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Cintia da Costa O Tema da Qualidade no Plano Nacional de Educação (2014-2024) Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Alícia Maria Catalano de Bonamino Rio de Janeiro Abril de 2016

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Cintia da Costa

O Tema da Qualidade no Plano Nacional de Educação (2014-2024)

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Alícia Maria Catalano de Bonamino

Rio de Janeiro

Abril de 2016

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Cintia da Costa

O Tema da Qualidade no

Plano Nacional de Educação (2014-2024)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª. Alícia Maria Catalano de Bonamino Orientadora

Departamento de Educação – PUC-Rio

Profª. Patrícia Coelho da Costa Departamento de Educação – PUC-Rio

Profª. Libânia Nacif Xavier UFRJ

Profª. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial do Centro

de Teologia e Ciências Humanas PUC-Rio

Rio de Janeiro, 29 de abril de 2016.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Cintia da Costa

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense (UFF/2006), Especialista em Psicopedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/2009), em Educação Especial pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio/2010) e em Alfabetização de Crianças das Classes Populares pela UFF (2011). Atua profissionalmente como Orientadora Educacional na Prefeitura de Duque de Caxias e Pedagoga na Prefeitura de Niterói.

Ficha Catalográfica

CDD: 370

Costa, Cintia da

O tema da qualidade no Plano Nacional de Educação (2014-2024) / Cintia da Costa; orientadora: Alícia Bonamino. – 2016. 96 f.; 30 cm

Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 2016.

Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Qualidade da

Educação. 3. Planejamento. 4. Plano Nacional de Educação. l. Bonamino, Alícia. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.

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Aos alunos das escolas públicas do Brasil.

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Agradecimentos

A Deus, pela vida.

À professora Alícia Bonamino pela orientação da pesquisa, pelo conhecimento compartilhado e pelo carinho.

Às professoras Patrícia Coelho e Libânia Xavier por aceitarem o convite de compor a banca e pelas contribuições.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio pelas aulas e conversas enriquecedoras.

Aos colegas da turma, pela amizade, pelo compartilhamento de ideias e experiências vividas.

Aos amigos da turma: Renata Nascimento e Rômulo Casciano pela ajuda e incentivo em momentos difíceis.

À Diana Cuervo pela companhia e diálogos.

Aos colegas de trabalho, especialmente Elizabeth Donnola, Cássia Regina Allen e Anna Maria Horta, por compartilharem experiências e pela torcida.

À minha mãe Ivone Silva e à amiga Carla Essinger, que me ajudaram cuidando do meu filho para que eu pudesse estudar.

Ao Leonardo Augusto, companheiro de vida.

Ao meu filho Davi, presente de Deus.

À Capes, pelo apoio financeiro.

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Resumo

Costa, Cintia da; Bonamino, Alícia Maria Catalano de. O Tema da Qualidade no Plano Nacional de Educação (2014-2024). Rio de Janeiro, 2016. 96p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A pesquisa teve como objetivo analisar o sentido dado ao tema da qualidade

da educação no atual Plano Nacional de Educação (2014-2024). Foram analisados

documentos da CONAE (Conferência Nacional de Educação), o Plano de

Desenvolvimento da Educação / Plano de Metas Compromisso Todos Pela

Educação, o Parecer n.8/2010 e o texto do PNE, que representam contribuições

tanto do campo social como do campo estatal, com o intuito de identificar

convergências e especificidades no texto do PNE 2014 com relação ao tratamento

que o tema da qualidade recebeu nesses outros documentos. A metodologia

utilizada foi a análise de conteúdo, com auxílio do software Atlas TI. Os

resultados da análise indicam que o texto final do PNE 2014 incorporou boa parte

das concepções presentes nos documentos analisados, além de operacionalizar a

qualidade por meio de instrumentos e estratégias prevalecentes na política

educacional e vigente antes e durante a elaboração do PNE, entre os quais se

contam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e a avaliação em

larga escala, que são incorporados pelo plano como importantes estratégias de

estabelecimento de metas e de monitoramento da qualidade da educação.

Palavras-chave Qualidade da Educação; Planejamento; Plano Nacional de Educação.

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Abstract

Costa, Cintia da; Bonamino, Alícia Maria Catalano de. (Advisor) The Quality theme in National Education Plan (2014-2024). Rio de Janeiro, 2016. 96p. MSc. Dissertation – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The research aimed to analyze the meaning given to the quality of education

theme in the current Plano Nacional de Educação (2014-2024). Fot this,

documents were analyzed CONAE (Conferência Nacional de Educação), Plano de

Desenvolvimento da Educação / Plano de Metas Compromisso Todos Pela

Educação, Parecer n.8/2010, and the text of the PNE, that representing

contributions from the social field to field State, in order to identify convergences

and specificities in the text of the PNE 2014 regarding the treatment that the

quality issue received such other documents. The methodology used was content

analysis, with the help of Atlas TI software. The results of the analysis indicate

that the final text of the PNE 2014 incorporated much of these conceptions in the

analyzed documents, and operational quality through instruments and strategies

prevailing in educational policy and current before and during the preparation of

the NAP, including if you count the Basic education Development Index (IDEB)

and evaluation on a large scale, which are incorporated in the plan as important

setting strategies and targets for monitoring the quality of education.

Keywords Quality of Education; Planning; National Education Plan.

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Sumário

Introdução 14

2 Qualidade da Educação na Visão dos Autores de Referência 20

3 O Conceito de Qualidade da Educação no Planejamento Educacional Brasileiro 33 3.1. A Qualidade da Educação no Primeiro Momento do Planejamento Educacional Brasileiro (1932-1946) 35 3.2 A Qualidade da Educação no Segundo Momento do Planejamento Educacional Brasileiro (1956-1975) 37 3.3 A Qualidade da Educação no Terceiro Momento do Planejamento Educacional Brasileiro (1980 - atual) 39

4 A Qualidade da Educação na Sociedade Civil Representada pela Conae 2010 43 4.1. Os Eixos do Documento-Final da Conae 2010 44

5 A Qualidade da Educação no Âmbito do Estado 58 5.1. Plano de Desenvolvimento da Educação – Plano de Metas 59 5.2 Parecer 8/2010 64

6 O Plano Nacional de Educação 2014-2024 71 6.1. O PNE: Metas e Estratégias 72 6.2. Temas em Disputa 77 6.3. O Tema da Qualidade no PNE 80 6.4. As Noções de Qualidade de Educação Presentes no PNE 2014 83

7 Considerações 91

8 Referências Bibliográficas 94

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Lista de Quadros

Quadro 1: O Planejamento Educacional Brasileiro 34

Quadro 2: O Conceito de Qualidade da Educação no 1º Momento 37

Quadro 3: O Conceito de Qualidade da Educação no 2º Momento 38

Quadro 4: O Conceito de Qualidade da Educação no 3º Momento 41

Quadro 5: Comparativo do Tratamento da Qualidade nos Três

Momentos de Planejamento 42

Quadro 6: O Conceito de Qualidade da Educação na Conae 2010 55

Quadro 7 - Síntese Apresentada do Custo de Manutenção e

Atualização 65

Quadro 8: O Conceito de Qualidade da Educação nos Textos do

MEC 66

Quadro 9: Processo de Elaboração do Pne 2014-2024 72

Quadro 10 - PNE: Metas e Estratégias 74

Quadro 11: Análise das Categorias 88

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Lista de abreviaturas

ABE – Associação Brasileira de Educação

ANA – Avaliação Nacional da Alfabetização

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAQ – Custo Aluno-Qualidade

CAQi - Custo Aluno-Qualidade Inicial

Cepal – Comissão Econômica para América Latina e Caribe

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CONAE – Conferência Nacional de Educação

CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior

DEM – Democratas

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

FIES – Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério

FUNDESCOLA – Fundo de Desenvolvimento da Escola Básica

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação

IFET – Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômico-Social Aplicada

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LRE – Lei de Responsabilidade Educacional

MEC – Ministério da Educação

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OEA – Organização dos Estados Americanos

OREAL – Oficina Regional de Educação para América Latina e Caribe

PAR – Plano de Ações Articuladas

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PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

PDE Escola – Plano de Desenvolvimento da Escola

PDI – Projeto de Desenvolvimento Institucional

PDRI – Projeto de Desenvolvimento Rural Integrados

PED – Programa Estratégico de Desenvolvimento

PIB – Produto Interno Bruto

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PMCTE – Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNAES – Plano Nacional de Assistência Estudantil

PNAIC – Pacto nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNE – Plano Nacional de Educação

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPP – Projeto Político Pedagógico

PPS – Partido Popular Socialista

PROEB – Programa de Avaliação da Escola Pública de Minas Gerais

PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

Educação Básica na Modalidade de Educação de jovens e Adultos

PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação

e Ação Comunitária

PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROUNI – Programa Universidade para Todos

PSC – Partido Social Cristão

PSDB – Partido Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

REUNI – Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

SASE – Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino

SEB – Secretaria de Educação Básica

SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão

SERES – Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior

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SESU – Secretaria de Ensino Superior

SETEC – Secretaria de Educação profissional e Tecnológica

SINAES – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior

SNE – Sistema Nacional de Educação

TICs – Tecnologia da Informação e Comunicação

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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Entretanto, o predomínio de uma expressão nunca é ocioso ou neutro. A problemática da qualidade esteve

sempre presente no mundo da educação e do ensino, mas nunca havia alcançado antes esse grau de centralidade.

(ENGUITA, 1995, p. 96).

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Introdução

Esta pesquisa tem por objetivo discutir o conceito de Qualidade da

Educação presente no documento do Plano Nacional de Educação 2014-2024

(PNE), um instrumento de planejamento da educação nacional, que orienta a

execução e cumprimento das políticas públicas educacionais.

É possível notar que, a partir dos anos de 1980, o discurso da qualidade vem

tendo um desenvolvimento crescente na área da educação (GENTILI, 1995). Não

é raro sairmos às ruas para logo nos defrontarmos com alguma propaganda sobre

escolas que oferecem educação de qualidade. Dito de outra forma, a palavra

qualidade tem sido usada, normalmente, como ferramenta propagandística para

chamar a atenção de pessoas que buscam a distinção também através da educação.

Mas, se o uso fosse apenas esse, poderíamos concluir que o discurso da

qualidade teria se limitado ao campo privado da educação e à disputa

concorrencial entre diversas instituições particulares de ensino. Entretanto, é

possível verificar que, no âmbito legal e no das políticas públicas educacionais, a

referência à qualidade torna-se cada vez mais presente. Como exemplos do

primeiro caso, temos o artigo 206, inciso VII e o artigo 214, inciso III da

Constituição Federal (1988), de acordo com o qual,

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VII – garantia de padrão de qualidade. (BRASIL, 1988). Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: [...] III – melhoria da qualidade do ensino. (BRASIL, 1988).

Já no caso das políticas que têm como foco a qualidade da educação,

podemos tomar como exemplo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(Ideb), criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

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Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Ideb opera uma noção de qualidade que se

assenta em dois conceitos, a saber: aprovação (dados obtidos no Censo Escolar) e

desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática (dados obtidos a

partir de avaliações do Inep, como o SAEB1 e a Prova Brasil). O MEC tem como

meta, para o ano de 2022, a nota 6.0 para os anos iniciais de escolaridade. De

acordo com a apresentação do site do MEC, o Ideb foi

(...) formulado para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino. O Ideb funciona como um indicador nacional que possibilita o monitoramento da qualidade da Educação pela população por meio de dados concretos, com o qual a sociedade pode se mobilizar em busca de melhorias. 2 (grifos nossos).

Fazendo parte deste mesmo contexto, o Programa de Metas Compromisso

Todos Pela Educação3, Inspirado nos 200 municípios que apresentavam médias

superiores a 5,0 no Ideb, baseia-se em 28 diretrizes que visam à melhoria dos

indicadores educacionais dos entes federados que assinam o termo de

compromisso com o MEC, como pode ser visto já no preâmbulo do Decreto que o

estabelece (Decreto Nº 6.094, de 24 de abril de 2007).

Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. (BRASIL, 2007) (grifo nosso).

Não apenas isto, com a criação do Ideb em 2007 e com a consequente

prática de avaliação externa nas escolas públicas brasileiras, nunca se ouviu falar

1 Sistema de Avaliação da Educação Básica 2 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=336 3 Com criação do Plano de Desenvolvimento da Educação em 2007, que estabelece 28 diretrizes a serem cumpridas para melhorar a qualidade da educação básica e ensaia a implementação de um novo regime de colaboração entre os entes federados e a União, foi traçado um Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo Decreto nº 6.094 de 24 de abril de 2007, programa estratégico do PDE que tem por objetivo mobilizar a sociedade em prol da melhoria da educação. Foi inspirado nos 200 municípios que apresentaram médias superiores a 5,0 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Teve origem no estudo Aprova Brasil - O Direito de Aprender, desenvolvido pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que identificou boas práticas adotadas por 33 escolas-modelo de Ensino Fundamental localizadas em comunidades pobres de 14 estados brasileiros. ver http://portal.mec.gov.br/index.php?id=7445&option=com_content&task=view

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tanto em qualidade da educação dentro das escolas como nos dias atuais. Isto

porque muitos esforços foram, e ainda estão sendo, reunidos na tentativa de

mostrar uma melhora na educação de cada município e estado, ou seja, muitas

estratégias são utilizadas para este fim, como, por exemplo, a criação de avaliação

própria por diversos entes federativos, aulas preparatórias para os testes das

avaliações dos alunos do quinto e do nono ano do Ensino Fundamental,

bonificação para docentes de acordo com a meta de cada escola, dentre outras. O

que queremos dizer é que, apesar de o tema da qualidade já se fazer presente nos

documentos de políticas educacionais e no campo acadêmico, foi a partir da

criação do ideb que este tema passou a se fazer presente com mais força no

ambiente da escola.

Desta forma, diante da recorrência com que “a qualidade” se faz presente no

campo educacional, cabe perguntarmos: o que significa falar em qualidade da

educação? Qual o significado que está em jogo quando o Plano Nacional de

Educação trata da qualidade?

De acordo com Dourado e Oliveira (2009), o avanço no acesso ao ensino

obrigatório e a quase universalização do ingresso ao ensino fundamental levaram

ao deslocamento da preocupação com o acesso à escola para o problema da

permanência e da contínua progressão dos alunos com uma aprendizagem

significativa. É no contexto deste avanço na ampliação do acesso escolar,

principalmente dos alunos dos meios populares, que o tema da qualidade da

educação passou a ocupar grande parte da agenda das políticas públicas e das

pesquisas educacionais.

Dourado e Oliveira (2009) chamam a atenção para o fato de a educação ser

elemento constituinte e constitutivo das relações sociais mais amplas, o que

significa que ela recebe influências da dinâmica social, econômica, cultural e

política da sociedade, da mesma forma que também influencia estas esferas, o que

torna o tema da qualidade da educação um fenômeno complexo.

Segundo o mesmo autor, não faz sentido falar em qualidade da educação se

não for considerado um conjunto de elementos comuns, a partir dos quais se possa

identificar e aferir essa qualidade. Segundo Dourado e Oliveria (2009), como

consequência do estabelecimento de critérios de qualidade e da divulgação destes,

pode ocorrer o controle da sociedade sobre a oferta da educação, bem como o

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monitoramento de políticas educacionais que buscam garantir um padrão de

qualidade.

Ainda que se coloque a favor de critérios de qualidade mensuráveis,

Dourado e Oliveira (2009) também defendem que a análise do que pode ser

considerado como qualidade da educação deve se dar em uma perspectiva

polissêmica, uma vez que esta noção traz em si múltiplos significados, que se

alteram no tempo e no espaço. Isso significa que a noção de qualidade da

educação varia no tempo de acordo com os contextos ou espaços educacionais que

se constituem por meio de diferentes relações entre a sociedade e o Estado, de

diferentes governos e gestões das políticas educacionais. Podemos dizer, então,

que o estudo do significado do termo qualidade da educação precisa levar em

conta as categorias tempo e espaço. Em linha com a perspectiva defendida por

Dourado e Oliveria (2009), e por uma questão metodológica e não hierárquica, a

primeira categoria a ser abordada nesta pesquisa é o tempo e isto é feito em uma

análise sucinta sobre como o conceito de qualidade da educação se fez presente no

planejamento educacional brasileiro ao longo do período histórico que se inicia na

década de 1930 e chega até o PNE 2001. Cumpre destacar que foi realizado

apenas um levantamento do significado do tema da qualidade da educação ao

longo de um período temporal, nesse sentido, não se buscou uma perspectiva

histórica.

Em segundo lugar, abordamos a categoria espaço a partir de dois âmbitos

que também disputam o significado do conceito de qualidade da educação. Em

primeiro lugar, temos o espaço social representado pela Conferência Nacional de

Educação (CONAE), que, sob a coordenação do Ministério da Educação, é

realizada em diferentes territórios e espaços institucionais, nas escolas,

Municípios, Distrito Federal, Estados. Dela participam estudantes, pais,

profissionais da educação, gestores, agentes públicos, e a sociedade civil

organizada de modo geral. Nesse âmbito plural, foi elaborado o Documento-

Referência da Conferência Nacional de Educação de 2010 (CONAE), que será

analisado nesta dissertação. O segundo espaço é o do Estado, representado, nesta

pesquisa, pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pelo Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE) e pelo Parecer CNE/CEB n.8/2010.

A nossa hipótese inicial é a de que estes dois espaços, ativamente

envolvidos na discussão e elaboração do PNE 2014, atribuíram significados

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diferenciados para o conceito de qualidade da educação, que se fazem mais ou

menos presentes na redação final do texto do plano. Para isto, a metodologia

utilizada foi a análise de conteúdo, com ênfase na análise documental e com

auxílio do software Atlas ti4. Segundo Triviños (1987), a análise de conteúdo é

(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens. (TRIVIÑOS, 1987, p. 160).

A análise constituiu em mapear, nos documentos representativos de cada

espaço, categorias diretamente relacionadas ao conceito de qualidade, tentando

identificar convergências e especificidades entre elas, para posteriormente cotejá-

las na análise do PNE. Desta forma, o PNE 2014 será analisado à luz das

categorias levantadas nos documentos representativos do espaço social e estatal.

Neste sentido, a análise de textos chaves, elaborados em dois contextos

definidos aqui como da sociedade civil e do estado, e o cotejamento do tratamento

dado ao tema da qualidade nesses âmbitos, tem por objetivo identificar

convergências e ausências no PNE 2014.

Incluindo esta introdução, a dissertação está organizada em sete capítulos.

O capítulo dois aborda o referencial teórico e, portanto, a revisão de textos que se

constituem em referências relativamente recorrentes da pesquisa sobre o tema da

qualidade da educação. No terceiro capítulo, e como parte da pesquisa sobre a

dimensão temporal do conceito de qualidade, apresentamos uma leitura das

variações desse conceito nos diferentes planos educacionais brasileiros, numa

linha do tempo que se inicia com o Manifesto dos Pioneiros e se encerra com o

PNE 2001. O capítulo quatro trata do espaço da sociedade e privilegia a análise do

tema no Documento-Referência da Conferência Nacional de Educação de 2010. O

quinto capítulo é dedicado ao espaço do Ministério da Educação e à forma como

esta instância estatal articula o tema da qualidade nos programas do MEC. O

capítulo seis apresenta a análise das categorias de qualidade presentes no novo

4 O Atlas TI é um sistema de informação utilizado como uma ferramenta útil para a análise de dados.

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Plano Nacional de Educação 2014. Por fim, o capítulo sete encerra a dissertação

com as conclusões.

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2 Qualidade da Educação na Visão dos Autores de Referência

Neste capítulo, vamos analisar alguns dos estudos do campo acadêmico que

são recorrentemente referidos na literatura da área e que têm como foco a

discussão da qualidade da educação, tentando perceber como os autores

caracterizam o conceito de qualidade e como estas concepções podem referenciar

as nossas análises dos documentos elaborados nos espaços da sociedade civil e do

estado.

Apenas alguns estudos foram selecionados porque não seria possível, no

âmbito desta pesquisa, dar conta de todos os textos acadêmicos que tratam da

qualidade da educação. Para tanto, certos critérios foram adotados, tais como: 1)

trabalhos em português; 2) publicados nos últimos vinte anos - já que foi na

década de 1990, no contexto do processo de universalização do acesso ao ensino

fundamental, que o debate sobre a qualidade da educação ganhou força nas

pesquisas educacionais; 3) que tivessem a qualidade da educação como seu objeto

principal e se constituíssem em referências citadas de forma recorrente em estudos

sobre o tema. Desta forma, foram destacamos os textos dos seguintes autores:

GENTILI (1995); CAMPOS (2000), OLIVEIRA e ARAÚJO (2005);

DOURADO, OLIVEIRA e SANTOS (2007); DOURADO e OLIVEIRA (2009);

CURY (2010) e GADOTTI (2013).

De acordo com Gentili (1995), a qualidade da educação passou a ser uma

preocupação ainda na década de 1980 a partir dos relatórios Nation at Risk e

Action for Excellence, ambos dos Estados Unidos. Apesar de estes relatórios

refletirem apenas a situação da educação nos Estados Unidos, a partir deles,

inúmeros documentos e reuniões internacionais se ocuparam do tema da qualidade

na educação, como, por exemplo, a Conferência Mundial sobre Educação para

Todos, ocorrida em 1990 na Tailândia.

Nesta conferência estavam presentes os países mais populosos do mundo,

dentre eles, o Brasil. Nela foram estabelecidas estratégias e diretrizes que

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deveriam ser implementadas pelos países participantes visando à qualidade da

educação. Dentre essas diretrizes, podemos citar, por exemplo: satisfazer as

necessidades básicas de aprendizagem, universalizar e ampliar o acesso e

promover a equidade, promover um ambiente adequado à aprendizagem,

fortalecer as alianças, implementar sistemas de avaliação de ensino com padrão

mínimo de qualidade, entre outras. Podemos considerar que esta Conferência

constitui um marco do tema da qualidade da educação para os países participantes.

De acordo com Gentili (1995), o discurso da qualidade da educação

começou a desenvolver-se na América Latina no final da década de 1980 e foi

consequência do que ele chamou de duplo processo de transposição (GENTILI,

1995, p.116). Em suas palavras,

A primeira dimensão deste processo remete ao mencionado deslocamento do problema da democratização ao da qualidade; a segunda, à transferência dos conteúdos que caracterizam a discussão sobre qualidade no campo produtivo-empresarial para o campo das políticas educativas e para a análise dos processos pedagógicos. (GENTILI, 1995, p. 116).

Na primeira dimensão, Gentili se refere à realidade de alguns países da

América Latina - como Brasil, Argentina, Uruguai e Chile – que vivenciaram

governos autoritários e ditatoriais. Ainda neste cenário, movimentos populares

insurgiram-se exigindo direitos sociais e democracia. Entretanto, apesar de a

transição de governos ditatoriais para governos democráticos ter significado um

avanço na relação entre governo e sociedade, pouco se avançou na consolidação

de uma democracia mais substantiva. Segundo o mesmo autor, as demandas

democratizadoras que se expandiram no campo educacional no início da década

de 1980 tiveram vida curta. Não demorou muito para que o discurso da

democracia na educação fosse substituído por um discurso que busca dar conta da

demanda do mercado.

A segunda dimensão do processo de transposição se refere à transferência

do discurso e de critérios que a qualidade apresenta no âmbito mercantil para as

discussões educacionais. Para ilustrar essa afirmação, o autor traz como exemplo a

obra de Taylor que data de 19125, na qual é descrita a ação de “inspeção” que

mais tarde daria origem ao termo, tão corriqueiro nos dias de hoje, conhecido 5 TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica, 1912.

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como “controle de qualidade” do processo produtivo. Gentili (1995) discute,

ainda, que a qualidade serviu como estratégia competitiva, a partir da crise do

regime de acumulação fordista, em um mercado que exigia diversificação e

diferenciação. E, não menos importante, a qualidade no campo empresarial e

mercantil deveria se caracterizar pela mensurabilidade e pelo baixo custo.

Desta forma, critérios presentes no conceito de qualidade empregado no

campo produtivo e empresarial foram transferidos, de acordo com Gentili (1995),

também para as discussões no campo educacional e ganharam cada vez mais a

adesão da maioria, inclusive dos intelectuais, transformando-se em senso comum

dominante.

Seja como for, atualmente quase todos os leais seguidores desta retórica concordam em que as provas padronizadas para a medição de êxitos cognitivos aplicadas à população estudantil constituem um dos métodos mais confiáveis para o controle da qualidade da educação oferecida pelas escolas. Nesta concepção reducionista, é a partir da aplicação de tais instrumentos que se pode medir o grau de eficiência de uma instituição escolar e – consequentemente – do conjunto do sistema educacional. (GENTILI, 1995, p. 157).

Para Gentili (1995), a lógica que defende a necessidade de ajustar a

educação ao mercado é possível quando se restringe a educação apenas à condição

de mercadoria simbólica que habilita para a competição, subordinando-a à noção

de rentabilidade. Esta lógica pressupõe a premissa de que a educação deve

responder às exigências do mercado e se ajustar a elas, e que este ajuste deve ser

medido. Seguindo esta lógica, as provas padronizadas servem como a medição do

ajuste educacional às demandas do setor produtivo, ou seja, o sucesso ou o êxito

nestas avaliações significa o quanto o sistema escolar está correspondendo às

demandas do mercado de trabalho. Dentro dessa lógica mercantilista, Gentili

identifica a educação de qualidade à capacidade desta de se adaptar ao mercado

competitivo. Nas palavras do autor:

A partir da perspectiva desta nova retórica, somente é de qualidade aquele produto educativo que possui, como pré-condição, a capacidade de adaptar-se às demandas do mercado, atuando competitivamente neste. (GENTILI, 1995, p. 157).

Gentili (1995) nos faz refletir sobre a maneira como o conceito de qualidade

da educação, assim como os instrumentos construídos para avaliá-la se constituem

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em espaços de poder e conflito, o que torna necessário (re)significar os critérios

da qualidade empregados no campo educacional.

Devemos sustentar com decisão que não existe um critério universal de qualidade (ainda que os intelectuais reconvertidos assim o pretendam). Existem diversos critérios históricos que respondem a diversos critérios e intencionalidades políticas. Um é o que pretende impor os setores hegemônicos: o critério de qualidade como mecanismo de diferenciação e dualização social. Outro o que devem conquistar os setores de esquerda: o da qualidade como fator indissoluvelmente unido a uma democratização radical da educação e a um fortalecimento progressivo da escola pública. (GENTILI, 1995, p.172) (grifo nosso).

Neste trecho, Gentili (1995) coloca um conceito de qualidade da educação

distinto do que foi identificado no setor empresarial. Para ele, o conceito de

qualidade aplicado ao campo educacional deve, antes de tudo, ser (re)significado

por aqueles que defendem uma educação para todos. Neste sentido, a qualidade

deveria traduzir-se em uma democratização radical da educação, o que pressupõe

um fortalecimento da escola pública. Neste quadro, desaparecem a meritocracia e

a diferenciação, características de uma educação polarizada – constituída por

aqueles que têm êxito e pelos que fracassam – para dar lugar à qualidade como um

direito de todos. Essa qualidade não é mais um fator de distinção, mas sim um

direito, trata-se de construir um novo sentido que leve a qualidade da educação

ao status de direito inalienável que corresponde à cidadania (GENTILI, 1995,

172). E isto significa que não pode haver contradição entre o acesso à escola e o

tipo de educação proporcionado por ela.

Assim como não há democratização sem igualdade de acesso, tampouco haverá sem igualdade na qualidade recebida por todos os cidadãos e sem a abolição definitiva de qualquer tipo de diferenciação ou segmentação social. Claro que isto não supõe “baixar o nível de todos”. Supõe, pelo contrário, “elevá-lo”, transformando a qualidade em um direito e não em uma mercadoria vendida ao que der a melhor oferta. A escola pública é o espaço onde se exercita este direito, não o mercado. (GENTILI, 1995, p. 176).

Embora tenhamos avançado na discussão da sociedade e da educação, este

debate ainda tem contribuições a dar do ponto de vista conceitual e filosófico, em

termos de conceitos e noções que são, ao mesmo tempo, espaços de disputa e

poder, como é o caso da qualidade. Entretanto, cabe assinalar que, por ser este um

trabalho de natureza conceitual, as disputas travadas no campo educacional em

torno do tema da qualidade não serão aqui objeto específico de análise.

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Outra autora que nos ajuda a pensar o tema da qualidade da educação é

Maria Malta Campos, no seu artigo “A qualidade da educação em debate” (2000).

Assim como Gentili (1995), a autora relata que este tema passou a estar mais

presente na agenda pública a partir da década de 1980, o que coincide com a

abertura política no Brasil. A autora revela que as taxas de repetência passaram a

ser utilizadas, neste momento, como indicadores de ineficiência dos sistemas

escolares, o que dialoga com o relatado por Oliveira e Araújo (2005) como

veremos mais à frente.

As taxas de repetência e a porcentagem de crianças de 7 a 14 anos fora do ensino de 1º grau (hoje ensino fundamental) passaram a ser utilizadas como indicadores de ineficiência dos sistemas. Na cidade de São Paulo, já nos anos 70, esses indicadores eram utilizados pelo órgão de planejamento da prefeitura para identificar os bairros da cidade com maiores problemas de atendimento escolar. (CAMPOS, 2000, p. 6).

A partir daí algumas políticas de melhoria do ensino foram implantadas,

como os ciclos de alfabetização, maior participação das famílias na escola, os

conselhos escolares, eleições para diretor, concursos públicos para professores,

entre outras. Entretanto, tais medidas de melhoria dos sistemas de ensino

esbarravam na política de ajuste econômico da década de 1980, o que levou a uma

busca por mudança nos sistemas burocráticos de gestão governamental no campo

educacional, cuja origem remete, em última instância, ao gerenciamento da

produção nas empresas. Esta mudança empresarial consiste, basicamente, no

controle e na supervisão, não apenas externa, mas também através da ideologia

compartilhada pelos funcionários da empresa.

O crescente uso desse novo modelo de gestão implica em um questionamento dos tradicionais sistemas de regulamentação e controle baseados na supervisão externa, os quais são considerados onerosos e ineficientes. É coerente, portanto, com as teses de enxugamento do Estado e de transferência dos encargos de supervisão e controle da qualidade dos serviços públicos para instâncias da sociedade civil, através de órgãos de participação, como conselhos e similares, e através de mecanismos de ‘livre escolha’ para a população demandatária. (CAMPOS, 2000, p. 9).

De acordo com estas mudanças, foi realizado em Brasília, em novembro de

1990, o Encontro sobre Qualidade da Educação, promovido pelo Ministério da

Educação com apoio da Oficina Regional de Educação para a América Latina e

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Caribe (OREALC/UNESCO). Campos (2000) esclarece que os textos

apresentados nesse encontro procuravam contemplar, ao mesmo tempo, objetivos

amplos da educação, como a diminuição das desigualdades e a democratização

das oportunidades educacionais, e também deixavam claro o empenho em

dimensionar os custos necessários para se atingir padrões mínimos na oferta do

ensino obrigatório (CAMPOS, 2000, p. 11).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 veio ratificar

essa tendência (Art. 4º, item IX). De acordo com essa lei, a melhoria da qualidade

do ensino estaria vinculada ao processo nacional de avaliação do rendimento

escolar, como descrito no Artigo 8º. Nesse contexto, os sistemas de avaliação da

qualidade da educação ganharam força durante a década de 1990 em todo o país,

através do primeiro levantamento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica (Saeb), do Programa de Avaliação da Escola Pública de Minas Gerais

(PROEB) e do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São

Paulo (Saresp), além de outros.

Campos (2000) ressalta a importância da avaliação dos sistemas de ensino

por permitir o fornecimento de dados relevantes para pesquisas que beneficiam o

próprio sistema. Entretanto, afirma que muitos outros aspectos importantes são

deixados de lado nestas avaliações, como o ambiente físico, a cultura escolar e o

ambiente humano.

Outros autores, que consideram em suas análises o tema da qualidade, são

Oliveira e Araújo (2005). Para eles, o grande desafio atual da educação é fazer

com que, além de garantir a universalização do acesso, a escolarização seja uma

experiência enriquecida no seu aspecto humano, político e social.

Portanto, que o direito à educação tenha como pressuposto um ensino básico de qualidade para todos e que não (re)produza mecanismos de diferenciação e de exclusão social. (OLIVEIRA & ARAÚJO, 2005, p. 17).

Para estes autores, a qualidade de ensino foi percebida de três formas

diferentes no Brasil. Na primeira, a qualidade era determinada pela reduzida oferta

de vagas, ou seja, a definição de qualidade estava associada à possibilidade do

acesso à escola. Já na segunda forma de compreensão, a qualidade é relacionada

ao fluxo dos alunos ao longo do ensino fundamental. Na medida em que o acesso

à escolarização foi se expandindo, os novos usuários da escola tiveram dificuldade

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com sua permanência na escola, visto que esta instituição não se reestruturou para

atender à nova população. A terceira forma de percepção da qualidade do ensino

está relacionada com os sistemas de avaliação e os testes padronizados,

perspectiva na qual a qualidade é mensurada por meio da aferição dos resultados

cognitivos dos alunos.

Oliveira e Araújo (2005) fazem a defesa da formulação de um padrão de

qualidade que possa ser compreendido por toda a sociedade e que possa, por isso,

ser exigível judicialmente.

Os autores compreendem a característica polissêmica da palavra qualidade,

que comporta inúmeros significados, podendo desencadear falsos consensos.

Assim como Gentili (1995), eles consideram que o termo qualidade tem origem

no mundo dos negócios.

Além disso, os autores ponderam que a reflexão sobre a dimensão

qualitativa da educação não significa deixar de lado a dimensão da

democratização do ensino, nem mesmo que o estabelecimento de padrões de

atendimento significa desconsiderar a diversidade dos sistemas de ensino. Ou seja,

falar de qualidade da educação não significa deixar de lado a luta pela

democratização do ensino. Pelo contrário, lutar pela qualidade da educação

significa lutar para que esta qualidade seja uma conquista para todas as escolas,

em outras palavras, a democratização da qualidade do ensino precisa considerar a

diversidade dos sistemas educacionais.

Oliveira e Araújo (2005) também concordam que a tarefa de definição dos

indicadores de qualidade seja uma ação política, na medida em que suas

definições envolvem objetivos e expectativas em torno do processo de

escolarização. Trata-se, assim, de uma ação política, porque ao definir indicadores

de qualidade da educação estamos definindo o próprio conceito de educação para

o país.

Baseados no estudo da UNESCO (1998)6, Oliveira e Araújo (2005)

defendem que, para chegar à definição de indicadores que permitam identificar

uma escola e um ensino de qualidade, deve-se pensar em insumos, avaliação,

clima e cultura organizacional. Ou seja, a definição do padrão de qualidade passa 6 UNESCO. Primer estudio internacional comparativo sobre lenguaje, matemática y fatores asociados em tercero e cuarto grado. Santiago, Chile: UNESCO/Laboratorio Latinoamericano de Evaluacion de la calidad de la Educación.

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pela definição de insumos indispensáveis, mas também pelo processo e pelo modo

como essa aprendizagem acontece, quando se considera a avaliação e a cultura

organizacional.

Outros autores que nos ajudam a compreender o sentido dado à qualidade da

educação são Dourado, Oliveira e Santos (2007). Na tentativa de identificar

conceitos, dimensões, fatores e mecanismos de avaliação da qualidade, os autores

elaboraram um instrumento de coleta de dados para os países membros da Cúpula

das Américas. Ao todo, foram recebidas e analisadas as contribuições de sete

países, a saber: Canadá, Paraguai, Uruguai, Guiana, Guatemala, Nicarágua e

Brasil.

Para os autores, a definição e compreensão teórico-conceitual da Qualidade

da Educação devem considerar tanto a dimensão extraescolar como a intraescolar.

Na dimensão extraescolar, foram considerados o espaço social e o Estado.

Em linha com pesquisas e estudos que evidenciam que variáveis como capital

econômico, social e cultural das famílias influenciam a trajetória escolar dos

alunos, o espaço social é compreendido pelos autores como uma dimensão sócio-

econômica e cultural, um contexto de posições e disposições, que gera

consequências na escola, frequentemente na forma de fracasso escolar

De modo geral, a criação de condições, dimensões e fatores para a oferta de um ensino de qualidade social também esbarram em uma realidade marcada pela desigualdade sócio-econômica-cultural das regiões, e localidades, segmentos sociais e dos sujeitos envolvidos, sobretudo dos atuais sujeitos-usuários da escola pública, o que exige o reconhecimento de que a qualidade da escola seja uma qualidade social, uma qualidade capaz de promover uma atualização histórico-cultural em termos de uma formação sólida, crítica, ética e solidária, articulada com políticas públicas de inclusão e de resgate social. (DOURADO et al, 2007, p. 13-14).

Desta forma, sob o ponto de vista extraescolar, a qualidade da educação

implica em políticas públicas e programas de combate aos problemas sociais,

econômicos e culturais que perpassam a sociedade e a escola, bem como na

difusão de uma visão da educação como direito e bem social, que se expressa

numa pedagogia que considera a heterogeneidade sócio-cultural dos sujeitos.

Já o segundo espaço, o do Estado, é compreendido com o espaço da

regulação, controle e supervisão do financiamento e da implantação de políticas

públicas educacionais. É nesta dimensão que se desenvolve uma maior

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preocupação com os padrões mínimos de qualidade. Para os autores, destacam-se

três ênfases em nível do estado: a) definição de diretrizes para os níveis de ensino

em todo o território nacional, que considerem o mundo do trabalho e o exercício

da cidadania; b) implementação do sistema de avaliação; e c) efetivação de

programas complementares, como livro didático, merenda, transporte, entre

outros.

Nas dimensões intraescolares, os autores situam quatro níveis. O primeiro

nível é o do sistema e envolve, entre outros, as condições de oferta, a definição do

custo-aluno ano, as instalações gerais da escola e a definição de uma estrutura

mínima para configuração de uma escola que ofereça ensino de qualidade, entre

outros. O segundo nível é o da escola, e abrange sua gestão e organização,

projetos pedagógicos, ambiente educativo, espaços coletivos de decisão,

participação da comunidade escolar, visão de qualidade dos agentes, avaliação,

formação dos profissionais, entre outros. O terceiro nível é o do professor, e diz

respeito à sua formação e ação, à titulação adequada ao exercício profissional, ao

vínculo efetivo de trabalho, dedicação exclusiva, condições de trabalho e ingresso

adequados, valorização, progressão na carreira por meio de qualificação. Por fim,

o quarto nível é o do aluno e envolve o acesso, a permanência, o desempenho e

uma boa expectativa em relação à escola, entre outros.

Desta forma, é possível perceber que os autores compreendem a qualidade

da educação em uma perspectiva polissêmica, que inclui condições intra e

extraescolares, assim como diferentes atores. Ou seja, não existiria apenas um

fator para avaliar o que vem a ser uma educação de qualidade, mas um conjunto

de fatores ligados à escola e que, dentro dela, podem favorecer ou não sua

qualidade. Estudos, avaliações e pesquisas mostram que a Qualidade da Educação é um fenômeno complexo, abrangente e que envolve múltiplas dimensões, não podendo ser apreendido apenas por um reconhecimento da variedade e das quantidades mínimas de insumos considerados indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, e muito menos, pode ser apreendido sem tais insumos. (DOURADO et al, 2007, p. 6).

O estudo de Dourado, Oliveira e Santos (2007) em particular traz muitas

contribuições para se pensar em políticas para a melhoria das escolas e da

educação, sendo muito utilizado como base bibliográfica por outros autores.

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Para Cury (2010), pode-se conceituar a qualidade da educação nas

dimensões filosófica e legal. Na dimensão filosófica, apoiado em análises de

Aristóteles, Kant e Marx, o autor conceitua a qualidade como um modo de ser da

educação que se distingue por apresentar um valor agregado, o que supõe uma

certa quantidade capaz de ser mensurada (CURY, 2010, p. 16).

A qualidade é, assim, um modo de ser que afeta a educação como um todo envolvendo sua estrutura, seu desenvolvimento, seu contexto e o nosso modo de conhecê-la. (CURY, 2010, p. 17).

Na dimensão legal, o autor traz o ordenamento jurídico. Neste, a qualidade é

um princípio da educação nacional, que se faz presente na Constituição de 1988,

na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, na Lei 10172/01

(PNE) e na Emenda Constitucional n. 53/06. Cury (2010) chama atenção para o

fato de a qualidade estar intrinsecamente articulada com a avaliação (artigo 9º,

inciso VI da LDB 9394/96), o que pressupõe que o ordenamento jurídico atual

tem a avaliação como mediação para o cumprimento de metas e regras necessárias

para alcançar a qualidade.

O autor destaca a necessidade de uma referência de base que possa servir

como objeto da avaliação para esta não se perder em várias iniciativas e variados

indicadores escolhidos aleatoriamente. Apesar dos avanços em torno do tema da

qualidade, o autor destaca que, atualmente, temos um quadro negativo que indica

muito mais o que a qualidade não é, do que o que ela deveria ser. Ainda assim,

considera que o que ela não é, pode ser um indicador para aquilo que ela deve ser.

Cury (2010) faz a defesa de uma Lei de Responsabilidade Educacional, cuja

base seja a ética. Para tal, os governantes devem assumir suas responsabilidades

no cumprimento de um direito de todos os cidadãos, com consequências para os

casos de omissão quanto a esse direito.

Outro autor que traz contribuições ao debate da qualidade é Moacir Gadotti

(2013), uma vez que sinaliza algumas características importantes para a discussão

do tema, como, por exemplo, o fato de não existir qualidade sem quantidade. Ou

seja, para o autor, não existe qualidade da educação se esta for para poucos. A

qualidade deve ser para todos e, por isso, deve haver uma preocupação com sua

abrangência. Apesar de se opor à visão da educação como um investimento

econômico, o autor declara que a qualidade da educação é condição da eficiência

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econômica, defendendo a ideia de que não é a qualidade da educação que depende

da qualidade política e econômica, ao contrário, a qualidade destas dependerá da

qualidade da educação oferecida.

Para Gadotti (2013), falar de qualidade da educação exige saber que tipo de

educação se pretende. Por isso, para este autor a qualidade é uma questão política,

na medida em que, ao se definir a qualidade se está definindo, também, o tipo de

educação desejada. Em sua visão, uma escola precisa de pouco para ser de

qualidade, bastando ter nela ideias, professores bem formados, condições de

trabalho e projeto (GADOTTI, 2013, p.11).

Ele ressalta três grandes ameaças à qualidade da educação, duas delas se

referem especificamente ao trabalho docente: o instrucionismo, ou a aula

reprodutiva, e a desprofissionalização do professor. A terceira ameaça se refere à

mercantilização, ou seja, ao entendimento da educação como mercadoria.

Em particular, a desprofissionalização do professor se refere, basicamente, à

terceirização do trabalho docente. Segundo o autor, é cada vez mais frequente ter,

no setor público, desde a Educação Infantil ao Ensino Superior, boa parte do

corpo docente originário de terceirizações. O maior problema desta prática é que o

profissional não cria vínculo com a instituição e/ou com os alunos, o que se torna

um grande obstáculo à educação de qualidade.

A terceira ameaça para conseguirmos uma educação de qualidade está,

segundo Gadotti (2013), na mercantilização. O autor esclarece que

mercantilização nada tem a ver com privatização ou com o privado, mas com o

entendimento da educação como uma mercadoria, atribuindo a ela um valor

econômico. Entendida desta forma, independe se a educação está sendo oferecida

em uma instituição pública ou não, se ela for tratada com a ideia de valoração, ela

é tratada como mercadoria e não de um direito.

O que podemos destacar desta breve análise de textos produzidos no campo

acadêmico sobre o tema da qualidade é que existem características ou conceitos

que são compartilhados pelos autores. Como visto acima, Gentili (1995), Campos

(2000) e Oliveira e Araújo (2005) consideram que o tema qualidade teve origem

no campo produtivo, tranferindo-se, posteriormente, para o campo educacional.

Ainda estes autores convergem na identificação da presença e do

desenvolvimento do tema da qualidade no campo educacional a partir da

década de 1980.

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Dourado, Oliveira e Santos (2007), Cury (2010) e Gadotti (2013)

caracterizam a qualidade como um conceito complexo e polissêmico e

concordam que a valorização e a formação dos professores trazem impacto na

qualidade do ensino. Oliveira e Araújo (2005) e Dourado, Oliveira e Santos

(2007) apresentam a qualidade como um conceito histórico que varia sua

significação de acordo com o contexto. . Em sintonia com esta visão, a abordagem

feita no capítulo 2, nos permitiu perceber como o conceito de qualidade variou

historicamente no planejamento educacional do Brasil.

Dourado, Oliveira e Santos (2007) e Gadotti (2013) trazem a qualidade

social como uma forma de introduzir um conceito mais amplo, que extrapola a

melhora da qualidade da educação, estendendo-se a outras dimensões da vida dos

estudantes, no sentido da melhoria da sua qualidade de vida. Nesta perspectiva,

Gentili (1995), Oliveira e Araújo (2005), Cury (2010) e Gadotti (2013)

caracterizam a qualidade, junto com o acesso à escola, como um direito social, ou

seja, um direito de todos.

Campos (2000), Oliveira e Araújo (2005), Cury (2010) e Gadotti (2013)

introduzem o tema dos indicadores da qualidade da educação como a

possibilidade de mensuração da eficácia dos sistemas educacionais, concretizada

pela criação das avaliações em larga escala.

Gentili (1995), Oliveira e Araújo (2005), Dourado, Oliveira e Santos (2007)

e Gadotti (2013) concordam que o tema da qualidade carrega em si mesmo uma

concepção de educação, que é, antes de tudo, uma discussão política. Concordam

na afirmação de que, sendo este um debate político, ele atrai para si grupos

divergentes em torno da disputa do que significa qualidade, que,

inseparavelmente, disputam concepções de educação.

Vimos também que, para além das convergências apresentadas pelos os

autores consultados, existem também especificidades na forma de tratar do tema

da qualidade. Por exemplo, somente Gentili (1995) coloca o problema da

retórica conservadora que hegemonizaria o tratamento dado ao tema em pauta.

Dourado, Oliveira e Santos (2007) abordam outras questões esclarecedoras.

Para eles, por exemplo, a qualidade pode ser resultado da participação ativa dos

sujeitos envolvidos na experiência educativa, sendo que a discussão do tema

contribui para um maior controle social sobre a educação ofertada. Além disso,

talvez uma das maiores contribuições dos autores seja a ideia de que a

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caracterização da qualidade da educação precisa levar em conta dimensões,

parâmetros e indicadores.

Isto significa que, para esses autores, a qualidade da educação possui

dimensões extraescolares e intraescolares, que compõem parâmetros de qualidade,

que são aceitos e reconhecidos pelos sistemas educacionais e também passíveis de

avaliação através dos indicadores.

Além de apontar que a qualidade da educação pode ser mensurada, Cury

(2010) também dá uma contribuição original ao apontar para a necessidade de

uma Lei de Responsabilidade Educacional para casos de descumprimento do

direito à educação de qualidade.

Gadotti (2013), por sua vez, sinaliza para as ameaças à educação de

qualidade, postas pela mercantilização, pela desprofissionalização docente e pelo

instrucionismo.

Desta forma, podemos perceber que a qualidade da educação é um tema

relevante no debate acadêmico sobre a educação, e no planejamento de políticas

educacionais.

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3 O Conceito de Qualidade da Educação no Planejamento Educacional Brasileiro

De acordo com Mendes (2000), o Planejamento institui o Estado como

instância articuladora da atividade educacional do país. Nesta perspectiva, o

planejamento é uma forma de intervenção do estado na educação, através da

implantação de uma política educacional, com o objetivo de levar os sistemas

educacionais ao cumprimento das funções que lhe são atribuídas por esta política.

Para facilitar nossa compreensão do planejamento educacional brasileiro,

será adotada a divisão proposta por Bordignon et al (2011), para quem o

planejamento se divide, conceitual e temporalmente, em três momentos. No

primeiro momento, que se estende até a década de 1950, o planejamento é

compreendido como sendo uma formulação de arcabouço legal, diretrizes a

orientar as ações (BORDIGNON et al, 2011, p.32). A concepção subjacente,

neste caso, é a de que a simples existência de uma lei ou norma já torna capaz de

mudar a realidade. Essa concepção teve forte presença até os anos de 1950, e pode

ser encontrado quem a defenda ainda nos dias atuais.

Da década de 1950 até o final dos anos 1980, os autores identificam o

segundo momento do planejamento educacional como sendo de natureza

prescritivo-normativa, porque estipula uma base prescritiva do futuro desejado e

normativa da ação a empreender (Ibid., p. 17). Sua base é tecnicista, seus

objetivos são um desenho do dever ser do futuro, e apresenta um reducionismo

dos seus condicionantes à dimensão econômica, enquanto separa a elaboração da

gestão do plano (Ibid.,, p. 32). Trata-se de um planejamento que não leva em

consideração a realidade, nem os atores sociais em disputa, o que lhe valeu sérios

questionamentos que contribuíram para a emergência de uma nova compreensão

expressa no planejamento estratégico-participativo.

Neste terceiro momento, conhecido como estratégico-participativo, o

planejamento é visto como uma proposta que vai além da predição de um futuro,

sendo, antes de tudo, um cálculo que preside a ação, para criar o futuro desejado,

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(...) sem garantia de que tenhamos o controle sobre esse futuro (Ibid, p. 34).

Desta forma, o planejamento deixa de ser ingênuo, no sentido de pensar que o

futuro pode ser controlado sem levar em conta seus condicionantes políticos e

econômicos, e se volta para a tentativa de calcular e planejar ações para que o

futuro desejado aconteça, levando em conta as possibilidades e os desafios

apresentados pela realidade. Neste planejamento, são requeridas outras estratégias,

como a elaboração do plano de forma democrática, participativa e descentralizada,

levando em conta as aspirações de toda a sociedade, além de constituir-se como

referência para decisões de curto prazo, para a interação entre ações e decisões

dos diferentes níveis da federação, e para o trabalho com uma visão sistêmica do

social, e para a proposta dos seus objetivos e metas a partir de cálculos interativos

dos diferentes atores sociais (BORDIGNON et al, 2011, p. 33).

As diferentes concepções de planejamento ao longo desse período e suas

principais referências legais e propositivas podem ser resumidas conforme o

Quadro 1, abaixo.

Quadro 1: O Planejamento Educacional Brasileiro

1º momento (arcabouço legal)

1932 Manifesto dos Pioneiros da Educação 1934 Constituição da República 1937 PNE (Não aprovado)

1942 a 1946 Leis Orgânicas do Ensino

2º momento (prescritivo-normativo)

1956 Plano de Metas 1961 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 1962 PNE 1963 Plano Trienal 1964 I Plano Setorial da Educação 1971 Lei 5692/71 1975 II Plano Setorial da Educação

3º momento (estratégico-participativo)

1980 III Plano Setorial da Educação

1986 Plano Setorial de Educação e I Plano de Desenvolvimento da Nova República

1990 Plano de Ação do governo Collor de Mello 1993 Plano Decenal de Educação para Todos 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 2001 PNE

Fonte: BORDIGNON et al, 2011; FONSECA, 2009.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

A seguir, analisaremos sucintamente cada uma destas fases e referências.

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3.1 A Qualidade da Educação no Primeiro Momento do Planejamento Educacional Brasileiro (1932-1946)

Nesta análise do planejamento educacional brasileiro, faremos uso das

categorias de planejamento que apresentamos na seção anterior a partir da

proposta de Bordignon et al (2011), o que nos permitirá focalizar cada momento

do planejamento educacional brasileiro e seus respectivos documentos, conforme

estão registrados no Quadro 1. Essa organização será adotada, tendo em vista

uma melhor compreensão do conceito de qualidade empregado em cada momento

do planejamento educacional brasileiro.

O primeiro apelo para a constituição de um planejamento nacional de

educação surgiu ainda na gestão de Francisco Campos à frente do Ministério da

Educação, em 1931, com a proposta do conselheiro João Simplício, integrante do

Conselho Nacional de Educação7; e com a realização da V Conferência Nacional

de Educação, quando foi elaborado o anteprojeto do capítulo da educação para a

futura nova constituição e um esboço do que seria o plano nacional de educação.

No ano seguinte, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

entendia que uma reconstrução nacional deveria se dar pela via de um plano de

reconstrução educacional (“A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao

governo”). Este Manifesto foi elaborado e assinado por educadores conhecidos

como renovadores, que exigiam a reforma da educação nacional, tendo em vista

as relações entre educação e desenvolvimento. O Manifesto reivindicava uma

escola única, laica, gratuita, obrigatória e para ambos os sexos. Nesse contexto, o

estado deveria responsabilizar-se por oferecer aos cidadãos, sem discriminação,

uma escola pública, única, que asseguraria uma educação comum e igual para

todos. Nesta fase, segundo Fonseca (2009), a qualidade da educação era

identificada com os métodos de ensino, numa perspectiva pedagógica que se

voltava para uma educação capaz de facilitar a individualização do estudante

através da atividade livre e espontânea.

[...] os pioneiros, reunidos na Associação Brasileira de Educação (ABE) orientavam-se por valores democráticos de universalização do acesso à escola e

7 CNE – Instituído pelo Decreto 19.850, de 11/04/1931.

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da igualdade de ensino para todos. Incentivavam a qualidade metodológica da educação básica, pela adoção de uma pedagogia que facilitasse a individualização do educando pela atividade livre e espontânea; que se pautasse por um método ativo, estimulando a atividade criadora da criança por meio do exercício prático. (FONSECA, 2009, p. 156).

Entretanto, contribuindo para o alargamento da ideia do que foi o

Manifesto para a educação brasileira, Xavier (2002) relaciona a escola às relações

sociais caracterizadas pelos valores de autonomia, do respeito à diversidade,

igualdade e liberdade, solidariedade e cooperação social (p. 17), onde o cidadão

tinha seus direitos garantidos pelo Estado e suas instituições, tornando-se

habilitado através da escola para colaborar no desenvolvimento da sociedade.

Um pouco mais tarde, a Constituição de 1934, que havia incorporado o

sentido democrático do Manifesto, também tratava da qualidade da educação,

desta vez relacionando-a aos recursos financeiros necessários para a ampliação da

oferta de vagas e a contratação de professores. Esta Constituição estabeleceu, no

artigo 150, o Plano Nacional de Educação, que chegou a ser formulado pelo

Conselho Nacional de Educação (CNE) em 1937. O entendimento era de que o

plano deveria obedecer a uma racionalidade técnica que garantisse a autonomia

dos educadores e do governo. Neste sentido, foi encaminhado um questionário

com 207 quesitos a associações, ginásios, colégios, embaixadas, sindicatos,

catedráticos, entre outros. O CNE reuniu as respostas e chegou a formular um

projeto com 504 artigos que tentavam abranger todos os aspectos de uma Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Entretanto, o primeiro plano foi deixado

de lado com o advento do Estado Novo e com o fechamento do Congresso.

Não havendo prosseguimento, o plano foi relegado em favor da

promulgação das chamadas Leis Orgânicas da Educação. Segundo Fonseca

(2009), os valores de hierarquia e disciplinamento dos homens e da sociedade

passaram a constituir referência para a qualidade do ensino público, por meio do

ensino religioso e de moral e cívica na educação básica.

Segundo Fonseca (2009), podemos resumir este primeiro momento da

seguinte forma:

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Quadro 2: O conceito de qualidade da educação no 1º momento ANO Planejamento/política

pública Qualidade da educação

1932 Manifesto dos Pioneiros da Educação

A qualidade da educação era identificada com os métodos de ensino e da relação da escola com o bem social .

1934 Constituição da República A qualidade da educação era relacionada aos recursos financeiros.

1942 a 1946

Leis Orgânicas do Ensino A qualidade da educação referia-se ao disciplinamento dos homens e da sociedade.

Fonte: FONSECA, 2009.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

3.2 A Qualidade da Educação no Segundo Momento do Planejamento Educacional Brasileiro (1956-1975)

Iniciado o segundo momento do planejamento educacional brasileiro, no

governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), por recomendação da Organização

dos Estados Americanos (OEA), a educação foi valorizada em sua relação com o

desenvolvimento econômico. Nas palavras de Fonseca (2009),

A educação foi incorporada ao programa [de metas] com o propósito de preparar pessoal técnico para a implantação das indústrias de base. Nesse período, a vinculação entre educação e economia ganhou destaque internacional pela emergência da teoria do capital humano e do enfoque de mão-de-obra (man-power approach). (FONSECA, 2009, p. 157).

Em 1962, no governo de João Goulart, o novo plano estabelecia critérios

para o uso de recursos públicos e formulava um conjunto de metas a serem

alcançadas em oito anos. No entanto, este plano não chegou a se constituir em lei,

sendo abandonado após a introdução do Plano Trienal de Desenvolvimento (1963-

1965) do ministro Extraordinário de Planejamento Celso Furtado, passando o

Ministério da Educação a elaborar o Plano Trienal da Educação 1963-1965, que

também foi abandonado ainda em 1963 devido à resistências às reformas de base.

Já em 1964, no contexto do período militar, a educação deixaria claramente

de ser lida em uma pauta político-social para ser enfaticamente associada ao

processo de desenvolvimento. Com a criação do Ministério de Planejamento neste

novo regime, o papel dos economistas no planejamento governamental foi

bastante reforçado, o que gerou diversos conflitos entre os técnicos do Instituto de

Pesquisa Econômico-Social Aplicada (IPEA) e do Ministério da Educação. De

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acordo com Bordignon et al (2011), o Conselho Federal de Educação (CFE) ainda

tentou influenciar o planejamento por meio da revisão do PNE de 1962, mas a

responsabilidade pela elaboração do planejamento já havia passado para os

técnicos do Ministério do Planejamento, especificamente para o IPEA.

Desta forma, o planejamento educacional foi incorporado ao Programa

Estratégico de Desenvolvimento (PED) elaborado pelo Ministério de

Planejamento, o que levou à introdução no texto dos pressupostos da

Administração por Objetivos. Tais pressupostos apontavam que o sucesso de um

empreendimento resultaria da execução de projetos autônomos e descentralizados

que deveriam ser administrados por gerentes eficientes. O I Plano Setorial da

Educação foi elaborado neste contexto e com estas orientações. Este plano se

referenciou na teoria do capital humano8 e na formação de mão de obra como

objetivo da educação no país e passou a entender, a qualidade da educação como a

capacidade de participação eficaz do cidadão nas atividades produtivas da nação.

O II Plano Setorial (1975) manteve o viés da formação do homem útil ao

país. Paralelo a isto, as intervenções dos organismos internacionais de crédito e

cooperação técnica passaram a ser gradativamente mais atuantes na definição da

agenda educacional do Brasil. Um exemplo disto foi o documento complementar

do II Plano Setorial intitulado de Política Nacional de Educação Integrada, no qual

a adesão ao pragmatismo econômico, mais uma vez, ficou clara, na articulação

que o texto estabelece entre o ensino de primeiro grau de áreas rurais e o mercado

de trabalho, através dos Projetos de Desenvolvimento Rural Integrados (PDRI). O

resumo deste segundo momento pode ser visto no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3: O conceito de qualidade da educação no 2º momento

Ano Planejamento/política pública Qualidade da Educação 1971 I Plano Setorial da Educação A qualidade da educação era entendida

como a capacidade de participação eficaz do cidadão nas atividades produtivas.

1975 II Plano Setorial da Educação A qualidade da educação era relacionada à utilidade dos homens.

Fonte: FONSECA, 2009.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

8 A Teoria do Capital Humano, formulada pelo professor Theodore W. Schultz, sustenta a ideia de que um dos mais importantes fatores para a ampliação da produtividade econômica e do lucro do capital é o trabalho humano, quando este é qualificado pela educação.

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3.3 A Qualidade da Educação no Terceiro Momento do Planejamento Educacional Brasileiro (1980 - atual)

O terceiro momento do planejamento educacional começa a se configurar já

na transição do governo militar ao civil, contexto em que o significado da

qualidade sofre influência das reivindicações das classes médias. Para estas, o

ensino profissionalizante não tinha qualidade suficiente para permitir o acesso à

universidade, e o ensino de qualidade era oferecido pelas escolas privadas que

ministravam cursos propedêuticos. O III Plano Setorial (1980) reflete pelo menos

em parte esta tensão, ao substituir a profissionalização obrigatória pela preparação

para o trabalho.

Segundo Dourado, Oliveira e Santos (2007), organismos multilaterais, tais

como: a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a

Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), o Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Fundo das Nações Unidas

para a Infância (Unicef), passaram, a partir dos anos de 1980, a participar com

mais frequência dos debates acerca da qualidade da educação, sendo estes os

organismos que financiavam projetos e programas educacionais (FONSECA,

2009).

O período posterior ao regime militar foi propício para a mobilização de

setores organizados em prol de uma educação mais democrática. Estes

movimentos revelavam um novo conceito de qualidade que se identificava com a

construção de um projeto hegemônico de sociedade. Por meio do Fórum Nacional

em Defesa da Escola Pública, várias entidades representativas dos profissionais da

educação engajaram-se no processo de redemocratização do país, exigindo a

participação da sociedade nas decisões políticas sobre a educação. Entretanto,

estas ideias se chocavam com as intervenções internacionais. Neste contexto, o

Plano Setorial de Educação e Cultura (1986-1989) integrou-se ao I Plano de

Desenvolvimento da Nova República.

Já no contexto do governo Collor de Mello (1990), o Plano de Ação do

governo para o período 1990-1995 afirmava o compromisso do estado com a

qualidade da educação e deixava claro que a qualidade educacional se produziria

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pela definição de objetivos educacionais que pudessem ser quantitativamente

aferidos (FONSECA, 2009, p.166). Neste sentido, a qualidade deveria ser

mensurada.

No governo Itamar Franco (1992-1995), o Ministério da Educação, sob a

condução do ministro Murílio Hingel, elaborou o Plano Decenal de Educação para

Todos segundo as orientações da Conferência Internacional de Jomtien (1990).

Não é por acaso que o primeiro sistema nacional de avaliação da educação tenha

surgido na década de 1990, com a criação do Saeb9, este documento, portanto,

incorporou a orientação da avaliação da qualidade por meio da implantação de um

sistema de avaliação da educação básica (RAMOS, 2014).

No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), houve inúmeras

mudanças no âmbito da reforma do estado, sendo uma delas a busca pela

substituição da administração pública burocrática pela administração gerencial

(RAMOS, 2014). As mudanças ocorridas no campo educacional seguiram as

orientações desta reforma. Segundo Fonseca (2009, p. 169), neste governo, a

qualidade resultaria de uma adequada revisão curricular, da eficiência da gestão

institucional e da competitividade deflagrada por um processo de avaliação

externa. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996,

incorporou estas orientações mencionando a qualidade e a avaliação de forma

articulada (Inciso VI, Artigo 8º). Concomitante a isto, seguiu-se uma ampla

disputa em torno do conteúdo do Plano Nacional de Educação.

Em 2001, o PNE teve sua primeira edição com força de lei (decênio 2001-

2011), em observância à Constituição de 1988 (art. 214) e à LDB 9394/96 (art.

87). Assim como ocorreu com o processo de elaboração da LDB, este PNE

recebeu propostas divergentes da sociedade e do governo. Saiu-se vencedora a

proposta do governo, que se constituiu mais uma carta de intenções do que

propriamente em um planejamento da educação nacional, na medida em que

propôs metas, mas não definiu com clareza as estratégias e os meios para seu

alcance, principalmente no que diz respeito às questões orçamentárias

9 O Sistema de Avaliação da Educação Básica teve sua primeira aplicação em 1990 e a partir de 1995 ganhou destaque como instrumento de monitoramento dos sistemas de ensino. Desde 2005 é composto por duas avaliações externas: a Avaliação Nacional de Educação Básica e a Prova Brasil. Seu objetivo é o diagnóstico do sistema educacional brasileiro, pelo qual apresenta o indicativo da qualidade do ensino.

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(VALENTE, 2002). Apesar de o tema da qualidade da aprendizagem ter se

constituído como uma de suas metas, os padrões mínimos não foram

especificados no plano.

O resumo deste terceiro momento pode ser visto no Quadro 4, a seguir.

Quadro 4: O conceito de qualidade da educação no 3º momento Ano Planejamento/política pública Qualidade da educação 1980 III Plano Setorial A qualidade da educação era

identificada com o acesso para universidade.

1986-1989 Plano Setorial de Educação e Cultura

A qualidade da educação era vinculada aos objetivos dos projetos internacionais.

1990 Plano de Ação do Governo Collor A qualidade da educação referia-se a objetivos quantitativamente aferidos.

1993 e 1996 Plano Decenal de Educação para Todos e LDB

A qualidade da educação passou a ser avaliada por meio da implantação de um sistema de avaliação da educação básica.

Fonte: FONSECA, 2009.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

Desta forma, o primeiro momento do planejamento educacional brasileiro,

denominado por Bordignon et al. (2011) de arcabouço legal, foi marcado pelo

Manifesto dos Pioneiros da Educação, pela Constituição da República e pelas Leis

Orgânicas, com cada um destes documentos apresentando concepções de

qualidade da educação relacionadas, respectivamente, ao método, ao

financiamento da educação e ao disciplinamento dos homens. Já o segundo

momento, conhecido como prescritivo-normativo, teve como marco o I e o II

Plano Setorial da Educação, nos quais a concepção da qualidade era associada à

participação ativa do cidadão nas atividades produtivas. O terceiro momento do

planejamento educacional brasileiro, denominado de estratégico-participativo,

teve como documentos o III Plano Setorial da Educação, o Plano Setorial da

Educação e Cultura, o Plano de Ação (Collor), o Plano Decenal de Educação para

Todos, a LDB 9394/96 e o PNE 2001. Este terceiro momento se estende até os

dias atuais e apresenta uma concepção de qualidade associada aos objetivos dos

projetos internacionais, que prevê um sistema nacional de avaliação da

aprendizagem. O resumo dos três momentos pode ser visto no Quadro 5.

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Quadro 5: Comparativo do tratamento da qualidade nos três momentos de

planejamento Período Documentos Principais concepções de

qualidade 1º MOMENTO (ARCABOUÇO LEGAL)

1932 a 1946 Manifesto dos Pioneiros, Constituição da República e Leis Orgânicas do Ensino

Nesta primeira fase a qualidade se referia aos métodos, recursos financeiros e disciplinamento dos homens.

2º MOMENTO (PRESCRITIVO-NORMATIVO)

1956 a 1975 I e II Plano Setorial da Educação

A qualidade se referia à utilidade e participação do cidadão nas atividades produtivas (Capital Humano).

3º MOMENTO (ESTRATÉGICO-PARTICIPATIVO)

1980 a 2001 (Período atual)

III Plano Setorial da Educação, Plano Setorial da Educação e Cultura, Plano de Ação (Collor), Plano Decenal de Educação para Todos, LDB 9394/96 e PNE 2001.

A qualidade da educação passou a se vincular aos objetivos dos projetos internacionais, a um sistema nacional de avaliação através de objetivos quantitativamente aferidos.

Fonte: BORDIGNON, 2011; FONSECA, 2009.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

Para Fonseca (2009), apesar de a proposta de elaboração do planejamento

educacional prever a catalisação das demandas advindas dos diferentes setores da

sociedade na tentativa de equilibrar suas tensões, o que se percebeu foi que os

planos educacionais adotaram, em sua maioria, a ideologia dos governos

estabelecidos. Isto, por sua vez, teria se refletido para a autora no significado dado

à qualidade da educação em cada um dos planos, tornando o tema ainda mais

complexo do ponto de vista ideológico e político. Desta forma, o estudo da

dimensão tempo revela o caráter polissêmico e complexo do tema da qualidade.

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4 A Qualidade da Educação na Sociedade Civil Representada pela Conae 2010

Nos capítulos 4 e 5 será abordada a dimensão “espaços”, o que inclui a

análise de textos/documentos representativos de cada espaço de disputa pelo

significado do tema da qualidade. Especificamente, no capítulo 4 analisaremos o

espaço da sociedade civil representada pela Conae 2010.

No Brasil, podemos dividir o processo de elaboração do Plano Nacional da

Educação (2014-2024) em dois grandes momentos. O primeiro deles abrange o

período de discussão do plano pela sociedade civil e o segundo está representado

pelo momento em que o documento ingressa no Congresso Nacional, iniciando a

discussão na sociedade política. Neste capítulo, o que interessa analisar é o

primeiro momento, no qual se situa o debate da Conferência Nacional de

Educação (Conae) de 2010.

A contribuição da Conae 2010 foi consubstanciada na reunião realizada

entre 28 de março a 01 de abril, em Brasília, por meio da elaboração do

Documento-Referência10. Ao longo do tempo, entre 2009 e 2010, o processo de

discussão do plano no âmbito da Conae contou com a participação de secretarias

do MEC, das Comissões de Educação e Cultura da Câmara e do Senado, do

Conselho Nacional de Educação (CNE), de entidades dirigentes, de conselhos de

educação, de instituições de nível superior e seus estudantes, entre outros. Os

documentos foram discutidos em seis plenárias de Eixo e na Plenária Final da

Conferência, que aprovou as emendas que constituíram o documento final.

Esse processo se iniciou com a constituição, pela Portaria Ministerial n.10

de 2008, da Comissão Organizadora Nacional da Conae, que esteve composta por

representantes da sociedade civil e da sociedade política. A comissão elaborou um

documento-referência que serviu de base para as discussões locais e regionais. Os

acréscimos e proposições resultantes destas discussões foram registrados em

10 Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação.

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documentos específicos em cada Estado e depois inseridos no Sistema de

Relatoria da Conferência para ser objeto de análise e sistematização.

A análise e sistematização dessas deliberações resultaram no Documento-

Base para a realização da Conae. Na conferência nacional realizada entre 28 de

março a 01 de abril foi garantido o aprofundamento das questões através dos

colóquios, palestras, mesas de interesse e plenárias de eixo. O Documento-final é,

assim, o resultado das deliberações que tiveram apoio majoritário ou consensuado

nas plenárias de eixo e que foram aprovadas na plenária final.

Da conferência nacional participaram 3.889 pessoas, sendo 2.416 delegados

e 1.473 entre observadores, representantes da imprensa, palestrantes, pessoal de

apoio etc. Participaram das discussões - municipais, estaduais e nacional - cerca

de 3,5 milhões de pessoas, o equivalente a aproximadamente 2% da população

nacional. Isto significa dizer que a conferência, bem como o documento-final, são

indicativos da vontade política da população que esteve ali representada por seus

delegados ou, dito de outra forma, uma construção de acordos entre atores

sociais (CONAE, 2010, p.9).

4.1 Os Eixos Do Documento-Final Da Conae 2010

O eixo I, “Papel do Estado na Garantia do Direito à Educação de

Qualidade: Organização e Regulação da Educação Nacional”, do documento

da Conae esclarece que é dever do estado garantir o direito à educação de

qualidade e que este direito está garantido na Constituição de 1988, na Lei de

Diretrizes e Bases de 1996 e no Plano Nacional de Educação 2001. Esclarece,

ainda, que o direito à educação de qualidade é um direito social com estatuto de

direito humano estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de

1948 e no Pacto Internacional de Direitos Sociais Econômicos e Culturais de 1996

(CONAE, 2010, p. 19).

O documento denuncia que, apesar de a educação de qualidade ser um

direito social com estatuto de direito humano, há “evidências do menosprezo à

educação nacional” (Ibid., p. 19), o que pode ser verificado por meio de dados

estatísticos relativos ao analfabetismo, aos anos de escolaridade da população, ao

financiamento da educação, entre outros.

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De acordo com este documento, um dos fatores que tem contribuído para os

problemas existentes é a ausência de um Sistema Nacional de Educação (SNE),

apesar de este estar previsto na Constituição Federal de 1988, especificamente no

parágrafo único do artigo 23, que determina que leis complementares “deverão

fixar normas” para a cooperação entre os entes federados. Vale destacar, neste

caso, que este dispositivo não foi regulamentado até o momento atual.

De acordo com o documento da Conae, cabe a um sistema nacional de

educação o redimensionamento das ações dos entes federados, através de

regulamentação das atribuições de cada ente, com o objetivo de superar as

desigualdades regionais, sem deixar de seguir diretrizes educacionais comuns.

O Sistema Nacional de Educação assume, assim, o papel de articulador, normatizador, coordenador e regulamentador do ensino público e privado e financiador dos sistemas de ensino públicos (federal, estadual/DF e municipal), garantindo finalidades, diretrizes e estratégias educacionais comuns, mas mantendo as especificidades próprias de cada um. (CONAE, 2010, p. 22).

Desta forma, na perspectiva da Conae, um projeto educacional fragmentado

e desarticulado é a consequência da ausência do SNE, Sua criação passa pela

regulamentação do regime de colaboração, que deve explicitar a cooperação

técnica e financeira da União, prevendo os meios de superação das desigualdades

regionais, através de uma política de financiamento ancorada na perspectiva do

Custo Aluno-Qualidade11, e que estimule a aproximação do setor educativo com o

produtivo.

Assim como Cury (2010), o documento da Conae 2010 também defende a

criação de uma lei de responsabilidade educacional que, além de definir meios de

controle e obrigação dos responsáveis pela gestão, financiamento e observância do

estabelecido na legislação educacional, também defina sanções administrativas,

cíveis e penais para o caso de descumprimento.

Neste sentido, a qualidade é eleita como parâmetro para a construção das

diretrizes, metas, estratégias e ações na constituição do SNE, o que poderia se

traduzir em investimento para a educação (CONAE, 2010, p. 30).

11 O valor do CAQi foi calculado a partir dos insumos essenciais ao desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem que levem gradualmente a uma educação de qualidade, que pode ser inicialmente aferida para um IDEB igual a 6, como esperado pelo MEC. Esse valor do IDEB corresponde aos padrões atuais de qualidade dos países da comunidade europeia (Parecer 8/2010, p. 18).

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Como se pode ver, um sistema nacional de educação que articule a educação

do país, e que promova as condições necessárias para uma educação de qualidade,

deve ser a base para a constituição do Plano Nacional de Educação. Sendo assim,

a Conae recomenda, como um dos balizamentos para sua discussão, que o novo

PNE seja entendido como uma das formas de materialização do regime de

colaboração, de acordo com o promulgado pelo artigo 4º da Emenda

Constitucional 59/2009.

No eixo II do documento, intitulado de “Qualidade da Educação, Gestão

Democrática e Avaliação”, a qualidade da educação, conjuntamente com a

gestão democrática, são apresentadas como medidas importantes para a garantia

do direito à educação para todos, a serem implantadas por meio de políticas

públicas que tenham o acompanhamento e a avaliação da sociedade. Sendo assim,

qualidade da educação, gestão democrática e avaliação são três eixos de base para

garantia do direito à educação.

O texto inicia explicitando a gestão democrática como um princípio

constitucional, em consonância com o artigo 206 da Constituição Federal de 1988.

Tal princípio foi confirmado pela Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, que repassou

a definição das normas da gestão democrática aos sistemas de ensino. De acordo

com o documento apresentado pela Conae 2010, pensar a gestão democrática

implica em compreendê-la como possibilidade concreta de autogoverno das

instituições (CONAE, 2010, p. 42), e, portanto, como um espaço de deliberação

coletiva, assumido como fator de melhoria da qualidade.

O documento apresenta, como exigência para o funcionamento da gestão

democrática, a definição dos conceitos de autonomia, democratização,

descentralização, qualidade e participação. Ressalta, ainda, além da participação

de toda a comunidade escolar na gestão democrática, o papel dos conselhos e

órgãos colegiados de deliberação coletiva, como o Fórum Nacional de Educação,

fóruns estaduais, Municipais e Distrital da educação, Conferência Nacional de

Educação, Conselho Nacional de Educação, conselhos estaduais e municipais de

educação, órgãos colegiados e conselhos escolares.

A gestão democrática definida e defendida pela Conferência se vincula a um

determinado projeto de educação nacional que contém uma concepção de

qualidade da educação (Ibid., p. 45). Assim como Gentili (1995), Oliveira e

Araújo (2005), Dourado, Oliveira e Santos (2007) e Gadotti (2013), para a

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Conferência, a discussão acerca da qualidade da educação também contém a

definição do que se entende por educação, podendo considerá-la uma discussão

política.

Da mesma forma que Dourado, Oliveira e Santos (2007), o documento da

Conae 2010 ressalta a importância da dimensão histórica do conceito de

qualidade, ao pontuar que este é um conceito que se altera no tempo e no espaço,

sendo marcado por demandas e exigências de um dado processo e, portanto, algo

que só é passível de análise levando-se em conta o contexto.

Nesta perspectiva, não se pode desconsiderar a realidade brasileira,

fundamentada na descentralização e desconcentração das ações educativas, entre

os entes federados, que se organizam em sistemas educativos próprios. Isto torna a

tarefa de estabelecer parâmetros de qualidade uma ação de extrema complexidade,

dadas as assimetrias econômicas e técnicas de Estados e Municípios e a

desigualdade que caracteriza a educação do país.

Alinhada aos autores estudados no referencial teórico, a Conferência

entende que vários fatores, internos e externos à escola, contribuem ou não para a

qualidade da educação. Aponta que, dentre os fatores internos à escola, devem ser

considerados não apenas os insumos indispensáveis, mas também o currículo, a

dinâmica pedagógica, a expectativa de aprendizagem.

Com efeito, o documento da Conae 2010, ao tratar especificamente da

qualidade da educação, a caracteriza como qualidade social que tem como

princípios a articulação das dimensões intra e extraescolares12 na efetivação de

uma política educacional. Essas dimensões incluem: a consideração da dimensão

socioeconômica e cultural dos alunos na construção de projetos institucionais13; e

das condições e dimensões e de fatores que levem em conta o custo aluno-

qualidade, objetivando a superação das desigualdades regionais. Também incluem

uma formação dos alunos em sintonia com as políticas públicas de inclusão e do

mundo do trabalho, bem como a democratização dos processos de organização e

gestão. O documento sinaliza, ainda, para a importância da relação entre número

de estudantes por turma, por docente e por funcionários, bem como de um

12 Cabe ressaltar que ao tratar das dimensões extras e intraescolares, o documento da Conferência tomou como base teórica as contribuições de Dourado, Oliveira e Santos (2007). 13 Projeto Político Pedagógico e Plano de Desenvolvimento Institucional.

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financiamento público que viabilize as condições necessárias para a qualidade na

educação, assim como a estrutura e as condições físicas da instituição e o clima

organizacional. Também faz referência a condições de ordem administrativa e

pedagógica, tais como as condições de gestão, a gestão da prática pedagógica, os

espaços de decisão, a avaliação, a visão de qualidade dos agentes escolares, a

formação e as condições de trabalho, bem como às condições laborais, como a

garantia da livre organização sindical e estudantil, os planos de carreira e

satisfação com o trabalho e o engajamento ativo dos diferentes segmentos.

Precebe-se que a discussão do que se entende por qualidade é demasiado

complexa, extrapolando os limites das ações e políticas públicas, a ponto de

envolver temas como clima, expectativa, engajamento etc.

Uma questão ressaltada no documento da Conferência merece nossa

atenção. Trata-se da importância dada à definição de padrões mínimos de

qualidade para a educação básica e superior (CF 1998, art. 206, inc. VII), como

pode ser ilustrado pelo excerto a seguir. A questão apresenta, contudo, dificuldades e diferenças significativas quanto à definição de um padrão único de qualidade, envolvendo aspectos relativos à variedade e quantidades mínimas por estudante-ano, insumos indispensáveis ao processo de ensino e de aprendizagem, custo-aluno/a, relação estudante-professor/a etc. (CONAE, 2010, p. 49).

Ou seja, a Conferência questiona a instituição de um padrão de qualidade

em um país tão diferente e diverso nas suas regiões e unidades federativas. Neste

sentido, o documento faz a defesa da definição de dimensões, fatores e condições

de qualidade que poderão servir de referência analítica e política, na perspectiva

da consolidação de mecanismos de acompanhamento das políticas educacionais e

dos seus resultados. O que significa dizer que faz mais sentido falar em parâmetro

de qualidade do que em padrão de qualidade. É nessa perspectiva que os debates

da Conae justificam a avaliação da educação.

Segundo o documento, as mudanças ocorridas com as reformas em diversos

países, centrais e periféricos, nas décadas de 1980 e 1990, conferem à avaliação

parte constitutiva de uma lógica que altera a organização, gestão e regulação da

educação. As reformas políticas e educacionais, no Brasil, orientaram-se pelo eixo descentralizante e, ao mesmo tempo, regulador, tendo o setor educacional

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assumido o discurso da modernização, da gerência, da descentralização, da autonomia escolar, da competitividade, da produtividade, da eficiência e da qualidade dos sistemas educativos, na ótica do desenvolvimento de competências para atender às novas exigências no campo do trabalho. (CONAE, 2010, p. 52).

Chama a atenção o fato de o documento definir a organização da educação

brasileira com critérios de competitividade, descentralização e regulação, o que

pode possibilitar a continuação da desigualdade na educação, já que havendo

competição, uns sistemas terão êxito e outros não, o que vai contra a defesa da

qualidade como um direito.

O eixo III, intitulado de “Democratização do Acesso, Permanência e

Sucesso Escolar”, lembra que a história da educação brasileira sempre foi

marcada pela luta por condições de oferta da educação pública, principalmente,

em prol da democratização da educação. Entretanto, o documento destaca que o

atendimento por parte do estado se deu de forma muito tímida, com ênfase apenas

na democratização do Ensino Fundamental. É importante destacar que a Emenda

Constitucional n. 59 de 2009 e a Lei 12.796 de 2013 ampliaram a obrigatoriedade

do ensino desde a educação Infantil até o Ensino Médio, ou seja, de 4 a 17 anos de

idade, ampliando assim as ações por parte do Estado.

A Conae entende que a democratização da educação não se limita ao

acesso à escola, envolvendo também a permanência do estudante, que deve se

traduzir em sucesso escolar. Desta forma, acesso, permanência e sucesso escolar

são reflexos da qualidade da educação, que só é possível com uma gestão escolar

democrática.

A Conae desnaturaliza a ideia do sucesso escolar ligado apenas ao

desempenho do estudante. O sucesso escolar significa, antes de tudo, a garantia do

direito à educação, o que inclui uma trajetória escolar sem interrupções, o

respeito ao desenvolvimento humano, à diversidade e ao conhecimento (p.62). O

que implica na [...] superação de uma visão que atribui exclusivamente ao indivíduo a responsabilidade pelo seu desempenho escolar. Sua garantia dar-se-á por meio de ações integradas que implicam a compreensão do fenômeno educativo na sua dimensão pedagógica, institucional, relacional, cultural e social. (COANE, 2010, p. 62).

A gestão democrática é apontada nessa discussão como o meio pelo qual se

pode assegurar a democratização da educação, já que a partir dela todos os

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segmentos que compõem o processo educativo podem participar da definição dos

rumos que as instituições devem imprimir à educação. Desta forma, podemos

entender que tanto a gestão democrática, quanto a qualidade social são bases para

a garantia do direito social à educação.

Em outro trecho é destacada a valoração positiva da escola, o que quer dizer

que uma escola ou instituição educativa de boa qualidade é vista positivamente

pelos estudantes e por toda comunidade escolar, o que resulta em maior empenho

por parte dos estudantes e maior participação nas decisões por parte das famílias.

Este é um ponto interessante porque, sem dúvida, a expectativa que se tem em

relação à qualidade de uma instituição influi em todo o processo educativo, como

já sinalizaram Dourado, Oliveira e Santos (2007) e Oliveira e Araújo (2005).

Entretanto, primeiro é necessário garantir a qualidade para todos para que a

valorização positiva tenha seus efeitos, e este é o grande desfio.

O eixo IV, “Formação e Valorização dos/das Profissionais da

Educação”, destaca a importância deste tema para o alcance de uma educação de

qualidade. Formação e valorização são dois lados da mesma moeda, o que

significa dizer que ambos são indissociáveis e igualmente importantes dentro do

processo educacional.

A formação dos profissionais da educação deve contar com uma base

comum que contemple uma sólida formação teórica e interdisciplinar, a união

entre teoria e prática, e a pesquisa como eixo nuclear dessa formação. Tal

formação deve considerar a vivência da gestão democrática, o compromisso com

um projeto emancipador das relações sociais e o trabalho coletivo interdisciplinar.

Esta formação deve ser entendida na perspectiva social e no nível das políticas

públicas e, não mais pensada numa perspectiva individual para aperfeiçoamento

próprio. Desta forma,

[...] a formação de profissionais da educação básica e superior necessita ser estabelecida por meio de uma política nacional elaborada com planos específicos, como a construção de um Referencial Curricular Nacional, em fóruns, constituídos para tal fim, imediatamente após a aprovação do PNE, com financiamento definido, participação paritária do número de representantes da sociedade civil organizada em sua composição, e estabelecendo-se uma periodicidade para que eles ocorram regularmente. (CONAE, 2010, p. 79).

Pensadas desta forma, a formação e valorização dos profissionais de

educação devem contemplar aspectos estruturais, visando romper com as soluções

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emergenciais e aligeiradas que tentam implantar um novo tecnicismo educacional.

Alguns aspectos estruturais da formação dos profissionais da educação referem-se

ao reconhecimento da especificidade do trabalho docente; à interdisciplinaridade

curricular; à valorização da vivência investigativa; à consolidação da identidade

dos professores; à ampliação das licenciaturas e implantação de políticas de

formação continuada de pós-graduação; à formação sintonizada com as demandas

atuais em educação; e garantia de desenvolvimento de competências e habilidades

no uso das TICs; à reflexão crítica sobre as diferentes linguagens midiáticas;

concepção da Educação Inclusiva nas formações inicial e continuada; à

constituição de um padrão de qualidade nos cursos de formação dos professores.

Esta perspectiva ampla de formação e profissionalização docente, seja inicial ou continuada, deve romper com a concepção de formação, reduzida ao manejo adequado dos recursos e técnicas pedagógicas. Para isso, é mister superar a dicotomia entre a formação pedagógica stricto sensu e a formação no campo de conhecimentos específicos. Ela deve-se pautar pela defesa de bases sólidas para a formação contínua e permanente dos/as profissionais, tendo a atividade docente como dinâmica e base formativa. Deve estar alicerçada nos princípios de uma base comum nacional, como parâmetro para a definição da qualidade, bem como ser resultado da articulação necessária entre o MEC, as instituições formadoras e os sistemas de ensino. (CONAE, 2010, p. 82).

A Conae sinaliza para a importância do financiamento pelo poder público da

formação inicial e continuada de professores, o que inclui a garantia da redução da

jornada de trabalho em 50% para os que estiverem cursando especialização, e de

100% ou licença automática remunerada para os que cursarem mestrado e

doutorado, com manutenção integral dos salários.

Medidas mais específicas para os sistemas de ensino municipal, estadual e

distrital, e também medidas de formação inicial e continuada para especialistas e

funcionários da educação, também são citadas com o objetivo de garantir as

condições necessárias para o sistema público de formação dos profissionais da

educação.

A relação estabelecida entre a formação dos profissionais da educação e a

qualidade é notória no documento da Conferência. “Implica, portanto, ações para

melhorar a qualidade do ensino, as condições de trabalho e a qualificação dos/das

trabalhadores/as.” (CONAE, 2010, p. 92).

Outra questão indissociável da formação profissional é a valorização dos

profissionais da educação. De acordo com o levantamento feito pela Conferência,

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no Brasil, a valorização dos profissionais da educação é organizada de forma

fragmentada e massificada, devido à autonomia dos entes federados estabelecida

na Constituição Federal, da qual decorre o fato de que cada ente federado tenha

seu próprio sistema de valorização dos profissionais da educação.

De acordo com o documento da Conae, é de fundamental importância

implementar políticas de reconhecimento das funções docentes, assim como dos

demais profissionais da educação, reconhecendo suas contribuições para o

processo educacional, não esquecendo, inclusive, de garantir apoio aos

profissionais que enfrentam situações de insalubridade e vulnerabilidade social.

Nesse sentido, articulada à formação inicial e continuada, faz-se necessária a criação de um plano de carreira específico para todos/as os/as profissionais da educação que abranja: piso salarial nacional; jornada de trabalho em uma única instituição de ensino, com tempo destinado à formação e planejamento; condições dignas de trabalho; e definição de um número máximo de estudantes por turma, tendo como referência o custo aluno/a - qualidade (CAQ). (CONAE, 2010, p. 95).

O documento destaca a Lei 11.738/2008 que estabeleceu o piso salarial

nacional e 1/3 do tempo do trabalho docente para o desenvolvimento de outras

atividades, como o planejamento. Ainda assim, é preciso investir em uma política

salarial mais ampla que garanta, entre outras, a isonomia de salários e a reposição

de perdas salariais.

Ainda dentro da discussão sobre formação e valorização dos profissionais da

educação, a Conae destaca a avaliação destas dimensões, e coloca a avaliação no

mesmo patamar de outros aspectos relevantes que interferem na qualidade.

[...], avaliar a formação e a ação dos/das profissionais da educação complementa um amplo processo de compromissos com a qualidade social da educação. (CONAE, 2010, p. 98).

Entretanto, este é um aspecto polêmico porque é considerado, em muitas

ocasiões, como fator propício à bonificação. O próprio documento exorta para que

a avaliação da formação e da ação dos professores não seja motivo de punição ou

perda salarial. Todavia, a meta 7, especificamente a estratégia 7.36, estabelece que

devem ser criadas políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho

no Ideb, o que vem ao encontro de políticas de bonificação já praticadas por

alguns sistemas de ensino estaduais e municipais.

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O eixo V, intitulado “Financiamento da Educação e Controle Social”,

esclarece que a Constituição Federal de 1988 determinou a vinculação de recursos

financeiros para a educação, através de percentuais mínimos resultantes de

impostos para manutenção e desenvolvimento do ensino. Tal medida alicerçaria a

construção do Sistema Nacional de Educação e o alcance das metas do Plano

Nacional de Educação.

O documento considera que ainda se faz necessário aumentar o investimento

e a contribuição da União na educação. Para isto, são previstas duas medidas. A

primeira é a elaboração e aprovação da reforma tributária, na qual haveria

vinculação adequada de todos os tributos (impostos, contribuições, taxas e multas)

para o investimento educacional, além de ajustes na Lei de Responsabilidade

Fiscal para retirada das despesas com recursos humanos pagas com o Fundeb14,

não comprometendo os 54% da receita corrente líquida previstos para este fim na

referida lei (Lei Complementar n. 101 – 04/05/2000, cap.IV, sessão II).

Outra medida seria o estabelecimento do custo aluno-qualidade, que deveria

ser definido a partir do custo anual por estudante com base nos insumos

educacionais necessários para uma educação de qualidade, para a superação das

desigualdades nas regiões brasileiras. Para tal é necessário realizar e divulgar estudos sobre os custos adequados da educação básica nas suas diferentes etapas e modalidades, com base em padrões mínimos de qualidade, com vistas a melhorar a eficiência e garantir a generalização da qualidade do atendimento. Deve caber à União a complementação de recursos financeiros a todos os estados e aos municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQ. (CONAE, 2010, p.106).

Apesar dos avanços, seja na área da legislação educacional ou das políticas

educacionais representadas pela LDB 9694/96, o PNE 2001, o Fundef e o Fundeb,

as Emendas Constitucionais 53/2006 e 59/2009, alguns pontos ainda carecem de

atenção, como, por exemplo, a regulamentação do Regime de Colaboração, a

redefinição do modelo de financiamento com participação adequada dos níveis de

governo, o estabelecimento dos referenciais de qualidade da educação, o papel da

Educação Superior para o desenvolvimento do país e o estabelecimento da

autonomia universitária, mecanismos de avaliação e acompanhamento do

14 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

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financiamento da educação, regulamentação do setor privado, instituição de

contas específicas exclusivas para administração dos recursos, aplicação dos

recursos públicos exclusivamente para o setor público de ensino, entre outras

medidas.

O último eixo do documento da Conferência, intitulado de “Justiça Social,

Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade”, trata da articulação

entre justiça social, trabalho e educação, visando à inclusão, à igualdade, à

diversidade e à equidade na educação e na sociedade, tendo em vista uma

sociedade democrática onde todos tenham participação garantida, sem deixar que

as diferenças signifiquem desigualdades, como o exposto abaixo.

A produção social, cultural e histórica das diferenças não é problemática em si. A questão que se coloca é que, no contexto das relações de poder, os grupos humanos não só classificam as diferenças como, também, hierarquizam-nas, colocam-nas em escalas de valor e, nesse processo, subalternizam uns em relação a outros. Quando os vínculos sociais se quebram, devido a processos autoritários, ao uso da força e à colonização, o poder se exacerba, a ponto de um grupo (país, nação, etnia etc) excluir, discriminar e segregar o outro, devido a suas diferenças. Nesse processo, as diferenças são transformadas em desigualdade. (CONAE, 2010, p.128).

Nesse sentido, este eixo apresenta os principais temas relacionados às

minorias para discussão das medidas necessárias ao combate a toda e qualquer

discriminação e segregação. Os temas desse eixo se articulam com os outros cinco

eixos apresentados na Conferência sem deixar de ter, entretanto, sua própria

identidade, trajetória e especificidade.

Neste eixo são previstas garantias para os temas das relações étnico-raciais,

educação quilombola, educação especial, educação do campo, educação indígena,

educação ambiental, gênero e diversidade sexual, crianças, adolescentes e jovens

em situação de risco, formação cidadã e profissional, educação de jovens e

adultos, educação prisional, educação de pescadores, educação em direitos

humanos e educação religiosa.

O que podemos apreender de todo o exposto é que a Conferência Nacional

de Educação compreende a qualidade como coluna espinhal que estrutura e

perpassa todo processo educativo do país. Tal qualidade é definida no documento

como qualidade social, porque a mesma é compreendida como promotora de

inclusão, igualdade e equidade, tendo como objetivo a correção das desigualdades

até hoje existentes na educação brasileira.

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O documento-final toma como base teórica para definição da qualidade o

estudo de Dourado, Oliveira e Santos (2007), no qual se afirma que o conceito de

qualidade é de definição complexa, envolvendo inúmeras dimensões dentro e fora

da escola, que interferem na definição do conceito e dos parâmetros de qualidade.

Para tanto, este documento trata em cada um de seus seis eixos os aspectos

relevantes para a construção de uma educação de qualidade, os quais podem ser

sintetizados da seguinte forma: o Sistema Nacional de Educação e o Regime de

Colaboração entre os entes federados; a construção e efetivação do custo aluno-

qualidade, que deve apontar os insumos indispensáveis para uma qualidade em

todas as escolas, além de equalizar o gasto com a educação em todas as regiões do

país; a Lei de Responsabilidade Educacional; a gestão democrática; a avaliação,

tanto dos gastos quanto da qualidade; o acesso, a permanência e o sucesso escolar;

a formação e valorização dos profissionais da educação, assim como a avaliação

da formação docente; o aumento do financiamento, como também uma

distribuição igualitária entre as regiões e a garantia de participação das minorias

através de políticas públicas que assegurem justiça social, trabalho e educação.

Entretanto, cumpre sinalizar que mesmo compreendendo a qualidade para

todos e, portanto, a qualidade da educação como qualidade social e um direito

social, o documento da Conferência pontua o caráter descentralizado e autônomo

da organização administrativa dos diferentes sistemas educacionais. Isto significa

dizer que a administração dos sistemas de ensino deve ser gerencial e

descentralizada, permitindo que o estado exerça o papel de regulador.

O texto do Documento-Final da CONAE 2010 foi analisado com a

ferramenta Atlas ti. O quadro 6 apresenta uma síntese decorrente dessa análise.

Quadro 6: O conceito de qualidade da educação na CONAE 2010

Um direito social CONAE 2010

“É dever do Estado a garantia do direito à educação de qualidade, estabelecido na Constituição Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) e no Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010), considerado direito social e com estatuto de direito humano consignado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no Pacto Internacional de Direitos Sociais Econômicos e Culturais de 1966” (p. 19).

Indicadores CONAE 2010

“Aliada aos processos de gestão e ao estabelecimento dos padrões de qualidade situa-se a avaliação da educação e a necessária articulação entre a concepção de avaliação formativa, indicadores de qualidade e a efetivação de um subsistema nacional de avaliação da educação básica e superior” (p. 52).

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Qualidade Social CONAE 2010

“O reconhecimento de que a qualidade da educação básica e superior para todos/as, entendida como qualidade social, implica garantir a promoção e a atualização histórico-cultural em termos de formação sólida, crítica, criativa, ética e solidária, em sintonia com as políticas públicas de inclusão, de resgate social e do mundo do trabalho, tendo em vista, principalmente, a formação sociocultural do Brasil” (p. 48).

Dimensão Político CONAE 2010

“Nesse contexto, a discussão acerca da qualidade da educação suscita a definição do que se entende por educação” (p. 46).

Conceito Histórico

CONAE 2010

“É fundamental, portanto, não perder de vista que qualidade é um conceito histórico, que se altera no tempo e no espaço, vinculando-se às demandas e exigências sociais de um dado processo”

Avaliação

COANE 2010

“Junto à garantia da qualidade da educação, os dispositivos legais (CF/88, LDB e o PNE) indicam a avaliação como base para a melhoria dos processos educativos e, nessa direção, estabelecem competências dos entes federativos, especialmente da União, visando assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação, com a cooperação dos sistemas de ensino” (p.53).

Lei de Responsabilidade Educacional

CONAE 2010

“Para isso, torna-se pertinente a criação de uma lei de responsabilidade educacional que defina meios de controle e obrigue os responsáveis pela gestão e pelo financiamento da educação, nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal, [...] e estabeleça sanções administrativas, cíveis e penais no caso de descumprimento dos dispositivos legais determinados, deixando claras as competências, os recursos e as responsabilidades de cada ente federado” (p. 28).

Parâmetro

COANE 2010

“Ainda no contexto da organização nacional, a implantação do Sistema Nacional de Educação, desenvolvido sob o regime de colaboração, precisará enfrentar uma discussão há muito delineada no cenário educacional, que, de alguma forma, busca garantir a unidade no atendimento de qualidade por meio dos mesmos parâmetros, nas diversas instituições educativas públicas, sejam elas federais, estaduais, do DF ou municipais” (p. 27).

Dimensões

CONAE 2010

“Em outros termos, a qualidade da educação envolve dimensões extra e intraescolares e, nessa ótica, devem ser considerados os diferentes atores, a dinâmica pedagógica, o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas, locais e regionais, ou seja, os processos ensino-aprendizagem, os currículos, as expectativas de aprendizagem, bem como os diferentes fatores extraescolares, que interferem direta ou indiretamente nos resultados educativos” (p. 47).

Financiamento CONAE 2010

“Contudo, para o acesso equitativo e universal à educação básica de qualidade e para a garantia de permanência e sucesso escolar de crianças, jovens e adultos que cursam as etapas e modalidades de ensino que a integram, além da elevação substancial de estudantes matriculados/as na educação superior pública, urge aumentar o montante estatal de recursos investidos na área, principalmente em relação à contribuição da União, além de solucionar a desigualdade regional” (p. 103).

Continua.

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Valorização e Formação dos Professores

CONAE 2010

“[...] há que se perceber que assumir a universalização da educação básica de qualidade para todos/as, visando à inclusão social, exigirá a revisão crítica do que vem sendo feito na formação inicial e continuada de professores/as e sua valorização” (p. 98).

Gestão

CONAE 2010

“Assim, a gestão democrática, entendida como espaço de deliberação coletiva (estudantes, profissionais da educação, mães, pais ou responsáveis), precisa ser assumida como fator de melhoria da qualidade da educação e de aprimoramento e continuidade das políticas educacionais, enquanto políticas de Estado articuladas com as diretrizes nacionais para todos os níveis e modalidades de educação” (p. 43).

Avaliação dos Profissionais da Educação

CONAE 2010

“Vale enfatizar que a avaliação pedagógica dos profissionais da educação (na perspectiva de superação de suas dificuldades, de continuidade de sua formação e da consequente melhoria do desempenho discente) apresenta-se como instrumento de valorização profissional e aprimoramento da qualidade social da educação” (p. 98).

Fonte: CONAE, 2010.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

Como podemos notar, algumas características apontadas pelos autores

acadêmicos foram identificadas ao longo do texto da Conferência, como, por

exemplo, a qualidade como direito social já mencionada por Gentili (1995),

Oliveira e Araújo (2005), Cury (2010) e Gadotti (2013); a qualidade social

defendida por Dourado, Oliveira e Santos (2007) e Gadotti (2013); a qualidade

como conceito histórico apontado por Oliveira e Araújo (2005) e Dourado,

Oliveira e Santos (2007); dimensões e parâmetros de qualidade mencionados por

Dourado, Oliveira e Santos (2007); avaliação citada por Oliveira e Araújo (2005),

Dourado, Oliveira e Santo (2007) e Cury (2010); a Lei de Responsabilidade

Educacional defendida por Cury (2010); a gestão democrática sinalizada por

Dourado, Oliveira e Santo (2007) e a importância do financiamento aponta por

Oliveira e Araújo (2005) e Dourado, Oliveira e Santos (2007).

Apenas uma característica pareceu se destacar como novidade no

documento da Conferência, a avaliação dos profissionais da educação como

promotora da qualidade. Isto nos mostra que a Conferência esteve também

informada pela literatura acadêmica sobre o tema.

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5 A Qualidade da Educação no Âmbito do Estado

Este capítulo busca apresentar os principais documentos publicados pelo

MEC relativos à qualidade da educação, com o objetivo de perceber qual a

concepção subjacente para, posteriormente, cotejá-la com a do novo PNE 2014.

Assim como no espaço da sociedade civil (Conae 2010), foram analisados

aqui os documentos representativos do MEC, tentando mapear as categorias que

se relacionam diretamente com o tema da qualidade.

Vale dizer que, o Ministério da Educação foi criado em 1930 com o nome

de Ministério da Educação e Saúde Pública. O MES abrigava várias atividades de

educação, saúde, esporte e meio ambiente. A partir de 1953, com a criação do

Ministério da Saúde, o Ministério da Educação passou a ser Ministério da

Educação e Cultura, e recebeu a sigla conhecida como MEC que é utilizada até

hoje. Em 1992, transformou-se em Ministério da Educação e do Desporto, e

somente em 1995 passou a ser responsável apenas pela educação.

Atualmente, o MEC conta com uma Secretaria Executiva constituída por

três subsecretarias: Assuntos Administrativos, Planejamento e Orçamento e

Tecnologia da Informação. As outras secretarias que compõem o ministério são:

Secretaria de Educação Superior (SESU), Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica (SETEC), Secretaria de Educação Básica (SEB), Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI),

Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), e Secretaria de

Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES). Ainda fazem parte do

ministério as instituições de ensino do governo federal e de pesquisa e

coordenação, como: o Colégio Pedro II, as Universidades Federais, a CAPES, o

INEP, entre outras.

Para esta análise do Ministério da Educação foram utilizados os seguintes

documentos: Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), Plano de Metas:

Compromisso Todos Pela Educação e Parecer n.8/2010.

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5.1 Plano de Desenvolvimento da Educação – Plano de Metas

Podemos dizer que o PDE e o Plano de Metas são partes de um mesmo

programa do estado, isto porque o PDE, como será visto mais adiante, é um

conjunto composto por vários programas desenvolvidos pelo Ministério da

Educação para o desenvolvimento da educação, e o Plano de Metas é a

materialização do PDE através de um acordo firmado entre os entes federados e o

MEC. O maior objetivo desses documentos é a melhora da qualidade na educação

básica. Já o Parecer n. 8/2010 é um documento elaborado pelo Conselho Nacional

de Educação (CNE) com o objetivo de compor indicadores e parâmetros nacionais

da qualidade da educação. Tais documentos oficiais apresentam pertinência ao

tema da qualidade da educação e, por isso, serão analisados neste capítulo.

Apesar da preocupação com a qualidade da educação já ocupar as agendas

das políticas públicas nos anos de 1980, foi mais especificamente no segundo

mandato do Governo Lula que a mesma se tornou mais evidente nas políticas

educacionais. Dentre elas destacam-se o Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE), o Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e o Ideb, por meio

dos quais se pretende materializar o objetivo de melhoria da qualidade da

educação no país.

O Plano de Desenvolvimento da Educação (2007) foi construído no segundo

mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na gestão do ministro Fernando

Haddad. O PDE, no contexto de sua criação, foi traduzido como um documento

instrumental do Plano Nacional de Educação de 2001, por trazer em sua forma

alguns programas que colocavam muitas estratégias do PNE em prática, ficando

também conhecido como plano executivo. Além disso, ele foi pensado de forma

sistêmica, de modo a abranger todos os níveis e modalidades da educação e a

superar algumas dicotomias e oposições tradicionalmente estabelecidas, tais como

educação básica X educação superior; ensino médio X ensino profissionalizante;

ensino fundamental X educação infantil e ensino médio; educação inclusiva X

educação especial; e alfabetização X educação de jovens e adultos. De acordo

com o documento Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e

programas (2007), o PDE está sustentado em seis pilares: visão sistêmica da

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educação, territorialidade, desenvolvimento, regime de colaboração,

responsabilização e mobilização social.

O PDE foi apresentado ao país em 15 de março de 2007, mas foi

oficialmente lançado em 24 de abril juntamente com o Decreto n. 6.094 que

dispõe sobre o Plano de Metas, considerado carro-chefe do PDE. O PDE é, assim,

como descrito por Saviani (2007), um grande guarda-chuva que abriga

praticamente todos os programas em desenvolvimento pelo MEC (SAVIANI,

2007, p. 1233), tendo como principal objetivo melhorar a qualidade da educação

brasileira.

O PDE é um conjunto de mais de 40 programas organizados em quatro

eixos norteadores: educação básica, educação superior, educação profissional e

alfabetização.

São iniciativas e programas para a educação básica: a formação de

professores através da Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e o fomento da Fundação

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); a

valorização profissional através da fixação do piso salarial nacional pela Emenda

Constitucional n.53/2006, bem como o Fundeb; e a responsabilização e

mobilização social através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(Ideb) -, além do Plano de Metas que visa à qualidade mediante adesão e convênio

com os entes federativos e o PDE- Escola.

No eixo da educação superior foi prevista a reestruturação e expansão das

universidades através do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (REUNI) e do Plano Nacional de

Assistência Estudantil (PNAES); a democratização do acesso à universidade

através do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Financiamento ao

Estudante do Ensino Superior (FIES); a avaliação que combina avaliação

institucional, avaliação de cursos e desempenho dos estudantes através do Sistema

Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES).

No âmbito da educação profissional e tecnológica foram previstas ações de

expansão dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFET), com

articulação entre o ensino propedêutico e o profissionalizante e também do ensino

profissional técnico e do ensino médio, o estágio como ato educativo

supervisionado, a regulação dos cursos superiores de tecnologia, a integração da

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Educação de Jovens e Adultos (EJA) à educação profissional através do Programa

Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e do Programa Nacional

de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária

(PROJOVEM).

No quarto eixo norteador do PDE, compreendido como Alfabetização,

Educação Continuada e Diversidade são previstas ações de integração da

alfabetização com a Educação de Jovens e Adultos, através do Programa Brasil

Alfabetizado.

Em todos os eixos e programas do PDE existem como princípios a educação

sistêmica, a ordenação territorial e o desenvolvimento que contribuem de forma

mais eficaz para a construção de um Sistema Nacional de Educação e para o

regime de colaboração.

Dentro deste grande guarda-chuva que é o PDE, o Plano de Metas

Compromisso Todos Pela Educação (PMCTE), estabelecido pelo Decreto n. 6094

de 2007 é o carro-chefe do plano. Nele foram estabelecidas 28 diretrizes com o

objetivo de melhorar a qualidade da educação brasileira. A assinatura do termo

significa o compromisso assumido pelos entes federados no cumprimento das

metas de melhoria da qualidade da educação. Todos os entes federados aderiram

ao Compromisso. Com a adesão, é aplicado um instrumento para o diagnóstico da

situação da rede pública do ente federado para depois prosseguir com a elaboração

do Plano de Ações Articuladas (PAR). Este, por fim, passa pela análise e

aprovação do MEC. Desta forma, o PDE se concretiza através do PAR.

O objetivo principal que deve nortear as escolhas feitas durante a elaboração

do PAR é a melhoria do desempenho no Ideb, porque é a partir dele que a

qualidade da educação é aferida e que é verificado o cumprimento das metas

fixadas no termo de adesão ao Compromisso. Como visto anteriormente, o Ideb

opera uma noção de qualidade que se assenta em dois conceitos: aprovação (dados

obtidos no Censo Escolar) e desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e

Matemática (dados obtidos a partir de avaliações do Inep, como o SAEB15 e Prova

Brasil) e as metas são estabelecidas e monitoradas por escola, município e estado,

numa escala de notas de 0 a 10. 15 Sistema de Avaliação da Educação Básica

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62

O Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação tem um nome muito

parecido com um movimento organizado pela sociedade civil composto

basicamente de empresários, conhecido como Todos Pela Educação. Este

movimento foi criado em 2006 por algumas entidades, como o Itaú Social, a Rede

Globo, o Grupo Pão de Açúcar, o Banco Santander, entre outros. É um

movimento que tem 5 metas: 1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na

escola; 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; 3) Todo aluno

com aprendizado adequado a sua idade (idade/série); 4) Todo jovem com Ensino

Médio concluído até os 19 anos; 5) Investimento em Educação ampliado e bem

gerido. E 5 bandeiras: Melhoria da formação e carreira do professor; Definição

dos direitos de aprendizagem; Uso pedagógico das avaliações; Ampliação da

oferta de Educação integral; Aperfeiçoamento da governança e gestão, e 5

objetivos: Valorizar os professores, a aprendizagem e o conhecimento; Promover

as habilidades importantes para a vida e para a escola; Colocar a Educação

escolar no dia a dia; Apoiar o projeto de vida e o protagonismo dos

alunos; Ampliar o repertório cultural e esportivo das crianças e dos jovens.

Todos em prol da qualidade da educação.

Para Saviani (2007), a similaridade do nome deste movimento com a

política do MEC não é algo aleatório e sem pretensões. Para este autor, Com ascensão do PT ao poder federal, sua tendência majoritária realizou um movimento de aproximação com o empresariado, ocorrendo certo distanciamento de suas bases originárias. Talvez isso explique, de certo modo, por que o MEC, ao formular o PDE, o tenha feito em interlocução com a referida parcela da sociedade e não com os movimentos dos educadores. (Saviani, p. 1243, 2007).

Desta forma, o PDE assume a agenda e a denominação do Compromisso

Todos Pela Educação.

Cabe ainda dizer que tanto as 28 diretrizes do Plano de Metas como a média

calculada pelo Ideb atuam como parâmetros da qualidade da educação, já

especificamente o Ideb atua como indicador de qualidade, tendo a função de

regular e revelar a melhora do ensino.

Nas diretrizes do Plano de Metas, chama a atenção o destaque dado ao

mérito e à mensuração da aprendizagem. I - estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir;

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II - alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados por exame periódico específico; III - acompanhar cada aluno da rede individualmente, mediante registro da sua freqüência e do seu desempenho em avaliações, que devem ser realizadas periodicamente; [...] XIII - implantar plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho; XIV - valorizar o mérito do trabalhador da educação, representado pelo desempenho eficiente no trabalho, dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade, realização de projetos e trabalhos especializados, cursos de atualização e desenvolvimento profissional; [...] XVIII - fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretor de escola; [...]. (BRASIL, 2007, p. 1-3) (grifos nossos).

Como podemos observar, as diretrizes I, II e III são específicas quanto à

avaliação da aprendizagem e seus resultados, e as diretrizes XIII, XIV e XVIII são

taxativas com relação ao mérito dos profissionais da educação. Neste contexto, a

avaliação é entendida como uma indispensável ferramenta para se chegar à

qualidade da educação, sendo compreendida como mola propulsora para atingir o

Ideb esperado. Já a meritocracia ganha destaque como estratégia de

responsabilização do professor pelo sucesso ou fracasso da escola. Ambas podem

ser compreendidas como características de políticas de accountability, já que este

tipo de política necessita destes dois componentes (avaliação e responsabilização),

além da prestação de contas.

Desta forma, podemos depreender que o PDE/Plano de Metas opera com

uma noção de qualidade da educação que pode ser associada diretamente ao Ideb,

ou seja, com uma noção de qualidade que leva em conta basicamente a aprovação

e o desempenho. A concepção de qualidade empregada neste programa se

inscreve dentro de uma política internacional onde a avaliação é o carro-chefe

para o alcance de metas. Nas palavras de Saviani (2007), [...] a lógica que embasa a proposta do "Compromisso Todos Pela Educação" pode ser traduzida como uma espécie de "pedagogia de resultados"; o governo se equipa com instrumentos de avaliação dos produtos, forçando, com isso, que o processo se ajustes às exigências postas pela demanda das empresas (SAVIANI, 2007, p. 1253).

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5.2 Parecer 8/2010

O Parecer 8/2010 é um documento proposto pela Câmara de Educação

Básica do Conselho Nacional de Educação. (CNE). O CNE é um órgão colegiado

integrante do Ministério da Educação, que tem como finalidade colaborar na

formulação da Política Nacional de Educação, exercendo atribuições normativas,

deliberativas e de assessoramento ao Ministro da Educação.

O Parecer tem como objetivo oferecer uma matriz básica de padrão de

qualidade comum ao PAR para tornar possível a comparabilidade dos resultados

de suas ações. Tomou-se como referência para construção dessa matriz o Custo

Aluno Qualidade inicial (CaQi).

Nesse estudo, a Campanha optou politicamente por assumir como horizonte do esforço de definição do CAQi não a qualidade ideal para nossas escolas públicas, mas a que foi chamada de qualidade inicial, ou seja, aquela que decorre de um conjunto de padrões mínimos referenciados na legislação educacional. Foi uma opção estabelecida para tornar viável o passo inicial rumo à qualidade, daí a designação Custo Aluno Qualidade Inicial. (BRASIL, 2010, p.16).

Desta forma, o conceito Custo Aluno Qualidade Inicial tem o propósito de

trabalhar como uma resposta aos padrões mínimos e seus insumos indispensáveis

regidos pela Constituição Federal 1988 (artigos 206 e 211) e pela LDB 9.394/96

(artigos 3º e 4º), com a finalidade de garantir o direito a uma educação de

qualidade para todos os cidadãos. Sendo assim, o CaQi determina os padrões

básicos de funcionamento de qualquer escola pública, como instalações,

equipamentos, tamanho das salas de aula, materiais didáticos, etc.

A palavra “inicial” colocada no CaQi dá uma ideia do caráter progressivo do

financiamento da educação. “É esperado, por ser o início de um processo, que o

valor do CAQi aumente com o passar dos anos [...].” (BRASIL, 2010, p. 17).

Para isto, os custos foram separados em: custos de implantação (aquisição

do terreno, construção do prédio, compra de equipamentos e material

permanente); e de manutenção e atualização (necessários para assegurar as

condições de qualidade ao longo do tempo).

Desta forma, o relatório do Parecer 8/2010 apresenta várias tabelas com os

insumos necessários à implantação e à manutenção de cada etapa da educação

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básica. Vale dizer que apesar de simples16, ainda assim, os insumos estabelecidos

pelo CaQi se constituem em um avanço por possibilitar um parâmetro de

qualidade a nível nacional, já que atualmente as desigualdades entre as regiões são

expressivas.

O quadro a seguir é uma síntese apresentada do custo de manutenção e

atualização por etapa na educação básica:

Quadro 7: Síntese apresentada do Custo de Manutenção e Atualização Etapa da Educação

Básica Tamanho médio (alunos)

Jornada diária dos alunos (horas)

Média de alunos por turma

Número de professores

Custo Total (% do PIB per capita)

Creche 130 10 13 20 39,0% Pré-Escola 240 05 22 12 15,1% Ensino Fundamental – anos iniciais

480 05 24 20 14,4%

Ensino Fundamental – anos finais

600 05 30 20 14,1%

Ensino Médio 900 05 30 30 14,5% Ensino Fundamental – anos iniciais (Educação do Campo)

60 05 15 04 23,8%

Ensino Fundamental – anos finais (Educação do Campo)

100 05 25 04 18,2%

Fonte: BRASIL, 2010, p. 36

Como se pode perceber, nesta síntese é feito um cálculo a partir da relação

professor/aluno por turma e jornada diária, possibilitando, desta forma, prever o

custo total e sua equivalência com o Produto Interno Bruto (PIB) do país.

O Parecer coloca a qualidade da educação como um horizonte ainda a ser

alcançado e enumera os cinco desafios para alcançarmos a qualidade, são eles:

desafio do acesso (universalização); desafio da equidade (infraestrutura); desafio

da valorização do magistério (Plano de Cargos e Carreiras, Formação e piso

nacional salarial); desafio da aprendizagem (IDEB 6,0); e desafio do

financiamento e da gestão (Padrão CaQi e gestão democrática). Como podemos

perceber, o Parecer 8/2010, surge como uma possibilidade de enfrentamento ao

desafio da equidade por possibilitar um parâmetro nacional de infraestrutura para

as escolas públicas do país e do financiamento. 16 Simples porque não se vislumbra nada exorbitante, na escola de ensino fundamental do campo, por exemplo, prevê uma escola sem direção própria e com professores unidocentes (que leciona simultaneamente para alunos de diferentes anos de escolaridade).

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A seguir, o quadro 8 apresenta as principais convergências identificadas

entre os documentos analisados até aqui, ou seja, entre o documento final da

Conae 2010 e os documentos do MEC. Assim como na análise anterior, também

foi utilizado como ferramenta de análise o Atlas ti para auxiliar no mapeamento

dos conceitos apresentados.

Quadro 8: O Conceito de Qualidade da Educação nos Textos do MEC

CONVERGÊNCIAS

Um direito social CONAE 2010 MEC

“Educação sistêmica, ordenação territorial e desenvolvimento são princípios do PDE. [...] A melhoria da qualidade da educação e a redução de desigualdades relativas às oportunidades educacionais – em outras palavras, o direito de aprender – são suas razões constitutivas” (BRASIL, 2008, p. 41).

Indicadores CONAE 2010 MEC

“Art. 3º A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB, [...] Parágrafo único. O IDEB será o indicador objetivo para a verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso” (DECRETO 6094/2007, art. 3º).

Qualidade Social CONAE 2010 MEC

“Art. 2º Educação de qualidade para todos, com pleno acesso, inclusão, permanência e sucesso dos sujeitos das aprendizagens na escola, é estratégia importante para a construção de um país mais justo e igualitário” (PARECER 8/2010, Projeto de Resolução, art. 2º).

Avaliação COANE 2010 MEC

“Quando a avaliação de instituições de ensino toma por base o desempenho dos seus alunos, aplica-se o procedimento de avaliação externa a uma amostra representativa. Por exemplo, todos os alunos de uma série ou de um mesmo ano. O resultado é um indicador de qualidade” (BRASIL, 2008, p. 19).

Financiamento CONAE 2010 MEC

“Os resultados em educação dependem também de uma boa gestão, professores valorizados, currículos atraentes e boa infraestrutura de trabalho. Mas sem recursos adequados, é difícil pensar e alcançar uma educação de qualidade para todos” (PARECER 8/2010, p. 14).

Gestão CONAE 2010 MEC

“Da mesma forma que a valorização dos professores e o financiamento da educação são fatores determinantes para uma educação de qualidade, a gestão da educação, seja no nível da escola ou dos sistemas, é outro importante fator para promover essa qualidade. Nesse contexto, a profissionalização de uma gestão democrática apresenta-se com um pré-requisito chave no processo da gestão da educação” (PARECER 8/2010, p. 15).

Valorização e Formação dos Professores

CONAE 2010 MEC

“Assim, a melhoria da qualidade da educação básica depende da formação de seus professores, o que decorre diretamente das oportunidades oferecidas aos docentes” (BRASIL, 2008, p. 10).

Continua

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ESPECIFICIDADES

Fenômeno Complexo MEC

“Ao longo dos últimos anos, tem crescido o número de pesquisas e estudos relacionados com os fatores que mais influenciam na qualidade da Educação Básica no Brasil, procurando, desta forma, contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas da educação. Trata-se de um problema complexo e multifacetado” (PARECER 8/2010, p. 1).

CaQi MEC

"A legislação vigente, assegura que o ensino oferecido em nossas escolas deve se processar dentro de padrões mínimos de qualidade, [...]" "Esses mandamentos exigem, portanto, a necessidade de se estabelecer o que são esses padrões mínimos e os insumos associados aos mesmos. O CAQi surge como uma resposta a esse inviolável direito, ou seja, o de garantir que cada cidadão desse pais tenha acesso a uma educação de qualidade, ao apresentar com clareza os insumos necessários a esse direito" (PARECER 8/2010, p 16).

Responsa-bilização MEC

"O PDE promove profunda alteração na avaliação da educação básica. Estabelece, inclusive, inéditas conexões entre avaliação, financiamento e gestão, que invocam conceito até agora ausente do nosso sistema educacional: a responsabilização e, como decorrência, a mobilização social" (BRASIL, 2008, p.19). "Avaliação, financiamento e gestão se articulam de maneira inovadora e criam uma cadeia de responsabilização pela qualidade do ensino que abrange tanto os gestores, do diretor ou da diretora da escola ao Ministro da Educação, quanto a classe política, do prefeito ou da prefeita ao Presidente da República" (BRASIL, 2008, p. 25).

Dimensão Político CONAE 2010

“Nesse contexto, a discussão acerca da qualidade da educação suscita a definição do que se entende por educação” (p. 46).

Conceito Histórico

CONAE 2010

“É fundamental, portanto, não perder de vista que qualidade é um conceito histórico, que se altera no tempo e no espaço, vinculando-se às demandas e exigências sociais de um dado processo”

Parâmetro

COANE 2010

“Ainda no contexto da organização nacional, a implantação do Sistema Nacional de Educação, desenvolvido sob o regime de colaboração, precisará enfrentar uma discussão há muito delineada no cenário educacional, que, de alguma forma, busca garantir a unidade no atendimento de qualidade por meio dos mesmos parâmetros, nas diversas instituições educativas públicas, sejam elas federais, estaduais, do DF ou municipais” (p. 27).

Dimensões

CONAE 2010

“Em outros termos, a qualidade da educação envolve dimensões extra e intraescolares e, nessa ótica, devem ser considerados os diferentes atores, a dinâmica pedagógica, o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas, locais e regionais, ou seja, os processos ensino-aprendizagem, os currículos, as expectativas de aprendizagem, bem como os diferentes fatores extraescolares, que interferem direta ou indiretamente nos resultados educativos” (p. 47).

Continua

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Lei de Responsabilidade Educacional

CONAE 2010

“Para isso, torna-se pertinente a criação de uma lei de responsabilidade educacional que defina meios de controle e obrigue os responsáveis pela gestão e pelo financiamento da educação, nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal, [...] e estabeleça sanções administrativas, cíveis e penais no caso de descumprimento dos dispositivos legais determinados, deixando claras as competências, os recursos e as responsabilidades de cada ente federado” (p. 28).

Avaliação dos Profissionais da Educação

CONAE 2010

“Vale enfatizar que a avaliação pedagógica dos profissionais da educação (na perspectiva de superação de suas dificuldades, de continuidade de sua formação e da consequente melhoria do desempenho discente) apresenta-se como instrumento de valorização profissional e aprimoramento da qualidade social da educação” (p. 98).

Fonte: BRASIL, 2007; BRASIL, 2008; BRASIL, 2010; CONAE, 2010.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

É muito interessante perceber que há maior convergência nos conceitos

apresentados sobre o tema da qualidade da educação do que especificidades. Isto

sugere que boa parte do que é compreendido como qualidade ou aspectos

inerentes à qualidade estão em comum acordo entre os diferentes campos

analisados (social e político). Como é possível notar no quadro acima, são

conceitos comuns entre os campos: a qualidade como direito social; a qualidade

social; a qualidade como um fenômeno complexo; os indicadores de qualidade; a

avaliação, a gestão, o financiamento, e a valorização e formação dos professores

como fatores determinantes para a qualidade da educação.

Entretanto, dois fatores não haviam sido pontuados anteriormente pelos

outros campos e que agora surgem nos documentos do MEC, são estes a

responsabilização e o CaQi. A responsabilização, da forma como foi exposta no

documento do Plano de Desenvolvimento da Educação (2008), seria uma cadeia

composta de avaliação, financiamento e gestão.

O PDE promove profunda alteração na avaliação da educação básica. Estabelece, inclusive, inéditas conexões entre avaliação, financiamento e gestão, que invocam conceito até agora ausente do nosso sistema educacional: a responsabilização e, como decorrência, a mobilização social" (BRASIL, 2008, p.19).

Avaliação, financiamento e gestão se articulam de maneira inovadora e criam uma cadeia de responsabilização pela qualidade do ensino que abrange tanto os gestores, do diretor ou da diretora da escola ao Ministro da Educação, quanto a

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classe política, do prefeito ou da prefeita ao Presidente da República" (BRASIL, 2008, p. 25).

Estes três fatores associados fariam parte da responsabilização pela

qualidade da educação. Interessante notar que o texto chama atenção da

responsabilização também para a classe política. Entretanto, a responsabilização

está fortemente associada aos resultados do Ideb porque é ele o termômetro para

verificar as quantas anda a qualidade do ensino de cada escola ou de cada rede de

ensino, o que torna a responsabilização mais um fator do gestor escolar e dos

professores do que, propriamente, da classe política, já que o Ideb é, antes de tudo,

um resultado da escola para depois compor o resultado de uma rede educacional.

Ainda de acordo com o texto do PDE (2008), a responsabilização traz outra

característica importante para a qualidade: a mobilização social. Ou seja, na

medida em que todos são responsáveis pela melhora da qualidade, a sociedade se

mobiliza cada vez mais para melhorá-la. Também nos estudos feitos

anteriormente (Dourado et al 2007, PDE 2008, CONAE 2010 e Parecer 8/2010) a

mobilização da sociedade gerada pela divulgação das notas no Ideb de cada

instituição gera uma contribuição para a melhoria da qualidade. Vejamos.

A satisfação e o engajamento ativo do aluno no processo de aprendizagem é fator de fundamental importância na permanência e no desempenho escolar. Isso, no entanto, começa no processo de escolha da escola. Essa escolha tem a ver com a visão que os pais, alunos e a comunidade, em geral, têm da escola. [...] Assim, os pais escolhem as escolas porque tem, em geral, indícios e informações que indicam tratar-se de boas escolas;[...]e porque os alunos são aprovados nos processos seletivos para o ingresso no ensino superior e/ou conseguem ingressar no mercado de trabalho. (Dourado et al, 2007, p. 27). (grifo nosso).

Na verdade, a mobilização social age como a outra face da prestação de

contas (um dos pilares da accountability). Dito de outra forma, a mobilização da

sociedade gerada a partir da divulgação das notas no Ideb exerce "pressão" no

sistema de ensino para que este preste conta (justificação) da nota observada no

índice.

Desta forma, a avaliação ganha grande destaque nas ações políticas para a

qualidade da educação, por acreditar que ela pode gerar mobilização social e

responsabilização.

Já o Custo Aluno Qualidade Inicial, desenvolvido pela Campanha Nacional

pelo Direito à Educação, aparece no Parecer 8/2010 como uma referência para a

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construção da matriz dos padrões mínimos de qualidade estabelecidos pela

Constituição Federal e pela LDB, o que corresponderia à infraestrutura prevista

para cada instituição pública da educação básica no país.

Pode-se dizer que o CAQi é um grande passo na superação das

desigualdades regionais que sempre enfrentou o país, onde a variedade de

recursos arrecadados por cada ente federativo muda muito de uma região para

outra. O Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e de Valorização do Magistério) e, posteriormente, o Fundeb (Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação) vieram para equilibrar essa disparidade nos recursos

com educação. Entretanto, o CAQi vai além disso, nele são previstos os insumos

indispensáveis para uma educação de qualidade, ou seja, não é uma divisão

aleatória dos recursos arrecadados. Mais do que isso, é uma previsibilidade correta

dos gastos com uma finalidade específica: um ensino de qualidade.

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6 O Plano Nacional de Educação 2014-2024

Nos capítulos anteriores fizemos a análise do tema da qualidade da

educação no campo da sociedade civil através da representação da Conae 2010 e

no Ministério da Educação através do PDE/Plano de Metas e do Parecer n.8/2010.

Nos dois campos analisados surgiram conceitos e categorias ligados ao tema da

qualidade que se convergiram entre os campos, e outros que eram específicos de

cada campo de análise.

Neste capítulo, especificamente, iremos fazer a análise do tema da qualidade

da educação utilizado no documento do plano, tentando fazer o exercício de

perceber se o emprego do tema foi reflexo de algum campo analisado ou se ele

diverge das categorias apreendidas até aqui.

Cabe aqui dizer que o segundo momento de elaboração do plano, em que é

dada entrada do Projeto de Lei (PL 8035/2010) no Congresso Nacional, aconteceu

no início em março de 2011 na Câmara dos Deputados, na qual foi criada uma

comissão especial para elaborar o parecer sobre o projeto. Com a abertura para

recebimento de emendas ao projeto, o prazo para a apresentação do parecer foi

sendo prorrogado sucessivas vezes, visto que o projeto recebeu 2.915 emendas.

Muitas destas emendas partiram também de entidades da sociedade civil ligadas à

educação, demonstrando que o debate não acontecia apenas no nível dos

parlamentares.

O deputado relator do projeto Ângelo Vanhoni apresentou seu parecer e,

consequente projeto substitutivo do PNE composto pelo texto da lei e o anexo

com o plano contendo as metas e estratégias. Este substitutivo foi aprovado na

comissão especial em 13 de junho de 2012. Como teve seu parecer reformulado,

também recebeu uma nova aprovação em 26 de junho de 2012, quando passou

para o Senado, especificamente para a Comissão de Assuntos Econômicos e para

a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Foi aprovado nesta casa em 25

de setembro de 2013 com alterações e, por isso, foi encaminhado para a Comissão

de Educação, Cultura e Esporte na Câmara dos Deputados. Depois de tantas idas e

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vindas dentro Congresso Nacional, o plano recebeu aprovação no dia 3 de junho

de 2014, sendo sancionado pela Presidente da República em 25 de junho e

publicado no Diário Oficial da União no dia 26 de junho do mesmo ano, sob o

número de Lei 13005/2014.

Desta forma, podemos resumir o processo de elaboração e tramitação do

PNE 2014-2024 no quadro abaixo:

Quadro 9: Processo de Elaboração do Pne 2014-2024

1º momento (Sociedade Civil)

2004-2008 Avaliações do PNE 2001-2011

2009 Contribuições do CNE 2010 CONAE Documento-Referência

2º momento (Congresso Nacional)

2011 Projeto de Lei 8035/2010 na Câmara dos Deputados 2012 Apresentação do parecer e aprovação do substitutivo e encaminhamento

ao Senado. 2013 Aprovação do projeto no Senado com alterações e encaminhamento

novamente à Câmara. 2014 Aprovação do novo PNE 2014-2024 - Lei 13005/2014

Fonte: SAVIANI, 2014

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

6.1 O PNE: Metas e Estratégias

O Plano Nacional de Educação aprovado em junho de 2014, pela Lei

13.005/2014, é composto de duas partes. A primeira parte é o texto da lei e possui

14 artigos. A segunda parte é composta pelo anexo da lei que contempla as metas

e estratégias do Plano Nacional de Educação. De forma geral, veremos

brevemente o conteúdo de cada uma das partes da Lei 13.005/2014.

O artigo 1º deixa claro que o plano é o cumprimento do disposto no artigo

214 da Constituição Federal. No artigo 2º nos deparamos com as diretrizes do

Plano Nacional, as mesmas previstas no artigo 214 da Constituição, acrescidas de

mais quatro, que são:

III − superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; VI − promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; IX − valorização dos (as) profissionais da educação;

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X − promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental. (BRASIL, 2014 - PNE).

Nos artigos 3º e 4º são sinalizados o prazo de execução das metas e as

pesquisas de natureza estatísticas como referência para as metas.

O artigo 5º define as instituições responsáveis pelo monitoramento e

avaliação das metas, assim como sua publicação.

O artigo 6º trata de algumas atribuições do Fórum Nacional de Educação,

dentre elas a coordenação de conferências nacionais a cada dois anos. O artigo 7º

prevê o regime de colaboração entre os entes federados visando o alcance das

metas. O artigo 8º define que Estados, Distrito Federal e Municípios também

elaborem seus respectivos planos de educação.

O artigo 9º institui que entes federados aprovem leis específicas para seus

respectivos sistemas de ensino, normatizando a gestão democrática dos mesmos.

O artigo 10 estabelece que o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os

orçamentos anuais de cada ente federativo assegurem orçamentos compatíveis

com as metas estipuladas pelo PNE.

O artigo 11 define o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

(Saeb) como fonte de informação para avaliação da qualidade da educação e para

orientação de políticas públicas.

No artigo 12 estabelece que até o final do primeiro semestre de 2023 seja

encaminhado ao Congresso Nacional o projeto de lei do novo PNE para vigorar

no período subsequente.

O Sistema Nacional de Educação deverá ser instituído, através de lei

específica até 2016 para viabilizar a articulação entre os sistemas de ensino, de

acordo com o artigo 13 do plano. O artigo 14 determina que a Lei 13.005/2014

entrou em vigor na data de sua publicação, especificamente em 26/06/2014.

Já na segunda parte encontramos o anexo, nele, especificamente, se

encontram as metas e as estratégias. O plano possui 20 metas e cada uma contém

as estratégias para alcançar a meta estabelecida.

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Quadro 10 - PNE: Metas e Estratégias META ASSUNTO ESTRATÉGIAS

1 Educação Infantil 17 2 Ensino Fundamental 13 3 Ensino Médio 14 4 Educação Especial 19 5 Alfabetização 9 6 Educação Integral 9 7 Qualidade da Educação 36 8 Escolaridade Média 9 9 Alfabetização de adultos 12

10 EJA integrada à Ed. Profissional 11

11 Educação Profissional 14 12 Ensino Superior 21

13 Titulação dos docentes no Ensino Superior 9

14 Pós-graduação 15 15 Formação de Professores 13 16 Formação de Professores 6 17 Valorização do Professor 4 18 Plano de Carreira 8 19 Gestão Democrática 8 20 Financiamento 12

Fonte: BRASIL, 2014.

Nota: Informações trabalhadas pela autora.

As metas 1, 2 e 3 tratam especificamente dos níveis da Educação Básica:

Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. As metas 4,5,6,9 e 11

tratam das modalidades de ensino, e as demais metas abordam fatores de melhoria

da qualidade da educação.

A meta 1 trata da universalização da Educação Infantil para crianças de 4 e

5 anos e ampliação da oferta de toda a Educação Infantil. Em 2013, segundo

dados do Pnad17, 81,4% das crianças de 4 e 5 anos estavam na Educação Infantil.

A meta para 2016 é que a ampliação da oferta seja de 100%. Já as crianças de 0 a

3 anos de idade apenas 23,2% estavam na Educação Infantil em 2013. A meta

para o final da vigência do plano é que o número de matrículas seja ampliado para

50%.

A meta 2 trata da universalização do Ensino Fundamental de 9 anos e da

garantia de que 95% dos alunos concluam esta etapa na idade recomendada até o

último ano de vigência do plano. Em 2013, segundo dados do Pnad 2014, 98,4%

17 IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2014.

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das crianças de 6 a 14 anos estavam matriculadas no Ensino Fundamental, a meta

para 2024 é de 100%.

A meta 3 trata da universalização de todo o Ensino Médio até 2016, e

elevação da taxa líquida de matrículas para 85% até o último ano de vigência do

plano. De acordo com o Pnad, em 2013 havia 84,3% de alunos de 15 a 17 anos

matriculados no Ensino Médio, para a meta 3 esta porcentagem deverá chegar aos

100% em 2016.

A meta 4 trata da universalização do acesso à escola para a população de 4

a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades e superdotação.

A meta 5 objetiva que todas as crianças sejam alfabetizadas até o terceiro

ano de escolaridade do Ensino Fundamental. De acordo com o resultado da

Avaliação Nacional da Alfabetização18 (ANA) 2014, 77,8% das crianças do 3º

ano de escolaridade demonstraram uma boa aprendizagem em leitura, 65,5%

demonstraram boa aprendizagem na escrita e apenas 42,9% demonstraram boa

aprendizagem em Matemática.

A meta 6 aborda o tema da ampliação da oferta de educação de tempo

integral para, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender 25% dos

alunos da Educação Básica. De acordo com o site do Observatório do PNE19, em

2014, 42% das escolas públicas possuíam matrículas de tempo integral.

A meta 7 trata, especificamente, da qualidade da educação através da

melhora do fluxo escolar e da aprendizagem para atingir as médias nacionais

estipuladas para o Ideb. Nesta meta é possível perceber um número elevado de

estratégias se comparada às outras metas do plano, como podemos no quadro 10.

Pelo grande número das estratégias é possível perceber como a qualidade da

educação foi tema central desenvolvido para todas as etapas e modalidades da

educação nacional.

A meta 8 trata da elevação da escolaridade média da população de 18 a 29

anos de idade para alcançar, no mínimo, 12 anos de estudo no último ano de

vigência do plano para as populações mais prejudicadas socialmente, como os

negros e a população do campo, de modo a igualar a escolaridade média de negros

18 INEP. Avaliação Nacional da Alfabetização 2014. Brasília - DF, setembro 2015. 19 Consultar em: http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/6-educacao-integral

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e não negros. De acordo com os dados divulgados pelo Pnad 2014, a média dos

anos de estudo em 2013 para a população de 18 a 24 anos era de 9,8, como vimos

acima, a meta é chegar em 2024 com a média de 12 anos de estudos.

As metas 9 e 10 tratam da modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(EJA). A meta 9 se refere à elevação da taxa de alfabetização da população com

15 anos de idade ou mais para 93,5% até 2015, erradicar o analfabetismo absoluto

e reduzir para 50% o analfabetismo funcional até o último ano de vigência do

plano. De acordo com o site Observatório do PNE20, a taxa de alfabetização em

2013 era de 91,5% e a taxa de analfabetismo funcional era de 27% em 2013. É

uma meta muito importante para o país e audaciosa também. Resta saber se o

objetivo de elevar a taxa de alfabetização para 93,5% em 2015 foi alcançado.

A meta 10 se refere à integração da Educação de Jovens e Adultos à

Educação Profissional para, no mínimo, 25% das matrículas. Em 2013, apenas

0,4% das matrículas de EJA no Ensino Fundamental eram integradas à Educação

Profissional e na EJA no Ensino Médio apenas 3,3% possuíam integração, de

acordo com o Observatório do PNE21.

A meta 11 objetiva triplicar as matrículas de educação profissional técnica

de nível médio, assegurando a expansão em pelo menos 50% no segmento

público. De acordo com os dados do censo escolar22, em 2014, existiam 1.784.403

matrículas na Educação Profissional em todo o país.

As metas 12, 13 e 14 tratam do Ensino Superior. A meta 12 trata da

expansão de matrículas no ensino superior, 50% de elevação da taxa bruta e 33%

da taxa líquida, assegurando 40% de novas matrículas no setor público. A meta 13

define a elevação da qualidade no ensino superior através da ampliação da

formação de mestres e doutores, e a meta 14 objetiva elevar de forma gradativa o

número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de forma a atingir a

titulação anual de 60.000 mestres e 25.000 doutores.

As metas 15, 16, 17 e 18 se colocam na perspectiva da formação e

valorização dos profissionais da educação. A meta 15 trata da formação dos

professores, garantindo que os professores da Educação Básica tenham uma

formação de nível superior de licenciatura na área que atuam. A meta 16 também 20 http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/9-alfabetizacao-educacao-jovens-adultos 21 http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/10-eja-integrada-a-educacao-profissional 22 BRASIL, Portaria n.8 de 08/01/2015, Censo Escolar 2014.

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trata da formação dos professores e objetiva que 50% dos professores da

Educação Básica tenham formação de nível de pós-graduação até o último ano de

vigência do plano. A meta 17 trata da valorização dos profissionais do magistério

e objetiva que até o ano de 2019, seja equiparado o rendimento médio destes com

dos demais profissionais com escolaridade equivalente. A meta 18 estabelece, no

prazo de 2 anos, a formulação de planos de carreira tanto para profissionais da

Educação Básica quanto do Ensino Superior públicos; tomando como referência o

piso salarial nacional para o plano de carreira dos profissionais da Educação

Básica pública.

A meta 19 determina que, no prazo de 2 anos, sejam garantidas condições

para a efetivação da gestão democrática da educação, associada à critérios

técnicos de mérito e desempenho, além da consulta pública à comunidade escolar.

A última meta do plano, a meta 20, trata da ampliação do financiamento da

educação, de forma a atingir 7% do Produto Interno Bruto (PIB) no quinto ano de

vigência do plano e 10% no último ano de vigência.

De forma sucinta, este é o conteúdo do novo Plano Nacional de Educação

aprovado em 2014. Na próxima seção, veremos que não foi sem dissenso a

aprovação do texto final.

6.2 Temas em Disputa

É interessante perceber que o PNE passou por grandes transformações e

disputas de concepções até chegar ao texto final aprovado em 3 de junho de 2014.

No Inciso III do artigo 2º, destacamos um aspecto da disputa por concepções em

torno do qual grupos antagônicos, e dentre eles a bancada cristã de alguns partidos

políticos (PMDB, PSDB, PSC)23, exigiam, por um lado, que esta diretriz

recebesse a seguinte redação “Superação das desigualdades educacionais, com

ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de

discriminação”, substituindo, o texto inicial, que se apresentava da seguinte

forma: “Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da

igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. A primeira

23 PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), PSC (Partido Social Cristão).

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versão foi a mais votada, o que deixou claro o posicionamento do tipo de

educação e de ideologia que se pretende para o país, a que tenta suprimir as reais

diferenças presentes no contexto escolar.

Outro ponto de debate foi o tema do investimento, que plasmou o que pode

ser considerado um grande retrocesso, na inclusão do §4º do artigo 5º, segundo o

qual,

O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal. (BRASIL, 2014, § 4º, art. 5º).

Neste parágrafo, acrescentado ao texto do plano pelo Senado, inclui nos

gastos com a educação pública os programas que beneficiam diretamente o setor

privado, como o FIES24, ProUni25, e Pronatec26. Este também foi um ponto

polêmico da discussão, e o DEM27 e outros grupos da sociedade tentaram retirá-

lo. Entretanto, o texto foi aprovado com este parágrafo, o que quer dizer que,

apesar do avanço em relação ao financiamento da educação, que deverá chegar a

10% do PIB ao final da vigência do plano, acabamos perdendo, ao incluir estes

programas no gasto com a educação.

Na meta 4, encontramos outro fator de disputa durante a tramitação do

Plano no Congresso. O texto aprovado diz o seguinte:

Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014) (grifo nosso).

24 Fundo de Financiamento Estudantil. 25 Programa Universidade para Todos. 26 Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. 27 Democratas

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Nesta meta, a disputa residia basicamente na retirada ou manutenção da

palavra “preferencialmente”. A retirada desta palavra do texto se traduziria na

extinção de institutos especializados como as que conhecemos e todos os alunos

com necessidades educativas especiais deveriam ser matriculados na rede regular

de acordo com a concepção de escola inclusiva. Entretanto, a palavra foi mantida,

o que significou a coexistência da inclusão da rede regular com os institutos

especializados.

A meta 5 também foi objeto de disputa entre políticos do Partido Popular

Socialista (PPS) e Entidades/Organizações ligadas à educação, pois o texto

inicialmente enviado à Câmara previa a alfabetização de todas as crianças até o

segundo ano. O PPS defendia que a meta tivesse um caráter progressivo, ou seja,

que definisse a alfabetização até o terceiro ano para, progressivamente, reduzir o

tempo para o primeiro ano de escolaridade. Sem dúvida, nesta discussão, está

presente a experiência dos ciclos de aprendizagem, que compreende o primeiro

ciclo (três anos) como ciclo da alfabetização. Corrobora com esta questão o Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), já implantado em alguns

municípios antes da aprovação do plano, e que também opera com a ideia do ciclo

de alfabetização. Este conceito possibilita que mais crianças sejam alfabetizadas,

respeitando seu tempo de aprendizagem, sem ter a necessidade de aprovar ou

reprovar dentro deste período.

É importante destacar que, na estratégia 36 da meta 7, há outro fator de

debate referente a estímulos financeiros a serem destinados às unidades escolares

que obtiverem melhora no Ideb. Neste caso, é bom lembrar que tratamos do tema

quando abordamos o documento final da Conae 2010, especificamente o eixo IV,

que trata da valorização dos profissionais da educação. O documento da Conae

2010 adverte:

A construção da autonomia intelectual dos/das professores/as para um exercício mais qualificado não é algo para ser resolvido por meio de punição ou de premiação. (...) Vale enfatizar que a avaliação pedagógica dos profissionais da educação (na perspectiva de superação de suas dificuldades, de continuidade de sua formação e da consequente melhoria do desempenho discente) apresenta-se como instrumento de valorização profissional e aprimoramento da qualidade social da educação. Dessa forma, não se pode atrelar a avaliação de desempenho discente a políticas de promoção salarial (CONAE, 2010, p. 97-98).

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Entretanto, a estratégia 36 da meta 7 consagra as políticas de bonificação

vigentes em sistemas de ensino estaduais e municipais, o que nos faz indagar se a

política educacional para a melhora da qualidade presente no plano se equipara às

ações empresarias de meritocracia descritas por Gentili (1995). Referimo-nos à dinâmica segundo a qual os debates acerca da qualidade da educação foram assumindo a fisionomia que esta discussão possui no âmbito empresarial, não se diferenciando assim da lógica produtivista e mercantil que caracteriza os critérios segundo os quais é medida e avaliada a qualidade no mundo dos negócios. (GENTILLI, 1995, p. 126).

Como se vê, algumas questões tornaram-se polêmicas durante a tramitação

do documento no Congresso Nacional. De um lado, isto pode ser visto

positivamente, já que demonstra a possibilidade da discussão das ideias, por outro

lado, demonstra os antagonismos presentes no campo da educação e seus reflexos

no planejamento da educação nacional.

Na próxima seção, discutimos como é tratado o tema da qualidade neste

novo plano.

6.3 O Tema da Qualidade no PNE

Do todo exposto, nos chama a atenção para o número de estratégias

estipuladas para cada meta, como pode ser visto no quadro 10. A meta 7 que trata

da melhora da qualidade da educação recebeu muitas mais estratégias (36) se

comparada com o número de estratégias definidas para as outras metas, o que nos

leva a perceber a relevância do tema da qualidade dentro do PNE. Não somente

isto, mas o plano, de forma geral, está tomado pela expressão qualidade da

educação. Só a palavra qualidade aparece no documento do plano 37 vezes. Ou

seja, não só a meta 7 - que é específica sobre a melhora da qualidade - ganhou um

destaque no documento, como todas as metas foram envolvidas de certa forma

pelo tema da qualidade da educação. Vejamos.

O tema da qualidade foi marcado na meta 1 - Educação Infantil - pelas

estratégias 1, 6 e 13. Em todas estas estratégias ficou estabelecido que tanto a

expansão das redes públicas de educação infantil, a avaliação deste segmento de

ensino e o atendimento educacional deverão respeitar o parâmetro nacional de

qualidade estabelecido.

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Tanto na meta 2 - Ensino Fundamental - quanto na meta 3 - Ensino Médio -

o tema da qualidade se faz presente na estratégia 11 e 12, respectivamente,

quando são estabelecidas formas alternativas de atendimento no ensino

fundamental e médio para filhos de profissionais de atividades itinerantes, com

garantia da qualidade. Ou seja, independente do formato de atendimento, neste

deve estar garantida a qualidade do ensino.

O tema da qualidade também está presente na meta 4 - Educação Especial -

na estratégia 14, que estabelece a necessidade de definição de indicadores de

qualidade e de uma política de avaliação e supervisão para o funcionamento das

instituições que fazem atendimento a alunos com deficiência, transtornos globais

do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação.

Na meta 7 - Qualidade da Educação - como era de se esperar, o tema da

qualidade aparece já no caput da meta, Meta 7: fomentar a qualidade da educação

básica em todas as etapas e modalidades, [...] (BRASIL, 2014, meta 7). Depois,

na estratégia 4, o tema da qualidade aparece aliado à autoavaliação institucional

por meio da constituição de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões

a serem fortalecidas, dentre elas a melhora contínua da qualidade. Na estratégia 5,

estabelece a formalização e execução do PAR (Plano de Ações Articuladas do

Plano de Metas) para o cumprimento das metas de qualidade estabelecidas.

Na estratégia 7 objetiva-se aprimorar os instrumentos de avaliação da

qualidade do ensino fundamental e médio para incorporar o ensino de ciências nas

provas do ensino fundamental, além de incorporar o Enem ao Saeb. A estratégia

8, visa desenvolver indicadores de avaliação da qualidade da educação especial e

da qualidade da educação bilíngue para surdos.

A estratégia 21 estabelece que a União, em regime de colaboração com os

entes federados, estabelecerá, até 2016, parâmetros mínimos de qualidade dos

serviços da educação básica que servirão de referência para infraestrutura das

escolas, assim como instrumento de adoção de medidas para a melhoria da

qualidade.

Na estratégia 29 é prevista a articulação da área da saúde, trabalho,

assistência social, esporte e cultura com a área da educação para possibilitar

criação de rede de apoio às famílias, como condição para a melhoria da qualidade

da educação. Neste aspecto, apesar de não classificar a qualidade como social, o

plano prevê, além do investimento na melhoria dos serviços educacionais, a

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melhora em aspectos sociais que influenciam diretamente na aprendizagem dos

estudantes, reconhecendo que não é possível ter qualidade apenas dentro da

escola.

Outra condição para a melhora da qualidade, de acordo com a estratégia 31,

são as ações voltadas para a promoção, prevenção, atenção e atendimento à saúde

e integridade física, mental e emocional dos profissionais da educação. Para

encerrar o tema da qualidade, na meta 7, a estratégia 35 estabelece a promoção e

regulação da oferta privada de educação básica, de modo a garantir a qualidade e

o cumprimento da função social.

Posterior a isto, o tema da qualidade reaparece na meta 11, que estabelece,

ainda no caput, a seguridade da qualidade com a expansão do número de

matrículas da educação profissional técnica de nível médio. Na estratégia 3, volta-

se a falar da necessidade de assegurar o padrão de qualidade com a expansão da

oferta de educação profissional na modalidade de educação a distância. A

estratégia 8, por sua vez, objetiva institucionalizar sistema de avaliação da

qualidade da educação profissional técnica de nível médio tanto de redes públicas,

como das redes privadas.

Novamente o tema da qualidade aliado à expansão da oferta se faz presente

no caput da meta 12, que trata da expansão de matrículas na educação superior.

Na estratégia 18, a qualidade da educação básica deve ser considerada na adesão

de programa de reestruturação do Governo Federal com instituições de educação

superior estaduais e municipais, para fins de estímulo à expansão e reestruturação

das instituições. Na estratégia 19, a qualidade aparece nas decisões e

procedimentos adotados na avaliação, regulação e supervisão dos processos de

autorização, reconhecimento, renovação, credenciamento e recredenciamento de

cursos e instituições da educação superior.

Na meta 13 - Titulação dos docentes no ensino superior - o objetivo é

elevar a qualidade da educação superior, ampliando a proporção de mestres e

doutores do seu corpo docente. A estratégia 4 busca promover a melhora da

qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas através de uma avaliação

específica aprovada pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior

(CONAES). A estratégia 15 visa a elevar a qualidade das universidades, através

da promoção de pesquisa institucionalizada articulada a programas de pós-

graduação stricto sensu.

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Na meta 20 - Financiamento - a estratégia 1 estabelece garantir fontes de

financiamento permanentes e sustentáveis para todos os níveis, etapas e

modalidades da educação básica com o objetivo de atendimento de suas demandas

educacionais à luz do padrão de qualidade nacional. Ou seja, o financiamento

objetiva, antes de tudo, favorecer o atendimento de qualidade do ensino.

As estratégias 6, 7, 8 e 10 tratam da implantação do Custo Aluno Qualidade

(CAQ) e Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi). No prazo de dois anos, deverá

ser implantado o CAQi, um conjunto de padrões mínimos estabelecidos na

legislação educacional, e seu financiamento será calculado com base nos insumos

indispensáveis. O objetivo é que este cálculo seja progressivamente reajustado até

a implantação do CAQ, que será definido no prazo de três anos, utilizado como

parâmetro para o financiamento da educação básica, com base no cálculo e

acompanhamento regular dos indicadores de gastos. Tais indicadores, dizem

respeito, à qualificação e remuneração dos profissionais da educação, aquisição,

manutenção, construção, conservação, aquisição de material didático, alimentação

e transporte escolar. A União deverá complementar os recursos financeiros de

Estados, Distrito Federal e Municípios que não conseguirem atingir o valor do

CAQi e do CAQ.

Para encerrar o tema da qualidade presente no texto do PNE, a estratégia 11

objetiva aprovar, no prazo de um ano - prazo este que não foi cumprido – a Lei de

Responsabilidade Educacional que assegure o padrão de qualidade na educação

básica.

Diante do exposto, podemos nos perguntar: que relação existe entre o tema

da qualidade expresso no documento do plano e a qualidade defendida por

documentos e autores estudados nos capítulos anteriores?

6.4. As Noções de Qualidade de Educação Presentes no PNE 2014

De forma geral, foi possível perceber no PNE algumas das categorias

presentes nas analises anteriores, tais como: qualidade como um direito social

(quantidade e qualidade), indicadores e parâmetros de qualidade, valorização e

formação dos professores, qualidade social, gestão, Lei de Responsabilidade

Educacional, PAR, avaliação, regulação, financiamento e CAQi.

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Nas metas 2, 3, 11 e 12, ao falar sobre um atendimento educacional

diferenciado, e sobre a expansão de vagas na educação profissional e superior, o

plano registra com clareza que a qualidade da educação deve ser assegurada. Isto

significa que não existe qualidade se não for para todos, ou seja, a qualidade é um

direito social, o que significa que é necessário garantir a qualidade na expansão e

diversificação do atendimento para alcançar aqueles que estão à margem do

processo educacional. Trata-se da unidade (da qualidade) na diversidade (do

atendimento educacional).

Outra categoria importante é a categoria parâmetro. Essa categoria foi

bastante discutida no documento da Conae 2010 por se entender que, em um país

tão diversificado como o Brasil, falar em padrão único nacional, como

estabelecido pela Constituição Federal e pela LDB, se torna uma tarefa difícil, já

que "padrão" pressupõe um único modelo a ser seguido. A substituição pela

expressão parâmetro introduz o sentido de referência que deve ser considerada ao

fazer o julgamento de uma determinada situação educacional, e por meio da qual é

possível estabelecer comparações entre metas propostas e atingidas. Desta forma,

desde a Conae, ficou convencionado a adoção do termo parâmetro de qualidade e

não mais padrão de qualidade, embora este último termo não tenha sido

totalmente descartado.

O texto do PNE trata da categoria parâmetro na meta 1 (estratégias 1, 6 e

13), na meta 7 (estratégia 21) e na meta 20 (nas estratégias que tratam do CAQ e

CAQi). A categoria parâmetro de qualidade é assinalada no texto do PNE ao tratar

da expansão, avaliação e atendimento da educação infantil, infraestrutura e adoção

de medidas para melhora da qualidade e na elaboração Custo Aluno Qualidade

(inicial). Isto quer dizer que a busca por um parâmetro nacional de qualidade,

tanto na Conae como no PNE, expressa a busca pela unidade na qualidade do

atendimento da educação no território nacional. Segundo o texto da Conae,

Ainda no contexto da organização nacional, a implantação do Sistema Nacional de Educação, desenvolvido sob o regime de colaboração, precisará enfrentar uma discussão há muito delineada no cenário educacional, que, de alguma forma, busca garantir a unidade no atendimento de qualidade por meio dos mesmos parâmetros, nas diversas instituições educativas públicas, sejam elas federais, estaduais, do DF ou municipais. (CONAE, 2010, p. 27).

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Tendo estabelecido um parâmetro nacional de qualidade, fica mais fácil a

tarefa de pensar em indicadores para avaliar se esse parâmetro está sendo atendido

pelos diferentes entes federativos e pelas diferentes instituições de ensino. A

categoria indicadores aparece também nos dois campos anteriormente analisados:

o social e o estatal e está alinhada com a articulação entre parâmetros, indicadores

e avaliação apresentada por Gadotti (2013), para quem, Há necessidade de se estabelecer padrões de qualidade do ensino-aprendizagem, há necessidade de mensuração da eficiência e da eficácia dos sistemas educativos, mas, para se chegar a resultados concretos em educação, um grande conjunto de indicadores da qualidade devem ser levados em conta. (GADOTTI, 2013, p.10).

No texto do PNE a categoria indicadores surge na meta 4 (estratégia 14) e

na meta 7 (estratégia 8). Nas duas estratégias, a definição de indicadores está

aliada à política de avaliação e supervisão da educação especial, o que comprova a

relação especificada acima.

Já a categoria avaliação, também presente nos dois campos anteriormente

analisados, aparece de forma recorrente ao longo do texto do PNE. A avaliação

aliada ao tema da qualidade surge na meta 1, quando se prevê um sistema de

avaliação da educação infantil; na meta 4 com a política de avaliação e supervisão

de instituições de atendimento a alunos com necessidades educativas especiais;

na estratégia 7 da meta 7, quando trata do aprimoramento dos instrumentos de

avaliação do ensino fundamental e médio, com a incorporação da disciplina de

ciências nas avaliações e com a inclusão do Enem no Saeb. A categoria avaliação

aliada ao tema da qualidade também aparece na estratégia 8 da meta 11, que prevê

um sistema que avalie a educação profissional técnica de nível médio. Na

estratégia 4 da meta 13, o PNE também busca promover a melhora na qualidade

dos cursos de pedagogia através da avaliação.

Como é possível notar, a avaliação ganha destaque quando aliada ao tema

da qualidade, corroborando a forte relação entre as categorias parâmetro,

indicadores e avaliação. Para Cury (2010), O padrão de qualidade, exigido em lei, sem abdicar de outros fatores, aponta significativamente para o ensino de qualidade cujo patamar de curto prazo deve ser um padrão mínimo de qualidade. Pela mediação da avaliação institucionalizada em sistema nacional, de melhoria em melhoria, deverá ir se aprimorando e enriquecendo a qualidade do ensino em vista do pleno desenvolvimento da pessoa,

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seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CURY, 2010, p. 21).

Há outras convergências entre o texto final da Conae 2010, o PDE e o PNE

2014, quando estes documentos postulam, assim como Cury (2010), que pela

mediação da avaliação institucionalizada, o ensino poderá gradativamente

melhorar até chegar ao parâmetro de qualidade estabelecido. Daí, tamanha ênfase

em políticas de avaliação.

A avaliação institucional e a regulação também são categorias presentes no

PNE 2014, na meta 4, que prevê a avaliação e supervisão das instituições voltadas

para o atendimento a estudantes com necessidades educativas especiais, na

estratégia 4 e 5 da meta 7, que prevê a autoavaliação institucional e o PAR para o

cumprimento de metas de qualidade. E novamente, ainda, na estratégia 19 da meta

12, que prevê a regulação e avaliação de cursos e instituições de educação

superior.

Apesar de a categoria regulação não ter surgido nas análises anteriores, ela

está fortemente associada à categoria da responsabilização pontuada pelo PDE

(BRASIL, 2008, p. 25) e pelo Plano de Metas. Prestação de contas,

responsabilização e avaliação constituem o tripé da accountability, um tipo de

política que permite ao estado exercer seu papel regulador.

A valorização e formação dos professores também foi uma categoria

explorada nas análises anteriores e pontuada no PNE. De acordo com Dourado,

Oliveira e Santos (2007),

De modo geral, [...], estudos e pesquisas (UNESCO, 2002; INEP, 2004; NÓVOA, 1999) chamam a atenção para a constatação de que as escolas eficazes ou escolas de boa qualidade possuem um quadro de profissionais qualificados e compromissados com a aprendizagem dos alunos. Nesses estudos, há uma relação direta entre a adequada e boa formação dos profissionais e o melhor desempenho dos alunos. Ou seja, a qualificação docente é vista como uma importante variável no processo de efetivação do desempenho dos estudantes e, consequentemente, na garantia de uma educação de qualidade. (DOURADO et. al., 2007, p. 25).

Da mesma forma, o PNE reconhece a formação e valorização dos

professores como condição da melhora da qualidade da educação e isto fica claro

na estratégia 31 da meta 7, que estabelece ações voltadas para a promoção,

prevenção, atenção e atendimento à saúde e integridade física, mental e emocional

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dos profissionais da educação, além de outras estratégias de formação e

valorização descritas nas metas 16 e 17.

A categoria qualidade mais associada à dimensão social, presente nas

análises dos campos social e estatal, também está presente no PNE, através da

estratégia 29 da meta 7. Apesar de não ser utilizado o termo qualidade social, a

estratégia pode ser compreendida desta forma por pretender ensejar ações sociais

que possam garantir a permanência do estudante na escola e, assim, propiciar seu

sucesso escolar. Isto significa não apenas qualidade escolar, mas também

qualidade social da educação por possibilitar a diversidade, a inclusão e o sucesso

acadêmico. Nas palavras de Dourado, Oliveira e Santos (2007),

[...], a criação de condições, dimensões e fatores para a oferta de um ensino de qualidade social também esbarram em uma realidade marcada pela desigualdade sócio-econômica-cultural das regiões, localidades, segmentos sociais e dos sujeitos envolvidos, sobretudo dos atuais sujeitos-usuários da escola pública, o que exige o reconhecimento de que a qualidade da escola seja uma qualidade social [...]. (DOURADO et. al., 2007, p. 13).

Desta forma, o PNE vislumbra ações voltadas para a superação das

desigualdades, como pode ser visto não somente na estratégia 29 da meta 7, mas

também ao longo da meta 8 que trata da escolaridade média da população.

Outra categoria presente no PNE e no campo social analisado anteriormente

é o financiamento e o CAQi. Para Dourado, Oliveira e Santos (2007), “o

compromisso com a qualidade do processo ensino-aprendizagem inclui,

certamente, o financiamento das escolas, materializado pelo custo-aluno ano”

(DOURADO et. al., 2007, p. 18).

O PNE prevê para a melhora da qualidade da educação um financiamento

inicial de 7% do PIB até chegar progressivamente a 10% em 2024, através do

CAQi e, posteriormente, do CAQ.

A Lei de Responsabilidade Educacional (LRE) também foi uma categoria

citada pela Conae (2010) e pelo PNE 2014 na estratégia 11 da meta 20. A LRE

constitui ato normativo dentro da responsabilização pela educação de qualidade.

Cabe sinalizar que existia uma previsão de aprovar a Lei de Responsabilidade

Educacional no prazo de um ano, ou seja, até junho de 2015. E como podemos

constatar, tal prazo não foi cumprido.

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O quadro abaixo nos permite visualizar as características da qualidade que

se convergem entre o campo social e o PNE.

Quadro 11: Mapeamento das categorias específicas e convergentes nos

documentos analisados CATEGORIAS SOCIAL ESTATAL PNE 2014

Conceito Histórico Fenômeno Complexo Dimensão Política Direito Social Qualidade Social Dimensões Parâmetro Indicadores Avaliação Financiamento Valorização e Formação dos Professores

Gestão Democrática Lei de Responsabilidade Educacional

Avaliação dos Profissionais da Educação

CAQi Responsabilização Fonte: Elaboração própria.

Como mostra o quadro 11, podemos dizer, basicamente, que as categorias

relacionadas ao tema da qualidade da educação que estiveram presentes nos dois

campos analisados, o social e o estatal, e permaneceram no texto do PNE 2014

foram as seguintes: qualidade social, qualidade como um direito, indicadores,

avaliação, financiamento, valorização e formação dos professores e gestão. São

estas categorias que constituem as convergências existentes entre campos e

autores distintos.

A qualidade como direito de todos foi uma unanimidade entre os campos

analisados. A qualidade educacional talvez seja, junto com o acesso, a faceta mais

universal do direito à Educação Básica. No PNE 2014, essa visão se expressa no

registro de que a expansão e a universalização da educação infantil, do ensino

fundamental e do ensino médio devem atingir com qualidade a toda a população

envolvida nesse direito. Nessa mesma perspectiva, a concepção de qualidade

presente no plano encontra-se associada a uma proposta de inclusão social, como

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denota o entendimento que fatores sociais interferem na qualidade do ensino e

demandam estratégias específicas para sua efetivação.

O tema das dimensões (estratégias) a serem adotadas para o alcance da

qualidade também pode ser considerado um tema convergente entre os campos em

análise, que envolve tópicos como a avaliação, o financiamento, a formação e

valorização dos professores e a gestão democrática.

Por um lado, tais concepções e dimensões (estratégias) nos permitem

considerar que o tema da qualidade presente no PNE 2014 levou em conta muitas

das concepções e interpretações defendidas pelos acadêmicos, pela Conae 2010 e

pelo Ministério da Educação.

Por outro lado, o quadro 11 mostra que também há aspectos da qualidade

observados pelos autores acadêmicos que estão ausentes no texto final do PNE,

como, por exemplo, a qualidade como dimensão política (GENTILI, 1995;

OLIVEIRA e Araújo, 2005; DOURADO, OLIVEIRA e SANTOS, 2007;

GADOTTI, 2013) e como um conceito histórico (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005;

DOURADO, OLIVEIRA e SANTOS, 2007); a complexidade (DOURADO,

OLIVERIA e SANTOS, 2007; CURY, 2010; GADOTTI, 2013) e polissemia do

tema da qualidade (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005; DOURADO, OLIVEIRA e

SANTOS, 2007; CURY, 2010; GADOTTI, 2013); e as ameaças à qualidade

(GADOTTI, 2013). No entanto, é necessário ressaltar que muitos desses aspectos

foram desenvolvidos pelo campo acadêmico para tratar mais especificamente da

historicidade do tema, abordagem que não parece pertinente em um documento

voltado ao planejamento de ações e estratégias educacionais, como é o caso do

PNE. Ao mesmo tempo, outras dimensões, como participação ativa dos sujeitos,

controle social, apesar de não aparecerem nomeadas dessa forma no texto do

PNE, não deixaram de fazer parte das estratégias apresentadas para o alcance de

metas do plano. Pode-se dizer que são dimensões mais presentes no espírito do

que na letra do texto do PNE.

Por fim, o quadro 11 mostra que outras categorias marcaram presença no

texto final do PNE 2014. Este é o caso das dimensões: parâmetro, Lei de

Responsabilidade Educacional, avaliação dos profissionais da educação, CAQi e

responsabilização, que, à diferença do documento produzido pelo campo social

ou estatal, tiveram uma presença mais pontual no PNE, fazendo com que, neste

caso, esses temas não guardem ampla convergência com o tratamento recebido

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seja no âmbito da Coane, seja no conjunto de textos dos autores de referência

analisados ou do próprio Estado.

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7. Conclusões

Esta pesquisa mostrou que a discussão do tema da qualidade da educação

esteve presente na elaboração do planejamento educacional do país, sendo

possível sua verificação já no Manifesto dos Pioneiros até os dias atuais. Mostrou,

também, que o significado da qualidade da educação variou em razão das

orientações dadas às políticas educacionais pelos diferentes governos nas

diferentes conjunturas nacionais que se sucederam ao longo do tempo, o que não

fez mais do que confirmar a complexidade do tema qualidade e sua natureza

polissêmica.

Da comparação dos sentidos que esse conceito assume nos campos social e

estatal, a partir das referências teóricas e conceituais apresentadas no capítulo 2,

foi possível depreender que a qualidade da educação tendeu a ser concebida como

um direito social que precisa ser garantido a todos, por meio de educação básica

universal e unificada em sua qualidade e diversificada e múltipla na sua oferta. A

compreensão da educação como um direito social se coloca na perspectiva de

superação das concepções elitistas da qualidade, que vêem nos diplomas escolares

um valor de distinção para determinada parcela da sociedade.

A comparação da visão de qualidade sustentada nesses dois campos permite

perceber, ainda, que há subjacente à concepção da qualidade da educação, o

entendimento de que essa qualidade pode e deve ser mensurada. Isso está

claramente expresso no documento da Conae 2010, no PNE e entre os autores de

referência da nossa pesquisa, a partir, fundamentalmente, de elementos tais como:

indicadores, parâmetro e dimensões. A noção de parâmetro remete, nos textos, à

ideia de uma referência de qualidade, cujo alcance deve ser monitorado. Disso

decorre, a adoção de um referencial de qualidade (um parâmetro), que incorpora

essa qualidade como um direito social à educação e, portanto, que procura levar

em conta, de forma articulada, dimensões extraescolares e intraescolares enquanto

componentes das desigualdades educacionais, que podem ser medidos e

monitorados por meio de indicadores de melhoria da qualidade.

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Essas questões dirigiram nosso olhar para as diferentes estratégias propostas

para se alcançar a qualidade e para aferir sua melhoria. Este é o caso dos temas

avaliação, Ideb, financiamento e CAQi, valorização e formação dos professores,

avaliação dos profissionais da educação, gestão, Lei de Responsabilidade

Educacional e responsabilização.

Na prática, as dimensões de qualidade dizem respeito, no novo plano, à

universalização da educação básica, expansão da educação superior, formação e

valorização dos professores, gestão democrática, educação inclusiva, combate ao

analfabetismo, alfabetização de toda população, aumento da escolaridade média

da população, educação integral, educação profissional e financiamento. Já o

parâmetro de qualidade, se traduz nas metas do Ideb, índice que já tinha sido

proposto pelo Ministério da Educação como indicador da qualidade educacional

brasileira (Decreto 6.094/2007, Cap. II, Art. 3º).

O tema do Ideb e sua presença no PNE se relacionam com outra dimensão

que esta pesquisa conseguiu iluminar. Trata-se do fato de o PNE se constituir

também a partir da incorporação no seu texto de uma série de políticas pré-

existentes, tais como aquelas presentes no PDE, por exemplo, e que inauguraram

uma nova fase nas políticas públicas educacionais no Brasil. Essa nova fase se

caracteriza pela expansão do papel das avaliações externas e do Ideb na

perspectiva de avaliação para o diagnóstico e monitoramento da qualidade da

educação.

O Ideb, peça central do PDE/Plano de Metas, e, atualmente, do PNE no

âmbito da Educação Básica, já foi considerado pelos estudos acadêmicos como

um instrumento perspectivado em políticas de accountability, uma vez que,

através dele, é possível estabelecer um parâmetro de avaliação, de prestação de

contas e de responsabilização. A adoção desse instrumento em escala nacional

para a Educação Básica envolve, por um lado, competição, expressa nos rankings

das escolas elaborados pela mídia e, por outro, a busca de promoção de equidade

pelo MEC, pela via da assistência técnica e financeira a escolas públicas que

concentram alunos com maior defasagem idade série e pior desempenho nas

avaliações nacionais.

Já quando se trata de olhar para o tema da qualidade na perspectiva da

accountability é possível dizer que, diferentemente da perspectiva diagnóstica

conferida à avaliação nas metas e estratégias do PNE, o tema da responsabilização

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é tratado de forma propositiva e explícita, mas de forma pontual, na estratégia 36

da Meta 7, que objetiva “estabelecer políticas de estímulo às escolas de Educação

Básica que melhorem o desempenho no Ideb, de modo a valorizar o mérito do

corpo docente, da direção e da comunidade escolar”.

A partir deste estudo, podemos concluir, a modo de síntese, que o PNE 2014

incorporou boa parte das concepções de qualidade produzidas no âmbito

acadêmico e da sociedade civil e que tipicamente se articulam à defesa da

qualidade da educação como um direito social. Incorporou também políticas e

propostas do governo federal já em curso no campo educacional, que envolvem

metas para a melhoria da Educação Básica e a adoção das avaliações nacionais em

larga escala, que se expressaram em indicadores, parâmetros e estratégias

comprometidas com o diagnóstico e o monitoramento do desenvolvimento dessa

qualidade.

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8. Referências bibliográficas

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