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Bruno Latour CIÊNCIA EM AÇÃO Como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora Editora UNESP 2000

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Page 1: Ciência em ação - Bruno Latour

Bruno Latour

CIÊNCIA EM AÇÃOComo seguir cientistas e engenheiros sociedade

afora

Editora UNESP2000

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Introdução Abrindo a caixa-preta de Pandora• Nossa entrada no mundo da ciência e da

tecnologia será pela porta de trás, a da ciência em construção, e não pela entrada mais grandiosa da ciência acabada.

• A ciência em construção é o lugar das controvérsias e onde as caixas-pretas ainda não se constituíram. Quando estas se encerram definem-se as caixas-pretas ou pontos de partida para os desenvolvimentos seguintes. Como isto acontece?

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Regras metodológicas

• Entraremos em fatos e máquinas enquanto estão em construção; não levaremos conosco preconceitos relativos ao que constitui o saber; observaremos o fechamento das caixas-pretas tomando o cuidado de fazer a distinção entre duas explicações contraditórias desse fechamento, uma proferida depois dele, outra enquanto ele está sendo tentado.

• Não devemos procurar as qualidades intrínsecas de qualquer afirmação, mas sim todas as transformações por que ela passa mais tarde em mão alheias. (Para Latour, a construção de fatos e máquinas é um empreendimento coletivo e depende dos usuários posteriores)

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Parte I – Da retórica mais fraca à mais forte

Capítulo 1 – Literatura

• Parte A – Controvérsias• Parte B – Quando as controvérsias se inflamam, a

literatura se torna técnica• Parte C – Escrevendo textos que resistem aos

ataques de um ambiente hostil• Conclusão – Números, mais números

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Parte A – Controvérsias (1) Modalidades positiva e negativa

– Modalidades positivas: as sentenças que afastam o enunciado de suas condições de produção, fortalecendo-o suficientemente para tornar necessárias algumas outras consequências.

– Modalidades negativas: as sentenças que, ao contrário, levam um enunciado para a direção de suas condições de produção, e explicam com detalhes porque ele é forte ou fraco, em vez de usá-lo para tornar mais necessárias algumas outras consequências.

– (exs. p. 40/44)

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Parte A – Controvérsias (1) Modalidades positiva e negativa

• Uma sentença pode ser tornada mais fato ou mais ficção, dependendo da maneira como está inserida em outras. Por si mesma, uma sentença não é nem fato nem ficção; torna-se um ou outra mais tarde graças a outras sentenças.

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Parte A – Controvérsias (2) O aspecto coletivo da construção de fatos

• O status de uma afirmação depende das afirmações ulteriores. Seu grau de certeza é tornado mais ou menos, dependendo da sentença seguinte que a retomar; essa atribuição retrospectiva se repete na nova sentença, que, por sua vez, poderá ser tornada mais fato ou mais ficção por força de uma terceira, e assim por diante...

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Parte A – Controvérsias (2) O aspecto coletivo da construção de fatos• Comprar uma máquina sem questionar ou acreditar num

fato sem duvidar tem a mesma consequência: fortalece a situação do que está sendo comprado ou acreditado, robustece-o como caixa-preta.

• Desacreditar ou, digamos, “descomprar” uma máquina ou um fato é enfraquecer sua situação, interromper sua disseminação, reabrir a caixa-preta.

• Deixados à própria mercê, uma afirmação, uma máquina, um processo se perdem. Atentando apenas para eles, para suas propriedades internas, ninguém consegue decidir se são V ou F, eficientes ou não, caros ou baratos, fortes ou fracos.

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Parte B – Quando as controvérsias se inflamam, a literatura se torna técnica

• Quando nos aproximamos dos lugares onde são criados fatos e máquinas, entramos no meio das controvérsias. Quanto mais nos aproximamos, mais as coisas se tornam controversas.

• Quando nos dirigimos da vida “cotidiana” para a atividade científica, do homem comum para o de ciência, dos políticos para os especialistas, não nos dirigimos do barulho para o silêncio, da paixão para a razão, do calor para o frio. Vamos de controvérsias para mais controvérsias.

• A argumentação científico-tecnológica não ocorre após o fim das controvérsias; é parte da retórica utilizada nas disputas.

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Parte B – Auge das controvérsias(1) Arregimentando amigos

• Há sempre um ponto numa discussão em que os recursos próprios das pessoas envolvidas não são suficientes para abrir ou fechar uma caixa-preta. É necessário sair à cata de mais recursos em outros lugares e outros tempos.

• As pessoas começam a lançar mão de textos, arquivos, documentos e artigos para forçar os outros a transformar o que antes foi uma opinião num fato.

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Parte B – Auge das controvérsias (1) Arregimentando amigos

• A ciência não se distingue da retórica, é parte dela• A ciência moderna também faz uso do argumento de

autoridade (ao contrário do que pensavam pioneiros como Galileu)

• O adjetivo “científico” não é atribuído a textos isolados que sejam capazes de se opor à opinião das multidões por virtude de alguma misteriosa faculdade.

• Um documento se torna científico quando tem pretensão a deixar de ser algo isolado e quando as pessoas engajadas na sua publicação são numerosas e estão explicitamente indicadas no texto.

• Quem o lê é que fica isolado.

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Parte B – Auge das controvérsias(2) Reportando-se a textos anteriores

• A presença ou ausência de referências, citações e notas de rodapé é um sinal tão importante de que o documento é ou não sério, que um fato pode ser transformado em ficção ou uma ficção em fato apenas com o acréscimo ou a subtração de referências.

• Muitas vezes os artigos partem de verdades paradigmáticas que lhe dão sustentação.

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Parte B – Auge das controvérsiasEstratégia utilizada

• Faça tudo o que for necessário com a literatura anterior para torná-la o mais útil possível à tese que você vai defender. As regras são bastante simples e conhecidas por qualquer político experiente:– Enfraqueça os inimigos;– Paralise os que não puder enfraquecer;– Garanta comunicações seguras com aqueles que o

abastecem com dados inquestionáveis;– Obrigue os inimigos a brigarem uns com os outros;– Se você não tiver certeza de que vai ganhar, seja

humilde e faça declarações atenuadas.

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Parte B – Auge das controvérsias(3) Ser tomado como referência por textos posteriores

• Vimos antes que uma afirmação é fato ou ficção não por si mesma, mas apenas em virtude daquilo que outras sentenças fazem com ela depois. (p. 67)

• Nenhum artigo é suficientemente forte para calar as controvérsias. Por definição, nenhum fato é tão sólido que dispense apoio.

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Parte B – Auge das controvérsias(3) Ser tomado como referência por textos posteriores• Pior do que ser criticado é ser mal citado.• Pior ainda do que ser criticado ou mal citado é ser

ignorado.• A maioria dos artigos nunca é lida por ninguém. Seja

lá o que um artigo tenha feito com a literatura anterior, se ninguém mais fizer nada com ele, é como se ele nunca tivesse existido.

• A construção do fato é um processo tão coletivo que uma pessoa sozinha só constrói sonhos, alegações e sentimentos.

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Parte B – Auge das controvérsias(3) Ser tomado como referência por textos posteriores

• O que é um fato?– Um fato é algo que é retirado do centro das

controvérsias e coletivamente estabilizado quando a atividade dos textos ulteriores não consiste apenas em crítica ou deformação, mas também em ratificação.

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Parte B – Auge das controvérsias(3) Ser tomado como referência por textos posteriores

• O processo de consolidação de um fato (exs. nas págs. 72/73):– Estilização (simplificação da proposição original);– Conhecimento tácito (Quem cita o texto de

Lavoisier quando escreve H2O como fórmula de água?)

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Parte C – Escrevendo textos que resistem aos ataques de um ambiente hostil

(1) Os artigos se autofortalecem:– Os textos se tornam mais técnicos, mais difíceis de

ler;– Inserção dos referentes no texto por meio de

figuras, tabelas, gráficos.– A diferença entre um texto comum em prosa e um

documento técnico é a estratificação deste último. O texto é organizado em camadas (metodologia, resultados, discussão).

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Parte C – Escrevendo textos que resistem aos ataques de um ambiente hostil

• (1) Os artigos se autofortalecem:– Quem vai das camadas externas dos artigos para

as suas partes internas não está indo do argumento da autoridade para a Natureza, mas sim de autoridades para mais autoridades, de certo número de aliados e reforços para um número ainda maior deles.

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Parte C – Escrevendo textos que resistem aos ataques de um ambiente hostil

(2) Táticas de posicionamento– Empilhamento: do singular para o universal, cuidados com as

induções e com a forma como são apresentadas;– Encenação e enquadramento: definição clara do público-

alvo. O texto precisa deixar claro como e por quem deve ser lido facilitando a construção dos argumentos.• Embora se diga que a literatura técnica é impessoal, isso

está longe de acontecer.• A identificação do autor é importante porque cria a

contraparte imaginária do leitor; tem a capacidade de controlar como o leitor lê, reage e crê.

– Captação: direcionamento da leitura na direção do convencimento; da introdução à conclusão um controle sutil dos movimentos dos eventuais opositores.

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CONCLUSÃO

• Os textos científicos limitam o número de possíveis leituras a três tipos:– Desistência (grande maioria);– Adesão (reforça o fato);– Averiguação (na natureza ou no laboratório). Rara

e cara.

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CONCLUSÃO

• Retórica antiga: era desdenhada por mobilizar, a favor de um argumento, aliados externos como paixão, estilo, emoções, interesses, argumento da autoridade, etc.

• Retórica nova: recorre de uma forma muito mais intensa a estes fatores externos.

• Embora de início isso pareça contrariar o senso comum, quanto mais técnica e especializada é uma literatura, mais “social” ela se torna, pois aumenta o número de associações necessárias para isolar os leitores e forçá-los a aceitar uma afirmação como fato.

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FIM

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Jusante e montante

• Jusante– o sentido da correnteza num curso de água (da

nascente para a foz, que é o ponto de desaguamento de um rio, que pode ser feito no mar, numa lagoa ou em outro rio).

• Montante– Da foz para a nascente