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CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E ANÁLISE DE RETENÇÃO DE
PARTÍCULAS EM RESÍDUO PALHOSO
Gabriela Batalha Ferreira da Silva
Projeto de Graduação apresentado ao
Curso de Engenharia Civil da Escola
Politécnica, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do
título de Engenheiro.
Orientador: Diego Luiz Fonseca
Rio de Janeiro
Junho de 2018
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E ANÁLISE DE RETENÇÃO DE
PARTÍCULAS EM RESÍDUO PALHOSO
Gabriela Batalha Ferreira da Silva
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO
DE ENGENHARIA CIVIL DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO CIVIL.
Examinada por:
__________________________________________
Prof. Diego Luiz Fonseca, M. Sc.
__________________________________________
Prof. Jorge Henrique Alvez Prodanoff, D. Sc.
__________________________________________
Prof. Marcos Barreto de Mendonça, D. Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
JUNHO DE 2018
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Batalha, Gabriela Batalha Ferreira da Silva
Caracterização Física e Análise de Retenção de
Partículas em Resíduo Palhoso / Gabriela Batalha Ferreira
da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ/Escola Politécnica, 2018.
xvi, 80 p.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Diego Luiz Fonseca
Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/
Curso de Engenharia Civil, 2018.
Referências Bibliográficas: p. 73- 78
1. Introdução 2. Revisão Bibliográfica 3. Metodologia
4. Resultados e Discussão 5. Conclusão e Recomendações
6. Referências Bibliográficas 7. Anexo
I. Fonseca, Diego Luiz II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia Civil.
III. Caracterização Física e Análise de Retenção de
Partículas em Resíduo Palhoso.
iii
“O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder entusiasmo”.
Winston Churchill
iv
Dedico este trabalho à minha família: Cristiane,
Izabel, Suely, Celso, Rafael, Rodrigo, Ana
Paula e Jonathan.
À força dos meus sonhos, que me motivam a
seguir cada dia.
v
AGRADECIMENTOS
Neste momento tão simbólico, me faltam palavras pra agradecer à todos que passaram pelo meu caminho nesses anos de graduação e no intercâmbio.
Primeiramente, eu gostaria de agradecer à banca pela disponibilidade para a leitura e avaliação do trabalho. As opiniões e os conselhos dos senhores foram considerados com muito primor. Gostaria de agradecer ao meu orientador Diego Fonseca, que me ajudou muito e se mostrou sempre solícito em todas as etapas de transformação desde trabalho de um relatório técnico para um trabalho de conclusão de curso.
Este trabalho foi desenvolvido no meu intercâmbio na França, durante o estágio no laboratório de Mecânica dos Fluidos de Toulouse. Preciso agradecer ao meu tutor e orientador Gérald Debenest, por todo apoio, conselhos, ensinamentos e desafios durante meus 9 meses de estágio no laboratório. Gérald mostrou muitas qualidades humanas, e além disso, um conhecimento extraordinário no assunto. Agradeço muito pela oportunidade, pela confiança e por toda ajuda que eu recebi durante minha estadia na França.
Agradeço ao Ruddy Soeparmo, responsável pelos experimentos no laboratório, que me ajudou com os equipamentos. Agradeço aos meus colegas do laboratório Chaima, Manel, Oscar, Mateus e João Victor, por todos os momentos de trabalho que passamos juntos e pela ajuda nas minhas medições também! Vale um agradecimento especial ao André e à Doha que desenvolveram uma parte do trabalho em conjunto comigo. Obrigada por toda ajuda no COMSOL e no MATLAB. Vocês são nota dez!
Outro agradecimento especial à Manel pela revisão do meu trabalho em francês, e por ser minha grande amiga e motivadora nos últimos meses de trabalho. Agradeço muito à professora Heloísa Firmo, que foi minha coordenadora de intercâmbio, pela oportunidade, pelo apoio e pela orientação, nada seria possível sem sua ajuda.
Não poderia deixar de agradecer aos meus queridos amigos do intercâmbio: Fernanda, Pedro, Leonardo, Lívia, Bruna, Rafael, João, Lucas, Kike, e Jonathan. Obrigada por cada momento especial que passei na França com vocês! Vocês foram essenciais para tornar essa experiência incrível, não tenho palavras pra agradecer. Em especial ao Jonathan, obrigada pelo seu amor, pela sua força e pelo seu apoio!
Agradeço aos meus grandes amigos da UFRJ: Raoni, Marina Coelho, Marjorie, Luana Berriel, Carol Saba, Victor Iglesias, Guilherme Castro, Flora Rocha, Vítor Telles, Clarice Sipres, Bryan de Barros e tantos outros que tornaram essa caminhada mais leve. Obrigada por toda ajuda de vocês, todas as noites perdidas estudando, trabalhos, festas, caronas e apoio. Vale um agradecimento mais que especial para o meu amigo Raoni, por ser um dos meus maiores motivadores durante a redação do TCC, me ajudando com
vi
dúvidas, sugestões, apoio e principalmente por ser uma amizade que preenche e transborda!
Não poderia faltar uma menção ao meu querido amigo Gustavo Barud (in memorian), com quem tive a grande oportunidade de conviver. Gugu, agradeço por todos os momentos que compartilhamos. Sua força de vontade e alegria de viver me inspiram a cada dia, sentiremos saudades eternas.
Por último, mas não menos importante, à minha família, essa conquista é para agradecer à vocês todas as oportunidades! Obrigada por estarem sempre ao meu lado, me dando todo o apoio necessário, conselhos, carinho e amor. Nada teria sentido sem vocês.
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Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte
dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Civil.
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E ANÁLISE DE RETENÇÃO DE
PARTÍCULAS EM RESÍDUO PALHOSO
Gabriela Batalha Ferreira da Silva
Junho/2018
Orientador: Diego Luiz Fonseca
Curso: Engenharia Civil
Realizou-se no presente trabalho um estudo experimental de um sistema filtrante, no
contexto da digestão anaeróbica de resíduos sólidos, seguindo um método chamado
“seco descontínuo”. O princípio deste método é injetar a água periodicamente para
garantir certa umidade do substrato. Dependendo deste teor de umidade, a produção
biológica é mais ou menos favorecida e muito dependente da saturação do material.
Além disso, a presença de espécies orgânicas e biológicas dissolvidas são fatores
determinantes no processo anaeróbio. Deste modo, estudou-se o transporte de massa
através de um filtro de cama composto pelo material biodegradante. Ensaios
experimentais foram realizados, baseando-se na simulação dos ambientes atuais tratados
(palha e estrume) por um bioreator em forma de coluna. A injeção de água no
biosubstrato provoca o escoamento de partículas minerais e biológicas no processo de
digestão. Foi proposto o estudo aprofundado das propriedades do meio filtrante, bem
como a saturação e a taxa de retenção das partículas na altura do filtro de cama.
Determinou-se a macroporosidade, a microporosidade e a condutividade hidráulica do
biosubstrato. Além disso, verificou-se que a eficácia máxima de filtração para o
transporte de partículas inativas com densidade próxima à densidade real de biofilmes
foi de 59%.
Palavras-chave: digestão anaeróbia, meio filtrante, características do meio filtrante,
saturação.
viii
Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Engineer.
PHYSICAL CARACTERIZATION AND RETENTION ANALYSES OF A
POROUS MEDIA
Gabriela Batalha Ferreira da Silva
June/2018
Advisor: Diego Luiz Fonseca
Course: Civil engineering
An experimental study of a filter system in the context of the anaerobic digestion
of solid waste was carried out, following a method called "dry batch". The principle of
this method is to periodically inject water to ensure certain substrate moisture.
Depending on this moisture content, the biological production is more or less favored,
and dependent on the material saturation. In addition, the presence of dissolved organic
and biological species are determining factors in the anaerobic process. For this reason,
the mass transport through a bed filter composed of the biodegrading material was
studied. Experimental tests were performed, based on the simulation of current treated
materials (straw and manure) by a column-shaped bioreactor. The injection of water
into the biosubstrate causes the flow of mineral and biological particles in the digestion
process. Filter media properties were assessed, as well as the saturation and the particles
retention rate at the bed filter height. The biosubstrate macroporosity, microporosity and
hydraulic conductivity were determined. Moreover, it was found that the maximum
filtration efficiency for the transport of inactive particles with a similar density to
biofilm was 59%.
Keywords: anaerobic digestion, filter media, filter media characteristics, saturation.
ix
Sumário
Capítulo 1. INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
1.1. OBJETIVOS ........................................................................................................... 3
1.1.1. Objetivo Geral ..................................................................................................... 3
1.1.2. Objetivos Específicos .......................................................................................... 4
Capítulo 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................ 5
2.1. RÉSIDUOS AGROSSILVOPASTORIS ............................................................... 5
2.2. A METANIZAÇÃO ............................................................................................... 8
2.2.1. Etapas da digestão anaeróbia ............................................................................... 9
2.2.2. Digestão Anaeróbica e Resíduos Agrossilvopastoris ........................................ 11
2.2.3. Digestores Anaeróbios ....................................................................................... 14
2.3. CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DO MACIÇO DE RESÍDUOS ......................... 16
2.3.1. Propriedades físicas dos maciços de resíduos ................................................... 17
2.3.2. Propriedades hidrostáticas dos maciços de resíduos ......................................... 18
2.3.3. Propriedades hidrodinâmicas dos maciços de resíduos. .................................... 20
2.4. A FILTRAÇÃO .................................................................................................... 21
2.4.1. As forças exercidas na filtração ......................................................................... 23
2.4.2. Parâmetros importantes no transporte de partículas em meio poroso ............... 24
2.5. PROBLEMAS DE EFEITOS COLETIVOS DE PARTICULAS NO
TRANSPORTE DE MATÉRIA ..................................................................................... 26
2.5.1. A Convecção ..................................................................................................... 28
2.5.2. A dispersão. ....................................................................................................... 29
2.5.3. Advecção versus Dispersão ............................................................................... 30
Capítulo 3. METODOLOGIA .............................................................................. 32
3.1. DESENVOLVIMENTO DO APARATO EXPERIMENTAL ............................ 32
x
3.2. CARACTERIZAÇÃO DO MEIO POROSO ....................................................... 34
3.3. TESTES DE SATURAÇÃO COM VARIAÇÃO DE TEMPERATURA ........... 37
3.4. ESTUDO DE TRANSPORTE E RETENÇÃO DE PARTÍCULAS NO MEIO
POROSO............. ........................................................................................................... 40
Capítulo 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................... 43
4.1. CARACTERIZAÇÃO DO MEIO POROSO ....................................................... 43
4.2. TESTES DE SATURAÇÃO COM VARIAÇÃO DE TEMPERATURA ........... 52
4.3. ESTUDO DE TRANSPORTE E RETENÇÃO DE PARTÍCULAS NO MEIO
POROSO............. ........................................................................................................... 63
Capítulo 5. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES ........................................... 70
Capítulo 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................. 73
ANEXO.............. ..................................................................................................... 79
1. Impactos positivos causados pelos resíduos agrossilvopastoris .............................. 79
2. Impactos negativos causados pelos resíduos agrossilvopastoris ............................. 79
xi
Lista de Figuras
Figura 2-1: Sequências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão
anaeróbia (com redução de sulfato). Fonte: CHERNICHARO (1997). 10
Figura 2-2: Aproveitamentos energéticos para o biogás e o biometano. Fonte:
PROBIOGÁS, 2015 11
Figura 2-3 : Ciclo do uso energético de biogás produzido na agricultura. Fonte:
PROBIOGÁS, 2015 11
Figura 2-4: Geração de eletricidade usando biogás. Fonte: EBA, 2011. 12
Figura 2-5: Mapa de unidades de produção e o uso energético do biogás no Brasil.
Fonte: CIBIOGAS (http://mapbiogas.cibiogas.org/) 13
Figura 2-6: Potencial para geração de metano a partir dos dejetos das principais criações
de animais confinados – em milhões. Fonte: IPEA(2012). 13
Figura 2-7 : Sistema de digestão anaeróbia contínuo. Fonte: ENERGAIA, 2005. 14
Figura 2-8: Sistemas de digestão anaeróbia descontínuos. Fonte: ENERGAIA, 2005. 15
Figura 2-9: Amostra de resíduo sólido. Fonte: Traduzido de SHEWANI (2016). 16
Figura 2-10: Etapas do estudo da determinação da distribuição das dimensões de um
meio fibroso. Fonte: BENMACHOU, 2005. 18
Figura 2-11: Estados físicos da água dentro de uma amostra insaturada de resíduos
sólidos. Fonte: Traduzido de SHEWANI (2016). 19
Figura 2-12: Diferentes tipos de locais de retenção de partículas em um meio poroso.
Fonte: DELACHAMBRE, 1996. 22
Figura 2-13: Diferentes tipos de vazios presentes num meio poroso. Fonte: Adaptado de
LOMINÉ, 2007. 27
Figura 2-14: Esquema ilustrativo da relação crítica de empilhamento D/d. Fonte:
LOMINÉ, (2007) 27
Figura 2-15: Esquema de modelização um escoamento de fluido com partículas finas
através de um meio poroso. Adaptado de: TRYKOZKO (2016). 31
xii
Figura 2-16 – Campos de velocidade de escoamento em uma simulação numérica.
Adaptado de: TRYKOZKO (2016). 31
Figura 3-1: Projeto do protótipo do equipamento. 32
Figura 3-2: Disposição final do aparato experimental na bancada do laboratório. À
esquerda: balança associada ao computador, misturador de soluções. À direita: bomba
peristáltica associada do equipamento de controle de vazão injetada, coluna de PMMA e
recipiente de estocagem situado na saída da coluna. 33
Figura 3-3: Disposição final do resíduo poroso dentro do equipamento experimental
para os valores de densidade: 38kg/m3 (A), 48kg/m3 (B), 58kg/m3 (C), 68kg/m3 (D) e
78kg/m3 (E). 35
Figura 3-4: Esquema ilustrativo do aparato experimental. 37
Figura 3-5: Sensor Arexx TSN-33MN à prova d’água. Compatíveis com receptores
Multilog. Fonte: http://arexx.com 40
Figura 3-6: Etapas do teste de calibração para o estudo de retenção de partículas. 41
Figura 4-1: Curva de evolução da macroporosidade em relação a densidade de material
poroso, para cada experimento realizado. 46
Figura 4-2: Curva de microporosidade em relação à densidade de material poroso, para
cada experimento. 47
Figura 4-3: Evolução da microporosidade em relação ao tempo, para cada densidade de
palha de trigo estudada no biodigestor. 48
Figura 4-4: Evolução da saturação da palha de trigo em relação ao tempo para cada
valor de densidade, no Experimento 1. 49
Figura 4-5: Evolução da saturação da palha de trigo em relação ao tempo para cada
valor de densidade, no Experimento 2. 49
Figura 4-6: Evolução da saturação da palha de trigo em relação ao tempo para os três
valores de densidade mais elevados, encontrados no Experimento 3. 50
Figura 4-10: Resultados do segundo dia de experimentos fornecidos pelo software dos
captores de temperatura - densidade de material poroso de 60 kg/m3. Curva marrom:
captor que foi posicionado no topo. Curva vermelha e verde: captores posicionados no
meio da coluna. Curva azul indica o captor posicionado próximo a base da coluna. 53
xiii
Figura 4-11: Resultados do terceiro dia de experimentos fornecidos pelo software dos
captores de temperatura - densidade de material poroso de 90 kg/m3. Curva marrom:
captor posicionado no topo. Curva azul: captor posicionado no meio da coluna. 54
Figura 4-12: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – primeiro dia, com densidade de 50 kg/m3, matriz insaturada.
Curva azul: captor posicionado no topo da coluna. Curva rosa: captor posicionado no
meio da coluna. 55
Figura 4-13: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – primeiro dia, com densidade de 50 kg/m3, matriz saturada. 55
Figura 4-14: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – segundo dia, com densidade 60 kg/m3, matriz insaturada. Curva
marrom: captor posicionado no topo da coluna. Curva vermelha: captor posicionado no
meio da coluna. Curva azul: captor posicionado próximo a base da coluna. 56
Figura 4-16: Deriva da curva de temperatura em relação ao tempo – primeiro dia, matriz
insaturada (50 kg/m3). Curva azul: captor posicionado no topo da coluna. Curva rosa:
captor posicionado no meio da coluna. 57
Figura 4-17: Deriva da curva de temperatura em relação ao tempo – primeiro dia, matriz
saturada (50 kg/m3). A curva azul representa o captor posicionado no topo da coluna, e
a curva rosa representa o captor posicionado no meio da coluna. 58
Figura 4-18: Derivada da curva de temperatura em relação ao tempo – segundo dia,
matriz insaturada (60 kg/m3). Curva marrom: captor posicionado no topo da coluna.
Curva vermelha: captor posicionado no meio da coluna. Curva azul: captor posicionado
próximo a base da coluna. 58
Figura 4-19: Deriva da curva de temperatura em relação ao tempo – segundo dia, matriz
saturada (60 kg/m3). Curva marrom: captor posicionado no topo da coluna. Curva
vermelha: captor posicionado no meio da coluna. Curva azul: captor posicionado
próximo a base da coluna. 59
Figura 4-20: Curvas de saturação efetiva obtidas pelos modelos no COMSOL, para o
captor de temperatura 1.61Figura 4-21: Curvas de saturação efetiva obtidas pelos
modelos no COMSOL, para o captor de temperatura 2. 61
xiv
Figura 4-22: Curvas de saturação efetiva obtidas pelos modelos no COMSOL, para o
captor de temperatura 3. 62
Figura 4-23: Evolução do entupimento dos poros pela injeção das microbolhas de vidro
na coluna com material poroso a 60 kg/m3. A corresponde ao primeiro dia, B
corresponde ao segundo e C ao terceiro dia de ciclos. 65
Figura 4-24: Vista superior da coluna do aparato experimental totalmente bloqueada
pelas microbilhas de vidro. 65
Figura 4-25: Esquema do entupimento num processo de filtração de um meio fibroso. A
figura 4-25A corresponde a visão macroscópica do processo e a figura 4-25B
corresponde à parte microscópica do processo. Adaptado de: BENMACHOU (2005) 66
Figura 4-26: Experimento com partículas de poliamida. 67
Figura 4-27: Curva de massa retida e recuperada no meio poroso a cada ciclo do
experimento de transporte e retenção de partículas de poliamida. 69
Lista de Tabelas
Tabela 1-1: Rebanho Efetivo no Brasil segundo diversas espécies. Fonte: IBGE (2011)
2
Tabela 2-1: Quantidade de dejetos gerados pelas principais criações de animais no
Brasil em 2009. Fonte: IPEA, 2012. 6
Tabela 4-1: Dados obtidos no experimento de caracterização. 43
Tabela 4-2: Constantes da linearização das curvas de evolução da microporosidade em
relação ao tempo. 50
Tabela 4-3: Resultados de tempo de saturação obtidos para cada captor de temperatura.
As posições r e z encontram-se em centímetros, onde r é a posição radial e z é a altura.
58
Tabela 4-4: Resultados do teste de calibração de transporte e retenção de matéria,
realizado com bilhas de vidro de 100-200μm de diâmetro. 63
Tabela 4-5: Resultados dos testes de transporte e retenção de partículas de poliamida no
meio poroso de palha de trigo. 67
xv
Lista de Abreviaturas
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
PNRS: Política Nacional de Resíduos Sólidos
PROBIOGÁS: Projeto Brasil-Alemanha de Fomento ao Aproveitamento Energético de
Biogás no Brasil
RSD: Resíduos Sólidos Domésticos
INPEV: Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias
UASB: Upflow Anaerobic Sludge Blanket
ADE: Advection Dispersion Equation
IMFT: Institut de Mécanique des Fluides de Toulouse
LISBP: Laboratoire d’Ingénierie des Systémes Biologiques et des Procédés
INSA: Institut National des Sciences Appliquées
PMMA: Polimetilmetacrilato
PVC: Policloreto de polivinila
xvi
Capítulo 1. INTRODUÇÃO
Há alguns anos, a conscientização da preservação do nosso planeta tem se tornado
algo cada vez mais presente no dia-a-dia. Antes da revolução industrial, o meio
ambiente ainda não mostrava sinais tão expressivos de desgaste e as formas de produzir
energia estavam começando a ser exploradas. Visto todo um século de desenvolvimento
tecnológico, de crescimento populacional e de exploração dos recursos naturais, há
diariamente sinais de que as atividades humanas precisam ser regulamentadas de forma
a agredir o menos possível o meio ambiente, além de criar soluções para o
aproveitamento dos resíduos gerados.
A indústria agrossilvopastoril é uma das mais expressivas no mundo, responsável
pela produção de alimentos, sendo eles enlatados, naturais, congelados ou rações, pelo
abate e industrialização de animais, pela produção de couro, pela produção de bebidas,
pela produção de tecidos naturais, entre outras inúmeros tipos de produtos e setores.
Segundo o IBGE, em 2010 no Brasil, o setor agrossilvopastoril apresentou um
crescimento de 3,9% em relação aos demais setores (IBGE, 2011). Para se ter noção da
expressividade desta indústria, a população bovina superou a população brasileira neste
mesmo ano. A Tabela 1-1 apresenta o rebanho efetivo nacional segundo diversas
espécies. Além disso, a produção agrícola no Brasil também possui grande
expressividade, sobretudo no que diz respeito à soja, cacau, café, entre outros. Os
resíduos sólidos gerados pelas atividades pastoris somam, segundo o IPEA (2012), 1,7
bilhões de toneladas por ano, tanto em dejetos diretos quanto naqueles decorrentes do
abate; Já os produzidos pela silvicultura são estimados em 38,5 milhões de toneladas
por ano, oriundos da colheita e do processamento mecânico. A poluição ambiental
causada pela indústria agrossilvopastoril causa danos diretos ao meio ambiente, e
também representa riscos para saúde humana e dos animais, pois muitos destes resíduos
são resultados de tratamento veterinário e fitossanitário, podendo ser contaminantes.
1
Tabela 1-1: Rebanho Efetivo no Brasil segundo diversas espécies. Fonte: IBGE (2011)
Espécie Efetivo nacional (milhões)
Bovinos 209.541
Bubalinos 1.185
Equinos 5.514
Asininos 1.002
Muares 1.277
Suínos 38.957
Caprinos 9.313
Ovinos 17.381
Aves 1.028.181
Sob esta perspectiva, a digestão anaeróbia é uma das alternativas mais
promissoras para a eliminação dos resíduos sólidos produzidos a partir de fontes
agrícolas. Este tipo de tratamento apresenta um alto potencial de geração de
subprodutos úteis, nas formas sólida, gasosa ou líquida. Cada uma dessas frações terá
utilização/valorização diferentes. A fração sólida e a líquida podem ser utilizadas como
fertilizantes ou aproveitados na compostagem. A fração gasosa, é denominada biogás,
pode ser utilizada na geração de energia, contribuindo para a matriz de energias
renováveis do Brasil e de outros países no mundo.
Contudo, para correta operação de reatores anaeróbicos para digestão de resíduos
sólidos, a percolação líquida dentro da massa sólida é algo complexo e requer uma boa
compreensão da atividade entre o fluxo de líquido e as partículas com atividade
biológica, visto que o material utilizado na digestão anaeróbia é um meio poroso
heterogêneo e de alta complexidade.
O transporte de materiais finos (como partículas minerais e biofilme, por
exemplo) em um meio poroso é objeto de diversos estudos em diferentes campos, como
por exemplo, na exploração do petróleo e refino, no estudo de poluição de corpos
d’água ou solos, dentre outras áreas. Apesar das muitas abordagens teóricas e empíricas
adquiridas na literatura e dos muitos avanços obtidos no assunto, a dificuldade deste
estudo reside na variedade dos parâmetros que entram em jogo, como condições
2
hidrodinâmicas, condições físico-químicas, a microestrutura do meio poroso, as
propriedades das partículas e etc.
Considerando tais aspectos, desenvolveu-se estudo de caracterização de meio
poroso composto por resíduo agrossilvopastoril, simulando o transporte e retenção de
partículas que ocorre em processo de digestão anaeróbica.
Para tanto, este trabalho é divido em cinco capítulos, estruturados em Introdução,
Revisão Bibliográfica, Metodologia, Resultados e Conclusão. Após a contextualização
do estudo e de compreender a importância dos parâmetros de um aproveitamento de
resíduos, a Revisão Bibliográfica trata de explicar em detalhes todos os processos
abordados no trabalho. São eles: os resíduos agrossilvopastoris, a digestão anaeróbia, as
características físicas dos maciços de resíduos mais comummente utilizados e o
processo de filtração das diversas partículas presentes na digestão. No capítulo de
Metodologia, é realizada uma descrição completa do aparato experimental criado para
conduzir este trabalho. Um modelo de biorreator para produção de biogás foi
reproduzido em laboratório e utilizado principalmente para a simulação do processo de
metanização, estudando as características físicas e de saturação do meio poroso adotado
e a retenção de matéria na filtragem. É importante salientar que para todos os testes e
ensaios efetuados, não foram utilizadas normas técnicas devido à ausência de normas
específicas para cada ensaio, realçando o caráter de inovação do estudo. Optou-se por
utilizar a literatura como base, realizando abordagens similares e adaptando ao
equipamento criado para este projeto. O capítulo de Resultados apresenta todos os
dados experimentais obtidos a partir dos ensaios de laboratório realizados. Por fim, a
Conclusão deste trabalho analisa todos os resultados obtidos em cada parte do estudo.
1.1. OBJETIVOS
1.1.1. Objetivo Geral
Esse trabalho tem como objetivo geral compreender o transporte de matéria no
seio de um meio filtrante composto por um resíduo agrosssilvopastoril dentro de um
processo anaeróbico. Para tanto, uma configuração experimental foi realizada para
compreender melhor a retenção de partículas, a porosidade do maciço de resíduos e as
propriedades hidráulicas envolvidas na digestão.
3
1.1.2. Objetivos Específicos
Neste contexto de metanização, de transporte de partículas e de filtração, os
objetivos específicos são:
• A caracterização do meio poroso escolhido, a palha de trigo utilizada como cama
de celeiro para rebanho bovino. Nesta caracterização, foram calculadas
informações de características físicas como a permeabilidade, a condutividade
hidráulica e a porosidade;
• Realização de testes de saturação com variação de temperatura, para obtenção de
dados característicos e parâmetros de calibração de modelos numéricos de
biodigestores;
• O desenvolvimento de uma análise de transporte e retenção de partículas no
processo de filtração que ocorre no biodigestor estudado.
4
Capítulo 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. RÉSIDUOS AGROSSILVOPASTORIS
De forma mais genérica, a lei federal no 12.305/2010, que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), a definição de resíduos sólidos está
expressa no art. 3º, inciso XVI:
Resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante
de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se
propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou
semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas
particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos
ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou
economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
A PNRS é um conjunto de diretrizes, ações e objetivos que visam regulamentar
e orientar o aproveitamento e a destinação final dos resíduos sólidos no Brasil. Proteger
a saúde pública, estimular a adoção de padrões sustentáveis no consumo e na produção
de bens e serviços, incentivar a reciclagem e regularizar a gestão dos resíduos sólidos e
da reciclagem, são alguns dos seus objetivos principais.
Segundo essa mesma lei, os resíduos sólidos são classificados quanto à origem,
sendo os agrossilvopastoris os gerados nas atividades agropecuárias e silviculturais,
incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas atividades (BRASIL, 2010). Tais
resíduos podem ser classificados como orgânicos e inorgânicos, englobando estercos,
restos de alimentos, palha de celeiros, até gaiolas, ossos, embalagens e outros
(KARPINSKI, 2010, FRITZEN, 2003, PRAZERES, 2004).
Os resíduos agrossilvopastoris orgânicos são gerados nos setores da agricultura e
da agropecuária como rejeitos de culturas (café, cacau, banana, soja milho etc.), dejetos
gerados nas criações de animais e efluentes e resíduos produzidos nas agroindústrias,
como abatedouros, laticínios e graxarias. Já os resíduos agrossilvopastoris inorgânicos
abrangem as embalagens de agrotóxicos, fertilizantes e insumos farmacêuticos
veterinários, além de parte dos resíduos sólidos domésticos da área rural. O IPEA
realizou em 2012 e em 2013, relatórios de pesquisa que diagnosticam o uso e a
5
destinação final dos resíduos agrossilvopastoris de origem orgânica e inorgânica,
respectivamente, a partir de dados obtidos pelo IBGE. Estão apresentados no Anexo os
impactos positivos e negativos causados pelos resíduos agrossilvopastoris, segundo
publicado por IPEA (2012).
No caso dos resíduos orgânicos, foram feitas estimativas das quantidades totais
de resíduos gerados a partir das atividades de agricultura, pecuária, silvicultura e
agroindústrias associadas, e além disso o potencial energético destes resíduos. A partir
deste relatório, foi possível avaliar melhor o impacto ambiental destes resíduos e as
possibilidades econômicas de os utilizar para adubação, para nutrição e geração de
energia através do reaproveitamento da biomassa. As lavouras definidas com maior
representatividade na geração de resíduos no Brasil foram: o café, o cacau, a banana, a
laranja, o coco-da-baía, a castanha de caju, a uva, a soja, o milho, a cana-de-açúcar, o
feijão, o arroz, o trigo e a mandioca (IPEA, 2012). Em 2009, estimou-se a geração de
291.138.869 t de resíduos e 604.225.461 m3 de efluentes, considerando apenas o
processamento da cana de açúcar, por exemplo (IPEA, 2012). Para os resíduos gerados
pelas atividades pecuárias, há uma dificuldade no levantamento de dados de dejetos
gerados por cada tipo de rebanho, pois há variações significativas de produtor para
produtor, no que diz respeito ao sistema de criação (confinado ou extensivo), a
alimentação fornecida, a raça e o sexo dos animais. A tabela 2-1 apresenta as
quantidades de dejetos gerados pelas principais criações animais no Brasil.
Tabela 2-1: Quantidade de dejetos gerados pelas principais criações de animais no Brasil em
2009. Fonte: IPEA, 2012.
Os setores que mais produzem resíduos são as criações de gado de leite, de
frango de corte e de suínos. Além dos dejetos, existem os resíduos resultantes do abate
6
de animais, como o sangue, o pelo, o couro, os ossos, entre outros. As graxarias são
unidades de processamento que aproveitam parte desses resíduos, e geralmente estão
anexas aos matadouros e frigoríficos.
No caso da silvicultura, os resíduos são provenientes do processamento
mecânico da madeira, da produção de papel e de celulose e da colheita. Apesar da
recente conscientização sobre o destino final desses resíduos, muitos ainda são
descartados de maneira inadequada, como em queimadas a céu aberto, depositados em
locais inadequados como nas margens de rios e lagos. Os resíduos de origem madeireira
podem ser aproveitados de diversas formas, como na valorização energética (combustão
direta, gaseificação, briquetagem e pirólise), assim como na valorização da matéria
(fertilizantes, painéis reconstruídos, painéis e vigas colados, compósitos de madeira e
plástico entre outros) (TEIXEIRA, 2005).
Já no que tange aos resíduos agrossilvopastoris inorgânicos, os resíduos de
agrotóxicos são considerados resíduos perigosos, com elevado risco de contaminação
humana e ambiental, caso não tenham o controle adequado (COMETTI, 2009). Para o
aproveitamento dos resíduos gerados pelos agrotóxicos, representados principalmente
pelas embalagens, constatou-se que as ações de gestão de coleta, transporte,
armazenamento e destinação final ambientalmente correta são eficazes, principalmente
após a criação da “lei dos agrotóxicos e do Instituto Nacional de Processamento de
Embalagens Vazias (INPEV) (IPEA, 2009)”. Para os fertilizantes, não existe qualquer
legislação vigente que contemple a destinação final das embalagens, existem apenas
algumas empresas que comercializam as embalagens vazias, reciclando-as ou
reutilizando-as. Além disso, há também o comércio informal dessas embalagens, muito
comum no meio rural (IPEA, 2013).
No que diz respeitos aos insumos farmacêuticos veterinários, há como resíduos
as embalagens vazias de medicamentos utilizados com os animais, as vacinas e os
antiparasiticidas. Alguns desses resíduos, como os dos praguicidas, possuem
características semelhantes aos agrotóxicos, podendo receber destinação final
semelhante a eles, assim como suas embalagens (IPEA, 2013).
Os resíduos sólidos domésticos da zona rural são representados pelo lixo
domiciliar, sendo sua coleta e destinação final realizadas em alguns casos pelo sistema
público de manejo dos resíduos sólidos. Entretanto, a coleta de lixo na área rural atende
7
apenas 31,6% dos domicílios, resultando em práticas não adequadas como abandono do
lixo, queimadas, enterro do lixo e etc. (BRASIL, 2010; IPEA, 2013). É necessário criar
medidas mais eficazes para a destinação final dos resíduos domésticos nas áreas rurais,
visto que há uma forte tendência ao aumento desses resíduos, pelo aumento do acesso à
energia elétrica. As leis federais de saneamento (11.445/2007) e de resíduos sólidos
(12.305/2010) visam, entre outros pontos, à elaboração de planos e políticas para o
gerenciamento de questões relativas ao saneamento e especificamente do manejo dos
resíduos sólidos, respectivamente, considerando também a zona rural (BRASIL, 2007;
BRASIL, 2010).
Para os resíduos agrossilvopastoris, uma alternativa mais adequada de
aproveitamento é o uso da biomassa como fonte sustentável de energia. São inúmeros
os benefícios do reaproveitamento energético desses resíduos, em nível social,
ambiental e econômico, pois são reduzidos os volumes de resíduos aterrados ou
dispostos de forma inadequada, reduzem-se as áreas de aterros sanitários, há geração de
emprego e renda, além de disponibilizar novas fontes de energia para a matriz brasileira.
2.2. A METANIZAÇÃO
A metanização é um processo de digestão anaeróbia, mais precisamente, é
o fenômeno da mineralização da matéria orgânica, que envolve diversos tipos de
microrganismos na ausência do oxigênio, produzindo principalmente metano e dióxido
de carbono (componentes principais do biogás). Outros produtos desta reação podem
ser amônia, sulfetos e fosfatos. Devido à grande formação de produtos intermediários e
seus processamentos imediatos, vários processos ocorrem na mesma velocidade e ao
mesmo tempo, por isso a importância de monitoramento de variáveis importantes, tais
como temperatura, pH, nutrientes, taxa de carregamento orgânico e produção de metano
por microrganismos (RAJESHWARI et al., 2000). Este processo é considerado uma
alternativa muito promissora para o tratamento de resíduos sólidos, pois todos os seus
produtos são aproveitados, mesmo que com origens distintas. Os principais grupos de
moléculas orgânicas com potencial de aproveitamento energético são os carboidratos, as
proteínas e as gorduras.
8
2.2.1. Etapas da digestão anaeróbia
A digestão anaeróbia é realizada por uma sequencia de quatro fases (figura 2-1),
que se dividem em: a fase extracelular, conhecida como hidrólise e as fases
intracelulares, compostas por acidogênese, acetogênese e metanogênese (VAN
HAANDEL e LETTINGA, 1994). As fases constituem uma cadeia sucessiva de reações
bioquímicas, iniciada pela hidrólise ou a quebra de moléculas de proteínas, lípidios e
carboidratos até a formação dos produtos finais. A descrição do que ocorre em cada fase
é feita a seguir:
• Hidrólise: transformação da matéria orgânica particulada complexa em materiais
dissolvidos mais simples, que atravessam as paredes celulares de microrganismos
fermentativos e por esta razão é conhecida como a fase extracelular. A hidrólise é
realizada pela ação de exoenzimas excretadas pelas bactérias fermentativas
hidrolíticas (CHERNICHARO, 1997);
• Acidogênese: o material solúvel produzido na hidrólise é metabolizado no
interior das células dos micorganismos, transformando-se em componentes mais
simples, os quais são excretados pelas células. Esses componentes podem ser
ácidos graxos, álcoois, ácido láctico, gás carbônico, hidrogênio, amônia e sulfeto
de hidrogênio (HAANDEL e LETTINGA, 1994);
• Acetogênese: os produtos gerados na fase anterior são oxidados pelos
microrganismos acetogênicos, que os transformam em substratos apropriados para
os microrganismos metanogênicos, como o hidrogênio, o dióxido de carbono e o
acetato (CHERNICHARO, 1997);
• Metanogênese: esta é a etapa final do processo de digestão anaeróbia dos
compostos orgânicos em metano e dióxido de carbono. As arqueas metanogênicas
são divididas em dois grupos principais: as metanogênicas acetoclásticas, que
formam metano a partir do ácido acético ou do metanol, responsáveis pela maior
parte da sua produção no precesso digestivo. As metanogênicas hidrogenotróficas
são capazes de produzir metano a partir de hidrogênio e dióxido de carbono
(FEDERIZZI, 2008).
9
Figura 2-1: Sequências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia
(com redução de sulfato). Fonte: CHERNICHARO (1997).
As substâncias úteis resultantes do processo anaeróbio são produzidas de forma
expressiva e apresentam grande potencial de aproveitamento. São compostas de frações
sólidas, líquidas e gasosas. Cada fração apresenta uma utilização e uma valorização
diferenciada. A fração gasosa é denominada biogás, sendo valorizado energeticamente
em instalações de cogeração para produção de eletricidade e calor. Seu potencial de
valorização é muito alto, devido à baixa emissão de poluentes perigosos, quando
comparada a combustão comum para obtenção de gás natural. Em alternativa, o biogás
produzido pode ter suas características melhoradas e ser injetado na rede de gás natural
para aproveitamento (APPELS et al., 2008). A figura 2-2 ilustra um esquema de
utilização do biogás como fonte de energia elétrica, térmica ou veicular. Já a fração
líquida, rica em nutrientes, pode ser recirculada para o digestor, ser aplicada ao solo
como fertilizante ou até mesmo utilizada como ponto de partida em aplicações
biotecnológicas. A fração sólida, rica em carbono, poderá sofrer processo de
10
compostagem para maturação e estabilização do produto, sendo enviada em seguida
para um aterro ou servir como fertilizante de solos (CRESPO, 2013).
Figura 2-2: Aproveitamentos energéticos para o biogás e o biometano. Fonte: PROBIOGÁS,
2015
2.2.2. Digestão Anaeróbica e Resíduos Agrossilvopastoris
O emprego da digestão anaeróbia como forma de tratamento dos resíduos
agrossilvopastoris tem se mostrado uma excelente alternativa de gestão destes resíduos,
gerando produtos como biogás e biofertilizantes, que podem ser assimilados pelo
próprio produtor rural. O esquema da figura 2-3 ilustra o ciclo de uso energético do
biogás produzido a partir de resíduos da agricultura.
Figura 2-3 : Ciclo do uso energético de biogás produzido na agricultura. Fonte: PROBIOGÁS,
2015
11
No âmbito da geração de biogás, cada vez mais países no mundo utilizam esta
alternativa como fonte de energia renovável. A produção de biogás na União Europeia
correspondeu, em 2011, a 10.858 Mtoe (million tons oil equivalents), onde 66,5%
foram produzidos com substratos da agricultura; 23,6% nos aterros e 9,9% nas estações
de tratamento de esgoto (lodos) (EBA, 2011). A figura 2-4 apresenta o uso do biogás
como fonte de energia em países europeus.
Figura 2-4: Geração de eletricidade usando biogás. Fonte: EBA, 2011.
No Brasil, a geração de biogás tem ganhado mais importância nos últimos
tempos, principalmente após a criação do Projeto Brasil-Alemanha de Fomento ao
Aproveitamento Energético de Biogás no Brasil, o PROBIOGÁS. Este projeto tem
como objetivos ampliar o uso energético do biogás em saneamento básico e em
iniciativas agropecuárias e agroindustriais, inserir o biogás e o biometano na matriz
energética nacional e, por conseguinte, contribuir para a redução de emissões de gases
indutores do efeito estufa. A figura 2-5 ilustra o mapa de unidades de produção e
geração de energia a partir do biogás, mostrando usinas que estão sendo construídas e as
que já estão em operação no Brasil.
12
Figura 2-5: Mapa de unidades de produção e o uso energético do biogás no Brasil. Fonte:
CIBIOGAS (http://mapbiogas.cibiogas.org/)
Nos abatedouros de aves, verificou-se que os resíduos que possuem potencial de
serem utilizados na produção de biogás e posterior conversão de energia são os resíduos
da cama de aviários, da borra do flotador e os efluentes líquidos, por exemplo (IPEA,
2012). Já no caso dos abatedouros bovinos, incluem-se o esterco e os efluentes. A figura
2-6 mostra o potencial de geração de metano a partir dos dejetos das principais criações
do Brasil.
Figura 2-6: Potencial para geração de metano a partir dos dejetos das principais criações de
animais confinados – em milhões de toneladas. Fonte: IPEA(2012).
13
2.2.3. Digestores Anaeróbios
O equipamento criado para o processamento da matéria orgânica de forma
anaeróbia é denominado Digestor Anaeróbio. Funciona como um digestor químico,
onde ocorrem as reações em cadeia da degradação anaeróbia, feitas por inúmeras
bactérias. Em funcionamento normal, um digestor é capaz de reduzir de 60 a 80% a
matéria orgânica (ADENE, 2003). De maneira simplificada, existem dois tipos
principais de digestores, os ditos anaeróbios contínuos e os anaeróbios descontínuos.
Os sistemas de digestão contínua são caracterizados pelo abastecimento
contínuo de material orgânico para ser digerido. Há dois grandes grupos de digestores
contínuos de acordo com o tipo de biomassa utilizada em seu interior, sendo eles de
biomassa suspensa ou biomassa fixa. Além disso, eles podem ser dotados de agitação
ou aquecimento (ENERGAIA, 2005). A figura 2-7 ilustra o esquema deste tipo de
sistema digestivo. Ele representa o tipo mais utilizado no mercado devido à sua alta
capacidade de produção de gás.
Figura 2-7 : Sistema de digestão anaeróbia contínuo. Fonte: ENERGAIA, 2005.
Nos digestores anaeróbios descontínuos, também conhecidos como batelada, a
matéria orgânica é inserida no interior do equipamento de maneira total, ou seja, ela não
será reposta, deverá permanecer dentro do digestor durante todo o tempo até o final da
degradação. Este tipo de sistema pode ser construído em três tipos diferentes. São eles:
uma fase, múltiplas fases e híbrido com UASB. No digestor descontínuo de uma fase, a
recirculação da fase líquida digerida sai do fundo do digestor para sua parte superior,
havendo agitação parcial do maciço digerido (MONNET, 2003). O digestor dito de
múltiplas fases é composto por dois ou mais digestores. O caldo digerido sai do
primeiro digestor para o último, onde ocorre a fase de metanogênese e retorna
automaticamente deste, devido a um potencial tampão, proveniente de pH elevado. Essa
14
recirculação causa a estabilização do processo e além disso otimiza a produção de
biogás (MONNET, 2003). Por fim, existe um tipo de digestor anaeróbio denominado
híbrido com UASB, que é resultado de um tipo descontínuo de uma fase associado a um
digestor dito UASB (upflow anaerobic sludge blanket). O digestor do tipo UASB possui
sua alimentação feita pelo fundo do reservatório, onde há uma camada de lodo na qual o
fluido digerido escoa ascendentemente. A estrutura do digestor UASB funciona como
separador trifásico, em que o gás produzido ascende junto com partículas granuladas
que se aderem e colidem com o fundo do digestor, servindo como uma placa
desgaseificadora, ou seja, o gás é liberado e os grãos sedimentam sobre o lodo
(PROSAB, 1999). No caso do digestor híbrido, a parte considerada como batedala é
alimentada pelos lodos provenientes do digestor UASB. A figura 2-8 apresenta de
forma esquemática, os três tipos de digestores descontínuos abordados anteriormente.
Figura 2-8: Sistemas de digestão anaeróbia descontínuos. Fonte: ENERGAIA, 2005.
Apesar das limitações de produção de biogás, o sistema descontínuo apresenta
uma vantagem construtiva em relação ao sistema contínuo, pois possui facilidade de
operação e baixo custo de investimento, sendo assim um sistema atrativo para pequenas
empresas ou pesquisadores. No entanto, sua dificuldade de arranque gera problemas de
canais preferenciais na massa de resíduos. Essa dificuldade pode ser compensada pela
recirculação do suco digerido, eliminando esses caminhos preferenciais e compensando
o teor líquido durante o processo de biodegradação (SHEWANI, 2016).
Visto que o papel da circulação da água é fundamental para a degradação da
matéria orgânica, este tipo de sistema favorece o estudo da sua capacidade
hidrodinâmica. A circulação de água no sistema influencia também nas propriedades
físicas do maciço e no teor de água durante a degradação (SHEWANI, 2016).
15
Tendo em vista a importância da abordagem de temas que envolvem o
aproveitamento de resíduos provenientes das atividades agrossilvopastoris, o tipo de
digestão anaeróbia em que se baseou o presente trabalho é um tipo correspondente ao
método descontínuo por caminho estático sólido. Este método apresenta várias
vantagens sobre a camada de caminho único, como por exemplo, a possibilidade de
desenvolver substratos sólidos em alta secura (entre 20 e 50% de peso seco) e por não
usar recirculação de suco pesado.
2.3. CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DO MACIÇO DE RESÍDUOS
O maciço de resíduos utilizado no processo de metanização para produção de
biogás é considerado como um material multifásico, poroso, permeável e complexo.
Eles são constituídos de diversas fases que consistem em:
• Uma fase sólida, que compreende os substratos de partículas da matéria inerte e
dos microrganismos;
• Uma fase líquida essencialmente composta de água e solutos diversos;
• Uma fase gasosa composta de ar.
A figura 2-9 ilustra uma amostra de resíduos sólidos. As fases de uma amostra
de resíduos podem ser móveis (líquida e gasosa) ou estática (sólida). Os vazios que se
encontram no interior da fase sólida são denominados como porosidade, que é uma
propriedade física importante na análise da influência da circulação de água e da
saturação no processo anaeróbio.
Figura 2-9: Amostra de resíduo sólido. Fonte: Traduzido de SHEWANI (2016).
16
Os resíduos palhosos e de esterco, por possuírem características físicas muito
heterogêneas e complexas, são considerados resíduos com dupla porosidade. A dupla
porosidade significa que existem dois tipos de vazios: os macroporos, ou seja, vazios de
maior escala que permitem a circulação difásica de água e de gases, e os microporos,
que são vazios de menor escala, nos quais a água ou os gases permanecem sob forma
estática. Em resumo, num processo de percolação e drenagem, a água injetada no seio
do maciço de resíduos pode se apresentar de duas formas: a água estática – que é
transferida e aprisionada nos microporos, e a água móvel – que escoa através dos canais
de macroporos (SHEWANI, 2016).
De modo a caracterizar a estrutura de um maciço de resíduos, suas propriedades
são divididas em três tipos principais: as propriedades físicas, as propriedades
hidrostáticas e as propriedades hidrodinâmicas.
2.3.1. Propriedades físicas dos maciços de resíduos
As propriedades físicas adotadas para os maciços de resíduos neste estudo, são
consideradas características físicas de meios porosos. Dentre elas, destacam-se a
porosidade, a densidade, a distribuição granulométrica e a compressibilidade (HUET,
2012):
• A Porosidade é definida como a relação entre o volume de espaços vazios e o
volume total do maciço sólido. O maciço sólido pode ser considerado como um
meio poroso a uma porosidade ou com múltiplas porosidades, dependendo da sua
complexidade. No caso de meios porosos considerados a dupla porosidade,
define-se macroporosidade como a relação entre o volume de poros de maiores
dimensões e o volume total do maciço. Por outro lado, a microporosidade
considera o volume de poros de pequenas dimensões;
• A densidade é definida pela divisão entre a massa e o volume de uma amostra
dada. Há diversos tipos de densidade utilizadas, como por exemplo a densidade
aparente (em relação à massa total) e a densidade das partículas sólidas (em
relação ao peso seco). No domínio dos solos, a densidade seca das partículas
sólidas possui um valor médio em torno de 2650 kg.m-3 (STOLTZ ET AL., 2010).
Em contrapartida, no domínio dos resíduos agrossilvopastoris, uma amostra
composta por estrume bovino apresenta uma gama de valores de densidade seca
das partículas sólidas entre 1200 e 1800 kg.m-3 (AGNEW E LEONARD, 2003);
17
• A distribuição granulométrica é o estudo da distribuição dos tamanhos das
partículas. No que diz respeito aos maciços de resíduos, as medidas
granulométricas não são triviais, sendo necessário realizar a separação dos
agregados presentes nos resíduos por peneiras ou por centrifugação e até mesmo
realizar análise de imagem com lasers e tomografia. No caso dos materiais
fibrosos, a determinação do tamanho das partículas e dos poros é feita por
tomografia e tratamento de imagem. A figura 2-10 ilustra as três etapas seguidas
no estudo realizado por BENMACHOU (2005);
• A compressibilidade é a variação relativa de volume sólido sobre efeito de uma
pressão aplicada, conhecida como redução de resíduos, dividida em duas fases. A
redução primária corresponde a uma resposta rápida do maciço em relação a seu
peso próprio ou a uma sobrecarga aplicada em sua parte superior. No entanto, a
redução secundária é atribuída a degradação da matéria orgânica e a evaporação
da água presente na matriz de resíduos (HUET, 2012).
Figura 2-10: Etapas do estudo da determinação da distribuição das dimensões de um
meio fibroso. Fonte: BENMACHOU, 2005.
2.3.2. Propriedades hidrostáticas dos maciços de resíduos
A distribuição da água nos maciços de resíduos é complexa devido à
heterogeneidade da matriz. A fim de caracterizar essa distribuição, são definidas
18
algumas propriedades hidrostáticas mais aplicadas nos estudos em processos de
degradação, como o teor em água e seus estados físicos, a capacidade de campo e a
tortuosidade. GARCIA-BERNET ET AL. (2011) propõem as seguintes definições:
• Teor em água e seus estados físicos é a água pode ser encontrada na matriz de
resíduos de forma livre ou aprisionada. A água livre é aquela que não influencia as
partículas sólidas, ou seja, é a agua que circula nos macroporos. Este tipo de água
pode ser eliminada por drenagem ou compressão. Por outro lado, a água
aprisionada pode ser encontrada em três tipos – a água capilar, a superficial e a
higroscópica, ilustradas pela figura 2-11. A água aprisionada permanece no maciço
após a drenagem da água livre;
Figura 2-11: Estados físicos da água dentro de uma amostra insaturada de resíduos sólidos.
Fonte: Traduzido de SHEWANI (2016).
• Capacidade de campo pode-se definir como a capacidade máxima de retenção em
água do maciço. Quando a água percola através da matriz de resíduos, o volume
de água retido aumenta progressivamente até o momento que a capacidade de
campo é atingida. A capacidade de campo deve ser estudada para cada caso
específico, pois depende das propriedades físicas dos resíduos, essencialmente da
densidade e da capilaridade. Além disso, o teor em água na capacidade de campo
é o teor ótimo para a atividade biológica, principalmente dos domínios de digestão
à via seca e compostagem. Dentro destas condições, a matéria orgânica está
disponível e as velocidades de reação químicas são ótimas (POMMIER ET AL.,
2007);
19
• Tortuosidade é a relação entre o comprimento teórico do percurso de um fluido
entre dois pontos e o comprimento em linha reta entre os mesmos pontos. Este
parâmetro depende da matéria que compõe um meio poroso e também de sua
heterogeneidade.
2.3.3. Propriedades hidrodinâmicas dos maciços de resíduos.
As propriedades hidrodinâmicas mais importantes a serem consideradas na
caracterização de maciços em processos de digestão anaeróbica são a permeabilidade e
a condutividade hidráulica.
• A permeabilidade é definida pela capacidade que um meio poroso tem de permitir
que um fluido submetido a um gradiente de carga hidráulica escoe em seu interior.
Esta propriedade está diretamente ligada à porosidade do fluido, já que os poros
são os caminhos disponíveis para o escoamento. A forma dos canais de poros
influencia diretamente na facilidade ou dificuldade de passagem através da matriz
porosa. Quanto mais estreitos ou tortuosos, maior será a dificuldade de passagem
e por consequente, menor será a permeabilidade (THOMAS, 2001). A lei mais
utilizada para avaliar o escoamento de fluidos em meios porosos é a Lei de Darcy,
criada pelo físico Henry Darcy em 1856. Esta lei estabelece uma relação entre a
permeabilidade, a perda de carga e a vazão de injeção de um fluido em um meio
poroso. A Lei de Darcy é dada pela equação 2-1:
(𝑈𝑈𝑖𝑖) = −1𝜇𝜇
𝐾𝐾𝑖𝑖(Δ𝑃𝑃 – 𝜌𝜌𝜌𝜌 ) (Eq. 2.1)
Onde 𝑈𝑈𝑖𝑖 é definida como a velocidade de escoamento (m/s), 𝐾𝐾𝑖𝑖 é a
permeabilidade intrínseca (m2), Δ𝑃𝑃 é a carga hidráulica do fluido ao escoar de um
dado ponto a outro (Pa), 𝜇𝜇 é a viscosidade do fluido (kg.m2/s) e 𝜌𝜌 é a densidade
do fluido (Kg/m3). A permeabilidade intrínseca é medida em condições saturadas,
quando o fluido ocupa em totalidade os vazios. É possível calcular a
permeabilidade relativa, necessária quando duas ou três fases de um fluido podem
estar presentes no escoamento (um fluido viscoso e gasoso, por exemplo).
BROOKS E COREY (1964) definiram uma permeabilidade relativa 𝐾𝐾𝑟𝑟,𝑖𝑖 dada pela
equação 2-2:
20
(𝐾𝐾𝑙𝑙) = 𝐾𝐾𝑖𝑖𝐾𝐾𝑟𝑟,𝑖𝑖 = 𝐾𝐾𝑖𝑖(𝑆𝑆𝑀𝑀)𝑝𝑝 (Eq. 2.2)
Onde 𝐾𝐾𝑙𝑙 (m2) é a permeabilidade aparente, 𝐾𝐾𝑖𝑖 é a permeabilidade intrínseca do
meio poroso, 𝑆𝑆𝑀𝑀 é a macrosaturação (m3H2O/m3) e p é o parâmetro empírico do
modelo de Brookes e Corey.
• Condutividade hidráulica: é basicamente a permeabilidade expressada em termos
de velocidade de escoamento. Este parâmetro é definido como a velocidade a qual
o fluido escoa num meio poroso saturado, dado pela equação 2-3:
(𝐾𝐾𝑖𝑖) = 𝜇𝜇𝑓𝑓𝜌𝜌𝑓𝑓.𝑔𝑔
(𝐾𝐾𝐻𝐻) (Eq. 2.3)
Onde 𝐾𝐾𝐻𝐻 é a condutividade hidráulica (m/s), 𝜇𝜇𝑓𝑓 é a viscosidade dinâmica do
fluido (kg.m2/s), 𝜌𝜌𝑓𝑓 é a densidade do fluido (kg/m3).
2.4. A FILTRAÇÃO
Num contexto de metanização e digestão anaeróbia, é essencial levar em
consideração que estes processos são filtrantes. Deste modo, é importante descrever o
procedimento de filtração e também os possíveis problemas gerados pelo transporte de
matéria no seio de um maciço de resíduos poroso. A filtração é um procedimento que
permite separar partículas que escoam em suspensão num fluido através de um meio
poroso. A filtração é pode acompanhada de um bloqueio dos poros, com o depósito de
partículas finas ou de partículas formadas por precipitações químicas, no caso de águas
poluídas, por exemplo. Para uma melhor compreensão do transporte de uma partícula
através de um meio poroso, é essencial entender que tipo de filtração se aplica nesse
meio e qual o tipo de retenção é realizada por sua matriz.
Existem diferentes tipos de filtração, que dependem da geometria do meio
poroso, da natureza das partículas que escoam no seio da matriz e do tipo de fluido.
GHIDAGLIA (1994) e NADJI (1998) propuseram quatro tipos de filtração. São eles: a
filtração média, a filtração com formação de “cake”, a filtração a escoamento transverso
e a filtração em profundidade. As partículas que circulam no meio poroso podem sofrer
bloqueios nos locais de retenção. Uma partícula pode se depositar seja por efeito de
forças de atração, seja simplesmente pela passagem em locais de retenção muito
21
estreitos. É possível que haja a interação de diversos fatores de bloqueio
instantaneamente (BENOSMAN, 2014).
Além do tipo de filtragem, para o melhor entendimento do transporte de
partículas através de um meio filtrante, é importante destacar os tipos de locais de
retenção que podem existir. DELACHAMBRE (1996) definiu quatro tipos principais,
sendo eles: os locais de retenção superficiais, os locais de retenção tipo fenda, os locais
de retenção tipo caverna e os locais de retenção tipo restrito. No caso dos locais
superficiais, a retenção das partículas é feita nas superfícies do meio poroso. Quando a
superfície do meio está orientada na mesma direção do escoamento das partículas em
suspensão, a pressão cinética pode contribuir para que as partículas fiquem aderidas a
esta superfície, contribuindo para o bloqueio dos poros. Nos locais de retenção tipo
fenda, as partículas em suspensão se encontram no limite entre a linha de contato entre
duas superfícies convexas. Já os locais tipo caverna, possuem formas côncavas e se
encontram normalmente nas junções dos poros, de maneira que o fluido se encontra
imóvel, sendo impedido de escoar. Finalmente, os locais de retenção do tipo restritos
são aqueles que se encontram num amontoado de poros, com dimensões inferiores a das
partículas que escoam com o fluido. A figura 2-12 mostra um esquema contendo os
quatro tipos de locais de retenção.
Figura 2-12: Diferentes tipos de locais de retenção de partículas em um meio poroso.
Fonte: DELACHAMBRE, 1996.
22
2.4.1. As forças exercidas na filtração
As forças exercidas na filtração são parâmetros essenciais para a compreensão
da complexidade desde processo. Tais forças são aplicadas sobre uma partícula em
movimento com o fluido que escoa. Elas são divididas em forças
hidrodinâmicas/mecânicas e forças físico-químicas. As forças hidrodinâmicas que
regem o movimento das partículas no interior do meio poroso são definidas por
(BENOSMAN, 2014):
• A força gravitacional, proporcional às dimensões das partículas e da diferença de
densidade entra a partícula e o fluido;
• A força de arraste, no caso de um fluido newtoniano e de um escoamento laminar,
é expressa pela equação 2-4:
𝐹𝐹𝑇𝑇 = 𝐾𝐾𝑎𝑎𝜇𝜇𝜇𝜇 (Eq. 2.4)
onde 𝜇𝜇 é a velocidade do fluido suposta uniforme, 𝐾𝐾𝑎𝑎 é um coeficiente que
depende das dimensões e da forma das partículas em suspensão, e 𝜇𝜇 a viscosidade
do fluido;
• As forças de inércia, dependentes de um efeito transitório (dv/dt), são dadas pela
equação 2-5:
𝐹𝐹𝑖𝑖 =43𝜋𝜋 �
𝑑𝑑𝑝𝑝2 �
3
𝜌𝜌𝑝𝑝𝑑𝑑𝜇𝜇𝑑𝑑𝑑𝑑
(Eq. 2.5)
onde 𝑑𝑑𝑝𝑝 é o diâmetro e 𝜌𝜌𝑝𝑝 a densidade das partículas finas;
• A força de lubrificação é aquela correspondente à resistência viscosa do fluido
que desliza entre a partícula e a superfície sólida do meio poroso. Esta força é
dada pela seguinte equação 2-6:
𝐹𝐹𝑙𝑙 = 6𝜋𝜋𝜇𝜇 �1 +𝑑𝑑𝑝𝑝2ℎ�
𝑑𝑑𝑝𝑝2𝜇𝜇 (Eq. 2.6)
onde h é a distância entre duas superfícies sólidas da matriz porosa;
• As forças de Van der Waals, são forças de atração de origem química e de curta
distância entre as partículas e a superfície sólida do meio poroso;
• As forças eletrostáticas caracterizam diversos tipos de interações que criam uma
barreira energética. Por exemplo, quando uma partícula e o local coletor estão
23
simultaneamente carregados eletricamente, as forças Coulomb de atração ou de
repulsão podem aparecer;
• As forças químicas de superfície são formadas entre partículas coloides e as
demais partículas;
• As forças de movimentos brownianos aparecem no caso das partículas de
dimensões menores que o mícron.
2.4.2. Parâmetros importantes no transporte de partículas em meio poroso
A maior dificuldade de uma grande parte dos experimentos de transporte,
realizados com diferentes tipos de partículas, é de injetar uma solução de concentração
constante e medir a concentração na saída dos equipamentos para traçar as curvas de
avanço. Com isso, é possível determinar a quantidade de partículas retidas no meio.
Como em todo processo ou experimento, diversos fatores podem influenciar na coleta
de dados ou no entendimento do fenômeno estudado. Deste modo, a compreensão de
todos os parâmetros que podem influenciar na filtragem e no transporte de partículas
num meio poroso é de extrema importância para o presente trabalho.
O primeiro parâmetro tomado em consideração é a velocidade do escoamento do
fluido através do meio poroso. Diversos estudos consideraram a influência da vazão do
escoamento sobre o transporte de matéria no meio poroso (D‘ALEM ET AL., 2009,
COMPÈRE ET AL., 2000, REDDI ET AL.,2000). Estes autores mostraram que uma
velocidade de escoamento fraca resulta no aumento da retenção de partículas,
provocando assim reduções consideráveis no espaço poral e consequentemente um
entupimento mais expressivo dos poros. Para vazões baixas, o depósito é feito muito
rapidamente na entrada do filtro, enquanto para vazões maiores, o depósito será
repartido ao longo do filtro, de modo que as reduções de espaços porosos serão menos
expressivas.
Outro fator de grande influência no processo de filtração é a concentração com
que as partículas são injetadas no sistema. Quanto maior esta concentração, maiores os
depósitos nos locais de retenção. Com esses depósitos mais elevados, é possível
observar o entupimento dos poros muito mais rápido que para uma menor concentração.
MOGHADASI (2004) realizou estudos experimentais utilizando diversas concentrações
diferentes de partículas, mostrando que a permeabilidade do meio poroso é um
24
parâmetro que sofre alterações com o tempo de acordo com a concentração. A medida
que a concentração das partículas na injeção do fluido aumenta, a captura e o
entupimento dos locais se intensifica e, como resposta, a permeabilidade diminui.
As condições em que os ensaios experimentais são realizados também
influenciam os resultados obtidos. Por exemplo, as colunas de filtragem podem possuir
tamanhos diferentes, que podem ser dispostos horizontal ou verticalmente. O meio
poroso utilizado pode estar saturado ou insaturado. As vazões de injeção do fluido
podem ser constantes ou variadas.
O meio poroso escolhido para a filtração também pode mudar os resultados do
processo. Para as mesmas condições hidráulicas e químicas, diferentes experiências
foram realizadas variando somente o tipo de matriz porosa. BENAMAR (2007), por
exemplo, utilizou cascalho de silício e bilhas de vidro. Seus resultados acusaram taxas
de retenção muito maiores para as bilhas de vidro que para o cascalho, evidenciando
como a estrutura poral do meio influencia na captura das partículas.
Para avaliar a qualidade de um filtro, três parâmetros devem ser estudados: a
eficácia de filtração, a perda de carga e a capacidade de retenção. A capacidade de um
filtro de capturar as partículas é expressa geralmente por um termo chamado E (eficácia
de filtração) dado pela seguinte equação 2-7:
𝐸𝐸 = 1 −𝐶𝐶𝑆𝑆𝐶𝐶𝑒𝑒
(Eq. 2.7)
onde 𝐶𝐶𝑒𝑒 corresponde à concentração da solução injetada e 𝐶𝐶𝑆𝑆 corresponde à
concentração recuperada na saída do filtro. A eficácia de filtração é considerada um
parâmetro chave no qual se baseia a análise da qualidade de um filtro. No mercado, as
classificações de tipos diferentes de filtros são propostas em função deste termo, com
filtros de média eficácia até filtros de alta eficácia, destinados geralmente à aeronáutica
(BENMACHOU, 2005). A perda de carga é um parâmetro que influencia diretamente
na prazo de vida útil de um filtro. É definida como a diferença de pressão estática a
montante e a jusante do filtro, representando a resistência hidráulica deste ao
escoamento. A capacidade de retenção de um filtro representa a massa de partículas
retidas no meio até a obtenção da máxima perda de carga admissível. Seu valor está
diretamente ligado ao grau de entupimento do filtro.
25
2.5. PROBLEMAS DE EFEITOS COLETIVOS DE PARTICULAS
NO TRANSPORTE DE MATÉRIA
Os maciços de resíduos são meios porosos, com uma estrutura complexa,
caracterizados por um esqueleto de poros conectados por onde podem escoar fluidos.
Num processo de metanização, a recirculação da água carregada por diversos tipos de
partículas minerais e microrganismos, pode provocar efeitos coletivos, como o
entupimento dos poros, por exemplo. O entupimento consiste no depósito de partículas
nos poros, obstruindo a passagem do fluido.
No caso das matrizes de origem orgânica, como ocorre na digestão anaeróbia de
resíduos, o crescimento de biofilmes nos poros pode levar à obstrução dos mesmos,
impedindo a passagem do fluido recirculado. Os biofilmes são comunidades de
bactérias envoltas por alguma substância que confere proteção, como açúcares,
produzidos pelas próprias bactérias, ou seja, são comunidades de bactérias protegidas
contra impactos, insuficiência de nutrientes ou ações antibacterianas (STOODLEY ET
AL., 2002). Dessa forma, o crescimento dos biofilmes, e consequentemente das
bactérias, pode otimizar a atividade biológica, favorecendo a degradação e a produção
de subprodutos como o biogás. Esse fato esclarece a importância de estudar os efeitos
coletivos de partículas num meio poroso, pois além de favorecer processos, como no
caso da biodigestão anaeróbia, tais efeitos também podem provocar diminuição de
permeabilidade e porosidade, prejudicando as capacidades filtrantes de um meio.
As formas dos poros por onde o fluido escoa num meio poroso são variadas. O
fluido necessita de poros interconectados para sua passagem. No entanto, pode haver
vazios numa matriz porosa que se encontram isolados de outros poros. A figura 2-13
ilustra os tipos de vazios que podem estar presentes num meio poroso.
26
Figura 2-13: Diferentes tipos de vazios presentes num meio poroso. Fonte: Adaptado de
LOMINÉ, 2007.
No seu interior, tais poros podem possuir diversas dimensões. Considerando um
empilhamento compacto de esferas de diâmetro D pelas quais devem passar pequenas
partículas de diâmetro d, é possível definir um valor crítico de passagem para a relação
D/d. Este valor crítico corresponde ao caso onde uma esfera de diâmetro d passa pelo
pequeno canal formado por três esferas em contato dois a dois, como ilustra a figura 2-
14 (LOMINÉ, 2007).
Figura 2-14: Esquema ilustrativo da relação crítica de empilhamento D/d. Fonte: LOMINÉ,
(2007)
Além disso, há casos onde a pequena esfera de diâmetro d se inscreve nas
pequenas cavidades do empilhamento. Considerando apenas a geometria da captura,
quando a relação D/d é superior ao valor crítico, significa que as partículas podem
atravessar o meio. Caso contrário, elas podem ficar bloqueadas na rede de poros, caso
encontrem poros com dimensões menores a seus tamanhos.
Assim como estudar a estrutura interna da matriz porosa é importante para a
compreensão dos efeitos coletivos de partículas que passem pelo seu interior, entender o
transporte das partículas também é essencial para prever e compreender estes efeitos.
27
Existem diversos modelos que descrevem os fenômenos de transporte de
matéria. Um desses modelos é o ADE – Equação de Advecção e Dispersão, traduzindo
do inglês. Este modelo supõe que o meio poroso é a matriz de um fluxo uniforme onde
a solução se propaga de forma dispersiva, análoga a difusão regida pela lei de Fick
(LOMINÉ, 2007). No campo de transmissão de poluente, este tipo de modelo de
transporte é dito não destrutivo, pois há uma redução na concentração do contaminante,
porém não há redução na massa total (ALVAREZ E ILLMAN, 2006). A abordagem do
tipo ADE permite determinar alguns parâmetros físicos do meio poroso. Neste tipo de
abordagem, atribui-se o fluxo de matéria através da matriz à dois fenômenos: a
convecção e a dispersão. O transporte de matérias em suspensão num meio poroso não
depende somente de mecanismos ligados ao ambiente físico-químico, mas também do
tamanho e da natureza das partículas (BENAMAR, 2004).
2.5.1. A Advecção
A advecção consiste no arraste dos elementos pelo fluido que escoa. Num meio
poroso unidimensional, a equação de transporte por advecção é dada pela equação 2-8:
𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑦𝑦)𝜕𝜕𝑑𝑑
= −𝑉𝑉𝑥𝑥𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)𝜕𝜕𝑥𝑥
(Eq. 2.8)
onde 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑦𝑦) é a concentração da partícula migrante e 𝑉𝑉𝑥𝑥 é a velocidade média linear do
fluido. Num meio poroso tridimensional, a equação de transporte por é dada pela
equação 2-9:
𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)𝜕𝜕𝑑𝑑
= −𝑑𝑑𝑑𝑑𝜇𝜇(𝑉𝑉�⃗ 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)) (Eq. 2.9)
onde V é a velocidade de Darcy. No caso de um fluido incompressível (𝑑𝑑𝑑𝑑𝜇𝜇𝑉𝑉�⃗ = 0), a
equação de transporte é dada pela equação 2-10:
𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)𝜕𝜕𝑑𝑑
= −𝑉𝑉�⃗ 𝜌𝜌𝑔𝑔𝑔𝑔𝑑𝑑����������⃗ 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑) (Eq. 2.10)
O transporte ou depósito da matéria em suspensão, são regidos pela equação da
convecção-dispersão. BENAMAR ET AL. (2004), propuseram a equação 2-11 para
descrever o transporte de uma quantidade fraca de matéria em suspensão, injetada a
vazão constante:
28
𝜕𝜕𝐶𝐶𝜕𝜕𝑑𝑑
= −𝐷𝐷𝐿𝐿𝜕𝜕2𝐶𝐶𝜕𝜕𝑥𝑥2
− 𝑢𝑢𝜕𝜕𝐶𝐶𝜕𝜕𝑥𝑥
− 𝐾𝐾𝑑𝑑𝑒𝑒𝑝𝑝𝐶𝐶 (Eq. 2.11)
onde 𝐷𝐷𝐿𝐿 é o coeficiente de dispersão, u é a velocidade no poro e 𝐾𝐾𝑑𝑑𝑒𝑒𝑝𝑝 é o coeficiente da
cinética de depósito. A equação 2-12 de convecção-dispersão, escrita de forma geral, é
dada por:
𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)𝜕𝜕𝑑𝑑
= 𝑑𝑑𝑑𝑑𝜇𝜇(𝐷𝐷��⃗ 𝜌𝜌𝑔𝑔𝑔𝑔𝑑𝑑����������⃗ 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑) − 𝑉𝑉�⃗ 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)) + 𝑄𝑄 (Eq. 2.12)
A equação 2-12 descreve um balanço de massa, tomando em conta não somente a
convecção e a dispersão, mas também um termo Q ligado a vazão, ou fonte de
partículas. No entanto, estas equações de transportes negligenciam qualquer interação
entre a matriz porosa e as partículas migrantes, interações essas que podem ser de
diversos tipos, como as de adsorção. Essas interações de adsorção, por exemplo,
consistem na acumulação de elementos na interface sólido-fluido. Por essas interações,
um termo de fonte Qs(C(R,T)) é introduzido na equação. Este termo é definido por 2-
13:
𝑄𝑄𝑠𝑠(𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)) = −𝜌𝜌𝑠𝑠𝑃𝑃Γ𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)𝜕𝜕𝑑𝑑
(Eq 2.13)
onde 𝜌𝜌𝑠𝑠 é a densidade do meio poroso e Γ é uma constante característica da interação de
adsorção. Então, é possível reformular a equação de transporte com um fator de retardo
R dado por 2-14:
𝑅𝑅 = 1 +𝜌𝜌𝑠𝑠Γ𝑃𝑃
(Eq. 2.14)
Ao final, a equação de transporte pode ser reescrita como 2-15:
𝑅𝑅𝜕𝜕𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)𝜕𝜕𝑑𝑑
− 𝑑𝑑𝑑𝑑𝜇𝜇(𝐷𝐷��⃗ 𝜌𝜌𝑔𝑔𝑔𝑔𝑑𝑑����������⃗ (𝑥𝑥, 𝑑𝑑) − 𝑉𝑉�⃗ 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑)) = 0 (Eq. 2.15)
2.5.2. A dispersão
Devido à microestrutura do meio poroso, a velocidade do fluido pode variar em
magnitude e direção, o que provoca a diluição da solução injetada no sistema, chamada
dispersão cinemática. A principal causa da dispersão cinemática é a existência de perfis
de velocidade parabólicos nas passagens de partículas através dos poros (NASCENTES,
29
2003). A fricção provoca uma velocidade máxima no centro do poro, ao passo que a
velocidade é nula nas paredes. Além disso, em razão da variação dos comprimentos e
tamanhos dos poros de um meio poroso, a velocidade média do escoamento varia de um
poro a outro.
Pela tortuosidade da matriz, as partículas percorrem caminhos mais ou menos
longos para uma mesma direção global do escoamento, observando-se os efeitos
coletivos, por exemplo. Existe também a dispersão molecular, que se opõe à dispersão
cinemática, pois pode agir independente da convecção. A dispersão molecular é um
fenômeno ligado à agitação das partículas em razão das colisões entre as mesmas
(LOMINE, 2007). No caso de concentrações não homogêneas, há o estabelecimento de
um fluxo de partículas que sai de regiões de alta concentração para regiões de menor
concentração. Este fluxo é descrito pela Lei de Fick, dado pela equação 2-16:
𝑗𝑗𝑑𝑑 = −𝐷𝐷𝑚𝑚𝜌𝜌𝑔𝑔𝑔𝑔𝑑𝑑����������⃗ 𝐶𝐶(𝑥𝑥, 𝑑𝑑) (Eq. 2.16)
o fluxo de massa de partículas 𝑗𝑗𝑑𝑑 é proporcional ao gradiente de concentração. A
proporcionalidade é feita pelo coeficiente de difusão molecular 𝐷𝐷𝑚𝑚.
2.5.3. Advecção versus Dispersão
Na digestão anaeróbia, o transporte por advecção é provocado pela compactação
dos resíduos utilizados. A relação entre o transporte por advecção e o transporte por
dispersão é expresso por um parâmetro adimensional que se chama número de Peclet
(Pe) dado por 2-17:
𝑃𝑃𝑃𝑃 =𝑉𝑉𝑉𝑉𝐷𝐷
(Eq. 2.17)
onde D é o coeficiente de dispersão e s é um comprimento característico. Quanto maior
o número de Peclet, mais o transporte por advecção é favorecido.
Os efeitos coletivos de partículas que escoam no seio de uma matriz porosa
foram ilustrados por TRYKOZKO (2016), em estudo sobre a modelização dos
escoamentos que não seguem a lei de Darcy num meio poroso de escala realista. Um
esquema do processo utilizado é ilustrado pela figura 2-15, mostrando a simulação de
uma injeção de fluido carregado com pequenas partículas na matriz do meio poroso.
30
Interessado nos efeitos de condutividade e de porosidade, TRYKOZKO (2016) estudou
o efeito da acumulação de finos nos poros e nas regiões de escoamento a baixa
velocidade.
Figura 2-15: Esquema de modelização um escoamento de fluido com partículas finas
através de um meio poroso. Adaptado de: TRYKOZKO (2016).
Os efeitos de acumulação de finos são ilustrados pela figura 2-16. Essa
acumulação nos poros causa uma redução da porosidade e da condutividade hidráulica
na matriz.
Figura 2-16 – Campos de velocidade de escoamento em uma simulação numérica.
Adaptado de: TRYKOZKO (2016).
31
Capítulo 3. METODOLOGIA
3.1. DESENVOLVIMENTO DO APARATO EXPERIMENTAL
A concepção do aparato experimental utilizado no presente trabalho foi baseada
num sistema de digestão anaeróbia descontínuo de uma fase. Este equipamento foi
desenvolvido no laboratório de meios porosos, no Instituto de Mecânica dos Fluidos de
Toulouse (IMFT), na França. Além disso, contou com a colaboração do Laboratório de
Engenharia de Sistemas Biológicos e Processos (LISBP), localizado no campus do
Instituto Nacional de Ciências Aplicadas (INSA) também em Toulouse, para o
fornecimento do meio poroso utilizado.
O aparato experimental é composto por uma coluna de acrílico, dividida em dois
trechos, entre os quais há uma junta de vedação. Toda a estrutura do equipamento foi
construída em PVC. A coluna foi projetada com 15 cm de diâmetro, 30 cm de altura e
com uma capacidade de 5,3 litros. A figura 3-1 apresenta o projeto do protótipo do
equipamento.
Figura 3-1: Projeto do protótipo do equipamento.
32
O princípio de funcionamento do aparato experimental desenvolvido baseia-se
em depositar o resíduo dentro da coluna e com a ajuda de uma bomba peristáltica,
injetar a água em sua parte superior. Esta bomba está conectada a um equipamento que
controla a vazão de injeção de água. Na base da coluna, existe um coletor que permite a
saída do escoamento. Em relação ao controle de saída do líquido da coluna, foi instalada
uma válvula de controle manual que interrompe o escoamento e também permite
controlar a vazão de saída. Para realizar a recirculação ou recuperação do líquido de
saída, há um recipiente coletor que estoca a água na saída do sistema, podendo ser
colocado sobre uma balança, conectada a um computador, realizando uma aquisição
contínua dos dados. A figura 3-2 apresenta a disposição do aparato experimental na
bancada do laboratório. Para evitar a migração de materiais do meio poroso com o
escoamento da água, duas grelhas de abertura de 1,0 cm foram posicionadas na parte
superior e no fundo da coluna.
Figura 3-2: Disposição final do aparato experimental na bancada do laboratório. À esquerda:
balança associada ao computador, misturador de soluções. À direita: bomba peristáltica
associada do equipamento de controle de vazão injetada, coluna de acrílico e recipiente de
estocagem situado na saída da coluna.
Além disso, equipamentos adicionais foram associados ao aparato experimental
para a realização dos experimentos de retenção de partículas no meio poroso. Esses
equipamentos adicionais foram:
33
• Estufa;
• Peneira de malha abertura de 50 μm;
• Balanças de precisão de 400 g;
• Agitador de soluções.
Alguns testes foram realizados no equipamento antes de iniciar os
procedimentos experimentais. Com o objetivo de verificar o bom funcionamento do
aparato experimental, avaliou-se a passagem de soluções carregadas com pequenas
partículas através do tubo escolhido para ser utilizado na injeção de líquido. Deste
modo, foi possível encontrar um intervalo de diâmetros possíveis para as partículas
utilizadas no estudo de retenção de matéria no meio poroso. Além disso, verificou-se
também o controle da vazão de saída de líquido do aparato experimental.
É importante salientar que o equipamento construído para o presente trabalho
não possui medidor de biogás acoplado, pois interessou-se principalmente pela
caracterização do meio poroso e pelo estudo de retenção de partículas nesse meio.
3.2. CARACTERIZAÇÃO DO MEIO POROSO
Após a realização de alguns testes de calibração do equipamento, a
caracterização do meio poroso foi realizada. O material poroso escolhido no caso deste
estudo foi a palha de trigo, utilizada como cama de celeiro em fazenda, considerado um
resíduo do tipo agrossilvopastoril devido à presença de matéria orgânica proveniente da
urina e do estrume dos animais. A palha de trigo foi fornecida pelo laboratório LISBP.
O material é um meio filtrante e muito permeável, determinando-se, pois, sua
porosidade, permeabilidade, condutividade hidráulica e capacidade de campo.
Antes de coletar dados efetivos, viu-se necessário estudar a quantidade de palha
que deveria ser colocada na coluna e o tempo de duração de cada experimento. De
forma a obter uma gama de dados mais ampla, foram testadas cinco condições
operacionais, variando-se a densidade de palha introduzida dentro da coluna do
equipamento. De modo a completar todo comprimento da coluna, de forma homogênea,
a densidade mínima utilizada foi de 38kg/m3 e a densidade máxima, aplicando uma
força de compactação, foi de 90 kg/m3.
34
Após completar a coluna com o material poroso, a mesma foi totalmente repleta
de água, afim de saturar a palha. Cada ciclo de saturação durou cerca de duas horas,
dependendo da quantidade de material introduzido. A ideia principal foi obter as
características a partir do tempo de saturação, ou seja, do total preenchimento dos
vazios no meio poroso. Além disso, testes de perda de carga e de velocidade de
escoamento da água através do meio poroso foram realizados, com o objetivo de obter a
condutividade hidráulica e a permeabilidade. A figura 3-3 ilustra a deposição da palha e
sua saturação nos primeiros cinco ciclos de testes realizados no aparato experimental.
A
B
C
D
E
Figura 3-3: Disposição final do resíduo poroso dentro do equipamento experimental para os
valores de densidade: 38kg/m3 (A), 48kg/m3 (B), 58kg/m3 (C), 68kg/m3 (D) e 78kg/m3 (E).
35
Após a realização dos cinco primeiros testes, foram realizadas outros ciclos de
saturação com a palha de trigo, dessa vez atingindo a quantidade máxima permitida na
coluna. Para verificar o tempo de preenchimento da microporosidade (saturação total),
foram repetidos os ciclos para as três maiores densidades utilizadas.
Para o cálculo das porosidades, foi utilizada a relação definida por SHEWANI
(2016), onde a microporosidade (𝜑𝜑𝑚𝑚) e a macroporosidade (𝜑𝜑𝑀𝑀) são dadas pela equação
3-1:
𝜑𝜑𝑖𝑖 =𝑉𝑉𝐿𝐿,𝑖𝑖 + 𝑉𝑉𝐺𝐺,𝑖𝑖
𝑉𝑉𝑇𝑇, 𝑑𝑑 = 𝑚𝑚,𝑀𝑀 (Eq. 3.1)
onde VL,i é o volume de líquido que ocupa os poros, VG,i é o volume gasoso que ocupa
os poros e VT é o volume total de poros do meio poroso.
A vazão Q é medida numa saída de área de seção 𝑉𝑉. Durante um pequeno
intervalo de tempo 𝑑𝑑𝑑𝑑 o nível de água no equipamento decresce de um pequeno valor
𝑑𝑑ℎ. A vazão é dada por:
𝑑𝑑𝑄𝑄 = −𝑉𝑉 𝑑𝑑ℎ (Eq. 3.2)
O sinal negativo indica que ℎ decresce com o tempo. Na amostra de material poroso, a
vazão de líquido que o percola é dada por:
𝑑𝑑𝑄𝑄 = 𝐾𝐾Hℎ𝐿𝐿𝑆𝑆 𝑑𝑑𝑑𝑑 (Eq. 3.3)
onde k é dado pela (KH), derivada da Lei de Darcy. A seção do tubo central do
equipamento é dada por S, e L é a distância percorrida pela água. Igualando as duas
expressões de vazão dadas anteriormente, obtém-se:
−𝑑𝑑ℎℎ
= 𝐾𝐾H𝑆𝑆𝐿𝐿 ∙ 𝑉𝑉
𝑑𝑑𝑑𝑑 (Eq. 3.4)
36
A vazão total é obtida através da integração:
� −𝑑𝑑ℎℎ
ℎ2
ℎ1= (𝐾𝐾𝐻𝐻)
𝑆𝑆𝐿𝐿 ∙ 𝑉𝑉
� 𝑑𝑑𝑑𝑑𝑡𝑡2
𝑡𝑡1, 𝐿𝐿 = ℎ1 − ℎ2 (Eq. 3.5)
Resolvendo-se a integração, tem-se que:
(𝐾𝐾𝐻𝐻) =𝑉𝑉𝑆𝑆𝐿𝐿𝑑𝑑𝑙𝑙𝑙𝑙 �
ℎ1ℎ2� , 𝐿𝐿 = ℎ1 − ℎ2 (Eq. 3.6)
Os parâmetros da equação estão indicados na figura 3-6. S e s correspondem,
respectivamente, às seções da coluna e do tubo na saída do sistema. O parâmetro h1
corresponde ao nível inicial da água e h2 ao nível atingido pela água após um tempo 𝑑𝑑
de escoamento no meio poroso.
Figura 3-4: Esquema ilustrativo do aparato experimental.
3.3. TESTES DE SATURAÇÃO COM VARIAÇÃO DE
TEMPERATURA
Um teste para obter dados de tempo de saturação do meio palhoso foi realizado
no aparato experimental desenvolvido neste trabalho. Além de fornecer mais dados de
caracterização do meio filtrante estudado, os resultados deste teste também podem ser
utilizados para a calibração e validação de modelos numéricos. Neste estudo, tais
resultados forneceram parâmetros para um modelo numérico de um biodigestor, feito no
software COMSOL Multiphysics®, no laboratório de meios porosos do IMFT. O
37
modelo foi realizado considerando o escoamento através de uma matriz porosa não
saturada, dado pela equação de Richards (3-3):
�𝜕𝜕𝜕𝜕𝜕𝜕𝑝𝑝𝑐𝑐
+ 𝑆𝑆𝑃𝑃𝑆𝑆�𝜕𝜕𝑝𝑝𝑐𝑐𝜕𝜕
+ ∇ ∙ [−𝐾𝐾𝑠𝑠𝑘𝑘𝑟𝑟∇(𝑝𝑝𝑐𝑐 + 𝑧𝑧)] = 𝑄𝑄𝑠𝑠 (Eq. 3.7)
onde as grandezas físicas apresentadas são definidas por:
- 𝜕𝜕 é o teor em água, medido em volume. Se o meio poroso está saturado 𝜕𝜕 = 𝜕𝜕𝑠𝑠, caso
contrário 𝜕𝜕 = 𝑓𝑓(𝑝𝑝𝑐𝑐).
- 𝑝𝑝𝑐𝑐 é a pressão capilar do meio poroso, sendo negativa em regime insaturado, e positiva
em regime saturado.
- 𝑆𝑆𝑃𝑃 é a saturação efetiva. Para regimes saturados: 𝑆𝑆𝑃𝑃 = 1, caso contrário: 𝑆𝑆𝑒𝑒 = 𝜃𝜃−𝜃𝜃𝑟𝑟𝜃𝜃𝑠𝑠−𝜃𝜃𝑟𝑟
,
onde 𝜕𝜕𝑟𝑟 é o teor em água residual.
- S é o coeficiente de estocagem.
- t é o tempo.
- 𝐾𝐾𝑠𝑠 é a condutividade hidráulica, propriedade do meio poroso.
- 𝑘𝑘𝑟𝑟 é a permeabilidade relativa do meio poroso.
- z é a coordenada de elevação vertical.
- 𝑄𝑄𝑠𝑠 é a vazão de líquido que escoa através do meio poroso.
Visto os parâmetros a serem definidos para modelizar um problema de
escoamento numa matriz porosa, os dados de condutividade hidráulica e permeabilidade
deste modelo foram os mesmos adquiridos através dos ensaios realizados na seção
anterior. Após a calibração do modelo com os dados de propriedades do meio poroso
estudado neste trabalho, foram comparados os tempos de saturação, obtidos
numericamente e experimentalmente.
38
O procedimento experimental foi desenvolvido em três dias, utilizando
quantidades de palha diferentes para cada dia. Estas quantidades foram medidas em
densidade de palha dentro da coluna de PMMA do aparato, sendo:
• Primeiro dia: 50 kg/m3
• Segundo dia: 60 kg/m3
• Terceiro dia: 90 kg/m3
Para cada dia, o ensaio foi feito em três etapas diferentes. A primeira etapa
correspondeu à injeção de água fria à uma temperatura em torno de 5ºC. Esta injeção foi
realizada a uma vazão muito baixa, ou seja, gota a gota, no material poroso seco. A
segunda etapa consistiu em saturar o meio poroso com água quente, em torno de 35ºC e
realizar uma drenagem após o ciclo de saturação. Por fim, a terceira etapa consistiu em
injetar novamente água fria à 5ºC, gota a gota, no meio poroso saturado. Em todas as
etapas, foram posicionados quatro captores de temperatura dentro da coluna com o
material, em posições radiais e de altura diferentes. Estes captores eram à prova d’água
e emitiam sinais para um receptor conectado a um software de computador que traçava
a evolução da temperatura através do tempo. Foram anotadas a hora de início e fim de
cada etapa, assim como as posições dos captores na matriz porosa. O fim de cada etapa
foi caracterizado pela estabilização da temperatura.
O dado utilizado para a comparação numérica-experimental foi o tempo de
saturação 𝑑𝑑𝑠𝑠. O modelo numérico fornece as curvas de saturação do meio poroso e o
tempo 𝑑𝑑𝑠𝑠 é considerado o ponto a partir do qual a curva se estabiliza. No caso
experimental, como as medições foram feitas através da variação de temperatura do
meio, considerou-se o tempo 𝑑𝑑𝑠𝑠 como sendo o ponto de maior inclinação negativa do
gráfico de variação da temperatura obtido ao final dos ensaios. Esta consideração foi
utilizada, pois a temperatura captada começa a diminuir gradualmente devido ao
resfriamento do resíduo poroso, à medida que a água fria é injetada. Quando o meio está
saturado, a água não será absorvida pelos microporos, pois estes já estão preenchidos
com água. A água injetada escoará diretamente para a saída do aparato experimental.
Dessa forma, ela entra em contato direto com os captores, pois eles abrem um grande
vazio no meio, de alguma forma. Esse contato direto é representado por uma queda
mais brusca na temperatura, sendo assim este ponto considerado o de maior inflexão no
39
gráfico de evolução da temperatura captada. A figura 3-5 mostra o tipo de captor de
temperatura utilizado neste experimento.
Figura 3-5: Sensor Arexx TSN-33MN à prova d’água. Compatíveis com receptores Multilog.
Fonte: http://arexx.com
Os dados de temperatura obtidos a partir do software associado ao receptor
Multilog foram tratados no software MATLAB. Esses dados foram interpolados de
maneira a encontrar a curva de evolução da temperatura em função do tempo. A partir
desta curva, encontrou-se o ponto de máxima derivada, que corresponde à abscissa 𝑑𝑑𝑠𝑠. O
método de interpolação utilizado no MATLAB foi o método spline para obtenção de uma
curva de aparência mais próxima possível da curva dada pelo software dos captores.
3.4. ESTUDO DE TRANSPORTE E RETENÇÃO DE
PARTÍCULAS NO MEIO POROSO
Devido à ausência de material bibliográfico reproduzindo experimentos
similares aos de interesse deste trabalho, foi necessário realizar a calibração do aparato.
Inicialmente, cogitou-se injetar uma solução de concentração conhecida e fazer as
medições de saída do meio poroso, além de observações de retenção, já que a coluna de
armazenamento é transparente. Os grandes desafios foram a garantia de uma solução
homogênea, da injeção de quantidades que tivessem a mesma concentração da solução
preparada e a própria recuperação da matéria injetada.
A escolha do material a ser injetado também necessitou de uma avaliação um
pouco mais elaborada. Inicialmente, seria interessante injetar partículas com atividade
biológica, reproduzindo assim com confiabilidade a situação encontrada no interior de
um biorreator. No entanto, devido à falta de material disponível e da complexidade de
40
lidar com o mesmo, decidiu-se utilizar partículas inativas, que poderiam ser bilhas de
vidro, muito comumente utilizadas em estudos de meios porosos.
No primeiro teste de calibração para o ensaio final, optou-se por produzir uma
solução em água e micro bilhas de vidro com diâmetro entre 100μm e 200μm e
densidade de 2,50 g/cm3. A solução era mantida homogênea através de um agitador de
hélice, com velocidade de 200 rotações por minuto. A vazão de injeção da bomba foi de
143 mL/min. A concentração da solução inicial era conhecida, medindo-se então a
concentração da solução injetada num béquer de 500mL. Após a recuperação da solução
injetada, despejou-se a mesma numa peneira de abertura 50 mícron, recuperando-se
assim a massa de bilhas de vidro presente. Esse material foi posto em uma estufa a
110ºC e após a verificação de secura, mediu-se a massa recuperada. A figura 3-6 ilustra
os equipamentos utilizados neste teste de calibração.
Figura 3-6: Etapas do teste de calibração para o estudo de retenção de partículas.
Num segundo momento, decidiu-se utilizar partículas de poliamida de diâmetro
de 60μm e densidade de 1,14 g/cm3, por dois motivos principais. Primeiramente, devido
à sua densidade, que era muito próxima a densidade da água, reproduzindo assim uma
maior similaridade com a densidade das partículas ativas. Além disso, houve uma
41
facilidade no estudo da retenção no meio poroso, já que as bilhas de vidro possuem alta
densidade e poderiam entupir os poros muito rapidamente.
Ao final das calibrações, adotou-se um protocolo experimental para realizar o
estudo de transporte e retenção. Foram escolhidas duas densidades do resíduo para
realizar os ensaios, de 50 kg/m3 e de 60kg/m3, principalmente pela facilidade de
manipulação dentro da coluna de acrílico.
O teste consistiu em fazer diversos ciclos de injeção de água e partículas, com
uma concentração inicial de 50g/L, realizado em três etapas. Na primeira etapa, injetou-
se água em um volume igual a duas vezes o volume ocupado pelos macroporos (esse
dado foi obtido nos ensaios de caracterização do meio poroso). Após a injeção da água,
injetou-se a solução com as partículas, utilizando o mesmo volume da etapa anterior. Ao
final, a última etapa corresponde à repetição da primeira.
Ao final dos ciclos, foram medidas as massas das partículas recuperadas, em
processo análogo ao empregado durante os testes de calibração do aparato experimental.
Conhecendo a massa das partículas injetadas e das partículas recuperadas, assim como
os respectivos volumes de água, foi realizado um balanço de massa, verificando a
capacidade de filtração do meio poroso, além do cálculo da eficácia de filtração (E) do
resíduo, dada pela equação 2.7, do capítulo anterior.
42
Capítulo 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao iniciar as atividades experimentais no equipamento construído para este
trabalho, alguns testes de funcionamento foram realizados. Verificaram-se o diâmetro
máximo de partículas que viabilizaria sua passagem pelo tubo de injeção e a máxima
vazão de água ou solução injetadas no meio poroso. O diâmetro máximo para bilhas de
vidro foi de 80μm, pois para partículas com diâmetros acima deste valor, observou-se
entupimento do tubo. Não houve a verificação de um diâmetro mínimo de partículas a
serem utilizadas nos estudos. Além disso, o intervalo de vazões de injeção da bomba
peristáltica variou de 30mL/min a 150mL/min.
4.1. CARACTERIZAÇÃO DO MEIO POROSO
A caracterização do meio poroso foi realizada em três etapas. Na primeira,
utilizaram-se cinco densidades diferentes de palha de trigo, variando de 38 kg/m3 a 78
kg/m3, visando-se obter o tempo necessário para que a palha atendesse a sua capacidade
de campo, ou seja, o tempo para que todos os microporos fossem preenchidos com
água. Além disso, foram medidos os tempos necessários para o escoamento total da
água através da matriz porosa, de modo a obter a condutividade hidráulica, e a partir da
mesma, a permeabilidade do meio. As cinco primeiras linhas da tabela 4-1 indicam os
resultados obtidos no primeiro teste de caracterização, incluindo as densidades (ρ) de
palha de trigo testadas, o volume inicial de água necessário para preencher toda a
coluna, a macroporosidade (φM), a microporosidade (φm), a condutividade hidráulica
(kh) e a permeabilidade (ki).
Na segunda etapa, repetiram-se os testes anteriores, desta vez adotando valores
de densidade de palha de trigo variando de 40kg/m3 à 90kg/m3. Já a última etapa
consistiu em repetir o experimento somente para as três densidades mais elevadas. No
entanto, o tempo de ensaio foi estendido, para verificar o preenchimento dos
microporos. Para estes valores de densidade, observou-se que o tempo para atingir a
capacidade de campo foi mais elevado. A tabela 4-1 apresenta os dados obtidos nos
experimentos descritos anteriormente.
43
Tabela 4-1: Dados obtidos no experimento de caracterização.
Amostra Etapa ρ (kg/m3)
Volume Inicial de água (L)
φM (%)
φm (%)
φM+m (%) Kh (m/s) Ki (Pa.s)
P1 1 38 4,35 69,1 16,3 85,4 0,00133 1,36E-10
P2 1 48 4,24 66,0 12,9 78,9 0,00298 3,04E-10
P3 1 58 3,70 60,0 15,3 75,3 0,00361 3,69E-10
P4 1 68 3,51 53,8 18,2 72,0 0,00060 6,05E-11
P5 1 78 3,08 39,8 28,3 68,1 0,00070 6,97E-11
P6 2 40 4,21 64,1 17,4 81,5 0,00200 2,05E-10
P7 2 50 3,50 55,7 13,4 69,1 0,00240 2,42E-10
P8 2 70 3,41 50,1 12,1 62,2 0,00095 9,69E-11
P9 2 80 3,39 44,3 23,7 68,0 0,00035 3,60E-11
P10 2 90 3,15 33,1 30,7 63,8 0,00042 4,27E-11
P11 3 70 3,56 56,4 17,9 74,3 0,00095 9,70E-11
P12 3 80 3,25 42,7 23,4 66,1 0,00077 7,85E-11
P13 3 90 3,2 42,5 23,5 66,0 0,00072 7,39E-11
O preenchimento da microporosidade depende do teor de água inicial e da
natureza do meio poroso, assim como as dimensões dos microporos e dos macroporos.
Os valores obtidos neste trabalho apresentam uma tendência similar aos valores obtidos
por SHEWANI (2016). Essa tendência consiste em valores de macroporosidade
decrescentes e valores de microporosidade crescentes, de acordo com a densidade da
palha. Isto pode ser facilmente compreendido, pois quanto maior a densidade de palha
utilizada na coluna biodigestora, mais compactado será o material, consequentemente
menores serão os poros que permitem a circulação da água, também chamados de poros
de “grande dimensão”. Além disso, quanto maior a densidade de material, mais material
palhoso será contido na coluna, maior será a quantidade de microporos presentes na
matriz.
A macroporosidade é a relação entre o volume de poros de “grande dimensão”
sobre o volume total de poros. Para a obtenção dos valores de modo prático, este
volume ocupado pelos poros de “grande dimensão” é representado pelo volume de água
44
que sai do sistema após um ciclo completo do experimento, assim que a válvula de
retenção do equipamento é aberta. Entende-se que este volume de água de saída
imediata é a água que circulava nos poros de maior dimensão do meio poroso.
Esperava-se que quanto maior a densidade de material poroso na coluna
biodigestora, menor fosse a condutividade hidráulica do material, pois a grande
quantidade de palha dificulta o escoamento da água, diminuindo o volume dos
macroporos. No entanto observou-se que para valores específicos de densidade do meio
poroso, a condutividade hidráulica não correspondeu ao comportamento esperado.
Verifica-se que os valores de condutividade hidráulica possuem uma ordem de grandeza
próxima para as densidade que são praticamente iguais ( 38 kg/m3 e 40 kg/m3, 48 kg/m3
e 50 kg/m3, por exemplo). Observa-se que apenas na terceira etapa do experimento de
caracterização, a condutividade hidráulica diminui com o aumento da densidade do
material. Este fato pode ser explicado pois na terceira etapa, a manipulação do
experimento já havia sido repedida duas vezes, o que leva a uma melhor preparação da
amostra e melhor condução do ensaio. Além disso, quanto menor a densidade de
resíduo palhoso, mais difícil era a disposição do material de forma homogênea na
coluna do aparato, podendo ser esta a explicação para a não obtenção dos resultados
esperados.
Um fator que indica porque a macroporosidade apresenta valores tão mais
elevados que a microporosidade é a granulometria da palha de trigo. As fibras que
compõe a palha possuem tamanhos e formas muito variadas, de modo que compõem
uma estrutura de poros de “grande dimensão” muito mais expressiva que os microporos.
Quando a quantidade de palha aumenta na coluna, é necessário aplicar uma força de
compactação no material, o que leva a uma diminuição considerável dos macroporos. A
figura 4-1 contém as curvas de evolução da macroporosidade em relação as densidades
de material poroso.
45
Figura 4-1: Curva de evolução da macroporosidade em relação a densidade de material
poroso, para cada experimento realizado.
A curva de evolução da macroporosidade do Experimento 1 apresenta um
comportamento muito satisfatório, pois é totalmente decrescente. No entanto, a curva
que correspondente ao segundo ensaio possui um trecho com valor praticamente
constante, o que não condiz com o esperado. Possivelmente, isto pode ser explicado
pela heterogeneidade do material e principalmente pela dificuldade de dispor as
amostras na coluna do equipamento de forma mais semelhante possível em todos os
ensaios, causando arranjos diferentes na matriz, que podem levar a resultados um pouco
distintos do esperado.
Foi realizado um estudo de evolução da microporosidade através do tempo.
Após inserir o volume inicial de água no equipamento, notou-se que após certo tempo, o
nível de água no meio poroso diminuía, ou seja, a palha de trigo absorvia a água,
preenchendo assim os seus microporos. A partir deste princípio, medidas de acréscimo
de água eram tomadas de 15 em 15 minutos, até que o nível de água cessasse a variação,
momento considerado como o da máxima capacidade de retenção do meio. Para
determinar os valores de microporosidade da matriz porosa, para cada densidade de
palha de trigo utilizada, considerou-se o último valor de microporosidade atingida,
correspondente ao tempo onde cessaram-se os acréscimos de água no aparato
46
experimental. A figura 4-2 ilustra as curvas de evolução da microporosidade em relação
às densidades de palha utilizadas nas três etapas de caracterização.
Figura 4-2: Curva de microporosidade em relação à densidade de material poroso, para
cada experimento.
Observou-se que as diferenças de valores de microporosidade obtidos em cada
etapa da caracterização não ultrapassam uma diferença de 10%, o que demostra uma
boa correspondência entre os resultados.
Para as densidades de 48 kg/m3 e 50 kg/m3, a diferença de valores de
microporosidade é de apenas 0,5%, sendo assim a densidade com valores mais
representativos. No entanto para as densidades de 38 kg/m3 e 40 kg/m3, os resultados
obtidos não são muito lógicos, visto que o comportamento esperado para a evolução da
microporosidade com relação à densidade do material seria uma curva totalmente
crescente. Acredita-se que isto ocorreu, pois, para estas densidades, a coluna do
biodigestor não está totalmente preenchida com o material, dificultando a execução dos
incrementos de água, da verificação do nível d’água e etc.
A figura 4.3 mostra a evolução da microporosidade com o tempo, para cada
densidade de palha. Observa-se uma inclinação similar na maioria da curvas, indicando
47
assim que comportamento de preenchimento dos microporos para cada densidade é
muito parecido, sendo um ponto positivo para os resultados obtidos.
Figura 4-3: Evolução da microporosidade em relação ao tempo, para cada densidade de
palha de trigo estudada no biodigestor.
A cinética de saturação de um meio poroso é traduzida pela evolução do
preenchimento dos microporos. Como já dito anteriormente, este preenchimento
depende do teor inicial de água e da natureza do meio, principalmente devido ao
formato dos seus vazios. As figuras 4-4, 4-5 e 4-6 ilustram a evolução da saturação
através do tempo, para cada experimento realizado.
48
Figura 4-4: Evolução da saturação da palha de trigo em relação ao tempo para cada
valor de densidade, no Experimento 1.
Figura 4-5: Evolução da saturação da palha de trigo em relação ao tempo para cada
valor de densidade, no Experimento 2.
49
Figura 4-6: Evolução da saturação da palha de trigo em relação ao tempo para os três
valores de densidade mais elevados, encontrados no Experimento 3.
Ao iniciar a bateria de experimentos de caracterização, decidiu-se por adotar um
tempo máximo de duas horas para cada ensaio, porém era necessário confirmar que a
capacidade de campo seria realmente atingida ao final do ensaio. Por meio do terceiro
experimento, que teve uma duração maior, verificou-se que o tempo médio necessário
para a saturação total foi em torno de 150 minutos, ou seja, um pouco acima dos 120
minutos de duração dos experimentos anteriores. Esse fato aponta para a necessidade de
refazer os experimentos 1 e 2, com um tempo de análise maior.
Para compreender melhor a evolução do preenchimento de água nos vazios, fez-
se um pequeno estudo de modelização a partir dos dados obtidos nos experimentos. A
partir das curvas de saturação apresentadas nas figuras 4-4, 4-5 e 4-6, percebe-se que
elas apresentam uma tendência exponencial, descrita por uma lei geral dada pela
equação 4-1:
𝜖𝜖𝑚𝑚 = 𝛼𝛼0𝑃𝑃𝑥𝑥𝑝𝑝 �−𝑑𝑑𝜏𝜏 �
(Eq. 4.1)
onde 𝜖𝜖𝑚𝑚 é a microporosidade, t é o tempo, 𝛼𝛼0 e 𝜏𝜏 são as constantes que devem ser
encontradas para modelizar o problema. A constante de tempo 𝜏𝜏 está associada ao
tempo de preenchimento dos microporos de acordo com as condições de contorno, que
podem ser podem ser a densidade do material poroso, o volume de água envolvido no
50
escoamento e etc. Por outro lado, a constante 𝛼𝛼0 associa-se as características físicas do
material utilizado. Com o valor das constantes específicas para cada situação, torna-se
possível calcular a microporosidade do meio poroso para qualquer tempo após o início
do preenchimento com água, o que facilita a modelagem e controle do processo de
biodigestão usando a palha de trigo.
Para encontrar o valor dessas constantes, realizou-se a linearização das curvas de
evolução da microporosidade com o tempo. Os resultados encontrados para cada
amostra de maciço estão apresentados na tabela 4-2.
Tabela 4-2: Constantes da linearização das curvas de evolução da microporosidade em
relação ao tempo.
Amostra Etapa ρ (kg/m3) α0 τ
P1 1 38 0,389 -13,79
P2 1 48 0,399 -11,66
P3 1 58 0,353 -9,27
P4 1 68 0,384 -9,55
P5 1 78 0,491 -12,63
P6 2 40 0,421 -21,14
P7 2 50 0,346 -11,67
P8 2 70 0,327 -10,85
P9 2 80 0,449 -12,71
P10 2 90 0,519 -15,65
P11 3 70 0,360 -8,97
P12 3 80 0,471 -20,41
P13 3 90 0,470 -17,89
O valor da constante de tempo 𝜏𝜏 aumenta até atingir um máximo e depois
diminui. Este comportamento pode estar associado à densidade de palha de trigo
utilizada em cada maciço. SHEWANI (2016) reportou que a geometria e a estrutura da
porosidade da palha, que são fortemente influenciadas pela construção do maciço,
modificam a superfície útil de troca entre os macro e microporos. Como consequência, a
troca de água entre a micro e macroporosidade é realizada com dinâmicas diferentes.
51
4.2. TESTES DE SATURAÇÃO COM VARIAÇÃO DE
TEMPERATURA
Os testes experimentais de saturação com variação de temperatura foram
realizados em três dias, cada um deles com uma densidade distinta de material poroso
dentro da coluna do equipamento (50 kg/m3, 60 kg/m3 e 90 kg/m3, respectivamente).
Para cada dia de ensaio, o experimento foi dividido em três etapas diferentes.
Resumidamente, a primeira etapa consistiu na injeção de água fria no meio insaturado,
na segunda etapa a matriz porosa foi saturada com água quente, e por fim, na última
etapa realizou-se a injeção de água fria no meio saturado. O fim de cada etapa foi
caracterizado pela estabilização da temperatura do meio poroso.
Os resultados fornecidos pelo software dos captores não possuíam continuidade,
ou seja, para alguns valores de tempo a temperatura não foi medida. Por esta razão, os
resultados foram exportados em formato de texto para o software MATLAB, afim de
serem tratados.
As figuras 4-9, 4-10 e 4-11 ilustram os gráficos fornecidos pelo software dos
captores. Pode-se observar na figura 4-10, que para o segundo dia de ensaio há muitas
descontinuidades na curva de temperatura, ou seja, há inúmeros dados que não foram
captados. Além disso, na figura 4-11, observa-se que para curva do terceiro dia, dois
dos captores não funcionaram. Verificou-se que estes captores oxidaram, provavelmente
porque a vedação dos mesmos não resistiu aos três dias de experimentos. Dessa forma,
devido a uma questão de confiabilidade, somente os resultados do primeiro e do
segundo dia de ensaios foram tomados em consideração.
Além disso, apesar de terem sido empregados quatro captores no experimento,
observou-se que para um captor não houve variação expressiva de temperatura. Além
disso, um deles (representando pela curva vermelha da figura 4-9) apresentou variação
de temperatura, porém não condizente com o restante dos captores. Dessa forma,
consideram-se os dados medidos apenas por dois dos captores (curvas dos captores em
azul e rosa da figura 4-9).
52
Figura 4-9: Resultados do primeiro dia de experimentos fornecidos pelo software dos
captores de temperatura - densidade de material poroso de 50 kg/m3. Curva azul: captor
posicionado no topo. Curva rosa e verde: captores posicionados no meio da coluna. Curva
vermelha: captor posicionado próximo a base da coluna.
Figura 4-10: Resultados do segundo dia de experimentos fornecidos pelo software dos
captores de temperatura - densidade de material poroso de 60 kg/m3. Curva marrom: captor que
foi posicionado no topo. Curva vermelha e verde: captores posicionados no meio da coluna.
Curva azul indica o captor posicionado próximo a base da coluna.
53
Figura 4-11: Resultados do terceiro dia de experimentos fornecidos pelo software dos
captores de temperatura - densidade de material poroso de 90 kg/m3. Curva marrom: captor
posicionado no topo. Curva azul: captor posicionado no meio da coluna.
Os sinais de temperatura em relação ao tempo foram tratados no MATLAB,
realizando uma interpolação dos valores fornecidos, para encontrar os dados que não
foram plotados pelo software dos captores. A função de interpolação spline foi
utilizada, de modo a encontrar as inclinações mais fiéis ao formato da curva original.
Após o tratamento de dados no MATLAB, obtiveram-se as curvas correspondentes às
etapas não-saturada e saturada do primeiro dia, ilustradas respectivamente pelas figuras
4-12 e 4-13, e do segundo dia, figuras 4-14 e 4-15.
Observou-se que, em geral, a temperatura dos captores começa a diminuir
gradualmente sob o efeito do resfriamento do meio poroso pela injeção de água fria, e
logo depois, com a saturação pelo uso da água quente, a curva de temperatura aumenta
outra vez. Quando a matriz porosa está saturada, a água passa diretamente pelo captor,
sem ser absorvida pelas fibras da palha, e então a velocidade de diminuição da
temperatura se acentua.
54
Figura 4-12: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – primeiro dia, com densidade de 50 kg/m3, matriz insaturada. Curva azul:
captor posicionado no topo da coluna. Curva rosa: captor posicionado no meio da coluna.
Figura 4-13: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – primeiro dia, com densidade de 50 kg/m3, matriz saturada.
55
Figura 4-14: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – segundo dia, com densidade 60 kg/m3, matriz insaturada. Curva marrom:
captor posicionado no topo da coluna. Curva vermelha: captor posicionado no meio da coluna.
Curva azul: captor posicionado próximo a base da coluna.
Figura 4-15: Curvas de evolução da temperatura em relação ao tempo obtidas pelo
software MATLAB – segundo dia, com densidade 60 kg/m3, matriz saturada.
56
Como dito anteriormente, o tempo de saturação corresponde ao ponto de maior
inclinação negativa do gráfico de evolução da temperatura, ou seja, do valor de máxima
derivada da evolução de temperatura em relação ao tempo. Deste modo, após a
obtenção das curvas interpoladas de temperatura, foram feitas as curvas derivadas,
obtendo-se assim os tempos de saturação (figuras 4-16 e 4-17 correspondem ao
primeiro dia e as figuras 4-18 e 4-19 correspondem ao segundo dia).
Figura 4-16: Deriva da curva de temperatura em relação ao tempo – primeiro dia, matriz
insaturada (50 kg/m3). Curva azul: captor posicionado no topo da coluna. Curva rosa: captor
posicionado no meio da coluna.
57
Figura 4-17: Deriva da curva de temperatura em relação ao tempo – primeiro dia, matriz
saturada (50 kg/m3). A curva azul representa o captor posicionado no topo da coluna, e a curva
rosa representa o captor posicionado no meio da coluna.
Figura 4-18: Derivada da curva de temperatura em relação ao tempo – segundo dia,
matriz insaturada (60 kg/m3). Curva marrom: captor posicionado no topo da coluna. Curva
vermelha: captor posicionado no meio da coluna. Curva azul: captor posicionado próximo a
base da coluna.
58
Figura 4-19: Deriva da curva de temperatura em relação ao tempo – segundo dia, matriz
saturada (60 kg/m3). Curva marrom: captor posicionado no topo da coluna. Curva vermelha:
captor posicionado no meio da coluna. Curva azul: captor posicionado próximo a base da
coluna.
Com as curvas de derivadas do tempo, foram encontrados os tempos
correspondentes à saturação. A tabela 4-3 contém os resultados obtidos para cada captor
analisado, para o primeiro e segundo dia.
Tabela 4-3: Resultados de tempo de saturação obtidos para cada captor de temperatura. As
posições r e z encontram-se em centímetros, onde r é a posição radial e z é a altura.
Sensor de Temperatura Dia ρ
(kg/m3) Posição Estado Tempo de Saturação
(s) 2 Primeiro 50 (7,5; 15) Não Saturado 482
3 Primeiro 50 (3,75; 25) Não Saturado 1748
2 Primeiro 50 (7,5; 15) Saturado 515
3 Primeiro 50 (3,75; 25) Saturado 680
1 Segundo 60 (0; 5) Não Saturado 943
2 Segundo 60 (7,5; 15) Não Saturado 870
3 Segundo 60 (3,75; 25) Não Saturado 1104
2 Segundo 60 (7,5; 15) Saturado 2001
3 Segundo 60 (3,75; 25) Saturado 802
59
Os resultados obtidos experimentalmente foram comparados aos resultados de
saturação obtidos em um modelo numérico feito no software COMSOL. O modelo
simula um biodigestor com material palhoso, assim como o objeto deste estudo. As
figuras 4-20, 4-21 e 4-22 ilustram os gráficos obtidos a partir da simulação. Os gráficos
comparam os dados para cada captor, tendo como referência os dados experimentais do
segundo dia. A linha vertical tracejada indica o valor de tempo de saturação obtido
experimentalmente para o meio poroso insaturado, ao passo que a linha vertical
contínua indica o valor de saturação experimental para o meio saturado. Já os valores
marcados em “x” são os correspondes à simulação, o tempo a partir do qual a saturação
efetiva se mantém constante. As quatro curvas de saturação efetiva que estão presentes
nas figuras 4-20, 4-21 e 4-22 correspondem ao mesmo modelo numérico, porém com
métodos diferentes de encontrar parâmetros (α e pc) que determinam a saturação efetiva
presente na equação de Richards, definida no capítulo anterior. A saturação efetiva Se é
dada por:
𝑆𝑆𝑃𝑃 = [1 + (𝛼𝛼 ∙ 𝑝𝑝𝑐𝑐)𝑛𝑛]−𝑚𝑚 (Eq. 4.2)
onde α é o parâmetro constante inversamente proporcional ao diâmetro das partículas,
pc é a pressão capilar e n e m são fatores de forma da curva de retenção. Garnier e
Ashari, que aparecem diferenciando as curvas das figuras 4-20, 4-21 e 4-22
correspondem a dois métodos diferentes de calcular os valores de α e pc
60
Figura 4-20: Curvas de saturação efetiva obtidas pelos modelos no COMSOL, para o
captor de temperatura 1.
Figura 4-21: Curvas de saturação efetiva obtidas pelos modelos no COMSOL, para o
captor de temperatura 2.
61
Figura 4-22: Curvas de saturação efetiva obtidas pelos modelos no COMSOL, para o
captor de temperatura 3.
Percebe-se que para todos os captores o modelo de Garnier S2 apresentou
resultados similares aos obtidos experimentalmente para o tempo de saturação. O
método de Garnier foi utilizado inicialmente para uma mistura de palha e solo. Tal
modelo determina a pressão capilar deduzida a partir da Equação de van Genuchten,
dada por:
𝑤𝑤𝑚𝑚𝑖𝑖𝑥𝑥(𝑝𝑝𝑐𝑐) = 𝑤𝑤𝑠𝑠𝑠𝑠𝑙𝑙(𝑝𝑝𝑐𝑐) ∙ (1 − 𝑝𝑝) + 𝑤𝑤𝑝𝑝(𝑝𝑝𝑐𝑐) ∙ 𝑝𝑝 (Eq. 4.3)
onde w é o teor em água, p é a proporção de palha na mistura, e os índices “mix”, “sol”e
“p” indicam o teor de água da mistura, do solo e da palha, respectivamente.
Dessa forma, os resultados experimentais auxiliaram aos criadores do modelo a
escolher qual parâmetro de cálculo seria mais adequado para a modelagem de
biodigestores empregando resíduo palhoso de trigo.
Vale ressaltar que os tempos de saturação encontrados para os experimentos de
características físicas do material e nos experimentos com uso de temperatura não
apresentam a mesma ordem de grandeza. Uma possível explicação para tal diferença
62
sejam os processos advectivos e difusivos que ocorrem com a troca de temperatura.
Possivelmente, o tempo de saturação encontrado nos ensaios de temperatura
correspondem a saturações locais e não global, como foi garantido nos ensaios de
caracterização.
4.3. ESTUDO DE TRANSPORTE E RETENÇÃO DE
PARTÍCULAS NO MEIO POROSO
A heterogeneidade do resíduo poroso, as limitações dos equipamentos presentes
no laboratório e a falta de referências na literatura levaram a realização de muitos
ajustes e perda de tempo. De início, percebeu-se que é de suma importância realizar este
estudo com o meio poroso sempre saturado, ou seja, antes de iniciar o protocolo
experimental, deixou-se o meio imerso em água até atingir a saturação. Além disso, a
influência da captação de água pela microporosidade não é levada em consideração na
passagem das partículas.
A realização das calibrações antes de fazer os testes de transporte e retenção de
partículas no meio poroso foi de extrema importância para o presente trabalho. Além de
comprovar que o equipamento era capaz de injetar as partículas no meio poroso com
soluções homogêneas e praticamente iguais às da solução base, os testes possibilitaram
a troca de partículas utilizadas, para um tipo muito mais eficiente para o estudo, devido
à sua densidade, principalmente.
Os resultados da calibração são apresentados pela tabela 4-4. Os valores de
concentração 1, 2 ou 3 correspondem às concentrações das soluções base, de onde a
bomba peristáltica aplicava “sucção” para injetar as partículas na matriz de palha de
trigo. Observa-se que os valores de concentração possuem um desvio padrão baixo e
estão próximos dos valores de concentração da solução base.
63
Tabela 4-4: Resultados do teste de calibração de transporte e retenção de matéria,
realizado com bilhas de vidro de 100-200μm de diâmetro.
Concentração 1 =
10g/L Concentração 2 =
30g/L Concentração 3 =
50g/L
Medidas Concentração Recuperada (g/L)
Concentração Recuperada (g/L)
Concentração Recuperada (g/L)
1 11,66 35,56 63,02
2 11,82 32,76 52,76
3 12,26 40,56 46,00
4 12,20 34,98 49,04
5 14,14 35,68 56,20
Média 12,42 35,91 53,40
Desvio Padrão 1,00 2,85 6,61
Após a realização da calibração, foram realizados os testes de retenção e
transporte para as microbilhas de vidro. Resumidamente, o protocolo experimental
dividiu-se em três etapas, injetando-se soluções de água com partículas. Na primeira
etapa injetou-se água em um volume igual a duas vezes o volume ocupado pelos
macroporos. A segunda etapa consistiu na injeção de uma solução de “água-partículas”,
contendo o mesmo volume de água da etapa anterior. Por fim, injeta-se outra vez água
para “drenar” o meio poroso, assim como na primeira etapa. Tal processo foi repetido
para densidades de material poroso de 50 e 60 kg/m3.
Para a densidade de 50 kg/m3, a recuperação de partículas na saída do
equipamento levou a uma eficácia de filtração (E) igual a 50%. De modo geral, a etapa
do ensaio na qual mais foram recuperadas partículas foi a segunda etapa, provavelmente
porque a água que entrava no meio realizava o carreamento das partículas até a saída da
coluna. No entanto, para a densidade de 60 kg/m3 de material, não foi possível recuperar
uma quantidade significativa de partículas ao finalizar o ciclo.
Foram realizadas inúmeras tentativas de obter uma quantidade expressiva de
partículas com esta densidade, de modo que uma outra abordagem experimental foi
64
tomada. O objetivo era injetar mais material na matriz porosa, fazendo 10 ciclos das três
etapas do protocolo experimental explicado anteriormente, durante três dias, com a
mesma amostra de palha de trigo. Ao final, as eficácias de filtração variaram de 80 a
90%, o que mostrou uma relação recuperação/injeção muito fraca. Além disso,
observou-se um grande entupimento dos poros da matriz porosa. As figuras 4-23 e 4-24
ilustram o bloqueamento dos macroporos.
A B C
Figura 4-23: Evolução do entupimento dos poros pela injeção das microbolhas de vidro
na coluna com material poroso a 60 kg/m3. A corresponde ao primeiro dia, B
corresponde ao segundo e C ao terceiro dia de ciclos.
Figura 4-24: Vista superior da coluna do aparato experimental totalmente bloqueada pelas
microbilhas de vidro.
65
Observou-se um entupimento progressivo do meio poroso, que resulta num
crescimento da sua resistência ao escoamento. BENMACHOU (2005) constatou que o
entupimento se dá em duas fases distintas. Primeiramente, as partículas são
majoritariamente coletadas no interior da matriz, e somente aquelas que possuem um
diâmetro superior ao diâmetro dos macroporos, são freadas na superfície. Em seguida, a
segunda fase corresponde à aparição de um “bolo de filtração”, na entrada do meio
poroso (ilustrado pela figura 4-24). Essas duas fases foram perfeitamente observadas no
decorrer do experimento. A figura 4-25 ilustra o processo de entupimento explicado
anteriormente, para um meio fibroso que se assemelha à palha de trigo.
A
B
Figura 4-25: Esquema do entupimento num processo de filtração de um meio fibroso. A figura
4-25A corresponde a visão macroscópica do processo e a figura 4-25B corresponde à parte
microscópica do processo. Adaptado de: BENMACHOU (2005)
Após as evidências ilustradas anteriormente, decidiu-se por adotar partículas
diferentes para o estudo de retenção e transporte de matéria. Além disso, tornou-se
necessário buscar um tipo de partícula inativa que tivesse uma densidade mais baixa que
a da microbilha de vidro, tendo a possibilidade de escoar melhor.
66
A partir dos resultados obtidos, a troca das microbilhas de vidro por partículas
de poliamida foi satisfatória para o andamento do trabalho. A troca permitiu a obtenção
de uma recuperação de partículas expressiva. Os testes de transporte e retenção foram
realizados sob a mesma perspectiva do protocolo criado inicialmente, com uma injeção
de partículas à uma concentração de 50 g/L, porém aumentando para quatorze o número
de ciclos do experimento, com objetivo de obter mais resultados. O experimento foi
cessado quando a quantidade de partículas recuperadas superou a quantidade injetada,
representando uma eficácia de filtração (E) negativa. Ao obter esse valor negativo, o
experimento foi realizado com apenas injeção de água, para possibilitar a circulação das
partículas que estavam presas no interior do meio poroso. A figura 4-26 ilustra o
equipamento no andamento da realização dos testes com as partículas de poliamida.
Figura 4-26: Experimento com partículas de poliamida.
A tabela 4-5 apresenta os resultados para os testes de transporte e retenção
realizados. Após os 14 ciclos de injeção, os resultados de recuperação encontrados
foram crescentes até o oitavo ciclo. Após este ponto, a massa recuperada variou de 122g
à 144g. Observa-se que a recuperação apresenta um patamar médio de 131 g de
partículas recuperadas após os oito primeiro ciclos de injeção. Isto permite prever o
comportamento filtrante do meio poroso estudado, e também sua capacidade de
67
retenção em função da massa injetada. Logicamente, a massa retida na coluna apresenta
uma tendência crescente. A figura 4-27 ilustra a evolução das massas retida e
recuperada.
.
Tabela 4-5: Resultados dos testes de transporte e retenção de partículas de poliamida no meio
poroso de palha de trigo.
Ciclos Massa
Recuperada (g)
Massa Retida (g)
Concentração Imposta(g/L)
Concentração Recuperada (g/L) E (%)
1VP 56,76 90,74 47,40 19,44 59
2VP 83,19 155,05 46,72 28,84 43
3VP 110,20 192,35 46,37 36,49 21
4VP 121,68 218,17 46,62 40,29 14
5VP 124,72 240,95 45,95 38,73 16
6VP 127,06 261,39 46,71 41,25 12
7VP 136,36 272,53 46,09 45,00 2
8VP 155,86 264,17 46,09 51,44 -12
9VP 125,11 286,56 46,65 39,59 15
10VP 122,08 311,98 46,33 39,25 15
11VP 140,41 319,07 46,72 45,89 2
12VP 129,82 336,75 46,57 43,13 7
13VP 128,70 355,55 46,09 42,90 7
14VP 144,78 358,27 46,09 47,31 1
68
Figura 4-27: Curva de massa retida e recuperada no meio poroso a cada ciclo do
experimento de transporte e retenção de partículas de poliamida.
Considerando a palha de trigo um meio fibroso, no processo de
entupimento deste tipo de matriz, observou-se que as partículas capturadas podem
impedir o escoamento de outras partículas, contribuindo para o aumento observado da
eficácia de filtração. Este fato resulta também no aumento da velocidade intersticial na
matriz, ou seja, a quantidade de partículas capturadas aumenta, diminuindo o volume de
vazios disponíveis para a passagem do fluido. Tal aumento da velocidade intersticial,
gera um risco de arraste das partículas, o que também pode ser um fator que diminui a
eficácia de filtração.
Assim como esperado, houve um acumulo inicial de partículas no interior da
matriz e após o entupimento dos poros ao longo da coluna, verificou-se a formação de
um acumulo significativo na parte superior do filtro. Além disso, observou-se
visualmente a formação de alguns caminhos preferenciais de passagem de partículas.
69
Capítulo 5. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
De modo geral, a compreensão da distribuição de água no seio de uma matriz
porosa de rejeitos, através de um processo de percolação e drenagem, é essencial para a
compreensão dos escoamentos líquidos que comandam a biodegradação. Além disso, a
estrutura heterogênea do material, principalmente a granulometria e a geometria dos
microporos podem modificar a estrutura do campo de escoamento e gerar caminhos
preferenciais, tanto para passagem de fluidos como para depósito de partículas. Este
fenômeno pode influenciar fortemente na permeabilidade do material, explicando
algumas descontinuidades nos resultados encontrados.
Para os ensaios de caracterização do meio poroso, a curva de evolução da
macroporosidade nos primeiros testes apresentou um resultado muito condizente com o
esperado, pois nota-se claramente o comportamento decrescente ao passo que a
densidade de palha no aparato experimental aumenta. Pode-se concluir que à medida
que a quantidade de material aumenta, menor será o volume de vazios de maior
dimensão para passagem de fluidos e maiores serão os vazios que correspondem aos
microporos. No entanto, a curva correspondente ao segundo ensaio possui um trecho
com valor praticamente constante, o que não condiz com o esperado. Possivelmente,
isto pode ser explicado pela heterogeneidade do material e principalmente pela
dificuldade de dispor as amostras na coluna do equipamento de forma mais semelhante
possível em todos os ensaios, causando uns arranjos diferentes na matriz, que podem
levar a resultados um pouco distintos do esperado.
As curvas de microporosidade apresentaram comportamento crescente em
relação ao aumento da quantidade de material poroso contido no aparato experimental.
Quanto mais resíduo, maior a disponibilidade de microporos, maior a compactação do
material na coluna e menor espaço livre para circulação de fluidos na matriz.
No que diz respeito aos dados de condutividade hidráulica, os resultados
representaram de fato um meio poroso bastante permeável, comparável à
permeabilidade de materiais granulares, no geral. Além disso, observou-se que, com o
aumento da quantidade de material, a condutividade hidráulica diminuiu. Isto pode ser
explicado pois quanto mais palha, maior será a absorção da água pelos microporos e
70
menor espaço de circulação nos macroporos. Em relação às curvas de saturação,
concluiu-se que o tempo necessário pra atingir a capacidade de campo do material é de
no mínimo 2 horas e 30 minutos, caracterizando o total preenchimento da
microporosidade. Além disso, os valores das características físicas encontradas neste
trabalho apresentaram similaridade satisfatória com a literatura, corroborando os dados
obtidos.
Os valores de características físicas encontradas foram utilizados para calibração
de um modelo computacional. Os resultados auxiliaram na construção e validação do
modelo, o que os torna resultados palpáveis para aplicação em diversos campos
diferentes.
Em relação aos experimentos de transporte e retenção de massa no meio poroso,
muitas dificuldades foram enfrentadas. Devido à pouca experiência e familiaridade com
este tipo de experimento, à escassez de experimentos anteriores na literatura e das
limitações dos materiais disponíveis, o procedimento desenvolvido passou por muitas
modificações e tentativas até chegar a um ponto satisfatório, o que possa explicar a falta
de resultados mais conclusivos.
Considerando a palha de trigo um meio fibroso, no processo de entupimento
deste tipo da matriz, observou-se que as partículas capturadas podem impedir o
escoamento de outras partículas, contribuindo para o aumento observado da eficácia de
filtração, resultando também no aumento da velocidade intersticial na matriz, ou seja, a
quantidade de partículas capturadas aumenta, diminuindo o volume de vazios
disponíveis para a passagem do fluido. Tal aumento da velocidade intersticial, gera um
risco de arraste das partículas, o que também pode ser um fator que diminui a eficácia
de filtração.
Avaliando os resultados obtidos no ensaio de transporte e retenção, o
comportamento previsto por BENMACHOU (2005) foi também observado no decorrer
do experimento. Assim como esperado, houve um acumulo inicial de partículas no
interior da matriz e após o entupimento dos poros ao longo da coluna, verificou-se a
formação de um acumulo significativo na parte superior do filtro. Além disso,
observou-se visualmente a formação de alguns caminhos preferenciais de passagem de
partículas.
71
Geralmente, as partículas envolvidas no processo real são menores e menos
densas que as utilizadas neste trabalho, além de serem ativas biologicamente. O uso de
partículas inativas deu-se à dificuldade e limitações de encontrar materiais disponíveis
em tempo hábil para realização deste estudo, porém conclui-se que este fato não
impediu à chegada em resultados interessantes sobre as características e o potencial
filtrante do material.
Como sugestão para trabalhos futuros, seria de grande valia a análise do
transporte de massa na matriz de resíduos fazendo-se uso de partículas ativas, ou seja,
com amostras de biofilme, por exemplo. Sabendo-se a tendência de acumulação de
partículas com tamanho e densidades parecidas com o biofilme, poder-se-ia chegar a
uma solução de otimização da capacidade biológica, atingindo resultados de produção
do biogás mais elevadas.
Outra abordagem satisfatória para trabalhos futuros seria realizar mais ensaios
de laboratório que pudessem ser comparados com os resultados de modelos numéricos
já construídos para casos semelhantes. A modelagem computacional é de extrema valia
para a avaliação do desempenho de processos hoje em dia, possibilitando a economia de
tempo e recursos com experimentação em laboratório.
Além disso, seria interessante para estudos futuros utilizar ferramentas de
imagem para estudar melhor a retenção de matéria no interior da matriz, visto que neste
trabalho somente foi possível fazer uma análise visual das paredes externas da matriz.
Ferramentas como raio-X e câmeras de alta definição seriam recomendadas para este
caso.
Os conceitos aplicados e aprendidos no presente trabalho podem ser utilizados
em diversas áreas de estudo, relacionadas à engenharia civil e ambiental como, por
exemplo:
1. Transporte de poluentes em geotecnia ambiental, visto que foram estudados
parâmetros importantes de contaminação solos (equações de advecção, dispersão
e difusão, por exemplo);
2. Aproveitamento de resíduos e geração de energia;
3. Poluição de corpos d’água, utilizando os mesmos conceitos de transporte de
massa, como a advecção, dispersão e difusão;
4. Caracterização de matrizes porosas e heterogêneas.
72
Capítulo 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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78
ANEXO
1. Impactos positivos causados pelos resíduos agrossilvopastoris
O relatório de pesquisa sobre os resíduos agrossilvopastoris elaborado pelo
IPEA em 2012 apresenta o seguinte esquema com os impactos positivos da gestão
responsável destes resíduos.
2. Impactos negativos causados pelos resíduos agrossilvopastoris
Assim como os impactos positivos, também há impactos negativos
correspondentes a cada especialidade de resíduo: para os efluentes líquidos, resíduos
sólidos, excrementos, provenientes de laticínios e graxarias e de abatedouros.
79
80