compêndio de ensaios jurídicos: temas de direitos humanos - v. 1, n. 3
DESCRIPTION
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.TRANSCRIPT
TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE
DIREITOS HUMANOS
V.
01
N
3
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITOS HUMANOS
(V. 01, N. 03)
Capa: Salvador Dalí, A Face da Guerra (1940-1941).
ISBN: 978-1516825516
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de ―doutrinas‖, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma ―meta direito‖. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o
debate uma série de assuntos contemporâneos e que
reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
Os Princípios de Yogyakarta e os Direitos Humanos: uma
análise sobre a construção dos direitos humanos em
relação à orientação sexual e identidade de gênero ........... 06
O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado
como materialização dos Direitos Humanos de
Solidariedade: Explicitação ao art. 225 da Constituição
Federal ................................................................................. 57
O acesso ao saneamento básico alçado à condição de
Direitos Humanos: Um horizonte de novos direitos
sociais ................................................................................... 103
Ponderações à Declaração dos Direitos Sexuais da
Associação Mundial para a Saúde Sexual: breve painel
ao alargamento dos Direitos Humanos .............................. 143
Ponderações à Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (Lei nº 11.346/2006): o alargamento do rol
dos Direitos Humanos no Território Nacional ................... 188
Ponderações ao Desenvolvimento como Direito Humano:
o alargamento advindo da Declaração da ONU de 1986 ... 234
Comentários ao reconhecimento do direito à internet
como Direitos Humanos: primeiros apontamentos ............ 277
6
OS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA E OS
DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE
SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS EM RELAÇÃO À
ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE
DE GÊNERO
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram
azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.
Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período
histórico da humanidade. Quadra evidenciar que
sobredita construção não se encontra finalizada, ao
avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos
está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada
pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de
7
liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda
dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos
bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Diversidade
Sexual. Identidade de Gênero.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao
Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2
Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da
Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de
Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de
Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:
Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos
Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira
Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos
Direitos de Solidariedade; 6 Os Princípios de Yogyakarta
e os Direitos Humanos: Uma Análise sobre a Construção
dos Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e
Identidade de Gênero
8
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
9
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖1. Deste modo, com clareza solar, denota-se que
há uma interação consolidada na mútua dependência, já
que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante
processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 out.
2013.
10
assentado em assegurar que inexista a difusão da prática
da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer
ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem
valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião
(―Olho por olho, dente por dente‖), bem como para evitar
que se robusteça um cenário caótico no seio da
coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
11
seu fascínio, a sua beleza”2. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 07 out. 2013.
12
princípios em face da legislação‖3. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
3 VERDAN, 2009, s.p.
13
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖4,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
4 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 07 out. 2013.
14
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes5. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz6.
5 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 6 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 07 out. 2013, p.
01.
15
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖7, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens8, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
7 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 8 MORAES, 2011, p. 06.
16
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖9.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
9 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história
da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 07 out. 2013.
17
direitos humanos‖10, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato11. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito12, devido
10 MORAES, 2011, p. 06. 11 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 12 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 01 abr. 2013: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
18
processo legal13, acesso à Justiça14, liberdade de
locomoção15 e livre entrada e saída do país16.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 13 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 01 abr. 2013: ―Nenhum homem livre será capturado ou
aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,
nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 14 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 15 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 16 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
19
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias17, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal18. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 18 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 01 abr. 2013:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
20
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato19. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais20.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
19 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 20 MORAES, 2011, p. 08-09.
21
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor21, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa22, por exemplo. Como bem destaca
Comparato23, a Declaração de Direitos do Bom Povo da
Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e
independentes, possuindo direitos inatos, tais como a
vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história24. ―Basicamente, a
21 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out. 2013: ―Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 22 Ibid.: ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da
liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 23 COMPARATO, 2003, p. 49. 24 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
22
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖25,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out. 2013: ―Que
todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 25 SILVA, 2004, p.155.
23
fundamentais26. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento27.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
26 SILVA, 2004, p.155. 27 MORAES, 2003, p. 28.
24
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política28. O mesmo ocorria com a população pobre,
que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros
urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios
sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe
sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta
gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
28 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
25
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata29 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
29 SILVA, 2004, p. 157.
26
os corolários e cânones da liberdade30, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade31, da reserva legal32 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência33, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento34.
30 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out. 2013: ―Art.
2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 31 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 32 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 33 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 34 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
27
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖35, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
28
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
29
maioria36. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖37. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana38, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
36 COTRIM, 2010, p. 160. 37 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 07 out. 2013. 38 MORAES, 2011, p. 11.
30
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖39, tal como estabelecer que os operários e
39 SANTOS, 2003, s.p.
31
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado40, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
40 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
32
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais41.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relações de natureza
econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se
diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente
estatal alheio à vida da sociedade e que, por
consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias
remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde
e o bem-estar individual e da família, à educação, à
41 SANTOS, 2003, s.p.
33
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖42. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖43, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
42 BONAVIDES, 2007, p. 564. 43 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
34
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio44, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
44 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
35
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖45 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
45 BONAVIDES, 2007, p. 569.
36
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível46.
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 out. 2013.
37
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não
possuem destinatários especificados, como os de primeira
e segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖47. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
47 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
38
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖48. A
respeito do assunto, Motta e Barchet49 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 OS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA E OS
DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE SOBRE A
CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM
RELAÇÃO À ORIENTAÇÃO SEXUAL E
IDENTIDADE DE GÊNERO
48 BONAVIDES, 2007, p. 569. 49 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
39
Neste cenário de profunda valoração do ser
humano, colocando em realce à sua proeminência na
condição de indivíduo e a eterna busca pela felicidade e
realização pessoal, imperioso faz-se dispensar uma
abordagem acerca do aspecto humanístico dos Princípios
de Yogyakarta, responsável por traçar cânones e
preceitos acerca da aplicação da Legislação Internacional
de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e
identidade de gênero. Em que pese o diploma em
comento não ter sido resultante de esforços comuns entre
Estados, mas sim decorrente da conjunção de empenhos
entre humanistas, salta aos olhos que a densidade de
direitos sobre qual são edificados os princípios,
notadamente quando se utiliza como filtro de análise a
moldura garantística do Estado Brasileiro, é objeto de
grande destaque. É verificável que os corolários em
comento tratam de um amplo espectro de normas
dotadas de proeminente essência de direitos humanos e
de sua aplicação a questões de orientação sexual e
identidade gênero. O reconhecimento da validade do
diploma em comento já restou assentado pelo Supremo
40
Tribunal Federal, sendo possível trazer a lume o
seguinte aresto:
Ementa: União Civil entre pessoas do
mesmo sexo - Alta relevância social e
jurídico-constitucional da questão
pertinente às uniões homoafetivas -
Legitimidade Constitucional do
reconhecimento e qualificação da união
estável homoafetiva como entidade familiar:
Posição consagrada na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e
ADI 4.277/DF) – O afeto tem valor jurídico
impregnado de Natureza Constitucional: A
valorização desse novo paradigma como
núcleo conformador do conceito de família –
O direito à busca da felicidade, verdadeiro
postulado constitucional implícito e
expressão de uma ideia-força que deriva do
princípio da essencial dignidade da pessoa
humana – Alguns precedentes do Supremo
Tribunal Federal e da Suprema Corte
Americana sobre o direito fundamental à
busca pela felicidade – Princípios de
Yogyakarta (2006): direito de qualquer
pessoa de constituir família, independente
de sua orientação sexual ou identidade de
gênero – Direito do companheiro, na união
estável homoafetiva, à percepção do
benefício da pensão por morte de seu
parceiro, desde que observados os requisitos
do art. 1.723 do Código Civil – O art. 226,
§3º, da Lei Fundamental constitui típica
norma de inclusão – A função
contramajoritária do Supremo Tribunal
Federal no Estado Democrático de Direito –
A proteção das minorias analisada na
41
perspectiva de uma concepção material de
democracia constitucional – O dever
constitucional do Estado de impedir (e, até
mesmo, de punir) ―qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais‖ (CF, art. 5º, XLI) – A força
normativa dos princípios constitucionais e o
fortalecimento da Jurisdição Constitucional:
elementos que compõem o marco
doutrinário que confere suporte teórico ao
neoconstitucionalismo – Recurso de Agravo
improvido. Ninguém pode ser privado de
seus direitos em razão de sua orientação
sexual. Ninguém, absolutamente ninguém,
pode ser privado de direitos nem sofrer
quaisquer restrições de ordem jurídica por
motivo de sua orientação sexual. Os
homossexuais, por tal razão, têm direito de
receber a igual proteção tanto das leis
quanto do sistema político-jurídico
instituído pela Constituição da República,
mostrando-se arbitrário e inaceitável
qualquer estatuto que puna, que exclua, que
discrimine, que fomente a intolerância, que
estimule o desrespeito e que desiguale as
pessoas em razão de sua orientação sexual.
Reconhecimento e qualificação da união
homoafetiva como entidade família. - O
Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em
valiosa hermenêutica construtiva e
invocando princípios essenciais (como os da
dignidade da pessoa humana, da liberdade,
da autodeterminação, da igualdade, do
pluralismo, da intimidade, da não
discriminação e da busca da felicidade) -
reconhece assistir, a qualquer pessoa, o
direito fundamental à orientação sexual,
havendo proclamado, por isso mesmo, a
plena legitimidade ético-jurídica da união
homoafetiva como entidade familiar,
42
atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro
estatuto de cidadania, em ordem a permitir
que se extraiam, em favor de parceiros
homossexuais, relevantes consequências no
plano do Direito, notadamente no campo
previdenciário, e, também, na esfera das
relações sociais e familiares. - A extensão,
às uniões homoafetivas, do mesmo regime
jurídico aplicável à união estável entre
pessoas de gênero distinto justifica-se e
legitima-se pela direta incidência, dentre
outros, dos princípios constitucionais da
igualdade, da liberdade, da dignidade, da
segurança jurídica e do postulado
constitucional implícito que consagra o
direito à busca da felicidade, os quais
configuram, numa estrita dimensão que
privilegia o sentido de inclusão decorrente
da própria Constituição da República (art.
1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos
autônomos e suficientes aptos a conferir
suporte legitimador à qualificação das
conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo
como espécie do gênero entidade familiar. -
Toda pessoa tem o direito fundamental de
constituir família, independentemente de
sua orientação sexual ou de identidade de
gênero. A família resultante da união
homoafetiva não pode sofrer discriminação,
cabendo-lhe os mesmos direitos,
prerrogativas, benefícios e obrigações que se
mostrem acessíveis a parceiros de sexo
distinto que integrem uniões heteroafetivas.
[...] (Supremo Tribunal Federal – Segunda
Turma/ RE 477.554 AgR/ Relator Ministro
Celso de Mello/ Julgado em 16.08.2011/
Publicado no DJe-164/ Divulgado em
25.08.2011/ Publicado em 26.08.2011).
(destaque nosso)
43
A consagração da constituição e
reconhecimento de uniões afetivas por pessoas do mesmo
sexo, a exemplo do aresto apresentado, substancializa a
íntima relação entre o direito à diversidade de gênero e o
direito à orientação sexual como acampado pelo processo
histórico de construção dos direitos humanos. Ora, tal
fato decorre da premissa que as balizas históricas sobre
as quais o processo de construção, renovação e
alargamento dos direitos humanos deu-se vedam à
discriminação associada ao pleno gozo de todos os
direitos humanos civis, culturais, econômicos, políticos e
socais, sendo que o respeito pelos direitos sexuais,
orientação sexual e identidade de gênero é parte
essencial da promoção da igualdade entre homem e
mulher. Desta feita, salta aos olhos, ainda que traços
culturais e tradicionais sejam fomentados à promoção do
preconceito e resistência quanto à liberdade de gênero e o
reconhecimento à constituição de uniões afetivas entre
pessoas do mesmo sexo, incumbe ao Estado adotar
medidas que ambicionem eliminar os preconceitos e
costumes, alicerçados na ideia de inferioridade ou
superioridade de um determinado sexo. De igual modo,
deve-se buscar erradicar os papeis estereotipados de
44
homens e mulheres, em especial devido ao
reconhecimento do direito dos indivíduos decidirem, de
maneira livre e sem qualquer embaraço, sobre as
questões relacionadas à sua sexualidade, inclusive no
que toca à saúde sexual e reprodutiva, sem que haja
submissão à coerção, discriminação ou violência
institucionalizada ou fomentada pelo Estado.
Ao alinhar o escopo da declaração em comento
a men legis contida na Carta de 1988, salta aos olhos que
todos os indivíduos têm direito à liberdade de gênero e
autodeterminação sexual, devendo, imperiosamente,
receber igual proteção das leis e do sistema político-
jurídico, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer
estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que
fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que
desiguale as pessoas em decorrência de sua orientação
sexual. Os Princípios de Yogyakarta, impregnados pelos
direitos humanos sexuais, consagram o direito à
igualdade e à não discriminação, explicitando que ―todas
as pessoas têm o direito de desfrutar de todos os direitos
humanos livres de discriminação por sua orientação
sexual ou identidade de gênero. Todos e todas têm direito
à igualdade perante à lei e à proteção da lei sem qualquer
45
discriminação, seja ou não também afetado o gozo de
outro direito humano‖50.
Ora, o ideário em destaque, mais do que
simples propalação retórica, traduz o reconhecimento,
que decorre do quadro das liberdades públicas,
consistentes na premissa que o Estado não pode adotar
medidas nem formular prescrições normativas que
provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a
exclusão jurídica de grupos que constituem a comunhão
nacional, adotando como núcleo sensível do discurso a
intolerância a diversidade de gênero ou a orientação
sexual multifacetada dos indivíduos. Neste aspecto, o
princípio terceiro do documento em análise propugna,
com clareza solar, que ―toda pessoa tem o direito de ser
reconhecida, em qualquer lugar, como pessoa perante a
lei. As pessoas de orientações sexuais e identidades de
gênero diversas devem gozar de capacidade jurídica em
todos os aspectos da vida‖51.
Nesta linha de exposição, ao viabilizar a plena
realização dos valores da liberdade, da igualdade e da
50 PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br>. Acesso 07 set. 2013. 51 Ibid.
46
não discriminação, os quais afiguram como axiomas
essenciais à configuração de uma sociedade
verdadeiramente democrática, conferindo concreção,
desse modo, ao princípio da igualdade, notadamente
quando assegura o respeito à liberdade pessoal e à
autonomia individual, dispensando primazia à dignidade
da pessoa humana, desvencilhando-se de paradigmas
históricos, culturais e sociais, tal como removendo
obstáculos e barreiras que embaraçavam a busca pela
felicidade e a realização como indivíduo. Neste
sedimento, a República Federativa do Brasil, ao
estruturar a Constituição Cidadã, concedeu,
expressamente, relevo ao princípio da dignidade da
pessoa humana, sendo colocada sob a epígrafe ―dos
princípios fundamentais‖, sendo positivado no inciso III
do artigo 1º. Com avulte, o aludido preceito passou a
gozar de status de pilar estruturante do Estado
Democrático de Direito, tornando como fundamento para
todos os demais direitos.
Nesta trilha, também, há que se enfatizar que
o Estado é responsável pelo desenvolvimento da
convivência humana em uma sociedade norteada por
caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja
47
regulamentação fica a encargo de diplomas legais justos,
no qual a população reste devidamente representada, de
maneira adequada, participando e influenciando de modo
ativo na estruturação social e política. Ademais, é
permitida, inda, a convivência de pensamentos opostos e
conflitantes, sendo possível sua expressão de modo
público, sem que subsista qualquer censura ou mesmo
resistência por parte do Ente Estatal. Verifica-se que a
principal incumbência do Estado Democrático de Direito,
em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade
da pessoa humana, está jungido na promoção de políticas
que visem à eliminação das disparidades sociais e os
desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a
perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um
sistema pautado na democratização daqueles que detém
o poder. Ademais, não se pode olvidar que ―não é
permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer
direito viole ou restrinja a dignidade da pessoa
humana‖52, tal ideário decorre da proeminência que
52 RENON, Maria Cristina. O Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana e sua relação com a convivência familiar e o
direito ao afeto. 232f. Dissertação (Mestre em Direito) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em set. 2013, p.
48
torna o preceito em comento em patamar intocável e, se
porventura houver conflito com outro valor
constitucional, aquele há sempre que prevalecer.
Frise-se, por carecido, que a dignidade da
pessoa humana, em razão da promulgação da Carta de
1988, passou a se apresentar como fundamento da
República, sendo que todos os sustentáculos descansam
sobre o compromisso de potencializar a dignidade da
pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante,
como ponto de confluência do ser humano. Com o intuito
de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que a
inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, se
faz proeminente, sob pena de não haver razão para a
existência dos demais direitos. Neste diapasão, cuida
colocar em saliência que a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 consagrou a vida humana
como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de
inviolabilidade. Ora, neste quadrante, é possível trazer à
colação o quarto princípio de Yogyakarta que descreve
que ―toda pessoa tem o direito à vida. Ninguém deve ser
arbitrariamente privado da vida, inclusive nas
19.
49
circunstâncias referidas à orientação sexual ou
identidade de gênero‖ 53.
Evidenciar se faz necessário que o princípio da
dignidade da pessoa humana não é visto como um
direito, já que antecede o próprio Ordenamento Jurídico,
mas sim um atributo inerente a todo ser humano,
destacado de qualquer requisito ou condição, não
encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em
razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição
social. Nesse viés, o aludido bastião se apresenta como o
maciço núcleo em torno do gravitam todos os direitos
alocados sob a epígrafe ―fundamentais‖, que se
encontram agasalhados no artigo 5º da Constituição
Cidadã. Ao se perfilhar à umbilical relação mantida
entre a dignidade da pessoa humana e os direitos
fundamentais, pode-se tanger dois aspectos basais. O
primeiro se apresente como uma ação negativa, ou
passiva, por parte do Ente Estatal, a fim de evitar
agressões ou lesões; já a positiva, ou ativa, está atrelada
ao ―sentido de promover ações concretas que, além de
evitar agressões, criem condições efetivas de vida digna a
53 PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br>. Acesso 07 set. 2013.
50
todos‖54.
Comparato alça a dignidade da pessoa humana
a um valor supremo, eis que ―se o direito é uma criação
humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o
criou. O que significa que esse fundamento não é outro,
senão o próprio homem, considerando em sua dignidade
substância da pessoa‖55, sendo que as especificações
individuais e grupais são sempre secundárias. A própria
estruturação do Ordenamento Jurídico e a existência do
Estado, conforme as ponderações aventadas, só se
justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade
da pessoa humana, dispensando esforços para
concretizarem tal dogma. Mister se faz pontuar que o ser
humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem
sempre foi (re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o
sucedâneo dos direitos fundamentais do homem que,
preexistem à sua valoração, os descobre e passa a
54 BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil. Breves
Reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano
VII, nº 08, p. 229-267, junho de 2006. Disponível em:
<http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 07
set. 2013, p. 236. 55 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos
humanos. In: Direito Constitucional. José Janguiê Bezerra Diniz
(coordenador). 1 ed. Brasília: Editora Consulex, 1998, p. 176.
51
dispensar proteção, variando em decorrência do contexto
e da evolução histórico-social e moral que condiciona o
gênero humano. Não se pode perder de vista o corolário
em comento é a síntese substantiva que oferta sentido
axiológico à Constituição da República Federativa do
Brasil de 198856, determinando, conseguintemente, os
parâmetros hermenêuticos de compreensão.
A densidade jurídica do princípio da dignidade
da pessoa humana no sistema constitucional há de ser,
deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive, como um
corolário supremo no trono da hierarquia das normas. A
interpretação conferida pelo corolário em comento não é
para ser procedida à margem da realidade. Ao reverso,
alcançar a integralidade da ambição contida no bojo da
dignidade da pessoa humana é elemento da norma, de
modo que interpretações corretas são incompatíveis com
teorização alimentada em idealismo que não as conforme
como fundamento. Atentando-se para o princípio
supramencionado como estandarte, o intérprete deverá
observar para o objeto de compreensão como realidade
em cujo contexto a interpretação se encontra inserta. Ao
56 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2013.
52
lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para
assegurar a unidade material da Constituição senão o
corolário em testilha. Como bem salientou Sarlet, ―um
Estado que não reconheça e garanta essa Dignidade não
possui Constituição‖57. Ora, considerando os valores e
ideários por ele abarcados, não se pode perder de vista
que as normas, na visão garantística consagrada no
Ordenamento Brasileiro, reclamam uma interpretação
em conformidade com o preceito em destaque. É possível
salientar, diante do painel pintado, que os Princípios de
Yogyakarta, em um cenário nacional que prima pela
busca da realização do indivíduo considerado em suas
plurais e complexas capacidades configura verdadeiro
marco de construção dos direitos humanos sexuais,
repaginando e desdobrando direitos clássicos
consagrados em concatenação com a contemporaneidade.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
57 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e
direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 ed.
Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2002, p. 83.
53
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 07 out. 2013.
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil.
Breves Reflexões. Revista da Faculdade de Direito
de Campos, ano VII, nº 08, p. 229-267, junho de 2006.
Disponível em:
<http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>.
Acesso em 07 set. 2013.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 out. 2013.
CALHEIRA, Luana Silva Os princípios do direito de
família na Constituição Federal de 1988 e a importância
aplicada do afeto: o afeto é juridicizado através dos
princípios?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no
229. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/
doutrina/texto.asp?id=1791> Acesso em: 07 set. 2013.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 07 out. 2013.
54
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
____________. Fundamentos dos direitos humanos. In:
Direito Constitucional. José Janguiê Bezerra Diniz
(coordenador). 1 ed. Brasília: Editora Consulex, 1998.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
DRIVER, Stephanie Schwartz. A Declaração de
Independência dos Estados Unidos. Tradução
Mariluce Pessoa. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar,
2006.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 07 out. 2013.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
55
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
RENON, Maria Cristina. O Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana e sua relação com a
convivência familiar e o direito ao afeto. 232f.
Dissertação (Mestre em Direito) – Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em:
<http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em 07 set. 2013.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07
out. 2013.
___________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out.
2013.
___________. Petição de Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out.
2013.
___________. Declaração dos Direitos dos Homens e
Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out.
2013.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 07 out. 2013.
56
SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa
humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 2 ed. Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado, 2002.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel
Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos
direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 07
out. 2013.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 07 out. 2013.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 out. 2013.
57
O DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
COMO MATERIALIZAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS DE
SOLIDARIEDADE: EXPLICITAÇÃO AO
ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram
azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.
Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período
histórico da humanidade. Quadra evidenciar que
sobredita construção não se encontra finalizada, ao
avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos
está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada
pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de
58
liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda
dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos
bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Terceira
Dimensão. Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao
Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2
Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da
Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de
Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de
Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:
Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos
Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira
Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos
Direitos de Solidariedade; 6 O Direito ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado como materialização dos
Direitos Humanos de Solidariedade: Explicitação ao Art.
225 da Constituição Federal
59
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
60
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖58. Deste modo, com clareza solar, denota-se que
há uma interação consolidada na mútua dependência, já
que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante
processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está
58 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 abr.
2015.
61
assentado em assegurar que inexista a difusão da prática
da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer
ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem
valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião
(―Olho por olho, dente por dente‖), bem como para evitar
que se robusteça um cenário caótico no seio da
coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
62
seu fascínio, a sua beleza”59. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 26 abr. 2015.
63
princípios em face da legislação‖60. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
60 VERDAN, 2009, s.p.
64
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖61,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
61 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 26 abr. 2015.
65
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes62. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz63.
62 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 63 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 26 abr. 2015, p.
01.
66
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖64, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens65, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
64 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 65 MORAES, 2011, p. 06.
67
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖66.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
66 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 26 abr. 2015.
68
direitos humanos‖67, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato68. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito69, devido
67 MORAES, 2011, p. 06. 68 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 69 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 26 abr. 2015: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
69
processo legal70, acesso à Justiça71, liberdade de
locomoção72 e livre entrada e saída do país73.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 70 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 26 abr. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou
aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,
nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 71 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 72 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 73 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
70
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias74, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal75. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
74 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 75 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
71
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato76. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais77.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
76 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 77 MORAES, 2011, p. 08-09.
72
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor78, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa79, por exemplo. Como bem destaca
Comparato80, a Declaração de Direitos do Bom Povo da
Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e
independentes, possuindo direitos inatos, tais como a
vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história81. ―Basicamente, a
78 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 79 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da
liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 80 COMPARATO, 2003, p. 49. 81 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
73
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖82,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Que
todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 82 SILVA, 2004, p.155.
74
fundamentais83. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento84.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
83 SILVA, 2004, p.155. 84 MORAES, 2003, p. 28.
75
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política85. O mesmo ocorria com a população pobre,
que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros
urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios
sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe
sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta
gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
85 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
76
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata86 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
86 SILVA, 2004, p. 157.
77
os corolários e cânones da liberdade87, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade88, da reserva legal89 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência90, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento91.
87 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Art.
2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 88 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 89 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 90 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 91 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
78
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖92, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 92 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
79
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
80
maioria93. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖94. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana95, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
93 COTRIM, 2010, p. 160. 94 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 26 abr. 2015. 95 MORAES, 2011, p. 11.
81
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖96, tal como estabelecer que os operários e
96 SANTOS, 2003, s.p.
82
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado97, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
97 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
83
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais98.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relações de natureza
econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se
diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente
estatal alheio à vida da sociedade e que, por
consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias
remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde
e o bem-estar individual e da família, à educação, à
98 SANTOS, 2003, s.p.
84
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖99. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖100, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
99 BONAVIDES, 2007, p. 564. 100 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
85
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio101, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
101 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
86
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖102 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
102 BONAVIDES, 2007, p. 569.
87
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível103.
103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
88
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não
possuem destinatários especificados, como os de primeira
e segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖104. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
104 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
89
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖105. A
respeito do assunto, Motta e Barchet106 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO
MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
DE SOLIDARIEDADE: EXPLICITAÇÃO AO ART.
225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
105 BONAVIDES, 2007, p. 569. 106 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
90
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981107,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como ―a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
107 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
91
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas‖108.
Fiorillo109, ao tecer comentários acerca da
acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque
que tal tema se assenta em um ideário jurídico
indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis,
promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é
possível colocar em evidência que o meio ambiente
encontra íntima e umbilical relação com os componentes
que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível
relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao
apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°.
4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
108 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 109 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
92
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal110.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr.
2015.
93
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. ―Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente‖111.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal112 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
111 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 112 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações‖.
94
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
95
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade113.
O termo ―todos‖, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
113 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
96
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
97
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
98
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
99
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 26 abr. 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
_____________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
_____________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 26 abr. 2015.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
100
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 26 abr. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26
abr. 2015.
101
_____________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr.
2015.
_____________. Petição de Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr.
2015.
_____________. Declaração dos Direitos dos Homens e
Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr.
2015.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 26 abr. 2015.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel
Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos
direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 26
abr. 2015.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
102
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 26 abr. 2015.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 abr. 2015.
103
O ACESSO AO SANEAMENTO BÁSICO
ALÇADO À CONDIÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS: UM HORIZONTE DE NOVOS
DIREITOS SOCIAIS
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais
deram azo ao manancial de direitos e garantias
fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos
humanos decorrem de uma construção paulatina,
consistindo em uma afirmação e consolidação em
determinado período histórico da humanidade.
Quadra evidenciar que sobredita construção não se
encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva
rumo à conquista de direitos está em pleno
desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial,
pela difusão das informações propiciada pelos atuais
meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com
bastante substância a rubrica dos temas associados
aos direitos humanos. Os direitos de primeira geração
ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo,
104
são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades
ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os
direitos de segunda dimensão são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos
ou de coletividades, introduzidos no
constitucionalismo das distintas formas do Estado
social, depois que germinaram por ora de ideologia e
da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo teor de
humanismo e universalidade, os direitos de terceira
geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX
enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Acesso a
Saneamento Ambiental. Novos Horizontes. Direitos
Sociais.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações
ao Característico de Mutabilidade da Ciência
Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve
Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3
Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A
Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos
Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais
como substrato de edificação dos Direitos de
Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão:
A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos
de Solidariedade; 6 O Acesso ao Saneamento Básico
alçado à condição de Direitos Humanos: Um
Horizonte de Novos Direitos Sociais
105
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
106
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖114. Deste modo, com clareza solar, denota-se
que há uma interação consolidada na mútua
dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas
no constante processo de evolução da sociedade, com o
fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não
fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua
vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
114 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 jan.
2015.
107
fundamental está assentado em assegurar que inexista a
difusão da prática da vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas
quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da
Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem
como para evitar que se robusteça um cenário caótico no
seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
108
seu fascínio, a sua beleza”115. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 16 jan. 2015.
109
princípios em face da legislação‖116. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
116 VERDAN, 2009, s.p.
110
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖117,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
117 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 16 jan. 2015.
111
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes118. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz119.
118 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 119 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 16 jan. 2015, p.
01.
112
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖120, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens121, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
120 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 121 MORAES, 2011, p. 06.
113
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖122.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
122 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 16 jan. 2015.
114
direitos humanos‖123, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato124. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito125, devido
123 MORAES, 2011, p. 06. 124 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 125 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 16 jan. 2015: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
115
processo legal126, acesso à Justiça127, liberdade de
locomoção128 e livre entrada e saída do país129.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 126 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 16 jan. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou
aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,
nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 127 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 128 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 129 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
116
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias130, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal131. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
130 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 131 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
117
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato132. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais133.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
132 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 133 MORAES, 2011, p. 08-09.
118
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor134, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa135, por exemplo. Como bem
destaca Comparato136, a Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são
livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais
como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história137. ―Basicamente, a
134 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015: ―Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 135 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes
da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 136 COMPARATO, 2003, p. 49. 137 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
119
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖138,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015: ―Que
todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 138 SILVA, 2004, p.155.
120
fundamentais139. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento140.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
139 SILVA, 2004, p.155. 140 MORAES, 2003, p. 28.
121
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política141. O mesmo ocorria com a população
pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos
centros urbanos, explorada em fábricas, morava em
subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco
que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que
esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
141 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
122
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata142 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
142 SILVA, 2004, p. 157.
123
os corolários e cânones da liberdade143, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade144, da reserva legal145 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência146, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de
pensamento147.
143 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015: ―Art.
2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 144 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 145 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 146 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 147 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
124
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖148, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 148 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
125
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
126
maioria149. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖150. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana151, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
149 COTRIM, 2010, p. 160. 150 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 16 jan. 2015. 151 MORAES, 2011, p. 11.
127
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖152, tal como estabelecer que os operários e
152 SANTOS, 2003, s.p.
128
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado153, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
153 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
129
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais154.
Nota-se, dessa maneira, que, aos poucos, o
Estado saiu da apatia e envolveu-se nas relações de
natureza econômica, a fim de garantir a efetivação dos
direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim,
o Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja,
tem como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Ao lado do
exposto, opondo-se diretamente a posição de Estado
liberal, isto é, o ente estatal alheio à vida da sociedade e
que, por consequência, não intervinha na sociedade.
Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e
proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer,
incluindo férias remuneradas, a um padrão de vida que
assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à
154 SANTOS, 2003, s.p.
130
educação, à propriedade intelectual, bem como as
liberdades de escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖155. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖156, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
155 BONAVIDES, 2007, p. 564. 156 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
131
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio157, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
157 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
132
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖158 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
158 BONAVIDES, 2007, p. 569.
133
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível159.
159 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
134
Nesta feita, importa acrescentar que os
direitos de terceira dimensão possuem caráter
transindividual, o que os faz abranger a toda a
coletividade, sem quaisquer restrições a grupos
específicos. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e
Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que ―os
direitos de terceira geração possuem natureza
essencialmente transindividual, porquanto não possuem
destinatários especificados, como os de primeira e
segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖160. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
160 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
135
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖161. A
respeito do assunto, Motta e Barchet162 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 O ACESSO AO SANEAMENTO BÁSICO ALÇADO
À CONDIÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: UM
HORIZONTE DE NOVOS DIREITOS SOCIAIS
161 BONAVIDES, 2007, p. 569. 162 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
136
É fato que o estabelecimento de uma legislação
nacional de resíduos sólidos encontra arrimo na premissa
alargada propiciada pelo princípio constitucional do meio
ambiente ecologicamente equilibrado, o qual incide,
inclusive, em sua materialização artificial, ou seja, no
ambiente humanamente edificado e modificado. Nesta
linha, a gestão dos resíduos sólidos, assim como dos
rejeitos passa a ter subsistema próprio que
imprescindivelmente reclama interpretação em face do
direito ao saneamento básico como garantia de bem-
estar assegurado aos habitantes das cidades, consagrado
expressamente na Constituição Federal163. De outro
ângulo, a legislação de regência dos resíduos sólidos
deve ser estruturada em uma política concreta de
desenvolvimento urbano por parte dos municípios,
buscando a promoção da dignidade da população urbana.
Consoante magistério apresentado por Celso Fiorillo,
―assim, as regras jurídicas que se aplicam aos resíduos
sólidos continuaram a ter gênese constitucional em face
163 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
137
da tutela jurídica do meio ambiente artificial‖164.
Em harmonia com o ideário edificado pelo
Texto Constitucional, alçando o meio ambiente
ecologicamente equilibrado à condição de elemento de
promoção da sadia qualidade de vida e, por
extensão, a dignidade da pessoa humana, é denotável
que a Política Nacional de Resíduos Sólidos está
condicionada aos princípios constitucionais do direito
ambiental brasileiro. Com efeito, a responsabilidade das
pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou
privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela
geração de resíduos sólidos e das que desenvolvam ações
atreladas à gestão integrada ou ao gerenciamento de
resíduos é, em regra, solidária e objetiva. Nesta
linha, a tábua principiológica constitucional sujeita,
também, as pessoas físicas ou jurídicas, de direito
público ou privado, responsáveis, direta ou
indiretamente, pela geração de resíduos sólidos, tal como
aquelas que desenvolvam ações relacionadas à gestão
integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos,
164 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 384.
138
observando-se, imperiosamente, as disposições aplicáveis
ao direito criminal ambiental, detentor de arcabouço
jurídico próprio.
No mais, oportunamente, cuida pontuar que a
lei proíbe, ainda, de forma explícita, o lançamento de
resíduos sólidos ou rejeitos a céu aberto, isto é: os
denominados ―lixões‖, como também a fixação de
habitações temporárias ou permanentes nas áreas de
disposição final de resíduos ou de rejeitos, indicando, de
forma clara, a vedação de importação de resíduos sólidos
perigosos e rejeitos. Nesta perspectiva, cuida reconhecer
que o gerenciamento de resíduos sólidos e rejeitos, na
sistemática contemporânea, sobretudo buscando
instituir, em consonância com a preservação do meio
ambiente ecologicamente equilibrado e a promoção do
bem-estar dos habitantes das cidades, o estabelecimento
de condições fundamentais de existência e preservação
da saúde, sobretudo o direito ao saneamento ambiental,
conferindo dignidade, maiormente as populações
periféricas atingidas pela ausência de planejamento
urbano, despidas dos direitos essenciais de existência.
Verifica-se, destarte, que o acesso ao
139
saneamento básico, na condição de direito fundamental,
integra o rol dos direitos humanos sociais, responsável
por desempenhar função eficaz para a realização da
dignidade da pessoa humana, justiça social, igualdade
formal e material, com o escopo de assegurar a
erradicação da pobreza e da promoção do bem-estar
social e ambiental de todos os cidadãos. É fundamental,
dessa sorte, reconhecer o direito ao saneamento básico e
integrá-lo ao rol dos direitos fundamentais sociais que
integram a garantia do mínimo existencial como
elemento constituinte da dignidade da pessoa humana,
considerando, sobremaneira, o acesso ao saneamento
como um direito essencial para o pleno desfrute da vida
humana.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 16 jan. 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
140
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 16 jan. 2015.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
141
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 16 jan. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16
jan. 2015.
___________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan.
2015.
___________. Petição de Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan.
2015.
___________. Declaração dos Direitos dos Homens e
Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan.
2015.
142
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 16 jan. 2015.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel
Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos
direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 16
jan. 2015.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 16 jan. 2015.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
143
PONDERAÇÕES À DECLARAÇÃO DOS
DIREITOSS SEXUAIS DA ASSOCIAÇÃO
MUNDIAL PARA A SAÚDE SEXUAL:
BREVE PAINEL AO ALARGAMENTO DOS
DIREITOS HUMANOS
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram
azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.
Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período
histórico da humanidade. Quadra evidenciar que
sobredita construção não se encontra finalizada, ao
avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos
está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada
pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de
liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
144
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda
dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos
bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direitos Sexuais.
Solidariedade Transgeracional.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações
ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica;
2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto
da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos
de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de
Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:
Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos
Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira
Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais
dos Direitos de Solidariedade; 6 Ponderações à
Declaração dos Direitos Sexuais da Associação
Mundial para a Saúde Sexual: Breve Painel ao
alargamento dos Direitos Humanos
145
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
146
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖165. Deste modo, com clareza solar, denota-se
que há uma interação consolidada na mútua
dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas
no constante processo de evolução da sociedade, com o
fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não
fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua
vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
165 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 20 jun.
2015.
147
fundamental está assentado em assegurar que inexista a
difusão da prática da vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas
quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da
Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem
como para evitar que se robusteça um cenário caótico no
seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
148
seu fascínio, a sua beleza”166. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
166 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 20 jun. 2015.
149
princípios em face da legislação‖167. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
167 VERDAN, 2009, s.p.
150
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖168,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
168 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 20 jun. 2015.
151
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes169. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz170.
169 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 170 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015, p.
01.
152
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖171, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens172, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
171 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 172 MORAES, 2011, p. 06.
153
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖173.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
173 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 20 jun. 2015.
154
direitos humanos‖174, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato175. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito176, devido
174 MORAES, 2011, p. 06. 175 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 176 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 20 jun. 2015: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
155
processo legal177, acesso à Justiça178, liberdade de
locomoção179 e livre entrada e saída do país180.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 177 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 20 jun. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou
aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,
nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 178 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 179 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 180 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
156
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias181, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal182. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
181 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 182 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
157
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato183. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais184.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
183 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 184 MORAES, 2011, p. 08-09.
158
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor185, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa186, por exemplo. Como bem
destaca Comparato187, a Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são
livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais
como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história188. ―Basicamente, a
185 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 186 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes
da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 187 COMPARATO, 2003, p. 49. 188 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
159
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖189,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que
todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 189 SILVA, 2004, p.155.
160
fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento190.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
190 MORAES, 2003, p. 28.
161
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política191. O mesmo ocorria com a população
pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos
centros urbanos, explorada em fábricas, morava em
subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco
que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que
esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
191 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
162
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata192 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
192 SILVA, 2004, p. 157.
163
os corolários e cânones da liberdade193, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade194, da reserva legal195 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência196, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de
pensamento197.
193 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Art.
2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 194 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 195 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 196 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 197 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
164
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖198, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 198 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
165
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
166
maioria199. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖200. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana201, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
199 COTRIM, 2010, p. 160. 200 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 20 jun. 2015. 201 MORAES, 2011, p. 11.
167
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖202, tal como estabelecer que os operários e
202 SANTOS, 2003, s.p.
168
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado203, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
203 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
169
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais204.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relações de natureza
econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se
diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente
estatal alheio à vida da sociedade e que, por
consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias
remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde
e o bem-estar individual e da família, à educação, à
204 SANTOS, 2003, s.p.
170
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖205. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖206, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
205 BONAVIDES, 2007, p. 564. 206 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
171
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio207, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
207 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
172
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖208 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
208 BONAVIDES, 2007, p. 569.
173
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível209.
209 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
174
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não
possuem destinatários especificados, como os de primeira
e segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖210. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
210 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
175
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖211. A
respeito do assunto, Motta e Barchet212 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 PONDERAÇÕES À DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS SEXUAIS DA ASSOCIAÇÃO MUNDIAL
PARA A SAÚDE SEXUAL: BREVE PAINEL AO
ALARGAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS
211 BONAVIDES, 2007, p. 569. 212 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
176
Em um primeiro momento, a Declaração dos
Direitos Sexuais da Associação Mundial para a Saúde
Sexual estabelece os direitos sexuais são baseados nos
direitos humanos universais que já são reconhecidos em
documentos de direitos humanos domésticos e
internacionais, em Constituições Nacionais e leis, em
padrões e princípios de direitos humanos, e em
conhecimento científico relacionados à sexualidade
humana e saúde sexual. Por seu turno, a sexualidade é
um aspecto central do ser humano em toda a vida e
abrange sexo, identidade e papeis de gênero, orientação
sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A
sexualidade é experienciada e expressada em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes,
valores, comportamentos, práticas, papeis e
relacionamentos. Embora a sexualidade possa incluir
todas essas dimensões, nem todas elas são sempre
expressadas ou sentidas. Sexualidade é influenciada pela
interação de fatores biológicos, sociais, econômicos,
políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e
espirituais. No mais, a saúde sexual é um estado de bem
estar físico, emocional, mental e social relacionado à
177
sexualidade; não é meramente a ausência de doença,
disfunção ou enfermidade. Saúde sexual requer uma
abordagem positiva e respeitosa para com a sexualidade
e relacionamentos sexuais, bem como a possibilidade de
ter experiências sexuais prazerosas e seguras, livres de
coerção, discriminação ou violência.
Mais que isso, a igualdade e não descriminação
são fundamentais à proteção e promoção de todos os
direitos humanos e incluem a proibição de quaisquer
distinções, exclusões ou restrições com base em raça,
etnia, cor, sexo, linguagem, religião, opinião política ou
outra qualquer, origem social ou regional, características,
status de nascimento ou outro qualquer, inclusive
deficiências, idade, nacionalidade, estado civil ou
familiar, orientação sexual e identidade de gênero,
estado de saúde, local de residência e situação econômica
ou social. Nesta linha, há que reconhecer, ainda, que a
orientação sexual, identidade de gênero, expressões de
gênero e características físicas de cada indivíduo
requerem a proteção dos direitos humanos. Ao lado disso,
todos os tipos de violência, perseguição, descriminação,
exclusão e estigma, são violações dos direitos humanos e
178
afetam o bem estar do indivíduo, famílias e comunidades.
Os direitos sexuais protegem os direitos de todas as
pessoas na plena realização e expressão de sua
sexualidade, usufruindo de sua saúde sexual, desde que
respeitados os direitos do próximo.
O direito à igualdade e a não descriminação,
como integrante dos direitos sexuais, preconiza que todos
têm o direito de usufruir dos direitos sexuais definidos
na declaração em comento, sem distinção de qualquer
tipo, seja raça, etnia, cor, sexo, linguagem, religião,
opinião política ou outra qualquer, origem social ou
regional, local de residência, características, nascimento,
deficiência, idade, nacionalidade, estado civil ou familiar,
orientação sexual, identidade e expressão de gênero,
estado de saúde, situação econômica, social ou outra
qualquer. Por sua vez, o direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal estão estruturados na premissa que
todos têm o direito à vida, liberdade e segurança, que não
podem ser ameaçadas, limitadas ou removidas
arbitrariamente por motivos relacionados à sexualidade.
Estes incluem: orientação sexual, comportamentos e
práticas sexuais consensuais, identidade e expressões de
179
gênero, bem como acessar ou ofertar serviços
relacionados à saúde sexual e reprodutiva.
No que compete ao direito à autonomia e à
integridade corporal, cuida reconhecer que todos têm o
direito de controlar e decidir livremente sobre questões
relativas à sua sexualidade e seus corpos. Isto inclui a
escolha de comportamentos sexuais, práticas, parceiros e
relacionamentos, desde que respeitados os direitos do
próximo. A tomada de decisões livre e informada, requer
consentimento livre e informado antes de quaisquer
testes, intervenções, terapias, cirurgias ou pesquisas de
natureza sexual. O direito de estar isento de tortura,
tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante
preconiza que todos devem estar isentos de tortura,
tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante
em razão de sua sexualidade, incluindo: praticas
tradicionais nocivas; esterilização, contracepção ou
aborto forçado; e outras formas de tortura, tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes praticados por razões
relacionadas ao sexo, gênero, orientação sexual,
identidade e expressão de gênero, ou característica física
de alguém. Neste mote, o direito de estar isento de todas
180
as formas de violência ou coerção. Todos deverão estar
isentos de violência e coerção relacionadas à sexualidade,
incluindo: Estupro, abuso ou, perseguição sexual,
―bullying‖, exploração sexual e escravidão, trafico com
propósito de exploração sexual, teste de virgindade ou
violência cometida devido à prática sexual real ou
presumida, orientação sexual, identidade e expressão de
gênero ou qualquer característica física.
Em relação ao direito à privacidade, a declaração
estabelece que todos têm o direito à privacidade
relacionada à sexualidade, vida sexual e escolhas
inerentes ao seu próprio corpo, relações e práticas
sexuais consensuais, sem interferência ou intrusão
arbitrária. Isto inclui o direito de controlar a divulgação
de informação relacionada à sua sexualidade pessoal a
outrem. Por sua vez, o direito ao mais alto padrão de
saúde atingível, inclusive de saúde sexual; com a
possibilidade de experiências sexuais prazerosas,
satisfatórias e seguras compreende que todos têm o
direito ao mais alto padrão de saúde e bem estar
possíveis, relacionados à sexualidade, incluindo a
possibilidade de experiências sexuais prazerosas,
181
satisfatórias e seguras. Isto requer a disponibilidade,
acessibilidade e aceitação de serviços de saúde
qualificados, bem como o acesso a condições que
influenciem e determinem a saúde, incluindo a saúde
sexual. Concernente ao direito de usufruir dos benefícios
do progresso científico e suas aplicações, todos têm o
direito de usufruir dos benefícios do progresso científico e
suas aplicações em relação à sexualidade e saúde sexual.
O direito à informação arvora que todos devem
ter acesso à informação cientificamente precisa e
esclarecedora sobre sexualidade, saúde sexual, e direitos
sexuais através de diversas fontes. Tal informação não
deve ser arbitrariamente censurada, retida ou
intencionalmente deturpada. Em alusão ao direito à
educação e o direito à educação sexual esclarecedora, a
declaração explicita que todos têm o direito à educação e
a uma educação sexual esclarecedora. Educação sexual
esclarecedora deve ser adequada à idade, cientificamente
acurada, culturalmente idônea, baseada nos direitos
humanos, na equidade de gêneros e ter uma abordagem
positiva quanto à sexualidade e o prazer. No tocante ao
direito de constituir, formalizar e dissolver casamento ou
182
outros relacionamentos similares baseados em igualdade,
com consentimento livre e absoluto, a declaração
estabelece que todos têm o direito de escolher casar-se ou
não, bem como adentrar livre e consensualmente em
casamento, parceria ou outros relacionamentos
similares. Todas as pessoas são titulares de direitos
iguais na formação, durante e na dissolução de tais
relacionamentos sem descriminações de qualquer
espécie. Este direito inclui igualdade absoluta de direitos
frente a seguros sociais, previdenciários e outros
benefícios, independente da forma do relacionamento.
O direito a decidir sobre ter filhos, o número de
filhos e o espaço de tempo entre eles, além de ter
informações e meios para tal está alicerçado na premissa
que todos têm o direito de decidir ter ou não ter filhos, a
quantidade destes e o lapso de tempo entre cada criança.
O exercício desse direito requer acesso a condições que
influenciam e afetam a saúde e o bem-estar, incluindo
serviços de saúde sexual e reprodutiva relacionados à
gravidez, contracepção, fertilidade, interrupção da
gravidez e adoção. O direito à liberdade de pensamento,
opinião e expressão está fincado no ideário que todos têm
183
o direito à liberdade de pensamento, opinião e expressão
relativos à sexualidade, bem como o direito à expressão
plena de sua própria sexualidade, por exemplo, na
aparência, comunicação e comportamento, desde que
devidamente respeitados os direitos dos outros. Ademais,
em menção ao direito à liberdade de associação e reunião
pacífica, os direitos sexuais desdobram-se na premissa
que todos têm o direito de organizar-se, associar-se,
reunir-se, manifestar-se pacificamente e advogar,
inclusive sobre sexualidade, saúde sexual, e direitos
sexuais.
Já no que toca ao direito de participação em vida
pública e política, todos têm o direito a um ambiente que
possibilite a participação ativa, livre e significativa em
contribuição a aspectos civis, econômicos, sociais,
culturais e políticos da vida humana a nível local,
regional, nacional ou internacional. Em especial, todos
têm o direito de participar no desenvolvimento e
implantação de políticas que determinem seu bem-estar,
incluindo sua sexualidade e saúde sexual. Por
derradeiro, o direito de acesso à justiça, reparação e
indenização. Todos têm o direito ao acesso à justiça,
184
reparação e indenização por violações de seus direitos
sexuais. Isto requer medidas efetivas, adequadas e
acessíveis, assim como devidamente educativas,
legislativas, judiciais, entre outras. Reparação incluiu
retratação, indenização, reabilitação, satisfação e a
garantia de não repetição.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 20 jun. 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 20 jun. 2015.
185
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 20 jun. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20
jun. 2015.
186
_________________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun.
2015.
_________________. Petição de Direito (1.628). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20
jun. 2015.
_________________. Declaração dos Direitos dos Homens
e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun.
2015.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 20 jun. 2015.
SIQUEIRA novo caminho pra a Governança da
Água no Brasil?. Curitiba: Editora Juruá, 2010., Dirceu
Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos
fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,
XII, n. 61, fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 20 jun. 2015.
187
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de
Conflitos e Práticas Restaurativas. 2 ed., rev., atual.
e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
188
PONDERAÇÕES À LEI ORGÂNICA DE
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRI-
CIONAL (LEI Nº 11.346/2006): O ALARGA-
MENTO DO ROL DOS DIREITOS
HUMANOS NO TERRITÓRIO NACIONAL
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram
azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.
Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período
histórico da humanidade. Quadra evidenciar que
sobredita construção não se encontra finalizada, ao
avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos
está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada
pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de
liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
189
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda
dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos
bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. DHAA.
Segurança Alimentar e Nutricional.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao
Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2
Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da
Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de
Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de
Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:
Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos
Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira
Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos
Direitos de Solidariedade; 6 Ponderações à Lei Orgânica
de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº
11.346/2006): O Alargamento do rol dos Direitos
Humanos no Território Brasileiro
190
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
191
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖213. Deste modo, com clareza solar, denota-se
que há uma interação consolidada na mútua
dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas
no constante processo de evolução da sociedade, com o
fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não
fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua
vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
213 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 30 mai.
2015.
192
fundamental está assentado em assegurar que inexista a
difusão da prática da vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas
quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da
Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem
como para evitar que se robusteça um cenário caótico no
seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
193
seu fascínio, a sua beleza”214. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 30 mai. 2015.
194
princípios em face da legislação‖215. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
215 VERDAN, 2009, s.p.
195
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖216,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
216 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 30 mai. 2015.
196
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes217. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz218.
217 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 218 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 30 mai. 2015, p.
01.
197
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖219, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens220, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
219 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 220 MORAES, 2011, p. 06.
198
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖221.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
221 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 30 mai. 2015.
199
direitos humanos‖222, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato223. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito224, devido
222 MORAES, 2011, p. 06. 223 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 224 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 30 mai. 2015: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
200
processo legal225, acesso à Justiça226, liberdade de
locomoção227 e livre entrada e saída do país228.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 225 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 30 mai. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou
aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,
nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 226 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 227 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 228 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
201
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias229, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal230. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
229 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 230 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
202
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato231. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais232.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
231 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 232 MORAES, 2011, p. 08-09.
203
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor233, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa234, por exemplo. Como bem
destaca Comparato235, a Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são
livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais
como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história236. ―Basicamente, a
233 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:
―Que todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele
procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores
e, em qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 234 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes
da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 235 COMPARATO, 2003, p. 49. 236 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
204
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖237,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:
―Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 237 SILVA, 2004, p.155.
205
fundamentais238. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento239.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
238 SILVA, 2004, p.155. 239 MORAES, 2003, p. 28.
206
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política240. O mesmo ocorria com a população
pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos
centros urbanos, explorada em fábricas, morava em
subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco
que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que
esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
240 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
207
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata241 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
241 SILVA, 2004, p. 157.
208
os corolários e cânones da liberdade242, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade243, da reserva legal244 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência245, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de
pensamento246.
242 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:
―Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 243 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 244 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 245 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 246 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
209
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖247, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 247 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
210
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
211
maioria248. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖249. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana250, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
248 COTRIM, 2010, p. 160. 249 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 30 mai. 2015. 250 MORAES, 2011, p. 11.
212
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖251, tal como estabelecer que os operários e
251 SANTOS, 2003, s.p.
213
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado252, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
252 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
214
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais253.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relações de natureza
econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se
diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente
estatal alheio à vida da sociedade e que, por
consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias
remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde
e o bem-estar individual e da família, à educação, à
253 SANTOS, 2003, s.p.
215
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖254. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖255, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
254 BONAVIDES, 2007, p. 564. 255 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
216
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio256, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
256 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
217
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖257 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
257 BONAVIDES, 2007, p. 569.
218
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível258.
258 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
219
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não
possuem destinatários especificados, como os de primeira
e segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖259. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
259 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
220
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖260. A
respeito do assunto, Motta e Barchet261 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 PONDERAÇÕES À LEI ORGÂNICA DE
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (LEI
Nº 11.346/2006): O ALARGAMENTO DO ROL DOS
DIREITOS HUMANOS NO TERRITÓRIO
BRASILEIRO
260 BONAVIDES, 2007, p. 569. 261 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
221
Em uma primeira plana, a Lei nº 11.346, de 15
de setembro de 2006262, que cria o Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas
em assegurar o direito humano à alimentação adequada
e dá outras providências, foi responsável por,
expressamente, alargar o rol de direitos humanos no
território nacional, alçando, para tanto, o direito à
alimentação adequada como direito fundamental,
imprescindível ao desenvolvimento humano e à
materialização do superprincípio da dignidade da pessoa
humana. Nesse sentido, o artigo 2º esclarece que a
alimentação adequada é direito fundamental do ser
humano, inerente à dignidade da pessoa humana e
indispensável à realização dos direitos consagrados na
Constituição Federal, devendo o poder público adotar as
políticas e ações que se façam necessárias para promover
e garantir a segurança alimentar e nutricional da
população. A adoção dessas políticas e ações deverá levar
262 BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN
com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em 30 mai. 2015.
222
em conta as dimensões ambientais, culturais,
econômicas, regionais e sociais. É dever do poder público
respeitar, proteger, promover, prover, informar,
monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito
humano à alimentação adequada, bem como garantir os
mecanismos para sua exigibilidade.
A segurança alimentar e nutricional consiste
na realização do direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade
suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde que respeitem a
diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural,
econômica e socialmente sustentáveis. A segurança
alimentar e nutricional abrange: I – a ampliação das
condições de acesso aos alimentos por meio da produção,
em especial da agricultura tradicional e familiar, do
processamento, da industrialização, da comercialização,
incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento
e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem
como da geração de emprego e da redistribuição da
renda; II – a conservação da biodiversidade e a utilização
223
sustentável dos recursos; III – a promoção da saúde, da
nutrição e da alimentação da população, incluindo-se
grupos populacionais específicos e populações em
situação de vulnerabilidade social; IV – a garantia da
qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica
dos alimentos, bem como seu aproveitamento,
estimulando práticas alimentares e estilos de vida
saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e
cultural da população; V – a produção de conhecimento e
o acesso à informação; e VI – a implementação de
políticas públicas e estratégias sustentáveis e
participativas de produção, comercialização e consumo de
alimentos, respeitando-se as múltiplas características
culturais do País.
A consecução do direito humano à alimentação
adequada e da segurança alimentar e nutricional requer
o respeito à soberania, que confere aos países a primazia
de suas decisões sobre a produção e o consumo de
alimentos. O Estado brasileiro deve empenhar-se na
promoção de cooperação técnica com países estrangeiros,
contribuindo assim para a realização do direito humano
à alimentação adequada no plano internacional. A
224
consecução do direito humano à alimentação adequada e
da segurança alimentar e nutricional da população far-
se-á por meio do SISAN, integrado por um conjunto de
órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e pelas instituições privadas,
com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar
e nutricional e que manifestem interesse em integrar o
Sistema, respeitada a legislação aplicável. A participação
no SISAN de que trata o artigo 7º263 deverá obedecer aos
princípios e diretrizes do Sistema e será definida a partir
de critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA e pela
Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e
Nutricional, a ser criada em ato do Poder Executivo
Federal. Os órgãos responsáveis pela definição dos
critérios de que trata o § 1o do artigo 7º poderão
estabelecer requisitos distintos e específicos para os
setores público e privado.
263 BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN
com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em 30 mai. 2015.
225
Os órgãos e entidades públicos ou privados que
integram o SISAN o farão em caráter interdependente,
assegurada a autonomia dos seus processos decisórios. O
dever do poder público não exclui a responsabilidade das
entidades da sociedade civil integrantes do SISAN. O
SISAN reger-se-á pelos seguintes princípios: I –
universalidade e equidade no acesso à alimentação
adequada, sem qualquer espécie de discriminação; II –
preservação da autonomia e respeito à dignidade das
pessoas; III – participação social na formulação,
execução, acompanhamento, monitoramento e controle
das políticas e dos planos de segurança alimentar e
nutricional em todas as esferas de governo; e IV –
transparência dos programas, das ações e dos recursos
públicos e privados e dos critérios para sua concessão. Ao
lado disso, o SISAN tem como base as seguintes
diretrizes: I – promoção da intersetorialidade das
políticas, programas e ações governamentais e não-
governamentais; II – descentralização das ações e
articulação, em regime de colaboração, entre as esferas
de governo; III – monitoramento da situação alimentar e
nutricional, visando a subsidiar o ciclo de gestão das
226
políticas para a área nas diferentes esferas de governo;
IV – conjugação de medidas diretas e imediatas de
garantia de acesso à alimentação adequada, com ações
que ampliem a capacidade de subsistência autônoma da
população; V – articulação entre orçamento e gestão; e VI
– estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e à
capacitação de recursos humanos.
O SISAN tem por objetivos formular e
implementar políticas e planos de segurança alimentar e
nutricional, estimular a integração dos esforços entre
governo e sociedade civil, bem como promover o
acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da
segurança alimentar e nutricional do País. Integram o
SISAN: I – a Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional, instância responsável pela
indicação ao CONSEA das diretrizes e prioridades da
Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar,
bem como pela avaliação do SISAN; II – o CONSEA,
órgão de assessoramento imediato ao Presidente da
República, responsável pelas seguintes atribuições: a)
convocar a Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional, com periodicidade não superior
227
a 4 (quatro) anos, bem como definir seus parâmetros de
composição, organização e funcionamento, por meio de
regulamento próprio; b) propor ao Poder Executivo
Federal, considerando as deliberações da Conferência
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, as
diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional, incluindo-se
requisitos orçamentários para sua consecução; c)
articular, acompanhar e monitorar, em regime de
colaboração com os demais integrantes do Sistema, a
implementação e a convergência de ações inerentes à
Política e ao Plano Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional; d) definir, em regime de colaboração com a
Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e
Nutricional, os critérios e procedimentos de adesão ao
SISAN; e) instituir mecanismos permanentes de
articulação com órgãos e entidades congêneres de
segurança alimentar e nutricional nos Estados, no
Distrito Federal e nos Municípios, com a finalidade de
promover o diálogo e a convergência das ações que
integram o SISAN; f) mobilizar e apoiar entidades da
228
sociedade civil na discussão e na implementação de ações
públicas de segurança alimentar e nutricional.
Integra, ainda, o SISAN: III – a Câmara
Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional,
integrada por Ministros de Estado e Secretários
Especiais responsáveis pelas pastas afetas à consecução
da segurança alimentar e nutricional, com as seguintes
atribuições, dentre outras: a) elaborar, a partir das
diretrizes emanadas do CONSEA, a Política e o Plano
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
indicando diretrizes, metas, fontes de recursos e
instrumentos de acompanhamento, monitoramento e
avaliação de sua implementação; b) coordenar a
execução da Política e do Plano; c) articular as políticas e
planos de suas congêneres estaduais e do Distrito
Federal; IV – os órgãos e entidades de segurança
alimentar e nutricional da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios; e V – as instituições
privadas, com ou sem fins lucrativos, que manifestem
interesse na adesão e que respeitem os critérios,
princípios e diretrizes do SISAN. A Conferência Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional será precedida de
229
conferências estaduais, distrital e municipais, que
deverão ser convocadas e organizadas pelos órgãos e
entidades congêneres nos Estados, no Distrito Federal e
nos Municípios, nas quais serão escolhidos os delegados à
Conferência Nacional.
O CONSEA será composto a partir dos
seguintes critérios: I – 1/3 (um terço) de representantes
governamentais constituído pelos Ministros de Estado e
Secretários Especiais responsáveis pelas pastas afetas à
consecução da segurança alimentar e nutricional; II – 2/3
(dois terços) de representantes da sociedade civil
escolhidos a partir de critérios de indicação aprovados na
Conferência Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional; e III – observadores, incluindo-se
representantes dos conselhos de âmbito federal afins, de
organismos internacionais e do Ministério Público
Federal. O CONSEA será presidido por um de seus
integrantes, representante da sociedade civil, indicado
pelo plenário do colegiado, na forma do regulamento, e
designado pelo Presidente da República. A atuação dos
conselheiros, efetivos e suplentes, no CONSEA, será
230
considerada serviço de relevante interesse público e não
remunerada.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 30 mai. 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
_____________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
_____________. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de
2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito
humano à alimentação adequada e dá outras
providências. Disponível em:
231
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em 30 mai. 2015.
_____________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 30 mai. 2015.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
LIMA NETO, Francisco Vieira. Direitos Humanos de
4ª Geração. Disponível em <http://www.dhnet.org.br>.
Acesso em: 30 mai. 2015.
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
232
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 30 mai. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30
mai. 2015.
_____________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30
mai. 2015.
_____________. Petição de Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30
mai. 2015.
_____________. Declaração dos Direitos dos Homens e
Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30
mai. 2015.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
233
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 30 mai. 2015.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel
Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos
direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 30
mai. 2015.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 30 mai. 2015.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. São
Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.
234
PONDERAÇÕES AO DESENVOLVI-
MENTO COMO DIREITO HUMANO: O
ALARGAMENTO ADVINDO DA
DECLARAÇÃO DA ONU DE 1986
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram
azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.
Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período
histórico da humanidade. Quadra evidenciar que
sobredita construção não se encontra finalizada, ao
avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos
está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada
pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de
liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda
235
dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos
bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direito ao
Desenvolvimento. Declaração de 1986.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações
ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica;
2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto
da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos
de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de
Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:
Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos
Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira
Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais
dos Direitos de Solidariedade; 6 Ponderações ao
Desenvolvimento como Direito Humano: O
Alargamento advindo da Declaração da ONU de 1986
236
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
237
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖264. Deste modo, com clareza solar, denota-se
que há uma interação consolidada na mútua
dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas
no constante processo de evolução da sociedade, com o
fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não
fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua
vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
264 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 20 jun.
2015.
238
fundamental está assentado em assegurar que inexista a
difusão da prática da vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas
quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da
Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem
como para evitar que se robusteça um cenário caótico no
seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
239
seu fascínio, a sua beleza”265. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
265 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 20 jun. 2015.
240
princípios em face da legislação‖266. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
266 VERDAN, 2009, s.p.
241
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖267,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
267 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 20 jun. 2015.
242
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes268. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz269.
268 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 269 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015, p.
01.
243
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖270, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens271, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
270 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 271 MORAES, 2011, p. 06.
244
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖272.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
272 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 20 jun. 2015.
245
direitos humanos‖273, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato274. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito275, devido
273 MORAES, 2011, p. 06. 274 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 275 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 20 jun. 2015: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
246
processo legal276, acesso à Justiça277, liberdade de
locomoção278 e livre entrada e saída do país279.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 276 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 20 jun. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou
aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,
nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 277 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 278 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 279 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
247
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias280, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal281. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
280 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 281 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
248
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato282. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais283.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
282 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 283 MORAES, 2011, p. 08-09.
249
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor284, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa285, por exemplo. Como bem
destaca Comparato286, a Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são
livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais
como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história287. ―Basicamente, a
284 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 285 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes
da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 286 COMPARATO, 2003, p. 49. 287 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
250
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖288,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que
todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 288 SILVA, 2004, p.155.
251
fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento289.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
289 MORAES, 2003, p. 28.
252
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política290. O mesmo ocorria com a população
pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos
centros urbanos, explorada em fábricas, morava em
subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco
que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que
esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
290 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
253
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata291 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
291 SILVA, 2004, p. 157.
254
os corolários e cânones da liberdade292, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade293, da reserva legal294 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência295, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de
pensamento296.
292 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Art.
2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 293 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 294 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 295 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 296 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
255
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖297, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 297 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
256
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
257
maioria298. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖299. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana300, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
298 COTRIM, 2010, p. 160. 299 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 20 jun. 2015. 300 MORAES, 2011, p. 11.
258
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖301, tal como estabelecer que os operários e
301 SANTOS, 2003, s.p.
259
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado302, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
302 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
260
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais303.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relações de natureza
econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se
diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente
estatal alheio à vida da sociedade e que, por
consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias
remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde
e o bem-estar individual e da família, à educação, à
303 SANTOS, 2003, s.p.
261
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖304. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖305, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
304 BONAVIDES, 2007, p. 564. 305 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
262
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio306, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
306 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
263
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖307 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
307 BONAVIDES, 2007, p. 569.
264
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível308.
308 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
265
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não
possuem destinatários especificados, como os de primeira
e segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖309. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
309 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
266
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖310. A
respeito do assunto, Motta e Barchet311 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 PONDERAÇÕES AO DESENVOLVIMENTO
COMO DIREITO HUMANO: O ALARGAMENTO
ADVINDO DA DECLARAÇÃO DA ONU DE 1986
310 BONAVIDES, 2007, p. 569. 311 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
267
Em um primeiro momento, ao reconhecer que o
desenvolvimento é um processo econômico, social,
cultural e político abrangente, que visa ao constante
incremento do bem-estar de toda a população e de todos
os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e
significativa no desenvolvimento e na distribuição justa
dos benefícios daí resultantes. Igualmente, ao considerar
que que sob as disposições da Declaração Universal dos
Direitos Humanos todos têm direito a uma ordem social e
internacional em que os direitos e as liberdades
consagrados nesta Declaração possam ser plenamente
realizados. Recordando, ainda, os importantes acordos,
convenções, resoluções, recomendações e outros
instrumentos das Nações Unidas e de suas agências
especializadas relativos ao desenvolvimento integral do
ser humano, ao progresso econômico e social e
desenvolvimento de todos os povos, inclusive os
instrumentos relativos à descolonização, à prevenção de
discriminação, ao respeito e observância dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais, à manutenção
da paz e segurança internacionais e maior promoção das
268
relações amistosas e cooperação entre os Estados de
acordo com a Carta.
Ao reafirmar que existe uma relação íntima entre
desarmamento e desenvolvimento e que o progresso no
campo do desarmamento promoveria consideravelmente
o progresso no campo do desenvolvimento, e que os
recursos liberados pelas medidas de desarmamento
deveriam dedicar-se ao desenvolvimento econômico e
social e ao bem-estar de todos os povos e, em particular,
daqueles dos países em desenvolvimento. No mais, ao
reconhecer que a pessoa humana é o sujeito central do
processo de desenvolvimento e que essa política de
desenvolvimento deveria assim fazer do ser humano o
principal participante e beneficiário do desenvolvimento.
Ora, o direito ao desenvolvimento é um direito humano
inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os
povos estão habilitados a participar do desenvolvimento
econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e
dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais possam ser plenamente
realizados.
269
Neste sentido, o direito humano ao
desenvolvimento também implica a plena realização do
direito dos povos de autodeterminação que inclui, sujeito
às disposições relevantes de ambos os Pactos
Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de
seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as
sua riquezas e recursos naturais. Em seu artigo 2º, a
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
estabelece que a pessoa humana é o sujeito central do
desenvolvimento e deveria ser participante ativo e
beneficiário do direito ao desenvolvimento. Ao lado disso,
todos os seres humanos têm responsabilidade pelo
desenvolvimento, individual e coletivamente, levando-se
em conta a necessidade de pleno respeito aos seus
direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como
seus deveres para com a comunidade, que sozinhos
podem assegurar a realização livre e completa do ser
humano e deveriam por isso promover e proteger uma
ordem política, social e econômica apropriada para o
desenvolvimento. Por derradeiro, o dispositivo em
comento assinala que os Estados têm o direito e o dever
de formular políticas nacionais adequadas para o
270
desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento
do bem-estar de toda a população e de todos os
indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e
significativa e no desenvolvimento e na distribuição
equitativa dos benefícios daí resultantes.
No artigo 3º, a Declaração de 1986 comina que os
Estados têm a responsabilidade primária pela criação
das condições nacionais e internacionais favoráveis à
realização do direito ao desenvolvimento. A realização do
direito ao desenvolvimento requer pleno respeito aos
princípios do direito internacional, relativos às relações
amistosas de cooperação entre os Estados, em
conformidade com a Carta das Nações Unidas. Os
Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para
assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao
desenvolvimento. Os Estados deveriam realizar seus
direitos e cumprir suas obrigações, de modo tal a
promover uma nova ordem econômica internacional,
baseada na igualdade soberana, interdependência,
interesse mútuo e cooperação entre todos os Estados,
assim como a encorajar a observância e a realização dos
direitos humanos.
271
O dispositivo subsequente afirma que os Estados
têm o dever de, individual e coletivamente, tomar
medidas para formular as políticas internacionais de
desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização
do direito ao desenvolvimento. É necessária ação
permanente para promover um desenvolvimento mais
rápido dos países em desenvolvimento. Como
complemento dos esforços dos países em
desenvolvimento, uma cooperação internacional efetiva é
essencial para prover esses países de meios e facilidades
apropriados para incrementar seu amplo
desenvolvimento. No mais, o artigo 5º especifica que os
Estados tomarão medidas firmes para eliminar as
violações maciças e flagrantes dos direitos humanos dos
povos e dos seres humanos afetados por situações tais
como as resultantes do apartheid, de todas as formas de
racismo e discriminação racial, colonialismo, dominação
estrangeira e ocupação, agressão, interferência
estrangeira e ameaças contra a soberania nacional,
unidade nacional e integridade territorial, ameaças de
guerra e recusas de reconhecimento do direito
fundamental dos povos à autodeterminação.
272
Todos os Estados devem cooperar, com vistas a
promover, encorajar e fortalecer o respeito universal pela
observância de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião. Todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais são indivisíveis e
interdependentes; atenção igual e consideração urgente
devem ser dadas à implementação, promoção e proteção
dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais. Os Estados devem tomar providências para
eliminar os obstáculos ao desenvolvimento resultantes da
falha na observância dos direitos civis e políticos, assim
como dos direitos econômicos, sociais e culturais. Mais
que isso, todos os Estados devem promover o
estabelecimento, a manutenção e o fortalecimento da paz
e segurança internacionais e, para este fim, deveriam
fazer o máximo para alcançar o desarmamento geral e
completo do efetivo controle internacional, assim como
assegurar que os recursos liberados por medidas efetivas
de desarmamento sejam usados para o desenvolvimento
amplo, em particular o dos países em via de
desenvolvimento.
273
A declaração estabelece que todos Estados devem
tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias
para a realização do direito ao desenvolvimento e devem
assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para
todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços
de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição
equitativa da renda. Medidas efetivas devem ser
tomadas para assegurar que as mulheres tenham um
papel ativo no processo de desenvolvimento. Reformas
econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas
com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.
Os Estados devem encorajar a participação popular em
todas as esferas, como um fator importante no
desenvolvimento e na plena realização de todos os
direitos humanos. Todos os aspectos dos direito ao
desenvolvimento estabelecidos na Declaração são
indivisíveis e interdependentes, e cada um deles deve ser
considerado no contexto do todo. Os Estados deverão
tomar medidas para assegurar o pleno exercício e
fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento,
incluindo a formulação, adoção e implementação de
274
políticas, medidas legislativas e outras, em níveis
nacional e internacional.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 20 jun. 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 20 jun. 2015.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
275
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 20 jun. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20
jun. 2015.
_________________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun.
2015.
_________________. Petição de Direito (1.628). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20
jun. 2015.
276
_________________. Declaração dos Direitos dos Homens
e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun.
2015.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 20 jun. 2015.
SIQUEIRA novo caminho pra a Governança da
Água no Brasil?. Curitiba: Editora Juruá, 2010., Dirceu
Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos
fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,
XII, n. 61, fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 20 jun. 2015.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de
Conflitos e Práticas Restaurativas. 2 ed., rev., atual.
e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015.
277
COMENTÁRIOS AO RECONHECIMENTO
DO DIREITO À INTERNET COMO
DIREITOS HUMANOS: PRIMEIROS
APONTAMENTOS
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,
acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram
azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.
Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período
histórico da humanidade. Quadra evidenciar que
sobredita construção não se encontra finalizada, ao
avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos
está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada
pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de
liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda
278
dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos
bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Acesso à Internet.
Privacidade.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao
Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2
Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da
Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de
Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de
Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:
Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos
Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira
Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos
Direitos de Solidariedade; 6 Comentários ao
reconhecimento do Direito à Internet como Direitos
Humanos: Primeiros Apontamentos
279
1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:
PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE
MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA
Em sede de comentários inaugurais, ao se
dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes
ramificações que a integra, reclama uma interpretação
alicerçada nos múltiplos peculiares característicos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que
não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
280
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio
mantém‖312. Deste modo, com clareza solar, denota-se
que há uma interação consolidada na mútua
dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas
no constante processo de evolução da sociedade, com o
fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não
fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua
vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
312 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 02 jul.
2015.
281
fundamental está assentado em assegurar que inexista a
difusão da prática da vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas
quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da
Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem
como para evitar que se robusteça um cenário caótico no
seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o
cenário pátrio, é possível evidenciar que com a
promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como
maciço axioma de sustentação do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que
influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,
há que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o
direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não
envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à
realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o
282
seu fascínio, a sua beleza”313. Como bem pontuado, o
fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante
e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
313 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 02 jul. 2015.
283
princípios em face da legislação‖314. Destarte, a partir de
uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouço normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificação as
ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construção
paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. ―A
314 VERDAN, 2009, s.p.
284
evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou
construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria experiência da vida humana em sociedade‖315,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construção não se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à
conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substância a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
análise histórica sobre a construção dos direitos
humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção
individual em relação ao Estado. ―O Código de
315 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em 02 jul. 2015.
285
Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de
Moraes316. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteção aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à
vida, à família, à honra, à dignidade,
proteção especial aos órfãos e aos mais
fracos. O Código de Hamurabi também
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar
que aos súditos era proporcionada moradia,
justiça, habitação adequada, segurança
contra os perturbadores, saúde e paz317.
316 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 317 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 02 jul. 2015, p.
01.
286
Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,
também, a edificação e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é
observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um
direito natural, superior ao direito positivo, ―pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela
própria natureza humana‖318, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos
escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidadãos homens319, cuja acepção, na
visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que
surgem os primeiros resquícios do que passou a ser
chamado Direito Natural, através da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e
318 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 319 MORAES, 2011, p. 06.
287
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida‖320.
O período medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela maciça descentralização política, isto
é, a coexistência de múltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas
atividade comercial. Subsiste, neste período, o
esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada
na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à
proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de
trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade
Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de
subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurídicos reconheciam a existência dos
320 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 02 jul. 2015.
288
direitos humanos‖321, tendo como traço característico a
limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à
região em que vigiam. Dentre estes documentos, é
possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões
exercidas pelos barões em razão do aumento de exações
fiscais para financiar a estruturação de campanhas
bélicas, como bem explicita Comparato322. A Carta de
João sem Terra acampou uma série de restrições ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito323, devido
321 MORAES, 2011, p. 06. 322 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 323 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna
Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.
Acesso em 02 jul. 2015: ―Um homem livre será punido por um
pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
289
processo legal324, acesso à Justiça325, liberdade de
locomoção326 e livre entrada e saída do país327.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feição humanista, foram
promulgados, dentre os quais é possível mencionar o
crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um
vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e
nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito‖. 324 Ibid. ―Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, ou
desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou
de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos
ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares
ou pela lei do país‖. 325 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça‖. 326 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto
espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e
pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito‖. 327 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E
se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão
capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja
sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do
nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra
contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo
no nosso país‖.
290
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a
proibição de detenções arbitrárias328, reafirmando, deste
modo, os princípios estruturadores do devido processo
legal329. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os
quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo
328 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 329 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015:
―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,
empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou
detido por qualquer das formas acima indicadas‖.
291
desmedido passa a ceder diante das imposições
democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para maciça parte
dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem
enfoca Comparato330. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transição entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais331.
As treze colônias inglesas, instaladas no
recém-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
330 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 331 MORAES, 2011, p. 08-09.
292
social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é
possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,
de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor332, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa333, por exemplo. Como bem
destaca Comparato334, a Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são
livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais
como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos
direitos humanos na história335. ―Basicamente, a
332 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015: ―Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 333 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes
da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por
governos despóticos‖. 334 COMPARATO, 2003, p. 49. 335 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
293
Declaração se preocupa com a estrutura de um governo
democrático, com um sistema de limitação de poderes‖336,
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a
ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados
Unidos da América. Inicialmente, o documento não
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo
menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da
Federação, desde que constasse, no texto constitucional,
a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015: ―Que
todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança‖. 336 SILVA, 2004, p.155.
294
fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão,
associação política, princípio da legalidade, princípio da
reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio
da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da
livre manifestação do pensamento337.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No século XVIII, é verificável a instalação de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos
direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada
337 MORAES, 2003, p. 28.
295
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os
privilégios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na
órbita política338. O mesmo ocorria com a população
pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos
centros urbanos, explorada em fábricas, morava em
subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco
que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que
esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário
caótico de insatisfação por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
338 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
296
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos
Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do
Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata339 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa
possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da
população era obra e graça do intelecto humano; a
segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o
povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu
caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunião. No bojo da declaração,
emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados
339 SILVA, 2004, p. 157.
297
os corolários e cânones da liberdade340, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em
comento consagrou os princípios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade341, da reserva legal342 e anterioridade em
matéria penal, da presunção de inocência343, tal como
liberdade religiosa e livre manifestação de
pensamento344.
340 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015: ―Art.
2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 341 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 342 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por
força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada‖. 343 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei‖. 344 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não
perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre
comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
298
Os direitos de primeira dimensão
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não
discriminação racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrência de perseguições políticas, bem como as
liberdades de culto, crença, consciência, opinião,
expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,
residência, participação política, diretamente ou por meio
de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade‖345, aspecto este que
passa a ser característico da dimensão em comento. Com
realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei‖. 345 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
299
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revolução Industrial, é
verificável no continente europeu, precipuamente, a
instalação de um cenário pautado na exploração do
proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo
crianças, os quais eram expostos a condições
degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se
que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa
explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
300
maioria346. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos
fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevância, os quais combatiam a
exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É
possível citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este período,
a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de
direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
desempregados‖347. Posteriormente, em 1917, a
Constituição Mexicana348, refletindo os ideários
decorrentes da consolidação dos direitos de segunda
346 COTRIM, 2010, p. 160. 347 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 02 jul. 2015. 348 MORAES, 2011, p. 11.
301
dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da
carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos
contratos de trabalho, além de estabelecer a
obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanços nos direitos
socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao
trabalho, à liberdade de associação, melhores condições
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho
e para a proteção à maternidade. Além dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituição de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
―ao instituir que o Império procuraria obter uma
regulamentação internacional da situação jurídica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operária da humanidade, um mínimo de direitos
sociais‖349, tal como estabelecer que os operários e
349 SANTOS, 2003, s.p.
302
empregados seriam chamados a colaborar com os
patrões, na regulamentação dos salários e das condições
de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição
do Povo Trabalhador e Explorado350, elaborada pela
antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía
ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais
como a abolição da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras
inovações na relação laboral. Dentre as inovações
introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuição financeira em relação ao trabalho,
remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previsão de férias após um
ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
350 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
303
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de
previdência, assistência, educação e instrução sociais351.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relações de natureza
econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivíduos que o
integram as condições materiais tidas por seus
defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de
exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,
mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se
diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente
estatal alheio à vida da sociedade e que, por
consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias
remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde
e o bem-estar individual e da família, à educação, à
351 SANTOS, 2003, s.p.
304
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,
culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexão
antiliberal‖352. Os direitos alcançados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo às sendas da História é
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou
problemas do arbítrio governamental, com as liberdades
públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com
os direitos econômicos e sociais‖353, como bem evidencia
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
352 BONAVIDES, 2007, p. 564. 353 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
305
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tópico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da História e
permanecem em constante evolução, haja vista o
surgimento de novos interesses e carências da sociedade.
Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio354, os consideram direitos históricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em três gerações ou
dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à
saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do
consumidor, além de outros direitos considerados como
difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira geração tendem a
cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que
354 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
306
não se destinam especificamente à proteção dos interesses
de um indivíduo, de um grupo‖355 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são
considerados como difusos, porquanto não têm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vários
titulares decorre de mera circunstância factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações
vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
355 BONAVIDES, 2007, p. 569.
307
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível356.
356 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2015.
308
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não
possuem destinatários especificados, como os de primeira
e segunda geração, abrangendo a coletividade como um
todo‖357. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,
ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento
estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,
percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. ―Têm
357 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
309
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta‖358. A
respeito do assunto, Motta e Barchet359 ensinam que os
direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
6 COMENTÁRIOS AO RECONHECIMENTO DO
DIREITO À INTERNET COMO DIREITOS
HUMANOS: PRIMEIROS APONTAMENTOS
358 BONAVIDES, 2007, p. 569. 359 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens
básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e
econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira
geração.[...]‖
310
Em um primeiro momento, cuida reconhecer que
a Organização das Nações Unidas, no ano de 2011,
emitiu o relatório sobre promoção e proteção do direito à
liberdade de opinião e expressão. No documento ora
mencionado, a instituição coloca em destaque que
desconectar pessoas da internet materializa um crime e
uma violação dos direitos humanos, porquanto obstar o
acesso à informação, pela web, infringe o artigo 19, §3º,
do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966360.
Consoante a instituição apontou, todo cidadão possui
direito à liberdade de expressão e de acesso à informação
por qualquer tipo de veículo, incluindo-se, obviamente, a
internet.
360 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos. Adotado pela Resolução n. 2.200 A
(XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro
de 1966. Disponível em: <http://www.oas.org>. Acesso em 02 jul.
2015. Artigo 19 [omissis] §3. O exercício de direito previsto no § 2 do
presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais.
Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que
devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se
façam necessárias para: 1. assegurar o respeito dos direitos e da
reputação das demais pessoas; 2. proteger a segurança nacional, a
ordem, a saúde ou a moral públicas.
311
O parágrafo 3 até considera a hipótese de
aqueles que tiverem transgredido algum
tipo de lei, envolvendo meios de
comunicação, possam sofrer restrições
específicas. No entanto, não totais e apenas
se as transgressões colocarem em risco os
direitos e reputações de outras pessoas ou a
segurança nacional. A produção do
relatório, feita pelo Conselho de Direitos
Humanos da ONU e o site Mashable, foi
motivada por novas leis aprovadas na
França e na Inglaterra que excluem da
Internet pessoas consideradas como
infratoras de direitos autorais361.
Ora, a expressão ―acesso à internet‖ compreende
dois aspectos tidos como indissociáveis, a saber: o acesso
ao conteúdo que nela é inserido e a existência e
disponibilidade da infraestrutura e das tecnologias de
informação e comunicação indispensáveis, tais como
cabos, modems, computadores e programas com o escopo
de assegurar o pleno acesso à internet. ―Hodiernamente,
devido à importância atribuída à internet, seu acesso e
utilização passaram a gerar discussões em outro
patamar, inserindo-se na gama de direitos de opinião e
expressão, internacionalmente reconhecidos por vários
361 ONU declara acesso à internet como direito humano. Portal
UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:
<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.mmp>. Acesso
em 02 jul. 2015, s.p.
312
Estados soberanos‖362. É oportuno explicitar que o
documento explica que alguns países já bloqueiam
conteúdos específicos na rede para seus cidadãos. Em
algumas situações, os denominados infratores foram
excluídos totalmente do acesso à internet. Contudo,
segundo a ONU, não importa qual a conduta delituosa
cometida, quer seja violação a direitos autorais, quer seja
ofensa a direitos intelectuais, todo ser humano, ainda,
deve ter o direito de continuar com acesso à informação e
à internet. Ao lado disso, cuida explicitar que ―por meio
do relatório, a ONU pede aos países que revejam suas
leis contra pessoas que tiverem cometidos violações de
direitos autorais ou intelectuais e as punições adotadas,
para que elas não contrariem as diretrizes divulgadas no
documento da organização‖363.
362 MARCON, João Paulo Falavinha. O acesso à internet como
um direito humano fundamental, perante as legislações
internacional e brasileira. Disponível em:
<http://mundorama.net/2013/03/07/o-acesso-a-internet-como-um-
direito-humano-fundamental-perante-as-legislacoes-internacional-e-
brasileira-por-joao-paulo-falavinha-marcon/>. Acesso em 02 jul.
2015, s.p. 363 ONU declara acesso à internet como direito humano. Portal
UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:
<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.mmp>. Acesso
em 02 jul. 2015, s.p.
313
O texto do acordo não foi fácil de finalizar,
dado que China e Cuba — dois países onde
a liberdade na Internet é limitada pelos
respectivos regimes — se mostraram
reticentes a aceitar esta deliberação, apesar
de se terem finalmente aceitado uma
resolução que reconhece o ―carácter global e
aberto da Internet como motor para
acelerar o progresso rumo ao
desenvolvimento‖364.
O relatório da ONU destaca que nenhum
Estado pode interromper o acesso à Internet, nem mesmo
em situações de crises políticas, sejam internas ou
externas. A web tem sido utilizada para a livre expressão
da sociedade a favor ou contra determinados assuntos.
Um fato de grande manifestação popular via web que
ganhou repercussão mundial ocorreu em 2009, durante
as eleições no Irã, quando o presidente Mahmud
Ahmadinejad foi considerado reeleito. No período, os
meios de notícias foram proibidos de trabalhar no país.
Então, as denúncias de repressão aos eleitores favoráveis
ao opositor Mir Hussein Mousavi e de fraude nas eleições
364 NAÇÕES Unidas reconhecem a liberdade de expressão na
internet como um direito. P3: Portal eletrônico. Disponível em:
<http://p3.publico.pt/actualidade/media/3689/nacoes-unidas-
reconhecem-liberdade-de-expressao-na-internet-como-um-direito#>.
Acesso em 02 jul. 2015, s.p.
314
passaram a surgir na Internet365. Verifica-se, portanto,
que o reconhecimento do acesso à internet, por parte do
cidadão, e sua vinculação como mecanismo apto à
promoção da informação e liberdade de expressão
materializa importante documento que confere àquele os
contornos de contemporâneo direito humano, advindo da
evolução das tecnologias e a globalização da difusão das
informações.
Denota-se, assim, que a ―internet acabou por
se tornar instrumento fundamental por meio dos qual
indivíduos podem exercer seus direitos de liberdade de
expressão e opinião‖366, conforme previsto no artigo 19 da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e na
Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Os aludidos documentos internacionais, ao lado de
outros, dispõem que todas as pessoas têm direito a expor
365 ONU declara acesso à internet como direito humano. Portal
UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:
<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.mmp>. Acesso
em 02 jul. 2015, s.p. 366 MARCON, João Paulo Falavinha. O acesso à internet como
um direito humano fundamental, perante as legislações
internacional e brasileira. Disponível em:
<http://mundorama.net/2013/03/07/o-acesso-a-internet-como-um-
direito-humano-fundamental-perante-as-legislacoes-internacional-e-
brasileira-por-joao-paulo-falavinha-marcon/>. Acesso em 02 jul.
2015, s.p.
315
suas opiniões sem interferência, bem como direito à
liberdade de expressão, o qual abarca a prerrogativa de
procurar, receber e disseminar informações e ideias de
toda sorte, salvo proibições previamente previstas pelos
órgãos competentes e legítimos367. Assim, o arcabouço de
direitos humanos, previstos em normas internacionais,
mostra-se aplicável a novas tecnologias de comunicação e
informação (TIC´s), como a internet.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos
Humanos na perspectiva social do trabalho.
Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>.
Acesso em 02 jul. 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997.
367 MARCON, 2013, s.p.
316
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus.
Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso
em 02 jul. 2015.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica
dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1
ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos
Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
MARCON, João Paulo Falavinha. O acesso à internet
como um direito humano fundamental, perante as
legislações internacional e brasileira. Disponível
em: <http://mundorama.net/2013/03/07/o-acesso-a-
internet-como-um-direito-humano-fundamental-perante-
as-legislacoes-internacional-e-brasileira-por-joao-paulo-
falavinha-marcon/>. Acesso em 02 jul. 2015.
MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato
na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>.
Acesso em 02 jul. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art.
1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa
317
do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2011.
MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
NAÇÕES Unidas reconhecem a liberdade de expressão
na internet como um direito. P3: Portal eletrônico.
Disponível em:
<http://p3.publico.pt/actualidade/media/3689/nacoes-
unidas-reconhecem-liberdade-de-expressao-na-internet-
como-um-direito#>. Acesso em 02 jul. 2015.
ONU declara acesso à internet como direito humano.
Portal UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:
<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.m
mp>. Acesso em 02 jul. 2015.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966.
Disponível em: <http://www.oas.org>. Acesso em 02 jul.
2015.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP).
Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02
jul. 2015.
_________________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul.
2015.
318
_________________. Petição de Direito (1.628). Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02
jul. 2015.
_________________. Declaração dos Direitos dos Homens
e Cidadão (1.789). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul.
2015.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos
humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4609>.
Acesso em: 02 jul. 2015.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel
Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos
direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 02
jul. 2015.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no
Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>.
Acesso em 02 jul. 2015.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de
Conflitos e Práticas Restaurativas. 2 ed., rev., atual.
e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012.
319
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 02 jul. 2015.