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CARMEN LUCIA CORDEIRO
OS SONHOS A PARTIR DE SIGMUND FREUD
Monografia apresentada comorequisito parcial para obten<;Elo dotitulo de Especialista em Psicanalisecom CrianC;8s.Faculdade de Cienc;as Biol6gicas ede Saude. Curso de Psicologia.Universidade Tuiuti do Parana, sob aorienta9B10 da Professora Ora Mariade Souza.
CURITIBA
2001
SUMARIO
4
INTRODUGAO ..
o INiclo: DA PRATICA A TEORIA. ..
o PROCESSO ESSENCIAL: 0 SOFISTICADO TRABALHO DOS
SONHOS ..
SONHOS DE ANGUSTIA E PESADELOS: A TRANSPOSIGAo
DO ULTIMO OBSTAcULO .
ANALISE COMPLETA DE UM SONHO POR FREUD ..
CONCLUSAO .....
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS .....
13
26
30
36
39
INTRODU«AO
Em 1895 Freud descobriu 0 inconsciente apos a conclusao de que as sintomas
dos pacientes neur6ticos tern urn sentido; a partir dal fez urn estudo dos son has e dos
atos falhos, concluindo que tambem eles possuem urn senti do.
o inconsciente e urn saber do qual a sujeilo nada sabs; urn saber que 0
ultrapassa e determina 0 seu destin~.
As forma90es do inconsciente sao: os sonhos, os atos falhos, as chistes e as
sintomas.
A descoberta da manifestaryao do inconsciente atraves dos sintomas, S8 iniciou
com a observagao de pacientes histericas, que apresentavam paralisias nos membros.
Nenhum tratamento dera resultado ate 0 metoda pSicanalilico ser inventado e utilizado
por Freud.
A psicanalise trata, alraves da palavra, da fala do proprio sujeito, deixando que
seu inconsciente se manifeste livremente. Como suas pacientes Ihe narravam muitos
sonhos, Freud comeryou a se interessar par eles dedicando-se ao estudo do que eles
significavam e porque razao ocorriam.
o primeiro sonho que Freud interpretou, "0 sonho da injeqao de Irma", foi urn
sonho que ele mesmo tivera no dia 24 de julho de 1895.
Ao final do arduo trabalho de interpretaryao, ele encontrou a desejo aculta que
mativara 0 sanho, um desejo nao realizado que permanecera na seu incansciente.
Freud tambem estudou os atos falhos, descrevendo-os em seus detalhes e em
seus varios tipos: os lapsos de lingua, de escrita e de leitura; 0 esquecimento de
intenc;oes, de nomes proprios, de impressoes e experiencias; perdas e extravios e por
fim, os atos descuidados.
Freud explicou nao so como eles ocorrem, mas tambem porque eles ocorrem,
surgindo da concorrEmcia entre duas tendencias contraditorias entre si, que operam no
sujeito sem que ele saibe.
Fazendo compara90es entre os atos falhos e os sonhos, Freud se aprofundou
no estudo dos sonhos, chegando a conclusao de que eles sao fen6menos psiquicos,
que, utilizando os mesmos mecanismos que os atos falhos, revelam a cad a momento,
a indubitavel existencia do inconsciente no ser humano.
Neste trabalho, descreveremos 0 caminho seguido par Freud, na sua longa
trajetoria para descobrir de onde surgem as sonhos, os processos pelos quais sao
formados, para que servem os sonhos, ou seja, suas finalidades e 0 metodo criado por
Freud para interpreta-Ios.
o INicIO: DA PRATICA A TEORIA
Nos anos de 1880 a 1882, Josef Breuer, em seus estudos e tralamenlos de
pacientes neur6ticos, descobriu que as sintomas desses pacientes tern urn senti do.
Esses estudos e descobertas foram descritos por Freud em 1910 ("Cinco Li,~es de
Psicantllisej e em 1914 (A Hist6ria do Movimento Psicanalitico). Fai a partir des sa descoberta
que surgiu 0 metoda psicanalitico de tratamento.
Durante 0 tratamento desses pacientes, observou-se que, em vez de
apresentarem seus sintomas, eles apresentavam sonhos. Com isso surgiu a suspeita
de que as sonhos tambem teriam um sentido. Freud passou, entao, a S8 interessar pelo
estudo dos son has e mai5 tarde, chegaria a conclusao de que, assim como as atos
falhos, eles sao, tambem, urna formaC;8odo inconsciente.
Naquela epoca as sonhos nao foram bern aceitos como objeto de pesquisa, pelo
meio cientifico. Alias, havia ate um certo desprezo pelo assunto. Freud acreditava que
essa era uma reac;:ao contra a supervalorizac;:ao dos sonhos em epocas mais anti gas.
Todos as pavos da Antiguidade atribufam grande importimcia aos sonhos e achavam
que eles podiam ser usados para fins praticos. Procuravam nos sonhos sinais para ler
o futuro, achando que eles traziam mensagens e avisos sobre fatos e perigos que
viriam a acontecer.
Na Grecia e em outros parses orienta is, um interprete sempre acompanhava os
generais de guerra, a fim de interpretar os sonhos desses genera is, durante 0 perfodo
de batalhas. Os sonhos seriam capazes de revelar ate mesmo se eles chegariam a
vitoria ou nao, influenciando suas decis6es. Alexandre Magno, par exemplo, quando
tentava conquistar a cidade de Tiro, encontrou tanta resistencia contra seus ataques,
que pen sou em desistir. Quando, numa noite, sonhou com urn sabia que parecia
dan<;ar em triunfo, esse sonho foi interprelado como uma previsao de sua viloria
proxima, pelos seus interpretes de sonhos. Entao ele ordenou mais urn ataque a cidade
e conseguiu conquistar Tiro. Tambem entre as etruscos e remanos, a interpreta<;ao de
sonhos era muito praticada e altamente conceituada.
Mais tarde, a arte de interpretar sonhos deixou de ser praticada e os sonhos
cairam em descredito, passando para 0 nivel da superstiC;8o; 0 interesse par eles
sobreviveu apenas entre as classes sem instruc;ao.
No seculo XIX, os medicos consideravam os sonhos como atos nao psiquicos,
resultados de estfmulos somaticos se expressando na vida mental.
Muito antes disso, porem, Aristoteles considerava 0 sonho como vida mental
durante 0 sono, com certas semelhanlYas com a vida mental desperta, mas tam bern
com grandes diferen<;as.
o sono e urn estado no qual 0 interesse pelo mundo externo foi completamente
abandonado e a pessoa deseja se manter afastada de seus estimulos; a finalidade
parece entao ser, a descanso e a recuperac;ao, atraves da suspensao do interesse pelo
mundo.
Oesse modo, um sono sem sonhos parecia ser mais adequado para 0 descanso
das pessoas. Nao deveria existir nenhuma atividade menta! durante 0 sana, porem isto
parece impassive!. Os sonhos seriam os remanescentes dessa atividade mental,
perturbadora do sana. Mas porque a vida mental nao consegue dormir? Eo provavel que
exista algo que nao quer conceder paz a mente. Os esHmulos incidem sobre a mente
e ela reage a eles. Portanto, um sonho e 0 modo como a mente reage aos estfmulos
que a atingem no estado do sana. Freud partiu de diferentes sonhos seus e de seus
pacientes, tentando descobrir qual foi 0 estimulo que perturbou 0 sono, gerando 0
sonho como uma reacyao a esse estimulo.
As vezes as estfmulos perturbadores do sono vem de fora, sao externos -
mesmo que a pessoa nao perceba e nao fique sabendo qual foi ele. Par exemplo,
algum rufdo ou algum cheiro.
Qutras vezes a estimulo pode surgir de 6rgaos internos, como por exemplo, de
uma bexiga muito cheia au urn estado de excitac;ao dos 6rgaos genitais; sao os
estfmulos somaticos.
Mas Freud concluiu que, tanto os estimulos somaticos internos, como os
estimulos sensoriais externos, nao conseguem explicar todos as sonhos nem todos as
aspectos dos sonhos.
as sonhos nao fazem simplesmente reproduzir a estimulo; eles 0
vertem, fazem alusoes a ele, a incluem em a/gum contexto, asubstituem por afguma outra coisa. Esse e um aspecto da efaboraq8oonirica, que pode nos aproximar mais da essencia dos sonhos ... Podeser que as estimulos extemos e infernos, afingindo a pessoa em sona,sejam apenas provocadores do sanho e nada nos reve/em de suaessencia.'
I FREUD, S. Conferencias Inlrodul6rias sobre Psicanalise. Conferfmcia nO. V, "Dificulda-des e abordagens inieiais" v. XV, Obras Corn pi etas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.119-20.
A partir dai, Freud introduziu duas hip6teses: que as son has sao fen6menos
psiquicos e que existem elementos mentais, au pensamentos na vida psiquica, que
a pessoa sabe sem saber que sabe, par isso pens a que nao sabe. Portanto, °son hadar sabe a que 0 seu sonho significa; apenas nae sa be que sabe.
A comprova,ao desse fato foi encontrada por Freud em demonstra,oes de
hipnose que ele presenciou em 1889, teitos par Liebault e Bernheim; a pessoa ap6s
ter sido despertada do estado hipn6tico, atirmava nao se lembrar de nada que havia
feito durante a hipnose. Porem, pressianado a talar por Bernheim, que insistia que ela
sabia e devia se recardar, a pessoa acabava por se lembrar e relatava tude a que
havia acantecido. Concluiu-se que a pessoa que faj hipnotizada ja sabia de tudo;
apenas as fatos Ihe eram inacessiveis no primeiro momento. Exatamente como ocorre
com 0 son hadar em rela~o ao seu sonho.
Assim Freud chegou ao metoda que denominau de ~Associac;ao Livre", para
realizar a interpretac;ao dos sanhos. Ou seja, ele insistia com a pessoa que teve 0
sonho, que ela sabia 0 significado dele, ate que algo comeC;asse a ser lembrado par
ela, atraves de ideias - quaisquer que fossem - que Ihe viessem a cabega, como:
irnpress6es dos dias anteriores, ou ate mesmo acontecirnentas de urn passado remoto.
"Ao pedir a alguem para dizer-me 0 que Ihe vern a mente em resposta a urn
determinado eiemento do sonho, estou the pedindo que se entregue Ii associa980 livre,
enquanlo mantem na mente uma ideia como ponto de partida." 2
2 FREUD, S. Conferencias Introdut6rias sobre PsicanaJise. Conferemcia nO. VI, "Premissase tecnica de interpretac;.ao."". v. XV, Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.132.
Anteriormente ao estudo dos sonhos, Freud se dedicou ao estudo e a descri9ao
das atos falhos, demonstrando-os como fenornenos psiquicos, que tarn bern possuem
um senti do oculta e que necessitam ser interpretados.
No caso de um dos tipos de atos falhos, 0 esquecimento de nomes, e possivel
a partir do nome substituto que surgiu, percorrer uma cadeia de associacyoes ligadas
a ele e assim, se chegar ao nome esquecido, que estava sendo manti do oculto.
Assim, tambem, 0 conteudo do sonho que e contado pode, na maioria dos
casos, estar ocultando 0 conteudo verdadeiro dos elementos menta is que Ihe deram
origem. Esses elementos, que parecem, a prindpio, desconhecidos para a pessoa que
sonhou, sao na verdade apenas inacessfveis a ela, se nao houver urn trabalho de
interpreta9ao do sonho.
Portanto, todos os sonhos sao farmados por dois conteudos, 0 conteudo
manifesto e ° conteudo latente. 0 conteudo manifesto e 0 texto que a pessoa que
sonhou real mente nos conta; e geralmente formado por imagens; 0 conteudo latente
e 0 material oculto que se espera encontrar atraves da interpretacyao do sonho,
acompanhando ideias que vern a mente do son had or, atraves da associa9aO livre de
ideias.
o que ocorre na verdade, e que 0 texto do sonho manifesto e urn substituto
deformado do conteudo latente, que e formado, por sua vez, por pensamentos
desconhecidos, total mente inconscientes para a pessoa que sonhou, denominados
pensamentos oniricos latentes. Essa deforma9ao, em maior ou menor grau, que
transforma os pensamentos latentes em conteudo manifesto do sonho, faz com que
este ultimo, 0 sonho, pareC;a estar em outro idioma e precise ser traduzido para poder
ser entendido.
Freud comparou as sonhos com as atos falhos, pais ambos sao atos psiquicos
com urn sentido e podemos, tambem nos sonhos, dislinguir uma intenC;ao perturbadora
e uma inten<;ao perturbada, sendo a sonho a concilia<;ao das duas intenc;oes
concorrentes entre si, como nos atos falhos descritos par Freud.
A inten<;ao perturbada e a intenc;ao de dormir e a intenc;ao perturbadora e a
estimulo psiquico, que nao quer deixar a pessoa dormir, representado par urn desejo
nao satisfeito. Atraves do sonho, ocorre a realizac;ao de sse desejo, e a remOC;ao do
estimulo psiquico, podendo entao, a pessoa continuar a dorrnir. Arnbas as inten<;oes
sao, em parte realizadas e, em parte abandonadas,
Em seus estudos, Freud separou os sonhos em duas especies: as sonhos
infantis e as sonhos de adultos. Ao analisarmos os sonhos infantis, de crian<;as ate 4
ou 5 anos, veremos que eles sao breves, claros, coerentes e faceis de en tender. Nao
e necessaria nenhuma tecnica de interpreta<;ao para se compreender estes sonhos.
Basta que se tenha alguma informa<;ao sabre acontecimentos do dia anterior da vida
dessa crianc;a.
o sonho e a rea<;ao da vida mental da crian<;a, durante 0 sana, a urna
experiemcia que ela leve no dia anterior. Um dos exemplos observados par Freud, eo
caso do menino Hermann, de 22 meses de idade, a quem foi pedido que entregasse
a alguern, urna cesta de cerejas, como presente de aniversario. Ele relutava em faze-la,
embora Ihe houvessem prometido que ganharia algumas das cerejas. Na manha
seguinte, ele contou 0 que tinha sonhado: "0 Hermann comeu todas as cerejas!" 3
Sonhos desse tipo nao apresentam nenhuma deformagao. Neles, 0 sonho
manifesto e a sonho latente coincidem. Nao ha necessidade de trabalho interpretativo
para esses sonhos simples e claros, diferentes dos sonhos de adultos e crian9as
maiores.
Podemos pois, concluir que ° sonho de uma crianc;a e uma reagao a uma
experiencia do dia anterior; a urn desejo que nao foi satisfeito. 0 estfmulo mental que
desencadeia °sonho e essa experiencia vivida de um desejo nao realizado. 0 sonho
proporciona uma satisfac;ao direta e sem disfarces, desse desejo
A fun9ao do sonho seria, entao, atraves da realizac;ao do desejo nao satisfeito,
que esta perturbando mentalmente a pessoa, eliminar esse estfmulo perturbador, para
que 0 sono possa continuar. Desse modo, Freud concluiu que os sonhos nao sao
perturbadores do sono, como poderia parecer, mas sim, guardi6es do sono, que
eliminam as perturba96es do sana.
Alem dos sonhos infantis, ha uma outra especie de sonhos que nao sao
deformados, mas que tambem podem ser reconhecidos como realizac;6es diretas de
desejos. Sao as sonhos que, em qualquer epoca da vida, sao desencadeados por
necessidades corporais urgentes, como fame, sede, necessidade sexual, ou seja, sao
realizac;6es de desejos sob a forma de reac;oes a estimulos somaticos internos.
] FREUD, S. CanferenCias Introdut6rias sabre Psicanalise. Canferencia nO. VIII, "Sonhos
de crianl,;as. n. V. XV, Obras Complelas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 154.
10
Naturalmente e impasslvel desfazer-se de uma necessidade fisica muito forte
de comer au beber, par meio de urn sonho. A pessoa acorda de urn sonho des sa
natureza com a sens89ao de sede au fome e necessita tomar agua au comer,
realmente. 0 efeila produzido pelo sonho e nulo, sob 0 ponto de vista pn3tico; 0 desejo
nao fof realizado atrav8S do sonho, porem e evidente que ele aconteceu com 0 objetivo
de realizar urn desejo, desencadeado par necessidades somaticas.
Par Dutro lado, os sonhos de adultos e crianyas maiores, sempre apresentam-se
deformados, au seja, 0 sonho manifesto e muito diferente do sonho latente e para
entende-Io e necessario percorrer urn lango caminho de interpreta.y.3o do sonho.
A deformagao onirica e tudo aquilo que faz com que urn sonho nos parega
estranho e incompreenslvel. A deformagc3o onirica e resultado da elaboragc3o onirica
(0 trabalho do sonho). Em parte, a deformagc3o onirica ocorre devido a censura de
sonhos, que exerce urna fon;a de OpOSig8o, de grau variavel, contra desejos
censurados, representados por tend€mcias com as quais ° son had or nao esta de
acordo quando est a acordado. Entre essas tendencias podemos citar express6es de
odio, inveja e egoismo; desejos de vinganga e de marte contra pessoas, ate mesmo
muito proximas, da propria familia e amadas pel a pessoa que sonhou.
Como descreveu Freud: ua censura e exercida por intenqoes reconhecidas do
ego contra impulsos plenos de desejos de qualquer modo censuraveis, que perturbam
nosso interior. a noite, durante 0 nosso sono" 4
4 FREUD, S. Conferencias Inlrodut6rias sobre Psicanalise. Conferencia nl). IX, "Acensura dos sonhos.". v. XV, Obras Complelas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 177·8.
II
Os sonhos infantis ou aqueles que podem S8r reconhecidos como satisfacyc30 de
desejos justificados e de necessidades fisicas urgentes, nao apresentam deformaC;8o,
porque podem cumprir suas fungoes sem irem contra as compromissos etiGos do ego,
nae sen do necessaria a intervenC;Elo da censura.
Nos outros tipos de sonhos, a deformac;ao sempre estara presente e sera
proporcional a dois fatores: ela sera tanto maior quanta pior e a desejo a S8r censurado
e, par outro lado, tambem sera maior a medida que mais severas fcrem as exig€mcias
da censura no momento do sonho. Assim, uma m09GI educada rigorosamente, com uma
censura implacavel, ira distorcer impulsos oniricos, que os medicos, par exemplo,
considerariam desejos libidinais permissiveis e inofensivos e sobre os quais, dentro de
dez anos, ela mesma fara igual julgamento.
A censura age na deforma9ao dos sonhos de varias maneiras; colocando
lacunas no sonho manifesto ou seja, omitindo partes do sonho; atraves da modifica9c3o
do material do sonho au modificanda a enfase do sonho; produzindo atenua90es,
aproxima90es e alusoes em lugar do pensamento original.
Tambem devemos considerar como manifestayao da censura, toda a passagem
do sonho em que urn elemento onirico e recordado de maneira indistinta, indefinida ou
duvidosa, em meio a outros elementos construidos com maior clareza.
A resistencia que encontramos por parte da pessoa que sonhou, contra 0
trabalho de interpreta9B-o do sonho, tambem e ocasionada pela censura. A resistencia
a interpretacyao e apenas a efetiva9c3o da censura do sonho, e vem nos dar provas de
que a for9fl da censura nao se esgota com a deforma9ao do sonho e nem se extingue
12
depois disso; a censura persiste como institui9ao permanente, que tern como seu
objetivo, manter a deforma98o.
Assim como a forc;a da resistencia varia na interpretag80 de cada elemento do
sonho, tambem 0 tamanho e 0 grau da deformayao criada pela censuravaria para cada
elemento do mesmo sonho. Se compararmos a sonho manifesto com 0 lalente,
constataremos que alguns elementos latentes foram totalmente eliminados, Qutros
fcram modificados, em maior ou manor grau, enquanto Qutros ainda, fcram
transportados para 0 conteudo manifesto do sonho, inalterados, au ate mesma
refor9ados.
lJ
2 0 PROCESSO ESSENC1AL: 0 SOF1ST1CADO TRABALHO DOS SONHOS
o trabalho que transforma 0 sonho latente em sonho manifesto e denominado
elaborac;:ao onfrica. E ela que causa a deformac;ao nos sonhos, tarnando-os estranhos
e dificultando suas interpreta,oes. 0 trabalho que opera no sentido oposto, partindo
do sonho manifesto para chegar 80 conteudo latente, eo trabalho de interpretary80 do
sonho. Este trabalho interpretativD procura decifrar a elabora':(8o onfric8.
Os sonhos do tipo infantil, que sao evidentes realiz8ryoes de desejos, ainda
assim sofreram urn determinado grau de elaborary8o onirica, pois sofreram uma
transformag.3o do desejo em experiencia real e tambsm fcram transformados de
pensamentos em imagens visuais. No casa desses tipas de sonhos, nac e necessaria
nenhuma interpretag8o; apenas e preciso que sejam desfeitas essas duas
transforma90es.
A elabora98o onfrica adicional que ocorre nos outro tipos de sonhos e
denominada deforma9c3o onirica e e ela que deve ser decifrada atraves do trabalho
interpretativo.
Freud fez compara90es entre interpreta90es de inumeros sonhos e a partir dai,
apresentou uma descriryao das a96es que a elabora9ao onirica executa com 0 material
dos pensamentos oniricos latentes, agrupando-as em tres tipos de 890es:
Condensa,ao;
Deslocamento;
Transforma,ao de pensamentos em imagens visuais.
14
CONDENSA<;:Ao
Nesta primeira forma de a~aoda elabora~aoonirica, 0 sonho manifesto passa
a ter urn conteudo menor que 0 sonho latenle, sendo urn tipo de abreviac;ao deste. Na
grande maiaria das vezes a condensac;ao esta presente e S8 realiza das seguintes
maneiras:
A. Omissao total de determinados elementos latentes no sonho manifesto;
8. Aparecimento de apenas urn fragmento de alguns centeudos do sonho
latente no sonho manifesto;
C. Combina\'iio de determinados elementos latentes que tem algo em comum,
em uma 56 unidade no sonho manifesto.
E comum a ocorrencia de sonhos em que pessoas diferentes sao condensadas
em uma 56. A pessoa que aparece no sonho manifesto passu; semelhanc;a com uma
pessoa conhecida, esla vest ida como uma segunda pessoa, faz algo que lembra uma
terceira e no entanto, esta representando uma quarta pessoa. Essas pessoas possuem
algo em comum que 0 sonho latente quer enfatizar e por esse motiv~, elas se fund em
em uma s6, no sonho manifesto. Isso tambem pode ocorrer com objetos e lug ares, do
mesmo modo que com pessoas, desde que os diferentes objetos e lugares tenham em
comum, alguma coisa que 0 sonho latente quer enfatizar. 0 resultado dessa super-
15
posigao de elementos separados que foram condensados, e urna imagem confusa,
vaga e estranha a pessoa que teve 0 sonho.
As vezes a elabora~o onirica condensa dais pensamentos diferentes, buscando
urna palavra ambigu8, na qual as dais possam ser reunidos, lembrando como age urn
chiste ou um lapso de lingua.
A condens8r;ao e capaz de realiz8r;oes extraordinarias, como combinar duas
sequencias de pensamentos latentes muito diferentes em urn unieD sonho manifesto;
desse modo e necessario S8 chegar a duas interpretagoes.
o modo de agir da condensal'ao e bastante complexo. Ela pode estabelecer
varios tipas de relayao entre as elementos do sonho latente e do sonho manifesto; urn
elemento manifesto pode corresponder simultaneamente a diversos elementos latentes
ou urn elemento latente pode desempenhar seu papel em diversos elementos
manifestos.
Assim, agindo de variadas form as e estabelecendo diversas relac;oes entre
conteudo latente e conteudo manifesto, a condensaC;ao acaba por tornar os sonhos
obscuros; porem naD parece ser ela efeito da censura de sonhos e sim um fator
econ6mico para menor dispendio de energia pelo aparelho psiquico; mas de qualquer
forma, a censura lucra com os resultados da condensac;ao, pois os pensamentos que
a censura nao quer que sejam revel ados, permanecem escondidos ap6s serem
condensados.
16
DESLOCAMENTO
Esta segunda operag8o da elaborag8o onfrica e inteiramente obra da censura
de sonhos, agindo de duas maneiras:
A. Substituig80 de urn elemento latente par alguma caisa mais remota,
diferente e distante de si mesma, ista e, par urna alusao. 0 elemento latente
nao e substituido por uma de suas proprias partes, mas por um elemento
que nada tern a ver com a conteudo latente.
Urn exemplo de deslocamento, muito utilizado par Freud, e a anedota do ferreiro
e dos alfaiates.
o ferreiro, que cametera urn crime grave, merecia a pena de morte, que Ihe foi
aplicada; mas como na cidade 56 havia urn ferreiro e, par Qutro lado, havia tres
alfaiates, decidiu-se par enforcar urn dos alfaiates, no lugar do ferreiro.
B. Mudang8 do acento DU enfoque psiquico, de urn elemento importante para
outros sem importancia.
Os principais elementos que comp6em 0 conteudo manifesto do sonho estao
longe de desempenhar este mesmo papel nos pensamentos latentes; 0 inverso tambem
e verdadeiro: aqueles elementos que, claramente, constituem a essencia dos
17
pensamentos oniricos latentes, nao precisam ser representados como tal, no sonho
manifesto. Ocorre, portanto, urn deslocamento do enfoque do ponto central dos
elementos latentes, para Qutros elementos de menor ou de nenhuma importancia no
conteudo manifesto.
No curso da forma98:0 de urn sonho, elementos essenciais dos pensamentos
latentes, carregados de intense interesse, pod em S8r tratados como S8 fossem de
pouco valor e seus lugares podem S8r ocupadas no sonho, por Qutros elementos,
real mente de pequeno valor nos pensamentos latentes.
Freud supoe que na elabora,:;ao de urn sonho, uma fon;a psiquica esteja
atuando, por urn lado, diminuindo 0 valor psiquico dos elementos de elevado valor e,
par Dutro lado, criando novos valores para elementos ou idsias de baixo valor psiquico,
e estes ultimos se insinuam depois no conteudo do sonho manifesto.
Desse modo, ocorreria urn deslocamento de intensidades psiquicas no processo
de formayao do sonho, e e como resultado dele que se verifica a diferenga entre 0 texto
do conteudo manifesto e 0 dos pensamentos latentes.
o deslocamento do sonho e a condensagao do sonho sao os dois fatores
principais, responsaveis pela forma final assumida pelos sonhos manifestos.
A conseqOencia do deslocamento e que 0 conteudo do sonho nao se assemelha
mais aD nucleo dos pensamentos latentes; 0 sonho se apresenta deformado e
estranho.
o deslocamento e um dos principais metodos da elaborag8o onirica, atraves do
qual essa deformagao e alcangada. 0 deslocamento ocorre pel a agao da censura, que
e exercida na mente.
18
Descrevemos, a segulr, urn dos sonhos que Freud teve e que, apos ter realizado
a sua interpretaC;<3o, ele constatou a influencia indiscutivel que 0 sonho havia sofrido,
pela a,80 da condensa,ao e do deslocamento.
Algum tempo antes do sonho, em 1897, Freud soubera que dais professores da
universidade de Viena a haviam recomendado para ser nomeado professor assistente.
A notfcia 0 alegrou muito, mas como as nomeac;oes eram feitas pelo ministro da
edUC8C;;30, enos ultimos anos, ele havia desconsiderado Qutras recomendac;6es a
variDS colegas seus, ele nao ficou esperan~so e resignou-se; afinal nao S8 aehava urn
homem ambicioso.
Numa noite, Freud recebeu a visita de urn amigo (R.), que fora recomendado 80
cargo de professor. Inconformado com a demora da decisao do ministerio, havia estado
la antes de ir a casa de Freud, descobrindo que a demora estava ligada a motivos
politicos.
Na manh§ seguinte a esta visita, Freud teve 0 seguinte sonho:
"Meu amigo R. era meu tio. Tinha por ele grande afei,ao. Vi seu rosto diante de
mim, alga mudado. Era como se tivesse sido repuxado no sentido do comprimento.
Uma barba amarela que 0 circundava, se destacava de maneira especialmente nitida. nS
A interpreta,ao do sonho por Freud ocorreu da seguinte forma:
Primeiramente, ele achou 0 sonho uma bobagem, mas como nao a esqueceu
durante todo 0 dia, concluiu que seu pensamento de que 0 sonho era bobagem,
5 FREUD S. A interpretac;ao de sonhos (Parte 1), v, IV, Obras Psicol6gicas Completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1976, p.147.
19
apenas significava que sle estava demonstrando uma resistencia interna contra sua
interpretag8.o. Entao decidiu iniciar a interpretag8.o.
"R Era como meu tio" Freud tivera apenas urn tic e este S8 envolvera em
transa¢es ilicitas, sendo punido pela lei, 0 pai de Freud costumava dizer que esse tio
nao era uma rna pessoa, mas apenas urn simplorio. Assim, S8 a amigo R. era 0 tio de
Freud, sle estaria querendo dizer que R era tambem urn simpl6rio.
o rosta alongado e a barba amarela que ele vira no sonho, eram como a barba
e a rosta de seu tio, na realidade. 0 amigo R era moreno; mas sua barba estava
ficando quase grisalha e par isso estava numa fase castanho amare[ado.
Freud concluiu que 0 rosta que aparecera no seu sonho, era, ao mesma tempo
do seu amigo Redo seu tio (condenSa9aO); eo que ele real mente quisera dizer era
que seu amigo R era um simpl6rio, como seu tio.
Por outro lado, nesta altura da analise do sonho, Freud ainda nao entendera
qual a finalidade dessa cOmpara9ao, ja que seu tio era urn criminoso e seu amigo R
tinha urn carater impecavel (exceto por uma multa que recebera por haver atropelado
urn menino com sua bicicleta).
Nesse momento da interpretayao, Freud lembrara de urn encontro na rua, com
outro colega, N., alguns dias antes,
Este colega tambem fora recornendado para 0 cargo de professor, porem
tambem nao fora nomeado e contara a Freud, nesse encontro, que achava que 0
motivo poderia ser uma a980 juridica que existira contra ele ha algum tempo atras.
20
1550mostrou a Freud quem era 0 criminoso e qual era a finalidade do seu sonho.
Seu tiD representava seus dois colegas (condensa~o) que naG haviam sido nome ados
para 0 cargo de professor; urn era representado como simplorio e outro como
criminoso, como seu tio.
Se a nomeac;ao deles fora adiada por motivDs politicos, a nomea9ao de Freud
tambem estaria ameagada; porem S8 houvessem Qutros motivDs, que naG 58
aplicassem a Freud, ele permaneceria com chances de ser nomeado.
Portanlo esse foi 0 metoda utilizado por seu sonho: transformou urn calega, R,
num simpl6rio e 0 Qutro, N, num criminoso; assim naG havia nada mais em comum
entre eles e Freud, pOis Freud nao era nem urn simpl6rio e nem urn criminoso; como
conseqCu9ncia, sua nomea9ao ficava garantida
Freud nao se senti a satisfeito com 0 termino da interpreta~ao nesse ponto;
estava inquieto com a forma despreocupada com que degradara dois respeitados
colegas, com a finalidade de manter aberto 0 seu acesso a urn cargo de pr ,Aessor.
Na verdade, ele nao considerava seu colega R. urn simpl6rio e nem N. urn
criminoso. Em ambos os casos, 0 que seu sonho havia expressado era apenas 0 seu
desejo de que fosse assim, utilizando fatos reais em sua construc;ao.
Alem disso, havia Dutra parte do sonho que nao tinha sido interpretada: 0
sentimenta de afeic;ao que sentira por R., que era seu tiD.
Freud nunca tivera nenhum sentimenta de afeic;ao par seu tio. Par seu amigo R.
tinha muita admirac;ao, mas aquela afeic;ao que se manifestara em seu sonho era muito
exagerada e nao Ihe parecia genufna. Urn novo aspecto tornou-se claro para Freud
entao. Essa afeil'ao do sonho nao fazia parte do conteudo latente dos pensamentos
21
que estavam par tras do sonho, mas sim, estava em contradi98o a eles e foi utilizada
para acultar a verdadeira interpretac;ao do sonho
A resistencia de Freud para resolver iniciar a interpretac;ao de seu sonho, era
porque essa interpreta980 encerrava algo que ele combatia.
Ao concluir a interpretagao ele viu que estava lutando contra a afirmac;ao de que
R. era urn simpl6rio. A afeiC;8o exagerada que sentia par R, no sonho, S8 originava
dessa luta. Ela servia para deformar 0 conteudo manifesto do sonho, mostrando 0
oposto nesse sentimento de afeic;ao, para encobrir 0 que as pensamentos oniricos
latentes na verdade continham, au seja, a calunia contra R de ele era urn simplorio.
Par Dutro lado, no sonho, a barba amarela que aparecia nitidamente circundado
o rosto do seu colega R., se destacava do restante do sonho, como se fosse a ponto
central deste; mas na verdade ocorreu um deslocamento do que constituia 0 nucleo
dos pensamentos oniricos latentes, para a barba, a fim de que esses pensamentos
~ censuraveis nao surgissem no sonho manifesto. Esses pensamentos que nao puderamor-~ passar pela censura, eram constituidos pelos desejos ambiciosos de Freud (que, a
principio, nao se considerava uma pessoa ambiciosa).
TRANSFORMA<;:AO DE PENSAMENTOS EM IMAGENS VISUAlS
Esla e a terceira opera<;iio da elabora<;iio onirica. Ela age reduzindo 0 conteudo
dos pensamentos oniricos a sua materia prima de objetos e atividades. Ela expressa
algo desse conteudo por meio de peculiaridades no sonho manifesto, como par
exemplo, sua clareza ou obscuridade e sua divisao em diversas partes. 0 numero de
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partes em que S8 divide um sonho, geralmente corresponde ao numero dos temas
principais dos pensamentos no sonho latente.
Por outro lado, quando diversos son has ocorrem na me sma noite, em geral,
todos tern a mesma significayao e indieam uma tentativa, cada vez mais eficaz, para
remover urn estimulo que insiste em perturbar 0 sono.
Um elemento latente nesses sonhos separadas, pode estar representado par
diversos slmbolos, com alguma semelhan~ entre si.
A transformagao de pensamentas latentes, expressos em palavras, para
imagens visuais, e uma regressao causada pela elabora<;8o onirica, pois ariginalmente,
os pensamentos surgiram de imagens sensoriais recebidas atraves dos sen tid os; mais
tarde essas imagens foram vinculadas as palavras e vin~ularam-se a pensamentas; a
elaborag8o onirica desfaz essa evolugaa, submetendo esses pensamentos a urn
retorno as imagens iniciais.
Durante suas vidas, as pessoas VaG colocando pensamentos no lugar das
imagens e a sonho faz 0 caminho inverso, colocanda imagens no lugar dos
pensamentos.
Freud, no seu estudo e observagoes sabre as sanhos, concluiu, como ja vimos,
que as semelhangas no sonho latente sao substituidas par condensag6es no sonho
manifesto; com relagao aos elementos contrarios, ele observou que tambem eles sao
tratados da me sma forma e pareee ate haver uma preferencia por expressa-Ios pelo
me sma elemento. Assim um elemento manifesto pode estar S9 expressando a si
mesmo, expressando a seu contrario ou ambos ao mesmo tempo; apenas 0 sentida
pode decidir qual a versao que se deve escolher.
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Essa forma de condensar os elementos contrarios causa grande deformay80 no
sonho manifesto, tornando-o muito estranho e mesmo absurdo.
Freud fez uma analogia entre esse comportamento estranho da elaboray8o
onirica e a evoluyao da linguagem. Nos idiomas rna is antigos, palavras contrarias eram
expressas pelas mesmas raizes, 0 que era denominado de significay80 antitetica de
palavras primitivas.
Por exemplo, no idioma egipcio antigo, a palavra "ked signifieava "forte" e
"fraeo" Na fala essas palavras ambivalentes eram difereneiadas pela entonac;:ao
diferente e por gestos concomitantes , e na eserita, pelo aerescimo de uma figura
representativa ap6s as sinais alfabeticos (um homem de pe para forte e um homem
agachado para fraco).
Mais tarde ocorreram modifica~6es nas palavras e assim de "ken" = "forte-fraeo",
fcram derivados "ken" = forte e "kan~ = fraeo.
Tambem nos idiomas mais novos ha remaneseentes des sa signifieac;:ao
antitetica antiga, com a exist€meia de muitas palavras derivadas de modifieac;:6es da
mesma raiz, como no latim: "siccus" = seeo; "succus" = suco, e no alemao: "stimmen=
voz e "stumm" = mudo; tambem ha palavras que permaneceram ambivalentes, como
no lalirn: "altus" = alIa e profunda e "sace(' = sagrado e rnaldilo.
Outra caraeteristiea da elaboraC;:8o oniriea tambem tern seu correspondente na
evolu980 da linguagem. No antigo idioma egipcio e em outros, a ordem dos sons numa
palavra pode estar invertida e possuir 0 me sma significado. Par exemplo: na alemao
e no ingles, "topf = "pot" = panela; "boaf' = barco e "tub" = banheira, barco para pralica
de rerno.
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lnversoes como essas em palavras isoladas efetuam-se de varias maneiras na
elaborac;c3o oniric8. Pode ocorrer a inversao do significado ou a substituic;ao de algo
pelo seu oposto, a inversao na ordem de alguns acontecimentos (algo que precede urn
evento ocorre depois do mesma no sonho manifesto), au ainda a inversao total dos
acontecimentos, ende para S8 abter sentido na interpretaC;c30, deve-s8 partir do ultimo
elemento au fato, e seguir ate a primeiro.
Todos esses aspectos da elaborac;ao onfrica pod em ser descritos como
arcaicos; sao caracteristicas de formas antigas de expressao falada e escrita e quando
utilizados, contribuem para deformar 0 sonho e dificultar sua interpretag8.o.
A elaboraC;8o onirica e suas opera<;oes, ja descritas, sao muitos complexas e
extraordinarias, porem nao devemos menosprezar 0 sonho manifesto, pois e a partir
dele que podemos iniciar 0 caminho inverso da interpretagao do sonho. Nao importa
se ele esta bem composto ou fracionado em uma serie de quadros separados e
desconexos ou se e obscuro, estranho ou absurdo. E mesmo quando possui um
exterior aparentemente claro, sabemos que tambem isso se fez pel a deformagao
onirica e pode ter pouca relagao com a conteudo latente.
Ha outras ocasioes em que a fachada do sonho tem sua significa<;ao e esta
reproduzindo um elemento importante dos pensamentos latentes, com pouca ou ate
nenhuma deforma<;ao. Mas tudo isso 56 pode ser definido ap6s a interpreta<;ao do
sonho, para se chegar a uma conclusao do grau de deformagao que ocorreu.
o sonho manifesto, em geral, nao e coerente e nao respeita urna ordenag8o
logica; ele e como se fosse composto de diversos fragmentos de diferentes rochas,
unidos par cimento.
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A elabora<;ao onirica secundarja e a parte final da elaborar;80 onirica, cuja
fung80 e unir esses diversos fragmentos, em urn tocto, dando-Ihe maior au menor
coerencia.
Par outro lado, nao devemos atribuir demasiada importancia a elaboragao
oniric8. Ete nao pode fazer mais do que condensar, deslocar, representar em forma
plastica e submeter 0 todo a uma elabora~o secundaria. Aquila que no sonho aparece
como express6es de julgamento, critica, surpresa au interierencia, nao sao realiz8r;oes
da elabora9ilo ani rica, mas sim parcelas de pensamentos oniricos que passaram para
o sonho manifesto, com maior au menor grau de modific8g80. A elaborag8o onfrica
tambem e incapaz de efetuar calculos au formular discursos. Estes sao sempre c6pias
e combinayaes de calculos e discursos ja vistos ou ouvidos no dia anterior ao sonho,
que foram incluidos nos pensamentos latentes.
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3 SONHOS DE ANGUSTIA E PESADELOS: A TRANSPOSIr;:Ao DO ULTIMO
OBSTAcULO
Sao os sonhos deformados tambem realiz8goes de desejos, como as sonhos
infantis?
Onde esta a realiz8g8.0 de desejos naqueles sonhos acompanhados par
sentimentos desagradaveis e de grande ansiedade?
A t80ria psicanalitica afirma que nos sonhos deformados, a realiz8c;ao de desejo
pode nao estar evidente, porem deve e pode ser encontrada ap6s 0 sonho ser
interpretado
1550 ocorre porque os desejos nesses sonhos deformados, sao desejos
proibidos, rejeitados pela censura e fai par causa da existencia desses desejos que
houve a intervenc;ao da censura de sonhos, causando a deformac;ao oniric8.
Para explicar a existEmcia de tantas sonhos de conteudo aflitivo e de ansiedade,
devemos considerar tres tipos de complicat;.oes que podem ocorrer em relat;.ao aos
afetos nos sonhos.
A. Em primeiro lugar, pode ocorrer que 0 sonho nao tenha conseguido criar uma
realiza9EIo de desejo, e assim, parte do afeto aflitivo dos pensamentos oniricos passou
para 0 sonho manifesto. A analise ira demonstrar que esses pensamentos oniricos
latentes eram muito mais desagradaveis do que a sonho construido a partir deles.
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Nesse caso, a sonho nao alcan90u 0 seu objetivo e fracassou, como no sonho
desencadeado em resposta aD estimulo da sede, que nao conseguiu aliviar a sede e
a pessoa teve que acordar para tamar agua.
Em Qutros casas, 0 sonho consegue transformar 0 conteudo aflitivo dos
pensamentos oniricos, na realiz8g8o de urn deseje, porem, 0 sentimento desagradavel
(afli9ao, ansiedade), passa tambem para 0 sonho manifesto.
B. Em segundo lugar, surge urn fator mais importante ao analisarmos a relag80
do sonhadar com seus pr6prios desejos. Como ele as repudia, negando-os e
censurando-os, a realizagao desses desejos nao Ihe dara prazer e sim 0 oposto; ests
oposto aparece sob a forma de ansiedade.
Em sua relagao com seus desejos oniricos, aquele que sonha pode ser
comparado a uniao de duas pessoas distintas, que estao ligadas por um forte elemento
em comum. 5e as duas pessoas nao estao de acordo uma com a outra, a realizac;ao
do desejo de uma delas, causara desprazer a outra.
Portanto podemos dizer que um sonho de ansiedade e a realizac;ao sem
disfarces, de um desejo repudiado e negado, que escapou a a9ao da censura. Como
ja vimos, urn sonho infantil e a realizac;ao franca de urn desejo permitido; urn sonho
deformado e a realizac;ao disfan;ada de urn desejo reprirnido e agora concluirnos que
urn sonho de ansiedade e a realizayao franca e sem disfarces, de urn desejo reprimido.
A ansiedade e um sinal de que a desejo reprimido, que parecia estar sob
controle, foi mais forte que a censura e atravessando essa barreira, conseguiu ser
realizado no sonho manifesto.
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Aquila que, para 0 desejo (reprimido) e uma realiz8C;:80 de desejo, para 0
sonhador 56 pode ser motivQ de sentimentos angustiantes e de repulsa a essa
realiz8g8o de desejo, ja que ele esta do lado da censura.
Podemos entaD supor que aquila que e verdadeiro para as sonhos de ansiedade
naG deform ados, tambem e valida para aqueles parcialmente deformados e para os
sonhos que causam desprazer, nos quais as sentimentos desagradaveis seriam
correspondentes a ansiedade.
Ao analisarmos as sonhos de ansiedade, observamos que freqCtentemente eles
sao sonhos que fazem despertar, interrompendo 0 son a antes que 0 desejo reprimido
tenha S8 realizado completamente no sonho manifesto. A fun9ao do sonho, assim
fracass8, porem sua natureza essencial nao foi modificada par isso.
Freud comparou os sonhos com a vigia noturno, denominando-os guardi6es do
sona, pais eles procuram proteger 0 sona contra qualquer perturbayao psiquica.
Assim sendo, se 0 guardiao do sono sente que e fraeo para sozinho afugentar
a perturbagao au a perigo iminente, pode ehegar ao ponto de acordar a pessoa que
dorme, como ultima alternativa a fim de impedir que se complete a realizag8.o de urn
desejo reprimido e censurado, que escapou a censura de sonhos.
A questao que surge agora e porque um desejo onirico consegue superar a
fon;a e a barreira da censura de son has.
As vezes 0 desejo pode ser muito forte, mas com frequencia e a conduta da
censura de sonho que varia, tarnando-se a respons8vel pelo fartalecimento do desejo.
Sendo a censura muito variavel, ela trata cada elemento de um sonho, de maneira
diferente, ou seja, com um grau diferente de severidade.
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Nos casas em que a censura S8 sente sem forg8s contra urn desejo on frieD,
sendo incapaz de dete-lo, em vez da deformaC;Elo ela usa seu ultimo recurso e
abandona 0 estado de sona, ou seja, abandona a luta contra esse desejo, gerando
entao, 0 sonho de ansiedade.
c. Urna terceira possibilidade da razao da existencia de sonhos desagradaveis
e a de que a realizagao de urn deseje, causando alga desprazeroso, seja urna punic;ao.
Como j8 vimos, 0 sonhador que luta contra seus proprios desejos, pode ser
comparado a uniao de duas pessoas separadas, porem, de algum modo, em intima
JigaC;Elo uma com a Dutra. A primeira tern urn deseje, mas a segunda e contra esse
desejo, par causa da censura e acaba punindo a primeira pel a tentativa de realizar seu
desejo, fazendo com que se realize exatamente 0 oposto a ele
Existem muitas dessas tendencias punitivas na vida mental dos seres humanos;
elas sao muito fortes e poderosas e podem ser as responsaveis por alguns dos sonhos
aflitivos (os sonhos de puni98.0). A puni98.0 e tambem, portanto, a realiza<;8.o de um
desejo, do desejo da outra pessoa, da segunda pessoa, daquela que censura.
A ansiedade e 0 oposto direto do desejo; esses opostos se encontram muito
pr6ximos um do outro nas associa<;oes e se unem no inconsciente.
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4 ANALISE COMPLETA DE UM SONHO POR FREUD
Uma senhora, que embora ainda fosse jovem, estava casada he. muitos anos e
teve 0 seguinte sonho:
Eta estava no [eatra com seu marido, Urn Jado da primeira fileira decadeiras estava vazio. Seu marido Ihe disse que Elise L. e seu naivotambem tinham pretendido ir 80 teatro, mas nao puderam, pais apenasleriam conseguido comprar lugares ruins (Ires por 1 fiorim e 50kreuzers). Eta pensou que nao feria sido nenhum prejufzQ se Nvessemconseguido. 6
Na analise do sonho, ela refere que seu marido realmente Ihe havia falado que
Elise L., uma amiga sua que era 56 tres meses mais nova do que ela, havia contratado
casamento (noivara). Esta foi a causa precipitante do sonho_ 0 detalhe do sonho de
estarem vazias as cadeiras de um lado na primeira fila, era tambem retirado de um
evento real de dias anteriores. Como quisesse assistir a uma certa peya de teatro, ela
havia comprado seus ingressos com tanta antecedencia, que teve que pagar uma taxa
de reserva
Quando foram ao teatro, verificaram que a pressa dela tinha sido desnecessaria,
ja que parte das cadeiras da primeira fila estava vazia. Seu marido nao deixou de rir
del a por ela ter tido tanta pressa
6 FREUD, S. Conferencias Introdut6rias sobre Psicanalise. Conferencia nO. VII, "0conteudo manifesto dos sonhos e os pensamentos oniricos latentes." v. XV, Obras
Com pietas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 148.
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A origem do 1 florim e 50 kreuzers surgiu de outro acontecimento de dias
anteriores. Sua cunhada ganhara de presente do marida, 150 florins e tinha agido
como uma tala (ela pensou), pois com muita pressa foi a uma IOj8 e comprou uma pega
de bijuteria.
o "tres par 1 florim e 50 kreuzers" lembrou-a de que ela era 56 tn§s meses mais
velha que sua amiga, Elise L.
A ideia de adquirir tn§s ingressos para apenas duas pessoas (Elise L. e seu
naiv~), parecia completamente absurda para ela.
A partir dessas informagoes e associac;oes foi passivel entrever os pensamentos
oniricos latentes; informag6es que, partindo de diversos pontes, nos levarn a urn ponto
em comum. Ela comprou as ingressos ceda demais; sua cunhada tambem teve muita
pressa em gastar 0 dinheiro, como S8 fosse perde-Ia, S8 assim naG 0 fizesse.
Somando-se a isso a causa desencadeante do sonho (a noticia de que sua amiga,
embora so tres meses mais nova que ela, tinha conseguido um excelente noivo), surge
a construc;:.3o dos seguintes pensamentos onfricos latentes, dos quais 0 sonho
manifesto e um substituto acentuadamente deformado.
"Rea/mente {ai absurda de minha parte ter tanta pressa de casar! Possa ver,
pelo exemplo de Elise, que tamMm eu podia arranjar um marido mais tarde." 7
Estar com pressa para casar foi representada par sua propria canduta de
comprar os ingressos cedo demais e pela conduta de sua cunhada ao comprar a
bijuteria apressadamente
7 FREUD, S. Conferencias Inlrodu16riassabre Psicanalise. Conferencia nO.VII, "0conteudo manifesto dos sonhos e os pensamentos oniricos latentes." v. XV, ObrasCompletas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 151.
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Ir assistir a pe~ de teatro pareee urn substituto de casar. E poderiamos if mais
adiante nos seus pensamentos oniricos latentes e teriamos:
"Eu paderia ter conseguida urn marido cern vezes melhar" (150 florins e cem
vezes mais que 1,50 florim).8 Se colocarmos 0 seu dote no lugar do dinheiro,
significaria que seu marido fora comprado com 0 dote dela; a peC;8 de bijuteria e os
ingressos ruins, seriam substitutos de seu marida.
o sonho, portanto, expressa 0 valor reduzido que ela atribuia a seu marido e seu
pesar par ter casado tao cedo.
Sem a analise do sonho, naD S8 descobriria a importancia, no conteudo
manifesto, do elemento "estar com pressa demais".
Nos pensamentos latentes este elemento estava em primeiro plano; no sonho
manifesto ele fai eliminado pela censura e a pasiyaa principal fai acupada par "ir ao
teatro" e ucomprar ingressos~. Houve um deslocamento da enfase no sonho manifesto,
tornando-o completamente diferente dos pensarnentos oniricos latentes. Esse
deslocamento da importancia dos elementos, e urn dos principais instrumentos da
deforma~o onirica, que acaba par conferir tanta estranheza ao sonho, que a propria
pessoa nao consegue reconhece-Io como obra sua.
E portanto passive I que no sonho manifesto esteja ausente ou completamente
deslocado, aquilo que de fato constitui 0 centro dos pensamentos inconscientes.
Tambem nao he duvida de que a ideia" fai absurda casar tilo ceda", foi representado
11 FREUD, S. Conferencias Inlrodul6rias sobre Psicanalise. Confen§ncia nO. VII, "0conteudo manifesto dos sonhos e os pensamentos oniricos latentes." v. XV,Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 151.
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pel a inclusao de urn elemento absurdo no sonho manifesto (tres ingressos por 1,50
florim, para duas pessoas).
A relac;ao entre os elementos dos centeudos manifesto e latente nao e urna
relay8.o simples; esta muito longe de ser 0 casa de urn elemento manifesto estar
sempre no lugar de urn elemento latente. 0 que existe e urna relagElo de conjunto entre
as duas camadas, dentro da qual urn elemento manifesto pode substituir varios
elementos latentes, au urn elemento latente pode ser substitufdo par diversos
elementos manifestos.
Voltando ao sonho que foi analisado, conclufmos que as pensamentos onfricos
latentes dessa senhora estavam relacionados a sua irritaC;80 por haver casado tao
cedo e a sua insatisfayao com seu marido. Mas como estes pensamentos sombrios se
transformaram numa realizagao de desejo? Onde podemos encontrar algum vestigio
do mesmo no conteudo manifesto do sonho?
Casar esta substituido por "ir ao teatro"; casar cedo demais esta substituido por
"comprar ingressos cedo demais". Essas substituigoes sao obras da realizagao de um
desejo. Essa mulher nem sempre esteve tao insatisfeita com seu casamento precoce,
como ficou no dia em que recebeu a noticia do noivado de sua amiga.
Em certa epoca tinha estado orgulhosa de seu casamento e considerava-se em
vantagem sabre ela. Mogas solteiras nao iam ao teatro nessa epoca; quando se
casavam podiam ir com os maridos, a todas as pegas de teatra, ate entao proibidas
para elas e tinham permissao para ver tudo.
Era este um forte motivo para que desejassem se casar cedo. Frequentar 0
teatro tornou-se, mediante uma alus1l0, urn substituto de estar casada. Portanto, a
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senhora que teve 0 sonho retrocedeu ao tempo em que 0 casamento precoce constituia
a realiza<;aa de um desejo seu e, levada por esse antigo impulso pleno de desejo,
substituiu casamento par ir aD teatro.
A ultima questao que surgiu sabre 0 sonha e 0 deseja fai a seguinte: seria
sempre ° sonho realiza9ao de um desejo? Nao poderia ele, as vezes simplesmente
exprimir uma intenc;ao, uma advertencia, uma reflexao, uma reprova<;ao, ou uma
tentativa de se preparar para uma tarefa importante?
E 0 pensar inconsciente das pessoas que centra-se nessas inten<;oes, reflex6es
e preparac;6es, mas tude isso faz parte des pensamentos latentes, antes de sofrerem
as transforma96es da elabora<;ao onirica.
as pensamentos aniricas latentes sao 0 material que a elaboraqaoonirica transfarma em sonho manifesto ... Porem a elaboraqao onfricanao se limita a traduzir esses pensamentos de modo arcaico eregressivo; e/a se apossa de mais a/guma coisa que nao faz parte dospensamentos /atentes do dia anterior, mas que e a verdadeira forqapropulsora da construgao do sonho. Esse aCH3scimo indispens8vel eo desejo igualmente inconsciente, para cuja realizagao 0 conteLida dosonho recebe sua nova forma. 9
A realiza<;8o de desejo e, portanto a (mica caracteristica do sonho que nunca
varia e sempre esta presente.
As ouiras, representadas pelos pensamentos latentes, como uma advertencia,
uma intenyao, uma preparaC;8o para uma tarefa, uma reprova<;ao, e outras
caracterlsticas, podem variar.
') FREUD, S. Conferencias In!rodutorias sobre Psicanalise. Conferencia nO. XIV,RealizaCjao de desejo. v. XV, Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 266-7.
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Oessa forma, um sonho nunca e s6 uma inten<;8o, por exemplo, mas sim uma
intenyao, traduzida para 0 modo arcaico de pensamento, com ajuda de um desejo
inconsciente e transformada para realizar esse desejo.
Voltemos mais uma vez, ao exemplo do sonho analisado por Freud. Os
pensamentos oniricos tatentes eram: a irrita9ao por ter tido pressa em se casar e a
ideia de que poderia ter conseguido urn marido melhor, se estivesse esperado; 0
desejo que fez desses pensamentos um sonho, era 0 desejo de olhar, de poder ir ao
teatra, par curiosidade de descobrir 0 que acontece realmente no casamento. A noticia
de que sua amiga logo iria se casar nao despertou este desejo de olhar, e sim irrita<;ao.
Essa irritayao nao seria capaz de criar urn sonho, a nao ser quando os
pensamentos de que ufoi absurdo casar tao cedo" despertaram 0 antigo desejo de ver,
ate que enfim, 0 que acontece no casamento. Esse desejo e que deu forma ao
conteudo do sonho, substituindo casamento por ir ao teatra e a forma roi a de uma
anterior realiza<;.3o de desejo: "Agora posso ir ao teatra ever tudo 0 que e praibido e
tu nao podes! Estou casada e tu tens que esperar!" Essa satisfa<;ao determinou 0
conteudo manifesto do sonho, onde ela estava no teatra e sua amiga nao tinha
conseguido ingressos para ir ao mesmo.
Os pensamentos oniricos latentes permaneceram escondidos no sonho, pela
situay.3o de satisfayao. Sua satisfayao de othar somou-se a satisfayao de sua
tendencia competitiva egoistica.
"Um ve/ho (riunto S8 colocou no lugar de sua recente trustrageo."10
10 FREUD, S. Canferencias Inlrodulorias sabre Psicanalise. Conferencia nO. XIV.
"Realiza~ao de desejo. v. XV, Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 268.
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CONCLusAo
Os sonhos sao fen6menos psiquicos ou atividades psiquicas da mente durante
o sono, que surgem como resultados da transforma<;ao dos pensamentos tatentes em
uma 8xperiencia alucinat6ria.
A intent;ao do sonho e etiminar a estimulo mental perturbador do 50no, par meio
da realizac;ao de urn desejo. Esses estfmulos menta is perturbadores impediriam a
pessoa de dormir, S8 a mente nao produzisse 0 sonho, que e na verdade, 0 grande
guardiao do sanD.
A instigagc30 da mente por urn desejo nao realizado, perturba a mesma e
atrapalha 0 sono da pesso8, desencadeando todo 0 processo psiquico do sonho, an de
esse desejo e, de algum modo, realizado sob a forma alucinat6ria.
Todos as son has sao son has de crian<;as; operam com 0 me sma material
infantil, com as impulsos e mecanismos mentais da infancia. Os sonhos de adultos
apenas sofreram urn maior grau de deformac;ao, por conta da ac;ao da censura.
Se a desejo nao realizado, que perturba a mente, esbarrar na censura de
sonhos, entra em a9ao a elaboral(Eio onirica.
A elaborac;ao onirica e urn processo muito singular que ocorre na vida mental
do ser humano, que atraves de mecanismos como a condensac;ao, 0 deslocamento e
a transforma~o regress;va de pensamentos em imagens, transforma os pensamentos
latentes em sonhos manifestos. Nesse processo, 0 sonho latente safre as mais
variados graus de deformayao e no final, 0 que aparece no sonho manifesto sao
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imagens deformadas, modificadas na sua estrutura original, imagens distorcidas e ate
completamente opostas e inversas em relacao ao pensamento que Ihe deu origem.
A elaborac;ao onirica, principalmente atraves da condensac;ao e do
deslocamento, e a grande responsavel pel os son has parecerem confusos, estranhos
e ate absurdos para a propria pessoa que sonha.
E par causa dela que ha tantas difrculdades para S8 realizar a interpretac;ao dos
sonhos. Mas sendo eles, manifestac;:6es do inconsciente, 0 autor do sonha sabe 0 que
ele significa, sem saber que sabe; par i550 ele acredita que naG sabe.
Pelo metoda criado par Freud, para S8 fazer a interpretayao do sonho, devemos
percorrer 0 caminho inverso que formou 0 sonha; au seja, partir do sonho manifesto,
utilizar 0 metodo da associayao livre, e ao irmos associando elementos do sonho com
lembranc;as, pessoas e acontecimentos da nossa vida real, do presente au do passado,
conseguiremos desfazer as condensa¢es, separando pessoas e fatos; conseguiremos
entender as deslocamentos ocorridos, desfazendo substitui<;oes de elementos e
reconhecendo as pensamentos centrais, separando-os daqueles de menor importancia
no sonho.
Ao final da interpreta9c3o do sonho pelo seu proprio autor, ele tera descoberto
a verdadeira razao do seu sonho acontecer, qual era 0 desejo nao realizado e como
o sonho conseguiu realiza-Io.
Falando de outra maneira, ao final da interpretac;ao de um sonho, alcangamos
os pensamentos onfricos latentes, que sao, nada mais nada menos, que os
pensamentos do inconsciente; sao pensamentos que formam um saber que 0 sujeito
sabe, sem saber que sabe. Chegamos ai, novamente a definic;:ao do inconsciente.
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E portanto, ai esta a real importancia da interpretayao dos sonhos e a
importancia dos proprios sonhos; eles demons tram e comprovam a existencia de urn
"mundo desconhecido" aos seres humanos, abrindo um ample e inimaginavel acesso
ao conhecimento da vida mental inconsciente, ao proprio inconsciente.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
FREUD, S. Conferencias introdutorias sobre psicanaiise. Conferencia nO.V,VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV. volume XV, Obras Psicol6gicasCompletas, Rio de Janeiro, Imago, 1976.
2 FREUD, S. A interpreta~ao de sonhos. (Parte I). Capitulos IV, Ve VI, volumeIV. Obras Psicol6gicas Completas, Rio de Janeiro, Imago, 1976.