forma de listas isoladas de palavras. 3. São dadas longas e elaboradas explicações a respeito da gramática. 4. A gramática é quem dá as regras para a junção das palavras, e as instruções geralmente focam a forma e derivação das palavras. 5. A leitura de textos clássicos complicados começa cedo. 6. Pouca atenção é dada ao contexto dos textos, que são tratados como exercícios de análise gramatical. 7. Geralmente exercícios de repetição são os únicos usados da língua materna para a língua alvo. 8. Pouca ou nenhuma atenção é dada à pronúncia. 40

Vemos assim, que o objetivo do estudo de uma LE concentra-se no aprendizado da

leitura e na escrita, foca-se na análise de regras gramaticais (gramática ensinada

dedutivamente), seguido da aplicação de tais regras do conhecimento para aquisição da

língua-alvo e seleção de vocabulário de maneira sistemática.

Stephen Krashen – representante do método natural (Natural Approach) baseado na

aquisição “natural” da aprendizagem – critica o formato do método gramática-tradução,

38 Sabemos que os métodos têm, em cada época, uma ênfase, uma significação e uma razão de estar em evidência. Por isso, não nos é relevante questionar o motivo pelo qual tal método ainda hoje é usado com tamanha veemência. 39 Quando falamos em controle gramatical estamos fazendo referência a que não é permitido, nesse método, construir frases que não estejam programadas, por exemplo, não se permite ao aluno usar verbos em futuro se o foco da aula é o uso do presente. 40 Tradução minha de (BROWN, 2001, p.18-19): 1. Classes are taught in the mother tongue, with little active use of the target language; 2. Much vocabulary is taught in the form of lists of isolated words; 3. Long, elaborated explanations of the intricacies of grammar are given; 4. Grammar provides the rules for putting words together, and instruction often focuses on the form and inflection of words; 5. Reading of difficult classical texts is begun early; 6. Little attention is paid to the content of texts, which are treated as exercises in grammatical analysis; 7. Often the only drills are exercises in translating disconnected sentences from the target language into the mother tongue; 8. Little or no attention is given to pronunciation.

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36

sobretudo sua ênfase na explicação das regras gramaticais e na apresentação do vocabulário

por meio de tradução, a partir da qual todo o trabalho feito serviria de base para as leituras e

os exercícios que promoveriam a “prática” do que foi “aprendido”, baseado e formatado para

textos escritos. Apoiando-se numa referência ao conceito Vygotskiano de Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZPD) 41, Krashen sustenta que esse método teria uma espécie de

vício de princípio: a aprendizagem, com o método gramática-tradução, poderia não ocorrer

porque, para que ela ocorra, deve haver um “input compreensível adicionado a um nível de

dificuldade (i+1)”. (cf. PAIVA, 2005, p.25). De acordo com a crítica de Krashen, no método

gramática-tradução pouca quantidade de input compreensível seria utilizada: “o método

gramática-tradução falha em oportunizar um input compreensível. A pouca quantidade de

input compreensível, nos exemplos de sentenças, nas leituras, são raramente suplantadas

pela fala do professor na língua-alvo” (KRASHEN, 1982, p. 128). 42

Considerando a aquisição de língua nesse método, Krashen diz ainda que “o foco

está inteiramente na forma e não no significado (...) As sentenças usadas nos exercícios

podem ser compreensíveis, mas, aqui novamente, como nas sentenças modelo, elas são

desenvolvidas para focar o aluno na forma” (KRASHEN, 1982, p. 128) 43. O foco do

aprendizado está na forma e não no significado: é por isso que os exercícios devem procurar

ser “compreensíveis” pelo que foi explicado e pelo vocabulário dado, para controlar a

estrutura e enfatizar de alguma maneira o que deve ser aprendido. Também podemos ver que

tal procedimento introduz regras que têm por excelência serem gradativas – das sentenças de

estrutura formal aparentemente mais “simples” para as mais “complexas”. Poder-se-ia dizer

que o aluno retira daí certa “impressão” de estar aprendendo, pois no momento em que as

dúvidas aparecem com relação ao vocabulário, são resolvidas imediatamente pela tradução,

impedindo assim quebrar o fluxo da aula.

Com a aprendizagem centrada no professor (teacher centered), o método parece

privilegiar um aprendizado “de cima para baixo”, “unilateral”, de quem sabe mais para quem

não sabe ou sabe pouco – direção professor – aluno. As críticas que o método gramática-

41 De acordo com Vygotsky, a ZPD é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, o que revela a solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. VYGOTSKY (1998, p. 112). 42Tradução minha de KRASHEN (1982, p. 128): Grammar-translation fails to provide a great deal of comprehensible input. The small amount of comprehensible input in the model sentences, the readings, and exercises is, moreover, rarely supplemented by teacher talk in the target language. 43(Idem referência 7): [The] focus is entirely on form, and not meaning. (…) The sentences used in the exercises may be comprehensible, but here again, as in the model sentences; they are designed to focus the students on form.

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37

tradução recebeu estão focadas na falta de oportunidades do aprendiz de trocar informação ou

mesmo arriscar-se, fazer previsões, além de não haver momento para a interpretação/

interpelação do aluno, para a “digestão” do que está sendo aprendido. O aluno seria apenas

um “reprodutor” de diálogos e/ou um tradutor de vocabulário em contextos específicos de

comunicação, dando assim a impressão não de um “processo dinâmico” – como disse

Santana (2002) – mas de um processo estático e recriador. Críticas também são feitas (neste

método) em relação ao uso de contextos específicos em detrimento de contextos não

ensaiados, o que sairia do propósito primeiro do método (foco na forma), que pressupõe o uso

de modelos já sabidos como condição sine qua non para o aprendizado bem sucedido.

O foco na forma criaria uma espécie de paradoxo, porque deixaria a situação de

aprendizado muito rígida. Ou o input é pouco compreensível, como diz Krashen, ou é

perfeitamente já sabido, feito de estruturas já aprendidas, que o aluno deve “reproduzir”.

Na tentativa de ilustrar como os alunos se comportam numa sala de aula que utiliza o

método descrito, colocamos uma ilustração (na página seguinte), na qual vemos o professor

na frente da sala supostamente “controlando” todos os alunos. Estes, sentados em fila, ouvem

os comandos do professor e provavelmente executam as tarefas. Como vimos na descrição do

método, as aulas são dadas na língua mãe, muito vocabulário seguido de tradução,

provavelmente com exercícios que demandam memorização e repetição do tipo “passe para

interrogativa, para a negativa e para a afirmativa”.

Com isso, o resultado pode ser a inabilidade em se comunicar na língua-alvo já que

o ensino mostra-se centrado no professor (teacher centered); as aulas são ministradas na

língua mãe e o foco está na análise da forma (e não da função) e da flexão das palavras

(gramaticalidade).

Voltemos nossa atenção para o modo em que os “corpos” dos alunos ficam dispostos

e distribuídos numa sala de aula desse método (gramática-tradução). A disposição dos alunos

é semelhante às salas de aula que FOUCAULT (1987, p.119) apresenta a respeito da noção de

disciplina: “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A

disciplina aumenta as forças do corpo (...) e diminui essas mesmas forças (em termos

políticos de obediência)”. Observando a representação de uma sala de aula que utiliza tal

método, percebemos haver semelhança com a sala descrita por Foucault. O professor-

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38

centralizador e os alunos em fileira são a principal característica dessa forma de disciplina

gerada pela disposição dos corpos (cf. FIGURA 4).

FIGURA 4: Disposição dos alunos em sala de aula seguindo o método gramática-tradução.

É ainda notável destacar o que FOUCAULT (1987, p.123) afirma sobre o espaço da

sala de aula: “Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo. Evitar as

distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; analisar as pluralidades

confusas, maciças ou fugidias.” Mostra-se, assim, como deve ser o comportamento de cada

aluno em sala de aula, semelhante ao método descrito.

Nos dias atuais, o método gramática-tradução é amplamente adotado em várias

escolas com ensino regular de língua estrangeira. Qual motivo leva tantos professores e

escolas a adotarem esse método? BROWN (2001, p.19), faz referência a sua fácil utilização:

“O método requer habilidades pouco especializadas dos professores. Os testes de regras

gramaticais e traduções são fáceis de serem feitas e pode ser objetivamente avaliada”. 44

Essa crítica pressupõe que o ambiente de escolas tradicionais talvez não seja propício para o

ensino de LE. Nesse ambiente, a gramática possui um peso maior que outras habilidades

como a de listening (atividades de áudio) e a de speaking (atividades de fala). Se, como disse

Brown, a pronúncia não é enfatizada e seu contexto também não, talvez sejam estas as razões

que levaram à popularidade do método em questão.

44 Tradução minha de BROWN (2001, p.19): It requires specialized skills on the part of teachers. Tests of grammar rules and of translations are easy to construct and can be objectively scored.

Quadro Professor Aluno

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39

3.2 Audiolingual

Método que surgiu logo depois da Segunda Guerra Mundial com o intuito inicial de

os militares americanos tornarem-se oralmente proficientes nas línguas tanto dos aliados

como dos inimigos. O “American Army Method Intensive Language Teaching” é focado nas

habilidades orais, repetições (drills), e práticas de conversação – o que na época não se

encontrava em nenhum curso ou sala de aula tradicional e, evidentemente, acompanhava a

nova tecnologia de gravação e reprodução da voz humana. O método audiolingual foi

desenvolvido por lingüistas da Universidade de Michigan, com um corpus francamente

voltado para o discurso oral.

Resulta interessante apontar que o método audiolingual não é revolucionário, nem

totalmente diferente do anterior. Algumas das características do método anterior – repetição,

treino mecânico - foram incorporadas. A novidade é o tratamento diferenciado que o método

audiolingual dá à oralidade, que o anterior não possuía. Do ponto de vista teórico e

metodológico, deve-se destacar o sustento que o novo método procura, a partir da década de

50, na teoria psicológica behaviorista, que o fez adotar a forma de “método condicionado”,

baseado na unidade estímulo-resposta-reforço, condicionadora do aprendiz.

Para compreender as concepções de linguagem e corpo que subjazem este método

vamos introduzir algumas referências aos fundamentos empiricistas nos quais o psicologismo

behaviorista afunda suas raízes. Para fazê-lo nos apoiaremos fundamentalmente em Lyons

(1981).

As origens modernas da posição empirista em teoria do conhecimento estão na

Inglaterra, no século XVII, com autores como Bacon, Locke, Hume, Berkeley. Para

FERRATER MORA (1994, p. 999), o empirismo geralmente é considerado de acordo com

dois aspectos: um empirismo psicológico, segundo o qual “todo conhecimento deriva da

experiência, e em particular da experiência dos sentidos”, e um empirismo epistemológico,

segundo o qual “todo conhecimento deve ser justificado recorrendo aos sentidos [visão, tato,

audição, olfato...], de modo que só há conhecimento quando o que se afirma é confirmado

(testificado) pelos sentidos”. 45

45 Segundo LYONS (1981, p. 48), empirismo se refere: à concepção de que todo o conhecimento provém da experiência (...) e, mais particularmente, de dados da percepção e dos sentidos. Opõe-se, em uma controvérsia filosófica de longa data, ao “racionalismo” (...) que significa, (...) “mente”, “intelecto” ou “razão”. O segundo sustenta e defende “o papel da mente na aquisição do conhecimento. Sustentam particularmente, a existência de certos conceitos ou proposições apriorísticas (...) em função dos quais a mente interpreta os dados da experiência.

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Em continuidade com a posição empirista devemos mencionar, no século XIX e XX,

o positivismo – um termo que tem sua origem na doutrina científica e social de Auguste

Comte, mas que já ganhou outras acepções. Segundo LYONS (1987, p. 49), empirismo e

positivismo são “aliados naturais e estritamente associados”, em função da distinção

positivista “entre os chamados dados positivos da experiência e as especulações

trascendentais de diversos tipos”, e em que o positivismo tem uma visão “secular e anti-

metafísica, rejeitando qualquer apelo a entidades não-físicas”. (LYONS, 1987, p.49)

Nessa via, já no século XX, podemos dizer que no psicologismo behaviorista

encontramos uma atitude filosófica empirista-positivista radical. FODOR (1976, p. 57) afirma

que “a grosso modo, um empirista acaba sendo um behaviorista.” :

Ora, se a ciência, como os empiristas supõem, é literalmente sobre as observações que a apóiam, segue-se que a psicologia é sobre os estímulos e respostas, pois – por convenção terminológica – seja o que for que possa ser observado um organismo fazer, conta como uma resposta e sejam quais forem os insumos que suscitem respostas eles serão contados como estímulos. Em resumo, se pensarmos que uma teoria é sobre os seus dados, também devemos pensar que uma teoria psicológica é sobre as conexões estímulo-resposta. (FODOR, 1976, p. 57)

Como exemplo, podemos fazer referência ao modelo de condicionamento

desenvolvido por Pavlov, psicólogo russo que em 1927 utilizou animais (cães) para

demonstrar que se poderia gerar uma resposta por um estímulo, introduzindo nele, um

segundo estímulo46. Este modelo ficou conhecido por teoria estímulo-resposta “S-R (Stimulus

– Response)” ou “condicionamento clássico”.

Nos Estados Unidos, a principal referência hoje do behaviorismo moderno está no

nome de Skinner e sua “teoria da aprendizagem”. Skinner é considerado o fundador do

denominado “behaviorismo radical”. Segundo FARIA (2005, p. 71), essa teoria “parte do

pressuposto de que tudo na relação do organismo com o meio é comportamento”. Skinner

afirmou que o aprendizado era o resultado do meio ambiente em que o indivíduo estava

inserido, mais do que simplesmente de fatores genéticos. Enfatizou a importância do

“reforço” que consistia em adquirir um comportamento por repetição e reforço.

De acordo com WILLIAMS e BURDEN (1999, p.9-10) Skinner teria pensado na

linguagem sugerindo que:

46 Pavlov argumentava que a linguagem era como um comportamento. Poderia ser aprendido através de treino. Através da experiência (com o cão) percebeu-se que o treinamento por meio de recompensas e penalidades fazia com que o animal aprendesse, ou seja, através do condicionamento poderia haver aprendizado.

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(...) os professores deveriam deixar claro o que seria ensinado; as atividades deveriam ser fragmentadas, e em estágios seqüenciais; os alunos deveriam ser encorajados a trabalhar em seu ritmo próprio através de programas de aprendizagem individualizados e a aprendizagem deveria ser ‘programada’ incorporando procedimentos e dando reforço positivo imediato baseado num possível aproveitamento de 100 por cento. 47

Nos Estados Unidos, a corrente psicológica behaviorista teve um coadjuvante na

corrente de pensamento lingüístico conhecida como estruturalismo americano

(distribucionalismo), representado, sobretudo, pelo lingüista Leonard Bloomfield.

Compartilhando pressupostos básicos “comportamentalistas”, o estruturalismo lingüístico de

Bloomfield concebe a linguagem como “comportamento lingüístico”. O que supõe considerar

a linguagem como comportamento lingüístico? Nas palavras de LYONS (1982, p.22):

Tanto a linguagem quanto as línguas específicas podem ser encaradas como comportamento, ou atividade, parcialmente observável e identificável como comportamento lingüístico, não só pelos participantes-observadores (isto é, falantes e ouvintes na medida em que restringimos nossa atenção à língua falada) mas também por observadores que naquele momento não estão envolvidos neste comportamento caracteristicamente interativo e comunicativo. Além do mais, embora seja pertinente à essência do comportamento lingüístico que, em geral, senão a cada vez que ocorra, seja comunicativo, é normalmente possível a observadores externos reconhecer o comportamento lingüístico como tal, mesmo quando não conhecem a língua específica que está sendo usada, não podendo interpretar os enunciados que são o produto do comportamento observado.

Nessa mesma linha, DUCROT e TODOROV (1972, p. 42) explicam:

(...) Um ato de fala não é senão um comportamento de um tipo particular (segundo o apólogo de Bloomfield, linguagem é a possibilidade de que Jill, ao ver uma maçã, em lugar de apanhá-la, peça a Jack para fazê-lo). Ora, o Behaviorismo sustenta que o comportamento humano é totalmente explicável (= previsível) a partir das situações em que se apresenta, independentemente de qualquer fato “interno”. Bloomfield conclui daí que a fala também deve ser explicada por suas condições externas de surgimento: denominando essa tese de MECANISMO, ele a opõe ao MENTALISMO, inadmissível aos seus olhos, segundo o qual a fala deve explicar-se como efeito dos pensamentos (intenções, crenças, sentimentos) do sujeito falante.

O Distribucionalismo descarta, então, o apelo à significação porque isso anularia o

rigor científico da descrição:

47 Tradução minha de WILLIAMS e BURDEN (1999, p.9-10): Teachers should make explicitly clear what is to be taught; tasks should be broken down into small, sequential steps; students should be encouraged to work at their own pace by means of individualized learning programs; learning should be ‘programmed’ by incorporating the above procedures and providing immediate positive reinforcement based as nearly as possible on 100 per cent success.

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Estudar uma língua é, pois, antes de tudo reunir um conjunto, tão variado quanto possível, de enunciados efetivamente emitidos por usuários da referida língua em determinada época (este conjunto = o CORPUS). Depois, sem se indagar sobre a significação dos enunciados, tenta-se expor regularidades que porventura existam no corpus (...). Excluído o recurso à função e à significação, a única noção que serve de base a essa pesquisa das regularidades é a de contexto linear, ou de MEIO (...) O meio serve assim para definir a DISTRIBUIÇÃO de uma unidade. (DUCROT e TODOROV, 1972, p. 42)

A aliança entre behaviorismo psicológico e estruturalismo lingüístico

comportamentalista foi seriamente abalada nos seus fundamentos pela revolução chomskiana

(cf. entre outros, Chomsky 1957). Mesmo assim, no domínio específico do ensino de línguas,

serviram como fundamento para a consolidação do método audiolingual – termo cunhado em

1964 pelo professor Nelson Brooks.

Como se reflete no método audiolingual sua fundamentação no psicologismo

behaviorista? Um esquema interessante de RICHARDS e RODGERS (2001, p.57) ilustra bem

os fundamentos psicológicos do método audiolingual (FIGURA 5):

Reforço (comportamento provável de ocorrer novamente e tornar-se um hábito)

Estímulo Organismo Resposta Comportamento

Sem reforço/ Reforço negativo (comportamento improvável de ocorrer

novamente)48 FIGURA 5: Fundamentos psicológicos do método audiolingual.

MAGALHÃES (1988, p.47) afirma que o método audiolingual prioriza “o ensino de

estruturas gramaticais, através de repetição oral exaustiva”, e também que:

(...) a aprendizagem é um processo mecânico de formação de hábitos, no qual o aluno é condicionado a responder de uma forma adequada em face de um estímulo qualquer. Esse condicionamento é obtido através de repetição intensa, para que o aluno possa adquirir hábitos de maneira automática, sem fazer uso de seu intelecto. A memorização torna-se pois, o objetivo precípuo, não se levando em conta a capacidade de raciocínio ou os conhecimentos prévios do aprendiz. Desse modo, o ponto fundamental é que, para se desenvolver a capacidade de o aluno se comunicar

48 Tradução minha de RICHARDS e RODGERS (2001, p.57):

Reinforcement (behavior likely to occur again and become a habit)

Stimulus � Organism � Response Behavior

No reinforcement/ Negative reinforcement (behavior not likely to occur again)

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em uma Língua Estrangeira, basta treiná-lo a usar, automaticamente, um certo número de estruturas lingüísticas, sem se considerarem as situações reais de comunicação. (MAGALHÃES, 1988, p. 47-48)

O indivíduo-aprendiz tem segundo RICHARDS e RODGERS (2001, p.53) “um

treinamento aural, depois de pronúncia, seguido de fala, leitura e escrita. A linguagem era

identificada com o discurso (oral) e este discurso era aprendido por meio da estrutura.” 49

BROWN (2001, p.23) sintetiza em 12 regras as características do método audiolingual, que

mostram muito bem a relação desse método com o psicologismo behaviorista. Transcrevemos

as características, pois é de extrema importância para fazermos a distinção do método já

citado (gramática-tradução) e dos que o serão também:

1. O material novo é apresentado em forma de diálogo. 2. Há uma dependência de imitação, memorização de conjuntos de frases e conhecimento além. 3. As estruturas são feitas em seqüência por meio de análise contrastiva e ensinadas uma a uma. 4. Exemplos estruturais são ensinados usando os drills. 5. Há pouca ou nenhuma explicação gramatical. A gramática e ensinada por analogia indutiva em maior quantidade do que de explicação dedutiva. 6. O vocabulário é limitado e aprendido no contexto. 7. Usa-se bastantes áudios, laboratórios de linguagem e recursos visuais. 8. É dada grande importância à pronúncia. 9. O uso da língua mãe pelos professores é muito pouco permitido. 10. Respostas rápidas são imediatamente reforçadas. 11. Há um esforço grande por parte dos alunos para produzir elocuções livres de erros. 12. Há uma tendência em se manipular a linguagem e negligenciar o conteúdo. 50

No método audiolingual, tipicamente, as lições começam com diálogos que contém

todas as estruturas e o vocabulário de toda a lição ou unidade. É esperado que o aluno seja

capaz de entender o diálogo e de memorizá-lo. Para que a memorização aconteça, os diálogos

são treinados em duplas e em grupos, pequenos grupos como uma encenação teatral seguido

de repetição (uso dos drills) que tem por objetivo tornar as falas do diálogo um hábito que

levará ao automatismo e conseqüente aprendizado.

49 Tradução minha de RICHARDS e RODGERS (2001, p.53): It advocated aural training first, then pronunciation training, followed by speaking, reading, and writing. Language was identified with speech, and speech was approached through structure. 50 Tradução minha de BROWN (2001, p.23): 1. New material is presented in dialogue form; 2. there is dependence on mimicry, memorization of set phrases, and overlearning; 3. Structures are sequenced by means of contrastive analysis and taught one at a time; 4. Structural patterns are taught using repetitive drills; 5. there is little or no grammatical explanation. Grammar is taught by inductive analogy rather than by deductive explanation; 6. Vocabulary is strictly limited and learned in context; 7. There is much use of tapes, language labs, and visual aids; 8. Great importance is attached to pronunciation; 9. Very little use of the mother tongue by teachers is permitted; 10. Successful responses are immediately reinforced; 11. There is a great effort to get students to produce error-free utterances; 12. There is a tendency to manipulate language and disregard content.

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DUTRA e MELLO (2004, p. 11) afirmam que no método audiolingual “o foco não é

a análise da língua, tampouco o seu uso. Há, sim, a supervalorização dos procedimentos de

aprendizagem, ou seja, a criação do hábito que levaria à aprendizagem lingüística”. Posto

isto, analisemos tais procedimentos: há uma preocupação com o entendimento ou o

significado das palavras, guia-se o aluno utilizando os drills em detrimento de uma “fala

livre” 51; o aprendizado é fortemente direcionado pelo professor/método, não deixando espaço

para os imprevistos na língua.

O método audiolingual recebeu também críticas a respeito de um “falso sentimento

de aprendizagem” trazido por ele, pois o foco estaria “supostamente” no desenvolvimento da

fala, desconsiderando o discurso escrito e favorecendo mesmo assim, a formação de hábitos,

ou mais precisamente, de condicionamento.

Uma vertente do método audiolingual é o audiovisual que faz uso de recursos visuais

aliados aos demais recursos já mencionados do audiolingual. Segundo MAGALHÃES (1988,

p.49), “[eles] objetivam essencialmente evitar o emprego da língua materna em sala de aula,

uma vez que tal procedimento é visto como um obstáculo à aprendizagem de uma Língua

Estrangeira, nessa concepção de ensino”.

Nessa mesma vertente de crítica – a respeito da rigidez ou excesso de

procedimentalismo e direcionabilidade, e em detrimento de uma “espontaneidade” ou

“liberdade” dialógica –, KRASHEN (1982, p. 130) critica o método, afirmando:

O audiolingualismo trabalha um pouco melhor nessa categoria que o gramática-tradução, porque os diálogos contém um suporte que pode ser usado para inserir o input e controlar a qualidade. A aplicabilidade dos diálogos na conversação livre e no controle da conversação genuína, pode ser contudo, limitada. Na verdade, a maioria dos diálogos são scripts, não foram desenvolvidos para negociar significados.52

Nessa crítica, Krashen deixa clara as diferenças entre os métodos gramática-tradução

e o audiolingual, pois este permite que haja input, apesar de limitar-se na oralidade, pois a

base está nos diálogos que não permitem o uso “livre” do pensamento do aluno acabando por

limitar o aprendiz numa língua estrangeira.

51 Por exemplo, uma fala onde o aluno “fala o que pensa”, produzindo um texto oral diferente dos drills. 52 Tradução minha de KRASHEN (1982, p. 130): Audio-lingualism does a slightly better job in this category than does grammar-translation, as the dialogues do contain material that can be used to invite input and to control its quality. The applicability of dialogues to free conversation and to genuine conversational management may be limited, however. Most dialogues are actually scripts, and are not designed to be used to negotiate meaning.

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As críticas recebidas pelo método audiolingual apontam basicamente que, mesmo

sendo um método mais “completo” que o gramática-tradução, ainda possuiria limitações

importantes na questão da aquisição da LE, pois as interações entendidas como “livres”

continuam de alguma forma fortemente controladas pelo professor e o método (teacher

centered). Percebe-se que as intervenções dos alunos em sala de aula podem ser reduzidas a

um número mínimo, devido à limitação dos diálogos e da aula em si. Contudo, que o poder de

controle do professor e sua posição frente à sala de aula já é um indício de limitação.

Como dissemos, a aliança entre o behaviorismo psicológico e o comportamentalismo

lingüístico ficou muito abalada com a irrupção, a partir de 1957, da gramática gerativa-

trasformacional (GGT), uma teoria de natureza racionalista e mentalista proposta por Noam

Chomsky, jovem pesquisador do MIT (Instituto Tecnológico de Massachussets, nos Estados

Unidos). Segundo a GGT, a criança não é mais uma “tabula rasa”, ela já nasce com uma

capacidade inata, em forma de conhecimento abstrato, para adquirir língua. A aprendizagem

passa a ser concebida como um processamento ativo da informação que é percebida, captada,

processada e interiorizada (cf. MAGALHÃES, 1988). Referindo-se a Chomsky e à GGT,

GARDNER (1987, p. 208) diz que:

(...) Em uma gramática transformacional, afirmou, postulam-se uma série das regras por meio das quais as orações podem se relacionar de tal maneira que uma oração (…) pode tornar-se ou se transformar-se em outra. Neste sentido, uma gramática gerativa é um sistema de regras formais exatamente matemáticas: sem apoiar-se em nenhuma informação que não esteja representada especificamente nela, o sistema gera a gramática das orações da língua que descreve ou caracteriza, e atribui a cada uma, uma descrição estrutural ou análise gramatical.53

A respeito dessa nova abordagem lingüística, podemos destacar que o foco continua

na forma (competência gramatical), porém, por assim dizê-lo, de forma menos mecânica. De

qualquer maneira, a própria natureza do saber lingüístico produzido na gramática gerativa

impede sua transposição direta para o campo do ensino (alfabetização, segundas línguas, etc.).

Somente de forma indireta algumas relações podem ser estabelecidas. Aqui faremos menção

às críticas que Chomsky direcionou com grande eficácia contra o behaviorismo psicologista,

53Tradução minha de GARDNER (1987, p. 208): (…) En una gramática transformacional, afirmó, se postulan una serie de reglas mediante las cuales las oraciones pueden relacionarse entre sí, de tal modo que una oración (…) puede convertirse o transformarse en otra. En este sentido, una gramática generativa es un sistema de reglas formalizado con precisión matemática: sin apoyarse en ninguna información que no esté representada expresamente en él, el sistema genera las oraciones gramaticales de la lengua que describe o caracteriza, y asigna a cada cual una descripción estructural o análisis gramatical.

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focado na questão da criatividade da linguagem e da independência do estímulo inerente à

função simbólica.

A GGT propõe que a criatividade imbricada na linguagem tem um significado

específico: “[esta] complexidade e heterogeneidade não é irrestrita: é regida por regras”

(LYONS, 1982, p.34). Chomsky destaca um aspecto, a criatividade, que a teoria behaviorista

de Skinner teria negligenciado. GARDNER (1987, p. 214) afirma:

Skinner evitou inteiramente o aspecto criativo da linguagem, o fato de que um sujeito estivesse livre para falar do que quisesse e na forma que quisesse. Já se opondo Chomsky: não faz nenhum sentido afirmar que o desempenho lingüístico dele está limitado em algum aspecto pelos estímulos possivelmente presentes. 54

Skinner, por exemplo, deu muita importância à aprendizagem por analogia, repetição e

reforço na qual o indivíduo responde a um estímulo comportando-se de maneira particular. A

isso, Chomsky responde: se a aprendizagem é por analogia, estímulo, reforço..., como é

possível que a criança venha a produzir constantemente enunciados que nunca escutou? Isso

deve pressupor que a linguagem contém em si mesmo um mecanismo (regras) que gera

sentenças novas, isto é, um mecanismo em si mesmo criativo.

De fato, a criatividade é um aspecto, entre outros, que dá à linguagem a flexibilidade e

versatilidade que permite caracterizá-la como sendo “independente de estímulo”. LYONS

(1982, p.19) aponta quatro propriedades que caracterizam a linguagem como independente de

estímulo: arbitrariedade, dualidade, descontinuidade e produtividade.

À luz da crítica de Chomsky, poderíamos apontar que o audiolingualismo de alguma

forma herda as dificuldades da teoria behaviorista em relação à questão da criatividade e da

independência de estímulo. De fato, como negligenciar esse aspecto essencial da linguagem

destacada por Saussure; a linguagem como “sistema de diferenças”, que coloca no seu próprio

cerne o negativo, a ausência, o apagamento?

E a questão do corpo? O corpo na sala de aula sob uma metodologia audiolingual

permite maiores “desvios” dos alunos. Porém, o controle continua e, como diz FOUCAULT

(1987, p.123) “A disciplina organiza um espaço analítico.” Mesmo com a disposição da sala

de aula, como visto na página seguinte, não desaparece o controle dos corpos. As carteiras

estão posicionadas de maneira a se evitar interrupções. Como afirma FOUCAULT (1987,

p.123), “saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, 54 Tradução minha de GARDNER (1987, p. 214) (…) Skinner soslayó por entero el aspecto creativo del lenguaje, el hecho de que un sujeto es libre de hablar de lo que quiera y en la forma en que lo quiera.” Já Chomsky ao contrário: “aducia que carece de sentido afirmar que el desempeño lingüístico está limitado en algún aspecto por los estímulos eventualmente presentes.

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interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um (...)

Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar.”

Na medida em que, tanto no método gramática-tradução como no audiolingualismo,

o foco está na língua, a disposição das carteiras pode ser um indício de certa noção de corpo

comum a ambos os métodos. Poder-se-ia dizer que estes dois métodos acreditam que, se o

foco está na língua, a aprendizagem independe das mudanças feitas na sala de aula

propriamente. O importante é falar, talvez, não importando o quê e para quem.

Vejamos a disposição dos alunos dentro dessa metodologia (FIGURA 6)

FIGURA 6: Disposição dos alunos numa sala de aula que segue o método audiolingual.

Analisando os papéis do aluno e do professor na figura acima, Richards e Rodgers

(2001) dizem que os alunos são vistos como seres que respondem a treinamentos, e que “não

são estimulados a iniciar uma interação, pois pode conduzir a erros” (RICHARDS e

RODGERS, 2001, p. 62) 55. O professor, por sua vez, possui um papel centralizador/

dominador. É ele quem “deve manter os alunos atentos variando os exercícios de repetição e

as tarefas, e escolhendo situações relevantes para praticar as estruturas”. 56

A valorização é dada, portanto, à linguagem escrita – a uma concepção da linguagem

enquanto escrita –, apesar de usar e desenvolver a fala. De fato, todos os alunos estão

voltados para o quadro negro... MAGALHÃES (1988, p.49) diz que os textos oferecidos por

esse método “menosprezam as relações intertextuais presentes no discurso escrito, já que são

destituídos de componentes não verbais – iconografia, hachuras, títulos destacados – partes

55 Tradução minha de RICHARDS e RODGERS (2001, p. 62): They are not encouraged to initiate interaction, because this may lead to mistakes. 56 (Idem referência 20): The teacher must keep the learners attentive by varying drills and tasks and choosing relevant situations to practice structures.

Quadro Professor Aluno

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integrantes da informação geral por ele veiculada”. O aprendizado, sob a perspectiva de

uma ritualização extrema do oral, continua voltado para o escrito, como já mencionado.

Em termos gerais, que podemos dizer sobre a concepção do corpo no método

audiolingual, se concebemos esse método como mais um herdeiro das idéias psicológicas e

lingüísticas do behaviorismo-comportamentalismo? Em primeiro lugar, destaquemos a

centralidade que a questão do corpo ocupa nessa teoria e neste método: o objeto de estudo do

behaviorismo, e o objeto sobre o qual opera o audiolingualismo, seria um objeto visível,

diretamente observável: um corpo-em-comportamento, um comportamento-do-corpo. O que

no behaviorismo se resolve como uma questão de observabilidade do corpo, se traduz para o

método audiolingual como uma questão de “visibilidade” do corpo do aluno. Neste ponto,

achamos o nexo com Foucault, o de uma regimentalização e instrumentalização visual dos

corpos. Vejamos o que Milner (1966) chama de “coisa”:

Se se está no direito de reconhecer que o saber da ciência a que a psicologia experimental recorre se desenrola num mundo onde a verdade só pode falar do lado das coisas, como nos poderia espantar que, nos termos deste saber, para obter a verdade daquele mesmo que interroga as coisas seja preciso transformá-lo primeiro numa coisa que responda? Aqui é Georges Canguilhem que nos guia, mostrando o que a psicologia visa: dar ao seu objeto a função das coisas – o homem é um instrumento – e a sua permanência: o homem é um lugar fixo numa rede de relações. Relações com o meio biológico, mas também com os seus companheiros sociais: este núcleo de que progressivamente se aproxima a teia dos testes, não deveremos reconhecer nele o elemento a ter em conta de uma política racionalizada, regulada segundo um modelo de necessidades e capacidades? Compreende-se melhor agora que desde o início uma dupla relação se estabeleça com a experimentação, dado que a psicologia fornece um sujeito a uma política racional, e a política provará que é racional ao garantir à psicologia os meios do seu progresso. A psicologia só pode aprovar tal conjunção, que confirma a eficácia das suas práticas, pela evidência de um aparelho que assegura a permanência e o caráter de utensílio do seu objeto: trata-se assim da posição de um eu de domínio e de síntese, suporte de todas as servidões instrumentais – porque é preciso, como Marx demonstrou, que o homem seja senhor de si próprio para se poder transformar num instrumento (...) (MILNER, 1966, p. 225-226)

Tratar-se, dessa forma, de uma dimensão que Milner (1966) chama de

instrumentalização (“coisificação”) da subjetividade pela ciência.

3.3 Comunicativo

O método comunicativo surgiu nos anos 70, propondo-se como uma alternativa aos

métodos anteriores. A novidade estaria representada pelo seu “foco na função”, sua tentativa

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de desenvolver a linguagem através da “comunicação”, deslocando o “foco na forma” dos

métodos anteriores.

O método comunicativo é um filho de seu tempo. O abalo sofrido pelo behaviorismo

a partir das críticas do Chomsky – afetando os fundamentos e o prestígio do método

audiolingual –, e as novidades trazidas pelas diversas vertentes da “revolução cognitiva” (cf.

GARDNER 1987) criaram as condições para esta “renovação” no ensino de LE.

Do ponto de vista das teorias psicológicas, o método comunicativo encontra seu

sustento teórico no sócio-cognitivismo, em particular nos “leitores americanos” de Lev

Vygotsky, e procura seu sustento teórico lingüístico numa dispersão de teorias que chega até a

sociolingüística, passando pela pragmática e a etnografia da comunicação. Quer dizer, se para

achar os fundamentos do método audiolingual tivemos que estabelecer as relações entre o

empirismo, o positivismo, o behaviorismo e o estruturalismo lingüístico americano, agora

devemos somar alguns elos nessa cadeia e readaptá-la aos “novos ares” funcionalistas do seu

tempo (“foco na função”), representados, como dissemos, pelo sócio-cognitivismo (sócio-

interacionismo) psicológicos, a sociolingüística, a pragmática lingüística e a etnografia da

comunicação. Preste-se atenção ao seguinte fragmento do diálogo entre Noam Chomsky e

Mitsou Ronat (CHOMSKY, 1977, p.86), que ajuda a caracterizar a relação entre os dois

extremos da cadeia, o funcionalismo e o empirismo:

M ITSOU RONAT – A corrente de pensamento que mais lutou contra a independência da gramática enquanto “órgão mental” é sem dúvida o funcionalismo. Ele tende a explicar a forma da linguagem atribuindo um papel determinante a sua função. Tal função presumível é a comunicação, tudo, na linguagem, deve contribuir para a comunicação, para uma melhor comunicação, e, de modo inverso, coisa alguma será lingüística se não contribuir para a comunicação. O retrato é justo? NOAM CHOMSKY – Sim, o funcionalismo afirma que a utilização da linguagem influencia-lhe a forma. E neste sentido, trata-se de uma variante do empirismo. (...) (CHOMSKY, 1977, p. 86)

O pano de fundo das teorias referidas, então, é a questão da função, isto é, o

“predomínio” da função sobre a forma, que se traduz em tentativas de subordinar e explicar o

especificamente lingüístico (a língua imanente de Saussure, a competência inata de Chomsky,

a materialidade lingüística...) a partir de algum elemento não-lingüístico (as funções da

linguagem, a comunicação, o social, as funções cognitivas...).

A respeito do sócio-cognitivismo, faremos referência rapidamente a Jerome S.

Bruner, para ilustrar o modo em que nos estudos sócio-interacionistas de aquisição da

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linguagem se produz essa subordinação da forma à função. Preste-se atenção, por exemplo, ao

seguinte argumento, verdadeira inversão do argumento chomskiano:

À luz das últimas décadas de pesquisa (...) eu proporia uma abordagem bastante diferente da de Chomsky para lidar com a aptidão humana com a linguagem. Sem pretender diminuir a importância da forma sintática da linguagem enfocarei quase que exclusivamente a função e o que denominei de apreensão do contexto. A sutileza e a complexidade das regras sintáticas nos levaram a acreditar que tais regras podem apenas ser apreendidas instrumentalmente, isto é, como instrumentos operativos para realizar determinadas funções e objetivos prévios. (...) Portanto, não é surpreendente, penso eu, que o argumento sobre como nós “ingressamos na linguagem” deve basear-se em um conjunto seletivo de “aptidões pré-lingüísticas para o significado”. Ou seja, há determinadas classes de significado com as quais os seres humanos estão inatamente sintonizados e as quais buscam ativamente. Antes da linguagem, esses significados existem de forma primitiva, como representações protolingüísticas do mundo, cuja realização plena depende da ferramenta cultural da linguagem (...) (BRUNER, 1990, p. 68-69). 57

Nesse argumento fica claro como um elemento funcional, não-lingüístico,

propriamente psicológico (as “aptidões pré-lingüísticas para o significado”) leva a preferência

sobre o propriamente lingüístico, que acaba sendo engendrado instrumentalmente.58

No domínio da relação entre a linguagem e as “variáveis sociais”, a sociolingüística

realiza uma operação idêntica de colocar o lingüístico “em função” de um elemento não-

lingüístico, no caso, as variáveis sociais (cf. CALVET, 2004). Lyons (1981) realiza a seguinte

generalização, relacionado a sociolingüística com o funcionalismo lingüístico e certa filosofia

da linguagem:

Em geral, podemos dizer que o funcionalismo em lingüística tendeu a enfatizar o caráter instrumental da linguagem. Há portanto, uma afinidade natural entre o ponto de vista funcionalista e o da sociolingüística ou dos filósofos da linguagem que incluíram o comportamento lingüístico na noção mais ampla de interação social. O funcionalismo é, neste e em outros aspectos, firmemente oposto ao gerativismo. (LYONS, 1981, p. 210)

57 BRUNER (1990, p. 67) também afirma: “Desde então, muita tinta foi derramada em estudos sobre a alegação de Chomsky a respeito do inatismo da aptidão sintática. (...) No mínimo, sua alegação teve o efeito de nos sacudir do sonolento empirismo que, desde Agostino, dominava as especulações sobre aquisição da linguagem” (grifo nosso). Fica em questão o que Bruner entende por “sonolento empirismo”, porque, de seus próprios argumentos, no caso, a partir de sua aposta em uma “sintonia inata” da criança com certos “proto-significados”, é simples e direto deduzir sua própria fé empirista, que aqui adquire a forma de uma confiança “pré-lingüística” na continuidade ou presença intersubjetiva (criança-adulto, professor-aluno...) – continuidade entre os espíritos sem a mediação escura da forma da linguagem; presença e transparência de intenções (significados) entre os egos... – que fica inexplicada. 58 O lingüístico, de alguma forma, perde seu estatuto de realidade ou materialidade própria e original – cai por terra o argumento saussureano da “realidade própria da língua”, que operou o “corte” epistemológico fundacional da ciência lingüística.

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Do mesmo modo, em continuidade com o procedimento de tentar explicar a

linguagem em função de um elemento não-lingüístico, na etnografia da comunicação surge a

noção de “competência comunicativa”, em reação ao conceito chomskiano de “competência

lingüística”, trazendo para o primeiro plano uma noção de “comunicação”. A questão fica

colocada: que noção de comunicação é essa que se constitui a distância do especificamente

lingüístico (poder-se-ia dizer: em reação contra a materialidade lingüística) para que

cheguemos a compreendê-la como um elemento não-lingüístico que venha apagar o

propriamente lingüístico?

Nas palavras de HYMES (1986, p.53) competência comunicativa está associada à

interação da língua com a vida social; às atitudes e ao conhecimento dos membros da

comunidade:

A interação da língua com a vida social é vista primeiramente como ação humana, baseado no conhecimento, às vezes consciente, na maioria das vezes inconsciente, que permite às pessoas usar a língua. Os eventos discursivos e os sistemas têm certamente propriedades não reduzidas àquelas da competência comunicativa dos falantes. Tal competência, entretanto, reforça uma conduta comunicativa, não somente dentro das comunidades, mas também no encontro delas. A competência comunicativa do falante pode ser vista como participando de uma série de sistemas em diferentes níveis (HYMES, 1986, p.53). 59

Hymes, de alguma maneira, contrapõe-se a Chomsky ao dizer que sua teoria era de

certa forma “estéril”, pois a teoria lingüística era mais do que isso, ou melhor, precisava ser

vista como “parte de uma teoria mais geral incorporando comunicação e cultura”

(RICHARDS e RODGERS, 2001, p.159).

Na visão de Hymes (1972), apud RICHARDS e RODGERS, (2001, p.159) quando

um indivíduo adquire competência comunicativa, também adquire conhecimento e habilidade

para usar a linguagem, devendo considerar:

1. se (e a que grau) algo é formalmente possível; 2. se (e a que grau) algo é praticável em virtude dos meios de implementação disponíveis; 3. se (e a que grau) algo é apropriado (adequado, oportuno, bem sucedido) em relação ao contexto onde é usado e avaliado; 4. se (e a que grau) algo é de fato executado, realizado na verdade, e em que essa realização implica”. 60

59Tradução minha de HYMES (1986, p.53): The interaction of language with social life is viewed as first of all a matter of human action, based on a knowledge, sometimes conscious, often unconscious, that enables persons to use language. Speech events and larger systems indeed have properties not reducible to those of the speaking competence of persons. Such competence, however, underlies communicative conduct, not only within communities but also in encounter between them. The speaking competence of persons may be seen as entering into a series of systems of encounter at levels of different scope. 60Tradução minha de RICHARDS e RODGERS (2001, p.159): 1. whether (and to what degree) something is formally possible; 2. whether (and to what degree) something is feasible in virtue of the means of

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A perspectiva da “competência comunicativa” tenta se colocar como mais

“compreensível” e “concreta”, opondo-se à visão de Chomsky, que coloca a ênfase num

conhecimento gramatical muito “restrito” e “abstrato”.

Na tentativa de estabelecer o sentido e a abrangência da competência comunicativa,

Richards (2006) estabelece sua relação com a competência gramatical. Para RICHARDS

(2006, p.3), na competência gramatical, a sentença é a unidade mínima de “análise e de

prática” . A competência gramatical é “responsável por nossa capacidade de produzir

sentenças em um idioma”. Porém, o problema surgiria a partir do momento em que seria

possível “dominar as regras de formação de sentenças em uma língua e ainda não conseguir

utilizar a linguagem para uma comunicação significativa”. Daí a relevância, nessa linha de

argumentação, da noção de competência comunicativa, para poder usar a linguagem de forma

efetiva, sob diversos aspectos:

(...) saber como usar a linguagem para uma série de finalidades e funções diferentes; saber como variar o uso da linguagem de acordo com as circunstâncias e os participantes(...); saber como produzir e entender diferentes tipos de textos (...) e saber como manter a comunicação apesar das limitações no conhecimento de um idioma (por exemplo, por meio de diferentes estratégias de comunicação). (grifo nosso). (RICHARDS, 2006, p.3)

Segundo FILHO (2007, p. 42), “ser comunicativo significa preocupar-se mais com o

próprio aluno enquanto sujeito e agente no processo de formação através da LE”. Segundo

os defensores desse método, há um deslocamento do foco do professor: centra-se a

aprendizagem no aluno (student centered), em função da sua necessidade de aprender uma

LE, o que produziria uma espécie de deslocamento do formato tradicional em que o professor

exercia o poder sobre todos em sala de aula.

Atentemos ao que coloca MAGALHÃES (1988, p.56): “a língua é concebida como

um ato comunicativo e não como um conjunto de regras sintáticas, dissociadas de qualquer

aplicação em situações da vida real”. Essa afirmação permite compreender a concepção de

linguagem que subjaz essa proposta, como dissemos influenciada pela pragmática, a

sociolingüística e a etnografia da comunicação. Da mesma forma, também abre para a questão

do destino que esses métodos dão à materialidade da língua, ao especificamente lingüístico.

Neste ponto, essa questão parece se manifestar como um “deslocamento” do sintático para o

comunicativo, da forma para a função, sustentado no argumento recorrente de que é

implementation available; 3. whether (and to what degree) something is appropriate (adequate, happy, successful) in relation to a context in which it is used and evaluated; 4. whether (and to what degree) something is in fact done, actually performed, and what its doing entails.

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importante que as atividades sejam “significativas” e que facilitem ou dêem oportunidade aos

alunos de “(co)operar”, “comunicar” e “interagir” com o outro.

Os defensores do método comunicativo declaram ter recuperado a capacidade de

“agente” do aluno, ativo na construção das situações comunicativas, em reação à

“passividade” que seria característica dos métodos anteriores. Segundo PAIVA (2005, p.31):

“O aprendiz é parte central do processo e deve ser visto como agente de sua própria

aprendizagem e não como um objeto que se plasma de acordo com as imposições dos

métodos e do professor”. Os métodos anteriores teriam “ignorado o aprendiz”, por não terem

levado em conta “que o ser humano é sempre o signo mediador de sua aprendizagem e que

efeitos diferentes poderão surgir em reação ao mesmo conjunto de variáveis”. Os métodos

acabam enfocando uma ou outra competência, seja ela “gramatical” ou “comunicativa”,

modificando a maneira como se aprende uma LE.

Ao longo dos anos, o ensino comunicativo apresentou algumas transformações. Em

Richards (2006) encontramos uma diferenciação ou bipartição do ensino comunicativo em

clássico e moderno, que vai dos anos 70 aos 90 e dos 90 em diante. Em função desta

distinção, faremos uma breve explanação devido ao enfoque dado à questão de linguagem

divergir um pouco.

3.3.1 Dos anos 70 aos 90

O período compreendido dos anos 70 aos anos 90 é caracterizado pelo “foco na

função”, de forma bem definida. A língua não poderia mais ser usada em função apenas das

regras gramaticais (competência gramatical) havendo necessidade de se utilizar novas

competências para “interagir”, “desenvolver e manter conversas”, “fazer-se entender”, ou

seja, “comunicar-se”. Nesta época, Richards (2006) comenta que além de “especificar a

gramática e o vocabulário” também eram características do ensino, a escolha do chamado

“ambiente”, definição dos “papéis”, a escolha dos “eventos comunicativos” e das “funções

lingüísticas”.

A partir desse cenário, argumentou-se que a dimensão comunicativa do método

ofereceria oportunidades para que alunos se desenvolvessem melhor lingüisticamente do que

através das abordagens anteriores. Ainda segundo Richards (2006), a base dos princípios da

metodologia na época enfocava a “comunicação natural”, dando oportunidades para

“experimentação” da/ na língua-alvo, fazendo uso das quatro habilidades (escrever, falar,

ouvir e ler) também em “situações reais”, deixando os aprendizes um pouco menos alerta aos

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erros. RICHARDS (2006, p. 22) diz que o professor deve “ser tolerante quanto aos erros dos

alunos por serem uma indicação de que o aluno está construindo o alicerce de sua

competência comunicativa”.

Ainda para RICHARDS (2006, p. 24) a partir do momento em que “um falante

interage de forma significativa e consegue manter uma comunicação compreensível e

contínua apesar das limitações de sua competência comunicativa (...)”, pode-se supor um

processo de aprendizagem (comunicativo) deixando, assim, a LE de ser apenas o objeto de

estudo para ser “meio de comunicação”. As “interações”, a “comunicação”, as oportunidades

de “experimentação” já citadas, desenvolvem, segundo ele, a fluência nos alunos fazendo uso

das estratégias comunicativas de compartilhamento da língua e da capacidade de “sinalizar

ao seu interlocutor a não-compreensão de seu enunciado e modificar a sua resposta

significativamente”. (ASSIS-PETERSON e OLIVEIRA, 2004, p.161).

3.3.2 Anos 90 em diante

A partir dos anos 90, a abordagem comunicativa diversificou-se, em função de sua

adaptação a variações na noção de aprendizagem. Como afirma RICHARDS (2006, p. 41):

“não existe um único conjunto ou um conjunto de acordo unânime de práticas que

caracterizam o ensino comunicativo de línguas na atualidade”.

O que muitos críticos perceberam foi a importância/necessidade da competência

gramatical. Há, portanto, uma preocupação maior em levar em conta a competência

gramatical e lingüística para o aprendizado. Alguns papéis foram definidos mais claramente

como o do professor como mediador que cria e oportuniza o aprendizado de seus alunos. O

aprendizado, de qualquer forma, continuaria “centrando-se” no aluno: é ele quem

desenvolverá métodos próprios de aprendizado, cada aluno terá um ritmo diferente, e por isso

a sala de aula será heterogênea.

Pensando no funcionamento das noções de “interação”, “compartilhamento de

informação”, tarefas e exercícios “comunicativos”, a proposta é que o aluno primeiramente

adquira a LE de forma holística, e depois, de forma consciente. Isso é mais uma variação do

“foco na função”: a aprendizagem “holística” inicial, em situação, pressupõe a introdução do

aluno nas funções, nos significados globais do contexto, para depois proceder à análise

“consciente” do aspecto gramatical. A função puxa a forma, o holístico puxa o discreto-

segmental-analítico.

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Tentemos visualizar a sala de aula segundo esta abordagem (FIGURA 7):

FIGURA 7: Disposição dos alunos em sala de aula seguindo o método comunicativo

Se a idéia é que o aprendizado se inicia de forma holística (foco na função), a

disposição dos corpos dos alunos encontrar-se-ia de maneira a permitir, talvez, um fluxo

maior de comunicação, de captação de significados e funções. O professor, de acordo com

RICHARDS e RODGERS (2001, p. 167) passa a cumprir dois papéis. O primeiro “o de

facilitador do processo comunicativo entre todos os participantes da sala de aula, e entre

esses participantes e as atividades e textos variados”. O segundo “é o de agir como um

participante independente dentro do processo de ensino-aprendizagem do grupo”61. Aposta-

se então na “natureza social” do aprendizado, com enfoque no significado, nas “habilidades” e

“aplicabilidades” de cada aprendiz na língua-alvo.

Reforçando o que disseram Richards e Rodgers (2001), BROWN (2001, p.43) traz

uma visão de sala de aula comunicativa:

O aluno numa sala comunicativa tem que usar a linguagem produtivamente e respectivamente, em contextos sem ensaio fora da sala de aula, (...) o papel do professor é o de facilitador e guia, não o detentor de todo o conhecimento. Os alunos são, portanto, encorajados a construir o significado e discutir através da interação livre com os outros. 62

61 Tradução minha de RICHARDS e RODGERS (2001, p. 167): The teacher has two main roles: the first is to facilitate the communication process between all participants in the classroom, and between these participants and the various activities and texts. The second role is to act as an independent participant within the learning-teaching group. 62Tradução minha de BROWN (2001, p.43): Students in a communicative class ultimately have to use the language productively and receptively, in unrehearsed contexts outside the classroom. (…) the role of the teacher is that of facilitator and guide, not an all-knowing bestower of knowledge. Students are therefore encouraged to construct meaning and discussion through genuine linguistic interaction with others.

Quadro Professor Aluno

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Na mesma direção, afirma FILHO (2007, p.15):

Aprender uma língua (...) é aprender a significar nessa nova língua e isso implica entrar em relações com outros numa busca de experiências profundas, válidas, pessoalmente relevantes, capacitadoras de novas compreensões e mobilizadora para ações subseqüentes. Aprender LE assim é crescer numa matriz de relações interativas na língua-alvo que gradualmente se desestrangeiriza para quem a aprende.

De qualquer forma, além das ênfases pontuais e das diferenças no tom que um autor

possa introduzir, fica claro que há uma permanência e continuidade no “método

comunicativo”, e que ela pode ser achada na matriz comum adotada a partir do foco na

função, da colocação do lingüístico em função de alguma variável extra-lingüística,

orientação comum à psicologia sócio-cognitivista, à sociolingüística, à pragmática e à

etnografia da comunicação.

Para fechar o presente capítulo, resta considerar a questão do corpo em relação ao

método comunicativo. Para isso, há necessidade de refletirmos na questão de haver uma

continuidade com a “instrumentalização do corpo” que tentamos caracterizar a respeito do

behaviorismo e do método audiolingual; na mudança de foco na forma para foco na função

tendo conseqüências no modo de conceber o corpo; e, se na “instrumentalização da

linguagem” que o funcionalismo lingüístico traz consigo – concepção da linguagem enquanto

instrumento de comunicação – supõe também uma forma específica de instrumentalização do

corpo.

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CAPÍTULO IV

A QUESTÃO DO CORPO E DA DISCURSIVIDADE

No presente capítulo propomos realizar uma análise da representação discursiva do

corpo no método comunicativo de ensino de segundas línguas. Para isso, o capítulo se

constitui em duas partes: (i) na primeira parte vamos procurar elementos na teoria da Análise

do Discurso derivada das elaborações de Michel Pêcheux (1969, 1997) que permitam abordar

a questão do corpo e sua relação com a discursividade, e (ii) a partir desses elementos, uma

segunda parte na qual realizaremos nossa análise de um corpus constituído por textos

(didáticos e teóricos) que de alguma forma apresentam de um modo mais ou menos

privilegiado a questão do corpo no método comunicativo de ensino de segunda língua.

4.1 A análise do discurso e a questão do corpo

Que autores e conceitos relacionados à análise do discurso, permitem trabalhar a

questão do corpo? Propomos indagar, sobretudo, quatro autores: Althusser, Pêcheux,

Haroche, Maingueneau e Orlandi.

Em cada autor iniciamos uma busca às relações de corpo, ritual, ethos e imagem que

possam abrir caminhos para a análise do nosso corpus dentro do método comunicativo.

4.1.1 – Althusser e Haroche: corpo e ritual

Para trabalhar a questão da ideologia adotamos como ponto de partida a concepção de

ALTHUSSER (1980, p.88,89), segundo o qual a ideologia tem “existência material”, pois “a

existência das idéias da sua crença é material, porque as suas idéias são actos materiais

inseridos em práticas materiais, reguladas por rituais materiais que são também definidos

pelo aparelho ideológico material de que relevam as idéias desse sujeito”. A ideologia parece

assim, materializar-se em atos concretos, introduzindo uma determinação dos participantes

dessas práticas “materiais”.

O sujeito/indivíduo entra com seu corpo na cena dos rituais que constituem a própria

materialidade da ideologia e, por isso, o corpo e suas vicissitudes, isto é, o modo em que a

ideologia se inscreve no corpo, são dimensões constitutivas essenciais da materialidade da

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ideologia. O comportamento desse sujeito é assim, “natural”; a filiação que ele tem numa

representação ideológica (seja ela a Igreja ou outro “aparelho ideológico”) faz com que ele aja

segundo essas filiações e crenças. Vamos a um exemplo de ALTHUSSER (op. cit.) a respeito

das várias instituições ideológicas:

O indivíduo em questão conduz-se desta ou daquela maneira, adopta este ou aquele comportamento prático e, o que é mais, participa em certas práticas reguladas, que são as do aparelho ideológico de que dependem as idéias que enquanto sujeito escolheu livremente, conscientemente. Se crê em Deus, vai à Igreja para assistir à Missa, ajoelha-se, reza, confessa-se, faz penitência (antigamente esta era material no sentido corrente do termo) e naturalmente arrepende-se e continua, etc. Se crê no Dever, terá comportamentos correspondentes, inscritos nas práticas rituais, conformes aos bons costumes. Se crê na Justiça, submeter-se-á sem discussão às regras do Direito, e poderá até protestar quando estas são violadas, assinar petições, tomar parte numa manifestação, etc.

Em última instância, poder-se-ia dizer que quem enuncia muitas vezes, no contexto de

um aparelho ideológico determinado participa de um “ritual” onde os enunciadores

apresentam-se com “ares sinceros”, assumindo posturas, fazendo gestos. Althusser nos lembra

sobre o ritual:

Devemos à dialéctica defensiva de Pascal a maravilhosa fórmula que nos vai permitir inverter a ordem do esquema nocional da ideologia. Pascal diz aproximadamente o seguinte: Ajoelhai-vos, mexei os lábios como se fosseis rezar, e sereis crentes. Inverte portanto escandalosamente a ordem das coisas, trazendo, como Cristo, não a paz, mas a divisão, e além disso, o que é muito pouco cristão, o escândalo. (ALTHUSSER, 1980, p. 88)

O corpo e os “rituais” nos quais ele participa são, então, os lugares materiais onde se

enuncia. Lugares onde o enunciador mostra-se a uma platéia, “representa” num cenário.

Cenário este, físico-material-ideológico, inscrito no corpo, ritualístico (rituais do corpo), isto

é, a forma que a ideologia se inscreve no corpo, na materialidade que corresponde à ideologia.

Qual é então, a importância do corpo no ato enunciativo?

A hegemonia ideológica exercida sobre os corpos dos indivíduos é importante sob a

ótica althusseriana para criar e manter as relações de dominador e dominado. É através desses

mecanismos de rituais materiais e práticas materiais que o indivíduo se insere e se transforma

em um sujeito assujeitado por uma ideologia também material, pois, é somente através do

sujeito que a ideologia pode atuar.

O assujeitamento dos corpos também visto por Haroche (1998) atinge a mesma ótica

de Althusser, trabalho em que ela analisa a sociedade monárquica na intenção de mostrar o

poder, o controle dos corpos, dos rostos, das expressões e demonstrar como esse poder é

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exercido silenciosamente através dos gestos, do espaço habitado, da inscrição do corpo numa

sociedade em movimento.

Interessam-nos os detalhes dos rituais que, na monarquia absoluta, atingem as posturas dos corpos, as expressões do rosto, incitando os súditos a mostrarem-se reservados, contidos, senhores de si próprios e participantes, dessa forma, na fabricação de um indivíduo deferente, respeitoso, submisso. Interessa-nos mostrar que esses rituais, dispositivos contínuos, silenciosos e imperceptíveis, contribuem para despertar, por gestos e posturas, sentimentos de deferência e reverência, de respeito, temor e medo em relação ao monarca, mas também sentimentos de apego e de amor: uma sensibilidade monárquica. HAROCHE (1998, p.53)

Os corpos, os gestos, os olhares, a postura, tudo faz parte de um ritual, de uma

“domesticação”, de um “adestramento” condicionado pelo poder. É assim que Haroche (op.

cit.) mostra como a monarquia absoluta do século XVII funcionava:

As cerimônias e os rituais são, portanto, concebidos como instrumentos destinados a provocar o respeito e mesmo o medo, a instaurar a distância. A majestade se acompanha de ornamentos, indumentárias, gestos, olhares, posturas. As cerimônias, como os rituais, têm uma finalidade comum: graças a um trabalho sobre as aparências, é necessário por meio de sinais visíveis captar o olhar e emocionar os espíritos para impor uma ordem, instaurar uma distância e, dessa forma, fazer reconhecer uma hierarquia. (op.cit,. p.59)

Através dos instrumentos já citados (gestos, olhares, postura, etc) pode-se observar os

efeitos sobre os corpos dominados. A comunicação através do corpo e não da fala faz do

ritual, um poder, uma arma imposta em cada um através do aparelho dominador. É ele – esse

corpo silencioso - quem vai através do gesto, da postura, do comportamento “impor” a

autoridade sem a violência física, mas com o uso de outros poderes – o poder de coerção

psicológica e simbólica.

4.1.2 Maingueneau: ethos, cenografia, tom, caráter e corporalidade

Dentro da cena enunciativa devemos recuperar a noção de ethos63 para a análise do

discurso, que, segundo Maingueneau “o ethos implica, com efeito, uma disciplina do corpo

apreendido por intermédio de um comportamento global” agregado, segundo ele às noções de 63 MAINGUENEAU (1989, p.45) recupera a noção de ethé da retórica antiga para a Análise do Discurso: “propriedades que os oradores se conferiam implicitamente, através de sua maneira de dizer: não o que diziam a propósito deles mesmos, mas o que revelavam pelo próprio modo de se expressarem. Aristóteles distinguia desta forma phrônesis (ter o aspecto de pessoa ponderada) areté (assumir a atitude de um homem de fala franca, que diz a verdade crua), eunóia (oferecer uma imagem agradável de si mesmo), etc. A eficácia destes “ethé” se origina no fato de que eles atravessam, carregam o conjunto da enunciação sem jamais explicitarem sua função.”

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“tom”, “corporalidade” e “cenografia” desenvolvendo assim um ethos carregado de múltiplos

sentidos que parece, por vezes, representar o próprio enunciador.

A noção de ethos pertence à retórica antiga e seu significado vai além dos enunciados

orais: “é válido para qualquer discurso, mesmo para o escrito. Com efeito, o texto escrito

possui, mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao que é dito. Esse tom permite

ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador.” (MAINGUENEAU, 1998,

p.98-99). O ethos, portanto, vai além do oral, mas são atribuídos a ele, caráter – traços

psicológicos e corporalidade – compleição corporal e movimentação na esfera social.

A importância do ethos para Maingueneau está na percepção de o discurso enunciar-se

preestabelecendo papéis, fazendo com que o locutor escolha “livremente” sua cenografia, ou

seja, desenvolvendo-se articuladamente com a cena de enunciação; relacionando como já

vimos caráter, corporalidade e a noção de tom.

Isso se constitui numa questão complexa, porque, como defende SOARES (2001,

p.110):

Os corpos são educados por toda realidade que os circunda, por todas as coisas com as quais convivem, pelas relações que se estabelecem em espaços definidos e delimitados por atos de conhecimento. Uma educação que se mostra como face polissêmica e que processa de um modo singular: dá-se não só por palavras, mas por olhares, gestos, coisas, pelo lugar onde vivem.

A educação como visto, processa-se também além das palavras, do discurso. Através

de gestos, da cena que o compõem, do tipo de encenação feita num espaço definido podem ser

traços de uma sociedade hierarquizada e moldada de acordo com o que os inscreve e os

persuadem pela palavra. Nesse ponto, focamos a discussão que permeia nosso trabalho: o

corpo, na sua materialidade é colocado em cena de que maneira? Como se dá a

sobredeterminação do sujeito dentro do discurso educativo visto que existe um cenário onde o

discurso é construído e onde todos os elementos relacionam-se numa relação de dependência

e complementaridade?

4.1.2.1 Cenografia

A cenografia está ligada à cena enunciativa que se refere ao espaço e ao tempo onde a

enunciação se desenvolve. Ela é construída pelo próprio texto - discurso e tipo de gênero.

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Segundo MAINGUENEAU (2005, p.75), a cena enunciativa pode integrar três cenas

chamadas de “cena englobante”, “cena genérica” e “cenografia” :

A cena englobante corresponde ao tipo de discurso; ela confere ao discurso seu estatuto pragmático: literário, religioso, filosófico... A cena genérica é a do contrato associado a um gênero, a uma “instituição discursiva”: o editorial, o sermão, o guia turístico, a visita médica... Quanto à cenografia, ela não é imposta pelo gênero, ela é construído pelo próprio texto: um sermão pode ser enunciado por meio de uma cenografia professoral, profética etc.

E continua explicando acerca de “cenografia”:

Não empregamos aqui “cenografia” no sentido que tem seu uso teatral, mas dando-lhe um duplo valor: (1) Acrescentando à noção teatral de “cena” a de –grafia, da “inscrição”: para além da oposição empírica entre o oral e o escrito, uma enunciação se caracteriza, de fato, por sua maneira específica de inscrever-se, de legitimar-se, prescrevendo-se um modo de existência no interdiscurso; (2) Não definimos a “cena enunciativa” em termos de “quadro”, de decoração, como se o discurso se manifestasse no interior de um espaço já construído e independente do discurso, mas consideramos o desenvolvimento da enunciação como a instauração progressiva de seu próprio dispositivo de fala. A “-grafia” deve, pois, ser apreendida ao mesmo tempo como quadro e como processo.

O papel da cenografia é, portanto, o de legitimar o discurso e estabelecer a cena do

enunciado. É a partir dela que o ethos surge, em função da necessidade em se estabelecer a

situação de enunciação; o cenário deve, portanto, dar conta do que se enuncia, do que permite

mostrar. A preocupação que perpassa a cenografia transporta-se para a realidade da sala de

aula. Como é o cenário dela? Trata-se de um cenário fixo? Faz-se necessário uma constante

validação da situação de enunciação para legitimar a fala do professor? E o “texto” do

professor, também é fixo?

4.1.2.2 Tom

Para descrever a enunciação e para o leitor poder construir uma imagem do

enunciador, o tom (ou voz) é importante; é ele “que dá autoridade ao que é dito.” 64 a partir

de indícios do próprio texto. É o que MAINGUENEAU (2006, p.67) afirma: “A adesão do

destinatário opera-se por um apoio recíproco da cena de enunciação (da qual o ethos

participa) e do conteúdo apresentado.”

A maneira como se diz e como se passa a mensagem constitui uma condição essencial

para que o leitor/ouvinte atente ao que está sendo enunciado. Temos que ter em mente, assim, 64 MAINGUENEAU (1998, p. 98).

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que o ethos não é uma forma de persuadir, ele é parte integrante de um conjunto maior: a cena

de enunciação.

Esse termo “tom” atesta o que foi dito; e tem uma vantagem de valer tanto para a

oralidade quanto ao texto escrito como se desse ao corpo do locutor uma propriedade maior

ao [conteúdo do] que se fala. O tom está diretamente ligado ao caráter e a corporalidade.

4.1.2.3 Caráter e corporalidade

O caráter para Maingueneau (1989) não corresponde apenas a dimensão da voz, liga-

se a representações coletivas do enunciador do texto (chamado de “fiador” por ele) e:

(...) corresponde a este conjunto de traços ‘psicológicos’ que o leitor-ouvinte atribui espontaneamente à figura do enunciador, em função de seu modo de dizer. Para o humanismo devoto, este ‘caráter’ será o de um homem essencialmente comedido e sociável. Bem entendido, não se trata aqui de caracterologia, mas de estereótipos que circulam em uma cultura determinada. (MAINGUENEAU, 1989, p. 47)

Já a corporalidade corresponde à movimentação do corpo no espaço, a maneira de se

vestir, a uma disciplina corporal ligada ao comportamento. Vejamos o que diz Maingueneau:

Deve-se dizer o mesmo a propósito da “corporalidade”, que remete a uma representação do corpo do enunciador da formação discursiva. Corpo que não é oferecido ao olhar, que não é uma presença plena, mas uma espécie de fantasma induzido pelo destinatário como correlato de sua leitura. (op. cit., p.47)

Como se vê, corpo e corporalidade estão ligados ao ethos pela maneira de manifestar-

se em um cenário social. A disciplinarização do corpo implica na valorização ou

desvalorização do espaço social onde o caráter e a corporalidade apóiam-se na enunciação. O

que vai determinar a qualidade do ethos nesse cenário é a poder de persuasão do fiador que

levará o leitor a se identificar ou não com o enunciado; por isso, a importância do caráter e da

corporalidade; assegurar ao leitor a identificação com o que a ele está sendo socialmente

levado a “acreditar”.

4.1.2.4 Incorporação

O ethos no cenário social, a disciplina do corpo, a identificação do público do

destinatário com as representações dos enunciadores desse cenário levam à discussão do

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termo incorporação. Maingueneau (1989) vale-se da etimologia para explicar o termo

dizendo que este se realiza em “três registros estreitamente articulados”:

- a formação discursiva confere “corporalidade” à figura do enunciador e, correlativamente, àquela do destinatário, ela lhes “dá corpo” textualmente; - esta corporalidade possibilita aos sujeitos a “incorporação” de esquemas que definem uma maneira específica de habitar o mundo, a sociedade; - estes dois primeiros aspectos constituem uma condição da “incorporação” imaginária dos destinatários ao corpo, o grupo dos adeptos do discurso. (MAINGUENEAU, 1989, p. 48)

Transportando as noções que envolvem o ethos, o tom, a cenografia e a

corporalidade para o cenário – sala de aula – percebemos que todas essas noções trabalhadas

por Maingueneau são pertinentes para olharmos a questão do corpo em sua relação com a

ideologia e as políticas do corpo e ensino.

4.1.3 Orlandi: a inscrição no corpo

Orlandi (2001) introduz uma reflexão sobre a questão do corpo a partir da noção de

forma material, elaborada em primeiro lugar por Louis Hjemslev. ORLANDI (1996, p.12) faz

referencia à noçao de forma material da seguinte maneira:

(...) não há um sistema de signos só, mas muitos. Porque há muitos modos de significar e a matéria significante tem plasticidade, é plural. Como os sentidos não são indiferentes à matéria significante, a relação do homem com os sentidos se exerce em diferentes materialidades, em processos de significação diversos: pintura, imagem, música, escultura, escrita, etc. A matéria significante –e/ ou a sua percepção – afeta o gesto de interpretação, dá uma forma a ele. (ORLANDI, 1996, p.12)

A noção de forma material, então, coloca a questão do funcionamento/ deslocamento

de sentidos em função do suporte material do discurso. Orlandi (2001) se propõe trabalhar

essa questão em relação à questão do corpo, a partir da escrita da tatuagem. Orlandi encontra

traços parecidos entre essas manifestações (a letra e a tatuagem) que a primeira vista poderia

aparecer como desvinculadas. Mas Orlandi as aborda através de algo que possuem em

comum: são formas de se relacionar com a sociedade onde atuam, não deixando de ser

ritualizadas por padrões diferenciados e independentes.

A noção de forma material permite afirmar a Orlandi que as formas de inscrição da

letra produzem efeitos de sentido diferentes. Se falarmos em “corpo de texto” fazemos uma

referência simbólica da palavra “corpo”, porém, quando falamos em “tatuagem” damos ao

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“corpo” uma significação e uma referência material, pois a tatuagem se inscreve no corpo.

Vejamos o que ORLANDI (2001, p.205) diz a esse respeito:

Os diferentes materiais e as diferentes superfícies determinam diferentes relações com/de sentidos. Escrito, ou oral, letra ou sinal, superfície plana ou multidimensional, parede, papel, faixa, letreiro, painel, corpo. Textura, tamanho. Cor, densidade, extensão, tudo significa nas formas da textualização, nas diversas maneiras de formular. Jogo da formulação, aventuras dos trajetos que configuram sua circulação. Acaso e necessidade.

E continua na página seguinte:

A larga diferença que existe entre um sorriso – expressão facial cultural indicando felicidade, alegria, satisfação – e o piercing – gesto de interpretação posto no próprio corpo, manufatura de um acréscimo na superfície da pele, da carne textualizada. De um lado, a expressão, o gesto facial, do outro, a interferência no corpo, talhe de significação na própria carne. Diferenças históricas os distanciam. São dois corpos aí significados em seus diferentes sentidos, em suas diferentes formas de significar. (ORLANDI, 2001, p.206)

Segundo ORLANDI (2006), os indivíduos têm necessidade e desejo de pertencimento

a um grupo, têm de estabelecer laços sociais para legitimar-se. Qual é a relação entre essa

necessidade de pertencimento e a problemática introduzida pela forma material? A seguinte

questão é apontada por ela: “quando mudamos a forma de circulação e a matéria do meio

significante atingimos o modo como o sentido se constitui (sócio-historicamente)? Ou seja: a

escrita na pele atinge o processo de constituição dos sentidos?” Se a resposta for

afirmativa...: “estamos diante de uma falha no ritual ideológico e temos assim a possibilidade

de um furo no modo de individualização do sujeito moderno.” Já se a resposta for negativa:

“estamos apenas diante de mais uma variável da tecnologia da escrita”. (ORLANDI, 2006,

p.29).

Além da relação entre forma material e sentido, essa reflexão de Orlandi é interessante

porque se coloca a pergunta a respeito do corpo enquanto forma material. A partir das

reflexões de Orlandi pode-se deduzir uma relação entre as formas materiais específicas de

circulação/deslocamentos de sentido e a questão da identidade/ individuação/ pertencimento

ao grupo.

A inscrição do discurso-ideologia no corpo se produz a partir da participação no ritual

ideológico. Orlandi especifica um aspecto dessa questão, a partir da noção de forma material.

A forma material é um conceito que pode servir para pensar o modo de inscrição da

discursividade no corpo do sujeito. A partir dessa perspectiva, podemos ler a seguinte

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referência a Rodriguez Giménez, relacionando o ritual do corpo com a questão do

pertencimento ao grupo:

Para falar do corpo, para que este signifique alguma coisa em uma cultura, é preciso que esteja vinculado em algum lugar pelo sentido que o nomeie de alguma maneira. Uma vez realizada tal operação, necessariamente um conjunto de derivações virá do que significa e implica. No caso da educação moderna, o tratamento do corpo será objeto de uma série de cuidados específicos que mantêm relação com grupos ou classes sociais. Quem aprende os gestos de um grupo ou classe social, incorpora os códigos que o interpelam e o precedem a ponto de sentir-se “dentro de”, “como um peixe na água”, ao interagir dentro daquele conjunto de códigos/práticas mais ou menos estabelecidos. 65

Começa a aparecer como uma questão “natural” a relação entre pertencimento ao

grupo, sujeito e corpo. Da relação de um sujeito passamos agora à relação entre esse corpo e o

grupo, a partir da necessidade de “moldar” a imagem, a representação que cada um faz do seu

grupo, do Outro. Sentimentos de ameaça pelo Outro, por querer pertencer a outro grupo ou ter

ânsia de interagir com outros, parecem atravessados por essas questões. Talvez não

necessidade física de pertencimento, mas, ideológica. Necessidade de inscrever-se para

significar ou até, imaginar-se para vir a pertencer.

4.1.4 Pêcheux: imagem, corpo e sujeito pragmático.

A imagem para Pêcheux parece-nos como uma representação de quem fala e do outro.

Na AAD-69, Pêcheux mostra como os discursos são produzidos estruturalmente, colocando

“A” e “B” como pontos referentes à produção/transmissão do discurso em relação a situações

que poderiam ser definidas “objetivamente” e a representação subjetiva/imaginária delas:

Nossa hipótese é a de que esses lugares estão representados nos processos discursivos em que são colocados em jogo. Entretanto, seria ingênuo supor que o lugar como feixe de traços objetivos funciona como tal no interior do processo discursivo: ele se encontra aí representado, isto é, presente, mas transformado em outros termos, o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro. Se assim ocorre, existem nos mecanismos de qualquer formação social regras de projeção, que

65 Tradução minha de RODRIGUEZ GIMÉNEZ (2007a, p.43): Para hablar del cuerpo, para que signifique alguna cosa en una cultura, es preciso que está vinculado en algún lugar de sentido, que se lo nombre de alguna manera. Una vez realizada tal operación, necesariamente vendrá un conjunto de derivaciones de lo que ello significa e implica. Para el caso de la enseñanza moderna, el tratamiento del cuerpo será objeto de una serie de cuidados específicos que guardan relación con grupos o clases sociales. Quien aprende la gestualidad de un grupo o clase social, incorpora aquellos códigos que le preceden y le interpelan, al punto de sentirse “dentro de”, “como pez en el agua”, al interactuar dentro do aquel conjunto de códigos/ prácticas más o menos estables.

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estabelecem as relações entre as situações (objetivamente definíveis) e as posições (representações dessas situações). (grifos do autor) (PÊCHEUX, 1969, p.82)

O discurso66, então, para Pêcheux é marcado pelas relações imaginárias que cada um

faz de si e do outro dentro do processo discursivo. Esses lugares representam a nós mesmos e

o outro; é, uma representação – imagem67 dentro desse discurso. Esse jogo de representaçoes

entre “A” e “B” e em relação a como os outros percebem a imagem de “A” e a de “B” é

necessária, vai afirmar Pêcheux depois, dentro de um universo/espaço discursivo

“logicamente estabilizado” (PÊCHEUX 1997, p.31):

Nesses espaços discursivos (que mais acima designamos como “logicamente estabilizados”) supõe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala, porque todo enunciado produzido nesses espaços reflete propriedades estruturais independentes de sua enunciação: essas propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma descrição adequada do universo (tal que este universo é tomado discursivamente nesses espaços).

Através de Pêcheux percebe-se que o sujeito necessita desses espaços “estabilizados”,

necessita de unicidade, do fazer-representação homogêneo(a). O sujeito pragmático, afirma

PÊCHEUX (1997, p.33):

(...) é cada um de nós, os “simples particulares” face às diversas urgências de sua vida – tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lógica: isto se marca pela existência dessa multiplicidade de pequenos sistemas lógicos portáteis que vão da gestão cotidiana da existência (...) até as “grandes decisões” da vida social e afetiva (...) passando por todo o contexto sócio-técnico dos “aparelhos domésticos” (...)

Essa necessidade de pertencimento e de homogeneidade lógica faz-nos pensar como

PÊCHEUX (1997) que:

66 Pêcheux usa o termo discurso enquanto Jakobson usava o termo mensagem. 67 ELIA (1995, p.104) faz referência à mesma palavra “imagem” dizendo ser esta importante também para a questão do corpo que dentro da Psicanálise: “(...) não deve ser entendido, como acontece normalmente, como relativo à imaginação. Ambas as palavras - imaginário e imaginação – devem ser remetidas à sua matriz: imagem. Assim, se a imaginação é, grosso modo, uma atividade psíquica que se produz por imagens, imaginário é o registro da experiência subjetiva em que prevalecem as imagens, nada tendo a ver com a atividade psíquica da imaginação. E a imagem primordial da experiência subjetiva é a imagem do corpo próprio. É porque nenhum elo natural liga o sujeito a seu corpo, nenhuma garantia lhe é dada no sentido de ter esta ligação como estabelecida pela natureza, definitiva e harmoniosamente, de uma vez por todas, é por isto que a imagem do corpo próprio é de suprema importância para o sujeito”. (grifos do autor)

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67

De nada serve negar essa necessidade (desejo) de aparência, veículo de disjunções e categorizações lógicas: essa necessidade universal de um “mundo semanticamente normal”, isto é, normatizado, começa com a relação de cada um com seu próprio corpo e seus arredores imediatos (...) esta necessidade de fronteiras coincide com a construção de laços de dependência face às múltiplas coisas-a-saber, consideradas como reservas de conhecimento acumuladas, máquinas-de-saber contra as ameaças de toda espécie (...) (PÊCHEUX, 1997, p.34)68

Vimos então, que a disciplinarização do corpo em relação ao sujeito pragmático de

Pêcheux emerge como “coisas-a-saber” (rituais, gestos, incorporação, tom, etc.) num espaço

discursivo “estabilizado” e que a produção dessa disciplinarização do corpo pode ser gerada a

partir de uma imagem-representação do corpo, que é reduzido a objeto de um

“conhecimento”, que regula e sistematiza a necessidade de homogeneidade lógica,

determinando e produzindo necessidades/desejos de acordo às demandas de uma determinada

sociedade-discursividade dominante, em nosso caso, a sociedade capitalista.

4.2 Análise de slogans e de “cenas enunciativas”

Depois de ter revisado a bibliografia discursiva sobre a questão do corpo, nos

encaminhamos para a análise de dados, isto é, sugerimos algumas linhas/pontos muito

preliminares para a construção do corpus. O corpus de nossa análise se constitui basicamente

de dois tipos de dados: (i) alguns slogans de propaganda de uma escola de inglês que usa o

método comunicativo de ensino de línguas; e (ii) algumas “cenas enunciativas” encontradas

em materiais didáticos usados em sala de aula (tanto no material do aluno quanto no material

do professor). Também realizaremos alguns comentários sobre passagens de textos teóricos

que apresentam e explicam o método comunicativo de ensino de línguas (sobretudo Savignon

1997).

Essa entrada que pretendemos fazer a partir dos slogans pressupõe que, de certa

forma, a propaganda condensa mensagens, conteúdos, tornando explícito aquilo que, depois,

na análise das lições e das fundamentações teóricas vai aparecer mais disperso, menos

concentrado.

Mas antes de apresentar os dados, é necessário começar a caracterizar, antecipar

alguns elementos dos processos discursivos que subjazem a esses dados. Queremos fazer

referência agora àquilo que, em princípio, consideramos a(s) formação(ões) discursiva(s)

68 Também citado por RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007).

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dominantes nessa instância de dizer/trabalhar sobre a questão do corpo na educação, e,

especificamente no ensino de línguas.

A partir dos elementos teóricos trabalhados na primeira parte do presente capítulo

sobre a questão do corpo em Análise do Discurso, complementados (“afetados”) por alguns

elementos do modo em que Michel Foucault69 aborda a questão do corpo (disciplina do corpo,

cuidado de si, etc.), faremos referência agora à configuração discursiva que constitui a própria

materialidade do assujeitamento dos corpos dos indivíduos e das populações, a partir do

discurso higienista-vitalista70, em estreita relação com o discurso-instituição biomédico, o

qual acompanha, articula e complementa, no século XIX, a difusão massiva dos sistemas

modernos de ensino (letramento, campanhas de alfabetização, etc.), com todo o componente

de disciplina/gestão dos corpos que supõe a educação e a vida moderna, urbana,71 em geral.

Trata-se de explicitar o modo em que, como afirma RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007b,

p.2), “os sistemas de ensino moderno não somente não excluíram o corpo, senão que o

colocaram no centro de suas preocupações, dentro de uma série de tecnologias modernas

destinadas a estabelecer controles de funções, processos, desenvolvimentos do corpo

individual e das populações.” Está em jogo, então, uma visão ou gestão

utilitarista/instrumentalista dos corpos que supõe a redução do corpo a um objeto de

conhecimento. Segundo RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007b, p.5):

Dentro da teoria do ensino moderno, articulado com uma forma particular de constituição do dualismo corpo e mente, o corpo adquire estatuto objetivo: “o corpo é identificado comodamente no orgânico, com a carne viva e funcionante, na qual nos fala a biologia e a medicina” (BEHARES, 2007, p.5). Claro que não é nenhuma casualidade que esta perspectiva de objetivação do corpo fosse dominante no sistema de ensino; ela se apresenta como uma modalidade ótima para a articulação com uma didática moderna (...) na medida em que o corpo do qual aí se fala é plenamente representável, fundando, portanto, a possibilidade de que, colocado num âmbito do ensino, o corpo é uma coisa sobre o qual se intervém com possibilidades mais ou menos exatas de predição sobre os resultados dessa intervenção, para o qual se desenvolverá toda uma perspectiva de avaliação análoga ao monitoramento das funções e capacidades anátomo-fisiológicas. Esse identificar-se ‘comodamente’ do corpo (...) não aconteceu senão à custa de, primeiro um disciplinamento, e depois de um refinamento da discursividade biomédica.

69 Foucault mostra a disciplinarização do corpo como forma de poder que pode ora controlar (como uma máquina de poder), ora ser controlado (como corpos submissos e “dóceis”) por essa máquina através da distribuição de cada corpo num espaço específico. Para Foucault, a determinação desses lugares, hierarquiza o poder e torna o indivíduo disciplinado (ou melhor, submisso). Ver Foucault (1971, 1975). 70 A perspectiva higienista antecede o vitalismo. Em FERRATER MORA (1979, p.3710) vitalismo, ou melhor, neo-vitalismo tenta identificar (força vital, princípio vital, espírito vital) alguma coisa que tem a ver com o corpo que não é “corporal”, “orgânico”, que hoje talvez possamos identificar com a encruzilhada entre corpo e linguagem, entre o corpo vivo, orgânico e a palavra que de alguma forma se inscreve nesse corpo vivo. 71 Baseamo-nos em trabalhos de RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007a, 2007b) que se fundamentam basicamente em Foucault, Althusser, Pêcheux e Žižek.

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69

A redução do corpo a objeto de conhecimento supõe, então, uma representação do

corpo pela ciência72 e pela pedagogia, fortemente atrelada à psicologização e ao surgimento

de novas tecnologias que tem impacto sobre a gestão dos corpos, incluindo as tecnologias

educativas (currículo). Pode ser estabelecida uma estreita relação entre o componente

psicologista, o componente pedagógico e o componente bio-médico da redução do corpo a um

objeto de conhecimento “sem resto”:

E também daí que para o ensino moderno, o corpo não tem deixado de ser um resto que há de se controlar. A questão do corpo pouco tem interessado à didática moderna, até o ponto em que a sua materialidade tem se constituído a partir das teorias psicológicas. Do ponto de vista em que a relação entre ensino e aprendizagem se resolve numa dimensão cognitiva, o corpo se verá reduzido ao anátomo-fisiológico. Ao mesmo tempo, cada uma dessas dimensões funcionaria como entidades autoevidentes que supõem um sujeito psicológico com possibilidade de auto-regulação plena. Uma crítica dessa perspectiva não supõe negar um mínimo de homogeneidade lógica a partir da qual podemos falar do corpo; porém, para pensar a questão da relação corpo-saber-conhecimento isso resulta insuficiente. (RODRÍGUEZ GIMÉNEZ, 2007a, p.43).

O discurso utilitarista-instrumentalista-higienista sobre o corpo viu-se

complementado, ou melhor, suplementado, por um discurso que chamaremos aqui de

“hedonista”, “sensível”, que introduz de forma articulada tanto a questão do “cuidado de si”

quanto às necessidades do mercado de consumo que caracterizam o momento atual da

sociedade capitalista pós-industrial.

O apelo universalista do discurso utilitarista-instrumentalista sobre o corpo, dirigido a

“todo sujeito”- discurso já suficientemente estabilizado a partir de sua difusão massiva nos

séculos XIX-XX - recebe agora esse suplemento, o apelo particularista do discurso

hedonista-sensível, dirigido a “cada sujeito”, compreendido como uma gestão do “uso dos

prazeres” do corpo, um “produzir-se como sujeito”, uma “restauração da imagem do eu”,73

vinculado a práticas que asseguram a “qualidade de vida” (saúde, educação, lazer, esporte...).

Sobre essa complementaridade, afirma RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007b, p.3): “Ainda

quando se tem deixado de introduzir o corpo num quadro cujos signos se lêem em termos de

72 Ciência esta que se apropria da experiência e submete a experiência corporal ao “processo de produção de informação”, de modo que “a história da produção de conhecimento fica esquecida, como se não existisse a possibilidade do acontecimento”. Essa experiência é comprimida pelo especialista “que escreve a partir do discurso normatizador da ciência moderna para o desenvolvimento de uma concepção moderna do corpo, a biologia – instância chave das ciências biomédicas – mostra um papel fundamental. Até poder-se-ia dizer que tenha funcionado como gerador de metáforas para o conjunto das ciências modernas, especialmente para as leituras do social, cultural e político”. (RODRÍGUEZ GIMÉNEZ, 2007a, p.36) 73 Essas últimas três referências, colocadas aqui entre aspas, foram tomadas de Žižek (1989, p. 24). Ver também capítulo 4 da presente dissertação.

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70

valor e utilidade para dar lugar a outras modalidades hedonistas (que incluem o utilitário) a

ilusão de controle da vida continua ocupando o centro”. 74

A racionalidade do discurso utilitarista sobre o corpo é complementado, então, pelas

novas formas de educação das paixões-emoções no discurso hedonista-sensível. Do mesmo

modo, corresponderia ao discurso utilitarista a idéia de uma comunidade “intersubjetiva

universal”, de comunicação transparente, e ao discurso hedonista-sensível à idéia de diversas

comunidades “vivendo na diferença”. De acordo também com RODRÍGUEZ GIMÉNEZ

(2007a, p.42):

O momento atual a respeito da experiência corporal apresenta um possível paradoxo: uma vez que se pretende recuperar a individualidade, a singularidade75, a diferença, volta-se cada vez mais espetacularmente massiva. A nova massa não tem tanto a ver com uma identificação ideal com um projeto político, social e/ou cultural, como com certo mandato que reúne o “cuidado de si” com uma série de “verdades” que o mercado tem tomado das ciências biomédicas: as regras de conduta ou normas que supõem o “cuidado de si” já não dependem de um Estado higienista, senão da articulação mais ou menos difusa das políticas de governo focadas com a oferta hiper refinada de objetos destinados a cuidar do corpo. Nessa mesma articulação – instância constitutiva do político e das políticas – se encontram, por exemplo, os grandes eventos esportivos que convocam a uma participação massiva, caminhadas, maratonas, etc. Estes eventos massivos não representam - como asseguram as estratégias de marketing ou ainda certa leitura supostamente pedagogizada do fenômeno - uma instância que beneficiaria a dimensão comunitária da sociedade: são apenas momentos de reunião em que não há mais que conglomerado de pessoas coincidindo num espaço e tempo determinado. Segundo Žižek “a potência política do gozo é hoje maior que nunca, dado que é cada vez mais o objeto direto do poder (biopolítico): a política atual é cada vez mais a política do gozo, embarcada nos modos de demanda, controle e regulação do gozo” (Žižek, 2005, p. 128-129). (RODRÍGUEZ GIMÉNEZ, 2007a, p.42; grifo nosso)

Em relação à articulação entre o discurso utilitarista-instrumentalista (universalismo) e

o discurso hedonista-sensível (particularismo), antecipamos agora uma questão que surge no

momento da análise dos dados. Não é suficiente dizer apenas que o discurso utilitarista-

instrumentalista-higienista precedeu no tempo o discurso hedonista-sensível. O que está em

jogo é o modo de articulação do universalismo com o particularismo que, como sabemos,

74 No Dicionário de Filosofia de FERRATER MORA (1979, p.3602, 3297 e 2708) encontramos a distinção lógica clássica entre universal, particular e singular. Universal refere-se à totalidade dos objetos opondo-se ao particular. Os julgamentos universais são feitos na totalidade, enquanto os julgamentos particulares compreendem um número parcial de um total de objetos-sujeitos. Assim, o particular e o universal não são opostos, mas sim, complementares. As proposições singulares se referem a um objeto, diferentemente Das proposições particulares que se referem a alguns sujeitos e à proposição universal que se refere a todos os sujeitos (de uma mesma classe). No presente capítulo, as referências ao mito continuísta empírico-subjetivista e, em geral, ao modo em que as dimensões do universal, o particular e o singular aparecem intrincadas nos mecanismo de interpelação ideológica, constituem um deslocamento das elaborações clássicas da lógica em torno dessas categorias. 75 A esta questão nos referimos quando falamos sobre um imaginário ou fantasia de singularidade contida na particularidade do discurso hedonista-sensível. O particularismo complementa o universalismo com uma ilusão de singularidade.

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constitui um elemento essencial do funcionamento da interpelação ideológica, e que leva

PÊCHEUX (1975, p.171) a dizer: “todo sujeito é assujeitado no universal como singular

‘insubstituível’”. Nesse ponto o particularismo deve ser compreendido como uma ilusão de

singularidade, “singular insubstituível”, efeito do processo de interpelação.76

De que modo, então, o discurso hedonista-sensível sobre o corpo, no sentido em que

estamos compreendendo-o aqui, complementa o discurso utilitarista?

Na análise de dados, avançamos um pouco na resposta a essa pergunta quando

percebemos que podíamos pensar essa relação a partir do que Pêcheux chama de mito

continuísta empírico-subjetivista, o modo em que, segundo Pêcheux, o assujeitamento

ideológico garante a estabilidade da inserção do sujeito por duas vias, de forma simultânea,

superposta: por um lado, (i) a inserção do sujeito no domínio dos “conceitos”, no domínio

inteligível e especulativo das “coisas sabidas” de modo universal; e, por outro, (ii) a inserção

do sujeito no domínio das “situações particulares e concretas”, do sensível e empírico hic et

nunc.

Uma forma de determinar aqui essa polaridade em relação à questão do corpo poderia

ser: disciplinas do corpo (universal) vs. as vivências mais ou menos intransferíveis do corpo

próprio (particular). Dentro dessa visão, uma representação do corpo biológico tem papel

fundamental na maneira como o sujeito é interpelado e hierarquizado ideologicamente. A

materialidade-singularidade do corpo – isto é, o corpo enquanto “experiência” – pode ser

“reduzido” social e politicamente quando eventos que se preocupam com o “uso dos prazeres”

e/ ou o “cuidado da imagem”, promovem um simulacro de singularidade-individualidade,

mascarando uma realidade e deslocando-a para uma “falsa” singularidade, criando um

imaginário de “singularidade” dentro de uma universalidade regulada/fabricada.

4.2.1 Slogans

Na presente sessão, faremos referência a alguns slogans publicitários de uma escola de

ensino de línguas, com o objetivo de encontrar neles algumas marcas lingüístico-discursivas

da articulação discursiva, referida anteriormente, entre um discurso utilitarista-

instrumentalista sobre o corpo, de alcance universalista, e um discurso hedonista-sensível

76 ŽIŽEK (1989, p.24) critica Foucault em torno da questão do sujeito e do universalismo. Segundo Žižek, na posição de Foucault “cada sujeito (...) há de construir seu próprio modo de autodomínio, há de harmonizar o antagonismo de poderes em seu interior, inventar-se, (...) produzir-se como sujeito, encontrar sua própria e particular arte de viver.”

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sobre o corpo, de alcance particularista, dirigido a “cada um”, como dissemos, com o intuito

de criar uma “ilusão de singularidade”.

Prestemos atenção agora aos seguintes slogans77 (ver Anexo 1):

a) Apaixonados pelo sucesso

b) O mercado se faz de difícil mas não resiste ao seu sucesso

c) Faça sucesso mostrando outra língua

d) O sucesso está apaixonado. Você pega, fica ou namora?

e) O sucesso já começa na matrícula

f) O sucesso ama você. Matricule-se.

g) Quer fazer sucesso? Faça matrícula.

h) Apaixonado é assim: sai de férias mas não esquece o sucesso.

Existe uma marcada continuidade temática entre os slogans referidos, que podemos

identificar, em primeiro lugar, através da ênfase no “sucesso”, no “mercado”, ou no “sucesso

no mercado” que pode supor o domínio do inglês; e, em segundo lugar, a ênfase em certa

relação de paixão/ amor/ namoro que surge como condição e resultado desse sucesso, a

relação de paixão/ amor/ namoro que pode fazer que o cliente-alvo possa se integrar ao

sucesso.

Preste-se atenção sobretudo aos slogans (b), (d), e (f): eles foram construídos como

uma verdadeira “historia de amor” entre o mercado e o cliente: o cliente deve conquistar o

mercado (“O mercado se faz de difícil, mas não resiste ao seu sucesso”); mas também o

mercado conquista o cliente (“O sucesso está apaixonado. Você pega, fica ou namora?”; “O

sucesso ama você. Matricule-se”). O mercado, o sucesso e “você” (o cliente) são

personificados, adquirem o estatuto de pessoa, indistintamente. Eles “se fazem de difícil”,

“ficam”, “pegam”, “namoram”... A paixão/ amor/ namoro do cliente pelo sucesso e do

sucesso pelo cliente remete de modo geral a uma dimensão de prazer, conquista, satisfação,

divertimento, volúpia. Podemos postular aqui sem dificuldades uma relação entre os referidos

slogans e certo componente hedonista-sensível que, nas imagens da propaganda, se aloca nos

corpos (dos alunos) ali presentes.

O caminho para o sucesso fica claramente identificado, também, através da

constituição de uma equivalência, digamos, prática – enquanto coisas-a-saber78 – entre os

77 No presente trabalho, analisaremos apenas as frases dos slogans. Não nos deteremos a análise das imagens pois o objetivo será o de comparar e contrastar as marcas discursivas ao mito continuísta empírico subjetivista de Michel Pêcheux.

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sintagmas “fazer sucesso” e “fazer matrícula” (Fazer sucesso = Fazer matrícula; ver slogan

(g)).

Só uma vez, na seqüência de slogans citada acima, se faz referência ao “objeto de

estudo” que propõe a academia de ensino de língua em questão: “Faça sucesso mostrando

outra língua”. Essa referência é feita a través de uma imagem irreverente, “mostrar a língua”,

que continua na mesma linha do deslize de sentidos pela dimensão do prazer, divertimento,

jovialidade.

E que podemos dizer a respeito do discurso utilitarista-instrumentalista? Ele está

presente nos referidos slogans? De que modo? Qual é a relação com o componente hedonista-

sensível, observado até aqui? Se, como dissemos, o discurso hedonista-sensível chegou para

“complementar” o discurso utilitarista-instrumentalista, podemos, em princípio, postular sua

presença em cada um dos referidos slogans, de forma mais ou menos direta ou dissimulada,

de forma mais ou menos evidente ou oculta. Podemos perguntar, por exemplo: o lexema

“sucesso” faz somente referência a uma dimensão de prazer ou também a um componente

utilitarista?79 O lexema “sucesso” aponta para um elemento mais universal ou mais particular?

A força de seu apelo, a forma em que se combina aqui com o significante “paixão”, o faz

deslizar para um universo mais particular, para uma “ilusão de singularidade”, digamos, o

“meu sucesso próprio e singular”?

A utilidade-instrumentalização da língua que resulta do aprendizado deste “inglês-

para-o-sucesso” é como dissemos, evidente, visível, mas não diretamente-evidente, não

necessariamente visível. A dimensão que parece levar toda a ênfase, que aparece em cada

ângulo da cena, é a do prazer/ paixão: “o sucesso está apaixonado”, e estamos “apaixonados

pelo sucesso”.

Aqui parece sugerir-se uma paráfrase, marcando um sentido para a pluralidade da

palavra língua:

Faça sucesso mostrando outra língua/

Faça sucesso mostrando outro corpo /

Faça sucesso gozando de seu corpo.

78 Em PÊCHEUX (1997, p. 34-35) “coisas-a-saber” significa: conhecimentos a gerir e a transmitir socialmente. 79 Nessa mesma linha, “apaixonados pelo sucesso” poderia ser considerado um “enunciado dividido”, na medida

em que faz referência a elementos de formações discursivas diferentes, complementares, contrapostas?

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74

4.2.2 O utilitarismo e o hedonismo em algumas “cenas enunciativas” nas lições de inglês

Articulamos a presente parte da análise procurando identificar alguns elementos

temáticos que pudessem nos aproximar à questão do corpo, o modo em que aparece pré-

figurada, representada, nas formações discursivas em questão.

Em princípio identificamos os seguintes elementos temáticos: (a) hedonismo/“uso dos

prazeres”, (b) “qualidade de vida”, (c) “produzir-se como sujeito”/“restauração da imagem do

eu” e (d) comunidades minoritárias/ diferença.80 Em relação a esses elementos temáticos,

procuramos lições nos materiais do corpus, que de alguma forma pudessem chegar a figurá-

las/representá-las. Assim, identificamos os seguintes recortes discursivos:

Elementos Temáticos Títulos das lições (unidades)/ Referência a) hedonismo/ “usos dos prazeres” - “Relax” (In: KAY; JONES, 2000, p.14) b) “qualidade de vida” - “Stay in bed!” (In: RICHARDS, 1994, p. 93)

- “Relax” (In: KAY; JONES, 2000, p.14) c) “produzir-se como sujeito”/ “restauração da imagem do eu”

- “What kind of person are you?” (In: RICHARDS; SANDY, 1998, p.2) - “Do you ever exercise?” (In: RICHARDS, 1994, p.50) - “What is she wearing?” (In: RICHARDS, 1994, p.70) - “Relax” (In: KAY; JONES, 2000, p.14)

d) comunidades minoritárias/ diferenças

- “Every family is different.” (In: RICHARDS; SANDY, 1998, p.6)

Tabela 1. Elementos temáticos e Recortes discursivos.

Escolhemos o capítulo “Relax” porque apresenta uma relação “evidente” com o

elemento temático (a) hedonismo/ “uso dos prazeres”. Esse capítulo traz uma referência ao

livro: The Little Book of Calm, que teve uma venda recorde nos Estados Unidos e transformou

seu autor em milionário. O referido livro traz uma descrição do que é ser uma pessoa

“relaxada”. O mesmo capítulo pode servir para trabalhar a questão (b) “qualidade vida” e (c)

“produzir-se como sujeito”/ “restauração da imagem do eu”.

A lição “Stay in bed!” foi escolhida em relação à questão (b) “qualidade de vida”. Em

princípio nos chamou a atenção o tom fortemente apelativo do título, que faz remissão a um

contexto situacional bem específico, o de uma pessoa X que precisa cuidar da saúde,

permitindo olhar para a relação entre o máximo e o minimamente situado – o minimamente

situado que suporia, por exemplo, um discurso em tom abstrato e conceitual sobre a saúde

(como apontamos acima, por exemplo, sobre os “direitos à saúde”). 80 Como dissemos acima, essas expressões entre aspas foram adotadas de Žižek (1989).

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75

Em relação ao tema (c) “produzir-se como sujeito”/ “restauração da imagem do eu”,

escolhemos as unidades “What kind of person are you?”, “Do you ever exercise?” e “What is

she wearing?”, além da já referida “Relax”. Esses temas e títulos das unidades fazem

referência “evidente” à densidade e injunção psicologista do assujeitamento moderno, com

ênfase no (ou como uma forma de) “cuidado de si”. Pode-se observar novamente o conteúdo

fortemente situacional e apelativo dos títulos.

Já em relação ao tema (d) comunidades minoritárias/diferenças, escolhemos a lição

“Every family is different” devido ao apelo do tipo particular/universal simultâneo, a “cada

família” e a “toda família”. Também uma ilustração interessante do mesmo capítulo mostra

um homem fazendo uma atividade doméstica (lavando os pratos – Anexo 2) marcando assim,

as diferenças de “cada família”/ “toda família”.

Antes de continuar queremos destacar novamente o principal fato que começa a surgir

na nossa análise: a conjunção, o intrincamento, o entrelaçamento de conteúdos pressupostos-

implícitos do discurso utilitarista-instrumentalista-higienista sobre o corpo (que aparecem de

uma forma evidente nas ilustrações, fotografias, caricaturas, no semblante das pessoas

representadas,...) com conteúdos postos e explícitos do discurso hedonista-sensível sobre o

corpo, que chegou para complementar e operacionalizar o anterior às novas condições do

consumo e do mercado.

4.2.2.1 O ethos e os rituais

Na primeira parte do presente capítulo, vimos a importância do ethos na percepção do

discurso, no estabelecimento de papéis, na escolha “livre” da cena, bem como tivemos uma

visão sobre a inscrição da dimensão do ritual na materialidade do corpo. Vimos também que

as cenas enunciativas relacionam-se com a noção de tom, de caráter e de corporalidade.

Agora chegou o momento de procurar pôr esses elementos nas “cenas enunciativas” sob

análise, cenas que pertencem a uma instituição/ cenário educativo, na tentativa de captar de

que forma os referidos “elementos temáticos” (ver tabela 1) se relacionam com a dimensão do

ritual e do ethos.

As cenas enunciativas em questão possuem um “forte conteúdo” de ethos e de ritual.

Vejamos alguns exemplos: na lição “What kind of person are you?” espera-se, normalmente,

que a resposta seja positiva, porque é ritualístico responder afirmativamente (por exemplo:

“sou romântico”, “sou simpático”) para depois acrescentar algo de negativo referente à

personalidade (“sou romântico, mas impaciente” ou, “sou simpático, mas desorganizado”)

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76

talvez reproduzindo o discurso utilitarista-instrumentalista-higienista, cuidando, de certa

forma, da imagem desse sujeito.

Em outra lição intitulada “Stay in bed!” o próprio título remete ao cenário; projetando

o leitor ao interior, ao lugar onde poderá “ficar na cama”. Pode-se dizer que uma forma de

“padronizar” o corpo no método comunicativo é a utilização de atividades em pares ou trios

(para atividades comunicativas – de fala). A disposição da sala de aula propicia segundo o

método, atividades comunicativas que através de um ritual, do tom do professor, do cenário e

do material didático induz o aluno a trabalhar com o corpo de forma a “ajustar-se” ao que é

pedido, ou seja, segundo o método. O aluno pode assim, realizar uma tarefa não tendo

consciência de que o método está como suporte/ base do aprendizado; simplesmente responde

a um estímulo dado pelo professor num momento de comunicação chamada de “livre”. O

método comunicativo reflete, assim, certo regime de verdade originado no discurso

pedagógico que inclui uma representação do corpo.

Outro exemplo. Como dissemos acima, a lição “Relax” traz uma descrição do que é

ser uma pessoa “relaxada”:

a) passar tempo sozinho. b) tirar uma soneca durante o dia. c) fazer uma caminhada no campo ou no parque. d) fazer atividade física. e) correr. f) boiar na água. g) ter um relaxante banho quente. h) tomar um caminho diferente para o trabalho ou escola. i) beber água quente. j) fazer um massagem. k) sair para dançar. l) beber leite. m) mudar a rotina81.

Não resulta “evidente demais” que o autor está fazendo referência a um modelo

específico de “relax”? Toda uma combinação de tom, caráter e corporalidade está em jogo

nesse modo específico de “relaxar”... Não haveria outros modos de relax? Não podemos

identificar outro(s) modelo(s) de “uso dos prazeres”? O significante “relax” pode fazer

sentido em relação a outras formações discursivas. Na década de 1960, por exemplo,

elementos diferentes (cultura do Flower Power, Psicodelia, Rock’n Roll) atravessavam o

81 Tradução minha de KAY e JONES (2000, p.15): a) spends time alone; b) has a short nap during the day.; c) goes for a walk in the country or in a park; d) does some physical exercise; e) goes running; f) floats in water; g) has a leisurely hot bath; h) takes a different route to work or college; i) drinks hot water; j) has a massage; k) goes dancing; l) drinks milk; m) changes their routines.

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significante “relax”. Essa diferenciação de interpretação da palavra “relax” caracteriza outras

formas possíveis de “uso dos prazeres”.

O título “Do you ever exercise?” nos remete à idéia de “disciplinarização do corpo”

num espaço/cenário que levará o leitor a uma identificação com um ethos carregado de

sentidos revelado por essa forma de se expressar. O tom dado a essa unidade é

“descontraído”, produz um sujeito, digamos, “menos denso”, mais rotineiro e até uma

representação de um ideal (por muitos) inatingível (pela falta de tempo, pela busca incansável

de ascensão financeira, etc). Lembrando Maingueneau (2005) a cena é composta pelo próprio

texto: essa unidade traz como sub-tema “rotina”. A cena e o cenário inscreve o corpo do

sujeito num discurso construído e posto relacionando os elementos numa relação de

dependência uns dos outros.

O cenário encontrado na unidade “What’s she wearing?” é socialmente representado

por um público (feminino) que traz características estereotipadas da cultura explicitando,

como já foi comentado acima, o discurso utilitarista-instrumentalista-higienista, enfatizando

esse novo tipo de mercado do século XXI. Essa representação da mulher é caricatural na

medida em que já é posta nesse discurso do consumo. Agora, o mesmo não acontece na lição

“Every family is different”: as figuras trazem pessoas (de etnias diferentes) em cenários

“reais”, não caricaturais talvez porque no que diz respeito à diferença étnica exija essa

“realidade”, essa “verossimilhança” mostrando, assim, que há uma real conjunção de

discursos, operacionalizando o novo cenário de consumo atual onde essa realidade seja mais

forte que a realidade sobre a representação da mulher (ver Anexo 3).

4.2.2.2 Assujeitamento e mito continuísta empírico-subjetivista

Antecipamos acima o fato de que, na análise dos dados, na medida em que avançamos

na exploração das diferentes cenas enunciativas que compõem nosso corpus, captamos a

existência de uma distribuição específica, que se repete, da oposição complementar

utilitarismo-hedonismo, universalismo-particularismo. O que mais nos chamou a atenção é

que, aqueles elementos vinculados ao utilitarismo-universalismo aparecem sempre, de certa

forma, pressupostos, implícitos, mais ou menos invisíveis, aceitos nos temas das lições, como

uma questão que já não está em jogo, que já foi estabilizada no discurso. Pelo contrário, mas

de forma sutilmente complementar, os elementos que associamos ao hedonismo-

particularismo aparecem postos nos temas das lições, explícitos, visíveis, como se algo ainda

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estivesse em jogo (como um elemento que ainda necessita ser tematizado/ estabilizado no

discurso), ou, talvez, como se a sua própria eficácia dependesse de uma forma de visibilidade,

de uma forma do explícito – adotando às vezes a forma da “os-tentação” ou “obs-cenidade”.

A forma em que se efetua o universalismo (“todo sujeito”) da disciplina do corpo necessita da

particularização concreta, visível, empírica, de “cada sujeito” efetivando-se no imaginário de

uma singularidade. Por exemplo, quando é tematizada a questão da saúde do corpo, o

conteúdo da lição não aponta para um fato universal, impessoal (por exemplo, os “direitos à

saúde”) se não que aponta para um fato particular, “íntimo”, de forte apelo identificatório.

(“Stay in bed!”, lição 12 de RICHARDS et al., 1994).

Qual é o fundamento dessa “distribuição” no nosso corpus, entre temas postos e

pressupostos, entre questões implícitas e questões explícitas, entre fragmentos de uma cena

visíveis e invisíveis, entre conceitos universais estabilizados e situações particulares, íntimas,

de forte apelo identificatório? Vamos referir aqui as colocações que Pêcheux (1975) faz a

respeito do mito continuísta empírico-subjetivista. Como afirmamos acima, o mito continuísta

empírico-subjetivista é o modo em que Pêcheux formula o funcionamento do assujeitamento

enquanto articulação superposta entre os conteúdos conceituais-especulativos e as situações

empíricas e concretas “vividas” pelo sujeito. Segundo (PÊCHEUX, 1975, p.127):

O mito continuísta empírico-subjetivista (...) pretende que, a partir do sujeito concreto individual “em situação” (ligado a seus preceitos e a suas noções), se efetue um apagamento progressivo da situação por uma via que leva diretamente ao sujeito universal, situado em toda parte e em lugar nenhum, e que pensa por meio de conceitos.

Pêcheux descreve esse efeito de continuidade, no imaginário discursivo, entre o sujeito

universal e o sujeito em situação através de quatro momentos de passagem: origem (situação),

discrepância (intersubjetividade), generalização e universalização. É notável como Pêcheux

identifica para cada um desses momentos suas correspondentes “categorias lógico-gramaticais

de referência” e as “formas de base do enunciado”:

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79

1 Origem

2 Discrepância

3 Generalização

4 Universalização

Categorias

lógico-gramaticais

de referência

eu ver presente aqui

tu (você)/ eu dizer passado em outro lugar/ aqui

ele, x/ eu dizer passado em outro lugar/ aqui

todo sujeito (cada um, quem quer que seja) pensar sempre em toda parte

Forma de base do

enunciado

(eu digo que) eu vejo isto

tu me disseste que... (você me disse que...)

disseram-me que... foi constatado que...

é verdade que...

Tabela 2. (Tomada de Pêcheux 1975: 127, que a adotou de C. Fuchs).

É crucial compreender que, como afirma Pêcheux, a eficácia ideológica do mito

continuísta empírico-subjetivista se baseia nos processos identificatórios do sujeito: “o

continuísmo subjacente à oposição situação/propriedade se apóia, como procuraremos

mostrar, sobre o processo da identificação (‘se eu estivesse onde tu (você)/ele/x se encontra,

eu veria e pensaria o que tu (você)/ele/x vê e pensa’), acrescentando que o imaginário da

identificação mascara radicalmente qualquer descontinuidade epistemológica” (Pêcheux,

1975, p.128).82 Agora estamos em condições de compreender melhor a forma em que, em

nosso corpus, os elementos particulares “de situação” (“stay in bed!”, etc) – aqueles que

sustentam o assujeitamento através do apelo identificatório mais empírico e vivencial,

localizando o sujeito na evidência do aqui-e-agora ou na discrepância mínima da

82 MILÁN-RAMOS (2005, p.83-84), comenta a dimensão temporal da referida tabela: “Vamos considerar as categorias lógico-gramaticais temporais, a seqüência presente-passado(intersubjetivo)-passado(impessoal)-sempre que tem começo (ou final, atendendo a sua reversibilidade) no presente da presença (eu vejo isto) imediata e transparente do sujeito da enunciação (eu) perante o objeto experimentado indicado através da deixis (isto). Esse tempo presente, originário da experiência imediata com o objeto, está em continuidade imaginária com sua discrepância ínfima com o tempo passado, discrepância que transcorre desde a experiência imediata do Ego em eu digo/ vejo isto até a experiência do interlocutor (2 a. pessoa singular) no você me disse que..., na qual o interlocutor é o Ego que teve a experiência transmitida de forma imediata e presente. É a discrepância mínima da intersubjetividade. Do mesmo modo, a continuidade imaginária propõe a passagem desse domínio de experiência representada em tempo passado e 2a pessoa –no qual fica comprometido o valor de testemunha e a identidade imediata dessa pessoa- para o domínio do passado impessoal introduzido com a forma de voz passiva (disseram-me que..., foi constatado que...), produzindo um efeito de generalização que não deve ser considerado senão como a evidência de uma nova discrepância ínfima.” Um pouco mais em frente continua: “Na tabela 2, certo domínio do passado (pessoalizado na discrepância – intersubjetividade – e impessoalizado na generalização) aparece em continuidade com uma forma de temporalidade representada pelo advérbio sempre (...). O mito empiricista concebe esse ponto como uma continuidade do visível ao inteligível, da situação à propriedade, da indução à dedução.”

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intersubjetividade comunicativa –, estamos em condições de compreender melhor, dissemos,

como esses elementos se combinam com a generalidade e a universalidade de noções e

conceitos especulativos.

Pêcheux relaciona também a dimensão identificatória do assujeitamento com o efeito

de pré-construído e o efeito de sustentação (articulação, discurso transverso), isto é, os

mecanismos discursivos através dos quais o interdiscurso se faz presente no intradiscurso:

(...) [a] dupla forma (“empírica” e “especulativa”, na terminologia de Th. Herbert) do assujeitamento ideológico, (...) permite compreender que o pré-construído, tal como o redefinimos, remete simultaneamente “àquilo que todo mundo sabe”, isto é, aos conteúdos de pensamento do “sujeito universal”, suporte da identificação e àquilo que todo mundo, em uma “situação” dada, pode ser e entender, sob a forma das evidências do “contexto situacional”. Da mesma maneira, a articulação (e o discurso-transverso, que –como já sabemos– é o seu funcionamento) corresponde, ao mesmo tempo, a: “como dissemos” (evocação intradiscursiva); “como todo mundo sabe” (retorno do Universal no sujeito); e “como todo mundo pode ver” (universalidade implícita de toda situação “humana”). Em suma, todo sujeito é assujeitado no universal como singular “insubstituível” (...) (Pêcheux, 1975, p. 171; a ênfase é minha).83

Sendo assim, como se faz presente o mito continuísta empírico-subjetivista nas cenas

enunciativas referidas acima? Talvez o fato que mais chama a atenção – já no título – das

lições escolhidas é o forte conteúdo apelativo-situacional-particularizante, materializado na

situação de enunciação no uso dos pronomes pessoais, determinantes e outros elementos de

deixis: “Relax”, “Stay in bed”, “What kind of person are you?”, “Do you ever exercise?”,

“What is she wearing?” e “Every family is different”.

Os nomes das atividades propostas na lição “What kind of person are you?” apontam

na mesma direção: “1. Tell me about yourself”; “2. What do you have in common?”; 4.

“Who would you like to know?”; “6. How have you changed?”. Mas todas as lições citadas,

independentemente do título da atividade, apresentam geralmente, no início, atividades que

tem um forte sentido apelativo-particularizante-identificatório, direcionado para um “você”

[you] que parece ter o sentido de incluir o sujeito (o estudante, o aprendiz) na cena proposta.

É possível observar também em cada uma das lições citadas a presença de pelo menos um

texto presidido por um tom generalizante ou universalizante, dependendo do assunto em

questão – pense-se aqui, em referência à Tabela 2, nas categorias lógico-gramaticais e nas

formas básicas de enunciados correspondentes a “3. Generalização”, e a “4. Universalização”.

Por exemplo, na lição “What’s she wearing?”, encontramos o texto “Fashion”. Demos uma

olhada nele:

83 Citado também por Milán-Ramos (2005, p.127)

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81

A moda está sempre mudando, mas ainda é possível ter um guarda-roupa básico, e acrescentar peças também, assim você não terá que comprar roupas novas toda vez que há uma mudança na moda. Ninguém é igual no tamanho e na forma. A chave para encontrar o look certo é fazer com que as roupas caiam bem com o seu tipo físico. Você pode não caber exatamente numa categoria – retangular, Redondo, triangular, pêra – mas reconhecendo o seu corpo físico e peso, você poderá maximizar as forces e disfarçar suas fraquezas.84 (ver anexo 4).

O registro universalizante vem definido na primeira frase (“Fashion is always

changing...”), mas logo depois aparecem as marcas da generalização e da particularização

(“The key to finding the right look for you is to make clothes work for your type of shape”). O

texto em questão é complementado por uma lista de sete “golden rules” para você constituir

seu “basic wardrobe” (ver anexo 4).

Na lição “Stay in bed” observamos a mesma disposição – isto é, uma série de

atividades de apelo particularizante-identificatório, na mesma linha do título da lição,

complementados por um texto generalizante-universalizante, “Home remedies” (Anexo 5):

Quando as pessoas têm resfriado, uma febre ou gripe, normalmente elas vão à medico ou elas tomam algum remédio da farmácia. Mas a maioria das pessoas também fazem uso de remédios caseiros para doenças comuns. Algumas pessoas tomam uma galinhada quando estão com resfriado. Algumas passam óleo na testa para uma gripe. Outras pessoas bebem uma mistura de pimenta vermelha, água quente, suco de limão e leite ou vinagre. (…)85

O tom generalizante, correspondente à coluna (3) da tabela 2, é marcado pelas

palavras em negrito. Esse texto também é acompanhado por uma série de dicas para lidar com

picada de insetos, queimaduras, tosse, indigestão, insônia.

A lição “Every family’s different” constitui um caso interessante, porque o próprio

nome da lição questiona a possibilidade de estabelecer uma generalização-universalização

sobre o assunto. Os títulos de algumas atividades apontam para conteúdos particularizantes

(“1. Let me tell you about my family”; “2. How are their family different”; “4. Your place in

the family”, “6. Family rules”), e quando um texto (“Upside-down families”, ver anexo 6)

84 Tradução minha de RICHARDS (1994): FASHION is always changing, but it is still possible to have a basic wardrobe to build on, and add pieces too, so that you don’t have to buy new clothes every time there is a major change in fashion. No two people are alike in shape and size. The key to finding the right look for you is to make clothes work for your type of shape. You may not fit exactly into any one category – rectangle, circle, triangle, pear – but by recognizing your basic body type and height, you can maximize your strengths and disguise your weaknesses 85 Tradução minha de RICHARDS (1994): When people have a cold, a temperature or the flu, they usually go to the doctor for help or they get some medicine from the chemist’s. But many people also use home remedies for common illness. Some people drink hot chicken soup when they have a cold. Some people rub oil on the chest for a cold. Other people drink a mixture of red pepper, hot water, lemon juice and milk or vinegar. (…)

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82

introduz um tom generalizante-universalizante, o faz fazendo referência à autoridade e

prestígio do “discurso da ciência”, representado aqui pela psicologia infantil:

Os pais fazem as regras e suas crianças obedecem, certo? Errado. Em um número crescente de famílias norte-americanas, os adultos têm deixado suas crianças tomarem conta. “Os pais querem alimentar e fazer suas pequenas crianças felizes, mas muitos pais têm ficado confusas a respeito da melhor maneira de fazer isso”, explica um psicólogo infantil. “Um grande número de pais estão sendo controladas por suas crianças, a ponto de famílias inteiras se organizarem em função das emoções dessas crianças”86. (…) (ver anexo 6).

O principal traço do discurso da ciência é, precisamente, o estabelecimento de regras

de validação universal. O referido texto também é completado por uma série de quatro dicas

psicológico-comportamentais, dirigidas aos pais, para “manter o controle”: “Seja um líder

(…)”, “Não faça regras e depois as mude (…)”, “Preste menos atenção em sua criança

quando seu comportamento for ruim e mais quando for bom (…)” e, para finalizar, “Não

permita que suas crianças o chamem pelo primeiro nome (…)87” .

Essas regras de validação universal (no texto) não possuem “autoria”; ora, de quais

referências ou modelos foram extraídas tais regras para tornarem-se referência para texto em

livro didático? Essa generalização de regras levado a uma universalização das mesmas

constitui a própria dimensão comunicativa de assujeitamento do sujeito-aprendiz. A força

performativa do imperativo – isto é, o modo em que o imperativo transmite os “conselhos”

aos pais entanto conteúdos indiscutíveis, verdadeiros – permite visualizar muito bem o

funcionamento do mito continuísta empirírico-subjetivista, na medida em que a

particularidade ou, digamos, a possível “circunstância” (contexto) dos “conselhos” é apagada

para ser transformados em dicas de comportamento universais. A generalização-

universalização é, nesse caso, efeito do uso do imperativo (em inglês podem sugerir duas

alternativas – “você” ou “vocês” [you] subentendidas com o uso do imperativo com um verbo

iniciando a frase – levando para uma universalização o uso de “the parents” [os pais]).

86 Tradução minha de RICHARDS; SANDY (1998): The parents set the rules and the children obey, right? Wrong. In a growing number of North American families, adults have let their children take over. “Parents want to be nurturing and make their small children happy, but many have become confused about the best way to achieve this”, explains a notes child psychologist. “Large number of parents are being controlled by their child, to the point that entire families end up organizing themselves around a small child’s emotions 87 (idem referência 84): “Be a leader (…)”, “Don’t make rules quickly and then change them (…)”, “Pay less attention to your children when their behavior is bad and more when it is good (…)” e, para finalizar, “Don’t allow your kids to call you by your first name (…)

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83

4.2.3 Uma observação sobre um texto teórico

Para concluir o presente capítulo, vamos fazer um breve comentário a respeito de

alguns apontamentos teóricos que aparecem no texto Communicative competence – Theory

and classroom practice, de Sandra Savignon (1997), considerado como uma das exposições

mais sistemáticas dos princípios e procedimentos do método comunicativo. A questão que

precede nosso comentário tem relação com as noções de linguagem e sujeito que subjaz o

método comunicativo.

Savignon começa sua exposição com um comentário sobre a noção psicológica de

“competence”. Destaquemos isso: o comentário é precedido então por uma noção psicológica

de competência, com a qual seu autor, David McClelland, “ganhou reconhecinento no mundo

dos negócios por seu trabalho em definir e avaliar a comportência num trabalho em

particular88” (p. 8). Qual é o ponto de partida, então, dos apontamentos teóricos de Savignon?

Na página seguinte, ela afirma: “Devemos ter, como ponto de partida para definir

competência comunicativa dos comportamentos das pessoas consideradas bem sucedidas

pelo que elas fazem, especificamente, a identificação de características de bons

comunicadores” 89 (p. 9). Certa noção de comunicação, então, precede o texto de Savignon, e

especificamente uma noção de eficácia comunicativa, de sucesso comunicativo. Essa idéia de

sucesso comunicativo se baseia na “negociação de significados” (p. 10):

“A maior parte de nosso repertório de estratégias de comunicação se devenvolve inconscientemente, através de assimilação de papéis – pessoas que admiramos e gostaríamos de nos espelhar – e o sucesso que experienciamos em nossas interações. Na infância, as interações com um parceiro bem como com um adulto são normalmente expontâneas e diretas; eles dão um retorno imediato de acordo com a interpretação. Nada de falar com seu pai! – Só por causa disso, não brinco mais com você. – Tudo o que você sempre faz é falar do tanto que você é bom: Você acha que é tão esparto!”90 (p. 10) (grifos da autora).

88 Tradução minha de SAVIGNON (p.8): gained recognition in the business world for his work defining and assessing competence for a particular job 89 (Idem referência 86, p.9): We may take, then, as our starting point for defining communicative competence the identification of behaviors of people considered successful at what they do, specifically, the identification of the characteristics of good communicators 90 (Idem referência 86, p.10): Most of our repertoire of communication strategies develop unconsciously, through assimilation of role models – persons we admire and would like to resemble to some extent – and the success we experience in our interactions. In childhood, peer as well as adult interactions are usually quite spontaneous and direct; they give immediate feedback on the way our meaning has been interpreted: That’s no way to talk to your father! – Just for that, I’m not going to play with you anymore. – All you ever do is talk about how great you are: You think you’re so smart!

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84

Savignon faz referência às críticas usuais que a noção de competência lingüística

recebeu a partir da noção de competência comunicativa e do funcionalismo, citando

Coulthard, mas sobre tudo ao antropólogo e lingüista Dell Hymes e o lingüista funcionalista

M.A.K. Halliday. Nesse ponto, podemos realizar uma afirmação preliminar: o trabalho de

Sauvignon em torno ao método comunicativo é precedido, isto é, hierarquiza certa noção de

competência vinculada a uma idéia de eficácia e sucesso, e uma noção de comunicação

vinculada a uma certa ideologia pragmático-funcionalista.

Uma pergunta então pode ser colocada: lado a lado com essas noções mais ou menos

práticas de competência, comunicação, eficácia, sucesso... Onde fica a questão da língua,

como fica a pergunta pela língua? Um pouco mais enfrente, quando Savignon faz referência à

perspectiva behaviorista do método áudio-lingual, de certa forma aponta uma problemática

similar, de fortes implicâncias epistemológicas: “Basicamente, contudo, a dependência do

modelo ativo de estruturas da língua encontra suporte não na teoria lingüística, mas na

teoria behaviorista da aquisição da linguagem.” 91 (p. 24). Savignon parece apontar que um

dos problemas do método áudio-lingual foi, precisamente, ter esquecido alguma coisa em

relação à linguagem/ língua (à teoria lingüística) e ter se deixado levar pelo apelo prático da

teoria psicológica behaviorista.

Mas podemos re-direcionar essa pergunta agora, um pouco reformulada, em relação a

Savignon: onde fica a pergunta pela linguagem e a língua no método comunicativo, uma vez

que as referidas noções e idéias sobre competência, comunicação, sucesso, eficácia, etc.

parecem dominar a cena? No contexto do presente trabalho, essa pergunta, e suas possíveis

respostas, passam pelo crivo da análise do discurso (e suas concepções sobre linguagem,

língua, comunicação, discurso).

91 (Idem referência 86, p. 24): Basically, however, the reliance on active drill of the structural patterns of language found support not in linguistic theory but in behaviorist theory of language acquisition.

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85

CONCLUSÕES

No presente capítulo, num primeiro momento, vamos retomar os principais pontos e

questões que foram se colocando nos capítulos anteriores e que de algum modo se refletiram

na análise do corpus, para depois, num segundo momento, introduzir de modo preliminar

algumas conclusões, chamando a atenção para alguns pontos de debate teórico.

5.1. Comunicação, métodos de ensino, e o corpo na AD: subsídios para uma análise

No delineamento desses pontos fez-se importante desenvolver o conceito de

comunicação: procurar por diferentes pontos de vista e diferentes visões sobre a

“comunicação”, com o objetivo de achar os referentes teóricos e práticos que o método

comunicativo de ensino de línguas usou para construir, digamos, o conceito e as práticas de

comunicação que desenvolve em sala de aula. A noção de comunicação nos apareceu

emergida em uma multiplicidade de significados, advindos da neurociência, da psicologia, da

lingüística... Percebemos a necessidade de abarcar os diversos significados porque não

somente são importantes (cada um em seu tempo) como serviu-nos de base para fazer uma

crítica àquilo que, a partir de uma visão discursiva, podemos chamar de ideologia da

comunicação. O próprio termo “comunicação”, inserido no próprio nome do método de

ensino de língua inglesa sob estudo (“Método comunicativo”) já nos deixou cientes da

importância em se capturar essa multiplicidade de conceitos.

Por isso, no capítulo 2, tentamos fazer uma “crítica” da noção de comunicação.

Fizemos referência à Teoria da Informação, na qual o interesse estava na quantidade de

informação transmitida e recebida independente da qualidade da mesma. Observamos assim a

existência de uma constante preocupação com a questão dos ruídos nessa transmissão de

informação (ver Figura 1, p. 19) e a necessidade em se evitar que tais ruídos danificassem a

mensagem final. Nessa teoria, a linguagem é reduzida a unidades mínimas, os bits, e um dos

sentidos dessa redução é evitar os equívocos na comunicação. A transmissão dependia,

portanto, do emissor e do receptor ter capacidade de interagir com a mínima quantidade de

ruído na passagem da mensagem evitando assim, os equívocos. Na teoria da informação,

comunicação parece ser o nome de uma operação de redução da língua/ fala a um sistema de

codificação em unidades mínimas de informação, transparente e sem equívocos.

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86

Sob outro ponto de vista, o da psicologia e o da perspectiva “psicologista” sobre o

sujeito e a linguagem, foi necessário relacionar a questão da comunicação com a da

“intenção”, pois não só a comunicação está ligada à questão de intenção de comunicação

como alguns autores, ora associam comunicação à interação, ora restringem comunicação e

intenção de comunicação. Jakobson, interessado pela relação entre linguagem e poesia,

trabalha com as funções da linguagem (fortemente com a função poética); traçando assim,

fatores que constituem o processo lingüístico observando que a comunicação verbal é feita

através de seis elementos (remetente, destinatário, contexto, mensagem, contato e código) e

que tais elementos funcionam com o objetivo parecido com o da Teoria da Informação. A

diferença estaria na ênfase dada pela Teoria da Informação ao código, ou seja, à limpeza da

transmissão da mensagem, em sua redução a unidades mínimas.

Jakobson faz emergir a questão do equívoco e da ambigüidade na tentativa de

suplantar o “ruído” trazido por Shannon e Weaver na Teoria da Informação. Segundo

Jakobson:92

(...) se o observador estiver situado dentro do sistema de comunicação, será mister compreender que a linguagem apresenta dois aspectos muito diferentes conforme seja vista de uma ou outra extremidade do canal de comunicação. Grosso modo, o processo de codificação vai do sentido ao som, e do nível léxico-gramatical ao nível fonológico, enquanto que o processo de decodificação exibe direção inversa – do som ao sentido e dos elementos aos símbolos. (...) O aspecto probabilístico do discurso encontra insigne expressão na maneira pela qual o ouvinte considera os homônimos, ao passo que, para quem fala, a homonímia não existe. (...) Para o receptor, a mensagem apresenta grande número de ambigüidades onde não havia qualquer equívoco para o emissor. As ambigüidades do trocadilho e da poesia utilizam, para a emissão, esta propriedade da recepção. (JAKOBSON, 1999, p. 80-81) (grifos do autor)

Para o autor, reduzir a comunicação fazendo uso de um sistema binário pode não ser

possível, visto que, para o receptor da mensagem, a ambigüidade está presente e os equívocos

são praticamente inevitáveis. De qualquer modo, para nós, esse ponto apareceu no nosso

trabalho como um momento para questionar se o equívoco, em si mesmo, depende da posição

“dentro do sistema de comunicação” (como afirma Jakobson), ou se é um atributo próprio da

língua, se, de certa forma, língua e equívoco são co-extensivos.

Também revisamos alguns estudos sobre comunicação animal e sua diferença com a

linguagem humana. De acordo com Moeschler (2003), a comunicação animal possui canais

diferentes e variados, porém, com algumas características comuns a todos os animais, como a

sua interpretação não-ambígua – diferentemente da linguagem humana que, por si só, já é

92 Retomamos a citação já colocada no capítulo sobre a comunicação, pela sua importância para caracterizar essa questão.

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87

ambígua e constitui equívoco, o que nos permite caracterizar uma dimensão especificamente

discursiva na linguagem humana. A partir dessa diferenciação básica, outra dimensão ganha

relevância: a dicotomia discursiva comunicação/não-comunicação. Pêcheux caracteriza essa

dicotomia valendo-se da luta de classes como pano de fundo de sua teoria/visão marxista.

Como ele aborda essa dicotomia? Fazendo uma crítica à redução da mensagem em unidades

mínimas. Pêcheux critica essa redução chamando a atenção para o sentido semântico-

discursivo de palavras e sintagmas como massas, história, classe operária...: entre as forças

deterministas da História, e a deriva contingente do significante, a língua, de acordo com a

análise do discurso, estaria submetida a um regime de autonomia relativa93 (ver PÊCHEUX

1975), em relação ao qual, as tentativas de redução do significado/ sentido a unidades

mínimas de informação – como as da semântica formal e a Teoria da Informação – perde

qualquer sustento sério, pelo menos no domínio das línguas naturais.

Para o nosso estudo a respeito do método comunicativo, outra vertente de pensamento

sobre a “comunicação” que acabou sendo relevante foi dos estudos da linguagem no seu

contexto social, na interação social entre os falantes. Foi Hymes (1986), no quadro da

etnografia da comunicação, quem fez aportes relevantes, estabelecendo algumas

relações/diferenciações entre interação, competência comunicativa e intenção na interação.

Diz ele que a intenção da comunicação é importante para a interação social entre os

participantes; sendo ela alcançada através do grau de interação, da entonação e do tom de voz

e da competência comunicativa de cada um.

Cada participante do cenário enunciativo depende não apenas da capacidade em se

comunicar como também no envolver-se na competência social e na forma de manipulação da

comunicação face-a-face (Goffman, 2002). O cenário, o gesto, a forma de manipular a

linguagem e a própria situação social poderia estar, segundo Goffman, sendo negligenciada, e

é aí que Hymes coloca a noção de competência comunicativa englobando mais do que

simplesmente o domínio de regras, mas o envolvimento dos indivíduos no cenário educativo.

A comunicação é, assim, vista como uma forma de interação social onde a compreensão da

língua, a interação entre os participantes, a manipulação da linguagem e a própria situação

seria estabelecida pelos participantes dessa situação social, emergindo, como disse

GOFFMAN (2002, p.17): “a qualquer momento em que dois ou mais indivíduos se

encontram na presença imediata um do outro e dura até que a penúltima pessoa tenha se

retirado.”

93 Regime propriamente discursivo que exerceria sua força também no nível especificamente formal da língua, como a sintaxe.

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88

Após da “crítica” à noção de “comunicação”, nosso objetivo foi traçar um percurso

através dos diferentes pontos de vista histórico-metodológicos relacionados às concepções de

linguagem e de corpo nos métodos de ensino de língua inglesa. Em cada método nos

propusemos a buscar os modos em que as noções de corpo, comunicação e oralidade que

permeavam os diversos métodos de ensino. Traçamos inicialmente um histórico do

surgimento dos métodos, seu objetivo inicial e, logo depois fizemos um estudo de três

métodos considerados importante no ensino de línguas.

O método gramática-tradução deriva do modelo clássico e baseia-se na tradução e,

assim, conceituamos tradução, de acordo com Nida (1964): entender e manipular a

morfologia e a sintaxe da LE para o “aprendizado”. A linguagem (de acordo com esse

método) estava focada na forma, na gramaticalidade, na gradação de complexidade, por isso

vimos relevante procurar alguns elementos em Foucault (1987), por enfocar e concentrar seus

estudos de forma a considerar os corpos dos alunos num ambiente de sala de aula.

O método audiolingual, que sucedeu ao método gramática-tradução, voltou-se para o

desenvolvimento da fala em detrimento da escrita. Do ponto de vista teórico-metodológico,

esse método baseou-se na teoria psicológica behaviorista adotando o condicionamento do

aprendiz como uma forma de aprendizagem de línguas, enfatizando a questão do reforço

como uma necessidade comportamental essencial para o aprendizado; o reforço

compreendido como um “dado positivo da experiência” alheio a qualquer tipo de

“especulação transcendental” (ver LYONS, 1982, p.49). O método foi criticado por Krashen

(1982) com respeito à falta de “espontaneidade” e “liberdade dialógica”, pois para ele, existe

uma necessidade em se acrescentar/ permitir um “livre pensamento” do aluno para haver

aprendizado. A gramática gerativa-transformacional de Chomsky critica a teoria behaviorista

de Skinner com relação ao aspecto criativo da linguagem – como é possível uma criança

produzir enunciados que nunca escutou antes? Como explicar a criatividade da linguagem a

partir de um mecanismo como o reforço de comportamento?

Também fizemos uma primeira referência à questão do corpo no behaviorismo,

tentando pensar as implicâncias que poderia ter para o método áudio-lingual, em função das

exigências comportamentais de “reforço”, “controle” do “condicionamento”. Também foi

estabelecida uma relação com Foucault e a questão da “visibilidade” do corpo e da sua

instrumentalização. Com a ilustração (ver Figura 6, p.47) percebe-se ainda, uma “rigidez” na

forma da disposição dos corpos na sala de aula, denunciando o caráter “centralizador” do

professor no método áudio-lingual.

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89

Surgido nos anos 70, o método comunicativo propôs-se a “revolucionar” os métodos

anteriores deslocando o foco na forma para o foco na função sendo sustentado pelo “sócio-

cognitivismo” psicologista, pela “competência comunicativa” de Hymes, e pelas teorias sobre

a “interação social” dos indivíduos. Nessa linha, achamos relevante conceituar “competência

comunicativa” através de Filho (2007) e Richards (2006) para compreendermos melhor o

modo em que os defensores desse método trabalham a conceituam da língua, a aquisição de

competência comunicativa, a aquisição de habilidades para usar a língua, para tentar

estabelecer relações com a nossa questão, a instrumentalização do corpo. Esses

questionamentos foram levados ao capítulo seguinte, para tentar incluí-los na análise.

Num primeiro momento, no capítulo 4, procuramos na Análise do Discurso subsídios

que abordassem a questão do corpo no discurso e, depois, procedemos à análise de um corpus

para verificar as questões geradas em cada capítulo de nosso trabalho. Para tanto, procuramos

elementos em Althusser, Haroche, Pêcheux, Maingueneau e Orlandi.

A respeito da teoria da ideologia de Althusser (1980) nos perguntamos pela

materialidade própria da ideologia, e em relação a isso, como a ideologia se inscreve no

corpo, criando, de certa forma, a materialidade de um corpo ideológico: as relações de

assujeitamento do sujeito pela ideologia presente nos rituais ideológicos das cenas

enunciativas firmam um sujeito assujeitado numa ideologia material. Esse assujeitamento é

visto da mesma maneira em Haroche (1998) quando observa a sociedade monárquica do

século XVII; a submissão dos corpos silenciosamente determinada por gestos, olhares,

espaço.

Pensando na questão do espaço habitado e como nele se produz a relação de

assujeitamento pela ideologia, chegamos a Maingueneau (1989, 1998) e a discussão de cinco

pontos fundamentais: o ethos, a cenografia, o tom, o caráter e a corporalidade, que nos

serviram para realizar uma parte da análise do corpus, em 4.2. Percebemos que em cada um

desses pontos, o ethos estava presente validando, de certa forma, os discursos [senão também]

através de um ritual que atua silenciosamente nos corpos e nos atos enunciativos. De outra

maneira, Orlandi (2001) fala sobre essa inscrição nos corpos. A necessidade de pertencimento

ao grupo, diz ela, na tentativa de legitimação desse corpo no cenário, mostra o indivíduo

participando de um ritual ideológico material; ou seja, um “desejo” que faz da diferenciação

de materialidade no corpo (tatuagem se inscrevendo no corpo), um gesto de pertencimento e

legitimação desse mesmo sujeito, colocando o próprio corpo como suporte material do

discurso.

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90

De uma forma ou de outra, o sujeito parece estar assujeitado; como se a representação

dele no cenário discursivo já fizesse parte do próprio processo de assujeitamento, como vimos

em Pêcheux (1969): a própria representação desse indivíduo em sujeito já faz parte da

interpelação-identificação; já faz parte do jogo ideológico que reduz o corpo a uma imagem-

representação complexa, articulando de forma complementar e superposta as dimensões do

universal-especulativo, o particular e o singular-sensível.

Em nossas análises, partimos de alguns slogans publicitários de uma escola de língua

inglesa para aproveitar o fato de que a propaganda quase sempre explicita, condensa

conteúdos, que depois, em outras instâncias ideológicas mais “básicas” – ou, por assim dizê-

lo, mais “relaxadas” – como as lições de livros didáticos, podem aparecer de modo mais

diluído.

Também procuramos elementos para trabalhar a questão do corpo no ensino língua

inglesa. Nosso principal referencial teórico foi Rodríguez Giménez (2007a, 2007b), Žižek

(1989, 1996) e Pêcheux (1997). Colocaremos uma citação (já feita) de Rodríguez Giménez

onde ele argumenta sobre a questão do corpo:

(...) os sistemas de ensino moderno não somente não excluíram o corpo, senão que o colocaram no centro de suas preocupações, dentro de uma série de tecnologias modernas destinadas a estabelecer controles de funções, processos, desenvolvimentos do corpo individual e das populações.

O discurso utilitarista-instrumentalista sobre o corpo supõe a redução do corpo a um objeto de

conhecimento; o corpo é reduzido a uma representação. Esse discurso de alcance “universal”

sobre o corpo, dirigido a “todo sujeito”, é complementado pela visão hedonista-sensível, de

alcance particular, dirigido a “cada sujeito”; produzindo ou caracterizando um novo enlace

para a inserção do corpo como produto/ mercancia no mercado capitalista. Isso trouxe a nosso

trabalho um questionamento: de que maneira o particularismo complementa o discurso

utilitarista? Em nossas análises fomos buscar respostas para tal questionamento e chegamos

em Pêcheux e o mito continuísta empírico-subjetivista, que garante a eficácia ideológica do

processo de interpelação/ assujeitamento por duas vias simultâneas e superpostas: no

domínios das “coisas sabidas” (universal) e no domínio das “situações particulares e

concretas” (sensível e empírico).

Na busca de elementos lingüístico-discursivos que nos norteassem a respeito do

discurso utilitarista-instrumentalista sobre o corpo e o discurso hedonista-sensível com a

questão da singularidade, referimo-nos a alguns slogans de uma escola de línguas.

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91

Percebemos uma continuidade temática em uma série de lexemas (“sucesso”, “paixão” e

“mercado”) e frases contendo eles, sugerindo-se um tipo de funcionamento articulado no/ pelo

discurso hedonista-sensível, ficando menos “visível” o discurso utilitarista-instrumentalista.

Esse discurso não é explicitamente referenciado pelos slogans, mas aparece, discretamente,

numa relação complementar.

Escolhemos algumas “cenas enunciativas” como ponto de referência para nossa

análise. Revisamos alguns livros didáticos direcionados pelo método comunicativo de ensino

de línguas e escolhemos algumas lições ou unidades que, de alguma forma, mostrassem

alguma relação com os seguintes elementos temáticos: a) hedonismo/ “uso dos prazeres”; b)

“qualidade de vida”; c) “produzir-se como sujeito”/ “restauração da imagem do eu” e d)

comunidades minoritárias/diferenças. Em cada lição – “Relax”, “Stay in bed!”, “What kind of

person are you?”, “Do you ever exercise?”, “What is she wearing?” e “Every family is

different” – procuramos “traços” linguístico-discursivos que nos permitissem abordar a

questão da representação do corpo. A partir de cada recorte discursivo, tentamos estabelecer

uma relação com os elementos temáticos referidos acima, para tentar avançar no modo em

que os discursos (utilitarista; hedonista) se entrelaçam, deixam sua marca no intradiscurso,

algumas vezes de forma explícita, visível, e outras, de forma mais ou menos implícita.

Dentro de cada lição, tentamos descrever e interpretar marcas lingüístico-discursivas

que pudessem ser relacionadas com as categorias do universal, o particular e o singular, de

acordo ao modelo de funcionamento ideológico dessas categorias que Pêcheux (1975)

identifica no mito continuísta empírico-subjetivista (ver tabela 2 p. 76). A saber, fomos buscar

nas lições/unidades elementos que constituíssem como interessantes e exemplificassem as

“categorias lógico-gramaticais de referência” e as “formas de base do enunciado”. A tabela

reproduzida em 4.2.2.2 foi importante para compreendermos que a eficácia ideológica do mito

continuísta empírico-subjetivista baseava-se nos processos identificatórios do sujeito

sustentando o assujeitamento deste pelo apelo combinado e superposto, “evidente”, aos

diferentes “momentos” da tabela: origem (situação), discrepância (intersubjetividade),

generalidade, universalidade.

Nas cenas enunciativas, o funcionamento do mito continuísta empírico-subjetivista já

se insinuou nos títulos das lições/unidades produzindo um forte apelo particularizante

materializado, como vimos em 4.2.2.2, nas situações de enunciação, no uso dos pronomes

pessoais, determinantes, entre outros. A disposição (ordem) das atividades das lições

escolhidas possui características comuns: em cada lição, as primeiras atividades possuem um

tom apelativo direto, aparentemente com o sentido de incluir o sujeito na cena – por exemplo,

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com o uso de pronomes pessoais: você/vocês [you] –; depois, de modo geral, observamos, em

cada uma das lições referidas, a presença de pelo menos um texto presidido por um tom

generalizante ou universalizante. Não resulta difícil relacionar essa espécie de “padrão” na

ordem das atividades com o funcionamento do mito continuista empírico-subjetivista.

O tom usado, as ilustrações e as cenas produzem as vezes um efeito generalizante. Na

lição “Stay in bed”, a construção do título e as figuras, já projetam o leitor a um cenário

discursivo comum, de forte apelo identificatório (ficar na cama). Em outra lição “Do you ever

exercise?” a disciplina do corpo leva a uma identificação de um ethos carregado de sentidos.

Em outras lições, um tom um pouco mais particularizante também aparece; na lição,

“What’s she wearing?” – deslocando o “você/vocês” para o “ela” – representa socialmente o

universo feminino, delimita um cenário, num eficaz entroncamento entre o discurso utilitarista

e o discurso hedonista.

5.2. Alguns pontos para o debate

5.2.1. No percurso que fizemos até agora, um primeiro ponto que pode ser destacado é a

diversidade de noções de comunicação que, de uma forma ou outra, foi pertinente referir aqui

para realizar nossa análise. Em termos discursivos: uma sobre-determinação de filiações

discursivas afetou o significante comunicação (desde o modelo da Teoria de Informação até a

noção de não-comunicação de Pêcheux, passando pelas teorias sócio-interacionistas que

integram de modo essencial certa noção sobre a comunicação).

5.2.2. Em relação a isso que acabamos de afirmar, devemos destacar a filiação teórico-

ideológica do método comunicativo de ensino de línguas na abrangente configuração

discursiva – ou, por assim dizê-lo, no “campo de idéias” teórico-práticas – que reconhecemos

no empirismo/ positivismo/ behaviorismo/ funcionalismo, e certa continuidade que o sócio-

cognitivismo estabelece com esta configuração discursiva.

Em relação a isso, vamos realizar agora uma série de comentários sobre algumas

citações de Pêcheux e Žižek que servem para compreender melhor alguns aspectos desta

filiação teórico-metodológica do método comunicativo, acrescentando alguns elementos ao

ponto de vista crítico que a AD já nos permitiu trabalhar aqui.

No domínio da Análise do Discurso, a categoria de ritual (Althusser), que se

determina aqui como ritual ideológico, surge como uma categoria fundamental de análise do

processo de interpelação/ assujeitamento, isto é, do modo em que o sujeito se insere no

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funcionamento ideológico. Nessa linha, estabelecemos as relações entre ritual e ethos. Mas

qual é o verdadeiro alcance, a abrangência da categoria de ritual? A inserção em costumes e

rituais não é apenas uma questão de comportamento (de behavior): essas categorias podem ser

articuladas com a problemática do inconsciente. Dessa questão se ocupa ŽIŽEK (1996, p.

320), quando afirma:

O que distingue esse “costume” pascaliano94 do insípido saber behaviorista (“o conteúdo de sua crença é condicionado por seu comportamento factual”) é o status paradoxal de uma crença antes da crença: ao seguir um costume, o sujeito acredita sem saber, de modo que a conversão final é meramente um ato formal, por cujo intermédio reconhecemos aquilo em que já acreditamos. Em outras palavras, o que a leitura behaviorista do “costume” pascaliano perde de vista é o fato crucial de que o costume externo é sempre um esteio material para o inconsciente do sujeito. (grifo nosso)

É importante essa precisão de Žižek – afirmando a relação entre inconsciente e o ritual

ideológico como fenômenos plenamente simbólicos, isto é, humanos – para desvincular

definitivamente as categorias de costume e ritual ideológicos do “insípido” comportamento-

behavior, que, pelas próprias opções epistemológico-metodológicas da psicologia

comportamentalista (behaviorism), se aproximam perigosamente de um saber que seria mais

próximo da psicologia e comportamento animais.

A questão da especificidade simbólica (humana) do assujeitamento ideológico

perpassa a presente discussão de várias formas. O que consideramos como essência e

fundamento dessa dimensão do simbólico e humano? Para Pêcheux, essa dimensão do

simbólico-humano inclui de forma essencial e definitiva o inconsciente (psicanalítico) e a

história (luta de classes - marxismo), até o ponto que realiza uma forte crítica a Foucault

precisamente pelo fato de que os mecanismos que Foucault mostra – de disciplinamento, de

94 Fragmento 233 de Pascal (apud ŽIŽEK 1996, p. 320): “minhas mãos estão atadas e meus lábios, cerrados; sou forçado a apostar, e não estou livre; estou aprisionado, e sou feito de tal maneira que não consigo acreditar. Que quer você que eu faça, então? — Isso é verdade, mas ao menos meta em sua cabeça que, se você é incapaz de crer, é por causa de suas paixões, já eu a razão o impele a crer, mas você não consegue. Concentre-se, pois, não em se convencer, multiplicando as provas da existência de Deus, mas em diminuir suas paixões. Você quer descobrir a fé e não sabe o caminho. Quer curar-se da descrença e roga pelo remédio: aprenda com aqueles que um dia estiveram atados como você e que agora apostam tudo o que têm. Eles são pessoas que conhecem o caminho que você deseja seguir, que foram curadas das aflições de que você deseja curar-se: siga o caminho por onde elas começaram. Elas se aportaram exatamente como se acreditassem, recebendo água-benta, mandando rezar missas e assim por diante. Isso o fará acreditar com muita naturalidade, e irá torná-lo mais dócil.” “Ora, que prejuízo lhe advirá da escolha desse rumo? Você será leal, franco, humilde, grato, repleto de boas obras, um amigo sincero e verdadeiro. (...) É verdade que não gozará de prazeres nocivos, da glória e da boa vida, mas, porventura não terá outros?” Afirmo-lhe que você terá a ganhar nesta vida mesmo e que, a cada passo que der nessa estrada, verá que seu ganho é tão certeiro e seu risco, tão desprezível, que, no final, você se dará conta de que apostou em algo certeiro e infinito, pelo qual nada teve de pagar.”

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assujeitamento dos corpos... – não encontra, na teoria, uma articulação com as categorias da

psicanálise e do marxismo:

Com respeito a essa questão [a relação entre inconsciente, ideologia e luta de classes], certas análises de Michel Foucault fornecem a possibilidade de retificar a distinção althusseriana entre interpelação ideológica e violência repressiva, colocando à mostra o processo de individualização-normatização no qual diferentes formas de violência do Estado assujeitam os corpos e asseguram materialmente a submissão dos dominados – mas com a condição expressa de retificar o próprio Foucault sobre um ponto essencial, a saber, seu embaraço com respeito à psicanálise a o marxismo: desmontando pacientemente as múltiplas engrenagens pelas quais se realizam o levantamento e a arregimentação dos indivíduos, os dispositivos materiais que asseguram seu funcionamento e as disciplinas de normativização que codificam seu exercício, Foucault traz uma contribuição importante para as lutas revolucionárias de nosso tempo, mas, simultaneamente, ele a torna obscura, ficando inapreensíveis os pontos de resistência e as bases da revolta de classe. Farei a hipótese de que esse obscurecimento se dá pela impossibilidade, do ponto de vista estritamente foucaultiano, de operar uma distinção coerente e conseqüente entre os processos de assujeitamento material dos indivíduos humanos e os procedimentos de domesticação animal. Esse biologismo larvado, que ele partilha, em todo o desconhecimento de causa, com diversas correntes do funcionalismo tecnocrático, torna, conseqüentemente, a revolta totalmente impensável, pois, assim como não poderia haver “revolução dos bichos”, também não poderia haver extorsão de sobre-trabalho ou de linguagem no que se convencionou chamar reino animal. (PÊCHEUX, 1978/79, p. 301-302) (grifo nosso)

Para Pêcheux, tanto a luta de classes como a dimensão do inconsciente representam o

próprio humano, no sentido de seres falantes imersos num mundo simbólico e material. A

dificuldade de Foucault de assimilar as idéias marxistas e psicanalíticas, segundo Pêcheux, o

aproximaria de suas elaborações, em algum aspecto, a uma forma de “funcionalismo

tecnocrático”, “organicismo” ou “comportamentalismo”.

Žižek (1989) encontra outro viés para criticar Foucault. O interessante é que a crítica

de Žižek se articula plenamente com o funcionamento que mostramos em nosso trabalho de

análise, em 4.2., a respeito da relação de complementaridade entre o universalismo do

discurso utilitarista-instrumentalista e o particularismo do discurso hedonista-sensível,95 que

interpretamos em função das elaborações de Pêcheux (1975) em torno do mito continuísta

empírico-subjetivista. As elaborações de Foucault, em certos pontos, em alguns de seus

momentos, refletiriam as injunções do discurso hedonista-sensível sobre o corpo? Na seguinte

citação Žižek responderia essa pergunta afirmativamente:

Com Habermas temos a ética da comunicação intacta, o ideal da comunidade intersubjetiva universal, transparente. A noção de sujeito que há por traz deles, claramente, a versão filosófica da linguagem do antigo sujeito da reflexão

95 De fato, como já dissemos, adotamos varias expressões e figurações de Žižek como categorias ou pontos de referência de análise. Algumas delas aparecem marcadas em negrito, na citação a continuação.

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transcendental. Com Foucault, há um giro contra essa ética universalista cujo resultado é uma espécie de estetização da ética: cada sujeito, sem apoio algum de normas universais, há de construir seu próprio modo de autodomínio, há de harmonizar o antagonismo de poderes em seu interior, inventar-se, por assim dizer, produzir-se como sujeito, encontrar sua própria e particular arte de viver. Esta é a razão de que Foucault estivesse tão fascinado por estilos de vida marginais que constroem seu particular modo de subjetividade (o universo sadomasoquista homossexual, por exemplo, ver Foucault, 1984). Não é difícil detectar como essa noção foucaultiana se insere na tradição humanista-elitista. A realização que mais se aproxima seria o ideal renascentista da “personalidade acabada” que domina as paixões interiores e faz da vida uma obra de arte. A noção de sujeito que tem Foucault é antes de tudo clássica: sujeito como o poder de automediação e de harmonização das forças antagônicas, como via para dominar o “uso das palavras” através de uma restauração da imagem do eu. Neste caso, Habermas e Foucault é a “das caras da mesma moeda”. A verdadeira ruptura representa Althusser com sua insistência no fato de que há certa fissura, uma brecha, um reconhecimento falso, que caracteriza a condição humana enquanto tal, com as teses de que a idéia do possível fim da ideologia é uma idéia ideológica par excelence (ALTHUSSER, 1965, p. 24). (grifo nosso)

Žižék critica Foucault dizendo que sua posição é humanista, elitista e hedonista, e

nesse sentido temos que lembrar o modo como aparecia a questão do hedonismo no capítulo

anterior. O hedonismo apareceu como uma espécie de “complemento” da ideologia

utilitarista-instrumentalista normativizadora dos corpos. De que forma se produz essa

complementação entre hedonismo e utilitarismo? Segundo Žižek, na citação anterior, o

utilitarismo normativizador universalizante, representado pela posição de Habermas, se

complementa com o hedonismo particularizante de Foucault, “como duas caras da mesma

moeda”. Jogo complementar entre o universal e o particular: a mesma configuração

ideológica ordenadora dos “enunciados”, “conceitos”, “práticas” e “experiências” que

Pêcheux adota no mito continuísta empírico-subjetivista. E o singular?

No capítulo anterior, numa breve citação, referimos o modo em que PÊCHEUX (1975,

p.171) deu sentido à categoria do singular neste domínio ou configuração ideológica,

formando um terceiro elemento junto ao universal e ao particular: “todo sujeito é assujeitado

no universal como singular ‘insubstituível’”. Pêcheux aqui coloca sua ênfase em um nível de

resolução ou materialização da questão do singular, a saber, o nível de materialização

plenamente ideológico, imaginário, no qual o singular no/do sujeito deve ser compreendido

como uma ilusão de singularidade: o “singular insubstituível” do sujeito deve ser

compreendido aqui como um efeito do processo de interpelação/ assujeitamento, precisamente

o derradeiro ponto no qual o sujeito é assujeitado no universal dos processos ideológicos. A

“singularidade” particulariza cada sujeito inscrito num universo (todo sujeito) imaginário,

realizando o paradoxal efeito de incluí-lo, pela sua singularidade, numa universalidade.

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Mas também fizemos referência, ao longo de nosso trabalho, a outra forma de

singularidade, que se apresenta de várias formas: como aquilo que não pode ser reduzido ao

conhecimento objetivo, como o não representável do corpo, como falha no ritual ideológico,

como a própria dimensão da experiência (RODRÍGUEZ GIMÉNEZ, 2007a), como aquilo que

não pode ser capturado pela norma, enfim, como aquilo de “mais humano” que tem o

homem, e, talvez, se alocaria na encruzilhada entre corpo, inconsciente e historia (luta de

classes). Perante a ilusão de singularidade (singular imaginário) que foi referido no parágrafo

anterior, estamos aqui em presença de um singular-real, do real do sujeito enquanto

singularidade que, de alguma maneira, começamos a compreender como uma forma de

singularidade que se inscreve no corpo. Essa dimensão está presente na seguinte citação a

RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007b, p.6):

Se (...) toda educação moderna cujo objeto fosse o corpo tivesse nascido a partir da minimização, quando não a exclusão da pergunta sobre “o que é ensinar” para recolher-se em outras preocupações de tipo tecnológico e psicológico, dificilmente poderá emergir, senão como sintoma, a pergunta pela relação sujeito e verdade, [a pergunta sobre] que sucede ali no encontro de um mundo plenamente representado e a singularidade subjetiva, supondo e reconhecendo que no sujeito nem tudo é representação, nem tudo é sentido; e que entre o vivo e o humano opera a linguagem que, na dimensão do simbólico, sempre espera algo do real do sujeito por vir96. (grifo nosso)

Boa parte de nosso percurso, até agora, se condensa nessa distinção entre um efeito de

ilusão de singularidade (imaginário) e a singularidade real inscrita no corpo do sujeito – o

simbólico e seus efeitos, aquilo de “mais humano” no sujeito, que alternativamente

identificamos com o inconsciente, a história (luta de classes), a experiência corporal

singular...

Como relacionar essa questão do singular com as análises de corpus produzidas em

4.2., isto é, com o funcionamento do método comunicativo de ensino de línguas na

configuração discursiva superposta do utilitarismo-instrumentalismo e o hedonismo-sensível?

Em principio, nossa análise tentou mostrar essa relação a partir do efeito imaginário de ilusão

de singularidade, como o próprio cerne da relação complementar entre universal

(utilitarismo) e particular (hedonismo). Essa compreensão pode ser aprofundada na direção da 96 Tradução minha de RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007b, p.6): “Si (...) toda educación moderna cuyo objeto fuera el cuerpo ha nacido a partir de la minimización, cuando no la exclusión, de la pregunta sobre “qué es enseñar”, para recostarse en otras preocupaciones de corte tecnológico y psicológico, difícilmente pueda emerger, sino como síntoma, la pregunta por la relación sujeto y verdad, o bien qué sucede allí en el encuentro entre un mundo plenamente representado y la singularidad subjetiva, suponiendo y reconociendo que en el sujeto no todo es representación, no todo es sentido; y que entre lo vivo y lo humano opera el lenguaje que, en la dimensión del simbólico, siempre espera algo del real sujeto por venir”.

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filiação teórico-ideológica do método comunicativo, isto é, as solidariedades discursivas que

identificamos entre o referido método e o empirismo/ positivismo/ behaviorismo/

funcionalismo, e sua continuidade no sócio-cognitivismo. Em paralelo ao raciocínio de

RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007b), na citação acima, poderíamos dizer que nesse contexto

teórico-prático a questão do corpo – da experiência do corpo – só poderia emergir como

sintoma, de forma análoga, também, ao modo em que surgiria a questão do sujeito ou do

inconsciente nos estudos da linguagem de orientação empirista-positivista.

De fato, a redução do corpo a um objeto de conhecimento – padronização do corpo,

redução do corpo a sua dimensão imaginária “a partir de uma preocupação centrada

fortemente no intento performativo do discurso biomédico e sua efetuação higienista”

RODRÍGUEZ GIMÉNEZ (2007, p.2) – pode ser aproximada à redução que as ciências e

tecnologias da linguagem realizam com a própria linguagem, reduzindo-a também a um

objeto de conhecimento. Nesse sentido, há uma relação entre a redução do corpo a um objeto

de conhecimento e o que foi trabalhado no capítulo 2 sobre a Teoria da Informação: de fato,

reduzir o corpo a um objeto de conhecimento supõe submetê-lo a um processo de produção de

informação, que apaga a dimensão de acontecimento-experiência-singularidade do corpo. Do

mesmo modo que Pêcheux (1975 p.30-31) faz referência àquela dimensão da linguagem –

sobretudo da linguagem política –, que não pode ser reduzida ou representada num processo

de análises de informação (redução a unidades mínimas dicotômicas, ver capítulo 2), isto é,

do mesmo modo que sempre sobra um resto não representável nesse processo de

dicotomização da informação criticado por Pêcheux, do mesmo modo, então – pensando

agora na dimensão do singular do corpo –, sempre fica um resto não representável nas

tentativas de reduzir o corpo a um objeto de conhecimento.

Existe uma analogia entre a forma em que as ciências da linguagem pretendem reduzir

a linguagem-discurso a um objeto de representação, e as formas em que as “ciências do

corpo” (incluindo as tecnologias do corpo e de “uso dos prazeres” do corpo) pretendem

reduzi-lo a um objeto de representação sem resto, domesticando ou eliminando sua

singularidade (a experiência corporal singular) pela via de, precisamente, uma “ilusão de

singularidade”, no jogo entre o universal e o particular.

5.2.3. A teoria da análise do discurso tem aqui um ponto de inflexão para começar a pensar

uma teoria sobre a produção ideológica dos corpos, isto é, uma teoria da forma em que a

interpelação ideológica atua ou incide sobre o corpo. De fato, a noção de corpo que a análise

do discurso pode constituir é uma noção ideológica do corpo, uma noção de corpo ideológico.

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A redução do corpo a objeto de conhecimento se produz, ou é solidária com a forma

em que a Teoria da Informação reduz-produz seus objetos: redução do corpo a um objeto, não

só instrumentalizável, senão também comunicável/ “informatizável”.

A partir do levantamento bibliográfico que realizamos em 4.1, poderia se afirmar que

a AD (na vertente de Pêcheux) ainda não possui uma teoria sistemática sobre o corpo e suas

representações, isto é, uma teoria que faça referência à materialidade do corpo com o mesmo

nível de comprometimento e profundidade que tem, por exemplo, sua referência à língua e à

história.

5.2.4. Para finalizar, podemos afirmar (pelo menos fundamentando-nos na parcialidade de

nossas escolhas na produção do corpus realizadas em 4.2.) que nos seus traços gerais, o

método comunicativo de ensino de línguas reflete e reproduz a configuração discursiva que

apresentamos como uma relação de complementaridade entre o discurso utilitarista-

instrumentalista e o discurso hedonista-sensível sobre o corpo. A AD nos proporcionou alguns

instrumentos para pensar e analisar o modo em que se produz o assujeitamento do corpo no

ambiente específico de uma metodologia de ensino de língua.

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

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ANEXO 5

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ANEXO 6

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