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Conclusão: “VOÇOROCAS DO PODER PÚBLICO?!” Nossa tese teve como objetivo a comprovação, a partir de análises e interpretações históricas sobre a forma da produção física dos espaços da cidade de Bauru e o suporte jurídico das normas urbanísticas do período de estudo, do papel ideológico assumido pelo poder municipal em diversas ações ao longo do período. Ele desprezou a busca real da defesa dos interesses públicos para solucionar as necessidades da maioria da população da cidade, constituída por pessoas mais humildes, que, como todos os seres humanos, necessitam de uma qualificação integral 1 dos seus espaços de viver. Também agiu dentro de uma forma de gestão, centralizada, tecnocrática e não transparente, para beneficiar os interesses privados de uma minoria, representada por pessoas donas dos meios de produção, industriais da construção civil, grandes proprietários de terras urbanas e agentes imobiliários diversos, interessados na especulação imobiliária e conquista do maior lucro possível sobre a terra urbana. Nesse sentido, comprovamos, sob os pontos de vistas selecionados e pertinentes ao urbanismo e planejamento urbano, não somente a inversão do papel do poder municipal da defesa do interesse público para o privado, mas que na verdade o poder municipal, naqueles casos, tem funcionado como 240

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Conclusão:

“VOÇOROCAS DO PODER PÚBLICO?!”

Nossa tese teve como objetivo a comprovação, a partir de análises e interpretações históricas sobre a forma da produção física dos espaços da cidade de Bauru e o suporte jurídico das normas urbanísticas do período de estudo, do papel ideológico assumido pelo poder municipal em diversas ações ao longo do período. Ele desprezou a busca real da defesa dos interesses públicos para solucionar as necessidades da maioria da população da cidade, constituída por pessoas mais humildes, que, como todos os seres humanos, necessitam de uma qualificação integral1 dos seus espaços de viver. Também agiu dentro de uma forma de gestão, centralizada, tecnocrática e não transparente, para beneficiar os interesses privados de uma minoria, representada por pessoas donas dos meios de produção, industriais da construção civil, grandes proprietários de terras urbanas e agentes imobiliários diversos, interessados na especulação imobiliária e conquista do maior lucro possível sobre a terra urbana.

Nesse sentido, comprovamos, sob os pontos de vistas selecionados e pertinentes ao urbanismo e planejamento urbano, não somente a inversão do papel do poder municipal da defesa do interesse público para o privado, mas que na verdade o poder municipal, naqueles casos, tem funcionado como representante privilegiado ou “braço direito” do interesse privado.

Foi a partir da compreensão dessa falta de sentido público maior nas ações, gestões, interpretação das leis e formulação de desenhos urbanos que qualificassem o espaço, que economizassem recursos coletivos, que se comprometessem com um desenvolvimento social especialmente das populações mais carentes (que por sinal são a maioria da população de Bauru), da falta de desenvolvimento de uma verdadeira participação popular no processo de gestão, que procuramos diferenciar ao longo dos capítulos o sentido em que foram empregadas as frases “poder municipal” e “poder público”. De fato, quase sempre operou e esteve presente nos momentos de gestão das “voçorocas” o poder municipal representativo de uma elite, minoria dominante, dona dos meios de produção, que possui interesses

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econômicos muito precisos sobre a gestão das terras urbanas e que sabe muito bem operar suas estratégias num meio de “planejamento regulador passivo”. Por outro lado, esteve ausente o “poder público”, representativo dos interesses da maioria da população e preocupado em melhor gerir de forma transparente, democrática, econômica e distribuidora de benefícios sociais as ações de um “planejamento ativo” e “participativo” ainda por se conquistar.

A estrutura da tese procurou enfatizar uma forma de pesquisa que evidenciou algumas das nossas ações práticas, como forma de demonstrar mesmo que modestamente a real possibilidade de avanços na procura de implantação desse sentido público do planejamento, no qual o poder municipal deveria ter um papel central, articulado com a maioria da sociedade na coordenação e defesa do bem comum da maioria que não é dona dos meios de produção. Assim, mesmo numa sociedade capitalista à qual fazemos muitas críticas e trabalhamos por sua mudança, o “poder público” poderá ser um agente de busca de equilíbrio e compensação social. Demonstramos, porém, que a forma de gestão centralizada e tecnocrática impôs e imporá limites reais a esses avanços enquanto a sociedade, os mais carentes e humildes que formam a maioria não conseguirem formas de se aperceber desse contexto político e se organizarem para uma efetiva transformação, do seu papel de espectador passivo para uma liderança coletiva e ativa, dona dos meios decisórios e fiscalizatórios de um real sistema de gestão comprometida ou impulsionada pelas suas causas e lutas francas.

Percorremos um caminho de demonstrar a inter-relação necessária e dialética entre a forma de gestão, a utilização dos instrumentos legais e o uso apropriado do projeto ( desenho e a forma urbana), num sentido urbanístico amplo, para a qualificação da vida na cidade, em torno do que denominamos a tríade qualificadora do planejamento urbano

Aprofundamos as análises sobre as “voçorocas do poder público” relativas à organização dos loteamentos e o crescimento da cidade, os sistemas de áreas públicas e os problemas decorrentes de um mau planejamento urbano, como as próprias voçorocas e erosões urbanas que castigam a cidade, bem como nos aprofundamos sobre a parte complementar às áreas parceladas que formam os “vazios” urbanos especulativos, e as formas de intervenções tradicionais do poder municipal nessas áreas, que carecem de política e gestão efetiva pública para que cumpram verdadeiramente uma função social

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da propriedade urbana, que está pouco definida na Constituição de 19882. Nesse aspecto, depositamos real esperança na aprovação e implementação efetiva do Estatuto da Cidade3.

Temos certeza, contudo, que a pesquisa desenvolvida para esta tese nos demonstra ainda algo subliminar e tão importante quanto os assuntos já tratados, que diz respeito à efemeridade das boas experiências e práticas de gestão, aplicação das leis e desenho da cidade ao longo do tempo, o que denominamos de “projetos exceções”, que podem ser estudados e comprovados apenas como patrimônio histórico em diversos períodos da construção da cidade fracionada, como pontos mais brilhantes numa constelação de coisas disformes e nubladas, sem maiores significados positivos, mas que caracterizam exatamente este estudo centrado nos aspectos negativos do planejamento regulador passivo, e que se expressam nas “voçorocas do poder público”.

Ainda fica para nós, no final de nossa tese, uma pergunta que faremos como urbanista e arquiteto apegado intransigentemente à busca de uma qualificação da vida humana em sua mediação e interação com a construção dos espaços urbanos: como a sociedade poderá transformar esses “projetos exceções” em sistemas estratégicos e operacionais rotineiros nas práticas de gestão do espaço urbano? Espaço urbano onde a vida humana tem que ser o substantivo da causa da produção das cidades, e onde a beleza, a arte, a socialização coletiva dos espaços urbanos, a relação e interação com o meio ambiente, devem permitir e expressar a busca da elevação dessa qualidade de vida, e onde o sistema de produção social da cidade se desprenda apenas do interesse de poucos à procura do lucro fácil, mas seja de fato momento de construção de uma história social coletiva que transforme e eleve o ser humano nos seus aspectos intelectuais, artísticos, humanizadores e espirituais.

A resposta a esta indagação final seria muito complexa, não fosse toda a análise trabalhada nos capítulos anteriores e a nossa ação prática ao longo desta tese. Temos especialmente clareza teórica dos elementos a serem galgados e uma direção para a realização de ações práticas para se alcançar aquele objetivo. Será difícil mas possível, certamente, executar ações estratégicas e operacionais para alcançar de fato e na prática estes objetivos na abrangência necessária para essa transformação; será, contudo, trabalho de inserção política, educação e militância social de muitos.

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A desqualificação do planejamento que decorre das voçorocas do poder público é resultado também do descontrole e desmobilização da maioria da população mais carente sobre o poder de gestão da cidade e do seu descontrole sobre os instrumentos técnicos, jurídicos e políticos que possibilitariam a cobrança, fiscalização e ações que impusessem os seus interesses e reais necessidades aos gestores de plantão. Esta maioria da população mais humilde deve ter sempre viva, no entanto, a perspectiva objetiva de luta e organização para a conquista efetiva do poder político, nas diversas instâncias, para estar de fato representada, sem intermediários, efetivando diretamente os seus interesses.

Mas, mais do que estar no poder eventual e efemeramente, é importante que se conquiste formas operacionais e fiscalizatórias diretas de participação efetiva no controle das políticas públicas e nas decisões de priorizar os investimentos públicos e o controle social do planejamento, numa forma ativa que possibilite por um lado que as ações e projetos urbanísticos privadas venham ao encontro das reais necessidades sociais, que respondam e solucionem as outras demandas e “impactos de vizinhanças”4 geradas com esses investimentos e que retirem da responsabilidade econômica do poder municipal e da comunidade qualquer necessidade de investimento para a solução desses “impactos”. Ainda, que o “poder público” cobre uma verdadeira contrapartida social de “permuta de benefícios”, equilibrando ônus e benefícios das operação urbanísticas, fazendo justiça em prol sempre do coletivo e do sentido público maior.

Ficou claro que o planejamento centralizado e tecnocrático beneficiou quase sempre grupos de interesses especulativos, mesmo que em nome de um aspecto desenvolvimentista, mas que está custando caro à sociedade como um todo, sem falar dos momentos que evidenciamos real benefício ilícito entre agentes privados e públicos municipais.

A descontinuidade administrativa tão falada, que, no sentido do planejamento, pode representar alterações significativas em um ou mais elementos do trato interpretativo e de ações sobre a tríade de qualificação do planejamento, resulta dialeticamente em mudanças profundas dos resultados da qualificação urbanística e na economia da gestão municipal. Assim, entendendo que a descontinuidade é fruto de diversos interesses políticos, ideológicos e econômicos contraditórios dos pequenos grupos da elite, compreendemos que

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quanto menor for o controle social dessas camadas maiores da sociedade sobre o poder municipal, maior será essa descontinuidade.

Portanto, o cerne das ações para galgar esta conquista de controle social do planejamento, passa por desenvolver formas de atuação independente, coletiva e pública, num sentido político amplo e coeso, onde “a lei, a forma e a gestão urbana”, possam ser minimamente compreendidas, trabalhadas, geridas e fiscalizadas pelas comunidades, na busca de um referencial e padrões de qualidades adequados, visando no mínimo a formulação de projetos e programas urbanos contrapondo e se antecipando aos interesses privados e ao poder municipal ora conivente e ora negligente, invertendo-se mesmo a “ordem” tradicional de se pensar a cidade, buscando alternativas transparentes, mais democráticas e mais legítimas e representativas das demandas e desejos da maioria da população.

Galgar esse caminho nos parece trabalho árduo para educadores e militantes sociais de áreas multidiciplinares que congreguem expressivamente urbanistas e arquitetos críticos. É trabalho de construção crítica complexa, que envolve discussão desde o sentido de gestão pública, a experiência histórica das voçorocas do poder público, a compreensão mínima das fontes e formas de gestão dos recursos públicos, a base da legislação urbanística em formação, incluindo a visão tradicional e as possibilidades de conquistas, como as estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, a discussão sobre as formas urbanísticas e o desenho da cidade e muito mais, tendo como centro a realização efetiva de trabalho concreto junto e para as comunidades na busca de implementação de conquistas visíveis de intervenções pontuais e sucessivas de qualificações urbanísticas.

Pressupomos a necessidade da formação de consensos da maioria da população em torno de seus desejos e necessidades, além da formação de projetos estratégicos de desenvolvimento futuro nos ambientes de suas vidas cotidianas. Que estas comunidades realizem também esforços e busquem periodicamente ver e rever suas prioridades, possivelmente dentro das espectativas orçamentárias e econômicas anuais do poder municipal; experiências como estas já vêm sendo utilizadas com relativo sucesso, por meio da realização de orçamentos participativos5 em várias cidades brasileiras. Mas entendemos que deve ainda, em nível de planejamento, avançar no sentido da compreensão, discussão e formulação participativa de projetos urbanísticos, integrando assim duas instâncias de saber e

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formulações de políticas públicas, na compreensão, hierarquização e decisão das políticas sociais e sua contrapartida de estruturação física e formal da cidade, entendendo ser o urbanismo e a arquitetura elementos vitais mediadores e qualificadores da vida nas cidades.

Certamente não haverá uma resposta pronta e acabada, única, para avançar no sentido que esboçamos, pois isto é obra política e social que depende das correlações de forças sociais, técnicas e políticas de cada cidade, e entendemos estes avanços como processo na quebra das visões centralizadas e tecnocráticas de gestão do espaço urbano e na busca principalmente de um urbanismo que atenda a maioria da população mais carente e do rompimento da gestão elitista tradicional que tem privilegiado a minoria dos cidadãos mais ricos das cidades.

Em Bauru, a prática tem demonstrado que é necessário um conjunto de ações com apoios dos agentes externos6 às comunidades nesses momentos para se caminhar no sentido dos avanços democráticos ou inserções socializadoras7 no planejamento. Essa obra requer ao mesmo tempo formatação conceitual e metodologias de mobilização e educação sociais, mas principalmente de mobilizações, organizações e lutas sociais e políticas para a conquista.

A universidade pública, no caso de Bauru, o departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo da FAAC-UNESP, poderá ter um papel futuro importante, juntamente com outras entidades de defesa dos cidadãos, para esses avanços nas práticas de gestões do planejamento democrático e transparente, especialmente se seu alinhamento ideológico, técnico e político for majoritariamente com as causas sociais da maioria da população mais humilde da cidade e num sentido prático, estiver engajada com aquela na busca de suas conquistas.

Modestamente, porém de forma decisiva e até certo ponto inovadora, em relação a método e forma de ação engajada com os compromissos de realização e implantação, procuramos dar uma resposta prática e concreta àquela pergunta inicialmente formulada durante nossa pesquisa para esta Tese de Doutorado, desenvolvendo em Bauru, na forma de “pesquisa e ação”, um conjunto de trabalhos denominados de “Planos Diretores Populares de Bairros”, apresentado no anexo final, quando e onde pudemos exercitar, refletir e concluir sobre essas possibilidades de avanços na democratização e popularização da forma de gestão do espaço da cidade por meio do planejamento ativo.

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Essa experiência, inverteu as relações de poder entre poder municipal e comunidade, sobre o pensar e conceber o urbanismo e as prioridades de implantação das políticas públicas. Sua implantação efetiva, contudo, é obra política e fiscalizatória ainda por se realizar de forma mais efetiva.

Três Planos Populares de Bairros foram realizados até aqui, crescendo sucessivamente a participação e o engajamento das comunidades e de entidades com compromissos sociais com essas transformações, o que demonstra o enorme potencial para o futuro. Sucessivamente, também foi sendo percebido o descompromisso do poder municipal em legitimar essa inversão de papéis ou mesmo incentivar essas práticas independentes.

Contudo cresceu, em virtude do desprezo do poder municipal pelos planos, e da sua tentativa de ignorá-los no todo ou em parte, a noção de que os direitos sociais em suas diversas instâncias devem ser conquistados por meio da luta jurídica e ações populares em conjunto com as entidades de defesa dos direitos da cidadania.

Conquistou-se a compreensão de que é necessária a reivindicação formal e juridicamente fundamentada dos direitos sociais de cada comunidade, como forma de luta política e social para a conquista, desvinculando-se do sentido paternalista, conivente, subalterno ou cooptado da relação tradicional estabelecida entre as lideranças comunitárias e sua subserviência com a estrutura de poder constituído. Estes direitos sociais deverão ser compreendidos e exercidos a partir da discussão dos problemas, das necessidades, dos potenciais de desenvolvimento, dos conceitos de organização espacial, da possibilidade de que os vazios urbanos podem solucionar demandas reprimidas nas regiões, desde que as diretrizes de planejamento estejam comprometidas com as soluções dos seus impactos de vizinhanças e com a qualificação da vida também dos bairros vizinhos e da hierarquização das políticas públicas a serem implantadas.

Pressupõe-se, nesses Planos Diretores de Bairros, um alinhamento maior das comunidades com a conquista independente e livre de suas causas, agora refletidas, hierarquizadas e fisicamente planejadas e não sua continuidade de subjugação a estruturas de poder político parciais, cabresteada por “pseudos-favores” e aparentes regalias por alinhamento político ou amortecimento das lutas e reivindicações políticas mais legítimas da comunidade, como muitas vezes ocorre com suas lideranças de bairros.

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No anexo final desta Tese, sem querer esgotar o assunto, que está em construção em Bauru, queremos apresentar como forma de finalização e demonstrando mais uma vez a possibilidade de contraposição a cada item e capítulos anteriormente tratados sobre as voçorocas do poder público, talvez como mais um “projeto exceção”, a base e os conceitos sobre a realização dos “Planos Diretores Populares de Bairros”.

Restringiremos-nos contudo, a apresentar, na forma de um documento fechado específico, com unidade própria que retoma, ainda em forma de conclusões, a síntese da totalidade do trabalho da nossa tese, sem nos dispersarmos em relatar minúcias da forma de realização desses Planos Diretores Populares, procurando tirar dessas experiências locais de Bauru questões já concluídas e experimentadas que possam servir a uma indagação mais geral para outras cidades médias e pequenas.

No corpo dessa exposição mais geral queremos, como forma positiva e esperançosa de enxergar esse modelo de Planejamento Participativo e Popular, relatar algumas conquistas e vitórias sociais objetivas possibilitadas por ele, sem o qual não teriam sido possíveis.

Continuamos em luta!

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Anexo final

“PLANOS DIRETORES POPULARES DE BAIRROS”

Uma metodologia participativa em desenvolvimento

PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO URBANO - DESAFIO METODOLÓGICO NA

CONSTRUÇÃO DE JUSTIÇA E CIDADANIA

CONCLUSÕES SOBRE O ESTUDO DOS CASOS REALIZADOS EM BAURU NOS BAIRROS: POUSADA DA

ESPERANÇA E BAIRROS ADJACENTES, SANTA EDWIRGES E BAIRROS ADJACENTES, FLAMBOYANT’S / CAMÉLIAS E BAIRROS

ADJACENTES.

1 – OBJETIVOS:

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Esta parte anexa da tese, intitulada de “Planos Diretores Populares de Bairros” – Uma Metodologia Participativa em Desenvolvimento”, tem como objetivos principais:

1.1 - Desenvolver metodologia democrática e participativa que aproxime as comunidades de bairros no diagnóstico dos problemas, no levantamento de necessidades imediatas, de médio e longo prazos, bem como buscar possibilidades estratégicas que envolvam a formação de consciência cidadã nas intervenções e gestão do espaço urbano.

1.2 – Questionar e propor mudanças das formas tecnocráticas, centralizadas, autoritárias e comprometidas com os especuladores urbanos pelas quais tem se dado o processo de planejamento urbano das cidades, especialmente das cidades médias, como Bauru.

1.3 - Elaborar diretrizes e projetos urbanísticos básicos para a expansão urbana, ocupação dos vazios urbanos, novos loteamentos, padrões urbanísticos, proteção dos fundos de vales, criação de novos parques urbanos, defesa do meio ambiente, execução de análise de impacto de vizinhança, etc.

1.4 – Definir prioridades locais, regionais e urbanas visando um desenvolvimento de políticas públicas e de orçamento participativo que respeitem de fato a maioria da população mais humilde da cidade.

1.5 – Definir as lutas sociais e políticas na busca da defesa da cidadania, interagindo com entidades e instituições de defesa dos direitos sociais.

1.6 – Inverter o processo de pensar, elaborar e propor normas e formas de gestão do espaço urbano a partir da participação popular, rompendo com os modelos tradicionais de planejamento.

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2 - INTRODUÇÃO

Muito se tem escrito e analisado sobre o fracasso das formas de planejamento urbano no Brasil, seja no período autoritário8, mas também já neste período de busca de redemocratização das formas de gestão do Estado brasileiro. Os problemas urbanos de toda ordem se acumularam em ritmo intenso, em conseqüência das grandes correntes migratórias do campo para a cidade, tendo em vista principalmente o desenvolvimento industrial e de serviços que ocorreu na segunda metade do séc. XX no Brasil. O planejamento físico e social, seja nos seus aspectos de regulamentação jurídica, seja nas suas formas de gestão centralizada e autoritária9, seja nos seus aspectos da qualidade do desenho e das formas das estruturas urbanas distintas, quase sempre não foi capaz, quantitativa e qualitativamente, de responder às demandas colocadas. Ao contrário, o crescimento desordenado, ao sabor dos interesses especulativos privados, a falta de infra-estruturas urbanas, o descaso do poder municipal com os espaços públicos e de socialização, a forma privilegiada com que o poder público tem tratado o interesse privado nas interpretações das leis de parcelamento do solo e das leis ambientais, a falta de melhores critérios de localização no espaço dos equipamentos urbanos; a falta, omissão e comprometimento do poder público em não desenvolver e aplicar políticas públicas de combate à especulação imobiliária de terras na cidade, parecem comprovar não só o centralismo e a tecnocracia da gestão do espaço, mas principalmente a forma de um Estado, seja no âmbito federal e estadual, mas principalmente, no caso particular, as administrações municipais, que muitas vezes, de maneira incompetente e omissa, têm sido subservientes e comprometidas com os interesses especulativos privados10.

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Assim, a centralização do planejamento urbano, com suas formas tecnocráticas de tomadas de decisões, e seus instrumentos de regulação do uso do solo, especialmente os modelos gerais de planos diretores integrados e leis de zoneamento, parece constituir o caminho escolhido para se controlar e legitimar os interesses econômicos de uma minoria privilegiada capitalista, dona dos meios de produção. Assim, as gestões se fazem aparentar para a maioria da população mais humilde e menos esclarecida o seu controle sobre a organização do espaço das cidades e suas “boas intenções”, benevolentes e assistencialistas, sobre a dotação da qualidade dos destinos do viver dessa maioria. Na prática e do ponto de vista social, político e econômico, demonstrado pelas evidências da falta de qualidade física da maioria dos espaços urbanos construídos, seja nas pequenas cidades, seja nas cidades médias como Bauru, seja nas metrópoles, significou privilégio à minoria de proprietários de terras urbanas, investidores na construção civil e agentes imobiliários, e a exclusão da maioria da população do jogo dessa discussão e decisão sobre um mínimo de qualidade digna dos seus espaços vitais11.

Bauru, como outras cidades médias, historicamente, dentro de um modelo ideológico especulativo privado, buscou se espelhar na acumulação das metrópoles, fez crescer, antes da Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano 6766 /79, a “ Cidade Sem Limites”, fruto do aumento da produção e ofertas de loteamentos desqualificados privados12, sem qualquer infra-estruturas, deixando-as sob a responsabilidade do poder municipal, com o aval formal deste; áreas que representam ainda hoje cerca de 40 % da área parcelada do município e sem ocupação ou pouco adensadas por construções e pessoas13. Pessoas que anualmente vêm se impondo por meio da organização popular de bairro e solicitando cada vez mais os seus direitos sobre a obrigação do poder municipal realizar essas infra-estruturas, mas que enquanto isso sofrem com problemas ambientais distintos, como a formação de voçorocas e erosões urbanas nas ruas, a formação de enchentes e processos de assoreamento em fundos de vales, etc. Esse modelo especulativo privado de parcelamento do solo fez introduzir concepções de estruturações espaciais urbanísticas segregadoras, como os loteamentos fechados e a demarcação de zonas de crescimento privilegiadas da minoria de pessoas das classes sociais mais abastadas e, por outro lado, vem manipulando racional e objetivamente a formação de vazios urbanos que hoje significam cerca de 50% da zona urbana da cidade, bem como a busca de expansão

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dos limites da zona urbana, alimentando o crescimento especulativo em curso na história da cidade. Esse fato que também acontece nas suas pressões sobre o poder municipal para conseguir facilidades e benesses sobre liberações de critérios sobre coeficientes de aproveitamentos, taxas de ocupações, mudanças de zonas de uso etc., na medida que os interesses especulativos privados entendem que são necessários.

Por um lado, o poder municipal é refém dos interesses especulativos ou é na maioria dos casos comprometido e partícipe, cúmplice mesmo desses interesses. O resultado desse processo de atrelamento ideológico é um “planejamento ” parcial que segrega e exclui a maioria da população. Esses interesses especulativos são aqueles que fomentam e financiam as campanhas políticas eleitorais municipais. Assim, os representantes políticos da elite ficam reféns da sua busca de sobrevivência política nesse modelo de gestão preso aos interesses das elites econômicas, como também da necessidade da formação de opinião pública, na qual entram decisivamente os meios de comunicação de massa. Da mesma forma, esses meios de comunicação possuem agentes financiadores de campanhas e possuem interesses indiretos especulativos, quando não são eles próprios também grupos que operam com a especulação da terra urbana.

Por outro lado, essa maioria absoluta da população urbana, segregada nas periferias e nos bairros desgarrados da área central da cidade por vazios urbanos isolados ou por vazios urbanos lineares e irregulares de fundos de vales, tem ficado no geral em segundo plano na ótica dessa forma de gestão. Hoje, em Bauru, uma cidade média que possui cerca de 320 mil habitantes, basta dizer que, segundo dados da própria Secretaria Municipal do Bem Estar Social do início do ano de 2001, cerca de 25% da população, ou seja, algo em torno de 80 mil pessoas, vivem “na linha de pobreza”14, são pessoas “desqualificadas” ou excluídas15 do mercado atual de oferta de empregos, que vivem no máximo fazendo pequenos “bicos” informais e dependendo de todo tipo de assistencialismo privado ou público para não cair na marginalidade completa. Outros reflexos negativos do processo dessa globalização mundial imposta internacionalmente e acatada sem nenhuma visão crítica acabaram por se fazer sentir em Bauru, que era centro de excelência e pólo regional de serviços em áreas como transporte ferroviário, um dos maiores entroncamentos e centros de transbordo brasileiro, nas áreas de distribuição de energia

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com a CESP - Centrais Elétricas do Estado de São Paulo, na área de distribuição de Telefonia com a TELESP – Telecomunicações de São Paulo e ainda com um centro regional importante na área bancária, onde o Banespa - Banco do Estado de São Paulo - operava com privilégio contas particulares e jurídicas relacionadas a essas empresas estatais. As privatizações significaram uma exclusão do mercado de cerca de 4.000 empregos qualificados somente na cidade de Bauru, o que representou um prejuízo e empobrecimento enorme para uma cidade cujo papel fundamental da economia gira em torno do comércio e prestação de serviços regionais.

Essa exclusão de camadas da população da classe média do mercado formal de oferta de empregos tem levado em parte essa população afetada a também cair na informalidade dos empregos, e mesmo, não no exército de reserva de mão-de-obra tradicionalmente conceituado, mas na ampliação de uma camada da população conceituada hoje como excluída de qualquer nova possibilidade dentro das ofertas dos novos ramos de emprego16.

Portanto, o aumento sucessivo da maioria da população mais humilde da cidade significa também que, a se continuar a prática de gestão nos moldes do planejamento tradicional, centralizado , autoritário, tecnocrático e comprometido com os interesses especulativos, estará se ampliando sempre o papel segregador do planejamento. Essa ampliação talvez nas grandes metrópoles já não seja mais tão sentida ou não tenha recebido a devida importância, mas numa cidade média como Bauru parece tornar-se mais evidente, caricatural mesmo, pois os fatos acontecem ainda não só num universo abstrato de análise de um número estatístico frio, mas sim na particularidade do conhecimento individual e familiar das convivências sociais sobre os desdobramentos e conseqüências das ações políticas, sociais e econômicas. Isso torna essas questões muito mais expressivas e traumáticas, gera medo, angústia, insegurança, prejudicando uma maior coesão social da população, porque de fato, na individualidade das pessoas, fica uma grande ansiedade e a pergunta: Em que momento eu posso ser o próximo a ser descartado do mercado?

Talvez nunca como agora, no caso de Bauru e de outras cidades médias, o ser humano teve a possibilidade de se sentir de fato igual a qualquer outro objeto, como um papel higiênico, como um brinquedo de madeira, ou como um microcomputador da moda, ou qualquer

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outra mercadoria que poderá ser descartada sem pudor a qualquer momento.

O comprometimento do poder municipal, na continuidade da forma atual de gestão no geral, e do planejamento físico no particular, significa, neste atual processo econômico e social, estar beneficiando cada vez mais uma minoria cada vez menor, e por outro lado segregando uma maioria cada vez maior.

Parece-nos hoje, para aqueles profissionais críticos e aquelas instituições como a universidade pública, já ser hora de uma tomada de posição técnica e política de interação social, busca e explicação de conceitos de qualificação do espaço urbano e de uma luta política junto às comunidades para a conquista de seu maior controle sobre as decisões do poder municipal e de sua fiscalização efetiva.

Não nos esquivamos de afirmar mesmo que, mais do que buscar uma interação e comprometimento institucional com o poder municipal constituído, é necessária de início uma busca de um certo ideário revolucionário que integre a organização social dessas populações excluídas, dos agentes críticos e das instituições comprometidas de fato com a busca por consolidar uma política, uma gestão e um planejamento de fato público, voltado para o atendimento da maioria necessitada e excluída e o combate, das formas disfarçadas, enganadoras e comprometidas com uma minoria já privilegiada economicamente.

Foi com esse espírito que o trabalho em realização em Bauru e que aqui apresentaremos se iniciou e concretizou. Não como uma forma totalmente concebida, organizada e metodologicamente acabada, mas como um passo largo de construção a partir de uma práxis constituída dentro das limitações conjunturais do momento.

3 – CONCEITUAÇÃO FUNDAMENTAL

Este trabalho é fruto de um intenso processo de interação social entre nós, professores, que dele participamos com a crítica e a produção intelectual e técnica da última década sobre as formas de gestão democrática do espaço urbano no Brasil. Envolveu -nos a partir de uma relação possível de pesquisa, ensino e extensão de serviços entre a unesp e a comunidade.

Ainda são trabalhos desenvolvidos que envolvem a reflexão crítica sobre o ensino de urbanismo em disciplina de projeto

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integrado do terceiro ano do currículo do curso de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, cujo enfoque são projetos urbanos em cidades da região e executados a partir de trabalhos didáticos da disciplina optativa de urbanismo, denominada de Legislação, Gestão Urbanística e Forma Urbana, do mesmo curso, que tem por objetivo o desenvolvimento de projetos de interação social, projetos de urbanismo e arquitetura que buscam aproximar a universidade pública da comunidade.

O projeto dos Planos Diretores Populares de Bairros se desenvolve, a partir da reflexão da necessidade de superação e crítica aos modelos tradicionais de planejamento tecnocrático, centralizado, autoritário e comprometido com as elites econômicas das cidades, que dessa forma não atingiram de fato a possibilidade de serem compreendidos como “planejamento público”, mas apenas a forma de expressão e condução dos destinos da cidade visando a manutenção e sustentação de um sistema de exploração capitalista da produção do espaço urbano em grande parte das suas manifestações. Nos aspectos legais, na expressão geral do desenho da cidade e nas formas de gestão, verifica-se o privilégio dos interesses privados especulativos em detrimento do interesse público e coletivo da população, especialmente da sua maioria, que é por sinal a mais humilde, necessitada e carente de intervenções qualificadoras nas suas estruturas urbanas de viver.

As reflexões anteriores, juntamente com a reflexão sobre o papel social e político de defesa da universidade pública como agente de formação e interação tecnológica, educacional, social e principalmente política junto às comunidades que defendemos, levaram-nos à fundamentação estratégica e conceitual desse projeto de “Planos Diretores Populares de Bairros”, que vem sendo realizados e se desenvolvendo enquanto espaço de trabalho e projeto, especialmente na Disciplina denominada de Legislação, Gestão Urbanística e Forma Urbana. Viabiliza-se, enquanto conceito e método, a interação entre os professores, com seus conhecimentos técnicos e práticas didáticas, pedagógicas e políticas e as comunidades de bairros selecionadas ou que reivindicam o trabalho, que participam ativamente, interagindo a partir da exposição e história das suas lutas sociais e políticas para melhoria dos bairros, seus problemas, necessidades e sonhos, normalmente tendo as associações de moradores como ponto de referência para polarização da difusão, convocação de lideranças comunitárias diversas como comerciantes, líderes políticos, pastores e

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padres das igrejas, grupos de jovens, etc. Outros grupos acadêmicos de pesquisas como o de Psicologia Social da UNESP, que desenvolve pesquisas sociais e de organização comunitária nos bairros, e os próprios alunos das disciplinas envolvidas, participam como agentes ativos no processo.

O processo de discussão, projeto e decisão dentro da execução do Plano Diretor Popular de Bairro envolve o levantamento das necessidades, a formulação e problematização política e econômica das questões das demandas físicas e sociais, a realização de pesquisas de prioridades, a interação e explicitação de questões de conhecimento sobre gestão urbana e realização de estudos técnicos e espaciais da organização das reivindicações estruturais e de infra-estruturas urbanas internas aos bairros ( intra-bairros ), também os estudos de suas articulações com os bairros vizinhos ( inter-bairros ), além da realização de estudos de diretrizes de planejamento para áreas de vazios urbanos no interior ou conexas com os bairros estudados.

É desenvolvida uma compreensão fundamental, junto às comunidades de bairros, de que a busca da melhor qualificação espacial sobre as demandas reprimidas do conjunto desses bairros carentes passa pela necessidade de uma atuação política e reivindicatória que exija do poder municipal e dos especuladores de terras vazias existentes na região estudada que, na formulação de diretrizes para esses vazios urbanos, tenha-se como fundamento conceitual prioritário a necessidade de solucionar as carências ou demandas dos bairros constituídos ao redor.

Em segundo lugar, que essas diretrizes possibilitem a integração viária e de atividades funcionais inter-bairros, desenvolvendo sistemas viários principais articulados que sejam de responsabilidade econômica de execução dos loteadores privados da terra. Que se projete, quando houver necessidade, o que denominamos de “centros de bairros”, onde as necessidades comerciais, de serviços, de lazer e esporte sejam projetadas de forma a criar espaço funcional socializador e criador de identidade coletiva para os bairros. Para isso é necessária a exigência e normatização, expressas na aprovação de normas urbanísticas de uso e ocupação do solo num zoneamento do bairro em desenvolvimento.

Em terceiro lugar, dentro de uma visão mais geral, compreendendo a forma como os efeitos ou “impactos de vizinhança” desses novos parcelamentos irão afetar os bairros

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vizinhos em estudo, que esses novos parcelamentos solucionem a custo e responsabilidade de seus investidores privados todas as demandas públicas sob todos os sentidos como: circulação, de necessidades funcionais, de conflitos urbanos por maiores adensamentos populacionais, nas questões ambientais, na ocupação dos vazios urbanos, nas maiores demandas por espaços de equipamento públicos e de lazer, etc. Que fundamentalmente as próprias comunidades de bairros vizinhas a essas áreas participem do (Figura 58 – “Plano Diretor Popular de Bairro”- Região da Pousada da Esperança, Vl. São Paulo, Gasparini, Índia Vanuíre, Col.Verde e Pq. City )

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processo de discussão, formulação de diretrizes e aprovação ou negação dos projetos em andamento, conquistando assim um espaço inédito de participação, cidadania e decisão na gestão urbana da cidade. Enfim, que essas comunidades de bairros, a partir da compreensão, discussão e execução dos projetos dos planos diretores de bairro, tomando consciência das suas necessidades, dos direitos sociais da infância e adolescência, da juventude, dos adultos e idosos, busquem se articular com as instâncias juridicamente pertinentes da defesa desses direitos sociais, como as promotorias públicas, os conselhos tutelares e as organizações sociais de defesa da cidadania, para se impor e fazer com que o poder municipal e os agentes privados cumpram com o suprimento das demandas levantadas, na forma hierarquizada pelas próprias comunidades de bairros.

4 - METODOLOGIA

4.1- A ESCALA DE INTERVENÇÃO

Sob diversos aspectos metodológicos, parece-nos importante o trabalho da realização dos Planos Diretores de Bairros na escala que o temos feito. O trabalho parte da seleção de um conjunto de bairros, que por sua natureza histórica, necessidades, relações funcionais, proximidades ou a existência de questões comuns ambientais, carências de equipamentos públicos e de lazer, carências de articulações viárias, além da existência de áreas privadas especulativas segregadoras, torna necessário um processo de trabalho coletivo que supere a visão fracionada e individual das lutas comunitárias isoladas de cada bairro, representada pelas solicitações tradicionais das lideranças comunitárias e os atendimentos quase sempre assistencialistas, demagógicos e parciais do poder municipal.

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Essa superação se dá, no entanto, somente a partir da discussão comum que parte do levantamento e hierarquização das necessidades individuais, porém globais, de cada bairro, mas que constata, no processo, falta de espaço destinado em cada bairro para implantação de um equipamento ou programa, ou aqueles pontos que inevitavelmente só serão conseguidos a partir de uma compreensão e luta comum dos vários bairros envolvidos, o que obriga assim à necessidade de um olhar para fora do próprio bairro específico, seja pelo fato de que, funcionalmente, somente a união das demandas de mais de um bairro justificará a luta para a implantação na região de determinados projetos e programas, seja pela necessidade de mobilização e luta política comum para que se viabilizem.

No entanto, essa compreensão só é possível de fato, quando além do aspecto do conhecimento das necessidades, há um trabalho de estudo, junto às comunidades da organização espacial e do planejamento das demandas dos bairros no tempo, o que na prática legitima a própria execução do projeto dos Planos Diretores Populares de Bairros, pois este não só fica no nível do levantamento das necessidades e sua hierarquização, como nos casos já conhecidos de orçamentos participativos municipais, mas busca fundamentalmente, junto com a participação popular das comunidades de bairros, estruturar alternativas de organização e qualificação do próprio espaço físico urbano.

Por outro lado, a escala de estudo tratada procura não deixar margem para grandes abstrações e compreensões mais demoradas sobre a totalidade dos problemas da cidade, o que tenderia a enfraquecer a participação popular dos bairros, além de causar um esfriamento e amortecimento da luta reivindicatória imediata, que nos parece ser, para as comunidades onde o espírito participativo e a organização popular está em desenvolvimento inicial, a força principal capaz de unir uma parte mais crítica e disponível da população.

O que interessa de fato no processo é a formação da consciência pessoal e coletiva sobre os seus direitos sociais urbanos, sobre as obrigações do poder público e o entendimento e a crítica ao modelo do planejamento tradicional comprometido com os interesses especulativos, além da busca da intervenção pessoal e da comunidade no rompimento com esse processo histórico elitista.

Nesse sentido é um trabalho de formação ideológica, política e social, que está centrado filosoficamente na formação crítica de sujeitos históricos comprometidos com a transformação social, política

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e na qualificação de suas vidas, e não no trato de generalidades e abstrações estatísticas incompreensíveis, ou formatação normativa regulamentadora dos planos diretores tradicionais e das leis de zoneamento, etc., que apenas podem servir a alguns tecnocratas e na demarcação de território de investimento e privilégio ao capital especulativo, mas que continuarão a não ser capazes de formar qualquer coesão social a partir do planejamento urbano.

4.2 – UMA NECESSÁRIA VISÃO GLOBAL E ESTRATÉGICA DA CIDADE

A nossa experiência prática com trabalhos urbanos na cidade de Bauru, nossas pesquisas ao longo do desenvolvimento dos trabalhos programados da tese, nossas lutas sociais e políticas junto aos Conselhos Municipais, especialmente no Conselho de Defesa do Meio Ambiente (CONDEMA) e no de Desenvolvimento Urbano de Bauru (COMDURB), além dos próprios projetos de desenvolvimento dos Planos Diretores Populares de Bairros pela UNESP, colocaram-nos numa posição técnica de certa forma privilegiada com relação ao domínio do diagnóstico de questões fundamentais sobre o conjunto (global) da cidade e sobre a sua possibilidade de projeção e transformação futura.

Esse domínio que foi sendo adquirido sobre o diagnóstico das voçorocas do poder público, tratadas em nossa tese, foi ao longo do caminho nos instigando na realização de propostas sobre as leis, as formas e também sobre a gestão democrática, popular e participativa da cidade. Não deixamos, contudo, de ter clareza ideológica e política de que nos interessava um olhar sobre as demandas, carências, necessidades, sonhos e potenciais de desenvolvimento qualificado, compartilhado com a maioria da população que hoje é mais carente e que vive excluída e segregada das maiores benesses urbanas, convivendo com os grandes problemas ambientais, a falta de infra-estruturas e a desqualificação dos seus espaços de viver, sobretudo os espaços coletivos, públicos ou privados.

Para ilustrar aquele olhar do cidadão mais humilde sobre a realidade de Bauru, transcreveremos aqui uma carta retirada do Jornal da Cidade, da seção “ A Tribuna do Leitor” de 2001 intitulada “O que é que a periferia tem? Tem tudo que não nos convém”, do Sr. Richard Manoel Martins Ferreira, por nos parecer muito ilustrativa, caricatural mesmo, sobre a síntese das nossas voçorocas, especialmente na

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relação geral entre os políticos tradicionais e a classe mais alta da cidade, como também na sua relação com a maioria mais carente da população das periferias:

“ É lamentável o que vemos nos bairros mais humildes em Bauru atualmente, pois para quem aqui vive a sensação que fica é de abandono geral, ou seja, nossos bairros periféricos estão esquecidos por nossos governantes municipais.

Nossos atuais políticos (prefeito/vereadores) mais estão preocupados em melhorar os bairros nobres, onde vivem os grandes empresários e os próprios políticos, que beneficiar a grande massa de trabalhadores que vivem na periferia, trabalhadores estes que muitas vezes saem de suas casas para trabalhar numa verdadeira missão de guerra, pois o trajeto é na maioria das vezes composto por morros com erosão, buracos por toda parte e terrenos baldios, que em muitos casos são da Prefeitura, sendo que muitas vezes estão num terrível estado de esquecimento, acumulando sujeiras e originando insetos como moscas, enxames de pernilongos e até mesmo escorpiões, que são decorrentes da falta de higiene nestes nossos bairros.”

Em outro trecho coloca:“O que eu acho mais estranho nisto tudo é que nossos

governantes, em especial o sr. prefeito ..... (cujo nome omitimos aqui) e os “ocupadíssimos” vereadores, parecem estar totalmente alheios a tudo que diz respeito à periferia de Bauru, sendo que enquanto o Águas do Sobrado ( Rio Bauru) escoa abertamente, engolindo (erosão) casas e terrenos, alguns lugares como av. Getúlio Vargas, por se tratar de lugar “nobre”, todos os dias possuem funcionários da Prefeitura tapando buracos e pintando faixas. Sendo que muitas vezes um serviço que 2(dois) funcionários poderiam realizar, lá estão de 5 (cinco) a 10 (dez) funcionários. Desta forma deixando outras prioridades sem resolução.” E continua ....

Fomos, nesse longo período, descobrindo, em nossas investigações, um conjunto de questões e possibilidades de propostas, seja para as localidades ( o local ) tratadas nos Planos Diretores Populares de Bairro, seja na visão global ( o global ) para uma reestruturação do todo da cidade a partir da mudança do enfoque ou dos paradígmas sociais e políticos de desenvolvimento urbano.

Tal compreensão, a partir do “local”, revelou-nos diversas permanências, especialmente dos bairros populares, que possibilitaram num nível estratégico organizar um conjunto de diretrizes e conceitos gerais que se tornaram para nós ao mesmo tempo resultado e proposições

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gerais significativas que estão colaborando para uma formulação conceitual maior visando futuras propostas sobre o desenho urbano, o planejamento e a gestão de Bauru.

Nesta tese, não foi nosso objetivo central tratarmos das propostas projetuais futuras para uma transformação da cidade. Nosso foco foi revelar causas e conseqüências de alguns problemas, mesmo que deixando claras ou implícitas as possibilidade de solução para elas, seja nos aspectos locais seja no global, na busca de um papel para o poder público que seja mais ativo, participativo e compromissado com a maioria mais humilde da cidade.

Contudo, queremos deixar claro que essas formulações de diretrizes amadureceram ao longo do tempo e é nossa pretensão aprofundá-las em trabalhos futuros.

Aqui iremos apenas registrar sinteticamente algumas dessas questões e diretrizes estratégicas globais para a cidade de Bauru, como forma dialética de demonstrar que os Planos Diretores Populares de Bairro não começam ou terminam em si mesmos, mas aprofundam os aspectos locais, ao mesmo tempo que buscam construir uma necessária visão de todo da cidade.

Conceitos estratégicos globais para a cidade de Bauru

1 – Cidade com pólos descentralizados de desenvolvimento – Romper com o desenvolvimento concentrado na zona sul que vem criando privilégios para poucos e segregando a maioria. Está explícito o desejo de busca de maior equilíbrio no desenvolvimento urbano assim como maior coesão social entre as diferentes classes sociais e identidades culturais. Esses pólos descentralizados podem ser compostos de funções geradoras de emprego e renda, de funções institucionais, de funções de lazer e esporte, de revitalização e fortalecimento cultural e como conceito fundamental devem propiciar ao seu redor uma concentração maior de pessoas e o desenvolvimento habitacional diversificado, sobretudo o popular.

2 – Cidade com sistema de parques integrados urbanos ao longo dos seus fundos de vales - os “ Voç-parques”. O desenvolvimento destes parques integrados nasce da compreensão de que hoje a cidade fragmentada deixou as mais importantes reservas de áreas e vazios urbanos nos seus fundos de vales. É onde normalmente também ocorrem os principais problemas ambientais, especialmente

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as grandes voçorocas, tendo ao redor também as maiores carências sociais de infra-estruturas, equipamentos públicos, áreas de lazer e esportes, assim como de equipamentos geradores de empregos. Ressaltamos que o desenvolvimento desse sistema de parques urbanos, que aqui estamos denominando de “Voç-parques” (uma menção ao fato de que terão que usar, se apropriar ou solucionar de forma econômica e criativa as grandes voçorocas existentes em seu interior), deverá se integrar com os pólos descentralizados de desenvolvimento tratados no item 1.

3 - Cidade com criação e organização de “Centros de bairros”- Esses centros poderão coincidir com a localização dos pólos de desenvolvimento descentralizados e os “Voç-parques”, ou ainda terem uma segunda escala de hierarquia de importância em relação àqueles e mesmo ao centro histórico da cidade, mas deverão servir para melhor organizar as funções coletivas, públicas ou privadas, buscando sobretudo criar locais de formação de identidade coletiva e ser referência de socialização e humanização dos bairros.

4 – Mudança do conceito ou paradigma da estrutura do sistema viário, criando o que denominamos de “Sistema de Multi - Anéis Viários”, onde a lógica dos fluxos se transformará de radiocêntrica para um sistema flexível onde as relações entre os pólos de desenvolvimento descentralizados, os Voç-parques e os Centros de bairros sejam privilegiados.

5 – Investimento multi-nuclear em habitação coletiva verticalizada por toda a cidade e para todas as faixas econômicas de renda, como forma de otimização das infra-estruturas e dos equipamentos sociais, bem como de integração maior entre as diversas camadas sociais, equilibrando os benefícios dos investimentos e criando maior coesão social da população.

6 – Criação de um plano de gestão democrática e participativa de terras urbanas e de definição do uso e ocupação do solo, onde a base conceitual seja o Estatuto da Cidade. Neste Plano de Gestão deverão constar: um Plano Diretor Popular e Participativo para a Cidade, a aprovação dos Planos Diretores Populares de Bairros, a implementação do EIV - Estudos de Impacto de Vizinhança, a Implementação do projeto de Permuta de Benefícios, as Operações

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Integradas, Operações Interligadas ou o Solo Criado, a criação de ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social, a aplicação do IPTU-Progressivo sobre os vazios urbanos, a aplicação do Direito de Preempção, aplicação do Parcelamento Compulsório e da Desapropriação com Títulos da Dívida Pública, a aplicação do Usocapeão Coletivo, a aplicação do Direito de Superfície e todos os demais instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. (Figura 59 – “Um Plano Estratégico global para Bauru”. JC 01/08/99.)

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4.3 – O PROCESSO DE TRABALHO PARTICIPATIVO

O projeto é desenvolvido a partir do estabelecimento de uma agenda de reuniões periódicas para as quais todos os agentes envolvidos são convidados a comparecer e participar.

As associações de moradores ficam responsáveis por divulgar junto às entidades e lideranças de bairros os trabalhos e os convites, que têm a participação dos alunos e professores de urbanismo da UNESP e também de outras áreas interdisciplinares envolvidas, como o grupo de estudos da Psicologia Social, de Geografia, de Direito, etc, para a discussão das formas de divulgação e convites.

Essas reuniões são conduzidas de forma não centralizada e de maneira a não criar critérios de hierarquia de importância dos agentes participantes, pois o objetivo é que, durante os trabalhos, a maioria das pessoas possa participar ativamente e se sentir responsável pela sua condução. No entanto, de uma forma estimuladora, aberta, buscamos fazer com que haja uma completa discussão e entendimento dos assuntos a serem tratados no Plano Diretor Popular de Bairro, ao mesmo tempo que vamos registrando com a equipe as considerações, idéias e decisões consensuais que vão sendo formadas. Nessas discussões, há um respeito fundamental pela história da organização popular e formas de lutas já travadas para a conquista de melhorias de qualidades dos bairros ao longo do tempo, que devem ser explicitadas durante os trabalhos, buscando desvendar elementos para a crítica da relação entre poder público e as comunidades.

O levantamento de necessidades e dos problemas dos bairros, que é feito a partir da compreensão sensível e empírica dos moradores, também possui importância inicial estratégica no trabalho, pois será a partir desse conjunto de elementos levantados que se estabelecerá todas as análises, discussões e organizações dos elementos que serão tratados como intra-bairros e inter-bairros, e se

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estabelecerá as prioridades a serem definidas nas lutas reivindicatórias de curto, médio e longos prazos.

Para esse levantamento, além das anotações e discussões nas reuniões participativas, é sempre fundamental, quando possível, uma pesquisa maior de levantamento de dados feito por equipes treinadas e com metodologia científica especializada, executadas num universo significativo, de casa em casa. Contudo, partimos da compreensão da análise hierárquica dos elementos levantados apenas para a organização das prioridades das lutas. Mas para a formatação integral do Plano Diretor Popular de Bairro, interessa a totalidade dos assuntos levantados, pois caberá ao trabalho de organização física dos espaços e programas verificar as conexões e complementariedades dos elementos e fazer respaldar todas as questões no plano.

A análise e discussão dos elementos levantados são acompanhadas de forma concomitante de análise e discussão fundamental sobre as possibilidades de organização física e espacial do conjunto dos elementos, verificando disponibilidade de áreas intra-bairros, a formação de centros de bairros, ou buscando encontrar formas de gestão democráticas de terras, que possam envolver permutas, ou estruturar essas demandas em futuros loteamentos a serem aprovados em áreas de vazios urbanos existentes.

Assim, em processo participativo e popular, busca-se formar conceitos de qualidade da organização urbanística que deverá ser defendida pela comunidade. Esse trabalho se dá de duas formas: na elaboração de croquis e estudos de mapeamentos executados nas próprias reuniões e debates que vão sendo discutidos e formando-se consensos nesses trabalhos, posteriormente formalizados pela equipe de alunos e professores e levados para análise, discussões, alterações e aprovações em discussões posteriores.

O processo, durante o qual busca-se a maior objetividade possível, pode levar cerca de seis a dez reuniões de trabalhos para ter um estudo profundo e a aprovação final dos elementos do plano, a hierarquia das necessidades e a formatação física e espacial dos elementos do Plano Diretor Popular de Bairro.

A partir da finalização dessa etapa de trabalho, busca-se oficializar os trabalhos junto aos órgãos municipais de planejamento, explicitando-o enquanto elemento reivindicatório, ao mesmo tempo que se busca divulgá-lo também junto às entidades de defesa da cidadania e às promotorias públicas do meio ambiente, do urbanismo e outras entidades afins, na tentativa de fazer desse processo uma

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ação destacada e legítima na gestão do espaço urbano. A partir daí, são desejáveis acompanhamento, fiscalização das ações governamentais, realizações de projetos executivos e outras ações periódicas de reavaliação do Plano Diretor Popular de Bairro.

5 – SÍNTESE DOS ELEMENTOS ANALISADOS NO CONJUNTO DOS TRÊS PLANOS DIRETORES POPULARES DE BAIRROS

5.1 - Necessidades Intra-bairros - “CARÊNCIA, DISPERSÃO, E DESINTEGRAÇÃO”

_ Infra-estruturas;_ Meio ambiente;_ Equipamentos urbanos;_ Lazer e socialização;_ Centro comunitário;_ Parque e bosque comunitário;_ Praças;_ Áreas Comerciais;_ Geração de trabalho;_ Desejo de cooperativização.

5.2 - Necessidades inter - bairros - um projeto e programa possível - “INTEGRAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO, CENTROS DE BAIRROS, CRIAÇÃO DE IDENTIDADE COLETIVA, REFORMA URBANA”

_ Integração viária inter - bairros e com a cidade;_ Localização do sistema de áreas públicas solucionando os problemas encontrados intra – bairros; _ Localização do sistema de áreas geradoras de empregos;_ Localização dos parques urbanos;_ Localização dos equipamentos públicos;_ Localização das áreas de preservação ambiental;_ Um programa e mobilização comum;

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_ Uma política necessária de “ reforma de terras urbanas”;_ O combate à expansão urbana especulativa.

5.3 - O PROJETO FÍSICO DOS “PLANOS DIRETORES POPULARES DOS BAIRROS”

- A expressão e representação física dos conceitos, programas e metas;- Um plano de metas de curto, médio e longo prazos;- Uma definição de prioridades estratégicas para os próximos anos.

6 – RESUMO GERAL DAS QUESTÕES ANALISADAS

Levantadas no processo de discussão com a comunidade, foram identificadas as seguintes necessidades ou programas a serem mediados, cobrados e desenvolvidos pelo poder público ou em parceria do mesmo com a comunidade.

A) - QUESTÕES ESTRATÉGICAS

6.1 - Investimento em infra-estruturas de pavimentação com adequação correta dos sistemas de galerias de águas pluviais, esgotos, tratamento de esgoto, proteção ambiental contra erosões e assoreamento de córregos.

6.2 - Conquistas de áreas públicas dentro da área loteada, visando sua destinação para praças. Operação urbana envolvendo doações, permutas ou aplicação de acordos bilaterais, operações integradas etc., sem que para isso seja necessário o desembolso de dinheiro com desapropriações.

6.3 - idem anterior, conquista de áreas melhor localizadas, destinadas à necessidade de ampliação ou criação de novos equipamentos urbanos.

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6.4 - Definição antecipada das diretrizes de planejamento sobre as áreas de vazios urbanos entre os bairros estudados, visando a criação de forma integrada de uma estrutura urbanística adequada para toda a região estudada. Assim, foram definidas :

6.4.1- Áreas a conquistar em futuros loteamentos para praças, por meio da aplicação da lei 6766/79;

6.4.2- Idem para áreas institucionais;

6.4.3- Idem para áreas non aedificandi, de preservação permanente ou em erosões;

6.4.4- Idem para as áreas destinadas para sistema estrutural de vias inter-bairros e ligação com o centro da cidade;

6.5 - Definição da localização dos centros de lazer, esportes e centros comunitários com equipamentos esportivos, socialização de crianças, jovens, adultos e idosos.

6.6 - Localização de áreas para equipamentos de “Distritais”, ou áreas esportivas de caráter regional.

6.7 - Definição de áreas em zoneamento urbano voltadas exclusivamente à geração de empregos - serviços, comércio, indústrias ou cooperativas comunitárias.

6.8 - Definição de áreas em zoneamento urbano voltadas exclusivamente para centros comerciais - supermercados, padarias, centro de lojas, etc.

6.9 - Definição de áreas em zoneamento urbano voltadas para parceria de construções verticalizadas de moradia.

6.10 - Definição de área de localização de novos poços artesianos de abastecimento e distribuição de água.

6.11 - Definição de áreas públicas existentes em bordas de loteamentos voltadas para permutas e conquistas das novas áreas públicas desejadas em operações urbanas.

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6.12 - Definição básica da estrutura e desenho do sistema de vias principais e quadras dos futuros loteamentos.

6.13 - Definição correta dos acessos ( rotatórias, vias marginais, dispositivos de acesso ) das rodovias e avenidas aos bairros estudados.

1 - XAIDES, José. “ Qualificação Integral”. Ao longo da tese demos ênfase em analisar a forma desqualificada de organização urbanística dos espaços coletivos, públicos ou privados e as áreas de proteção ambientais, bem como no potencial que as áreas vazias possuem para as futuras qualificações das regiões em que se inserem.

2 - BRASIL, Constituição. Constituição Federal Brasileira de 1988.

3 - BRASIL, Lei 5788/90. Estatuto da Cidade. Sancionado pelo Presidente da República em 10 de julho de 2001.

4 - Ibid.

5 - GENRO, Tarso e SOUZA, Ubiratan de. Orçamento Participativo: A experiência de Porto Alegre. 2.ª ed. Porto Alegre: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1997.

FEDOZZI, Luciano. Orçamento Participativo: Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1999.

6 - WIENS, Ivy Karina. O agente externo na comunidade: o caso do núcleo habitacional Edson Francisco da Silva. Projeto de graduação apresentado à UNESP, Comunicação Social – Habilitação em Relações Públicas. Bauru, 2001.

. 7 - SINGER, Paul. Economia Socialista. Revista Socialismo em debate, São Paulo: Ed. Fundação

Perseu Abramo,2000, p. 11 a 50 e 77 a 80. MACHADO, João. Comentários. Revista Socialismo em debate, São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo,2000, p.51 a 64 e 80 a 81.

8 - SERRA. Geraldo. Urbanização e centralismo autoritário. São Paulo: Nobel/Edusp, 1991, 173p.

9 - Ibid.

10 - KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, 202 p.

ROLNIK, Raquel. Cada um em seu lugar. Dissert. de Mestrado, FAU USP, São Paulo 1981.

SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa fragmentada. São Paulo, Nobel, 1990.

11 - SANTOS, Milton. Op.cit.

12 - MARICATO, Ermínia . Metrópole na Periferia do Capitalismo; São Paulo, HUCITEC, 1996, 141 p.

13 - BAURU. Plano diretor de desenvolvimento integrado. Bauru, 1996.

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6.14 - Estímulo à implantação de comércio e serviços locais, por meio de zoneamento restritivo, incentivos fiscais, etc.

B) – QUESTÕES DE PRIORIDADES A CURTO E MÉDIO PRAZOS

B.1 - PRIORIDADES REGIONAIS - INTEGRAÇÃO ENTRE BAIRROS

B.1.1 - Não expansão da cidade para fora dos limites da área urbana atual na região.

B.1.2 - Execução de novos loteamentos públicos ( COHAB) ou privados nos vazios urbanos, com os seguintes objetivos:

- Articulação e organização viária entre os bairros hoje isolados com aproveitamento da infra-estrutura já existente.

- Definição das áreas para os equipamentos públicos e áreas comerciais, formando centros de bairros estruturadores da comunidade e qualidade de vida.

- Definição de zoneamento de áreas geradoras de emprego (indústria, comércio e serviços ).

- Definição de política de conquista de terras para: áreas non aedificandi, Zeis - zonas especiais de interesse social, localização privilegiada de áreas públicas nos futuros loteamentos; doações de áreas, permutas, permutas de benefícios, operações urbanas, etc.

B.2 – RESUMO DAS PRIORIDADES LOCAIS LEVANTADAS

14 - JORNAL DA CIDADE. Sebes vai descentralizar atendimento: segundo dados da secretaria, 25% da população de Bauru – cerca de 80 mil pessoas – vivem na linha da pobreza. Bauru: 17/01/2001, p.4.

15 - IANNI, Octávio. A era do globalismo. 3.ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.,304p.16

? - Ibid.

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Para cada projeto de Plano Diretor Popular de Bairro é feita pesquisa específica de prioridades a serem atendidas naquele momento, como, por exemplo, temos a seguir o que foi definido para o Bairro da Pousada da Esperança e Imediações em 1999 que vem acompanhado de referência de localização física na estruturação do Plano desenvolvido . 1.ª- Asfaltamento - se público, nas ruas definidas como prioritárias, se comunitário, em todas as ruas.

2.ª- Escola de ensino fundamental – localizada no centro de bairro.

3.ª-Tratamento da erosão - aproveitamento para construção de campo de futebol, áreas de lazer, centro comunitário, playground, programa de arborização e recuperação de mata nativa, proteção ambiental, espaço de bosque, edifícios públicos, etc.

4.ª- Ampliação do reservatório de água potável na área institucional, cuidados com o esgoto – tratamento do mesmo antes de entregá-lo aos córregos e aos fundos de vales.

5.ª - Escola de ensino médio - localização no centro de bairro.

6.ª- Creche - localização no centro de bairro.

7.ª - Praças com áreas de lazer - localização no centro de bairro.

8.ª - Iluminação pública nas ruas desprovidas.

9.ª - Criação da sede da associação de moradores, no centro de bairros.

10.ª- Pré-escola - na área reservada para parque urbano e próxima do centro de bairro.

11.ª- Implantação de linhas de ônibus noturnas.

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7- UM ESTUDO DE CASO JÁ COM GRANDES VITÓRIAS

As respostas possíveis como contraposição às voçorocas do poder público, na maioria das questões estudadas nesta Tese de Doutorado, podem ser comprovadas a partir da análise da realização do Plano Diretor Popular de Bairro para a região do entorno do vazio urbano irregular do fundo de vale do Córrego da Água Comprida, que possui diversos bairros com diferentes características de ocupação, uso do solo e densidade populacional e que vem sofrendo em etapas sucessivas um processo histórico especulativo da terra, já analisado no capítulo anterior. Inclua-se nesse processo uma indevida desapropriação de terras de áreas de nascentes, e portanto de preservação permanente, no valor de mais de quatro milhões e 200 mil reais e a execução de projeto de avenida dentro dessas áreas desapropriadas, que significaria mais cerca um milhão e 500 mil reais de prejuízos para a população e o poder municipal, enquanto seria altamente beneficiador dos interesses privados e dos proprietários das terras desses vazios.

Verificamos, em capítulo anterior, que as ações individuais e de diversas entidades como a AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros, sessão local, e Câmara Municipal, foram insuficientes para tirar da inércia o poder municipal, que tinha prerrogativas para tomar iniciativas urbanísticas, e colocá-lo na defesa dos interesses públicos, buscando evitar maiores prejuízos com aquela ação intempestiva de desapropriação e mesmo recuperando aqueles valores ou ainda exigindo todos os direitos coletivos possíveis para reequilibrar aquele ônus desnecessário. Nesse quadro de inércia e não aprofundamento enquadram-se também outros órgãos, como as Promotorias Públicas, que receberam aquelas análises mas preferiram não se pronunciar sobre todas as questões envolvidas nos laudos ambientais e planejamento efetuados.

Nesse quadro de voçorocas do poder público foi que, em 2000 e início de 2001, a comunidade conseguiu legitimar e aprovar até aqui parte daquilo que vínhamos discutindo há muito tempo, somente a partir da execução do Plano Diretor Popular de Bairro daquela região e de uma efetiva participação da comunidade em sua discussão e elaboração, além da execução de abaixo-assinados e participação de

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representante das associações de moradores dessa região nos órgãos decisórios do COMDEMA – Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e no COMDURB – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, com a apresentação por três vezes consecutivas do Plano Diretor Popular desenvolvido.

Na reunião do dia 23/04/2001, o CONDEMA reconheceu de fato que as áreas desapropriadas para o Parque da Água Comprida eram em sua quase integralidade formadas por áreas de preservação permanente, possuindo internamente cerca de 23 minas permanentes. Esse fato vinha sendo ignorado pelo poder municipal nas suas tratativas de rediscussão dos valores da desapropriação e teve por parte do Executivo e mesmo do atual prefeito17 tentativa de desconsideração dessas evidências, num ato que somente poderia beneficiar a iniciativa privada. Uma outra voçoroca, certamente.

O CONDEMA, com essa atitude sensata, a partir da mobilização popular e da execução das diretrizes do Plano Diretor Popular de Bairro daquela região, aprovou todas as diretrizes gerais do Plano Diretor Popular desenvolvido, o que significa, entre outras diversas regras e benefícios para a comunidade de Bauru, o impedimento da construção da avenida dentro do parque e sim fora dele, e às custas da iniciativa privada, o que significa só aí uma economia municipal dos cerca de um milhão e 500 e quinhentos mil reais. Mais ainda, possibilitou a discussão de uma política futura de gestão de terras nos fundos de vales da cidade, para a conquista não onerosa de terras, evitando as formas viciadas de desapropriações indevidas do poder municipal, formas de gestão que foram tratadas naquele plano em nível local, mas que têm a virtude de poder servir para inúmeras outras situações da cidade.

Fica ainda em aberto uma questão que deverá ser uma linha de atuação da comunidade, ou seja, em que medida ainda é possível questionar judicialmente a forma como foi feita a avaliação daquela desapropriação de preservação permanente? E buscar fazer ainda maior justiça social?

Essas primeiras vitórias formais conceituais e econômicas a partir da realização dos Planos Diretores Populares de Bairros, poderão ainda ser ampliadas, no debate que agora se estabelece dentro do COMDURB, onde questões como a análise de impacto de vizinhança devem resultar em maiores cobranças de responsabilidade

17 - BAURU. OF. N.º1179/99. Ofício do Prefeito Nilson Costa ao Presidente da Câmara Municipal Paulo Madureira. Bauru: 08/10/99.

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dos empresários nas execuções às suas custas das soluções e estão possibilitando uma revisão crítica da análise da legislação de uso e ocupação do solo, especialmente uma leitura mais aprofundada da Lei 6766/79, como, por exemplo, na cobrança efetiva proporcional de áreas públicas ou de contrapartidas sociais por meio do que estamos denominando de permutas de benefícios, em relação sempre à densidade populacional instalada ou a ser instalada na região. O que significa dizer que, para empreendimentos mais verticalizados, de maior densidade populacional por hectare, deve-se exigir mais áreas públicas para sanar seus impactos sociais e demandas por equipamentos públicos.

Também são apresentadas propostas para sanar necessidades e demandas regionais, como a criação de um centro de bairros, demonstrando a necessidade e pertinência de que a população residente naquela região possua direitos de discutir o planejamento e aceitar ou não enquanto direito social os planos de parcelamento das glebas vazias no seu entorno. Estas conquistas certamente estabelecerão a possibilidade de uma democratização do planejamento, uma atuação direta das comunidades no processo de gestão do espaço da cidade e a transformação do planejamento regulador passivo, centralizado e tecnocrático em planejamento ativo, participativo e popular.

A seguir apresentamos na íntegra os resultados da realização desse Plano Diretor Popular de Bairro, que nos dá a esperança de uma maior socialização dos meios de decisão do poder público municipal.

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Plano Diretor Popular de Bairro do entorno do:

VAZIO URBANO IRREGULAR DO VALE DO CÓRREGO DA ÁGUA COMPRIDA; DA

REGIÃO DO PQ. FLAMBOYANT’S, PQ. DAS CAMÉLIAS, GEISEL E BAIRROS

ADJACENTES

REALIZAÇÃO: ASSOCIAÇÕES DE MORADORES, ALUNOS DA DISCIPLINA LEGISLAÇÃO, GESTÃO URBANÍSTICA E FORMA

URBANA DO DEP. DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNESP-BAURU, EM 2000

COORDENAÇÃOARQUITETO E PROF. JOSÉ XAIDES DE SAMPAIO ALVES,

MARÇO DE 2001.

DIRETRIZES DE PARCELAMENTO DO SOLO PARA A REGIÃO DO VAZIO URBANO AO REDOR DOS

CONDOMÍNIOS DOS PARQUES DAS CAMÉLIAS E FLAMBOYANT’S, GEISEL E MARAMBÁ, ETC.

Estas diretrizes foram discutidas, analisadas e projetadas por meio da realização de Plano Diretor Popular de Bairro, de forma participativa e aberta entre membros das associações de

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moradores, moradores dos bairros contíguos às áreas, alunos da disciplina Legislação, Gestão Urbanística e Forma Urbana do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UNESP-Bauru, turma de 2000 com coordenação do arquiteto, urbanista e prof. José Xaides de Sampaio Alves.

O processo de execução contou com várias reuniões em conjunto dos membros participantes, na elaboração de pesquisa e análise de problemas atuais sobre os bairros, suas necessidades, seus conflitos e demandas, os problemas ambientais da região, além de análise-síntese de AIV – Análise de Impacto de Vizinhança sobre as estruturas viárias, funcionais, dos equipamentos públicos necessários, das áreas de lazer e de proteção ambiental, para as possíveis alternativas de parcelamento daquela região.

Além dos aspectos técnicos desse projeto, a comunidade dos condomínios se articulou e realizou um abaixo-assinado reivindicando as questões específicas projetuais, além, da legitimação e aprovação pelo poder público da realização do Plano Diretor Popular de Bairro.

Este trabalho-síntese pode ser dividido em duas partes: a primeira é relatório-síntese de necessidades ambientais para aprovação dos projetos; a segunda é sobre as diretrizes de planejamento do Plano Diretor Popular de Bairro; complementarmente poderão ser fornecidos ao Condurb maiores detalhes sobre as pesquisas e o relatório síntese de AIV- Análise de Impacto de Vizinhança sobre a região.

A - RELATÓRIO DE NECESSIDADES AMBIENTAIS PARA APROVAÇÃO DE PROJETOS NA ÁREA DE VAZIOS URBANOS AO REDOR DOS CONDOMÍNIOS PARQUES DAS CAMÉLIAS E FLAMBOYANT’S.

RELATÓRIO

I – DADOS HISTÓRICOS GERAIS

1 - O relatório-síntese aqui apresentado tem como referência básica o projeto de Plano Diretor Popular de Bairro, desenvolvido em 2000 para a região de vazios urbanos

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compreendida entre o Parque das Camélias, Parque Flamboyant’s, Vila Engler, Jardim Marambá, Parque Cruzeiro, Jardim Carolina e Geisel.

2 – Compreende também o entendimento de um conjunto de questões que envolve um histórico de ações que prejudicaram e oneraram a comunidade em mais de quatro milhões e 200 mil reais – valor equivalente à possibilidade de construção de cerca de 20 equipamentos públicos, como escola, creche ou posto de saúde, com uma desapropriação desnecessária e intempestiva do poder público, feita em 1991, de uma área de preservação permanente para a construção do futuro Parque da Água Comprida, e sobre essa dívida não se conseguiu até o presente qualquer outro acordo com os proprietários das terras a não ser aquilo que foi definido pela Justiça.

3 – Sobre a possibilidade de aprofundamento sobre o assunto anterior, e de outros relativos a problemas de ocupação do fundo de vale do Córrego da Água Comprida, existe laudo técnico realizado pela AGB – Associação dos Geográfos brasileiros; seção Bauru, que foi encaminhado à SEPLAN, às Promotorias do Meio Ambiente e de Urbanismo e à Câmara Municipal e revela um conjunto de medidas que o poder público, por meio da Secretaria de Planejamento, poderia executar para sanar ou minimizar o ônus dessa ação equivocada e intempestiva, que prejudicou a população de Bauru, porém que até agora foi ignorado, mas que estão presentes no projeto do Plano Diretor Popular de Bairro agora apresentado . Caso não se leve em conta estes fatos, estará colocado a possibilidade da população vizinha àquela área, como de resto toda a comunidade bauruense, ser penalizada futuramente, tendo que arcar com outras despesas, como a construção de avenidas ( mais cerca de um milhão e 500 mil reais), conseqüentemente com a perda da pequena parte da área desapropriada ( em torno de 12.000 m), única com possíbilidade de construção de equipamentos públicos sem interferência com a grande parte da área de preservação permanente desapropriada ( em torno de 117.000 m); essas áreas para equipamentos públicos podem ser legalmente exigidas dos proprietários nas terras que irão ser parceladas na região, sem interferir com a área desapropriada.

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II – EXIGÊNCIAS AMBIENTAIS

1 - Dada a existência comprovada pela AGB, IBAMA, DPRN e Instituto Ambiental Vidágua, por alguns vereadores, membros das associações de moradores e professores da UNESP, de cerca de 23 minas dentro da área desapropriada para o parque da Água Comprida, que seja feito todo o esforço para recuperação ambiental dessa área no sentido de reflorestamento e cumprimento da legislação de preservação dos cinqüenta metros de raio em torno de cada nascente, bem como dos trinta metros ao longo dos seus córregos e vertedouros, sem que sofram qualquer interferência de obras e movimentação de terra dentro dessa áreas.

2 – No sentido de complementar as exigências ambientais anteriores, que seja definido que nenhuma obra privada ou pública, como avenida, equipamentos públicos, edificações habitacionais, comerciais ou mesmo edificações de esporte e de lazer de grande porte seja construída de forma que interfira nas áreas legais delimitadas por lei citadas no item anterior, nem mesmo obra de movimento de terra resultado de qualquer corte ou aterro.

3 – Portanto, que as obras viárias de avenidas e ruas previstas no Plano Diretor Popular de Bairro estejam todas situadas fora dos limites da área desapropriada para o futuro Parque da Água Comprida, e que as mesmas sejam realizadas às custas da iniciativa privada, dado que suas necessidades acontecerão devido ao impacto do aumento da densidade populacional que vem ocorrendo pelo parcelamento e comercialização de lotes e apartamentos promovidos. Portanto, caberá à iniciativa privada solucionar todos os impactos de vizinhanças às suas custas.

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4 – Que as áreas non aedificandi e de preservação permanente, como os trinta metros das bordas dos córregos e vertedouros e os cinqüenta metros de raio em torno das minas, existentes ao longo do fundo de vale da Água Comprida, sejam exigidas pelo poder público, como áreas complementares àquelas destinadas a sistema de lazer e para equipamentos urbanos, conforme prevê a lei 6766/79, sem qualquer ônus para o poder público municipal.

5 – Que a seleção de áreas para sistema de lazer e de equipamentos públicos não recaia sobre as áreas non aedificandi citadas anteriormente, nem mesmo sobre as áreas degradadas ou comprometidas com colocação de entulhos, sobre minas aterradas ou sobre sistemas de esgotos coletivos dos condomínios aprovados anteriormente.

6 – As áreas degradadas explicitadas anteriormente deverão ficar para uso e recuperação da iniciativa privada, ou ser doadas ao poder público como áreas non aedificandi, complementares ao sistema de lazer e de áreas públicas e que não se confundam com as mesmas.

7 – Que a seleção e quantificação das áreas verdes de lazer a serem exigidas nos futuros parcelamentos sejam solicitadas proporcionalmente à densidade populacional a ser ocupada na área. Para tanto, deve-se partir de que o mínimo previsto na lei 6766/79 corresponde a uma realidade de parcelamento para implantação de habitação horizontal de padrão médio, assentada sobre lotes acima de trezentos metros quadrados, que corresponde aos menores adensamentos possíveis.

8 - Tendo em vista a relevância do fundo de vale da Água Comprida como área para implantação de um grande parque urbano para Bauru e região, será importante que as áreas destinadas a equipamentos de lazer, as áreas non aedificandi e de preservação permanente, quando forem transferidas ao poder público pelo parcelamento das glebas, fiquem situadas contiguamente ao conjunto dessas áreas já existentes, formando um grande complexo de áreas para um parque urbano

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significativo e expressivo em todo o vale, e não segregadas em pedaços distantes um dos outros. Nele já se agregam vários equipamentos públicos ambientais importantes, como o Horto Florestal, a Aciflora, o Instituto Ambiental Vidágua, a Polícia Florestal, o DPRN, o IBAMA, o Viveiro de Mudas da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, o futuro Parque da Água Comprida, o Sambódromo, as nascentes do Córrego da Água Comprida e uma reserva ainda importante de matas de cerrado na cabeceira do mesmo córrego;

9 – Que todas as áreas de vegetação natural do fundo de vale ainda existentes sejam declaradas por lei como áreas de preservação permanente, podendo ser em maiores quantidades que aquelas que serão exigidas como áreas de lazer nos futuros parcelamentos, podendo permanecer sob domínio e responsabilidade de manutenção da iniciativa privada ou ser também doadas ao patrimônio público, sem que haja qualquer hipótese ou possibilidade de desapropriação.

10 - Contudo, deve o poder público considerar o equilíbrio entre ônus e benefícios e exigir a quantidade de áreas públicas proporcionais ao valor médio econômico de mercado da gleba parcelada.

11 – Que o parcelamento responda e solucione a priori e às custas dos investidores os impactos de vizinhança causados por ele, como:

a - solução de drenagem de águas pluviais que leve em conta o conjunto de captação da bacia e que retarde a sua incidência aos fundos de vales com a construção de piscinões ou represas, a disposição principal de ruas no sentido próximo das curvas de níveis do terreno, a execução de drenagem principal sob o sistema viário e nos fundos de vales e a solução técnica correta para a entrega e dissipação das águas, nos mesmos. Preveja-se, para isso, solução de armazenamento, dissipação das forças das águas, controle de assoreamento, etc.

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b – Que os outros impactos, como necessidade de ligações viárias principais por avenidas, necessidade de equipamentos públicos e de lazer sejam executados pelos empreendedores.

c- O poder municipal poderá trocar as maiores solicitações de índices de coeficientes de aproveitamentos e de taxas de ocupações por uma exigência de maior quantidade de equipamentos e de áreas públicas e de lazer, escolas, creches, postos de saúde, postos policiais, equipamentos de jogos, equipamentos de lazer, etc., ou ainda por acordo sobre o restante da dívida a ser paga pela desapropriação da área de preservação permanente. Essas trocas devem ser feitas mediante a aprovação também da comunidade ao redor das áreas já assentadas, e da Câmara Municipal, na forma estipulada para permutas de benefícios.

B – DIRETRIZES DE “PLANEJAMENTO ATIVO”.

1 – SISTEMA VIÁRIO -Tendo em vista a análise de problemas atuais, necessidades e Impactos de Vizinhança levantados no Plano Diretor popular de Bairro, há sobrecarga atual do sistema viário da região em volta dos condomínios Camélias e Flamboyants, que virou áreas de estacionamento e também das Ruas Sebastião Pregnolato e Pe. Van der Mas, que acabaram se tornando impropriamente vias primárias de ligação de toda a região até a Nações Unidas; e considerando as ampliações decorrentes dos impactos de qualquer parcelamento da área vazia no futuro, será necessária a execução da Avenida da Água Comprida e continuação da Avenida Orlando Ranieri até as suas ligações com a Av. Nações Unidas. Contudo essas avenidas devem atender os seguintes requisitos técnicos:

1.1 – Terem pelo menos faixas duplas, mais acostamento, nas duas mãos de direção.

1.2 – Terem via marginal apenas no lado e nos trechos definidos para Zona Comercial, ou Zona comercial Mista, e também no trecho externo à área

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desapropriada para construção de parte do Parque da Água Comprida.

1.3 – Pelas razões de preservação das áreas ambientais levantadas, estas vias deverão estar situadas externamente à àrea desapropriada, somente uma parte da via marginal poderá adentrar a essa área no setor de cerca de 12 mil metros quadrados dessa área que é o único com possibilidade de ocupação por equipamento público.

1.4 - Considerando que os impactos de aumento de trânsito da região em sua maior parte se devem aos condomínios Camélias, Flamboyant`s, Jardim dos Duques, Vila Verde, Vila Grená e esse aumento continuará com outros condomínios a serem implantados dos mesmos proprietários de terras; ainda, que as Leis 6766/79 e 2339/82 consideram ser obrigação dos loteadores a execução de todas as infra estruturas necessárias para sistema viário; considerando, ainda, a impossibilidade e injustificável questão social do poder público ter que arcar com qualquer ônus a mais com aquela área onde já vem arcando com uma desapropriação indevida do passado; devem os loteadores ficar responsáveis em realizar essas obras viárias até a Avenida Nações Unidas, inclusive no pequeno trecho final do qual não consta serem eles os proprietários.

1.5 – Nos casos de aceitação pelos proprietários dos termos de permutas de benefícios para a construção de condomínios com mais de dois pavimentos na região, deverão ser exigidas pelo poder público obras de compensação de impacto de vizinhança, que serão descritas posteriormente, entre elas a possibilidade de execução total da via de esportes dentro do Parque da Água Comprida, que servirá para atender demandas de lazer, ciclismo, caminhada, etc. para todos os moradores assentados nesses empreendimentos da região.

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2 – A seleção das áreas públicas para equipamentos urbanos municipais deverá seguir os seguintes critérios:

2.1 – Recair sobre áreas cujo valor da terra seja semelhante ao dos empreendimentos privados, buscando equilíbrio econômico entre ônus e benefícios entre os investidores e o poder público.

2.2 - Ter como critério técnico a dotação de áreas públicas no setor entre os condomínios Camélias e Flamboyant’s e a Avenida Nações Unidas, tendo em vista essa região ser desprovida de áreas públicas significativas para a implantação de equipamentos urbanos.

2.3 - Situar-se com acessos a ruas secundárias para no futuro os equipamentos nelas instaladas não conflitarem com o trânsito intenso e rápido das avenidas.

2.4 - Permitir a criação e o fortalecimento na região de um “centro de bairro” urbano.

2.5 Ser calculadas proporcionalmente ao índice de densidade populacional que será assentada nos condomínios, tendo como parâmetro que o mínimo previsto na Lei 6766/79 corresponde a padrões de parcelamento para lotes urbanos acima de 300 metros quadrados, com implantação de residências horizontais unifamiliares. Desta forma, deve-se levar em consideração os seguintes dados:

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‘ Jardim Marambá–72 a 120 hab./ hectare. Térreo/ sobrado.

Núcleo Geisel – 120 a 200 hab. / hectare. Térreo* Jaraguá - 280 a 604 hab./ hectare. Térreo* Pq. das Camélias–240 a 400 hab / hectare. 4 Pav. Popular.** Pq. Flamboyant’s – 240 a 400 hab./ hectare. 4 Pav. Popular.** Jd. dos Duques - 576 a 960 hab. / hectare. 8 Pav. Médio*** Edifícios /12 Pav. 864 a 1440 hab./ hectare 12 Pav. Médio***

* predominância; ** Ocupado posteriormente pela classe média;*** dado estimado;estimativa de três a cinco pessoas por unidade habitacional.

Numa análise geral, portanto, verifica-se que, tendo como base o mínimo de densidade correspondente ao Jardim Marambá, 72 hab. / hec., na hipótese de construção de condomínios de quatro pavimentos, como o Pq. das Camélias, 240 hab./ hec., aumenta-se cerca de 3,5 vezes a densidade populacional. No caso da construção em 8 pavimentos, como no Jd. Dos Duques, 576 hab./ hec., aumenta-se cerca de 8 vezes a densidade populacional e no caso da construção de edifícios de 12 pavimentos, 864 hab./ hec., aumenta-se cerca de 12 vezes a densidade populacional.

Logicamente que este aumento populacional, numa região desprovida de escolas, creches, postos de saúde, áreas de lazer e esporte, ocasionará grandes demandas por estes equipamentos públicos e este impacto de vizinhança deverá ser sanado em permutas de benefícios que envolvam para o poder público mais áreas de terras públicas, a possibilidade de construções desses equipamentos públicos e a troca pelo remanescente da dívida da desapropriação. A proposta do Plano Diretor Popular de Bairro da Região,

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discutida e acordada como minimamente viável, é a seguinte:

* Em todos os casos a permuta seria possível envolvendo parte em ampliação de áreas públicas e parte na construção de equipamentos urbanos ou troca pela dívida da desapropriação, da seguinte forma:

2.5.1 - Para o caso de construção de condomínios até quatro pavimentos, o projeto seria liberado mediante:. Construção das avenidas na forma já descrita anteriormente até a Av. Nações Unidas.. Ao invés da ampliação de 3,5 vezes das áreas públicas, cobrar-se-ia a responsabilidade dos investidores em ampliar em mais 30% sobre mínimo exigido dessas áreas, além da execução da via interna do Parque da Água Comprida, da colocação de equipamentos de playground e execução de represas no Parque, conforme projeto.

2.5.2 –Para o caso de Construção de Condomínios entre 4 e 8 pavimentos, o projeto seria liberado mediante:. Construção das avenidas na forma já descritas anteriormente até a Av. Nações Unidas.. Em vez da ampliação de 8 vezes sobre as áreas públicas, cobrar-se-ia a responsabilidade dos investidores de ampliar em 50% essas áreas, sobre o mínimo exigido (1,5 vezes), mais a execução da via interna do Parque da Água Comprida, da colocação de equipamentos de playground, execução de represas no Parque, conforme projeto; mais uma escola tipo EMEI e um posto de saúde.

2.5.3 – Para o caso de construção de condomínios entre 8 e 12 pavimentos, o projeto seria liberado mediante:. Construção das avenidas na forma já descrita anteriormente até a Av. Nações Unidas.. Em vez da ampliação de 12 vezes sobre as áreas públicas, cobrar-se-ia a responsabilidade dos investidores de ampliar em 100% ( duas vezes) essas

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áreas em relação ao mínimo exigido, mais a execução da via interna do Parque da Água Comprida, da colocação de equipamentos de playground e execução de represas no Parque, conforme projeto; mais uma escola tipo EMEI e um posto de saúde; mais a execução de uma escola-creche, um posto policial e outros equipamentos de ambientação do Parque da Água Comprida.

3 – “Centro de bairro”- Há a necessidade da definição de zoneamento urbano, prevendo uma zona comercial mista, formando “um centro de bairro”, a ser situado nos encontros das Av. Orlando Ranieri com Av. da Água Comprida e em frente a uma Praça e entrada do Parque da Água Comprida . No entanto, este centro comercial poderá ser misto, podendo ter comércio no primeiro pavimento e habitação nos pavimentos superiores ou seguir modelo adequado semelhante àquele implantado em frente à Vila Inglesa.

4 – “Permutas de benefícios” e “operações urbanas” para todo o Parque da Água Comprida. A proposta de permuta de benefícios entre o poder público e a iniciativa privada deverá se estender para todas as áreas de vazios urbanos do Fundo de Vale da Água Comprida, dos demais fundos de vales da cidade e mesmo para toda a ocupação de vazios dentro da zona urbana. Contudo, o critério fundamental para essa permuta deve ser em primeiro lugar o poder público conquistar as áreas verdes e áreas públicas sem necessidade de desapropriação das mesmas, em segundo que o poder público faça uso de fato de suas prerrogativas de leis de zoneamento que estipulem proporcionalidade entre densidade de uso e quantidade de áreas públicas a serem conquistadas, e ainda a possibilidade de troca de maiores coeficientes de aproveitamento e taxas de ocupação por áreas e construção de equipamentos públicos, buscando equilibrar as densidades populacionais com necessidades de equipamentos públicos e áreas de lazer.

5 – Plano Diretor Popular de Bairro ou referendo popular - O poder público deve considerar e legitimar em forma de lei ou diretriz de parcelamento o resultado da execução do Plano

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Diretor Popular de Bairro e/ou implantar uma democratização do processo de gestão do espaço urbano, mediante a consulta prévia da população dos bairros na forma de referendum popular do projeto a ser aprovado.

( Figura 60 - Desenho da proposta do plano diretor popular de bairro para o entorno do vazio urbano irregular do fundo de vale do córrego da Água Comprida, Pq. Flamboyant’s, etc.)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Temos a certeza da realização dos nossos objetivos nesta tese sobre o papel do poder municipal nos caminhos e descaminhos da gestão pública dos espaços urbanos.

Muito deixamos para trás de pesquisas pontuais e aprofundamentos mais específicos em prol de uma síntese e uma maior unidade conceitual em torno da nossa busca de análises e comprovações da tese das Voçorocas do Poder Público: na lei, forma e gestão urbana da “Cidade Sem Limites”. Contudo abrimos diversas possibilidades de novas e futuras pesquisas em urbanismo na região da nossa querida Bauru e em outras cidades médias.

Para essa realização de objetividade de síntese queremos agradecer as observações dos membros de nossa banca de qualificação, composta pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Inácio Alexandre, a Prof..ª Maria Irene Szmrecsanyi e pelo nosso orientador, que sempre nos apontou os elementos mais fortes do trabalho sem contudo interferir ou podar nossas iniciativas e motivações mais profundas.

Queremos ainda dizer que, apesar do trabalho possuir um conteúdo crítico evidente, que aponta no poder municipal seus maiores focos de dúvidas e responsabilidades daquela falta de papel verdadeiramente público, nossa relação com os agentes políticos, técnicos e sociais procurou tratar das questões no seu sentido da ocupação dos cargos, buscando um distanciamento científico necessário, sem deixar que essas questões derivassem para qualquer análise mais pessoal de sujeitos específicos.

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Esperamos, por fim, que este trabalho possa contribuir de forma prática para os agentes públicos, pesquisadores e a comunidade no geral, para que o trato com as questões do urbanismo, na lei, na forma e na gestão supere as voçorocas do poder público e aponte para uma fase de realizações de gestões verdadeiramente democráticas, participativas e socializadoras em que a população mais humilde (que é a maior parte da sociedade) possa atingir o estágio do domínio dos meios políticos e sociais para alcançar maior equilíbrio urbano e maior justiça social, mesmo que ainda em tempos de um capitalismo exacerbado, enquanto esperamos e vamos construindo a sua superação.

É nesse sentido que ousamos, neste anexo da tese, apresentar uma modesta realização dos Planos Diretores Populares de Bairros em andamento, procurando demonstrar esperança, confiança e disposição para a luta coletiva transformadora como contraposição ao teor quase totalmente cético e crítico da nossa tese.

Por fim, quando finalizávamos esta tese, o Estatuto da Cidade foi aprovado no Senado Federal e sancionado pelo presidente da República. No entanto, preferimos deixar nosso texto sobre o tema ainda no futuro do presente, como registro histórico temporal sobre nossa percepção da sua importância para um porvir nas cidades brasileiras, dentre elas para a nossa querida Bauru.

É hora de “arregaçarmos as mangas” e lutarmos por um poder público sem voçorocas e por cidades mais justas e bonitas!

Que nossa tese possa, por fim, nos trazer bons frutos e de preferência muitos e grandes amigos, se possível!

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Notas:

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