caminhos do pensamento geográfico
TRANSCRIPT
-
Fonte: http://reciclavelxdescartavel.files.wordpress.com/2010/11/as-arvores-do-meu-caminho1.jpg
Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESPEnsino Fundamental II e Ensino Mdio
Rede So Paulo de
Caminhos do Pensamento Geogrfico
d01
-
Rede So Paulo de
Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP
Ensino Fundamental II e Ensino Mdio
So Paulo
2011
-
TEMAS
3
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Un
esp/R
edefo
r M
du
lo I D
isciplin
a 01
Sumrio1. O legado da Geografia ...............................................................4
2. A formao do conhecimento geogrfico na Antiguidade e na Idade Mdia ..............................................................................9
3. A gnese da Geografia e da Cincia Moderna ....................................................................16
4. Institucionalizao da Geografia ..............................................205. A institucionalizao da ..........................................................37Referncias ............................................................................. 48Resumo: ................................................................................. 51
sumario
-
4TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
1. O legado da Geografia
Introduo
Para comeo de conversa, precisamos deixar claro do que estamos falando. O que a Geo-grafia? Para Nelson Werneck Sodr (1987), ela foi por muito tempo conhecida por seu carter
descritivo por causa de sua herana de levantamento de dados e de se basear na observao. O
horizonte geogrfico, ampliando-se com as grandes navegaes, foi responsvel pela incorpo-rao de elementos importantes para a Geografia. Desde as navegaes dos gregos e romanos,
ainda confinados ao Mediterrneo e algumas incurses por terra para a sia e o norte da
frica, depois das investidas dos portugueses e espanhis para o Atlntico, muitos gegrafos,
como Alexandre von Humboldt, puderam realizar viagens de observao e registro de fatos,
descobrimentos e registros de espcies para consolidar o conhecimento dos lugares. Para Nel-son Werneck Sodr (1987), o inventrio de fatos e informaes so importantes para a cincia,
mas no constituem a cincia em si. Assim, depois de observar os cus na antiguidade e de
catalogar espcies botnicas olhando para o solo, os gegrafos arrolaram informaes para
tema 1
-
5TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
consolidar o conhecimento geogrfico. Essas matrias primas foram importantes para que os
gegrafos pudessem passar das descries para, embasados no mtodo cientfico, sistemati-zar os conhecimentos, definir seu campo de atuao, escolher suas tcnicas e formular suas
metodologias.
No entanto, a Geografia no conseguiu superar suas ambigidades. Ela dividida em in-meras disciplinas que esto agrupadas em duas grandes vertentes, que se contradizem e se
complementam: a Geografia Fsica, que est ligada s cincias da natureza, e a Geografia Hu-mana, ligada s cincias do homem. No passado, os conhecimentos da Geografia expandiram-
se fortemente durante a expanso colonialista e os da Geografia Humana expandiram-se com
o imperialismo capitalista e sua consolidao nos sculos XIX e XX.
A Geografia praticada nas escolas resultado do acmulo de conhecimentos. Voc pode
analisar os principais conceitos da Geografia contempornea ao consultar os Parmetros Cur-riculares do Ensino Mdio elaborados pelo Ministrio da Educao e Cultura. O PCNEM
um documento que contm orientaes curriculares para que profissionais ligados ao ensino
da Geografia tenham condies de observar, comparar e definir seus temas e estratgias de
ensino. Nesse documento, est escrito que necessrio abandonar a viso apoiada simples-mente na descrio e memorizao da Terra e o Homem, com informaes sobrepostas
do relevo, clima, populao e agricultura, por exemplo. Por outro lado, preciso superar um
modelo doutrinrio de denncia, na perspectiva de uma sociedade pronta, em que todos os
problemas j estivessem resolvidos (BRASIL, 1998, p. 30).
Nesse documento, define-se o objeto de estudo da Geografia como sendo o espao geogr-fico, que
o conjunto indissocivel de sistemas de objetos (redes tcnicas, prdios, ruas) e de
sistemas de aes (organizao do trabalho, produo, circulao, consumo de mer-cadorias, relaes familiares e cotidianas), que procura revelar as prticas sociais
dos diferentes grupos que nele produzem, lutam, sonham, vivem e fazem a vida
caminhar. Nunca o espao do homem foi to importante para o desenvolvimento
da histria. Por isso, a Geografia a cincia do presente, ou seja, inspirada na
realidade contempornea. O objetivo principal destes conhecimentos contribuir
para o entendimento do mundo atual, da apropriao dos lugares realizada pelos
-
6TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
homens, pois atravs da organizao do espao que eles do sentido aos arranjos
econmicos e aos valores sociais e culturais construdos historicamente (BRASIL,
1998, p. 30).
Continuando a olhar o mesmo documento, vemos que ele contm, como sugesto, os prin-cipais conceitos chaves da Geografia. Sem ordem hierrquica, enuncia-se, como o primeiro
dos conceitos:
paisagem, entendida como uma unidade visvel do arranjo espacial que a nossa viso
alcana. A paisagem tem um carter social, pois ela formada de movimentos im-postos pelo homem atravs do seu trabalho, cultura, emoo. A paisagem perce-bida pelos sentidos e nos chega de maneira informal ou formal, ou seja, pelo senso
comum ou de modo seletivo e organizado. Ela produto da percepo e de um
processo seletivo de apreenso, mas necessita passar a conhecimento espacial orga-nizado, para se tornar verdadeiro dado geogrfico. A partir dela, podemos perceber
a maior ou menor complexidade da vida social. Quando a compreendemos desta
forma, j estamos trabalhando com a essncia do fenmeno geogrfico (BRASIL,
1998, p. 32).
Seguindo na descrio dos conceitos importantes para a Geografia, enuncia-se o de lugar:
a poro do espao aproprivel para a vida, que vivido, reconhecido e cria iden-tidade. Ele possui densidade tcnica, comunicacional, informacional e normativa.
Guarda em si o movimento da vida, enquanto dimenso do tempo passado e pre-sente. nele que se d a cidadania, o quadro das mediaes se torna claro e a relao
sujeito-objeto direta. no lugar que ocorrem as relaes de consenso e conflito,
dominao e resistncia. a base da reproduo da vida, da trade cidado-iden-tidade-lugar, da reflexo sobre o cotidiano, onde o banal e o familiar revelam as
transformaes do mundo e servem de referncia para identific-las e explic-las
(BRASIL, 1998, p. 33).
Por sua vez,
os conceitos de territrio e territorialidade enquanto espao definido e delimitado
por e a partir das relaes de poder, ou seja, quem domina ou influencia e como
-
7TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
domina e influencia uma rea. Implica avanar da noo simplista de caracterizao
natural ou econmica por contigidade para a noo de diviso social. Todo ter-ritrio, seja ele um quarteiro na cidade de Nova York, seja uma aldeia indgena na
Amaznia, definido e delimitado segundo as relaes de poder, domnio e apro-priao que nele se instalam. Desta maneira, a territorialidade a relao entre os
agentes sociais, polticos e econmicos, interferindo na gesto do espao geogrfico;
no apenas uma expresso cartogrfica. Ela refere-se aos projetos e prticas desses
agentes, numa dimenso concreta, funcional, simblica, afetiva, e manifesta-se em
escala desde as mais simples s mais complexas (BRASIL, 1998, p. 33).
Os Parmetros Curriculares do Ensino Mdio trazem, tambm, um conjunto de conceitos
que se articula em diferentes escalas: globalizao, tcnica e redes. Nesse documento,
a globalizao um fenmeno decorrente da implementao de novas tecnologias
de comunicao e informao, isto , de novas redes tcnicas, que permitem a cir-culao de idias, mensagens, pessoas e mercadorias num ritmo acelerado, e que
acabaram por criar a interconexo entre os lugares em tempo simultneo. Neste
processo, tiveram papel destacado a instalao de redes tcnicas, incluindo-se a in-dstria cultural, a ao de empresas multinacionais e a circulao do capital, que in-tensificaram as relaes sociais em escala mundial, interligando localidades distan-tes, de tal maneira que acontecimentos locais so modelados por eventos ocorridos
a milhares de quilmetros de distncia. No que se refere tcnica, devemos ressaltar
ainda a importncia da compreenso do papel das inovaes tecnolgicas na esfera
da produo de bens e servios, engendrando novas formas de organizao social no
trabalho e no consumo, criando novos arranjos espaciais. Outra face da revoluo
tecnolgica so as novas formas de apropriao da natureza, tais como as expressas
na biotecnologia, em que a deteno do conhecimento e do domnio tcnico so
tambm um instrumento de poder que afeta os grupos sociais e exige modificaes
na organizao espacial existente (BRASIL, 1998, p. 33-34).
Todos os conceitos apontados devem ser articulados segundo
diferentes tipos de escala: uma escala cartogrfica e a outra geogrfica. Na primeira,
destaca-se o mapa como um dado instrumental de representao do espao, num
-
8TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
recurso apoiado dominantemente na Matemtica. Na segunda, a nfase dada ao
fenmeno espacial que se discute. Esta a escala de anlise que enfrenta e procura
responder os problemas referentes distribuio dos fenmenos. A complexidade
do fenmeno da cidadania, por exemplo, requer que se opere com diferentes escalas,
articulando suas dimenses locais, nacionais e globais. Neste sentido, a cidadania
no deve ser entendida apenas sob o aspecto formal do vnculo a uma nacionali-dade, devendo apontar a dimenso vivencial de seu exerccio, como um fenmeno do
lugar. De forma inversa, no podemos compreender a poluio atmica s no lugar,
mas devemos trat-la enquanto fenmeno global. Assim sendo, a escala uma estra-tgia de apreenso da realidade. Portanto, importante compreend-la no apenas
como problema dimensional, mas tambm fenomenal, na medida em que ela um
instrumento conceitual prioritrio para a compreenso da articulao dos fenme-nos (BRASIL, 1998, p. 33).
Podemos considerar que os conceitos chaves citados so, atualmente, os elementos que
constituem a espinha dorsal dos contedos da Geografia.
-
9TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
2. A formao do conhecimento geogrfico na Antiguidade e na Idade Mdia
tema 2
2.1 Antiguidade e Idade Mdia
Dando continuidade nossa disciplina, vamos fazer uma volta ao passado para buscar, na
medida do possvel, informaes, fatos e contedos que possam contribuir para a compreenso
do conhecimento e do pensamento geogrfico.
Para Nelson Werneck Sodr (1987), talvez a Geografia seja a cincia de histria mais longa
entre todas que conhecemos. Ela comea com as descries, nas comunidades de tradio oral,
das migraes e das diferenciaes dos lugares. Isso mostra que importante que o conheci-mento seja registrado e transmitido. na Grcia, j com o domnio da escrita e em decorrncia
de sua posio geogrfica no Mediterrneo, em relao s outras partes do mundo conhecido,
que cabe (aos gregos) coletar e sistematizar os conhecimentos de natureza geogrfica. So os
-
10
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
navegadores, militares e comerciantes, de um lado, e os matemticos, historiadores e filsofos,
de outro, que, ao longo do tempo, foram acumulando informaes e conhecimentos que se
tornaram importantes fontes de estudos e anlises da sociedade e da natureza, interfaces im-portantes para a compreenso do temrio geogrfico.
1. Herdoto, gegrafo e historiador grego, nasceu em 485 a.C. em Ha-
licarnasso (atualmente Bodrum, na
Turquia) e faleceu, possivelmen-
te na ilha de Samos, em 420 a.C.
Ele viajou pelas ilhas do mar Egeu,
esteve no sul da Itlia, na Mesopo-
tmia, no Egito (onde subiu o Nilo
chegando ao Saara).
Saiba mais importante distinguir duas palavras chaves referentes cincia. Neste caso, estamos falando da Geografia. O conhecimento geogrfico refere-se ao que foi produzido, em
termos de conceitos e teorias, pelos gegrafos ao longo do tempo. Todo o contedo tem sua caracterstica especfica porque pode ser identificado por seus autores. No
entanto, quando se trata do pensamento geogrfico, h uma componente importante a se
considerar: uma leitura do conhecimento geogrfico construda para alm da disciplina,
com componentes da Filosofia, do mtodo e da interdisciplinaridade, principalmente no
que concerne contextualizao do contedo enfocado.
Para se ter uma leitura da Geografia na Antiguidade, podemos selecionar trs pensa-dores que so identificados com a Geografia e com a Histria, lembrando que eles deixaram
seus escritos contextualizados no mundo grego: Herdoto, Estrabo e Ptolomeu.
Herdoto1 foi o primeiro a registrar, na tradio
filosfica grega, o evento da invaso persa na Grcia
tendo como pressuposto que no apenas o registro dos
fatos, mas que os acontecimentos poderiam, tambm,
servir para compreender o comportamento humano.
Ele sistematizou sua pesquisa e cunhou a palavra his-torie que, em grego, aproxima-se da palavra Histria,
como conhecemos atualmente. Ao escrever sua histria,
ele sempre compunha a descrio dos fatos com os as-pectos geogrficos. Segundo Nelson W. Sodr (1976),
ele pode ter sido o primeiro a expor as dependncias deterministas entre o meio e o homem,
forma de compreender a relao sociedade-natureza antes mesmo do surgimento da Geogra-fia de carter cientfico. Os nove livros que compem sua obra foi dividida em duas partes.
O sexto livro que termina a primeira parte encerra-se com com a derrota dos persas, em 490
a.C., na descrio da batalha de Maratona. Este o fato marcante que mostra o incio do ret-
-
11
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Estrabo2, outro gegrafo e explorador que pode
contribuir nesta volta ao passado, classificado como
gegrafo, historiador e filsofo grego. considerado um
estoicista mas, ao mesmo tempo, um defensor do im-perialismo romano. Escrita na era crist, sua Geogra-fia, em 17 volumes, considerada uma obra que con-tm inmeros erros de descrio, principalmente sobre
os Pirineus, mas uma obra da Antiguidade que articula
conhecimentos da Geografia, por meio das descries
dos lugares, da histria, da religio, dos costumes locais e
das instituies de diferentes povos. Ele registra os con-hecimentos adquiridos pelos gregos e pelos romanos.
O terceiro gegrafo que apresentamos Ptolomeu3. Cientista grego, ele viveu em Alex-andria, no Egito. Sua obra mais conhecida o Almagesto, tratado que contm o conhecimento
astronmico desde os tempos babilnicos at os tempos gregos, na qual ele apresenta o esquema
de um sistema cosmolgico concntrico, com a Terra no centro do universo, tendo-se os outros
corpos celestes descrevendo rbita ao seu redor. O Sol, os planetas e as estrelas descreveriam
epiciclos (crculos com centros em outros crculos) ao redor da Terra. Essa teoria conhecida,
comumente, como Teoria do Geocentrismo. Ele foi considerado o primeiro cientista a expor
uma teoria universal do movimento dos astros, mesmo que, posteriormente, duramente criti-
rocesso do imprio persa liderado por Ciro. Seu legado importante para a Geografia porque
se constitui, metodologicamente, em forma de narrativa contnua, resultado de pesquisa pelo
registro dos fatos e de abordagem dos fatos como elementos que auxiliam na compreenso
do comportamento humano.
Mapa-mndi de Ptolomeu
A obra de Ptolomeu foi preservada pelos rabes e introduzida na Europa durante a Idade
Mdia. A edio que se encontra na Biblioteca Nacional de 1486.
Localize, no site Histria do mundo, o mapa do Imprio Romano para compar-lo com os outros mapas indicados neste texto.
2. Estrabo nasceu da Amaseia (atual provncia da Amasya, na
Turquia), ento fazendo parte do
Imprio Romano (63 ou 64 a.C. e
circa 24 d.C.). Originrio de famlia
rica, pde prosseguir seus estudos
em Roma, onde leu os filsofos e
gegrafos que o antecederam. Fez
viagens ao Egito e Etipia. Seu
nome um termo utilizado pelos ro-
manos para designar aqueles que
tinham os olhos deformados ou por-
tadores de estrabismo.
-
12
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
cada e invalidada pelas observaes astronmicas
de outros cientistas. Ele baseou sua obra em com-pilaes anteriores e no fez nenhuma observao.
Por outro lado, em sua obra Geographia h todo o
conhecimento geogrfico de gregos e romanos, na
qual se destaca o uso de coordenadas geogrficas
de latitude e longitude, mesmo que com deforma-es4 nas reas exteriores ao Imprio Romano.
Podemos resumir, baseados nesses trs ge-grafos sem a pretenso de fazer uma linha di-reta entre eles que o conhecimento geogrfico
na Antiguidade (que limitamos do sculo IV a.C.
ao primeiro sculo da era crist) tem caractersticas
que vo ser importantes na constituio do pensa-mento geogrfico posterior. Podemos lembrar que
o conhecimento geogrfico desse perodo baseia-se
em elaborao terica (geocentrismo), na necessi-dade de observao para consubstanciar a descrio
dos lugares (aqui entendidos com seus costumes,
instituies e crenas), resultados de narrativas e de
pesquisas sistemticas para o registro dos fatos. As
palavras sublinhadas ainda hoje so fundamentais
para a elaborao do conhecimento geogrfico.
Dando um passo gigantesco para a Geografia
dos rabes, tomemos como exemplo Ibn Khaldun5
4. Toda representao da realidade transposta para desenho num plano ou mapa ter algum
tipo de deformao. Para cada mapa h uma
distoro ou deformao que corrigida par-
cialmente por tcnicas cartogrficas segundo
a finalidade ou rea que se deseja representar
no mapa. Essas tcnicas foram sendo desen-
volvidas por matemticos, astrnomos, ge-
metras e gegrafos ao longo da histria do
desenvolvimento da matemtica e da geome-
tria.corrigida parcialmente por tcnicas carto-
grficas segundo a finalidade ou rea que se
deseja representar no mapa. Essas tcnicas
foram sendo desenvolvidas por matemticos,
astrnomos, gemetras e gegrafos ao longo
da histria do desenvolvimento da matemtica
e da geometria.
3. Cludio Ptolemeu viveu em Alexandria, no Egito, de 90 a 168 d.C. Ele conhecido por
suas obras na Geografia mas, tambm, pelos
trabalhos em outras cincias, como matem-
tica, astronomia, cartografia, tica e at teoria
musical. Alm de Almagesto e Geographia,
escreveu Tetrabiblos, com o conhecimento de
astrologia dos babilnios, gregos e egpcios,
Optica, no qual mostra seus estudos sobrre re-
flexo, refrao, cor e espelhos, e Harmnica,
um tratado sobre teoria matemtica da msica.
Sua obra foi transmitida para os eruditos do Re-
nascimento pelos rabes.
5. Ibn Khaldun nasceu em Tunis (atual capital da Tunsia) em 1332.
-
13
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Imagem 3: Foto do autor do texto em frente do monumento a IBN KHALDUN em Tnis, Tunsia. Crditos: Eliseu S. Sposito
Como todos os gegrafos do mundo europeu, ele foi um viajante que conheceu inmeros e
distantes lugares em sua poca. Na frica, ele percorreu o Saara, indo do Egito a Tombuctu; na
sia, ele foi China, passando pela ndia e a Palestina; na Europa, ele foi at o sul da Rssia.
2.2 As grandes navegaes
As grandes navegaes (ou os grandes descobrimentos) foram fundamentais para o alar-gamento do horizonte geogrfico a partir da Europa. Para superar as dificuldades na busca
de novas terras, os navegadores tiveram que aprimorar seus instrumentos de observao da
natureza. Alguns instrumentos serviram, portanto, como potencializadores da capacidade de
observao e de registro do que os homens conseguiam ver e conhecer. A combinao dos usos
de instrumentos, resultado das invenes do ser humano, foi fundamental para que as navega-es ocorressem muito alm das proximidades dos continentes. Depois de ultrapassar o Cabo
Bojador, no Marrocos, os portugueses foram alm, acompanhando a costa oeste da frica, at
chegarem ao Oceano ndico depois de ultrapassarem o Cabo da Boa Esperana
-
14
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Imagem 2: Cabo da Boa Esperana, frica do SulFoto: Eliseu S. Sposito
Da, chegar ndia, acertar o rumo para a Amrica, ir alm do Estreito de Magalhes, foi
resultado de um passo arrojado e corajoso que os navegadores portugueses, depois os espan-hois, desafiando as condies naturais e adversas de correntes martimas e de ventos, puderam
chegar a terras antes desconhecidas por eles.
Para que isso ocorresse, no entanto, foi necessrio o desenvolvimento de outros conhe-cimentos. A elaborao de mapas com o domnio da linguagem matemtica e das projees
cartogrficas foi necessria para que as rotas fossem, ao longo do tempo, definidas com mais
preciso.
Um novo desafio se colocava: a Terra, de formato esfrico, precisava ser representada em
um plano constitudo pela folha que se colocava sobre a mesa dos cartgrafos. As medidas de
latitude e longitude precisavam ser respeitadas e, para isso, a preciso matemtica se tornava
cada vez mais necessria. A linguagem da cincia, no Renascimento, consolidava-se como
sendo a matemtica. Por meio de pontos, retas e ngulos, poder-se-ia localizar qualquer ponto,
pessoa, lugar etc. num sistema tridimensional de coordenadas. Cabia, com as mudanas para-
-
15
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
digmticas do Renascimento, compreender como o mundo funcionava, muito mais do que
compreender por que ele foi criado. O ser humano emerge como centro do universo e sua
posio nesse universo, mesmo tendo como referncia a Terra, era importante para se ampliar
os horizontes da cincia.
Para que isso ocorresse, os europeus foram responsveis pela conquista de novas terras,
associando-se ou dizimando outras populaes que j a viviam. Sua capacidade de conquista
foi potencializada por alguns elementos: a caravela, mais leve e gil e que podia ultrapassar, por
causa das suas velas, cabos com ventos contrrios; a plvora, elemento bsico para a demon-strao do poderio blico, que possibilitou o avano dos conquistadores sem se arriscarem no
corpo-a-corpo das batalhas; e a bssola, instrumento que permitiu a orientao dia e noite
nos deslocamentos pelos mares e pelas terras. A esses elementos, acrescenta-se a imprensa,
inveno que permitiu o registro dos conhecimentos e sua divulgao em diferentes lnguas
para todos aqueles que pudessem decifrar os cdigos das letras e slabas, e das representaes
cartogrficas.
Atitudes como a observao, a anotao, o uso de instrumentos, a descrio e a explica-o foram incorporados pela Geografia e, ainda hoje, so importantes para a abordagem do
temrio geogrfico. Para completar esse quadro, importante lembrar o papel do mtodo
cientfico, que serviu para que os cientistas se orientassem, registrassem e transformassem a
observao dos fatos em elementos cientficos. O mtodo cientfico, como ele foi organizado
no Renascimento, continha alguns princpios que, quando seguidos, davam o estatuto de cin-cia ao que era enunciado. Observar sempre, experimentar, utilizar a linguagem matemtica,
decompor o fato estudado, no deixar de lado nenhum aspecto do fato para que ele tivesse
todas as suas possibilidades esgotadas, eram os princpios que deviam ser seguidos por todos
aqueles que tinham, como objetivo, fazer cincia.
-
16
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
3. A gnese da Geografia e da Cincia Moderna
tema 3
3.1 Cincia e sociedade
Os seres humanos compreendem o mundo de acordo com sua formao intelectual e sua
capacidade de dominar o conhecimento. Neste processo, a histria humana desenvolveu dife-rentes tipos de conhecimento. So eles: senso comum, religioso, cientfico e filosfico.
O senso comum o nvel de conhecimento que pode ser elaborado ou incorporado por
qualquer pessoa, independentemente de sua condio de letrado ou no. Ele formado pelo
domnio de informaes corriqueiras, tcitas e que se desenvolvem de acordo com o nvel de
desenvolvimento cognitivo da pessoa e fruto da relao que estabelece com seu grupo social.
Assim, andar de bicicleta, nadar, elaborar uma roupa, praticar uma profisso com a agilidade
de manusear uma mquina etc., so formas de conhecimento que cada um pode dominar. O
senso comum tem ntima relao com o sentido prtico da vida e resultado extrado do erro
e acerto que generalizado para a orientao da relao social e das pessoas com a natureza.
-
17
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
O conhecimento religioso, por sua vez, depende da f da pessoa e no desenvolvido por
nenhuma habilidade especfica. No se exige competncia para atingir esse nvel de conheci-mento, mas a crena em algo abstrato, subsumido na explicao pelo outro que , muitas vezes,
situado fora da realidade objetiva. O conhecimento religioso habitado por entes e criaturas
resultantes da capacidade de abstrao e de explicao para fatos que dependem apenas da f e
no da experimentao ou da normatizao do conhecimento. comum que o conhecimento
religioso se aproprie do senso comum e dele crie condutas morais importantes para a civili-zao em determinadas circunstncias da histria. Em alguns casos difcil separar o senso
comum do conhecimento religioso, porque um se utiliza do outro diante dos impasses morais
e de limitaes tcnicas da sociedade.
O conhecimento cientfico considerado aquele decorrente dos princpios de organizao,
registro, repetio e normatizao da realidade, cuja principal linguagem a matemtica. Ren
Descartes (1596-1650), por exemplo, deduziu que o mundo resume-se a pontos, retas e ngu-los, estabelecendo os critrios para se localizar qualquer coisa no espao tridimensional que se
orienta por trs ordenadas, podendo ser figurado em distncia, altura e profundidade.
Assim, o conhecimento cientfico , necessariamente, cumulativo, organizado, comparativo
e possibilita a previso de situaes futuras que no sero, necessariamente, demonstradas.
Podemos tomar, como exemplo, o fato de que a sucesso de tempos em um perodo deter-minado define o clima de um lugar ou rea estudada, o que permite a previso da tendncia,
em um tempo futuro, do que pode ocorrer. No se trata de adivinhao, mas de imaginar
o que pode acontecer a partir de modelos e ritmos elaborados com referncia as medies,
comparaes e anlises sobre dados obtidos com o auxlio de instrumentos que potencializam
os sentidos humanos. A repetio de acontecimentos e de sucesso de fatos permite verificar
regularidades com resultado imutveis que inspiram leis sobre a matria. Um conhecimento
cientfico se baseia no fato concreto, naquilo que se apresenta do mesmo modo diante das
mesmas causas e tempo de ao.
Finalmente, o conhecimento filosfico racional e no necessariamente demonstrvel, ca-bendo quele que o domina, avaliar os outros tipos de conhecimento. Ele condensa a posio
do pensador que julga como e de que maneira a sociedade pensa e age.
-
18
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Esses tipos de conhecimento foram se diferenciando a partir do Renascimento, perodo
da humanidade no qual se configurou a cincia moderna. A inveno da imprensa permitiu o
registro do conhecimento e sua disseminao em uma forma que se repete para todos que a
ele tem acesso, o que permitiu a elaborao de diferentes interpretaes para fatos e acontec-imentos comuns.
3.2 Gnese da Geografia e da Cincia Moderna
Os marcos cientficos da Geografia podem ser identificados por meio das obras de alguns au-tores6 e pelo conjunto de acontecimentos que marcou a expanso do horizonte geogrfico, prin-cipalmente as grandes navegaes (que j foram descritas no item anterior), o aprimoramento da
Cartografia e as grandes invenes.
Assim, a Geografia Moderna desenvolveu-se a partir da
crtica dos conhecimentos do senso comum e do conhe-cimento religioso acerca do planeta Terra, reunindo desde
o Renascimento7, a descrio sistemtica das caractersti-cas da superfcie terrestre, da observao dos fenmenos
naturais e humanos nas diferentes regies do globo. Desta
forma, a Geografia surgiu da necessidade de explicar o que
existe, onde existe, a forma que se apresenta e quanto ou
dimenso desse elemento ou objeto da natureza (planta, rio,
solo etc.), estabelecendo as leis gerais do Cosmo. Assim como as demais cincias renascen-tistas, razo de encontrar uma lei teve funo de auxiliar tecnicamente sociedade na sua
adaptao e aproveitamento dos recursos da natureza, vista como objeto de dominao das
sociedades modernas.
Apesar deste desenvolvimento cientfico, isto no quer dizer que as outras formas de con-hecimento tenham sido abandonadas. Assim, o senso comum incorporou o conhecimento
geogrfico, mesclando-o com o conhecimento religioso e. Da mesma forma o conhecimento
religioso admite a importncia de conhecimento cientfico, da filosofia e apela ao senso co-mum. Vejamos alguns exemplos.
7. Renascimento: perodo que, na his-tria europia, transcorre, aproximada-
mente, do final do sculo XIII a meados
do sculo XVII. Tem esse nome por cau-
sa da releitura que os europeus fizeram
dos principais filsofos da antiguidade
clssica, reinterpretando-os dentro de
ideais humanistas e naturalistas.
6. Vrios autores sero apresentados, resumidamente, no item IV.
-
19
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
O conhecimento cientfico e filosfico busca na reflexo e na experincia sistematizada e
revisitada inmeras vezes para o aprofundamento de questes que no so objetivos do sentido
prtico do senso comum e das exigncias da f. Como exemplo mais atual tem se a possibi-lidade cientfica de clonar o ser humano, ainda que no estejam dominados todos os conhe-cimentos sobre isso. A tcnica no aceita pela Igreja para a reproduo humana, mas no
contestada para a reproduo animal. Filosoficamente a mesma questo vista como uma
possibilidade que no traz o mesmo componente moral sobre a reproduo, mas sobre qual
finalidade isso tem para a existncia humana no futuro. A cincia no se ausenta do debate,
mas precisa descobrir mais sobre essa possibilidade para cura de doenas e para superao dos
limites da reproduo humana.
O resultado atual desse problema est sob um impasse se a pesquisa deve ou no continuar
nesse sentido e se est sob controle seu avano ou no. Mesmo que a cincia e a sociedade esta-beleam e consigam impedir a clonagem humana por lei e por diversos bloqueios disponveis,
a Filosofia no vai parar de refletir sobre o assunto. A simples possibilidade de uma doena
destruir a fertilidade masculina em massa j colocaria uma questo para Igreja que obrigaria a
alguma delas a mudar de posio, pois o que estaria em jogo a existncia humana. Algumas
Igrejas no iro mudar de posio, mas a Cincia ir lutar pela vida. A Filosofia continuar a
provocar e se contradizer seja qual destino prevalecer. Por sua vez, a Filosofia avanar mais
que a cincia quando ela no conseguir responder, dando substncia para o conhecimento
cientfico encontrar novamente seu caminho.
Foi preciso distinguir essas formas de conhecimento para que voc possa se colocar perante
o tema que estamos estudando neste momento: o pensamento geogrfico. Para maior aprofun-damento desse assunto, sugerimos a consulta da obra de Eliseu Savrio Sposito (2004).
-
20
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
4. Institucionalizao da Geografia
tema 4
4.1. Incio de conversa
Nosso convite aqui para que voc compreenda qual
caminho a Geografia percorreu, em seu desenvolvim-ento, e como foi compreendida pela sociedade no pas-sado e no presente. Como vimos na primeira parte da
disciplina, a Geografia no surgiu como conhecida
hoje e os trabalhos de Herdoto, Estrabo e Ptolomeu
so testemunhos deste acmulo de conhecimentos. Da
mesma forma, existiram expedies militares desde o
mundo antigo, com intuito de conhecer territrios e
suas possibilidades e dificuldades de ocupao. Mas vejamos como na histria8 desta cincia
h um momento em que ela deixa de ser uma preocupao de pessoas isoladas com suas curio-sidades sobre os fenmenos para que seja apropriadaspelas instituies governamentais e em-presas. Vamos analisar a institucionalizao da Geografia, processo pelo qual as informaes,
8. Em estudos sobre a construo da geo-grafia comum ver a palavra evoluo do
pensamento geogrfico. Preferimos fala
de histria do pensamento geogrfico que
no cria confuso e elabora a geografia
como um processo construtivo que tanto
assume teorias antigas em suas perspec-
tivas como trabalha com novas teorias. A
ideia de evoluo sugere uma superao
e desgaste de uma ideia que nem sempre
o que ocorre.
-
21
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
mtodos e investimentos no conhecimento se tornam interesse do Estado, governo, empresas
e associaes com objetivos diversos. Esses atores institucionalizam a Geografia quando criam
grupos de pesquisa, expedies e comitivas para investigar os territrios, as colnias ou mesmo
espionar outros pases.
Assim, uma empresa pode criar suas expedies conflu-indo com interesses do Estado9, sendo muitas vezes difcil
de distinguir se buscam dominao poltica e/ou econmi-ca. Por sua vez, uma associao de vrios gegrafos e espe-cialistas afins pode ser criada autonomamente por interess-es cientficos ou a servio de um Estado e/ou investidores
de variados interesses. Na medida em que as informaes
geogrficas deixam de ser uma juno de informaes feitas
por entusiastas para se tornar conhecimento estratgico de
Estados e empresas, ela se institucionaliza dentro de um
gabinete de governo, em reunies de sociedades de pesquisa, nos debates em esferas intelec-tuais e na criao de universidades. Surgiro desse complexo de interesses a realizao de ex-pedies cientficas/militares patrocinadas por alguns dessas instituies.
Foi da expanso colonial dos reinos europeus que surgiram os primeiros relatos oficiais,
como aquele elaborado por Pero Vaz Caminha ao rei de Portugal. Posteriormente aos relatos
escritos, as principais viagens foram organizadas pelos chamados naturalistas, homens que
dominavam cartografia, botnica e zoologia, matemtica e desenho, entre tantas outras habi-lidades que os fizessem comunicar aos seus financiadores as descobertas de suas investigaes.
Em outros casos, as expedies buscavam entender a extenso de um continente ou de um rio
e, para isso, navegar era a forma mais fcil para se atingir o objetivo pretendido. Havia tambm
as expedies que buscavam cidades ou lugares mitolgicos com suas promessas de riqueza.
Em todos esses casos foram perdidas muitas vidas e pequenas fortunas dos financiadores.
4.2 Geografia escolar
A institucionalizao da Geografia desenvolveu-se progressivamente, mas tem seu marco de-finitivo ao longo do sculo XIX , acentuadamente, na segunda metade e na virada para o sculo
9. A palavra estado pode ser grafada com letra minscula quando se fala ge-
nericamente de estados da federao,
por exemplo, estado do Mato Grosso.
Quando se fala em Estado com letra
maiscula um nome prprio que de-
signa a instituio que abriga gover-
nos, por exemplo, Estado Nacional ou
o Estado regido por leis. A palavra
governo no recebe letra maiscula.
Essa distino importante para que
se entenda os texto sobre o assunto.
-
22
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
XX. O surgimento da Geografia escolar tambm faz parte do processo de institucionalizao da
cincia geogrfica, o que ocorre inicialmente nas naes industrializadas ou ricas. Posteriormente
incluso da Geografia nas cartilhas escolares, foram criados cursos universitrios para forma-o de professores. Isto ocorreu inicialmente na antiga Prssia, imprio que se tornou pioneiro
na institucionalizao da Geografia escolar (CAPEL, 1991) e que o exemplo mais citado na
literatura, depois acompanhado pelos outros estados nacionais modernos.
No se deve concluir, por essas afirmaes, que a nica funo da Geografia na escola foi de
servir aos interesses expansionistas e colonialistas. Entretanto, a estreita relao da Geografia
escolar aos interesses do Estado Nacional foi fundamental para a delimitao e desenvolvim-ento de algumas teorias e metodologias geogrficas.
A geografia escolar na antiga Prssia iniciou a construo de identidade de pertencimento
territorial ligado cultura de suas populaes. Antes disso era a Prssia composta por duca-dos e pequenos territrios autnomos que no se constituam em uma fora organizada para
defender um projeto nacional e consolidar uma indstria e um comrcio com menor barreira
entre os pequenos territrios. Esse exemplo ser seguido mesmo por outros pases que se
poderia considerar Estados Nacionais Modernos.
No sendo suficiente apenas a educao bsica para este fim, se tornou imprescindvel a
construo de uma teoria nacionalista que fundasse seus pilares em um territrio ou espao de
identidades culturais e polticas. neste contexto que elaborada a Teoria do Determinismo
Geogrfico, demonstrando o papel da natureza na formao cultural de um povo. Um conceito
central desta teoria o de espao vital, que significa dizer que uma nao necessita de uma
quantidade de espao explorvel correspondente ao seu contingente populacional.
Na prtica, o conceito de espao vital foi exacerbada para uma ao poltica territorial expan-sionista prussiana, no caso da ocupao da Alscia-Lorena em 1870 (MORAES, 1996, p. 64).
H um pressuposto que procura explicar o papel dos professores de Geografia: eles seriam
os verdadeiros responsveis pela vitria na anexao desse territrio porque os soldados do
exrcito prussiano haviam aprendido, por meio do aprendizado de Geografia, a interpretar
mapas e estratgias militares espaciais. Essa teoria apropriada pela elite da nascente nao
alem e explica, em parte, seus intentos expansionistas, que se estende no tempo (sculo XX)
-
23
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
com as incurses nos pases vizinhos durante as I e II Guerra Mundial. A essa tendncia, o
historiador francs Lucien Febvre denominou determinismo.
A importncia da escolarizao nos feitos blicos contra a Frana passou a ser considerada
pelas naes como fundamental para a expanso alem; por isso, a Geografia comeou a figu-rar nas escolas com propsitos nacionalistas e no apenas informativos. Desde esse momento,
a educao bsica passou a incluir, com mais certeza, a Geografia em suas cartilhas e planos
de estudos identificados com a unidade de cada Estado-Nacional, fazendo parte, assim, da
construo ideolgica de seus povos.
No caso do Possibilismo (denominao que se deu ao conhecimento geogrfico produzido
em territrio francs ou por influncia de importantes autores franceses), o conceito de gnero
de vida criado por La Blache ops-se ao conceito de espao vital por colocar que a cultura
que determina o uso do espao e sua adaptao ao homem. O territrio para La Blache
repleto de possibilidades que as tcnicas podem auxiliar a superar as barreiras naturais e torn-
las favorveis sociedade.
4.3 Surgimento das universidades, sociedades reais de Geografia e colonialismo
Para Horacio Capel (1991) o modelo universitrio da Alemanha importante de ser anali-sado. Em primeiro lugar, pela liberdade de pensamento garantida ao corpo de tericos, o que
permitiu um impulso na construo de massa crtica independente nos quadros universitrios,
o que poder ser considerado inovador at hoje. Esta liberdade de pesquisa e de pensamento
foram instrumentos muito bem utilizados pela elite poltica desse novo estado nao na supe-rao do seu atraso em relao aos outros pases industrializados. Concomitantemente Geo-grafia universitria alem, surgiram as sociedades geogrficas para viabilizar o conhecimento
espacial e territorial de diversos estados nacionais.
As sociedades geogrficas foram, na maioria dos ca-sos, criadas no sculo XIX, a saber: Frana (1821), Ale-manha (1828), Inglaterra (1830), Mxico (1833) EUA
(1852), Portugal (1875), Espanha (1876), Canad (1877), Brasil (1883)10. So conhecidas a
investidas de outros pases em territrios das Amricas, Oceania, Africanos entre outros com
10. Confira o texto novos horizontes para o sa-ber geogrfico (CARDOSO, 2005).
-
24
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
intuitos comerciais e expansionistas, colonialistas e
neocolonialistas11. O papel dessas sociedades pode
ser assim sistematizado: investigar os territrios que
pertencem aos pases em que foram criadas; fornecer
a base de informaes para os objetivos expansioni-stas nacionais; criar explicaes cientficas que sus-tentem o papel de dominao das metrpoles sobre
as colnias. As sociedades tambm so identificadas
por suas caractersticas: estatuto ou organizao in-terna prprios, que as diferenciam das outras; adoo
da linguagem cientfica, principalmente aquela base-ada nas comprovaes dos feitos em debates pbli-cos; utilizao de instrumentos que potencializam
a capacidade de observao dos gegrafos (bssola,
termmetro, barmetro etc.) e legitimam as infor-maes obtidas em campo; linguagem prpria na
descrio dos fenmenos estudados, inclusive com
o recurso dos mapeamentos, cada vez mais precisos
com o passar dos anos. Essas caractersticas so im-portantes para se criar um ambiente de exposio
e debates sobre os conhecimentos de novas reas.
Esse ambiente legitima as descobertas e d estatu-to cientfico aos escritos dos gegrafos. Finalmente,
todo esse conjunto de aspectos positivos das asso-ciaes do-lhes importncia nos cenrios polticos
nacionais, fazendo com que os governos ou mesmo
mecenas se mobilizem para financiar os projetos de
viagens de reconhecimento dos novos continentes.
A prpria soberania dos pases no dependia
mais apenas de uma ocupao que se fizesse pela for-a e pelas armas, mas pelo domnio de informaes12,
12. Saber poder? Essa frase banalizada pelo senso comum ainda contm muito de verda-de para o bem e para o mal. O domnio de co-nhecimentos serve para controlar, embora sirva tambm para oprimir e destruir ideias, pessoas e obras humanas. Um dos papeis da educao criar uma condio de que o cidado supere a desinformao e os conhecimentos parciais ou superficiais para avanar para uma crtica qua-lificada. A escola no ensina ao cidado a ser crtico ou revoltado com a injustia, pois esse processo tem uma relao com o esprito de uma poca. No entanto, a educao tenta fazer na medida do possvel uma qualificao do discurso do cidado que servir a ele nos embates. A pre-ocupao aqui contida que o professor saiba de suas limitaes e de suas potencialidades. Sem esse entendimento o professor no encontrar nenhum sentido nobre em seu trabalho.
11. O filme O homem que subiu a colina e des-ceu a montanha retrata como o Reino Unido refazia suas medies no interior de seu reino atravs de levantamentos topogrficos, estabe-lecendo cdigos e medidas que se transformam em referncias para todas as outras medidas. Neste caso, os cartgrafos do filme vo medir a altitude do monte Ffynon Garw, limite entre o Pas de Gales e a Inglaterra, considerando que uma montanha, no reino, s poderia assim ser considerada se tivesse, no mnimo, mil ps de altitude. Outro filme que apresenta a mesma preocupao pode ser o pico Lawrence das Arbias, que retrata a poca da independncia da Arbia Saudita em relao ao Reino Unido e, mais recentemente, em O paciente ingls. Final-mente, o filme Montanhas da Lua conta a histria de dois gegrafos exploradores que, em meados do sculo XIX, tentam descobrir as nascentes do Rio Nilo. No filme, destacam-se as formas como as caravanas so organizadas, como os gegra-fos utilizam instrumentos para potencializar sua capacidade de observao, como so registra-dos os fatos observados e como o conhecimento legitimado pela Sociedade Real Geogrfica da Gr-Bretanha. Toda essa filmografia relata par-cialmente o interesse em cartografar com maior preciso o espao, seja para instalar vias frre-as, seja para identificar riquezas e seus poten-cias de explorao, seja para fins de delimitao de territrios ou conhecer os terrenos para facili-tar deslocamentos de foras militares.
-
25
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
de tcnicas e seu uso na ocupao ou explorao dess-es territrios. Associado ao interesse de dominao, as
sociedades geogrficas abrigaram personalidades com
distintas formaes para elaborar seus planos naciona-is de viao, mapeamento poltico e topografia, entre
outras informaes com base cientfica para fortalecer
a soberania desses pases e destes sobre as naes que
fossem incapazes de realizar os prprios inventrios
ou explorar as suas riquezas. As sociedades geogrfi-cas tm como efeito a formao de investigadores e apoio aos seus construtos metodolgicos
e de suas teorias e o engajamento delas aos interesses de seus patrocinadores13.
Tanto a identidade nacional14 como a ocupa-o por colonizao ou expanso dependem de in-formaes consistentes sobre os territrios e espaos
cobiados. As empresas tambm dependem de infor-maes precisas sobre a geografia desses territrios
para investir em estradas, portos e outras estruturas
de extrao de riquezas com menor investimento
e maior velocidade de retorno. O sculo XIX de-terminado pela mudana das tcnicas para a cincia
sistematizada. A primeira revoluo industrial ainda
tem seus efeitos impressionantes e o trabalho assala-riado serve de base para o sistema capitalista ser preponderante. O florescimento da cincia
tem um papel pragmtico crescente e as universidades no ocupavam funo to relevante
quanto tinha as grandes expedies patrocinadas pelas sociedades geogrficas. A cincia ir
progredir entre um processo de avano capitalista em favor de suas necessidades e pelos desa-fios cientficos que so impostos pelos avanos resultantes desse processo.
14. Identidade nacional se confunde com ufa-nismo ou um elogio exagerado, preconceituo-so, excludente, acrtico e parcial de algumas pessoas que se dizem amar um pas. funda-mental que esses elogios sejam contidos pela realidade dos fatos e no por uma imagem ideal de um pas. Os regimes ditatoriais co-locam frases do tipo Amem ou deixem! Que resumem a ideia de que amar incondicional-mente um pas justifica a injustia, perseguio e assassinato de opositores ordem vigente! No entanto, h que ter uma identidade cultural crtica que a base do humanismo e respeito aos direitos universais!
13. O filme Montanhas da Lua (1990) um registro artstico que serve para ilustrar como
era o funcionamento de algumas dessas so-
ciedades cientficas ao adaptar fatos da hist-
ria real ocorrida em 1850 quando dois oficiais
britnicos, Capito Richard Burton e Tenente
John Speke, realizaram expedies para des-
cobrir a nascente do Nilo em nome do Imprio
Britnico da Rainha Victria. A indicao des-
te filme j ocorreu no item anterior.
-
26
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
4.4 Os referenciais das escolas clssicas do pensamento geogrfico
No final do sculo XIX e incio do sculo XX,
duas escolas de pensamento geogrfico poderiam
ser distintas por suas bases e propostas tericas: a
escola alem e a francesa . Elas so responsveis
pelos debates mais enriquecedores da Geografia
Moderna. Os principiais nomes da escola alem
so Alexander Von Humboldt, Karl Ritter15 e Friederic Ratzel (1844-1904). Na escola francesa,
Elise Reclus e Vidal de La Blache tiveram grande
influncia, sendo este ltimo o mais referenciado16.
De maneira muito geral, reputa-se escola alem o
que se chama determinismo geogrfico e geografia
geral e a escola francesa citada como possibilista
e com a abordagem da geografia regional.
Como vimos anteriormente, o determinismo geogrfico explicado como sendo base-ado na fora das caractersticas fsicas para o comportamento, formao, evoluo e progresso
de uma sociedade. Por exemplo: pases com litoral muito recortado favorecem as navegaes,
como se pode dizer das costas dos pases banhados pelo mar Mediterrneo. O possibilismo,
por sua vez, a tendncia terica que defende que um povo, dependendo do seu progresso tc-nico e cultural, pode conduzir mudanas e adaptar-se o meio geogrfico de forma aproveitar
dele e transform-lo em seu favor. Sem reduzir a importncia das condies fsicas sobre a
sociedade e sem exagerar na influncia do aporte cultural na transformao do espao natural,
essas duas correntes fundam a discusso sobre a relao entre sociedade e natureza, que ainda
central na produo cientfica da Geografia.
Comum entre ambas foi a apropriao poltica das teorias para justificar o colonialismo,
seja na depreciao de um povo e estgio de desenvolvimento tcnico primrio em relao aos
colonizadores que defendida pelo possibilismo; seja para justificar a dominao de um povo
por estar fadado s limitaes impostas pelo meio em que vivem. No entanto, se fizermos uma
15. Karl Ritter (1779-1859). Gegrafo alemo que descobriu a existncia dos raios ultravioletas em 1801 e considerado, junto con Humboldt, um dos principais fundadores da Geografia mo-derna.
16. A influncia da obra de Reclus na Frana foi enorme e suas obras tiveram alcance em escolas
do mundo todo. Reclus no teve um papel impor-
tante na geografia institucional por ser um anar-
quista e estar envolvido em questes contrrias
ao Estado. La Blache teve um papel acadmico
e poltico sem oposio ao Estado e muito de sua
obra esteve a servio dele. A revista Hrodote
publicou um nmero especial de comemorao
dos 100 anos da morte de Reclus (1905-2005),
contendo alguns textos em francs que descre-
vem o esforo de La Blache em apagar as fortes
referencias reclusianas na geografia francesa.
-
27
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
leitura mais aprofundada dessas duas escolas e, principalmente, dos escritos dos tericos cita-dos, no ser encontrada uma posio to polarizada quanto se acredita porque foi a apropria-o poltica e as conseqncias dessa apropriao que deram nfase superficial no pensamento
desses pioneiros da Geografia moderna.
A Geografia geral uma proposta de abordagem que parte do princpio que um fenmeno
geogrfico deve ser visto em escala mundial ou tomando-se como referncias as grandes su-perfcies. A compreenso metodolgica, neste caso, baseia-se em fazer um inventrio de tudo
que engloba grandes superfcies e dados gerais que alimentem uma lei geral da natureza. A
coleta de informaes sobre flora, fauna, distribuio hdrica, tipo de relevo, distribuio popu-lacional entre outras informaes gerais do meio fsico sustentam apreciaes dessas grandes
superfcies e de seus fenmenos. A demanda cientfica justificou expedies investigativas por
todo o mundo e tanto mais nos pases colonizados. Conhecer a natureza e a sociedade desses
pases e continentes era determinante para se construir uma Geografia geral e, por meio dela,
compreender a complexidade do mundo natural. O tipo de trabalho derivado desses inven-trios era descritivo e sem nfase na ao humana como agente transformador. importante
ressaltar que, embora procurassem paisagens e fenmenos que se repetissem para criar leis
gerais, no possuam, ainda, o que hoje se chama viso sistmica (interao) ou a noo de
natureza como fruto relacional de fenmenos que interagem e se retroalimentam.
A crtica ao descritivismo deve ser amenizada se levarmos em conta que os meios tcnicos
disponveis e a linguagem daquele perodo no desfrutavam dos mecanismos que possumos
atualmente; por isso, retrat-los literariamente e detalhadamente era a forma adequada de
tratar as informaes coletadas. O correto dizer que, aps os progressos tericos e tecnolgi-cos, a descrio detalhada pode ter sido uma herana de formao de alguns gegrafos que
perdura em algumas produes cientficas.
A geografia regional elaborada por Vidal de La Blache considerada uma construo
terica importante e responsvel pela manuteno da importncia da geografia como cincia.
Capel afirma que aps a morte de Humboldt e Ritter, ambos em 1959, a geografia tendeu ao
esfacelamento em vrias disciplinas e quase desapareceria se no fosse a necessidade de criar
uma geografia escolar. Do ponto de vista terico a geografia geral dava respostas para fen-menos amplos, mas esse nvel de informao no produzia explicaes das aes humanas em
seu meio natural. La Blache conseguiu delinear que o propsito da geografia era identificar em
-
28
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
fragmentos do espao uma regularidade de fenmenos naturais e sociais. A geografia regional
busca identidades em escalas mdias e pequenas. A diviso regional se far por caractersticas
naturais, pela composio tcnica de seus habitantes na relao cultural e natural. Em algumas
abordagens como se o gegrafo tivesse que descobrir a regio por fenmenos especficos. Se
ouvirmos algum falar que existe a regio Nordeste no Brasil, isso quer dizer que ela com-posta por um tipo de natureza dominante, um histria poltica e de desenvolvimento que a
faz diferente da regio Sul ou Centro Oeste. O trabalho regional poder produzir subdivises
e de uma forma geral serve par ao planejamento territorial de uma regio ou delimitao de
uma regio administrativa de interesse maior do Estado. La Blache salva a geografia do desa-parecimento e recoloca uma funo que a faz sobreviver ao desaparecimento. As metodologias
mudam ou mudam suas nfases.
A Geografia regional depende de uma descrio, mas exige uma abordagem que crie a
identidade regional. A comparao entre os fenmenos importante, mas nas escalas regionais
pode ser pouco expressiva para dar uma identidade natural particular. Exemplo prtico disso
falar da regio Nordeste como tendo uma nica identidade e compar-la com a regio da
Provena, na Frana, que menor (em superfcie) que o estado de Sergipe. A caracterizao
regional relativa ao pas e suas pesquisas para a gesto poltica, administrativa e produtiva e
no pela dimenso territorial.
A Geografia geral, como foi praticada h um sculo, entrou em decadncia por no servir
aos interesses do Estado-Nacional moderno e, segundo vrios autores, a Geografia regional
lablachiana recolocou em cena a importncia da Geografia e a impediu de sucumbir pela frag-mentao em outras disciplinas, como Geologia, Climatologia, Biologia entre outras.
A discusso entre Geografia nomottica ou geral (que busca leis gerais) e Geografia id-iogrfica ou regional (que busca identidades particulares) estar sempre ressaltada nos debates
tericos, metodolgicos e epistemolgicos, e tambm polticos e ideolgicos. importante
enfatizar a influncia poltica e ideolgica nesse debate porque a informao cientfica tem
uma vertente pura e objetiva pela busca do conhecimento da realidade e uma objetiva e sub-jetiva associada aos interesses concretos dos governos, empresas e pessoas, que resultam em
incompreenses e refutaes por desconfiana dos interesses escondidos em alguns de trabal-hos cientficos.
-
29
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
A diviso entre Geografia fsica e humana tambm se faz importante entre essas correntes
(alem e francesa), dando a entender que a Geografia alem seria determinista, descritiva,
geral, nomottica e fsica e que a francesa seria possibilista sinttica, regional, particular, id-iogrfica e humana. No to simples assim e uma compreenso desse modo sobre o pensa-mento geogrfico pode levar a entender que um trabalho em Geografia humana est livre de
descrio e das informaes fsicas. Ou que um trabalho de Geografia fsica pode eliminar a
informao dos grupos e aglomeraes sociais e sobre sua influncia sobre a natureza. No en-tanto, esta no uma verdade absoluta nem definitiva. H diferentes possibilidades de se fazer
trabalhos, em qualquer uma das vertentes, com qualidade e com abrangncia suficiente para se
descrever e explicar os territrios. H trabalhos em Geografia fsica de alta qualidade que no
necessitam falar da sociedade e h trabalhos em Geografia humana de inestimvel valor que
no necessitam fazer inferncia aos fenmenos fsicos. Na seqncia, apresentamos um quadro
que separa as relaes entre as duas tendncias. Esse quadro no deve ser seguido risca nos
dias atuais, j que as tendncias metodolgicas e tericas se mesclam e oferecem elementos
que explicam mais a realidade dos fenmenos do que na forma como esto expostos.
Caractersticas Geografia Alem Geografia Francesa
Teoria CentralEspao vital: equilbrio entre uma populao e recursos
naturais disponveis
Gnero de vida: a cultura de uma sociedade capaz de adequar s limitaes naturais e transform-las em
vantagens
Objeto da geografia Leis gerais da naturezaIdentificar a relao homem e
natureza
ConceituaoCincia dos lugares, no dos
homensCincia de sntese
MetodologiaDescritiva/inventrio/causas/
observaoRelacional/ imbricaes/
finalidade natureza
Carter dos resultados cientficos
Determinista(homem produto do meio)
Possibilista(a cultura transforma o meio)
-
30
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Apresentao dos resultados Anlise Sntese
Escalas de abordagem Geral Regional
Forma do construto cientfico
NomotticaLeis gerais e normativas: regularidades de fenmenos e
suas causas
IdiogrficaEncontrar uma identidade especfica de uma parte do
espao
Primazia Fenmenos fsicos Fenmenos sociais/naturais
Propsito poltico Expansionista Colonialista
Quadro 1: Quadro sntese comparativo, geral e parcial dos marcos das escolas de geografia Francesa e Alem
O quadro comparativo apresentado simplificador e contm uma distino bastante super-ficial da sistematizao da Geografia moderna. Essa tendncia que separa uma da outra desa-parece em trabalhos elaborados no sculo XX e haver muita proximidade entre o construto
terico dessas duas correntes que esto apresentados com muita generalidade. Nesse sentido,
o quadro deve ser considerado apenas como uma sistematizao geral de caractersticas muito
amplas e ele deve ser visto com cautela, por ser seu objetivo mais pedaggico do que fiel ao
fato cientfico que o inspirou.
Nas distines entre gegrafos que veremos a seguir, ser possvel notar que h pensam-entos de franceses que incorporam propostas de alemes e vice-versa. Tomar essa ideias de
maneira simples pode levar ao estudo empobrecido de cada um desses pensadores e fazer cair
em erros como os que reputam ao historiador Lucien Febvre que distinguiu a geografia em
duas vertentes (determinista e possibilista). Em um estudo sobre a obra de Humboldt, Ritter
e Ratzel, ser possvel verificar que eles reconheciam
o elemento cultural na transformao do espao. Do
mesmo modo, a escola francesa no desconsiderava
as influncias do meio fsico no desenvolvimento das
sociedades. (Moraes, 1989, 1990)17
17. Este trabalho de Moraes A gnese da geografia moderna que aprofunda o pensa-
mento de Humboldt e Ritter e a continuidade
desse trabalho em outro livro intitulado Rat-
zel (1990) so caminhos que fazem justia
amplitude do pensamento desses trs ge-
grafos, superficialmente e injustamente cha-
mados de pais do determinismo geogrfico.
-
31
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
Mediante o que foi exposto anteriormente, importante entender que as definies de deter-minismo e possibilismo servem mais aos interesses ideolgicos do Estado-Nacional moderno. Isso
distorceu os conhecimentos elaborados por esses gegrafos em favor dos objetivos colonialistas e
expansionistas dos Estados-Nao sem qualquer compromisso cientfico com esses pensadores,
embora alguns deles estivessem identificados com os interesses polticos de seus pases.
4.5 O pensamento geogrfico alemo (Humboldt, Rit-ter, Ratzel, Hettner, Richthoffen)
Alexandre von Humboldt (1769-1859) considerado
um gegrafo de campo18 cujo objetivo era encontrar leis
gerais sobre os fenmenos naturais. As regularidades dos
fenmenos fsicos forneceriam informaes gerais sobre a
dinmica fsica global. Sua obra Cosmos tem o papel de
identificar leis gerais com forte relao com a compreenso
platnica19. Desse modo, era importante conhecer as causas
dos fenmenos fsicos. A observao e a descrio (textual,
inventrios, desenhos e cartogrfica) so as tcnicas de in-vestigao que mais utilizou. A proximidade entre o fil-sofo Kant e Humboldt no foi confirmada pelos registros
histricos, mas o trabalho realizado por Humboldt pro-fundamente associvel ao construto terico elaborado por
Kant, principalmente em sua obra A crtica da razo pura.
Por isso, o princpio de causalidade (princpio segundo o qual todos os fenmenos na superf-cie da Terra tm uma explicao causal e no casual de sua existncia) fortemente ligado ao
pensamento humboldtiano.
Karl Ritter (1779-1859), gegrafo alemo tem, em vrios
aspectos de seu pensamento, aproximao com o que produziu
Humboldt. possvel simplificar afirmando que este ltimo
era um gegrafo de campo e Ritter um elaborador de gabi-nete20. Ritter teve um papel preponderante na construo
dos cursos de formao de professores de geografia (Capel,
18. Entre os gegrafos, comum se afirmar que um cientista de cam-
po quando se dedica busca de
dados primrios em trabalhos direta-
mente voltados para atividades em-
pricas, em viagens, entrevistas, ob-
servaes, anotaes e descries
do que observado.
19. O cosmos platnico deve ser en-tendido como totalidade da expres-
so possvel do ser; ou seja, expres-
so do bem. Plato no compreendia
o todo por seu carter corruptvel, ou
seja, por empreender em seu mtodo
a concepo do sensvel pelo sens-
vel, uma vez que; segundo Plato, a
realidade fsica nos engana.
20. Entre os gegrafos, afirmar que um gegrafo de gabinete procu-
rar demonstrar que seu trabalho pri-
vilegia fontes escritas produzidas por
outros cientistas, cabendo a si o papel
de ler, interpretar e sistematizar os co-
nhecimentos produzidos por outrem.
-
32
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
1991). Foi professor de Elise Reclus e Karl Marx. Esse fato d conta de como a profuso da
Geografia moderna influenciou o pensamento cientfico da virada do sculo XIX para o XX.
O princpio de analogia, sistematizado por Ritter, segue a inteno de descobrir leis gerais da
natureza. Esse princpio tem, como base, a comparao entre os fenmenos para destacar suas
particularidades, destacando diferenas e semelhanas entre eles.
Ferdinand von Richthofen (1883-1905) segue por uma perspectiva que se pode denominar
de humboldtiana de totalidade (harmonia natural). Von Richthofen era emprico-naturalista
que se servia das observaes de campo e das formas de relevo. Esse tipo de trabalho refora a
geomorfologia no papel de descrio e compreenso das paisagens e seus relevos. Ele fez uma
viagem China que durou cinco anos, de leste a oeste e de norte a sul, colhendo informaes
e mapeamentos sobre a rota da seda. Efetuou estudos geolgicos e levantamentos topogrficos
completados com informaes econmicas e sociais. Na Alemanha, passou sete anos elabo-rando o grande mapa da China, tarefa que o notabilizou como um dos grandes gegrafos do
mundo.
Alfred Hettner (1859-1941) considerado neokantiano. Ele pe a Geografia no plano de
encontro do nomotetismo e do idiografismo, centrando a referncia unitria no conceito de
regio. Para ele, a regio a categoria universal da Geografia, o conceito portador da capaci-dade de oferecer uma viso de unidade de espao que ele denomina corolgica que seria con-figurada atravs da pluralidade dos aspectos fsicos e humanos. Desse ponto, o conceito auxilia
a forjar a sntese do mundo, que seria a identidade metodolgica e cientfica da Geografia.
Assim, chega-se sntese regional por intermdio da interao entre a Geografia sistemtica,
parte da Geografia encarregada de realizar a anlise dos fenmenos no seu plano tpico, e a
Geografia regional, a verdadeira Geografia, que se serve da primeira, ao mesmo tempo em que
lhe impe a necessria unidade sinttica. Embora crtico de Kant ao realizar o esforo de unir
a Geografia geral regional, sua anlise e sntese parece buscar algo semelhante ao kantismo
quando une empirismo (observao) com racionalismo (razo) na busca da diferenciao das
reas ou entender o porqu delas se diferenciarem.
Leo Waibel (1888-1951) Dois conceitos destacam-se na elaborao terica do autor: o de
Wirtschaftsformation (Formao Econmica) e o de Kulturlandschaft (Paisagem Cultural).
Analogamente a uma formao vegetal, afirma Waibel, uma paisagem econmica contnua
pode ser denominada de formao econmica. A agricultura emprega para essas unidades, se-
-
33
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
jam extensas ou reduzidas, geralmente a denominao de zonas. Ele fala, assim, de uma zona
de cultura de hortalias, uma zona triticultora, uma zona de lacticnios etc. J a paisagem cul-tural, dentro da Geografia agrria, entendida como resultante do uso do solo, ou seja, do tipo
de cultivos, tcnicas utilizadas, estradas e instalaes, determinado pela Formao Econmica
(ETGES, 2000).
4.6 O pensamento geogrfico francs
Elise Rclus (1830-1905) foi aluno de Karl Ritter e produziu uma Geografia com forte
referncia em Humboldt e Ritter. A obra de Rclus teve impacto importante na educao da
Frana, Espanha e outros pases da Europa. De fato, foi essa referncia que teve relevncia para
os gegrafos franceses que o sucederam, embora haja registros de que La Blache combateu
essa influncia na Frana. Seus livros, sua atividade poltica como anarquista e sua dedicao
educao fez Rclus ser popular e reconhecido. possvel afirmar que ele prenunciou as bases
do geoambientalismo, da sustentabilidade e de uma geopoltica prxima da compreenso con-tempornea. Sua formao pela escola alem no o fez um determinista e sua posio poltica
deixou mais claro que a ao humana responsvel pela transformao do espao reconhecen-do a capacidade de poluio e necessidade de uso adequado da natureza. A base metodolgica
que ele deixou para a Geografia impedia a separao dos fotos humanos e dos fenmenos
naturais, trazendo conjuntamente a preocupao com a liberdade das naes e de seus povos.
Vidal de La Blache (1845-1918) foi responsvel pelo conceito de gnero de vida e criou as
bases metodolgicas da regionalizao que recolocou a Geografia como disciplina importante
entre as demais cincias. A proposta vidalina serviu ao planejamento estatal e permitiu o de-senvolvimento de monografias regionais que buscavam identidades espaciais ou idiogrficas
para espaos determinados por variveis comuns, procurando superar as limitaes que a Geo-grafia geral, caracterstica da escola alem, tinha para a compreenso da organizao espacial.
Jean Brunhes (1869-1930) preocupava-se com a poltica e tinha posies consideradas
catlicas sociais. Sua obra sobre os princpios da Geografia colocava a existncia de vrios
nveis de percepo dos fenmenos. Primeiro, estaria a Geografia das necessidades vitais (ex-plorao da terra), depois a Geografia social e, por fim, a Geografia histrica e poltica. O
mtodo por ele proposto considerava os seguintes feitos essenciais: a) a ocupao improdutiva
(casas e vias); b) a conquista vegetal e animal (cultura e pecuria) e c) a economia destrutiva
-
34
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
(devastao dos animais, vegetais e explorao mineral). Essa superfcie seria encontrada a
ao da sociedade e acresceria o nome da Geografia Humana como referncia para escola
francesa de geografia.
Max Sorre (1880-1962) elaborou o conceito de habitat que se refere poro do planeta
vivenciada por uma comunidade que a organiza. a humanizao do meio, que expressa
mltiplas relaes entre o homem e ambiente que o envolve. Aproxima-se do axioma vidalino
de gnero de vida.
Emmanuel de Martonne (1873-1955) conhecido por desenvolver, ao longo de sua vida,
um amplo trabalho docente de difuso da Geografia como cincia experimental. Visitou duas
vezes o Brasil (1933 e 1937), realizando levantamentos morfolgicos e ministrou cursos na
Universidade de So Paulo. Seu estudo sobre problemas morfolgicos do Brasil tropical-atln-tico foi um dos primeiros trabalhos de geomorfologia climtica no mundo. Para ele, tudo
aquilo que existe na superfcie terrestre e forma parte da paisagem pode ser considerado como
um fato geogrfico. Um fato geogrfico se caracteriza por ser um elemento tangvel e , de
certo modo, permanente ou estvel, como as montanhas, os rios, as comunidades humanas,
um edifcio, uma rvore etc. O fenmeno geogrfico ocorre quando se pode observar uma
mudana mais ou menos imediata na superfcie terrestre, mostrando alteraes no ambiente.
Pierre Deffontaines (1894-1978) iniciou seu contato com o Brasil na dcada de 1930 e,
conjuntamente, com Pierre Monbeig, fundou a cadeira de Geografia na Universidade de So
Paulo em 1935. Foi, tambm, um dos principais responsveis pela criao da Associao dos
Gegrafos Brasileiros, do Conselho Nacional de Geografia e da Revista Brasileira de Geo-grafia. Defontainnes foi fortemente influenciado por Jean Brunhes, por sua vez discpulo de
Vidal de la Blache. considerado introdutor da escola francesa de geografia no Brasil e teve
papel determinante na estrutura do curso de formao de professores de Geografia. Seus ar-tigos, de cunho vidalino (ou lablacheano), descreviam a dimenso continental do Brasil, onde
a natureza definia a organizao das atividades humanas. Como La Blache, ofereceu ao Brasil
uma matriz de pensamentos ao dispor do planejamento estatal e com os projetos nacionais
brasileiros da era Vargas.
Pierre Monbeig (1908-1987), tambm influenciado pela geografia regional vidalina, de-staca a importncia da cultura na transformao do espao e se coloca em posio oposta ao
-
35
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
determinismo econmico (GAETA, 2007). Dantas (2005, p. 30) afirma que sua ideia de com-plexidade em geografia humana coloca a necessidade de ir alm da descrio, indo buscar as
contingncias que cercam a relao entre o homem e a natureza. A Terra, para Monbeig, um
todo cujas partes se condicionam. O homem ser o perturbador de um equilbrio complexo
e o gegrafo dever recolher como essas diversas influncias contribuem para a formao es-pacial e adaptao humana. Como co-fundador da cadeira de Geografia na Universidade de
So Paulo, em 1935, ir influenciar a formao de gegrafos com forte cunho da Geografia
regional francesa que dar escola de Geografia brasileira sua nfase na Geografia humana.
4.7 As abordagens de inspirao anglo-americanas
Ellen Semple (1863-1932) tem proximidade com a obra de Ratzel (Antropogeografia) e
inspirou a produo de vrias obras e artigos caracterizados como sendo deterministas. Em seu
pensamento, o meio fsico tem papel mais preponderante do que a ao humana e sua cultura
na transformao espacial. Ou seja, o meio determina o homem, em palavras diretas. O deter-minismo geogrfico, como se conhece hoje, tem mais sua influncia do que reputam a Ratzel
e ir dar um carter prprio Geografia anglo-saxnica com maior nfase no empirismo e na
descrio do meio fsico. Semple, por exemplo, recorre Bblia, em alguns de seus escritos, para
definir a importncia da natureza sobre a sociedade. A finalidade de seus trabalhos entender
as vantagens ambientais e suas influncias no desenvolvimento econmico.
Ellsworth Huntington (1876-1947) concluiu que as populaes de regies frias tinham
performance econmica superior de pases tropicais, fenmeno ao qual chamou de paradoxo
tropical. De acordo com esse gegrafo, a influncia do clima na performance econmica tam-bm podia ser verificada nas estruturas polticas pois os Estados tropicais tendem a ter uma
histria poltica instvel. O determinismo climtico que baseou a obra de Huntington, passou
a ser uma considerao exarcebada para outros campos e utilizado como explicao simplria
para explicar a pobreza e subdesenvolvimento.
Richard Hartshorne (1899-1992) conhecido por seu mtodo de regionalizao que, dife-rente do que props La Blache, seleciona elementos para se delimitar um espao e no a
totalidade de elementos que o compe. A regio, para Hartshorne, deve ser compreendida
conceitualmente quando especializada por funes correlatas. No quer dizer que ele negue
a regionalizao tradicional, mas aprofunda o pragmatismo da informao geogrfica que deve
-
36
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
ter finalidade para o planejamento e desenvolvimento humano. Seus trabalhos so influencia-dos pelo kantismo e ele escreveu um texto importante sobre a relao das obras de Kant e de
Humboldt (HARTSHORNE, 2006).
David Harvey (1935) tem sua formao na Geografia quantitativa mas, aos poucos, foi
se apropriando das bases epistemolgicas marxistas. Por essa mudana de perspectiva, ele
considerado um dos pilares da Geografia radical. Os pressupostos de Harvey colocam a luta
de classes no centro dos debates temticos da Geografia com uma qualidade que extrapola
a ideologia que marca parte da corrente da Geografia crtica mundial. Seus escritos sobre a
ao do capital na civilizao servem de pilar para a construo de uma crtica globalizao
e para a compreenso da ao das corporaes na internacionalizao do capital. A sociedade
est no centro do debate geogrfico e na esquerda poltica arrefecida no final da dcada de
1990, mas com mais aprofundamento aps a crise econmica de 2008. Sua obra A condio
ps-moderna referncia, no Brasil, para se entender sua compreenso terica da Geografia.
Edward William Soja (1940) tem seus trabalhos voltados para o planejamento urbano.
Seus referenciais tericos baseiam-se no materialismo histrico e ele percorre um caminho
mais ecltico entre os gegrafos radicais estadunidenses. Sua obra Geografias ps-modernas
polmica e teve enorme repercusso na dcada de 1990. Soja considerado, por alguns crticos,
como um gegrafo ps-moderno por sua aproximao com a Geografia cultural.
Doreen Barbara Massey (1944) referenciada por produzir trabalhos influenciados pelo
materialismo dialtico e, por isso , definida como gegrafa marxista. Um dos seus campos de
estudo a globalizao e suas relaes com o desenvolvimento das cidades, e a reconceitual-izao do espao urbano e na diviso espacial do trabalho. Seu conceito de geometria do poder
tem como aporte a compreenso das profundas divises entre ricos e pobres e as desigualdades
provocadas pelo capitalismo. Seus argumentos so que o espao composto por vrias iden-tidades que no esto congeladas, ou seja, o espao permeado por processos permanentes de
mltiplas identidades e no fechado, mas consequncia de superposies de aes humanas
dinmicas.
-
37
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
5.1 Introduo
No Brasil h marcos importantes sobre a institucionalizao da Geografia como foram
as fundaes dos Institutos de Histria e Geografia Brasileiro no Rio de Janeiro em 1938 e
os que surgiram em vrios estados do pas, inicialmente ocupado por engenheiros militares,
cartgrafos, advogados e historiadores. A criao do curso de formao de professores de
Geografia com a fundao da Universidade de So Paulo um marco importante para a for-mao de uma massa crtica com base na Geografia. A criao do Instituto de Brasileiros de
Geografia IBGE viabiliza a produo e divulgao de informaes estratgicas para o Brasil.
Nos ltimos cinqenta anos, o Brasil vivenciou a emergncia de trs tendncias importantes
no pensamento geogrfico. Essas tendncias so antagnicas quanto ao mtodo, s temticas
e componente ideolgica.
5. A institucionalizao da Geografia no Brasil
tema 5
-
38
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
A new geography ou Nova Geografia decorre
de uma ruptura metodolgica, ideolgica e episte-molgica no fazer cientfico geogrfico. De forma
geral, essa referncia feita, por um lado, adotando
em bases matemticas e estatsticas para abordar o
fenmeno geogrfico e, por outro, pela considerao
mais humanista centrado na percepo do indivduo
sobre o prprio espao. Caberiam, nessa Geografia,
novas outras foras tericas e correntes ideolgicas,
porm, so as tendncias citadas as que carregam essa denominao. Na perspectiva matemti-ca, estatstica, quantitativa ou teortica (traduo equivocada do vocbulo ingls theoretical
que significa terica), o pressuposto central considerado neopositivista21 por defender a ideia
de que o fenmeno geogrfico um fato verdadeiro se houver regularidade, forma especfica
e repodutibilidade. Se o fato for propositivo para criar modelos tericos matemticos, por ser
matematizvel e mensurvel, pode se tornar a base para a elaborao de uma informao, de
um modelo e de uma teoria. A busca por modelos permitiu um desenvolvimento impression-ante nessa tendncia, acumulando a crtica de no ser capaz de tratar de questes sociais com
qualidade ou de propor a criar modelos infalveis sobre a realidade geogrfica de um fenmeno
ou de um pas.
No Brasil, a Geografia quantitativa teve seu ncleo gerador de trabalhos a UNESP de Rio
Claro e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que ofereceram uma produo terica e
cientfica que deixou uma tradio importante. A geografia quantitativa enfraqueceu-se desde
a dcada de 1990, com o desaparecimento dos tericos
que foram pilares da defesa dos fenmenos quantifica-dos e de modelos derivados. O IBGE22 foi o bero
da Geografia quantitativa porque foi importante para
esse rgo governamental fortalecer essa forma de
abordar os fenmenos. Com o fim da ditadura militar
que definiu o regime poltico brasileiro (1964-1985),
no se pode dizer que a mesma carga ideolgica per-maneceu como na dcada de 1970 e de outros pero-dos histricos. O IBGE notabilizou-se, tambm, por
22. O IBGE faz parte de uma histria nacio-nal de 188 anos de busca do registro estats-
tico do Brasil que foi iniciada 1m 1822. A data
de fundao do IBGE foi em 1936 e desde
ento tem servido como base para o plane-
jamento poltico, administrativo e territorial,
sendo o bero da profissionalizao institu-
cional da informao geogrfica baseada em
sensos de diversas naturezas. Para obter
as informaes oficiais da histria do IBGE
acessar o stio: http://www.ibge.gov.br.
21. Neopositivista: pessoa ou tendncia que se identifica com o neopositivismo, doutrina
filosfica que se desdobra a partir dos ensi-
namentos da Escola de Viena, cujo objetivo
principal foi restabelecer a linguagem mate-
mtica como linguagem genuinamente cien-
tfica e do princpio da falseabilidade como
possibilidade de se provar se o conhecimen-
to verdadeiro ou no.
-
39
TEMASU
nesp
/Red
efor M
d
ulo
I Discip
lina 0
1
ficha sumrio bibliografia
1
2
4
3
5
ser responsvel por contribuies fundamentais para o planejamento das polticas pblicas do
pas e de suas comparaes em escala global, alm da realizao dos recenseamentos gerais
decenais que permitem inmeros estudos sobre populao e economia, por meio de clculos
de inflao e PIB, por exemplo.
A Geografia humanista ou da percepo
considera a percepo que o indivduo elabora
do espao e percorre o caminho das emoes e
representaes subjetivas das populaes. Ela
constitui uma tendncia tambm conhecida
como fenomenolgica23 e por vezes Geografia
cultural. Essa tendncia recebe crticas por tra-balhar com dados subjetivos por parte de alguns
crticos da Geografia quantitativa (positivista) e
como despolitizada pela tendncia marxista.
A Geografia humanstica teve seu desenvolvimento no Brasil principalmente na dcada
de 1990, quando gegrafos, insatisfeitos com a produo cientfica quantitativa e marxista,
acusavam-nas de no darem importncia cultura e aos fenmenos da percepo do indivduo.
A polarizao ideolgica entre conservadores e revolucionrios pode ser responsabilizada, em
parte, por essa ausncia nos estudos geogrficos brasileiros, mas no deve ser excludo o fato
de que a falta de um mtodo confivel e sistematizado pode ser importante para seu lento pro-gresso at a dcada de 1990. Outra fragilidade dessa tendncia o pouco domnio do mtodo
fenomenolgico e da adoo de temas mais descritivos, pautando-se pelos estudos de espaos
sagrados ou ritos religiosos, com pouca interdisciplinaridade com a Antropologia.
A Geografia radical (ou crtica, ou marxista) considera a luta de classes e as teorias marxis-tas como centrais para