brasil: uma biografia

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BRASIL: UMA BIOGRAFIA Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling P rezados professores, este é um material especialmente idealizado para uso em sala de aula. Esta foi sempre nossa (boa) utopia: discutir com os professores uma visão mais renovada da história — crítica generosa porém indignada, mas não menos divertida — desse personagem que todos nós conhecemos tão bem. Aqui vocês encontrarão, também, os conceitos teóricos que utilizamos no livro e que, esperamos, incendiarão a imaginação de todos. É hora de reconsiderar e questionar o cotidiano, indagar o presente e refletir sobre o futuro. Por fim, e para começar, as propostas de atividades, como acontece em Brasil: Uma biografia, abordam imagens, músicas, filmes e obras artísticas não como ilustração, mas como objetos de reflexão sobre o processo histórico. Esperamos que vocês e seus alunos gostem. Boa leitura e ótimas aulas! BRASIL: UMA BIOGRAFIA CADERNO DE ATIVIDADES: RESUMOS, ATIVIDADES PROPOSTAS E CONCEITOS ISBN 978-85-359-2735-1 9 7 8 8 5 3 5 9 2 7 3 5 1 90768 - Caderno de atividades - Brasil uma biografia.indd 1-3 6/15/16 17:30

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BRASIL:UMABIOGRAFIA

Lilia M. Schwarcze Heloisa M. Starling

Prezados professores, este é um material especialmente idealizado para uso em sala de aula. Esta foi sempre nossa (boa) utopia:

discutir com os professores uma visão mais renovada da história — crítica generosa porém indignada, mas não menos divertida — desse personagem que todos nós conhecemos tão bem.

Aqui vocês encontrarão, também, os conceitos teóricos que utilizamos no livro e que, esperamos, incendiarão a imaginação de todos. É hora de reconsiderar e questionar o cotidiano, indagar o presente e refletir sobre o futuro.

Por fim, e para começar, as propostas de atividades, como acontece em Brasil: Uma biografia, abordam imagens, músicas, filmes e obras artísticas não como ilustração, mas como objetos de reflexão sobre o processo histórico.

Esperamos que vocês e seus alunos gostem. Boa leitura e ótimas aulas!

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CADERNO DE ATIVIDADES:

RESUMOS, ATIVIDADES PROPOSTAS E CONCEITOS

ISBN 978-85-359-2735-1

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BRASIL: UMA BIOGRAFIA • 1

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APOIO:

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Elaboração das atividades propostasLILIA M. SCHWARCZ, HELOISA M. STARLING, DIEGO ESCANHUELA E SEBASTIÃO SOARES

Elaboração dos resumos LILIA M. SCHWARCZ, HELOISA M. STARLING E ÉRICO MELO

caderno de atividades: resumos, atividades propostas e conceitos

BRASIL:UMABIOGRAFIA

Lilia M. Schwarcze Heloisa M. Starling

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De 1958 até a sua inauguração, em 21 de abril de 1960, Marcel Gautherot fotografou o canteiro de obras de Brasília e nos ensinou a ver a nova capital de uma maneira particular: a manifestação pública também ocorria ostensivamente do lado de fora da forma construída, no espaço público da cidade e de suas edificações. Na foto da capa, o início da concretagem da cúpula do Senado Federal retrata, ao mesmo tempo, um destino e uma miragem do Brasil. Num impulso, os candangos, milhares de trabalhadores nômades que vieram de todas as regiões do país para construir a nova capital, estão, uma vez mais, prontos para partir — “em rota para a impossível utopia”.

Início da concretagem da cúpula do Senado Federal, Marcel Gautherot, c. 1958

LEGENDA DA IMAGEM DA CAPA

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 7

RESUMOS E ATIVIDADES PROPOSTAS ............................................................................ 11 1. Primeiro veio o nome, depois uma terra chamada Brasil .................................. 12 2. Tão doce como amarga: a civilização do açúcar ............................................... 19 3. Toma lá dá cá: o sistema escravocrata e a naturalização da violência ............ 25 4. É ouro! .............................................................................................................. 30 5. Revoltas, conjurações, motins e sedições no paraíso dos trópicos ................... 35 6. Homens à vista: uma corte ao mar ................................................................... 40 7. D. João e seu reino americano ........................................................................... 45 8. Quem foi para Portugal perdeu o lugar: vai o pai, fica o filho ........................... 51 9. Habemus independência: instabilidade combina com Primeiro Reinado .......... 5610. Regências ou o som do silêncio ........................................................................ 6211. Segundo Reinado: enfim uma nação nos trópicos ............................................. 6712. Ela vai cair: o fim da monarquia no Brasil ........................................................ 7213. A Primeira República e o povo nas ruas ............................................................ 7914. Samba, malandragem e muito autoritarismo na gênese do Brasil moderno ..... 8715. Yes, nós temos democracia ............................................................................... 9416. Os anos 1950-1960: a bossa, a democracia e o país subdesenvolvido ......... 10017. No fio da navalha: ditadura, oposição e resistência ...................................... 10518. No caminho da democracia: a transição para o poder civil

e as ambiguidades e heranças da ditadura militar ....................................... 110Conclusão ............................................................................................................ 117

CONCEITOS .................................................................................................................. 120Com quantos conceitos se faz uma biografia do Brasil ....................................... 121

SOBRE OS AUTORES ..................................................................................................... 132

CRÉDITOS DAS IMAGENS .............................................................................................. 133

DISTRIBUIDORES ......................................................................................................... 135

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Caro professor,

Este caderno foi feito especialmente para você. Aliás, foi pensando nisso que debatemos (em segredo) durante a construção dessa longa “biografia” do Brasil. E por esse motivo também que, a cada evento de lançamento realizado em diferentes cidades do país, sempre dávamos um jeito de conversar com educadores e estudantes locais. Nessas ocasiões, examinávamos quadros his-tóricos, documentos, selecionávamos temas, compartilhávamos apreensões, dividíamos projetos comuns. Nossa intenção foi dialogar o tempo todo com esse importante grupo da nossa sociedade — que pensa no passado, investe no presente e acredita num futuro melhor.

Por isso, é chegada a hora de apresentar um material especial para uso em sala de aula. Afinal, esta foi a todo momento nossa (boa) utopia: discutir com os professores uma visão mais renovada da história — crítica, generosa, porém indignada, mas não menos divertida — desse personagem que todos nós co-nhecemos tão bem.

Enquanto escrevíamos Brasil: Uma biografia, mantivemos alguns princípios em mente, de maneira que eles orientassem a condução da história. Não é pos-sível discorrer sobre o passado e o presente sem partir de pressupostos comuns — isso acabou por nortear a narrativa do livro que agora partilhamos com você.

Em primeiro lugar, você verá que, para nós, a história é feita de lembranças, mas também de muito esquecimento. Ou seja, ao contrário do lugar-comum que reserva à história a função de ser apenas um acúmulo de dados, aqui defen-

APRESENTAÇÃO

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demos que não há como recordar tudo. Mais ainda, não se quer recordar tudo. Por essa razão, temas dolorosos da realidade do país — como a vigência do mais largo e duradouro regime escravocrata mercantil no hemisfério ociden-tal — foram eliminados da nossa agenda de maneira sistemática: esquecidos. No seu lugar, desenharam-se um ambiente tropical e uma suposta tolerância racial associada à imagem de uma “boa escravidão”. Claro está que não existem bons sistemas escravocratas, os quais pressupõem — na sua base — a posse de um homem pelo outro. Por isso, na nossa memória oficial, tratamos ora de dei-xar tudo mais exótico, ora de transformar o feio em belo, ora (ainda) de inviabi-lizar tudo. Se este é um país que comporta muita inclusão cultural — revelada sobretudo nos esportes, nas artes e na nossa cultura bastante mestiçada —, não há como deixar de notar os dados de exclusão social expressos nos índices per-versamente desiguais de acesso ao mercado de trabalho, à justiça e, não menos importante, à educação.

O mesmo processo ocorreu com a representação amplamente divulgada de “um povo e um país pacíficos”. Sabemos que já de início, durante o assim cha-mado “descobrimento”, gerou-se um genocídio ameríndio, com números que beiram a catástrofe. Além do mais, desde os tempos da colônia até o presente foram muitas as batalhas, revoltas, conjurações, insurreições que invadiram nosso suposto calendário pacato. Se tivemos apenas uma guerra internacional e oficialmente reconhecida — a desastrosa Guerra do Paraguai, que durou de 1865 a 1870, consumindo vidas e os cofres do Império —, não foram poucos os motins, revoltas e levantes protagonizados por vários setores da população. Lutar pela liberdade e pelo direito a ter direitos foi sempre um sonho bom de sonhar, e não poucas vezes os brasileiros saíram às ruas, nas vilas e mesmo nas matas para defender o que era “seu” e o que fazia parte do “bem comum”.

Em segundo lugar, vale lembrar que, diferentemente do que diz a ladainha, e como escrevemos no livro, “história não é conta de somar”. Isto é, não é disciplina que acumula datas e eventos de forma mecânica. História é antes problema; são questões que fazemos ao passado. Não se volta ao passado sem pressupostos, e o presente anda cheio de passado.

Gostaríamos de lembrar um terceiro aspecto: sempre se deu à historiografia a falsa imagem de uma ciência que anota e estuda apenas a mudança. Assim, junto com a ideia da cronologia — de um saber que se organiza a partir da su-cessão em série de fatos e eventos —, nos acostumamos a pensar em história como “alteração”. Pois história é sim mudança, mas também continuidade. Ou melhor, é mudança na continuidade, sendo o oposto também verdadeiro.

Por isso mesmo, no livro que serve de base para o caderno que você tem em mãos, a despeito de seguirmos uma certa ordem cronológica — em que se suce-dem um período longo (muito anterior à chegada dos portugueses) e depois os tempos de colônia e de Reino Unido, o Primeiro Reinado, o Segundo Reinado, a Primeira República, o Estado Novo, o período da democracia de massas e do

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nacional-desenvolvimentismo, a ditadura militar, a redemocratização e o novo Estado de direitos inaugurado pela Constituição Cidadã de 1988 —, sempre in-terpolamos problemas para indagar os fatos e temas que se repetem de forma insistente na nossa agenda de mais de cinco séculos. Também recuperamos te-mas que — teimosamente — regressam. São eles: a questão racial e a violência, que já comentamos aqui, mas também o patrimonialismo — o entendimento de que o Estado é um bem pessoal, patrimônio de quem tenha poder — e o bovarismo — um mecanismo muito singular de evasão no imaginário, que nos permite recusar o país real e imaginar um Brasil diferente do que é —, além da persistência das esferas privadas em detrimento do espaço público. Por isso, não poucas vezes desconfiamos das instituições, do Estado, dos partidos e dos nossos representantes.

Fica combinado, então, que história não é um projeto evolutivo e previsível. Ela é feita de idas e voltas, avanços e recuos, acertos e contradições. Por isso, fa-zer o retrato de um país pode ser também definir um personagem. Um perfilado complexo, de difícil doma e que comporta os grandes tipos, os homens públicos, as celebridades; mas onde da mesma forma estão contidas figuras miúdas, quase anônimas — e as intervenções que protagonizaram no mundo público da sua época com os recursos de que dispunham —, e que no nosso livro ocupam lugar de estrelas. Estrelas no firmamento da nossa história, sempre um campo aberto de possibilidades, que, se não é infindo, é mesmo muito, mas muito variado.

Este caderno é organizado pelos capítulos do livro, de maneira que você ex-plore ao máximo temas, autores, canções, poemas, documentos, personagens e telas presentes nessa biografia do Brasil. Nessa tarefa, contamos com a ajuda de dois professores — Diego Escanhuela e Sebastião Soares —, os quais trouxeram a experiência de sala de aula e das escolas de ensino fundamental e médio. Da mesma forma, com o trabalho de Érico Melo, que foi nosso “checador” durante a realização do livro Brasil: Uma biografia e agora nos auxiliou na redação dos resumos dos capítulos.

Trabalhamos também com os conceitos que utilizamos no livro. Ao final, você encontrará uma relação dos principais assuntos teóricos que nos mobi-lizaram e que, esperamos, incendiarão a imaginação de todos, de modo que reconsideraremos e questionaremos o cotidiano, indagaremos o presente e re-fletiremos sobre o futuro.

Sabemos bem que cada um dos que nos acompanham aqui tem suas próprias opiniões sobre esse biografado, que, como nós, tem seus acertos, mas também erros; que às vezes avança e em outros momentos recua; que nos orgulha e en-tristece; que é ético, mas também se contradiz. Como sempre dizemos, o Brasil não cabe numa história, mas bem merece uma, e esperamos que das boas.

heloisa e lilia

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RESUMOS E ATIVIDADES PROPOSTAS

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12 • CADERNO DE ATIVIDADES

Quem foram os ameríndios que povoaram o Brasil quando ele ainda não se chamava assim? Por outro lado, quem foram os tripulantes da frota de nove naus e três caravelas que nos “descobriram” em 1500? O primeiro capí-tulo do livro aborda essas duas questões fundamentais sobre a gênese colo-nial do país.

Cinco séculos atrás, a região atlântica do Brasil era dominada pelos povos Tupi-Guarani. Nos sertões desconhecidos de floresta, caatinga e cerrado, ha-bitavam os Tapuia — nome pejorativo dado pelos índios da costa aos prove-nientes do interior, e adotado pelos portugueses. Tupi ou Tapuia, a invasão europeia foi uma catástrofe de terríveis proporções aos nativos da Terra de Santa Cruz. Os contatos amigáveis iniciais entre brancos e índios logo se converteram em guerras de ocupação e resistência. Coletores, caçadores e agricultores, não raro antropófagos, os povos indígenas foram obrigados a abandonar suas crenças e costumes milenares e a trabalhar como escravos, tudo ao alcance da colonização. As únicas alternativas eram a morte ou a fuga para o sertão. Começava o genocídio que reduziu os vários milhões de índios da era pré-cabralina aos atuais 800 mil, por fome, doenças e extermí-nios físicos e culturais diversos.

Quando aportaram por estas bandas, os portugueses protagonistas dessa história de conquista violenta viviam em outros tempos e praticavam uma ciência diferente. Embora a náutica lusitana fosse a mais avançada no seu

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contexto, ainda se acreditava na existência de monstros marinhos e seres mi-tológicos como as amazonas e os centauros. Os colonizadores oficiais eram súditos fiéis a serviço da glória do rei e católicos que obedeciam ao papa: fidalgos, navegadores e exploradores profissionais, padres e comerciantes (muitos dos quais judeus e cristãos-novos). Mas também condenados, fugiti-

1.1. “América”, gravura colorida à mão reproduzida no Grande Atlas de Johannes Blaeu, 1662.*

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* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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vos, perseguidos e aventureiros de várias extrações para cá foram exilados ou vieram tentar uma vida melhor. As visões desses primeiros europeus sobre a Terra de Santa Cruz, sua natureza e suas gentes se alternavam entre o fascí-nio e o horror, o paraíso e o inferno. Os nomes também se alteraram: Terra de Santa Cruz, em homenagem à primeira missa realizada no local, era o ter-mo selecionado pela Igreja; já Brasil — que vinha da rica madeira com seiva vermelha, além de se associar ao diabo — era o preferido dos comerciantes. Ganhou, ao menos nessa circunstância, o nome do mercado.

Nas primeiras décadas do século xvi, a empresa colonial na América do Sul, subcontinente partilhado com a Coroa espanhola através do Tratado de Tordesilhas (1494), ainda não recebia muita atenção do Estado português — mais interessado nos lucros fáceis do comércio oriental de especiarias. Portu-gal se dedicava nestas paragens sobretudo à extração costeira de pau-brasil, madeira de extrato corante que originou seu nome definitivo ao futuro país. No âmbito administrativo, em 1534, a porção lusa da América do Sul foi di-vidida em capitanias hereditárias vagamente demarcadas a partir do litoral e concedidas a membros da nobreza, que ficaram responsáveis por sua explo-ração econômica em regime de monopólio.

14 • CADERNO DE ATIVIDADES

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Com base na leitura do início do subcapítulo “Das vicissitudes de um mundo novo, novo” (pp. 21-33), proponha aos alunos as seguintes atividades de caráter transdisciplinar:

a. Considerando a atualidade, pesquisar de que modo as nações mais ricas conseguem se expandir economicamente. Em seguida, fazer uma comparação entre os processos atuais de expansão do comércio internacional e aqueles realizados por Portugal no sé-culo xvi;b. A partir da leitura e da pesquisa, discutir em grupo a seguinte questão: o Brasil teria condições de se expandir comercialmente no atual cenário econômico internacional?; c. Para concluir a discussão, elaborar, em dupla, um texto dissertativo com o título “O Brasil sofre de um ‘mal de Sísifo’?”.

2. Realize a leitura compartilhada e comentada do subcapítulo “Paraíso ou inferno: a na-tureza e os naturais nos relatos seiscentistas” (pp. 33-40) e analise, com os alunos, as imagens a seguir (imagens 8, 10 e 11 do livro). Depois, proponha a realização de uma exposição artística sobre os povos indígenas do Brasil contemporâneo, que tenha como tema central o combate ao preconceito contra os índios. Para isso, os alunos precisam se dividir em grupos. Na preparação da exposição, cada grupo deve obedecer aos se-guintes passos:

1.2. Imagem do Novo Mundo, xilogravura aquarelada à mão de Johann Froschauer, c. 1505, publicada em Mundus Novus, de Américo Vespúcio.

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a. Pesquisar uma etnia indígena na atualidade;b. Elaborar um trabalho artístico (técnica livre) que represente dois aspectos previa-mente discutidos com os(as) professores(as) de história e sociologia:

• o preconceito a partir da visão negativa dos europeus no encontro com os indígenas no século xvi;

1.3. Gravura retirada do livro Duas viagens ao

Brasil, de Hans Staden, publicado por Andres

Colben, Marburgo, 1557.

1.4. Mulheres e crianças da tribo tomam mingau

feito com as tripas do prisioneiro sacrifi cado,

Théodore de Bry, 1592.

16 • CADERNO DE ATIVIDADES

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• a visão que os povos indígenas têm de si mesmos na atualidade, a partir da pes-quisa realizada.

c. Transmitir, no trabalho artístico elaborado, uma mensagem de combate ao precon-ceito contra os indígenas.

3. Solicite aos alunos a produção de um artigo de opinião em que reflitam sobre as várias maneiras como os povos indígenas nativos do Brasil foram dizimados durante o século xvi e as condições de vida das populações indígenas nos dias de hoje. Para embasar a atividade, os alunos devem:

a. Ler o subcapítulo “Uma parcela da humanidade a ser catequizada ou escravizada” (pp. 40-3) e analisar a imagem 1.1. (imagem 13 do livro);b. Ouvir e analisar a canção “Promessas do sol”, de Fernando Brant e Milton Nascimento;c. Pesquisar o conceito de etnocídio.

Os textos produzidos deverão ser lidos nas diversas turmas e expostos nos corredores da escola.

4. Solicite aos alunos, distribuídos em grupos, uma pesquisa sobre os antropólogos citados na parte “Muito antes de Cabral” (pp. 43-9), cujo trabalho foi realizado com os povos indígenas sul-americanos. Cada grupo deverá pesquisar a obra de um deles:

a. Curt Nimuendajú;b. Claude Lévi-Strauss;c. Eduardo Viveiros de Castro;d. Philippe Descola;e. Davi Kopenawa e Bruce Albert.

Em seguida, forme uma roda para apresentação das pesquisas pelos grupos e proponha uma discussão sobre a contribuição da antropologia para a compreensão do que é ser índio.

5. Solicite aos alunos a leitura do excerto abaixo (pp. 47-8):

Os bandeirantes ficaram tão conhecidos na historiografia nacional que sua imagem, devidamente alterada, seria usada pelos paulistas, no começo do século xx, como um símbolo do “espírito aventureiro e intrépido da região”. Seriam exaltadas, então, só suas benesses, e eles, descritos como destemidos exploradores do “perigoso sertão” e de suas riquezas minerais. Já a violência inerente à atividade, bem como a empre-sa de aprisionamento de indígenas, permaneceria esquecida. O fato é que o círculo vicioso montado nos idos dos séculos xvi e xvii era dos mais perversos: a escassez de mão de obra nativa levava à intensificação e interiorização de expedições, que

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faziam novos escravos e expunham as populações indígenas a grande mortandade, por conta tanto das armas como das epidemias.

Em seguida, peça a eles que realizem as seguintes atividades:

a. Pesquisar quem foram os principais bandeirantes e apresentar os dados biográficos de cada um deles;b. Descobrir se na cidade e/ou no estado onde moram há ruas, avenidas e monumentos que homenageiam esses personagens históricos;c. Verificar em que momento histórico essas homenagens foram feitas e se houve men-ção à violência contra os indígenas.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

1.1. A descoberta do Novo Mundo de fato inundou o imaginário europeu, dividido entre o éden e o inferno. Como os nativos americanos não legaram registros impressos, as representações a que temos acesso são europeias, pautadas por convenções ocidentais. Lugar para a projeção alheia, a América concentrou estereótipos de indígenas decaídos, mas também edenizados, e tendeu a misturar tudo: alegorias clássicas, animais fantásticos e indígenas escravizados.

1.2. A América pré-cabralina era habitada por uma enorme variedade de grupos indígenas, que se distinguiam sobretudo pelos troncos linguísticos e por suas culturas. Mas os europeus transformaram o diferente em “falta”. Exemplo disso foram as representações visuais da época. Num momento em que era melhor “ouvir dizer do que ver”, vingou a imaginação, com os índios apresentados como guerreiros e bárbaros devoradores de humanos. Ao fundo, naves portuguesas vêm trazendo a “civilização” europeia.

1.3. Durante dez longos meses, Hans Staden permaneceu como refém numa aldeia tupinambá. Lá, dedicou-se a não ser comido e a compreender o significado cultural dos rituais antropofágicos. A ilustração destaca a bravura dos prisioneiros que tanto impressionou o viajante. Antes de ser morto, o corajoso guerreiro, digno de ser devorado, insultava seus algozes e gritava que seria vingado pelos membros de sua tribo. Esse era o princípio da antropofagia, que, mais que um costume alimentar, constituía uma prática ritual de troca entre iguais.

1.4. Théodore de Bry — um ourives, gravurista e propagandista huguenote que jamais pisou na América — transformou-se no mais famoso gravurista de sua época. Especializado em retratar, com muita imaginação, os costumes das terras distantes, ilustrou o volume escrito por Jean de Léry sobre o Brasil. Porém, diferentemente do viajante, destacou o canibalismo das populações dessas terras figurando mulheres gulosas, a lamber os dedos. Representou-as como as bruxas da convenção pictórica ocidental — por vezes velhas de peitos caídos, por vezes moças luxuriosas que lideravam o ritual. A imagem lembra um banquete, mas as analogias vinculavam a prática ao inferno.

18 • CADERNO DE ATIVIDADES

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2. TÃO DOCE COMO AMARGA: A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR

A história da gênese colonial do Brasil continua com o ciclo econômico do açúcar. Depois do pau-brasil, a sacarose de cana, mercadoria de luxo muito valiosa no século xvi, constituiu durante quase duzentos anos o principal produto de exportação da América portuguesa.

O tráfico asiático de especiarias já não era tão lucrativo. Para efetivar a ocupação territorial da colônia brasileira, os portugueses implantaram em sua região costeira um novo sistema de produção e acumulação mercanti-lista, sobretudo nos atuais estados das regiões Nordeste e Sudeste. Vilas e cidades, fortalezas, portos e entrepostos brotaram em torno de engenhos e plantações movidos a trabalho escravo. Embora já experimentada nas ilhas portuguesas do Atlântico, a manufatura açucareira aqui adquiriu proporções e características inéditas.

A importação de africanos para substituir a mão de obra indígena se ini-ciou no final do século xvi. Se a escravização de índios enfrentava forte opo-sição dos jesuítas — a poderosa ordem religiosa encarregada da catequese da colônia na década de 1540 —, o comércio negreiro se revelou tão lucrativo quanto o do açúcar. Começava a grande catástrofe humana da deportação massiva de cativos para o Brasil, que até 1850 vitimou quase 5 milhões de africanos. Criava-se também a clivagem entre casa-grande e senzala: mundos divididos que correspondiam a sociedades também em parte muito divididas.

Paraíso para os senhores de engenho, inferno para os índios e negros, o

TÃO DOCE COMO AMARGA: A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR • 19

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20 • CADERNO DE ATIVIDADES

Brasil e suas riquezas eram objeto de cobiça para outras nações europeias. Além do interlúdio de oitenta anos durante os quais Portugal e sua colônia americana foram governados pela Espanha (1580-1640), holandeses e france-ses também deixaram sua marca por aqui. Episódios como a França Antár-tica (1555-60) e a ocupação holandesa das capitanias do Nordeste (1630-54), sediada em Pernambuco, demonstraram que o domínio lusitano não era in-questionável. Piratas de diversas nacionalidades também fizeram incursões na costa brasileira até o século xviii.

2.1a. Mulher tapuia, óleo sobre tela de Albert Eckhout, 1641.

2.1b. Homem tapuia, óleo sobre tela de Albert Eckhout, 1641.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Em “O açúcar chega ao Brasil” (pp. 53-6), é apresentado o processo de introdução e dispersão do açúcar no Brasil, bem como as motivações geográficas e mercantilistas que o engendraram. Solicite aos alunos — depois de dividir a turma em cinco grupos — a leitura integral do subcapítulo e a elaboração de mapas ilustrativos desse processo. Cada mapa deverá abordar um dos seguintes aspectos: núcleos produtivos (engenhos); mão de obra; qualidades morfoclimáticas; quantidades de produção; presenças estrangeiras.

2. A partir da leitura do subcapítulo “‘Outro Brasil’, francês e holandês” (pp. 56-63) e considerando os conteúdos desenvolvidos acerca das presenças francesa e holandesa no Brasil, converse com os alunos sobre o conceito de “colonização” e, depois disso, sugira que discorram sobre alianças e apoios aos portugueses e invasores.

Em seguida, peça que analisem as imagens abaixo (imagens 23 e 25 do livro) e elabo-rem dois textos dissertativos: o primeiro deve relacionar o conceito de colonização com a imagem 2.2.; o segundo, o conceito de “nação brasileira surgida a partir da mistura racial” com a imagem 2.3.

TÃO DOCE COMO AMARGA: A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR • 21

2.2. Gravuras de Relation d’un voyage: Fait en 1695, 1696 & 1697, aux Côtes d’Afrique, Détroit de Magellan, Brezil, Cayenne & Isles Antilles, par une Escadre des Vaisseaux du Roy, commandée par M. de Gennes, de Froger, 1698.

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3. Indique aos alunos que leiam o subcapítulo “Na terra do trabalho forçado” (pp. 63-7) e analisem a imagem 2.4. (imagem 20 do livro). Em seguida, promova a audição das canções “Negro drama”, dos Racionais mc’s, e “Sucrilhos”, de Criolo. Com base na lei-tura, na análise da imagem e das canções, proponha uma discussão sobre as relações inter-raciais, nos dias de hoje, na região onde vivem.Algumas sugestões de abordagens transdisciplinares (as disciplinas envolvidas estão indicadas entre parênteses):

a. A importância do hip-hop como linguagem cultural das ruas, originária de um lugar social tradicionalmente ignorado ou desprezado, que alcançou visibilidade na cena pú-blica brasileira (artes, língua portuguesa, música, sociologia);b. Trabalho escravo, libertação e miséria (geografia, matemática, sociologia);c. Cotas raciais versus cotas sociais (biologia, filosofia, geografia, matemática, sociologia);d. As formas de representação do negro na cultura brasileira (artes, filosofia, língua portuguesa, sociologia);e. As relações centro-periferia e entre brancos e negros no Brasil (filosofia, geografia, sociologia).

4. A consolidação da chamada sociedade açucareira no Brasil estruturou-se baseada em distintas conformações políticas, econômicas, sociais e culturais, organizadas a partir dos interesses da metrópole portuguesa, conforme exposto em “Uma nova lógica do açúcar” (pp. 67-72). Assim, foram criados padrões de sociabilidade e valores hierárqui-cos que, de certa forma, sobreviveram ao tempo, ecoando e se mantendo na atualidade.

22 • CADERNO DE ATIVIDADES

2.3. Batalha dos Guararapes, óleo sobre tela de autor desconhecido, 1758.

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Desafie os alunos a pesquisar notícias em jornais e periódicos recentes que comprovem a permanência, ainda hoje, de padrões e valores baseados em privilégios. Oriente a montagem de um painel na sala de aula com o título “Quem manda e quem obedece no Brasil de ontem e no Brasil de hoje”, para refletir sobre o que nos torna uma sociedade que ainda apresenta índices determinantes para estarmos entre os países campeões de desigualdade social.

5. Os engenhos foram espaços sociais muito importantes ao longo da história do Brasil. Dada tal relevância, peça aos alunos que se dividam em grupos e realizem as seguintes atividades:

a. Construir uma planta ou maquete de um engenho partindo das descrições feitas no capítulo 2; b. Pesquisar se existem plantas ou imagens de engenhos antigos e compará-las com a construída pelo grupo;c. Averiguar se existem ou se existiram engenhos na região onde vivem e se a tecnologia utilizada para o processamento da cana-de-açúcar mudou muito. Usar a imagem 2.4. (imagem 20 do livro) como referência;d. Na famosa obra Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre mostra como, no universo do engenho, havia um equilíbrio tênue e violento entre senhores e escravos. Analisar como o capítulo explora as gradações de cores (de branco até preto) para a classificação das pessoas e dos produtos dentro da unidade produtiva que é o engenho.

2.4. Pressoir à sucre au Brésil, nanquim sobre lápis de Frans Post, c. 1637-44.

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24 • CADERNO DE ATIVIDADES

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

2.1a. e 2.1b. Albert Eckhout (1618-66) esteve na capitania de Pernambuco durante o domínio holandês e especializou-se em registrar o território, a natureza e os nativos locais. As ilustrações do artista devolvem também as visões de época, uma vez que Eckhout oferecia à sua clientela o que ela desejava ver: as práticas exóticas daquelas gentes. Na imagem da mulher tapuia, o pintor holandês incluiu a mão e o pé de um inimigo morto, numa clara alusão ao canibalismo e à curiosidade mórbida que cercava tal prática — a qual, aliás, Eckhout não verificou in loco. Este casal pertence a uma série que compreende outros grupos: “Brasilianen”, “Tapuya”, africanos, mulatos e mamelucos.

2.4. Grande parte dos escravizados que aqui desembarcaram durante os séculos xvi e xvii foi destinada à produção açucareira. Uma vez no engenho, seu trabalho seria exaustivo. O caldo da cana era extraído nas moendas e cozido em tachos de cobre. Em seguida, era purgado em fôrmas cônicas de barro — os “pães de açúcar” —, onde o açúcar se depositava. Depois de secos, os açúcares — branco e mascavo — estavam prontos para o comércio. Neste desenho do século xvii, um pequeno senhor, com seu chapéu e roupas a distingui-lo, inspeciona os serviços, e a bananeira, no canto inferior à dir., parece simbolizar que estamos decididamente nos trópicos.

2.2. Parte importante da história do tráfico de escravos transcorria já na costa africana: nações inteiras, muitas vezes em guerra, eram aprisionadas e comercializadas. Ainda nesse contexto, idealizaram-se verdadeiros manuais para “padronizar” as regras de comércio e ensinar uma série de castigos cujo objetivo era incutir o medo e a obediência dentro do sistema escravocrata. Neste raro documento do século xvii vemos como eram rotinizadas as regras do “bem submeter”.

2.3. As tropas holandesas e luso-brasileiras enfrentaram-se nos montes Guararapes em 1648 e em 1649. Nas duas ocasiões, as bem treinadas forças da Holanda foram derrotadas por uma milícia local formada por índios, negros e brancos da colônia portuguesa. As batalhas travadas nos Guararapes são consideradas decisivas para a expulsão dos holandeses, que ainda levaria cinco anos para se concretizar. Os henriques (ou milícias negras) — uma tropa composta de escravos e forros, representada à esq. da tela, em primeiro plano — tiveram grande destaque nos confrontos. A bravura dos soldados rendeu ao seu comandante, Henrique Dias, ele próprio filho de negros libertos, uma condecoração da Ordem de Cristo e o título de “governador dos crioulos, negros e mulatos”.

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3.TOMA LÁ DÁ CÁ: O SISTEMA ESCRAVOCRATA E A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

A África é o berço da espécie humana e de culturas milenares e sofistica-das; já para os colonizadores, era apenas sinônimo de “escravos e lucro”.

O capítulo 3 se debruça sobre o sistema escravocrata no Brasil a partir dos seus fatores geográficos, históricos, econômicos e culturais. O regime de extrema crueldade que sempre caracterizou a escravização dos africanos pe-los europeus começava com o aprisionamento massivo no interior do “con-tinente negro”, em geral por meio de guerras ou emboscadas. Conduzidos com brutalidade até os portos da costa do Atlântico ou do Índico, os africanos sequestrados eram empilhados em porões de navios infectos e transportados até portos como os do Rio de Janeiro, de Salvador e de Recife. Na chegada, os sobreviventes, agora transformados em mercadorias, passavam por uma triagem cuidadosa e, em geral, eram afastados de conhecidos e familiares, e depois vendidos e destinados a tarefas agrícolas ou domésticas. Ao longo do processo, as muitas vidas que se perdiam pouco empanavam os ganhos astronômicos dos comerciantes de carne humana, entre os quais ingleses, holandeses, franceses e espanhóis, além dos luso-brasileiros.

A expectativa de vida de um escravo do campo, ou dos engenhos, recém--chegado ao Brasil não passava de dez anos, tais eram a inclemência do trato dispensado pelos senhores e a fadiga da labuta incessante. Uma vez que a taxa de reprodução dos cativos nem de longe compensava a de mortalidade, o tráfico negreiro precisava assegurar um fluxo constante de braços da África

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para a América, renovando a lucratividade desse infame comércio ligado nos seus primórdios à economia açucareira.

Havia grande diversidade étnica, linguística e religiosa entre os africanos deportados para o Brasil, sobretudo dos atuais Benin, Angola e Moçambique. Com frequência mais instruídos que os brancos (muitos escravizados mu-çulmanos da África Ocidental, por exemplo, eram mais alfabetizados que a média dos portugueses), é lógico que os africanos não aceitaram de maneira passiva a catástrofe da escravidão. Há uma importante seção do capítulo 3 à história da resistência escrava no Brasil, com destaque para a longa e fasci-nante trajetória do Quilombo dos Palmares — não se resumindo a esse caso. O texto propõe que a miscigenação forçada dos negros com os índios e os brancos, que deflagrou a atual diversidade cultural do país, por um lado foi um processo desde a origem marcado pela violência e o arbítrio e, por outro, matizado pelas ambiguidades da assimilação.

3.1. Gravuras de Relation d’un voyage: Fait en 1695, 1696 & 1697, aux Côtes d’Afrique, Détroit de Magellan, Brezil, Cayenne & Isles Antilles, par une Escadre des Vaisseaux du Roy, commandée par M. de Gennes, de Froger, 1698.*

* A legenda interpretativa das autoras está no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Na parte inicial do capítulo 3, “O tráfico de viventes” (pp. 79-89), as autoras, depois de descreverem as formas de escravidão praticadas por diversos povos desde a Antigui-dade, apresentam como se dá o início da escravização de africanos pelos portugueses para o trabalho forçado na produção do açúcar. Depois da leitura desse conteúdo, pro-ponha aos alunos a apreciação do poema “Navio negreiro”, de Castro Alves, que pode ser feita em voz alta, de forma coletiva, na sala de aula. Reproduza para eles um vídeo com a locução de estrofes do poema feita pelo ator Paulo Autran; ou a versão musicada do próprio poema, criada pelo rapper paulista Slim Rimografia (disponível no YouTube). Em seguida, oriente uma roda de discussão a partir da seguinte pauta:

a. Quais sentimentos relacionados à escravidão o poema evoca?;b. Quais argumentos, dentro da lógica mercantil vigente à época (séculos xvi ao xix), sustentaram a prática do tráfico de escravos?;c. Quais argumentos poderiam ser levantados pelos cativos contra o tráfico de escravos?;d. É possível encontrar formas semelhantes àquelas da escravidão mercantilista na atualidade?; e. “O navio negreiro”, de Castro Alves, serviu de inspiração para muitos escritores e ar-tistas, que refletiram sobre as profundas consequências da escravidão no Brasil, as quais chegam aos dias de hoje. Esse diálogo aparece, por exemplo, na memorialística politi-zada de Jorge Mautner, no seu poema “Negros Blues”. Ou nos camburões racistas das cidades brasileiras em guerra, cantado pelo reggae-rap “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, do Rappa. Ou ainda, em “Camburão, realidade cruel”, do Epidemia, e no “Navio negreiro de Angola”, do Consciência Humana. Com base nesse diálogo, inci-te os alunos a criarem um poema ou canção que remeta aos versos do poema de Castro Alves, tematizando a realidade atual dos descendentes de africanos escravizados;f. Combine com os grupos para que produzam material audiovisual a partir dos poemas que elaboraram.

2. Depois da leitura da parte “O tráfico de viventes” (pp. 79-89), enfatize a importância dada ao candomblé como manifestação religiosa brasileira. Oriente uma roda de discus-são em que os alunos possam debater seus conhecimentos prévios acerca do candomblé. Em seguida, proponha aos alunos que pesquisem cada um dos orixás e suas mitologias. Nessa investigação, peça também que busquem informações sobre batuques e músicas vinculadas ao culto dos orixás e que analisem em que medida esse gênero musical também constituiu um importante legado cultural.Para finalizar o trabalho, proponha uma apresentação do trabalho realizado, no qual os alunos representem os orixás de forma artística (por meio da pintura, escultura, encena-ção, leitura de poemas, música, dança etc.). Defina com os alunos se a tarefa será feita individualmente ou em grupo e, se possível, exiba as produções do grupo para outras turmas da escola.

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O livro Mitologia dos orixás, de Reginaldo Prandi (Companhia das Letras, 2000), pode ser usado como referência para esta atividade.

3. Depois da leitura da parte “Escravidão é sinônimo de violência” (pp. 91-7), discuta as formas de violência do passado, durante o regime escravocrata, e sua permanência na nossa contemporaneidade. Em seguida, solicite a execução de pesquisas que apresen-tem novos dados acerca das práticas de discriminação social no país. Por fim, elabore coletivamente uma exposição na escola a partir do seguinte tema: “Escravidão e racis-mo: os diferentes lados de uma mesma moeda chamada violência no Brasil”.Sugestão de material de apoio: Artigo: “O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva”, de Bruno Zeni (disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100020>; acesso em: 30 out. 2015).Livros: Nem preto nem branco, muito pelo contrário: Cor e raça na sociabilidade brasi-leira, de Lilia Moritz Schwarcz (Claro Enigma, 2013); Racismo no Brasil, de Lilia Moritz Schwarcz (Publifolha, 2001).Filmes: Quanto vale ou é por quilo, direção de Sérgio Bianchi; Que horas ela volta?, direção de Anna Muylaert.Canção: “A carne”, de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Capellete, na interpretação de Elza Soares.

4. Discuta os conteúdos dos subcapítulos “Toma lá dá cá: rebeliões, insurreições e movi-mentos escravos” (pp. 97-100) e “Palmares: a rebeldia dos quilombos” (pp. 100-3). Terminada a leitura, sugira aos alunos pesquisas sobre os movimentos de resistência atuais, como a luta pela demarcação de terras de quilombolas. Oriente a preparação de seminários sobre o papel dos quilombos no passado e na atualidade.Sites sugeridos para pesquisas:Centro de Estudos Afro-asiáticos: <www.ucam.edu.br/index.php/centro-de-estudos--afroasiaticos>Conselho Estadual dos Direitos do Negro: <www.cedine.rj.gov.br>Fundação Cultural Palmares: <www.palmares.gov.br>Página do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) destinada às comunidades quilombolas: <www.incra.gov.br/estrutura-fundiaria/quilombolas>Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial: <www.seppir.gov.br>

5. Depois da leitura do subcapítulo “As muitas modalidades da luta de resistência” (pp. 103-6), anime a elaboração de textos do gênero “manifesto”, na primeira pessoa do plu-ral, cujo objetivo será elevar a autoestima das populações negras no Brasil por meio da valorização do histórico de suas lutas de resistência contra a escravidão no passado, bem como contra o racismo presente na nossa atualidade. Como inspiração para os alunos, lá vai uma dica: pesquisar sobre os movimentos negros existentes na sua região e em todo o Brasil. Peça ainda que entrevistem militantes e personalidades negras brasileiras.

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6. Vale a pena chamar a atenção para o risco do estereótipo. Há uma tendência, sobre-tudo nos livros didáticos, de se apresentar o africano no Brasil ora como escravo oprimido, ora como quilombola rebelde ou uma mão de obra submetida a todo o tipo de exploração. Mas é hora de abordar uma terceira ponta das nossas raízes: o papel do africano, as culturas vindas da África e a contribuição dessas nações — banto, fon, ioruba, congo — ao Brasil. As culturas da África trazem uma bagagem intelectual que é, ainda hoje, pouco percebida e, ademais, apreciada entre nós. Peça aos alunos uma pesquisa sobre o papel do africano em um dos temas abaixo:

a. Técnicas de mineração;b. Desenvolvimento da criação extensiva de gado;c. Grandes artesãos, artífices e profissionais negros nos séculos xviii e xix;d. Religiões e culturas até hoje vivas e dinâmicas no Brasil;e. Ritmos, cores e aromas.

LEGENDA INTERPRETATIVA DAS AUTORAS

3.1. Parte importante da história do tráfico de escravos transcorria já na costa africana: nações inteiras, muitas vezes em guerra, eram aprisionadas e comercializadas. Ainda nesse contexto, idealizaram-se verdadeiros manuais para “padronizar” as regras de comércio e ensinar uma série de castigos cujo objetivo era incutir o medo e a obediência dentro do sistema escravocrata. Neste raro documento do século xvii, vemos como eram rotinizadas as regras do “bem submeter”.

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4. É OURO!

No final do século xvii, bandeirantes paulistas descobriram jazidas de ouro no centro-sul do atual estado de Minas Gerais. Esses verdadeiros apre-sadores de índios, pioneiros das “entradas” de desbravamento dos sertões de norte a sul da colônia, protagonizaram uma espécie de “segunda descoberta” do Brasil.

Os boatos sobre a existência de minérios valiosos no interior desconhe-cido, que circulavam desde os primeiros tempos da presença portuguesa na América, enfim se tornaram realidade. Até então concentrados na região lito-rânea, os colonizadores acorreram aos milhares para o “sertão dos Cataguás”, onde hoje se localizam as cidades de Ouro Preto (Vila Rica), Mariana e Sabará. O Caminho Velho, a partir de São Paulo, e o Caminho Novo, com acesso pelo Rio de Janeiro, eram as principais vias de abastecimento da zona mineradora e de escoamento da produção aurífera. A partir da década de 1720, a região de Diamantina com suas pedras preciosas também entrou nesse rol.

O ciclo do ouro transformou profundamente a América portuguesa. A ca-pital da colônia, que antes era Salvador na época açucareira, foi transferida em 1763 para o Rio de Janeiro, importante porto de exportação das riquezas minerais para a metrópole. A instalação de uma sociedade urbana na região mineradora ocasionou um passo decisivo na ocupação territorial do sertão. Ajudada pela descoberta do Caminho da Bahia através do vale do rio São Francisco até as Minas Gerais, a expansão de atividades pecuárias e agríco-

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4.1. Nossa Senhora do Rosário, autor desconhecido, séc. XVIII.*

las para o abastecimento das vilas e arraiais mineiros se disseminou para o interior profundo, inclusive nas lonjuras de Goiás e do Mato Grosso, onde também muito ouro foi encontrado.

O regime de trabalho nas minas e na produção de víveres era o mesmo já consagrado nas plantações e engenhos de cana-de-açúcar — a escravidão. A

* A legenda interpretativa das autoras está no final deste capítulo.

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capitania de Minas Gerais, desmembrada da de São Paulo em 1720, logo se tornou o principal destinatário de trabalhadores cativos na colônia. Parale-lamente, numerosos mocambos e quilombos se formaram nas regiões mais inacessíveis das comarcas mineradoras, como resultado da intermitente re-sistência escrava. Foi um tempo de violência e grandeza, medo e delírio: for-tunas se faziam e desfaziam da noite para o dia, enquanto a fome flagelava a maioria dos colonos, e quadrilhas de salteadores aterrorizavam todos os caminhos do sertão. Igrejas suntuosas foram construídas com o talento de artistas como Aleijadinho e tantos outros — alguns até hoje anônimos —; e uma original e tardia forma de Barroco floresceu.

Ironicamente, a maior parte das riquezas da mineração não permaneceu em Portugal, sendo transferida para nações credoras da empresa colonial como a Inglaterra e a Holanda.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. A partir da leitura do subcapítulo “Sertão dos ‘Cataguás’” (pp. 107-12), é possível ob-servar a importância das bandeiras na descoberta do ouro nas regiões de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Estimule os alunos a realizarem pesquisas que lhes permitam compreender:

a. as razões, o desenvolvimento e o desfecho da Guerra dos Emboabas e seu significado político na época;b. a fundação das cidades de Cuiabá e Goiás relacionada à localização dos filões aurí-feros, com a participação dos paulistas.

2. A partir da leitura do subcapítulo “Minas do ouro que chamam Gerais” (pp. 112-23), peça aos alunos para elaborarem um texto dissertativo em que discutam semelhanças e diferenças entre o processo de migração elevado que se verificou nas regiões das Minas Gerais no início do século xviii e a atual entrada de imigrantes em algumas metrópoles brasileiras. Para tanto, indique a eles diferentes investigações e censos sobre as atuais migrações, orientados pelos(as) professores(as) de geografia e sociologia. Os textos de-verão obedecer aos parâmetros dados pelo(a) professor(a) de língua portuguesa.

3. Mecanismos de controle baseados em práticas de violência sistemática e organizada pelos administradores da região das Minas Gerais são apontados na parte denominada pelas autoras como: “Minas do ouro que chamam Gerais” (pp. 112-23). Cativos, liber-tos, quilombolas, estrangeiros, indígenas e homens livres sofreram as agruras impostas pelas condições naturais, além da intensa preocupação com o controle das extrações e do movimento da riqueza. Dialogue com os alunos para que eles pesquisem e reflitam sobre a tributação imposta pela Coroa e o destino do ouro tributado. Com base nessa reflexão, solicite a eles um texto dissertativo em que relacionem a criação de impostos com sua destinação no Brasil durante o ciclo aurífero e nos dias de hoje.

4. Na parte “Vila Rica do Ouro Preto” (pp. 123-8), as autoras citam a importância da obra Cartas chilenas (atribuída ao poeta árcade Tomás Antônio Gonzaga, com a possível par-ticipação de Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto) como manifestação contra os desmandos das autoridades locais sobre a população das regiões mineradoras urbaniza-das. Indique aos alunos a leitura dessa obra. Depois, divida a turma em treze grupos, de modo que cada um apresente uma das treze cartas que compõem a obra, relacionando o espírito de descontentamento da classe letrada com a administração metropolitana. Por fim, proponha que cada grupo elabore uma versão da carta direcionada à situação social e política contemporânea. Sempre que possível, indica-se a participação dos(as) professores(as) de língua portuguesa e filosofia na condução da atividade.

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5. Leia com os alunos o trecho a seguir (p. 128):

O Barroco despertava os sentidos para o inatingível, para um mundo que não se vê; o ouro “sempre acaba, não é eterno”. Nas Minas, no fim do século xviii, o ouro e o Barroco andam juntos e misturados. Assim como misturados ficaram seus santos, mulatos de olhos orientais, como se o Barroco distinguisse e unisse diferentes pon-tos desse Império português que começava em Macau e terminava em Vila Rica ou vice-versa.

Considerando o excerto e a análise das imagens 29, 30, 32 e 34 do livro, faça com os alunos um exercício de comparação entre as manifestações do Barroco brasileiro e as do Barroco europeu. O desafio será entender as especificidades desse gênero no Brasil durante o século xviii. Com base neste exercício, ainda podem ser desenvolvidas com os alunos duas outras atividades:

a. Discutir o papel ativo e dinamizador das artes — a literatura, a poesia, a pintura, a es-cultura, a arquitetura —, tendo por base o movimento do Barroco mineiro e da Arcádia;b. A partir de pesquisa imagética, estabelecer paralelos entre as artes contemporâneas nacionais e as discussões políticas que vêm ocorrendo no Brasil na atualidade.

6. As marcas desse ciclo econômico permaneceram para sempre na paisagem mineira. Já nas últimas décadas do século xviii, o viajante sabia que havia chegado às Minas não mais porque a estrada estava por terminar, mas pelas distorções do cenário: a terra re-volvida e esburacada, os morros escalavrados, os ribeirões sujos, os matagais dilapida-dos. Convide os alunos a pesquisarem acerca das várias consequências da mineração no século xviii e nos dias de hoje. Discuta com eles o que significa o conceito de desastre ambiental e o que precisa ser feito para evitá-lo.

LEGENDA INTERPRETATIVA DAS AUTORAS

4.1. No auge da exploração aurífera nas Minas, era preciso encontrar artifícios cada vez mais eficientes para escapar ao controle severo da Coroa portuguesa. Um deles foi o “santo do pau oco”, famoso em todo o Brasil, sobretudo em Minas Gerais. Os contrabandistas usavam figuras religiosas, como esta Nossa Senhora do Rosário, para esconder o ouro e transportá-lo em segurança, driblando a vigilância do fisco. O contrabando não impedia, porém, o apuro e o requinte das peças que traziam o rebuscamento do Barroco tardio mineiro.

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5.REVOLTAS, CONJURAÇÕES, MOTINS E SEDIÇÕES NO PARAÍSO DOS TRÓPICOS

O projeto de dominação colonial do Brasil foi questionado inúmeras ve-zes, tanto pelas elites locais — desejosas de mais autonomia política e econô-mica em relação a Portugal —, como por negros livres — cativos ou recém--libertos, mestiços e indígenas —, maiores vítimas do inferno das lavouras, engenhos e minas.

A primeira revolta colonial importante de que se tem notícia foi a da Cachaça, deflagrada em 1660 no Rio de Janeiro. A dura repressão das auto-ridades portuguesas produziu aos levantes que se seguiram um padrão de violência, muitas vezes esquecido ou ignorado pelo mito difundido entre nós, o qual supõe que nossa formação nacional sempre tenha resultado num processo pacífico e ordeiro.

Bahia, Pernambuco, Maranhão, São Paulo: as capitanias mais importantes da colônia presenciaram ao longo dos séculos xvii e xviii cruentas irrupções de descontentamento. Os colonos se revoltaram por vários motivos: contra o rigor de uma política metropolitana que desconsiderava a realidade da colô-nia e lançava tributos intermináveis sem consulta; contra o abuso de poder por parte dos funcionários régios que atuavam na área colonial; contra a demora do rei na resolução dos processos de arbitragem sobre conflitos e problemas locais.

Mas essas revoltas, rebeliões, levantes e motins coloniais não chegaram a confrontar a Coroa portuguesa. Ao contrário: a linguagem dos rebeldes

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expressava estrita lealdade ao soberano, e sempre reafirmava a força simbó-lica da figura do rei. Nas três últimas décadas do século xviii, no entanto, a natureza das revoltas mudou. Os colonos transformaram a ambição de auto-nomia e o desejo de autogoverno num novo tipo de rebelião, ao qual deram o nome de conjuração: uma conspiração política em que os participantes estão dispostos a contestar o poder do rei e a autoridade da Coroa. Seus autores foram acusados por Lisboa de um novo tipo de crime: o de inconfidência, cometido pelo súdito que se torna infiel ao seu príncipe.

A Conjuração Mineira, em 1789, foi o mais relevante movimento antico-lonial da América portuguesa e pôs em dúvida o sistema colonial, adaptando para as Minas um projeto de poder de natureza republicana. Essa conjuração — às vezes nos esquecemos disso — também antecedeu a Revolução Francesa.

Vale também destacar a Conjuração Baiana, de 1798, conduzida, à dife-rença da Mineira, por homens pobres e mulatos que pretendiam expandir o atributo da igualdade política para toda a população livre de Salvador.

5.1. Batalha dos Guararapes, óleo sobre tela de autor desconhecido, 1758.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Depois da leitura das três primeiras partes do capítulo (pp. 129-38), indique aos alunos que respondam, por escrito, às seguintes questões:

a. Quais convergências políticas é possível perceber na Revolta da Cachaça e nos cha-mados motins ocorridos em Pernambuco, Sergipe, Maranhão e Bahia?; b. Quais as motivações e as consequências das chamadas Jornadas de Junho, ocorridas no Brasil em 2013? (Oriente os alunos a realizarem suas pesquisas com base nas infor-mações dos jornais e documentos da época.);c. É possível relacionar os movimentos mencionados no item a com aquele investigado no item b? Justificar a resposta;d. Considerando as repressões violentas contra indígenas e escravizados, durante os séculos xv ao xix; contra os movimentos políticos do século xvii; e contra manifestações recentes, você concordaria com a afirmativa de que somos um povo pacífico? Discutir essa afirmativa criticamente.

2. Peça aos alunos que leiam o subcapítulo “As Minas insolentes” (pp. 138-40). Depois da leitura, divida a turma em dois grupos de trabalho. Ambos deverão, através de pes-quisas, aprofundar o estudo sobre as revoltas ocorridas em Minas Gerais entre 1717 e 1736. Com a colaboração do(a) professor(a) de língua portuguesa, proponha aos grupos a produção de textos jornalísticos de sua escolha (notícia, reportagem, editorial, artigo de opinião). Um grupo deverá escrever seus ensaios com uma abordagem favorável à administração metropolitana; o outro, com um enfoque favorável aos revoltosos. Por fim, realize a leitura compartilhada dos textos e abra um debate com a turma acerca da importância da circulação de notícias no século xviii e da imprensa nos dias de hoje. Nessa discussão, seria interessante contar com a presença dos(as) professores(as) de artes, filosofia, geografia, sociologia e língua portuguesa.

3. No subcapítulo “Quando os vassalos se tornam infiéis ao rei” (pp. 140-1), as autoras apresentam e discutem a importância e a novidade (à época) da chamada Guerra dos Mascates (1710): as reivindicações dos sediciosos almejavam tornar Pernambuco in-dependente e chegavam até mesmo a propor uma república. Converse com os alunos acerca do conceito de república no século xviii. Na sequência, promova um debate sobre os princípios republicanos desejados no passado (século xviii) e aqueles vigentes na atualidade, a partir de questões como: Somos uma república de fato? Como pode ser definido o conceito de república? Quais as dificuldades em se efetivar o republicanismo no Brasil no passado e atualmente?

4. A revolta conhecida como Inconfidência ou Conjuração Mineira (1789) apresenta um conjunto de particularidades quando comparada às inúmeras revoltas que a antecede-

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ram em todo o país. Oriente a leitura do subcapítulo “Conjurações e inconfidências: Minas, 1789” (pp. 141-7), no sentido de perceber essas especificidades. Em seguida, proponha duas atividades analíticas e reflexivas:

a. Utilizando o conceito de violência como mote, discutir as formas de controle social praticadas pelas autoridades diante de manifestações de reivindicações de direitos no passado e no presente;

5.2. Visão de Tiradentes ou O sonho de liberdade, óleo sobre tela de Antônio Parreiras, 1926.

b. A partir da análise da imagem acima (imagem 38 do livro) e da sua respectiva le-genda, discutir a criação acelerada de heróis e de vilões na iconografia e na agenda histórica brasileira. A participação do(a) professor(a) de artes é bastante importante.Fica a sugestão de convidar os alunos a ler O romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.

5. Ouça com os alunos a canção “Nosso herói”, de Tavinho Moura e Fernando Brant. Discuta com eles o que é ser um herói e o que transforma uma pessoa em um. Depois disso, proponha aos alunos analisar quem seriam os heróis e os vilões da Conjuração Mineira e da Conjuração Baiana. Peça-lhes também para pesquisar no cancioneiro po-pular as canções que apresentam heróis da história do Brasil.

6. Em “Salvador, 1798” (pp. 147-50), aparece uma abordagem renovada do ciclo de re-voltas que ocorre na Bahia no fim do século xviii. Há também a importância da eficácia simbólica e do uso da religião como elemento de aglutinação e propaganda de ideais e ações de sedição. A partir da leitura dessa parte do livro, combine com os alunos a realização das seguintes atividades:

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a. Pesquisar imagens das indumentárias dos revolucionários franceses à época da Re-volução Francesa, a fim de se comparar as descrições oferecidas na parte lida com as imagens encontradas;b. Em seguida, avaliar o uso de elementos simbólicos (visuais e verbais) em movimen-tos reivindicatórios ao longo do século xx no Brasil e no exterior. Prestar atenção em símbolos, palavras de ordem, dísticos, cartazes e letras de músicas;c. Elaborar um projeto de reivindicações na escola em prol de um grupo da sociedade (indígenas, negros, população lgbt, imigrantes e migrantes, portadores de deficiências, mulheres, analfabetos etc.), criando panfletos com palavras de ordem e elementos vi-suais simbólicos (como os verificados na Conjuração Baiana) que reforcem a transmis-são das reivindicações e a arregimentação de aliados.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

5.1. As tropas holandesas e luso-brasileiras enfrentaram-se nos montes Guararapes em 1648 e em 1649. Nas duas ocasiões, as bem treinadas forças da Holanda foram derrotadas por uma milícia local formada por índios, negros e brancos da colônia portuguesa. As batalhas travadas nos Guararapes são consideradas decisivas para a expulsão dos holandeses, que ainda levaria cinco anos para se concretizar. Os henriques (ou milícias negras) — uma tropa composta de escravos e forros, representada à esq. da tela, em primeiro plano — tiveram grande destaque nos confrontos. A bravura dos soldados rendeu ao seu comandante, Henrique Dias, ele próprio filho de negros libertos, uma condecoração da Ordem de Cristo e o título de “governador dos crioulos, negros e mulatos”.

5.2. Tiradentes foi um herói sem face. A despeito de conhecermos sua importância durante a Conjuração Mineira, as imagens que guardamos dele foram todas imaginadas e produzidas a partir de fins do século xix. Por isso, foram elas que o converteram numa espécie de Cristo — a barba, o cabelo, as vestes —, mas igualmente em herói republicano, perseguido pela monarquia. O momento era outro, e o herói também. Nesta bela tela do artista acadêmico Antônio Parreiras (Niterói, 1860-1937), Tiradentes é imortalizado como herói da República.

REVOLTAS, CONJURAÇÕES, MOTINS E SEDIÇÕES NO PARAÍSO DOS TRÓPICOS • 39

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6. HOMENS À VISTA: UMA CORTE AO MAR

Animadas pela queda do Antigo Regime na França a partir de 1789, pela Revolução Americana e pela Revolução do Haiti, as revoltas anticoloniais do final do século xviii ao fim e ao cabo não lograram seus objetivos políticos últimos. Mas os ideais de liberdade estavam plantados. De todo modo, foi por outros caminhos que essas revoluções e seus desdobramentos histó-ricos contribuíram para minar os fundamentos do domínio português do Brasil. Em 1807, a França napoleônica controlava militar ou politicamente quase toda a Europa. Portugal, aliado histórico da arqui-inimiga dos france-ses — a Inglaterra —, era a bola da vez. Ameaçado pelo imperador francês e chantageado pelos ingleses, após desesperadas negociações com ambos os lados, o príncipe regente d. João (sua mãe, a rainha d. Maria i, fora declara-da mentalmente incapaz em 1792) ordenou a transferência de toda a corte portuguesa para a capital da colônia americana. Entre 10 e 15 mil pessoas — nobres, funcionários do reino e religiosos, suas famílias e criados — em-barcaram em novembro de 1807 para o Rio de Janeiro sob a escolta de uma esquadra inglesa. Dias depois, os franceses entraram em Lisboa. Para não deixar de existir, a monarquia dos Bragança preferiu, na última hora e com as tropas francesas chegando a Lisboa, abandonar seus súditos portugueses e fugir para a outra margem do Atlântico, fora do alcance das tropas napo-leônicas.

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A transferência da corte para o Brasil deflagrou um processo de liberali-zação dos laços coloniais que culminaria, em 1822, com a declaração de In-dependência pelo príncipe d. Pedro, herdeiro presuntivo do trono português.

6.1. S. M. El-Rei d. João VI de Portugal e toda a Família Real embarcando para o Brasil no cais de Belém, em 27 de novembro de 1807, autor desconhecido.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

HOMENS À VISTA: UMA CORTE AO MAR • 41

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Peça aos alunos para escreverem um texto sobre as relações entre os processos revolu-cionários na França e na América em fins do século xviii e a Independência do Brasil.

2. A ideia da transferência da família real portuguesa e sua corte ao Brasil não foi propos-ta apenas nos anos finais do século xviii e em função das pressões inglesa e francesa. Sabe-se que várias propostas vinham sendo feitas pelos assessores reais desde o sé-culo xvi, apresentando as vantagens da administração do Império português a partir da sua “tranquila” colônia tropical, na América. Considerando essa perspectiva, promova um debate entre os alunos a partir de duas posições dicotômicas: uma favorável à transferência da corte para o Brasil e outra contrária à vinda da família real. Para in-crementar a discussão, questões ligadas à geopolítica podem ser mobilizadas pelos(as) professores(as) de geografia e sociologia.

3. Com a colaboração do(a) professor(a) de artes, incite os alunos a observar as imagens 6.1., 6.2. e 6.3. (imagens 40, 41 e 42 do livro), descrevendo seus elementos. Peça também para lerem as respectivas legendas. Na sequência, com base nessa primeira

6.2. Sir William Sidney Smith (1764-1840), Adimiral, at Acre, gravura de John Eckstein, 1808.

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observação, proponha a eles a seguinte discussão: qual é a importância do estudo da iconografia na compreensão/interpretação dos fatos históricos e na produção de estrutu-ras simbólicas de significado, costumes e práticas no seu contexto e atualmente?

4. Passados mais de quatrocentos anos, os portugueses lançavam-se novamente ao ocea-no, em direção a uma terra, dessa vez, já “conquistada e parte dos domínios coloniais” desde o século xvi. Ao final do século xv, Vasco da Gama protagoniza um feito des-comunal: descobre o tão almejado “Caminho das Índias”. No início do século xvi, os portugueses alcançam “terras novas”, depois chamadas de Brasil. Em 1807, a fuga ou a manutenção da dinastia de Bragança, ou ainda a estratégia audaciosa para a conser-vação do Império português, se realiza em direção aos trópicos americanos. Dois atos distintos no mesmo cenário oceânico, separados por séculos e interesses diversos. A fim de louvar as glórias lusitanas à época das Grandes Navegações, o poeta Luís de Camões escreveu o famoso poema Os Lusíadas, publicado em 1572, obra-prima da literatura em língua portuguesa. A partir dessas indicações, realize uma leitura compartilhada das cinco primeiras es-trofes do Canto i do poema de Camões. Depois, em parceria com o(a) professor(a) de língua portuguesa, oriente a turma na criação coletiva de um poema que retrate a saída da família real portuguesa e sua corte para o Brasil.

6.3. Alegoria da vinda de d. João, desenho a nanquim aguada de I. A. Marques, s.d.

HOMENS À VISTA: UMA CORTE AO MAR • 43

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5. Leia com os alunos os seguintes trechos extraídos do subcapítulo “Enquanto isso… em Portugal” (pp. 168-71):

Foi na manhã do dia 30 que se deu a entrada triunfal de Junot, com seu séquito de oficiais desfilando pelo Rossio, acompanhado de cerca de 6 mil soldados, pouco mais da metade do contingente original. […][…] A população reagiria a eles na base do garfo, faca e panela, e poria o inimigo para correr e atravessar a fronteira. […]Nesse mundo mental do Antigo Regime, em vez da racionalidade cidadã apregoada pela moderna Revolução, em Portugal era a religião que dava subsídios a explicações de maior fôlego. […]

A partir dos excertos, solicite duas pesquisas: uma em que os alunos encontrem expli-cações para as motivações políticas, culturais e religiosas que levaram à reação do povo português diante do exército napoleônico; outra relacionada à própria história brasileira, em que se possam observar causas semelhantes e diversas para ações de contestação política e social diante da chegada da corte.Por fim, realize uma discussão com a turma sobre as possíveis relações entre política e religião no passado e na atualidade.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

6.1. Diante do aumento das tensões geradas pelo embate entre Inglaterra e França, Portugal viu ameaçada sua posição de neutralidade. A França enviou tropas sob o comando do general Junot, ex-embaixador em Lisboa, à fronteira portuguesa, o que levou a corte a embarcar para o Brasil, às pressas, em 1807. A transferência da monarquia lusa foi um empreendimento tão inédito como inesperado, e as imagens de época retratam o nervosismo do momento, a despeito da pretensa tranquilidade de d. João, figurado ao centro da gravura.

6.2. Sir Sidney Smith, conhecido pela alcunha de Leão do Mar, foi um dos comandantes navais mais admirados e temidos da Inglaterra. Depois de tomar parte numa série de batalhas em defesa da Grã-Bretanha, foi designado para comandar a esquadra que acompanharia a família real portuguesa na sua travessia para o Brasil. Esta gravura de 1808 confere a Smith a aura de intrépido herói nacional.

6.3. Ante a ameaça à segurança nacional, o governo de d. João pôs em prática um plano antigo, várias vezes mencionado mas nunca antes realizado: a transferência da sede do Império lusitano para a América. Enquanto no dia a dia a situação era tensa, nas imagens oficiais o monarca surgia seguro, calmo e iluminado pelos deuses de todos os tempos. Ao fundo, as caravelas, igualmente abençoadas pelas “luzes divinas”, estão prontas para um futuro que, ao menos nas projeções da monarquia, parecia predestinado.

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7. D. JOÃO E SEU REINO AMERICANO

O sétimo capítulo, já no limiar da fundação política do Brasil moderno, aborda a singular experiência da monarquia portuguesa no seu exílio na colônia. Provocado pelas guerras europeias, esse episódio único na história das Américas transformou o Rio de Janeiro na capital de um vasto império e o Brasil num Reino Unido com aspirações de autonomia. Assim que pôs os pés no Brasil, o príncipe regente decretou a abertura dos portos — até então fechados a todas as embarcações que não fossem portuguesas — ao comércio com as “nações amigas”, e isso era quase um sinônimo (na época) de “Inglaterra”. Instituições como imprensa, escolas superiores, jardins botâ-nicos, tribunais superiores e museus, completas novidades por aqui, foram transplantadas de Portugal para estabelecer as bases culturais, políticas e ad-ministrativas do novo status quo colonial. Em 1816, morta a rainha d. Maria i, o príncipe regente subiu ao trono como d. João vi. No ano anterior, o Brasil havia sido formalmente denominado Reino Unido de Portugal e Algarves e alçado à condição de sede do Império português. Mas os ânimos autonomis-tas não haviam se acalmado com esses títulos pomposos nem com a contínua presença do rei no Brasil, que, mesmo com o final da guerra na Europa, não dava sinais de voltar. Em 1817, uma revolta republicana estourou no Recife — a Revolução Praieira — e chegou a atrasar, mas não a impedir, as festivi-dades da aclamação de d. João vi. Sinal inequívoco de que as demandas por autonomia política vinham para ficar.

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7.1. Conjunto de litografias de Jean-Baptiste Debret, de 1835: Uma senhora brasileira em seu lar; Empregado do governo saindo a passeio; Feitores castigando negros.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Apresente aos alunos este trecho de “O juramento dos Numes”, libreto em homenagem a d. João, datado de 1813. Na parte transcrita abaixo, o “Gênio”, voltando-se para o retrato de Sua Alteza Real, faz o seguinte juramento:

Os Cyclopes

Salve príncipe Excelente,Salve ditosa Nação,Que dais ao mundo oprimido,A suspirada união […] As GraçasQue dais ao mundo oprimido,A suspirada união. Os CyclopesNos fastos brilhantesDe Lysia incansávelSerá memorável um Sexto João […] TodosQue dais ao mundo oprimidoA suspirada união.

a. Por que o poema insiste tanto nos temas de “união” e “opressão”?;b. Por que essa união é tão “suspirada”?

2. Entre os tantos eventos políticos e sociais ocorridos durante a estada da família real portuguesa no Brasil, podemos destacar a importância da assinatura da carta de aber-tura dos portos brasileiros às nações amigas, de 1808. Leia com os alunos um trecho da carta:

[…] Atendendo a representação que fizestes subir a minha real presença sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta capitania, com grave prejuízo dos meus vassalos, e da minha Real Fazenda, em razão das críticas e públicas circuns-tâncias da Europa, e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta, e capaz de melhorar o progresso de tais danos, sou servido ordenar interina, e provisoriamente enquanto não consolido um sistema geral que efetivamente regu-le semelhantes matérias o seguinte: primeiro, que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transportadas, ou em navios estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a mi-nha Real Coroa […]

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Desafie os alunos a explicar os possíveis significados dos trechos “públicas circuns-tâncias da Europa”, “sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros” e “paz e harmonia com a minha Real Coroa”, considerando o contexto vivido por Portugal e sua colônia à época.

3. De acordo com as autoras, “até 1810, as atenções se concentravam mais nas medidas administrativas. Após 1811, contudo, abriram-se as comportas para um verdadeiro ‘banho de civilização’” (p. 184). A vida formal e cheia de regras de etiqueta da corte portuguesa de fato não combinava com o cotidiano imposto pela colônia. As tantas adaptações estruturais e administrativas poderiam até ser consideradas pequenas se comparadas às demandas sociais e culturais, para quem vinha e para quem já estava por aqui. Tendo em vista essa situação, solicite aos alunos as seguintes tarefas:

a. Listar as obras, os feitos e as alterações decorrentes da chegada da família real por-tuguesa ao Brasil;b. Explicar a expressão “banho de civilização” utilizada pelas autoras, exemplificando com as alterações promovidas pela corte.

4. Leia com os alunos os quadrinhos abaixo.

7.2. Ilustrações extraídas do livro D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821), Lilia Moritz Schwarcz e Spacca, 2007.

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A situação retratada destaca os reflexos da crise europeia na América espanhola. Além dos problemas “herdados” de fora, a presença do rei de Portugal na América criava incômodos para os vizinhos da Banda Oriental, região onde atualmente se localiza o Uruguai. Considerando os temas destacados nesse subcapítulo “Agitação à vista: que se retarde a coroação” (pp. 193-6) e nos quadrinhos, peça aos alunos que expliquem o projeto de Carlota Joaquina para a América espanhola e, em seguida, os projetos de d. João vi para a região.

5. Desafie os alunos a observar as imagens 7.1. (imagem 50 do livro), 7.2. e 7.3. (imagem 57 do livro).

Por iniciativa própria e apoiados pelo governo de d. João, na esteira das negociações de paz com a França, Debret e outros artistas franceses, como o pintor Nicolas-Antoine Taunay e o arquiteto Grandjean de Montigny, estiveram no Brasil a partir do ano de 1816. Tendo em mente essa circunstância — a vinda de pintores até então fiéis a Na-poleão que aqui chegam contratados pela corte portuguesa e “inimiga” —, faça com os alunos as seguintes atividades:

a. “Ler” as imagens com atenção procurando identificar, em cada uma delas, a temática, a função da imagem, o estilo e de quem é a encomenda; b. Comentar o contexto que explica a presença de Debret e de tantos outros artistas e cientistas no Brasil. Por que a corte de d. João teria interesse por esse tipo de iniciativa?;c. Pesquisar, através das imagens criadas por Debret e Taunay, e por meio das plan-tas de arquitetura de Montigny, como era a cidade do Rio de Janeiro a partir dos anos de 1816. Pode-se usar também outros pintores, como Rugendas, Henry Chamberlain, Eckhout e Joaquim Cândido Guillobel.Fica aqui a sugestão de leitura do romance Era no tempo do rei, de Ruy Castro (Alfa-guara, 2008).

7.3. Coroação de d. Pedro I, óleo sobre tela de Jean-Baptiste Debret, 1828.

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LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

7.1. Debret trouxe os escravos para o centro de suas aquarelas brasileiras. Diferentemente dos portugueses, que só se dedicavam a pinturas religiosas, ele retratou o que viu (e o que imaginou) do dia a dia carioca. Flagrou negros atléticos, de corpo perfeito, trabalhando, e representou sem pejas a violência do sistema: crianças negras comendo no chão, filas indianas com o senhor à frente e os escravos no final e uma cena de sevícia que foi inclusive proibida, na época, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (ihgb).

7.2. O quadrinista Spacca caprichou na caricatura de Carlota Joaquina: sempre com ar esperto e tramando golpes (contra o seu marido).

7.3. A coroação de d. Pedro i, em 1º- de dezembro de 1822, combinou elementos tradicionais europeus com aspectos idealizados a partir da realidade brasileira. O ritual uniu costumes das realezas do Velho Mundo ao mesmo tempo que instituía novos símbolos. As vestimentas do imperador, coloridas de verde e amarelo e confeccionadas com materiais locais, evidenciavam a mistura entre o tradicional e o brasileiro. O mesmo fez Debret, que copiou uma tela originalmente elaborada para a coroação de um monarca austríaco e a traduziu para o Brasil, alterando o formato e a dimensão da igreja em que se realizou a celebração.

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8. QUEM FOI PARA PORTUGAL PERDEU O LUGAR: VAI O PAI, FICA O FILHO

A população que havia ficado em Portugal passou a se sentir injustiçada com a permanência do rei na colônia e com a escassa participação política nos rumos do Império e do Estado lusitano. Ao mesmo tempo, iluministas e conservadores exigiram em 1820 a volta de d. João vi a Portugal, além da promulgação de uma Constituição para o reino.

As Cortes Constitucionais assumiram o poder de facto, e o monarca aten-deu às exigências dos súditos revoltados. Ao regressar a Lisboa, d. João vi aceitou jurar a Constituição Liberal. A elaboração de uma Constituição para Portugal (e, portanto, para suas colônias) ocasionou a convocação de nume-rosos deputados provinciais do Brasil, que assim, pela primeira vez, puderam participar de instância de decisão na política da metrópole, apesar de perce-berem que a autonomia do Brasil, na ótica das lideranças portuguesas, pare-cia ter seus dias contados. Além do mais, com o regresso do rei a Portugal, incendiaram-se de vez as ambições independentistas no Brasil.

O príncipe regente d. Pedro, deixado no governo do Brasil pelo pai, logo aglutinou em torno de si as forças sociais cada vez mais organizadas que desejavam a emancipação do país. No final de 1821, as Cortes determinaram que d. Pedro voltasse à pátria-mãe e reduziram a escassa autonomia concedi-da à colônia por d. João vi. Foi o pretexto para o início de choques políticos e militares que culminaram, em 7 de setembro de 1822, no episódio que ficou conhecido como “Grito do Ipiranga”. O jovem príncipe foi aclamado primei-

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ro imperador do Brasil, a partir de um acordo com elites locais, e com o título de d. Pedro i. Numa cartela de escolhas políticas possíveis, fez-se o Brasil uma monarquia rodeada de jovens repúblicas.

8.1. Independência ou morte ou O grito do Ipiranga, óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo, 1888.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Em função das demandas do jogo político estabelecido por d. João e da relativa boa adaptação aos trópicos, a família real portuguesa governou seu império a partir do Brasil de 1808 até 1821. Converse com os alunos para que leiam a parte inicial do capítulo e respondam às questões abaixo:

a. Quais foram os motivos que levaram d. João a regressar à Europa?b. Quais turbulências e ameaças Pedro, filho de d. João, teria que solucionar no Brasil?

2. É impossível biografar o Brasil sem valorizar a participação de José Bonifácio de Andra-da e Silva. Encomende aos alunos um perfil desse personagem tão atuante na política dos períodos da independência, comentando sua relevância política, suas contribuições e seu posicionamento sobre o projeto de manutenção da monarquia no Brasil.

8.2. Ilustrações extraídas do livro D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821), Lilia Moritz Schwarcz e Spacca, 2007.

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3. A Independência do Brasil é, de alguma maneira, um reflexo de realidades políticas tão diversas quanto complexas, que possuíam alguns dos seus espelhos direcionados para a colônia e tantos outros para Portugal. O contexto, marcado pelo fim da era napoleô-nica e suas convenções diplomáticas posteriores, como as cortes de Cádiz e de Lisboa, indicava, mais do que a independência de um novo país, outro modelo político para a Europa e para o mundo. Escute e leia com os alunos estas estrofes do Hino da Indepen-dência, com letra de Evaristo da Veiga e música do próprio d. Pedro, e, depois disso, realize com eles as atividades abaixo discriminadas.

[…]

Os grilhões que nos forjavaDa perfídia astuto ardil…Houve mão mais poderosa:Zombou deles o Brasil.

Brava gente brasileira!Longe vá… temor servil:Ou ficar a pátria livreOu morrer pelo Brasil.

[…]

a. Comentar a nova estrutura de Estado que se formava a partir de então, tanto em Portugal como no Brasil. Quais eram as diferentes realidades e necessidades? Que no-vidades o momento trazia quando comparado com antigos modelos?;b. Identificar nas estrofes do hino caracterizações negativas da presença portuguesa no Brasil, explorando seus possíveis significados;c. Se o passado era visto como negativo, por que a formação do Estado brasileiro man-teve o modelo português da monarquia?

4. Panfletos são um gênero de literatura política de teoria, argumento, opinião e polêmica que funcionou como o meio de comunicação mais importante para divulgação de ideias entre os séculos xvii e xviii. A escrita de um folheto não seguia um padrão determinado: podia ser prosa ou verso. Também incorporava uma grande variedade de gêneros: tra-tados e ensaios, sermões, correspondência, discursos, fábulas, diálogos e poemas. Um bom panfleto precisava apenas seguir quatro regras básicas: ser tópico, incluir muita polêmica, mirar alvos imediatos e ser curto. Entre 1820 e 1823, os panfletos invadiram as ruas e as praças de várias cidades bra-sileiras e apresentavam o ponto de vista dos sujeitos anônimos e comuns acerca dos episódios que resultaram na Independência do Brasil. Debata com os alunos o que são os panfletos e sua importância política. Depois da

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discussão, peça a eles que escolham um episódio atual da nossa história e redijam um panfleto. Em seguida, proponha aos alunos a leitura pública seguida de comentários. Sugestão de material de apoio:José Murilo de Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile (Orgs.). Às armas, cidadãos!: Panfletos manuscritos da Independência do Brasil. São Paulo, Belo Horizonte: Compa-nhia das Letras, Editora ufmg, 2012.

5. A Independência do Brasil é repleta de fatos decisivos que, de maneira cumulativa, construíram a emancipação. No entanto, diversas outras cenas que compõem a me-mória e a história nacional não chegaram a ocorrer efetivamente ou, pelo menos, não exatamente da forma como se conta. O mito edificador da nação foi construído cons-cientemente em períodos posteriores à Independência. Nesse âmbito, apresente as seguintes atividades aos alunos:

a. Identificar elementos míticos da memória nacional que foram desconstruídos neste capítulo; b. A partir dessa leitura, construir um panorama abrangente para explicar em linhas gerais os diferentes fatores que levaram à construção do Brasil independente;c. Assistir ao filme Independência ou morte (1972), dirigido por Carlos Coimbra, e ana-lisar a imagem 8.1. (imagem 55 do livro) — tela Independência ou morte ou O grito do Ipiranga (1888), de Pedro Américo. A partir dos dois documentos, observar semelhan-ças e diferenças entre o filme e a pintura e interpretar que tipo de história está sendo contada nesses dois documentos.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

8.1. O mais famoso quadro sobre a Independência do Brasil foi concluído apenas nos anos de Pedro ii, no ocaso do Império brasileiro: em 1888. Vivendo um momento de crise, o monarca buscou recuperar a magnitude do ato da emancipação e a figura do pai, Pedro i, encomendando a Pedro Américo (1834-1905) — um dos seus artistas protegidos e financiados pelo Estado — uma cena engrandecedora. Nada corresponde à realidade: as vestes de Pedro i e da corte, a quantidade de gente, o riacho do Ipiranga (devidamente aproximado), e até a colina mais elevada, cuja inspiração veio de um quadro de Ernest Meissonier, Batalha de Friedland, em homenagem a Napoleão Bonaparte e seu exército. Em nome da pátria, Américo assassinou a geografia.

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8.2. No quadrinho D. João Carioca, Spacca destaca no desenho a grande diferença entre d. João e d. Pedro. O primeiro, mais baixo e bonachão; o segundo, altivo e com ar de galã de cinema.

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9. HABEMUS INDEPENDÊNCIA: INSTABILIDADE COMBINA COM PRIMEIRO REINADO

O Império do Brasil se constituiu ao mesmo tempo como continuidade e ruptura das tradições políticas de Portugal e da era colonial. Continuidade porque o imperador era português; a monarquia e a escravidão foram man-tidas. Mas também ruptura pois era urgente a tarefa de fundar novas insti-tuições e preservar a unidade das províncias num todo administrável e cuja integridade e legitimidade fossem reconhecidas pelas potências estrangeiras. Bandeira, hino e mapa ajudaram as baionetas e canhões a consolidar a ficção política do novo país.

Mas não foi fácil. A Constituinte, que havia sido convocada pelo impera-dor no auge do processo independentista, foi sumariamente dissolvida, e uma Constituição foi por ele mesmo outorgada em 1824. O gabinete de ministros controlado pelos irmãos Andrada, próceres da Independência, foi dissolvido. O Parlamento, formado por Senado e Câmara dos Deputados, foi avassalado pelo Palácio de São Cristóvão, a sede do trono imperial. Seus membros insub-missos foram perseguidos e exilados. D. Pedro i exerceu com gosto os poderes extraordinários que a Carta de 1824 lhe conferia, sobretudo para reprimir mo-vimentos separatistas como a Confederação do Equador (1824) — deflagrada em Pernambuco e que chegou a sublevar regiões de várias províncias nordes-tinas — e fazer a guerra com os vizinhos sul-americanos, continuando o longo conflito com a Argentina pelo controle do atual Uruguai, iniciado na década de 1810. Mas a Constituição, paradoxalmente, tinha vários aspectos liberais.

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Nesse meio-tempo, cada vez mais isolado no trono, desinteressado da ro-tina governamental e acusado de lusofilia, em 1831 d. Pedro i abdicou em favor do seu primogênito, o príncipe Pedro, com seis anos incompletos. Ato contínuo, regressou a Portugal para recuperar o trono à sua filha Maria da Glória (Maria ii de Portugal, que sucedera ao pai na Coroa portuguesa depois da sua abdicação, em 1826), ameaçado pelas ambições do seu irmão mais novo d. Miguel, que se proclama rei em 1828. Instalou-se no Brasil um gover-no regencial programado para durar até 1843, quando o herdeiro da coroa imperial completaria dezoito anos.

9.1. Coroação de d. Pedro I, óleo sobre tela de Jean-Baptiste Debret, 1828.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Muitos projetos buscaram consolidar um modelo de Independência do Brasil. Entre eles, a criação de um arranjo político que evitasse o desmembramento do território central. Segundo as autoras (p. 223):

Contradições à parte, a decisão de realizar a Independência com a forma de uma monarquia constitucional representativa significou uma opção política entre outras disponíveis, nessa agenda dos possíveis. Ela visava, em primeiro lugar, evitar o des-membramento da ex-colônia.

Peça aos alunos que respondam às questões:

a. De que maneira o projeto político e monárquico urdido no Brasil Império negava a fragmentação territorial?; b. De modo comparativo, quais foram os passos dissonantes entre América portuguesa e América espanhola que explicam os processos de unificação e desmembramento, respectivamente?

2. A consolidação de um Estado depende de decisões e atos oficiais. Por essas e outras é que, para afirmar-se juridicamente a Independência no Brasil, era preciso uma cons-tituição. Os modelos e as circunstâncias internacionais indicavam um caminho, mas d. Pedro achou por bem não os seguir por completo. Tendo em vista esse processo, peça aos alunos, com base na leitura do capítulo, que expliquem o contexto de efetivação da primeira Constituição do Brasil. Feito isso, leia com eles o seguinte trecho dessa Constituição:

título 5o

Do Imperador.capítulo i.

Do Poder Moderador.

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Re-presentante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável e Sagrada: Ele não está sujeito a respon-sabilidade alguma.Art. 100. Os seus Títulos são “Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Bra-sil” e tem o Tratamento de Majestade Imperial.Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador.

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Por fim, depois da leitura, peça que expliquem a função do Poder Moderador, destacan-do suas contradições com os modelos vigentes.

3. Os símbolos e ícones que cercavam a imagem de Pedro i buscavam sobretudo confirmar uma certa estabilidade e continuidade em relação ao passado português. A bandeira do Brasil e tantos outros elementos emblemáticos e oficiais eternizavam a relação entre os Bragança. Reúna os alunos para interpretar as imagens abaixo criadas por Debret, e peça a eles para responderem as questões:

9.2. Retratos do rei d. João VI e do imperador d. Pedro I, litografia sobre papel de Jean-Baptiste Debret, 1839.

a. Quais foram as referências selecionadas por Pedro i na formação da sua imagem de imperador, filho do rei de Portugal, concunhado e admirador de Napoleão Bonaparte e sogro do imperador da Áustria?;b. Quais informações as imagens nos revelam a respeito da criação de memórias e sím-bolos sobre o Império do Brasil?;c. Apesar do projeto e do movimento oficial, o Estado brasileiro no Primeiro Reinado foi acumulando, na sua curta vigência, muitas instabilidades. Quais seriam?

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4. O desenvolvimento do Brasil, como colônia ou como império, foi marcado pelo cresci-mento do número de africanos aprisionados. A escravidão criou muitas tensões políticas no Primeiro Reinado.

A partir desse tema, apresente aos alunos as seguintes questões:

a. Quais foram as relações estabelecidas entre o Brasil recém-independente e as colô-nias de Portugal na África? Em que medida essas regiões se aproximaram?;b. Quais foram os projetos de José Bonifácio e José da Silva Lisboa sobre a questão da escravidão, elaborados para a Constituição de 1823 — que não chegou a ser implemen-tada — e que acabaram não entrando no texto da Constituição de 1824?;c. Quais eram as pretensões da Inglaterra no que se refere ao processo de libertação dos escravos do Brasil?Fica a sugestão do livro José Bonifácio, de Míriam Dolhnikoff (Companhia das Letras, 2012).

9.3. Panorama do tráfi co de escravos no período de 1500-1900, David Eltis e David Richardson, 2010.

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LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

9.1. A coroação de d. Pedro i, em 1º- de dezembro de 1822, combinou elementos tradicionais europeus com aspectos idealizados a partir da realidade brasileira. O ritual uniu costumes das realezas do Velho Mundo ao mesmo tempo que instituía novos símbolos. As vestimentas do imperador, coloridas de verde e amarelo e confeccionadas com materiais locais, evidenciavam a mistura entre o tradicional e o brasileiro. O mesmo fez Debret, que copiou uma tela originalmente elaborada para a coroação de um monarca austríaco e a traduziu para o Brasil, alterando o formato e a dimensão da igreja em que se realizou a celebração.

9.2. O artista francês Jean-Baptiste Debret pintou d. João vi à moda da realeza portuguesa, com a coroa distante e apoiada numa banqueta — conforme a convenção da família Bragança, que continuava esperando, eternamente, por d. Sebastião — e d. Pedro i como um imperador “americano”: com poncho, murta de papos de tucano e folhas de café bordadas no manto.

5. Leopoldina, filha da Casa de Áustria, bem formada em ciências naturais e reconhecida-mente curiosa e inteligente, teve papel fundamental na independência do país. A des-peito disso, essa personagem não é reconhecida, ficando sempre à sombra do marido. Tendo em vista essa situação recorrente, solicite aos alunos para elaborarem um texto sobre o papel das mulheres na história do Brasil e as razões pelas quais seus feitos são sempre descritos como dependentes das ações dos homens.

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10. REGÊNCIAS OU O SOM DO SILÊNCIO

Na década de 1830, regências unas e trinas, permanentes e provisórias se revezaram no governo do império sob um clima de grande instabilidade política. As manifestações autonomistas e separatistas das províncias, recor-rentes durante a colônia e o Primeiro Reinado, reapareceram com força total, conflagrando diversas partes do país.

A série de crises locais que ameaçou a frágil unidade do Brasil na década de 1830 decorreu de uma percepção geral de falta de legitimidade das auto-ridades regenciais do Rio de Janeiro, ligada ao problema da menoridade do príncipe herdeiro, bem como do choque entre a tendência centralizadora do Estado imperial e os anseios localistas por uma maior autonomia administra-tiva. Num país ainda sem telégrafo e ferrovias, a capital se comunicava pouco e mal com províncias distantes como o Pará, Alagoas e o Rio Grande do Sul, e quando o fazia — reclamava-se — era somente para extorquir impostos, sufocar insubmissões e exigir obediência.

Em 1834, um ato adicional à Constituição imperial concentrou formalmen-te o poder nas mãos de um único regente, o padre e deputado moderado Diogo Antônio Feijó, cujo governo durou até 1837. Nesse período crítico, estouraram a Cabanagem, no Pará, e a Revolução Farroupilha, no Sul, que congregaram povo e elites na luta contra o autoritarismo e o centralismo do governo re-gencial. Dezenas de milhares de pessoas morreram na forte repressão que as autoridades mobilizaram para sustar essas rebeliões, que também incluíram a

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Cabanada em Pernambuco, a Sabinada na Bahia e a Balaiada no Maranhão, to-das debeladas com mão de ferro pelas autoridades do Rio de Janeiro. Revoltas de escravizados, como a dos Malês em Salvador (1835), completavam o quadro de insegurança social e política. Além do Exército, a Guarda Nacional, força paramilitar criada em 1831, teve que ser acionada em diversas ocasiões para “pacificar” esses levantes e rebeliões, cujo ímpeto somente começou a amai-nar com o chamado “golpe da maioridade”. Em 1841, uma jogada legislativa — um golpe da maioridade — autorizou o príncipe herdeiro a subir ao trono aos dezesseis anos incompletos, com o título de d. Pedro ii.

10.1. D. Pedro II, Manuel de Araújo Porto-Alegre, s.d.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. No período das Regências, conforme as autoras descrevem (p. 243):

O país era grande, e a corte desconhecia as especificidades de suas diferentes regiões, que vistas de longe pareciam quietas, serenas, e davam a impressão de que assim continuariam para sempre. […] O sentimento autonomista era, porém, forte nas pro-víncias […] o debate girava ao redor de dois programas políticos decididamente an-tagônicos: o centralismo da corte, de um lado, e o autogoverno provincial, de outro.

A partir do trecho, promova um debate sobre os seguintes temas:

a. Os dilemas que afloraram durante o período das Regências, procurando-se destacar os motivos da sua instabilidade;b. Os fatores históricos que podem confirmar a falta de conhecimento dos regentes sobre o território e a população que governavam;c. As agitações que estouraram em todo o país com as manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho de 2013.

2. Imediatamente depois da abdicação de Pedro i, seu filho Pedro era apresentado aos brasileiros. Debret — ele era primo e chefe de ateliê do artista francês Jacques-Louis David, que pintava aquarelas e telas de teor oficial durante a era napoleônica — regis-trou a ocasião, como já o fizera em outros momentos solenes. A partir da observação da imagem 10.2. (imagem 68 do livro), converse com os alunos sobre qual era a relevância desse registro e dessa cerimônia.

10.2. Aclamação de d. Pedro II, de Jean-Baptiste Debret, 1839.

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3. A imagem legada pelo senso comum é que o assim chamado período regencial seria apenas uma época marcada pela inadequação política e uma série de rebeliões de-sorganizadas. Na verdade, se é certo que houve muitas crises políticas e sociais e os regentes oscilavam entre a centralização e a descentralização, ao mesmo tempo esse foi um período de muitos experimentos republicanos. Uma das polêmicas da época girou em torno da Guarda Nacional.

Sobre esse assunto, proponha aos alunos as seguintes tarefas:

a. Explicar os motivos da demanda da criação da Guarda Nacional; b. Analisar o uniforme dos seus membros, conforme imagem acima, e seus possíveis significados;c. Refletir sobre a descentralização do poder militar, que deixou sombras e ecos na sociedade brasileira. Identificar criticamente o legado deixado pela Guarda Nacional.

4. O ato adicional de 1834 anunciava uma mudança de jogo de poderes. As revoltas se espalhavam, a insatisfação se popularizava e a instabilidade na manutenção da unidade territorial abalava as bases do governo. Em acordo com a própria conjuntura das Regên-cias, o ato é contraditório, “aperta algumas cordas e solta tantas outras”. Sobre essa medida, peça aos alunos que respondam às questões:

a. Quais eram as regras que mudavam com a implementação desse ato?;b. Quais elementos podem ser indicados como contraditórios e dissonantes em relação à política desenvolvida durante o Primeiro Reinado?

10.3. Uniformes militares, de Jean-Baptiste Debret, 1839.

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5. A análise acerca do período regencial parte sempre das revoltas e termina nas revoltas. As tentativas de emancipações regionais foram o maior exemplo de toda a instabilidade vivida no período.

Nesse sentido, proponha aos alunos o seguinte:

a. Traçar linhas comuns e coincidências entre as várias revoltas citadas;b. Montar uma tabela sintetizando as informações mais importantes sobre as revoltas: aspectos comuns e características diferenciadas. Como sugestão, pode-se dispor as re-voltas nas linhas de tabela e criar colunas referentes a local, período, motivo e camadas da população envolvidas; c. Escolher uma das revoltas citadas para desenvolver uma pesquisa mais aprofunda-da. Além do capítulo 10, pesquisar em outros livros e documentos acerca do mesmo assunto. Depois, redigir um texto em que se expliquem os detalhes, motivos, causas, participantes e consequências da revolta selecionada.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

10.1. A Regência de Araújo Lima, as rebeliões e a radicalização dos projetos republicanos foram os fatores que impulsionaram a ascensão ao trono de um jovem de catorze anos que deveria “salvar o Brasil”. Criado em 1840 pelos deputados liberais, o movimento pela antecipação da maioridade de d. Pedro ii, conhecido como Clube da Maioridade, visava construir a imagem de um imperador maduro, racional e politicamente decidido, a despeito da sua pouca idade. Na tela de Porto-Alegre, feita alguns anos depois, destaca-se o desconforto da situação: é visível a falta de equilíbrio entre o corpo do monarca, que pende para um lado, e seu rosto, que parece disposto artificialmente por cima do tronco.

10.2. A abdicação de d. Pedro i, em 1831, instaurou o período das Regências, marcado por muitos experimentos políticos mas também por grande instabilidade social. O herdeiro do trono, então com cinco anos, não poderia governar até atingir a maioridade. A aclamação realizada pelo Poder Legislativo representou, assim, uma tentativa de reforçar a simbologia que o pequeno imperador carregava e minimizar os impactos das bruscas mudanças de governo. Debret, como sempre, tentou ordenar a cena e capitalizar a imagem de uma concórdia popular. Por isso, figurou uma multidão (interminável) e dispôs o futuro monarca bem no centro da varanda do Paço.

10.3. A formação de uma nação independente implicava a criação de novos símbolos pátrios. Debret, acostumado a atuar ao lado de Napoleão, no Estado francês, passou a idealizar dísticos, emblemas e uniformes para o Império brasileiro. Talvez a única especificidade seja a cor da pele dos soldados, representados levemente morenos.

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11. SEGUNDO REINADO: ENFIM UMA NAÇÃO NOS TRÓPICOS

Idealizado por deputados liberais, o golpe de Estado que permitiu a as-censão de d. Pedro ii terminou por acalmar as rebeliões que questionaram a integridade do país e a autoridade dos regentes na década de 1830.

Entre 1841 e 1864, a monarquia constitucional e a unidade das províncias se consolidaram sob a égide do jovem soberano. Representante de uma es-tirpe aristocrática, descendente de reis austríacos, espanhóis, alemães, fran-ceses e lusitanos, o imperador apresentava-se como o símbolo máximo do Brasil diante dos súditos e também no plano internacional. Para isso, toda uma maquinaria política precisou ser posta em ação. A pomposa cerimônia de coroação de d. Pedro ii e seu casamento com uma princesa italiana foram episódios destinados a reforçar sua suposta mitologia dinástica. No mesmo sentido, a atuação de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Academia Imperial de Belas Artes preparou o terreno intelec-tual para uma invenção da nacionalidade. Estamos na era do Romantismo indianista, vertente literária e artística dedicada à estetização do genocídio ameríndio.

Na política, liberais (luzias) e conservadores (saquaremas), pouco diferen-tes entre si, se alternavam nos gabinetes de ministros no compasso de elei-ções censitárias viciadas por fraudes e clientelismo. Nesse ínterim, a extinção definitiva do tráfico negreiro (formalmente proibido desde a década de 1831) e, em especial, o rápido desenvolvimento da lavoura cafeeira inauguraram

SEGUNDO REINADO: ENFIM UMA NAÇÃO NOS TRÓPICOS • 67

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um novo ciclo econômico. O “ouro verde” assumiu o posto de principal pro-duto de exportação brasileiro. Capitais antes imobilizados pelo comércio de escravos foram aplicados na construção das primeiras ferrovias e telégrafos. Indústrias, ainda que rudimentares, começaram a operar. Também foi um período de grandes investimentos em infraestrutura urbana no Rio de Janei-ro, que em 1858 inaugurou seus primeiros bondes a tração animal e em 1862 se tornou a terceira cidade do mundo a contar com uma rede de esgotos.

11.1. Iracema, óleo sobre tela de José Maria de Medeiros, 1881*.

* A legenda interpretativa das autoras está no final deste capítulo.

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SEGUNDO REINADO: ENFIM UMA NAÇÃO NOS TRÓPICOS • 69

ATIVIDADES PROPOSTAS

1. D. Pedro ii, coroado antes da hora, a partir de 1840 ocupou o trono de imperador do Brasil. Suas imagens, quando menino, insistiam em afirmar, porém, sua maturidade. A farda, a barba rala e o olhar firme, a altura mais elevada que a real; as medalhas e o con-junto falavam muito mais do Império — que precisava parecer seguro e estável — que do menino assustado diante do tamanho da sua tarefa. Estimule os alunos a observar a ima-gem 10.1. (imagem 70 do livro) e proponha uma discussão sobre as seguintes questões: por que essa linguagem era utilizada na produção e na veiculação da imagem de Pedro ii? Quais benefícios esse tipo de simbolismo trazia ao seu governo? A discussão será o ponto de partida de uma dissertação sobre o tema, a ser elaborada individualmente pelos alunos, acerca da importância dos símbolos e rituais na construção de um Estado e na afirmação do seu poder.

2. Entre as muitas imagens criadas sobre o imperador do Segundo Reinado do Brasil, uma das mais recorrentes era a valorização da sua formação erudita — com certo exagero. Tal fama deixava o segundo imperador em posição diretamente oposta à do seu pai, Pedro i, tido oficialmente como inculto e intempestivo. Essa contraposição foi explora-da pelo discurso oficial de inúmeras maneiras: Pedro ii tinha fama de filósofo, além da curiosidade e da boa formação nos estudos clássicos; também conhecia vários idiomas, e incentivou as artes — a pintura, a literatura, a poesia — e as ciências da sua época. Nesse sentido, formule as seguintes questões junto com seus alunos:

a. Por que era importante criar a imagem e a memória do Segundo Reinado a partir da oposição ao Primeiro Reinado?b. Ao contrário do que acontecia no cenário europeu, a monarquia do Brasil ia bem, sobretudo graças à entrada da economia do café. O que ocorreu na Europa monarquista entre os anos 40 e 50 do século xix? Quais relações podem ser estabelecidas entre esse cenário e o bom período de Pedro ii no Brasil, na mesma época?

3. No Segundo Reinado, o Brasil iniciava um processo de transformações de longo prazo, do qual a Lei de Terras de 1850 era apenas uma das medidas. Leia o trecho (a lei se en-contra disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm>):

Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por titu-lo de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples titu-lo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colonias de nacionaes e de extrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonisação extrangeira na forma que se declara.D. Pedro ii, por Graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Cons-titucional e Defensor Perpetuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral Decretou, e Nós queremos a Lei seguinte:

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Art. 1o Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.

Sobre o tema, proponha as seguintes questões aos alunos:

a. De que maneira a Lei de Terras de 1850 mudou as regras de posse de terras no Brasil?;b. A Lei de Terras foi contemporânea à Lei Eusébio de Queirós. A primeira tratava da posse de terras; a segunda, da escravidão, planejando seu encerramento gradual com a proibição da entrada de novos escravos no Brasil. Algumas análises apontam as duas leis como ações complementares. Em que ponto as duas determinações se aproximam e se complementam; em que ponto diferem?

4. Na parte “Bons e maus ventos”, na p. 275, as autoras observam:

Para dar uma ideia, de 1854 a 1858 foram construídas as primeiras linhas telegráfi-cas e de navegação e as primeiras estradas de ferro, a iluminação a gás chegou às ci-dades, e o número de escolas e de estabelecimentos de instrução começou a crescer. Com o fim da aplicação no mercado negreiro, as importações também cresceram 57,2% no período de dois anos: uma grande notícia para um governo que vivia basi-camente do imposto de importação.

Solicite aos alunos que respondam às perguntas:

a. A quais fatores devem ser creditados o crescimento e o equilíbrio econômico do Brasil?;b. Conceituar as propostas e as conquistas da chamada Era Mauá;c. De que maneira o fim do tráfico de escravos levou a um investimento interno, na infraestrutura do país?

5. O século xix ficou conhecido como o século das nações. Em consonância com o projeto europeu, o Brasil passava a criar certo espírito nacional a partir da natureza e dos seus naturais. Nada de mencionar a escravidão. Entretanto, se as demais nações se muniram de um diálogo com a cultura do povo, por aqui o projeto foi bem mais palaciano e ligado ao mecenato do rei. Por isso, o império pagaria para que historiadores fossem a museus portugueses, escritores criassem épicos e pintores figurassem nos seus óleos a ideia de unidade e identidade, tudo nos trópicos. Pintores, literatos, poetas, músicos, teatrólo-gos, devidamente financiados pelo mecenato imperial, formariam um novo panteão de fundação da cultura brasileira. Assim como o mecenato de Pedro ii, o indigenismo é fruto desse projeto. Iracema, de José de Alencar, retratada por José Maria de Medeiros,

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é provavelmente um dos melhores exemplos: o indígena morreria para que a nação vin-gasse. Observe com atenção a imagem 11.1. (imagem 74 do livro).

Divida a turma em grupos e solicite a realização das atividades abaixo. Em seguida, proponha uma discussão a partir dos trabalhos produzidos.

a. Analisar em que medida o movimento artístico e literário indigenista romântico está relacionado ao projeto do Segundo Reinado brasileiro. Identificar contribuições positi-vas disso para a governança no período;b. A grande produção cultural do contexto em questão criou diversas representações que teriam vida longa na história oficial do Brasil. Muitos deles ainda figuram na nossa memória. Indicar imagens reproduzidas ainda hoje e que foram criadas pelo projeto do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (ihgb); c. Estabelecer uma comparação entre o romance Iracema, de José de Alencar, o poema “I-Juca Pirama”, de Gonçalves Dias, a tela Iracema, de José Maria de Medeiros, e a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, apontando elementos comuns e a visão do indígena presente nessas obras.

6. A tela de Victor Meirelles, A primeira missa no Brasil (imagem 72 do livro), ficou tão famosa que hoje em dia ela se confunde com a realidade. No entanto, e na verdade, quase tudo nela é do reino da ficção. Mais ainda: ela foi expressamente encomendada e comissionada pelo Império para elevar o Segundo Reinado. Tendo esse tipo de questio-namento em mente, pesquise quem era esse pintor, em que contexto e onde foi realizada essa grande tela, avalie suas dimensões bem como procure saber quando e como foi exposta. Essa será uma maneira divertida de entender como pinturas são documentos e não meras ilustrações.

LEGENDA INTERPRETATIVA DAS AUTORAS

11.1. No final da década de 1870, o movimento romântico indigenista, já presente na literatura, chegou também à pintura, que se apropriou da imagem do herói nativo para resgatar as origens brasileiras e fomentar o nacionalismo. Em Iracema, José M. Medeiros (1849-1925) retratou a personagem da obra homônima de José de Alencar (publicada com sucesso em 1865) como convinha à representação oficial dos índios; isto é, figuras passivas, que deveriam morrer para que a nação vingasse. Numa época em que a escravidão estava por toda parte, o Império preferiu cunhar sua representação na base do “encontro predestinado” de portugueses com indígenas, todos idealizados.

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12. ELA VAI CAIR: O FIM DA MONARQUIA NO BRASIL

A sangrenta Guerra do Paraguai (1865-70) demarca o apogeu, mas tam-bém o início da decadência do Império.

Nas décadas de 1840 e 1850, o Brasil manteve a tradição belicista iniciada por d. João vi e interveio em sucessivos conflitos na região do rio da Prata. Mas “La Guerra Grande” (como é conhecida no Paraguai) mobilizou forças militares de tamanho e poder de fogo jamais vistos na América do Sul. Cerca de 1 milhão de paraguaios foi exterminado pelos exércitos e marinhas do Brasil, Argentina e Uruguai, que também sofreram baixas consideráveis.

Os custos foram imensos e abalaram os bolsos do Império, assim como as mortes (de paraguaios e brasileiros) fizeram com que o final da guerra fosse marcado por muitas críticas internas. Por outro lado, os enormes gas-tos provocados por esse combate que parecia ser breve, mas se arrastou por cinco longos anos, terminou por combalir as finanças do Estado. Formaram--se novos grupos de oposição ao Império. Muitos militares que lutaram no Paraguai passaram a se considerar atores políticos incontornáveis e aderiram aos ideais republicanos, acompanhados por uma parcela significativa dos ri-cos cafeicultores paulistas, que se sentiam alijados do comando do Estado. O movimento pelo fim da monarquia ganhava força na mesma razão em que cresciam as pressões abolicionistas, e o trabalho escravo urbano e rural era aos poucos substituído pela mão de obra assalariada. O imperador, cada vez mais ausente e muito desmoralizado, deixou de ser visto como símbolo e garantia da unidade nacional.

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Em 1888, a abolição da escravatura pela princesa regente (d. Pedro ii via-java pela Europa) custou a perda do apoio das elites escravocratas ao regime imperial e acelerou a queda da monarquia, que sobreviveu apenas dezoito meses aos festejos do Treze de Maio. Em 15 de novembro de 1889, o coman-dante supremo do Exército imperial, marechal Deodoro da Fonseca, procla-mou a República no quartel-general do Rio de Janeiro. A família imperial foi exilada. Mas não houve violência: na verdade, d. Pedro e sua família partiram de madrugada, tão temerosos que estavam os novos regentes, com medo de reações populares.

No plano da cultura, o destaque desse período é sem dúvida Machado de Assis, mestiço carioca que no limiar do século xx era a maior referência literária do país, e hoje é considerado nosso maior romancista do século xix.

12.1. De volta do Paraguai, litografia de Angelo Agostini,

ilustração da revista Vida Fluminense,

1870.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. A Guerra do Paraguai, de início, parecia breve. Mas foi longa, violenta e cara ao Brasil, gerando crises e críticas ao governo. As dívidas e o sangue derramado pela “tríplice infâmia” atrapalharam os planos de lograr um Terceiro Reinado. A guerra abalou as rela-ções com o Exército e também abriu caminho para o abolicionismo. Depois da abolição nos Estados Unidos, Cuba e Brasil eram os únicos a admitir tal sistema.

Sobre esse tema, proponha as seguintes atividades:

a. Indicar as crises geradas pela guerra nas relações entre o Império e o Exército;b. Pesquisar quem foi Angelo Agostini e discutir a importância e a contundência da caricatura “De volta do Paraguai”, imagem 12.1. (imagem 77 do livro), considerando as polêmicas da época acerca da presença e da liberdade lograda por ex-escravizados que combateram na Guerra do Paraguai;c. Identificar as consequências econômicas da Guerra do Paraguai para o Império do Brasil.

2. O Manifesto Republicano, publicado em 1870, representou — a despeito do seu cará-ter conservador e de não mencionar o final do sistema escravocrata — o início de um novo momento para o Brasil, quem sabe coadunado com o que ocorria entre os vizinhos e em boa parte dos governos ocidentais. Com base na leitura do subcapítulo “Partido Republicano: federalismo sim, abolição melhor não mencionar” (pp. 301-2), proponha aos alunos uma conversa na qual procurem identificar em que medida a república simbolizava esse novo período. Quais estímulos e evidências confirmavam esse discur-so? Quais eram as bases do Partido Republicano? Quem o formava? Quais eram suas plataformas? Por que o manifesto falava em liberdade e não mencionava a abolição do sistema escravocrata?

3. A Lei Áurea, de 1888, acabava oficialmente com a escravidão no Brasil. Assinado pela princesa Isabel, o decreto chama a atenção e desperta a curiosidade por alguns aspec-tos: o texto curto, a assertividade breve, a falta de modelos que incluíssem a população recém-liberta e até mesmo sua assinatura. Leia-a abaixo (disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM3353.htm>):

Lei no 3.353 de 13 de maio de 1888Declaro extinta a escravidão no Brasil

A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro ii, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:Art. 1o: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.Art. 2o: Revogam-se as disposições em contrário.

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Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67o da Independência e do Império.

Princeza Imperial Regente

Tendo essa lei em mente, proponha aos alunos as seguintes discussões:

a. Quais foram as várias leis que construíram e desenharam um lento e gradual processo abolicionista? Por que as leis que punham fim à escravidão foram aplicadas com tantos intervalos e de maneira tão conservadora?;b. Quais impactos o fim da escravidão traria para as relações entre o Império e os pro-prietários de terras?;c. Qual foi a reação da população brasileira à abolição? Em que medida essa declara-ção representava um projeto de continuidade do Império e, ao mesmo tempo, em que medida acelerou seu fim?;d. A Lei Áurea aboliu um sistema já extinto. Descreva um dos vários movimentos de escravizados que haviam eclodido pelo país; e. Quais foram as consequências da lei para os recém-libertos? Quais relações podem ser estabelecidas entre a Lei Áurea e a situação atual dos descendentes de africanos?;f. Por que ao final da abolição foram criadas teorias raciais no Brasil que determinam “que os homens não são biologicamente iguais”?

4. Observe com os alunos a ilustração criada por Spacca e Lilia Moritz Schwarcz para a capa da versão em quadrinhos do livro As barbas do imperador.

A ilustração mostra o momento em que Pedro ii quer tirar a coroa e vestir a cartola de ci-dadão — ou quer manter tudo ao mesmo tempo —, comportamento que representa um sério dilema vivenciado pelo imperador e, consequentemente, pelos seus governados e governantes. Leia também com os alunos um trecho do diário de d. Pedro citado por José Murilo de Carvalho na p. 77 do livro Pedro II — Ser ou não ser, da coleção Perfis Brasileiros (Companhia das Letras):

Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, prefe-ria a de presidente da República ou ministro à de imperador. Se ao menos meu Pai imperasse ainda estaria eu há onze anos com assento no Senado e teria viajado pelo mundo.

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O desenvolvimento da crise do Segundo Reinado, somado às tantas novas ideias do sé-culo xix, deixavam a monarquia e seus símbolos fora de moda. Divida a turma em grupos e peça que analisem criticamente as seguintes questões:

a. Dos muitos problemas experimentados no fim do Segundo Reinado, qual dilema é registrado na ilustração acima?;b. Em meio à crise, e tentando escapar dessa conjuntura, Pedro ii aproveitou seus últi-mos anos como imperador e passou a viajar pelo mundo. Quais roteiros internacionais ele e a comitiva imperial realizaram e por quais motivos? Que tipo de imagem o monarca procurava criar quando estava no exterior?;c. A nova fragilidade da imagem do imperador estaria vinculada ao descenso do seu governo? Quais grupos representavam esse descenso?

5. A história é feita de memória e esquecimento. E nada é fruto do acaso — há sempre muita determinação no esquecimento. As imagens a seguir são clássicas produções do século xix. A primeira (imagem 12.2. e 55 do livro) destaca como elemento central da cena o pai de Pedro ii, na ocasião o primeiro imperador do Brasil, Pedro i. Nesse caso, o imortal era o Brasil independente. Tudo é imaginado por Pedro Américo: o cenário

12.2. Imagem de capa do livro As barbas do imperador: D. Pedro II, a história de um monarca em quadrinhos, Lilia Moritz Schwarcz e Spacca, 2014.

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ELA VAI CAIR: O FIM DA MONARQUIA NO BRASIL • 77

grandioso, o povo que observa a cena, a tropa uniformizada, até a geografia é alterada unindo-se o morro e as margens do rio Ipiranga. A segunda (imagem 12.4. e 82 do livro), por sua vez, procurou eternizar a proclamação da República, que oficialmente punha fim à monarquia e expulsava Pedro ii e sua família do Brasil. A cena procura mostrar uma aclamação popular à República, pacífica e unificada.

12.3. Independência ou morte ou O grito do Ipiranga, óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo, 1888.

12.4. Proclamação da República no campo de Santana, óleo sobre tela de Eduardo de Sá, 1889.

Examine com os alunos cada uma dessas imagens e, depois, passe a compará-las bus-cando analisar a forma escolhida para representar o evento histórico; observe quais são as diferenças e semelhanças entre essas representações. Peça, ainda, que atentem para a autoria das telas, a data de produção das pinturas, o contexto no qual foram criadas e sua recepção. Na análise, levante com eles os fatos históricos que envolvem os dois eventos e a maneira como foram representados. Depois de realizada “essa leitura das

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LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

12.1. Com o prolongamento e a impopularidade da Guerra, a tropa brasileira viu seu efetivo diminuir; até que, em 1866, o governo imperial obrigou cada província a enviar 1% de sua população ao conflito. Para escapar da convocação, os proprietários trocaram de lugar com seus escravos — prometiam alforria imediata. Porém, logo que voltaram ao Brasil, os libertos se depararam com a mesma realidade escravocrata. O desenhista italiano Angelo Agostini (1843-1910), o mais influente cartunista durante o Segundo Reinado, iniciou sua carreira no contexto dos primeiros embates dessa guerra, em 1865. Abolicionista, denunciou a violência do sistema.

12.2. Na capa, elaborada especialmente pelo quadrinista Spacca, vemos a simulação de Pedro ii no momento em que ele disfarça a coroa por debaixo da cartola.

12.3. O mais famoso quadro sobre a Independência do Brasil foi concluído apenas nos anos de Pedro ii, no ocaso do Império brasileiro: em 1888. Vivendo um momento de crise, o monarca buscou recuperar a magnitude do ato da emancipação e a figura do pai, Pedro i, encomendando a Pedro Américo (1834-1905) — um dos seus artistas protegidos e financiados pelo Estado — uma cena engrandecedora. Nada corresponde à realidade: as vestes de Pedro i e da corte, a quantidade de gente, o riacho do Ipiranga (devidamente aproximado), e até a colina mais elevada, cuja inspiração veio de um quadro de Ernest Meissonier, Batalha de Friedland, em homenagem a Napoleão Bonaparte e seu exército. Em nome da pátria, Américo assassinou a geografia.

12.4. Na manhã de 15 de novembro de 1889, os militares que conspiravam pela República se dirigiram ao Campo de Santana, no Rio de Janeiro, dispostos a derrubar o Império. Não houve atos heroicos, e o povo ficou de fora do roteiro. Os militares marcharam até o Paço Imperial e destituíram o presidente do gabinete ministerial. À noite, Pedro ii foi informado do golpe que proclamou a República. Na tela, porém, uma multidão, que jamais existiu, aclama o feito grandioso do marechal Deodoro da Fonseca, montado num fogoso cavalo branco e erguendo a espada, símbolo da ação militar. Nada como perpetuar o que acabava de nascer e era ainda imprevisível em seu destino.

imagens”, proponha uma discussão na classe: qual é a função de imagens como essas no imaginário popular e na formação da história oficial das nações?

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13. A PRIMEIRA REPÚBLICA E O POVO NAS RUAS

Assim como o Império, a República precisou inventar símbolos pátrios para construir um novo imaginário e se legitimar no controle do Estado brasileiro. Novamente, percebemos como o processo acomodava ruptura e continuidade: se o verde-amarelo heráldico dos Bragança e o esquema geo-métrico da bandeira nacional foram preservados — a exemplo da melodia do Hino Nacional —, um lema positivista foi estampado no céu azul de estrelas que tomou o lugar do brasão imperial. Na verdade, se o verde e amarelo lembram (ainda) as cores das duas casas imperiais extintas, já as posições das constelações na bandeira da República correspondem ao novo regime. Do motto original “Amor, ordem e progresso” só ficaram os dois últimos termos, interpretados segundo uma ótica positivista, conservadora e militarista. A República nasceu fardada. O Exército abriu mão do poder executivo somente em 1895, depois de diversas sublevações civis, militares e populares.

Desde o início, o projeto de nação dos Estados Unidos do Brasil coincidiu com a ocupação das vastidões do interior pelos poderes do Estado e do capi-tal. O Brasil republicano foi concebido como um território cujo mapa ainda precisava ser desenhado e cuja conquista foi adotada como a própria defini-ção do “caráter nacional”. No Brasil que nasceu dos vários projetos modernis-tas do início do século figuraria um mundo de ambivalências.

A lisura das eleições continuou mais que questionável (o voto não era se-creto), além de o processo eleitoral excluir mulheres e analfabetos. Pratica-mente nada foi feito para amenizar a tragédia social da herança escravista.

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Na verdade, as contradições eram muitas e o novo regime desejava se lançar à modernidade do século vindouro. Nas cidades, implementou-se um projeto de Regeneração — nome dado às reformas urbanas do período — que no entanto incluía o conceito de “degeneração” dos mestiços condenada pela ciência determinista da época. A existência de uma economia aferrada aos serviços e negócios de exportação agrária teve como resultado uma vida ur-bana bastante provisória, que passava por crises cíclicas de carestia, aumen-tos constantes nos preços dos gêneros alimentícios, nos custos de moradia e de transporte. As tentativas de reforma urbana provocaram ainda conflitos com a população, sobretudo fruto da desinformação, mas que foram supri-midos a ferro e fogo pelas autoridades. Um exemplo é a Revolta da Vacina, movimento popular contra medidas que visavam erradicar a febre amarela e que foi violentamente eliminado. A revolta foi enfim controlada, mas o saldo restou ambivalente: de um lado, erradicou-se a varíola na cidade do Rio de Janeiro; de outro, amontoaram-se as vítimas do confronto.

É importante ressaltar que as cidades cresceram, porém sem romper com a dinâmica do modelo agroexportador. Ao contrário, durante a Primeira Re-

13.1. Proclamação da República no campo de Santana, óleo sobre tela de Eduardo de Sá, 1889.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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pública expandiu-se o fenômeno conhecido como “voto de cabresto” e co-ronelismo, na sua correlação com o governo, configuração que a princípio neutralizou a atuação desses novos grupos urbanos, limitando a participação e o voto. Era um novo espetáculo nas ruas que se apresentava com imigran-tes europeus, greves operárias e lutas por direitos.

A reação à novidade não ficou restrita apenas às cidades. Em distintas regiões do país estouraram movimentos sociais (levantes da população rural como Contestado, Juazeiro, Caldeirão, Pau de Colher e Canudos) que combi-navam a questão agrária e a luta pela posse de terra com traços fortemente religiosos. Abandonados por uma República que fazia da propriedade rural a fonte do poder oligárquico, grupos de sertanejos buscaram transpor o abismo que os separava da posse da terra, teceram relações inesperadas entre a histó-ria e o milenarismo, e sonharam viver numa comunidade justa e harmônica. Sobretudo em Canudos, que passaria a habitar o imaginário nacional, mas também no Contestado, episódio menos conhecido por nós, a violência da repressão estatal teve caráter exemplar.

Entre o final do século xix e a década de 1920, no século xx, ocorreu ain-da o aparecimento de outros protagonistas na cena pública que passaram a se contrapor aos interesses das elites regionais. Exemplo de manifestações políticas da nascente classe média urbana foram o florianismo (entre 1893 e 1897) e as rebeliões tenentistas dos anos 1920 — que percorreram o país de ponta a ponta. A eclosão de vários movimentos tenentistas na década de 1920 e a Coluna Prestes-Miguel Costa desestabilizaram ainda mais o frágil equilíbrio da Primeira República. O colapso da bolsa de Nova York, em 1929, e a severa crise mundial que se seguiu decretaram por fim o término da su-premacia cafeeira nos negócios e na política do país.

No campo cultural, vários modernismos surgiram, revelando um movi-mento plural que respondia à entrada de uma nova linguagem e visão do Brasil. Mais ainda, o movimento incluía agora negros, mestiços, indígenas na nova imagem do país. Os brasileiros se aprontavam para entrar de vez no século xx, a partir de um papel comum, mas também singular dentro do concerto das nações.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Em 15 de novembro de 1889 foi declarada a República no Brasil e extinta a monarquia. Sempre que o regime político é alterado, é preciso correr com a ofi cialização do pro-cesso e a substituição de dísticos pátrios muito vinculados ao antigo regime. Símbolos como a bandeira, o hino e o calendário festivo nacional também são mobilizados com esse fi m. A partir dessas considerações, proponha as seguintes atividades aos alunos:

a. Redigir um texto explicando o signifi cado dos novos símbolos republicanos, bem como os motivos para tanta mudança acelerada. Com relação à nossa bandeira, identi-fi car a que países e períodos a manutenção das cores verde e amarelo faz referência e de que maneira seu signifi cado foi alterado durante a República;b. Outro símbolo criado no contexto foi o Hino da República (disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acervo/simbolos-nacionais/hinos/hino-da-proclamacao-da-repu-blica>). Dele, as autoras destacam alguns excertos:

[…]

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós,Das lutas na tempestade Dá que ouçamos tua voz

Nós nem cremos que escravos outrora Tenha havido em tão nobre País… Hoje o rubro lampejo da aurora Acha irmãos, não tiranos hostis.

Somos todos iguais! Ao futuro Saberemos, unidos, levar

13.2. Imagem da bandeira provisória do Brasil republicano utilizada por quatro dias.

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Nosso augusto estandarte que, puro, Brilha, ovante, da Pátria no altar!

[…]

Comentar um dos trechos em destaque, buscando explicitar significados e contradições com o período da República recém-instaurada. Explicar também os versos “Nós nem cremos que escravos outrora/ Tenha havido em tão nobre País”: Quando havia sido abo-lida a escravidão? Por que usar “outrora”?

2. Interprete, junto com os alunos, o paradoxo da nossa experiência republicana: a Repú-blica que emergiu em 1889 não era apenas uma forma de governo conservadora, como demonstrou quase nenhuma sensibilidade para a questão social. Proponha aos alunos as atividades a seguir:

Analisar a primeira fase republicana, dirigida pelo marechal Deodoro da Fonseca e por Floriano Peixoto, ambos militares. E responder às seguintes questões: por que os mili-tares assumiram o poder com a República? Quais setores se uniram para dar o golpe? Por que as autoras chamam de golpe a essa mudança de regime? O que seria um regime verdadeiramente republicano?

3. No início do século xx, o Brasil era um país que misturava o novo — as cidades, as in-dústrias, as novas tecnologias — com o velho — costumes, falta de participação social e política, grande propriedade latifundiária. Também estava evidente que os projetos de modernização alardeados pelo governo demorariam a ser realizados e eram profunda-mente antipopulares. Bom exemplo foi o projeto do “bota-abaixo” (nos termos do escri-tor Lima Barreto): conhecido como Reforma Pereira Passos, esse foi um amplo projeto de reurbanização, que visava modernizar o centro do Rio de Janeiro, capital do Brasil no início do século, expulsando a população pobre.

a. Comentar o que foi a Reforma Pereira Passos e por que se demoliram não só edi-ficações como até mesmo morros, caso do Morro do Castelo. Procurar nos jornais de época e na internet fotografias acerca da demolição de partes do Rio de Janeiro para a construção de espaços “mais nobres”;b. Concomitantemente à reformulação urbana, desenvolvia-se um projeto higienista liderado por Oswaldo Cruz. O cientista foi logo aclamado — junto com Santos Dumont — herói nacional, graças ao sucesso da vacinação pública contra a febre amarela. No entanto, esqueceram-se de “avisar a população”. Juntos, a Reforma Pereira Passos e o higienismo de Oswaldo Cruz representavam projetos de modernização vistosos e im-portantes, mas também confirmavam sistemas de exclusão e preconceito. Comentar e explicar esses projetos, destacando aspectos positivos e negativos; c. A urbanização chegava para ficar. A despeito de a maior parte da população ainda

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habitar o interior ruralizado, a urbanização crescente tornava-se manifesta em todo o país. Analisar e levantar dados sobre a indústria nos primeiros anos do século xx, acerca da chegada de novas levas de imigrantes e sobre o processo de substituição das impor-tações causado pela Primeira Guerra Mundial.

4. As imagens a seguir foram produzidas durante a Primeira República e representam discursos artísticos diametralmente distintos. Observe-as com os alunos e, em seguida, sugira as atividades:

a. A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um dos movimentos artísticos e culturais de maior relevância no Brasil. Sua proposta atacava diretamente grande parte da formação cultural do país e a importação de ideias. O novo conceito era o da antropofagia, que remetia a costumes da época dos tupinambás. Comentar a relevância disso, conside-rando a efervescência cultural do período; explicar ainda a concepção de antropofagia defendida por Oswald de Andrade no seu manifesto e mencionar os demais modernismos — carioca, mineiro e pernambucano, por exemplo — que estouraram em outros estados do país, estabelecendo proximidades e variações entre eles;

13.3. “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade. Revista de Antropofagia, 1928.

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b. Tiradentes, o principal propagandista da Conjuração Mineira, aparece como persona-gem central da segunda figura. Explicar como esse “herói sem face” teve sua imagem reconstruída no final do Império e, sobretudo, durante a República. Compará-lo então com o “herói sem nenhum caráter”, Macunaíma, criado por Mário de Andrade no ro-mance homônimo publicado em 1928.

5. Solicite aos alunos que escolham três entre as muitas revoltas, greves, conflitos e “per-turbações da ordem” ocorridos durante a Primeira República. Para cada uma, eles de-vem analisar quem foram seus articuladores, o que pleiteavam e em que medida essas reivindicações relacionavam-se à luta por direitos, pela extensão da cidadania e pela inclusão social.

13.4. Martírio de Tiradentes, de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, 1893.

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LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

13.1. Na manhã de 15 de novembro de 1889, os militares que conspiravam pela República se dirigiram ao Campo de Santana, no Rio de Janeiro, dispostos a derrubar o Império. Não houve atos heroicos, e o povo ficou de fora do roteiro. Os militares marcharam até o Paço Imperial e destituíram o presidente do gabinete ministerial. À noite, Pedro ii foi informado do golpe que proclamou a República. Na tela, porém, uma multidão, que jamais existiu, aclama o feito grandioso do marechal Deodoro da Fonseca, montado num fogoso cavalo branco e erguendo a espada, símbolo da ação militar. Nada como perpetuar o que acabava de nascer e era ainda imprevisível em seu destino.

13.2. Logo no início da República, uma verdadeira batalha simbólica é travada. Dentre outros, foi necessária a criação de uma nova bandeira nacional. Foi então aberto um concurso público, e vários projetos foram enviados. Na flâmula reproduzida vemos praticamente a cópia da bandeira norte-americana, apenas com as cores verde e amarelo a distinguir o projeto. Aliás, diferentemente do que se costuma dizer, as cores não correspondiam a nossa mata e a nosso ouro, e sim às cores das Casas Imperiais destituídas, dos Bragança e dos Habsburgo.

13.3. O “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade, converteu-se numa espécie de bandeira do modernismo brasileiro. Composto de vários aforismos, ele foi lido pela primeira vez em 1928, na casa de Mário de Andrade, e publicado na Revista de Antropofagia. Misturando poesia com muito bom humor, e trazendo referências a autores como Freud, Marx, Breton, Picabia, Rousseau e Montaigne, Oswald combinava, ainda, passagens retiradas das diferentes culturas formadoras do Brasil. “Contra todos os importadores de consciência enlatada”, o texto metaforizava o costume canibalista dos nativos da Terra Brasilis, sugerindo a “ingestão” crítica do cardápio de ideias vindo de fora e sua “deglutição” adequada à realidade do país.

13.4. O artista acadêmico Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, fiel ao gênero das pinturas históricas que engrandeciam a nação, e seguindo a nova voga que retomava a imagem de Tiradentes, retrata o inconfidente mineiro como Cristo diante da cruz. Todos lamentam sua futura morte: o padre olha para os céus como se esperasse um milagre; uma pomba voa à frente do cadafalso, e até o carrasco, que não acidentalmente é negro, mira o chão e tapa os olhos como se estivesse arrependido do ato que está prestes a realizar.

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14. SAMBA, MALANDRAGEM E MUITO AUTORITARISMO NA GÊNESE DO BRASIL MODERNO

Em outubro de 1930, tropas rebeldes lideradas pelo ex-governador gaú-cho Getúlio Vargas depuseram o presidente Washington Luís e impediram o presidente eleito Júlio Prestes de ser empossado. Os presidentes estaduais (governadores) foram depostos, e os legislativos locais e federal, dissolvidos. O Judiciário sofreu intervenção e expurgos.

Inaugurou-se um período de quinze anos conhecido como Era Vargas que incluiu um longo período ditatorial — o Estado Novo (1937-45): militaris-mo, censura à imprensa, sufocamento brutal da oposição política e dos mo-vimentos operários. Por outro lado, Vargas rompeu com a hegemonia das oligarquias rurais, lançou as bases para a industrialização efetiva do país e implantou uma legislação federal para regular os direitos dos trabalhadores urbanos pela primeira vez.

No entanto, o fim da Primeira República deixou muitos descontentes. A tentativa paulista de reconquistar o poder central em 1932 correspondeu a um fracasso militar absoluto, mas ajudou a pressionar a promulgação de uma nova Constituição, dois anos depois, que substituiu a de 1891. O voto secreto e a participação eleitoral das mulheres representaram avanços significativos.

No breve interlúdio constitucional, eclodiu uma revolta comunista apoia-da pela União Soviética e liderada por Luís Carlos Prestes, ex-líder da Coluna Prestes. Em Natal, Recife e Rio de Janeiro, a reação governista foi, porém, rápida e eficiente. Esses eram anos de grande radicalismo ideológico, e a

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14.1. “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade. Revista de Antropofagia, 1928.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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SAMBA, MALANDRAGEM E MUITO AUTORITARISMO NA GÊNESE DO BRASIL MODERNO • 89

repressão não tardou. Em 1937, com o pretexto de sufocar uma inexisten-te conspiração comunista, inventada por militares golpistas, Vargas fechou o Congresso Nacional, outorgou uma nova Constituição e instalou uma di-tadura simpática ao fascismo e de inspiração modernizante e pragmática. Nenhum governo anterior a Vargas devotou mais esforços a tentar construir um aparato próprio para se legitimar e difundir seu ideário político. A peça--chave que ligou o sistema e o fez funcionar foi concebida por ele, em 1939, sob a forma de uma agência com gigantesco poder de interferência na área de comunicação — o Departamento de Imprensa e Propaganda (dip). A agên-cia interferiu em todas as áreas da cultura brasileira: censurou formas de ma-nifestação artística e cultural; instrumentalizou compositores, jornalistas, escritores e artistas; explorou o potencial da imprensa escrita e aproveitou o impacto tecnológico operado pelos novos veículos de comunicação — rádio e cinema — para propagandear as ações e iniciativas do governo.

Iniciada a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas patrocinou uma nova guinada. Se num primeiro momento apoiou o governo alemão, mais à frente se viu obrigado a abandonar suas simpatias pelo nazifascismo. Os Estados Unidos, que após a guerra se tornariam uma das duas superpotências mun-diais — a outra seria a União Soviética —, intensificaram sua estratégia para tentar o controle geopolítico das Américas, e buscaram a adesão, aos poucos, do governo Vargas para a causa dos Aliados. O Brasil enviou 25 mil soldados para combater as forças fascistas na Itália, em 1944, e cedeu bases aéreas no Nordeste aos norte-americanos. Em troca, a ditadura recebeu empréstimos que, entre outros investimentos em infraestrutura, possibilitaram a implan-tação da siderurgia no país. O conflito mundial de 1939 a 1945 teve grandes repercussões internas.

Desgastado pela longa permanência no poder, Getúlio acabou deposto por um golpe militar em novembro de 1945. Mas ele voltaria. Poucos meses depois da sua saída da presidência, elegeu-se senador e continuou a ser o mais influente personagem político do país. Getúlio Vargas era mesmo mui-tos e em vários sentidos.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Como ponto de partida para motivar os alunos a entender esse período repleto de per-sonagens complexos, leia este excerto retirado da p. 356 do livro e depois peça que discutam os itens abaixo.

[…] Júlio Prestes até podia ganhar nas urnas, rosnavam uns para os outros, mas Ge-túlio venceria nas armas.A alternativa de enveredar por uma solução armada não era fanfarronada dos jovens líderes civis — ela contava com a firme adesão dos tenentes.

a. A ameaça mencionada no trecho acima estimulou e justificou a Revolução de 1930. Identificar os vários motivos e as justificativas desse movimento, destacando quais eram as novas circunstâncias do país que tornavam essa possibilidade real;b. Getúlio Vargas e a Aliança Liberal constituíam uma nova proposta política para o Bra-sil, apesar da derrota esmagadora nas eleições de 1930. Quais as implicações dessa re-volução e quais eram os propósitos e a formação desse novo grupo que chegava ao poder?

2. Todo movimento traz sempre consigo a oposição. Se era do interesse de uma grande maioria acabar com a Política dos Governadores e terminar com a prevalência dos estados de São Paulo e Minas Gerais sobre o resultado das eleições, obviamente não houve apoio integral a esse projeto. Sobretudo São Paulo e sua rica elite cafeicultora opuseram-se frontalmente a ele e fizeram o que foi possível para perturbar o governo de

14.2. Panfleto “Tudo por São Paulo!”, 1932.

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Getúlio Vargas. Foi com esse intento que os paulistas armaram a revolta de 1932. Sobre o tema, proponha as seguintes indagações a seus alunos:

a. Nas palavras de Oswald de Andrade, “São Paulo é a locomotiva que puxa os va-gões velhos e estragados da federação”. Qual a importância e os impactos disso para o desenvolvimento da Revolução de 1932? Qual era o papel de São Paulo no cenário nacional e nesse contexto?;b. Interpretar a imagem14.2. (imagem 93 do livro) e explicar como se desenvolveu e como acabou a guerra civil de 1932. Quais foram as estratégias de Vargas para norma-lizar as divisões protagonizadas pelo estado de São Paulo?

3. O Estado Novo (1937-45) é conhecido como o período ditatorial de Getúlio Vargas. Di-reitos suspensos, prisões em massa, controle sobre as publicações e informações atra-vés do Departamento de Imprensa e Propaganda (dip) foram algumas das medidas de controle e coerção política manejados pelo governo. O Estado Novo fazia referência ao regime fascista de Salazar em Portugal e compartilhava alguns traços com o fascismo europeu dos anos 1930. Sobre o período, apresente aos alunos a imagem abaixo 14.3. (imagem 96 do livro) e peça a eles para analisarem as seguintes atividades:

14.3. A juventude brasileira em frente ao Palácio Tiradentes, fotografia de autor desconhecido, 1941.

a. Diferenciar o Estado Novo varguista das experiências fascistas na Europa — portu-guesa, italiana ou ainda espanhola. Explicar a expressão “pequenino fascismo tupinam-bá” mencionado em Brasil: Uma biografia e pesquisar mais dados sobre o autor que a cunhou. Analisar também o integralismo brasileiro mostrando adaptações nacionais ao modelo europeu;b. Apesar de não ser possível definir o governo de Vargas a partir de modelos tradicio-nalmente fascistas, é possível perceber sua afinidade com esse regime. Nesse sentido, explicar o fim do Estado Novo e relacioná-lo ao ocaso do nazifascismo depois do fim da Segunda Guerra Mundial;

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c. Analisar as relações de Getúlio Vargas com a Alemanha e sua atitude diante da mili-tante Olga Benário. Fazer um perfil do casal Luís Carlos Prestes e Olga Benário.

4. Com Getúlio Vargas, o papel do Estado como mediador das relações de trabalho foi implementado, e o Brasil reconheceu que os direitos sociais significavam o estabeleci-mento da dignidade e da proteção que a sociedade devia ao trabalhador. Entre 1930 e 1945, Vargas implantou a legislação trabalhista e previdenciária brasileira — e, vale lembrar, com tal competência que essa legislação só seria modificada, e mesmo assim parcialmente, a partir de 1985. Mas, como toda estratégia política desenhada por Var-gas, essa também tinha dois lados, e o preço a pagar por ela era a restrição da liberdade política. Ou o trabalhador aceitava ser incorporado à sociedade pela tutela do Estado e, para tanto, abria mão da sua ação sindical e política independente, ou assumia o risco de ser sistematicamente perseguido pela polícia.Solicite aos alunos que ouçam o samba “O bonde de São Januário”, de Wilson Batista, mencionado em Brasil: Uma biografia e analisem sua letra refletindo sobre os direitos sociais trabalhistas e a importância da canção popular no período. Peça ainda que pes-quisem a história dessa música e sobre o compositor, pontuando a situação dos direitos e da liberdade política à época.

5. No governo de Vargas, a cultura era entendida como um assunto de Estado. Por meio do dip, além da censura, o governo interferiu em todas as áreas da cultura brasileira. Um exemplo foi a criação de novos modelos de identidade nacional que visavam cele-brar uma suposta — e estetizada — diversidade racial e cultural brasileira — ao sul do Equador, nada é puro e tudo estaria misturado. Assim, a feijoada, o samba, a capoeira e o candomblé foram inseridos na agenda das manifestações culturais agora “nacionais”. A partir dessa questão, introduza junto à turma as seguintes atividades:

14.4. Cartaz do filme The three caballeros, com Pato Donald, Panchito, Zé Carioca, Aurora Miranda, 1944.

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LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

14.1. O “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade, converteu-se numa espécie de bandeira do modernismo brasileiro. Composto de vários aforismos, ele foi lido pela primeira vez em 1928, na casa de Mário de Andrade, e publicado na Revista de Antropofagia. Misturando poesia com muito bom humor, e trazendo referências a autores como Freud, Marx, Breton, Picabia, Rousseau e Montaigne, Oswald combinava, ainda, passagens retiradas das diferentes culturas formadoras do Brasil. “Contra todos os importadores de consciência enlatada”, o texto metaforizava o costume canibalista dos nativos da Terra Brasilis, sugerindo a “ingestão” crítica do cardápio de ideias vindo de fora e sua “deglutição” adequada à realidade do país.

14.2. Humilhados com a perda de sua posição política e considerando-se vítimas de uma injustiça continuamente evocada, aos paulistas só restava embarcar numa revolução cujo intento era a “recuperação da dignidade” — ainda que o preço a pagar fosse a secessão. Em 1932, era assim que boa parte da população de São Paulo enxergava o governo provisório de Getúlio Vargas. O movimento armado do estado para derrubar Vargas teve as características de uma guerra civil.

14.3. O Desfile da Juventude reuniu, por dez anos, jovens entre onze e dezoito anos. Os meninos deveriam se apresentar com uniforme de educação física, e as meninas, cobertas por blusas e túnicas. A proliferação das manifestações cívicas durante o Estado Novo tinha como objetivo produzir a imagem de uma nação coesa, organizada em torno da figura do líder, Getúlio Vargas. Na foto, a monumentalidade das colunas e o gigantesco painel com a imagem de Vargas evocam a cenografia do fascismo.

14.4. Em 1944, Disney lança o filme Você já foi à Bahia?, na tradução em português. No cartaz, vemos as três imagens que deveriam representar a união dos países latino-americanos: o México é um galo pistoleiro, Donald é um pato mal-humorado, muito compenetrado, que representa os eua, e Zé Carioca é um papagaio — pois tem todas as cores do Brasil e dos trópicos —, malandro, sambista e bom de bola. Ao centro, Aurora Miranda, uma portuguesa, irmã de Carmen Miranda, representa uma espécie de “nativa universal”. Com suas maracas e roupas que pretendem referenciar qualquer parte da América Latina, ela é o emblema e símbolo das “morenas” sensuais do continente sul-americano.

a. Identificar o interesse varguista na criação desse modelo e analisar por que mestiça-gem pode ser identificada como mistura, mas também separação e hierarquia;b. A aliança do Brasil com os Estados Unidos, na segunda fase da Segunda Guerra Mundial, colaborou para a criação do modelo do novo Brasil. O personagem Zé Carioca, de Walt Disney, criado a partir da visita do produtor ao Rio de Janeiro, fruto da políti-ca de boa vizinhança de Roosevelt, contribuiu para formar um modelo de identidade divulgado dentro e fora do Brasil. Assistir ao filme Alô, amigos ou Você já foi à Bahia?, analisando o papel dos diferentes personagens nele presentes e tendo em vista o con-texto em que foram criados;c. Pesquisar os temas abordados pelos principais intelectuais do período — como Gil-berto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., considerados os três primei-ros grandes intérpretes do país.

SAMBA, MALANDRAGEM E MUITO AUTORITARISMO NA GÊNESE DO BRASIL MODERNO • 93

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15. YES, NÓS TEMOS DEMOCRACIA

Uma nova Constituição foi promulgada em 1946. O Brasil era governado por Eurico Gaspar Dutra, militar conservador e ex-ministro do regime var-guista. A Constituição, porém, era o resultado das lutas contra o Estado Novo e com ela começava um período de experimento democrático, desenvolvi-mento econômico e efervescência social que durou até o golpe de 1964. A instalação da indústria de base e o aumento da urbanização transformariam as paisagens do país num ritmo nunca visto.

A política nacional sofreu influência dos acontecimentos da Guerra Fria, travada entre as potências capitalistas (Estados Unidos e Europa Ocidental) e comunistas (União Soviética e China) que disputaram o planeta depois da derrota do nazifascismo no conflito mundial. Os principais partidos políticos — udn, ptb e psd — competiam por corações e mentes no contexto da pola-rização ideológica e dos interesses conflitantes das suas bases sociais.

Dutra foi sucedido em 1951 por Getúlio Vargas. O ex-ditador, agora con-sagrado pelo voto popular, realizou reformas duradouras. Intensificou a par-ticipação do Estado na economia, fundou a Petrobras e aliou-se taticamente com a esquerda sindicalista e comunista. Acusado de corrupção e desmandos, Vargas sofreu um cerco político e midiático implacável. Os comandantes mi-litares, até 1945 grandes aliados da ditadura varguista, passaram a conspirar novamente pela deposição do presidente. Em 24 de agosto de 1954, no auge

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YES, NÓS TEMOS DEMOCRACIA • 95

de uma grave crise institucional, Vargas se matou com um tiro no coração em pleno Palácio do Catete. Mas seria o povo que garantiria a democracia nas ruas, evitando o golpe de Estado.

15.1. A juventude brasileira em frente ao Palácio Tiradentes, fotografia de autor desconhecido, 1941.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Depois do longo e diversificado período varguista, a democracia brasileira voltava com um militar ex-integrante do governo Vargas, Eurico Gaspar Dutra. Concorrendo com outro militar, o brigadeiro Eduardo Gomes, Dutra ganhou a eleição e assumiu o governo em 1946.

Sobre o governo Dutra, proponha os seguintes debates aos alunos:

a. A foto acima representa a grande marca do governo de Dutra no Brasil e sua aposta de fortalecimento de relações com os Estados Unidos. Qual era esse projeto? Quais as relações que podem ser estabelecidas entre esse projeto e o governo Vargas?;b. No início de 1945, caía o Estado Novo, mas crescia o prestígio popular de Getúlio, que se expressava sobretudo no “queremismo”. Quais eram as bases desse movimento? Qual foi seu papel e quais as influências de Vargas no período?

2. No subcapítulo “De volta ao Catete”, as autoras citam a seguinte frase emitida por Carlos Lacerda, grande inimigo político de Vargas: “O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar

15.2. Presidente Harry S. Truman cumprimenta o presidente Eurico Gaspar Dutra durante visita oficial ao Brasil, setembro de 1947.

96 • CADERNO DE ATIVIDADES

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posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar” (p. 401). O trecho é apenas um exemplo da oposição cada vez mais radical e intransigente que o presidente Getúlio Vargas iria enfrentar no seu regresso ao Catete, agora nos braços do povo. Tendo esse contexto complexo em mente, peça aos alunos que respondam:

a. Quais foram as mudanças que Vargas teve de enfrentar na estrutura de governo e no regime político em 1951?;b. Quais crises internas e externas foram enfrentadas por Getúlio no seu derradeiro governo? Comentar.

3. João Goulart, o popular Jango, estava à frente do Ministério do Trabalho de Getúlio, parceria que refletia uma nova circunstância nessa segunda fase varguista. Vargas havia reajustado os pontos principais do seu antigo projeto nacionalista e industrializante ao novo contexto internacional, e concentrado tudo em apenas duas bases: desenvolvimen-to e bem-estar social. E nomeou Jango para atuar junto aos setores sociais que mais lhe deram apoio, desde a década de 1930. Jango anunciou à época um aumento de 100% no salário mínimo, mas a oposição não daria sossego nem ao ministro nem ao presidente. Apresente os seguintes temas aos alunos:

a. Quais camadas da sociedade brasileira não se identificavam com as medidas de Jango? Por quê?; b. Quais os desdobramentos sofridos por Vargas e Jango da oposição a medidas que contribuíam para a inclusão social?

4. No final de 1951, Getúlio enviou ao Congresso o projeto de lei que fixaria, no imaginá-rio nacional, a convicção de que seu programa político tinha, de fato, a pretensão de garantir a independência do país através do desenvolvimento econômico autônomo — a criação da Petrobras. A Campanha do Petróleo assumiu o formato de grande mobiliza-ção cívica em defesa das riquezas nacionais, reuniu setores muito amplos da sociedade em torno do slogan “O petróleo é nosso!” e contribuiu para amadurecer entre os brasi-leiros o sentimento de soberania nacional. Com seus erros e acertos, o governo Vargas pôs em cena, pela primeira vez, de forma nítida, o embate entre projetos distintos de modernização do país. Esses projetos entendiam de maneira oposta as funções do Es-tado, apresentavam leituras diferentes da realidade e em torno deles toda a sociedade brasileira iria se dividir dramaticamente no decorrer das décadas seguintes. Proponha uma discussão na classe sobre esses projetos, debatendo a imagem 15.3. (imagem 99 do livro) e estabelecendo paralelos com o projeto nacional-desenvolvimentista de Vargas entre 1951-4.

5. Leia com os alunos os trechos da carta-testamento de Vargas, de 1954 (disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/as_duas_cartas_de_getulio_vargas.html>):

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98 • CADERNO DE ATIVIDADES

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. […] Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. […]E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Sere-namente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

A partir da leitura desse documento histórico, que marcou não só o derradeiro instante do governo de Vargas, mas também a memória dos brasileiros, e uma verdadeira guina-da política, proponha um debate com os alunos acerca das seguintes perguntas:

a. Quais foram os últimos fatos que evidenciaram a insustentável crise vivida pelo go-verno Vargas?;

15.3. Cartaz da criação da Petrobras, 1953.

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b. Explicar os trechos destacados no texto analisando seu possível significado no con-texto em que a carta foi escrita; c. Fazer um levantamento sobre as charges criadas em torno da figura de Vargas e mos-trar como o humor procurava aproximar o presidente da população;d. Realizar uma pesquisa sobre a música popular na época de Vargas, procurando iden-tificar nas canções referências dos processos de modernização do país. Investigar a obra de artistas como Pixinguinha, Noel Rosa, Ataulfo Alves, entre outros.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

15.1. O Desfile da Juventude reuniu, por dez anos, jovens entre onze e dezoito anos. Os meninos deveriam se apresentar com uniforme de educação física, e as meninas, cobertas por blusas e túnicas. A proliferação das manifestações cívicas durante o Estado Novo tinha como objetivo produzir a imagem de uma nação coesa, organizada em torno da figura do líder, Getúlio Vargas. Na foto, a monumentalidade das colunas e o gigantesco painel com a imagem de Vargas evocam a cenografia do fascismo.

15.2. O período do governo Dutra ficou reconhecido como um momento de aproximação com os EUA. Claramente desiguais, os norte-americanos vieram com a “tecnologia” e os brasileiros, com os “produtos naturais”. Na época ficou famosa uma piada do presidente brasileiro, sobre seus conhecimentos do idioma inglês. Perguntado pelo americano sobre como estava — “How do you do Dutra?” —, o brasileiro teria respondido — “How throw you throw Truman?”!

15.3. Em 1953, Getúlio Vargas aprovou a lei de criação da Petrobras — a empresa que iria simbolizar, dali em diante, a independência do país através do desenvolvimento econômico autônomo. A defesa do monopólio da exploração do petróleo pelo Estado empolgou as ruas e se transformou num dos maiores movimentos cívicos da história do Brasil pela preservação das riquezas nacionais.

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16. OS ANOS 1950-1960: A BOSSA, A DEMOCRACIA E O PAÍS SUBDESENVOLVIDO

À morte de Vargas se seguiram meses de forte instabilidade política. Gol-pistas e legalistas disputaram ferozmente o controle do Estado, mesmo de-pois da realização de eleições em 1955, nas quais saiu vitorioso o pessedista Juscelino Kubitschek, ex-governador de Minas Gerais.

Passados os sobressaltos iniciais, o mandato de Juscelino entraria para a história como um período de grande prosperidade econômica, baseada na industrialização (com destaque para a produção de automóveis) e na realiza-ção de obras públicas de infraestrutura. Mas também houve descontrole dos gastos públicos, corrupção, inflação, concentração de renda e aumento da de-pendência externa do país. Concretizando um projeto já algumas vezes antes imaginado, o presidente constrói a nova capital, Brasília, em pouco mais de três anos. Essa utopia moderna, com a ideia subjacente de integração do inte-rior ao centro, forneceu ao governo de Kubitschek um símbolo compreensí-vel pela população. Mas os gastos daí decorrentes contribuem decisivamente para o endividamento público e o aumento da inflação. Automóveis, a Bossa Nova e Brasília viraram símbolos de um novo Brasil, que parecia ter pressa (e custava caro).

A eleição e a posterior renúncia do ex-governador paulista Jânio Quadros iniciaram um retrocesso democrático. O vice-presidente João Goulart (Jan-go), herdeiro político de Getúlio Vargas, quase não conseguiu ser empossado. Para ter sua permanência no Palácio do Planalto garantida, teve que concor-dar com uma fórmula parlamentarista que reduziu seus poderes.

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16.1. Cartaz da criação da Petrobras, 1953.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Na esteira da insatisfação e insegurança causadas pelo suicídio de Getúlio Vargas, jk quase não assumiu seu governo. No início do capítulo, as autoras mencionam um epi-sódio revelador da situação em que se encontrava o país:

O levante de Jacareacanga não durou vinte dias — antes do final de fevereiro a rebe-lião estava liquidada. Contudo, o episódio era indicativo do alto grau de instabilidade política do país. O presidente que os oficiais da Aeronáutica queriam derrubar fora empossado no cargo havia menos de um mês: Juscelino Kubitschek.

Proponha uma discussão com a turma sobre a maneira como se apresentava essa si-tuação de desequilíbrio político no país. Também discuta com os alunos a aproximação de Juscelino com as forças militares: quais os motivos dessa aproximação? Quais suas consequências?

2. Juscelino vestia a camisa do “desenvolvimentismo”. Sua proposta, anunciada desde as eleições com o slogan “cinquenta anos em cinco”, confirmava-se ao longo do seu governo com o franco desenvolvimento industrial, que ia mudando a lógica da produção

16.2. JK em um carro de fabricação nacional, fotografia de autor desconhecido, 1956.

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de bens de consumo e alterava diretamente a vida do brasileiro. Sobre esses que foram chamados de “anos dourados”, solicite aos alunos as seguintes tarefas:

a. Analisar a imagem 16.2. (imagem 105 do livro) e explicar o conceito de desenvol-vimentismo. Avaliar positiva e negativamente a importância do Plano de Metas de jk;b. Comentar as consequências previstas (e imprevistas) do plano de industrialização de jk na economia e na sociedade brasileira; c. Realizar um trabalho sobre Brasília comparando seu plano inicial, seu cotidiano nos primeiros anos e sua realidade atual. Fazer um trabalho com as fotografias de época — Gautherot, Thomas Farkas e Peter Scheier —, analisando paralelamente distintos momentos experimentados pela nova capital do país;d. Realizar uma pesquisa sobre as novas estradas que jk abre para a interiorização do Brasil.

3. Artistas como Tom Jobim, João Gilberto, Vinicius de Moraes, entre outros, mudaram os rumos da produção artística brasileira. Desafinando de maneira afinada os “novos tempos”, a Bossa Nova era uma linguagem e um movimento musical que conquistou o Brasil e o mundo. Mas não foi apenas a produção musical que ganhou novo fôlego. Com base na leitura do subcapítulo “Procura-se o povo brasileiro” (pp. 417-28), solici-te aos alunos que façam pesquisas sobre a produção cultural do período, em especial sobre a Bossa Nova, o Cinema Novo, o projeto arquitetônico e urbanístico de Brasília e sua construção, as chanchadas, o teatro. A turma pode ser dividida em grupos, ficando cada grupo encarregado de investigar um aspecto dessa produção. Ao final, podem ser montados painéis para a exposição conjunta e paralela das pesquisas.

16.3. Tom Jobim e Vinicius de Moraes na estreia de Orfeu da Conceição, fotografia de José Medeiros, 1956.

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4. Jânio Quadros foi um presidente de fato marcante: fala firme, frases de efeito, expressão teatral. Sua figura denunciava muita retórica e performance, mas pouca ação. De forma tão barulhenta como chegou, Jânio se foi, renunciando ao cargo repentinamente: “Deu uma de Jânio”, como diz o provérbio. Sobre seu governo, instigue os alunos a avaliarem as seguintes questões:

a. As autoras intitulam o subcapítulo em que tratam do governo de Jânio de “O semea-dor de vento” (p. 428). Como esse título pode ser interpretado?;b. Qual era a provável expectativa de Jânio ao renunciar ao cargo? Quais eram os planos do presidente?

5. Com a renúncia de Jânio, o vice-presidente João Goulart deveria assumir o poder; con-tudo, os ministros militares deram uma cartada política. Apostaram numa espécie de golpe constitucional, de baixo custo para as Forças Armadas: intimidar o Congresso para que os parlamentares declarassem o impedimento de Goulart. Peça aos alunos que respondam às questões abaixo:

a. Quais foram os fatos decisivos que determinaram a tensão política no Brasil em 1961?;b. Qual foi a saída elaborada pelos ministros? Que tipo de mudança esse novo modelo impunha ao país?;c. O que foi a Campanha da Legalidade? Qual sua importância para a manutenção da democracia no país naquele momento?

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

16.1. Em 1953, Getúlio Vargas aprovou a lei de criação da Petrobras — a empresa que iria simbolizar, dali em diante, a independência do país através do desenvolvimento econômico autônomo. A defesa do monopólio da exploração do petróleo pelo Estado empolgou as ruas e se transformou num dos maiores movimentos cívicos da história do Brasil pela preservação das riquezas nacionais.

16.2. “Voava com qualquer tempo e pousava em qualquer campo.” Juscelino Kubitschek não perdia tempo: precisava tocar o Plano de Metas, construir Brasília e fazer o Brasil avançar “cinquenta anos em cinco”, no rumo da modernidade. E era bom de marketing. Nas fotos oficiais ele aparecia sempre circundado por seus tantos feitos: neste caso, a bordo de um automóvel saindo da fábrica com 50% de peças nacionais.

16.3. Em 1956, no Rio de Janeiro, Tom Jobim e Vinicius de Moraes — o poeta que encaminhou sua poesia do livro para a canção popular — estavam a um passo da Bossa Nova: a peça Orfeu da Conceição estreou em setembro de 1956, no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, com repertório musical que redescobria o samba, a valsa, a modinha e explorava as possibilidades de recriações e de simplificações de ritmo. A canção mais famosa da dupla, porém, “Garota de Ipanema”, só seria composta em 1962. Mas com ela, a Bossa Nova conquistou o mundo.

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17. NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA

No espírito radicalizado da Guerra Fria, duas agendas políticas, à esquer-da e à direita, disputavam para se transformar num projeto para o país — e a disputa seguiu seu curso sem disposição e sem capacidade de se resolver dentro das regras democráticas. As forças civis e militares que planejavam a tomada do poder desde o colapso do segundo governo Vargas fizeram de tudo para inviabilizar o mandato de Jango. Já ao governo faltava habilidade de convencimento, um rumo claro e organização, e sobrava radicalismo às forças políticas que atuavam dentro e fora do Congresso Nacional.

As reformas de base eram o ponto central do programa de Jango para enfrentar as desigualdades sociais e regionais e estimular o desenvolvimen-to do país. O movimento sindical, cada vez mais organizado e abrangente, exigia a reforma urbana e a melhoria das condições salariais. Os estudantes universitários e secundaristas, reunidos em grêmios e diretórios acadêmicos, haviam adquirido voz estridente e ativa nos debates políticos. As tensões so-ciais e os protestos no campo e na cidade se acirravam na esteira da radicali-zação ideológica. O Brasil vivia uma era de ouro na cultura erudita e popular: Guimarães Rosa, Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Ariano Suassu-na e Clarice Lispector, mas também Tom Jobim e João Gilberto, Cinema Novo e Teatro de Arena.

Em 31 de março de 1964, tropas do Exército baseadas em Minas Gerais se rebelaram contra o presidente. O regime democrático fundado pela Cons-

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tituição de 1946 caiu no dia seguinte. João Goulart partiu para o exílio. Em 11 de abril, o general Castelo Branco foi eleito presidente da República por um Congresso Nacional mutilado. Quem estava nas listas de “esquerdistas” e “comunistas” e não conseguiu fugir para o exterior foi preso ou teve que se esconder. Dezenas de milhares de detenções, cassações, demissões e tor-turas foram registradas antes do final do ano. Começavam duas décadas de ditadura militar.

Foram 21 anos de ditadura. A política partidária e parlamentar ficou res-trita a dois partidos: a Arena, agremiação oficial, e o mdb, a oposição que os militares imaginavam que se comportaria apenas como a oposição consenti-da pelo governo — e, nesse caso, estavam enganados. Embora o pib tenha se multiplicado com o “milagre econômico” implementado pela mão de ferro dos militares e seus burocratas, e apesar da milionária propaganda ufanis-ta, as desigualdades sociais se acirraram num país repartido entre regiões avançadas e regiões muitíssimo atrasadas onde havia fome, miséria absolu-ta, baixa expectativa de vida e alta taxa de mortalidade infantil. A violação sistemática dos direitos humanos de opositores e dissidentes foi executada por uma máquina estatal de extermínio construída pelos militares. Por outro lado, surgiram vários focos de oposição direta ao governo dos militares — es-tudantes, religiosos, artistas, intelectuais, organizações de esquerda armada. Uma parte do mundo da cultura inventou estratégias para resistir: na canção popular, no teatro, na literatura, no cinema, nas artes plásticas.

17.1. Geisel, fotografia de Orlando Brito, maio de 1977. Coleção particular.*

* As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. João Goulart, popularmente conhecido como Jango, foi o herdeiro político de Vargas. Tinha um projeto de reformas para o país de viés distributivo de renda e vocação social-mente inclusiva. Mas a instabilidade política e administrativa do seu governo era gran-de. Havia paralisia decisória no Executivo, ausência de uma sólida maioria parlamentar e radicalização das forças políticas. Também se consolidara uma frente de oposição ao governo, com capacidade de mobilização e composição social heterogênea. Com base na leitura do capítulo, solicite aos alunos as seguintes atividades:

a. Comentar o percurso político de Jango desde a renúncia de Jânio Quadros até sua pos-se como presidente. Destacar as alterações, adaptações e oposições formadas no período;b. Tendo em mente as reformas de base, comentar os fatores que levaram ao golpe militar de 1964.

2. Leia com os alunos o trecho do ato institucional no 1, de 1964 (disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-01-64.htm>):

[…] É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.

A partir desse texto e da leitura do capítulo, peça aos alunos que diferenciem os termos “revolução” e “golpe”. Em seguida, solicite que tracem um panorama do desenvolvi-

17.2. João Goulart em Campina Grande (PB), fotografia de autor desconhecido, 1962.

NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA • 107

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108 • CADERNO DE ATIVIDADES

mento da economia no Brasil no período da ditadura militar e, com base nele, verifi-quem se é possível afirmar se houve ou não crescimento econômico.

3. A imagem 17.1. (imagem 120 do livro) mostra um general, presidente do Brasil durante a ditadura militar, sob a grandeza de uma bandeira que parece estar de “luto”. Propo-nha aos alunos as seguintes atividades:

a. Comentar os artifícios de publicidade que foram utilizados pelo governo militar ao longo da ditadura; b. Diversos movimentos políticos tentaram se opor à ditadura. Um exemplo é a inicia-tiva de Lacerda e a Frente Ampla. Comentar o significado desse grupo e seus planos, procurando explicar a participação dos seus integrantes.

4. Leia com os alunos o trecho do ato institucional no 5, de 1968 (disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>):

considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema ju-rídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, po-lítica e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria” (Preâmbulo do ato institucional no 1, de 9 de abril de 1964);[…]Art. 2o — O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Na-cional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por ato comple-mentar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.§ 1o — Decretado o recesso parlamentar, o poder Executivo correspondente fica au-torizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Cons-tituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.§ 2o — Durante o período de recesso, os senadores, os deputados federais, estaduais e os vereadores só perceberão a parte fixa dos seus subsídios.[…]Art. 5o — A suspensão dos direitos políticos, com base neste ato, importa, simulta-neamente, em: I — cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;II — suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

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III — proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;IV — aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;b) proibição de frequentar determinados lugares;c) domicílio determinado.

O ai-5 era uma ferramenta de intimidação pelo medo, não tinha prazo de vigência e seria empregado pela ditadura contra a oposição e a discordância. Depois da leitura do capítulo e do trecho acima, proponha uma discussão com a turma a partir da pergunta: em que medida as regras do jogo mudaram e pioraram com esse ato?

5. Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Caetano Veloso e tantos outros fizeram parte de uma geração genial de cantores e intérpretes do Brasil. Há também uma série de teatrólogos, artistas plásticos e cineastas que se opuseram frontalmen-te ao novo regime. Como a censura procurava suprimir qualquer tipo de contestação produzida no campo da cultura, do pensamento e das ideias, muito do que disseram, pintaram ou cantaram representava uma estratégia para criticar a ditadura e burlar a censura. Proponha à turma as atividades a seguir:

a. O engajamento nas formas de resistência política alterou radicalmente o destino de diversos artistas, e o exílio mostrou-se necessário. Comentar diferentes trajetórias de artistas brasileiros, mostrando como a vida deles foi alterada nesses contextos;b. Escolher uma canção do período e analisar sua letra, justificando a escolha e comen-tando as possíveis relações do documento com o período;c. Selecionar um trabalho de artes plásticas criado na época e comentá-lo à luz do contexto da ditadura.

LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS

17.1. A composição da imagem provavelmente resultou da combinação entre experiência profissional e um bocado de sorte do fotógrafo Orlando Brito. A clássica imagem do governante em estilo triunfal foi invertida, e o mais imperial dos generais que exerceram a Presidência da República, Ernesto Geisel, virou um pequeno detalhe diante do tamanho colossal da bandeira brasileira. Numa projeção de luz, porém, a sombra ao fundo trajou de luto a bandeira e, numa fração de segundo, escancarou uma janela de interpretação para a realidade do país.

17.2. João Goulart, conhecido popularmente como Jango, foi o 24º- presidente brasileiro, e seu mandato durou de 1961 a 1964. Até vestir a faixa presidencial, Jango e seus aliados enfrentaram momentos de tensão. No dia 28 de agosto de 1961, ele foi impassível no telefonema que deu ao deputado San Tiago Dantas: “Dentro de 24 horas estarei no Brasil para assumir o governo do país, ou morrer lutando”. Tomou posse sob protestos da oposição, e foi deposto pelo golpe de 1964.

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110 • CADERNO DE ATIVIDADES

18. NO CAMINHO DA DEMOCRACIA: A TRANSIÇÃO PARA O PODER CIVIL E AS AMBIGUIDADES E HERANÇAS DA DITADURA MILITAR

A crise econômica mundial provocada pelo choque dos preços do petró-leo, nos anos 1970, desmascarou a natureza artificial e antipopular do “mi-lagre” brasileiro. O crescimento estagnou e a inflação avançou com força total. No governo do último presidente da ditadura militar — general João Figueiredo —, as finanças do país estavam em frangalhos.

Desmoralizados diante da população e desgastados por lutas internas, os militares não conseguiram manter sob controle o processo de liberalização do sistema político e substituir gradativamente a coerção da ditadura por um governo civil de tipo autoritário. O fracasso na tentativa de superar a ditadura para institucionalizar uma ordem autoritária ocorreu por várias ra-zões. A mais evidente: os militares perderam o trunfo da economia. Inflação, descontrole nos preços, contas públicas deterioradas, recessão e desemprego grassavam. A sociedade recuperou seu acesso ao espaço público e as forças de oposição começaram a formar um arco de alianças para dar combate à ditadura. O núcleo aglutinador da aliança oposicionista era a exigência de regresso ao estado de direito e a reivindicação dos direitos de cidadania, e, dali em diante, as oposições iriam avançar persistentemente no rumo da re-tomada democrática — e não na direção do projeto de abertura controlada proposto pelos generais.

Em 1979, foi revogado o virtual estado de sítio no qual o país vivia desde 1968. Uma anistia “ampla, geral e irrestrita” anulou os crimes cometidos

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pelos assassinos e torturadores a serviço do Estado. Exilados políticos foram autorizados a voltar ao país. Novos partidos políticos foram criados — pt, pmdb, pfl, pdt. A cidadania clamava por participação nos destinos do Brasil.

Em janeiro de 1985, Tancredo Neves, ex-ministro da Justiça de Vargas e ex-governador de Minas Gerais, líder moderado da oposição à ditadura, foi eleito indiretamente pelo Congresso. Mas caiu doente e morreu no hospital antes de tomar posse. O vice-presidente eleito, José Sarney, da antiga Arena, assumiu em meio ao turbilhão de expectativas criadas pela autoproclamada Nova República.

O governo Sarney foi uma grande decepção. A inflação, de início, con-trolada por um plano econômico baseado no congelamento de preços, vol-tou a explodir, dessa vez atingindo níveis astronômicos. Em contrapartida, a promulgação de uma nova Constituição em 1988 estabeleceu os princípios democráticos que ainda hoje sustentam nosso Estado de direito. Houve con-siderável ampliação dos direitos civis e fortalecimento de contrapesos demo-cráticos como o Ministério Público.

Em 1989, Fernando Collor de Mello venceu as primeiras eleições presiden-

18.1. O jogador Sócrates vestiu a camisa, fotografia de Jorge Araújo, 1983.*

* A legenda interpretativa das autoras está no final deste capítulo.

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ciais diretas desde 1960. Collor tinha dinheiro, propaganda e mídia. Eleito, tomou medidas altamente impopulares, como o confisco da poupança e dos depósitos bancários da população — na época, 80% do dinheiro saiu de circu-lação. Mas seu plano se revelaria frágil. Tinha um forte componente volun-tarista, e o pacote de reformas anunciadas pelo governo — fiscal, bancária, patrimonial — não poderia ser feito por decreto. Collor perdeu. Dez meses depois, a inflação estava de volta, a crise econômica tornara-se endêmica e as lutas por reajustes salariais explodiam em todo o país. Já fragilizado e des-moralizado, não resistiu a um processo de impeachment detonado por um escândalo de corrupção e renunciou. O interlúdio do governo Itamar Franco, vice-presidente que assumiu o Planalto, foi marcado pela implantação do Plano Real. Finalmente o país conseguia controlar a inflação. O ministro da Fazenda de Itamar, Fernando Henrique Cardoso, uma das principais lideran-ças do psdb (partido criado em 1988 como dissidência do pmdb), foi eleito em primeiro turno no pleito de 1994, façanha repetida em 1998.

O Plano Real estabilizou a moeda — firmou a base por onde uma agenda democrática poderá caminhar. Nos vinte anos que se seguiram ao governo Itamar Franco, o Brasil teve três presidentes eleitos cada um deles por dois mandatos consecutivos: Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff ainda em exercício. Também introduziu na agenda democrática a luta contra a desigualdade social, mas não a consumou — e a tarefa não será fácil.

Nos seus dois mandatos e oito anos como presidente, Fernando Henrique Cardoso — que governou de 1995 a 2002 — obteve sucesso na luta contra a inflação e assumiu o saneamento financeiro possibilitado pelo Plano Real — o país pôde crescer. Seu governo destacou-se também na reforma de Estado. O governo fhc implementou o primeiro programa de distribuição direta de ren-da, o Bolsa Escola. Também se destacou por suas ações no campo social, e espe-cialmente pelos projetos pioneiros comandados pela esposa do presidente, a antropóloga Ruth Cardoso, e voltados para o atendimento à população pobre.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, as classes populares entraram para valer na disputa pela alternância de poder. Sem rupturas com a ordem democrática, chegou à presidência da República um homem de ex-tração popular, que veio criança para São Paulo. Além do mais, o novo presi-dente era um líder de esquerda, originário do mundo operário e sindical, e ganharia a eleição à frente de um partido de trabalhadores que ele próprio ajudou a criar, na difícil conjuntura do final dos anos 1970. A partir de 2003, o Brasil assistiu a uma ampliação democrática da república. As grandes mar-cas dos dois governos de Lula foram o combate à miséria, a redução da pobre-za, a diminuição da desigualdade e a expansão da inclusão social.

Hora de abrir um novo capítulo republicano e cidadão para o nosso país.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. No início da década de 1980, as forças de oposição reivindicavam anistia e Diretas Já. A imagem 18.1. (imagem 124 do livro), do jogador Sócrates, representa uma forma de protesto popular no final do período da ditadura militar. Solicite aos alunos que redijam um texto explicando os projetos e as ambições das reivindicações pela anistia e pelas eleições diretas e também por que esses movimentos não alcançaram sucesso pleno. Aproveite a imagem do jogador de futebol e peça para que os alunos pesquisem outros movimentos populares de contestação.

2. Na noite em que Tancredo Neves foi eleito presidente da República pelo Colégio Elei-toral acontecia, em Jacarepaguá, no subúrbio do Rio de Janeiro, a primeira edição do “Rock in Rio”. O festival tinha duração de dez dias, estava instalado num terreno de 250 mil metros quadrados batizado de “Cidade do Rock” e reunia, pela primeira vez no Brasil, uma constelação de artistas de renome internacional — James Taylor, Queen, Nina Hagen, Yes, Iron Maiden, ac/dc — com alguns dos conjuntos nacionais que co-meçavam a subverter nossa cena musical: Blitz, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Barão Vermelho. Nessa noite, a atenção dos roqueiros estava concentrada em Brasília. Eduardo Dusek entrou no palco gritando “Muda, Brasil!” em cima de uma lambreta, e os integrantes da banda Kid Abelha e os Abóboras Selvagens anunciavam o início “do primeiro show da história da democracia brasileira”. Nessa mesma noite, Cazuza, enrolado na bandeira nacional, alterou a letra da canção “Pro dia nascer feliz” para “Pro Brasil nascer feliz” e encerrou a apresentação da sua banda, Barão Vermelho, saudando a vitória de Tancredo Neves: “Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã, com um Brasil novo, uma rapaziada esperta. Valeu!”. Peça aos alunos para realizarem as atividades propostas:

a. Identificar canções que sustentem a seguinte afirmativa: o rock tornou-se a principal forma de expressão e visibilidade de uma geração que se formou durante a ditadura e foi o som da “Nova República”; b. Discutir as diferenças entre o tom de participação engajada próprio das canções do período da ditadura militar e a linguagem estética e comportamental do rock dos anos 1980. Salientar as canções dos anos da ditadura e relacionar suas temáticas com as canções do rock brasileiro;c. Junto com o(a) professor(a) de português, debater as características da linguagem estética do rock: letras coloquiais, meio autobiográficas, meio ficcionais, os acordes crus, a combinação de irreverência e desencanto e uma disposição agressiva ou jocosa para questionar o país. Pesquisar e identificar canções de rock do período que tenham essas características.

3. A Constituição de 1988 garantiu o caminho dos brasileiros desde a redemocratização e é a melhor expressão de que o Brasil firmou um sólido compromisso democrático. Con-

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forme mostram as autoras, com sua promulgação teve início um período consistente e duradouro de vigência das liberdades públicas e de solidez das instituições democráti-cas. Leia com os alunos o trecho inicial desse documento (disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>):

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Consti-tuinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimen-to, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, plu-ralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte constituição da república federativa do brasil.Art. 1o — A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos es-tados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

i — a soberania; ii — a cidadania;iii — a dignidade da pessoa humana;iv — os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; v — o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de represen-tantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.Art. 2o — São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.Art. 3o — Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

i — construir uma sociedade livre, justa e solidária; ii — garantir o desenvolvimento nacional;iii — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades so-

ciais e regionais;iv — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Considerando o trecho acima, converse com os alunos com os seguintes objetivos:

a. Estabeleça uma comparação entre a Constituição de 1988 e as outras Constituições brasileiras do século xx;b. Reflita sobre esse paralelo procurando perceber em que medida é possível afirmar que a Constituição de 1988 avançou em relação à inclusão social;c. Confronte com Constituições de outros países da atualidade.

4. Collor era espetaculoso e midiático. Denúncias de corrupção levaram os “caras-pinta-das” às ruas. Em boa parte estudantes do ensino médio, eles convocaram a população

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a protestar e sacudiram as manifestações com as palavras de ordem: “Fora, Collor” e “Impeachment Já!”. Sobre esse período, e tendo por base a análise de Brasil: Uma biografia, sugira as seguintes atividades aos alunos:

a. Pesquisar na internet vídeos do debate entre Collor e Lula, transmitido pela Rede Globo de Televisão em 1989. Avaliar a participação dos candidatos e analisar a estra-tégia de Collor;b. Apesar de todo o barulho que provocou, Collor e seus planos econômicos não garan-tiram nem aceleraram o desenvolvimento, muito menos controlaram a inflação. Buscar na internet: “comerciais de televisão na época da inflação”. Comparar os preços com os de hoje e explicar como o Plano Brasil Novo pretendia resolver o problema econômico;c. Explicar a derrubada de Collor e analisar o movimento dos “caras-pintadas”. Fica a sugestão do filme Terra estrangeira, de Walter Moreira Salles.

5. Sobre os governos mais recentes da democracia brasileira, peça aos alunos que avaliem:

a. Quais foram os principais projetos do presidente Fernando Henrique Cardoso nos seus dois governos? Explicar em linhas gerais a proposta do Plano Real e o que era a Bolsa Escola;b. Qual foi a trajetória política de Lula até chegar à presidência? Quais foram os princi-pais projetos implantados nos seus dois governos?

6. Como explicam as autoras, se o país deseja começar um novo capítulo na sua história democrática e cidadã, o presente é o seu principal desafio: por qual caminho seguirá o Brasil daqui em diante? É possível arriscar diferentes cenários? Com qual agenda os brasileiros vão enfrentar o futuro?

7. “A democracia se consolida e caminha em frente, mas a República lembra um esboço que não alcançou forma”, e o patrimonialismo e a corrupção são seus maiores venenos. Discuta esse tema em grupos e depois abra um debate com toda a sala. Em seguida, sugira aos grupos que montem painéis de interpretação do cenário atual do país. Temas como cidadania, inclusão social, republicanismo, bovarismo, patrimonialismo e demo-cracia devem fazer parte das análises.

8. Proponha trabalhos sobre a nova agenda dos direitos civis — o direito à diferença na igualdade. Divida a turma e peça para que os grupos pesquisem diferentes movimentos sociais: lgbts, feminismo, movimento negro, movimentos indígenas, partidos verdes. Organize os grupos para apresentarem os respectivos trabalhos para a sala e debaterem em conjunto. Monte uma arena — uma espécie de pólis — em que alguns “defendam” as questões e outros as “ataquem”.

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9. Novas vozes têm eclodido no Brasil: são as vozes das comunidades, das periferias, dos subúrbios, das quebradas, dos guetos. Faça uma pesquisa e busque literatos, pintores, políticos e músicos que representem esses novos grupos ascendentes.

LEGENDA INTERPRETATIVA DAS AUTORAS

18.1. Em 1979, num domingo de futebol, a Gaviões da Fiel, torcida organizada corintiana, abriu nas arquibancadas do Estádio do Morumbi uma enorme faixa pela anistia geral e irrestrita. No mesmo ano, seu jogador mais famoso e icônico, o médico Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, “vestiu a camisa”. No começo da década de 1980, foi a vez de o próprio time do Corinthians se engajar na luta pela redemocratização do país. Seus jogadores vestiram uniformes com os dizeres “Diretas Já” e “Eu quero votar para presidente”, e o time enfrentou represálias por parte do Conselho Nacional de Desportos (cnd) do governo federal, que proibiu o uso dos uniformes com os slogans de oposição.

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CONCLUSÃO

Nos últimos trinta anos o Brasil introduziu na agenda democrática a luta contra a desigualdade social, mas ainda não a consumou — e a tarefa não será fácil.

Se a democracia se consolida e caminha para a frente, a República ainda lembra um esboço que não alcançou forma. E, sendo frágil, nossa República é vulnerável ao ataque dos seus inimigos: um, o patrimonialismo, isto é, o entendimento de que o Estado é bem pessoal, patrimônio de quem tenha poder. O outro, a corrupção, que degrada a confiança que temos uns nos ou-tros, desagrega o espaço público e consiste no furto do bem comum — por exemplo, no roubo do dinheiro público.

A corrupção não é um fenômeno exclusivo do Brasil — ela ocorre na grande maioria dos países. Mas é o veneno da República. E se acumulam as evidências de que está longe de ser um fenômeno marginal na vida pública brasileira. A história recente é pródiga em exemplos. Acusações de manipu-lação e corrupção foram feitas durante o governo fhc, e estão relacionadas, sobretudo, à venda de empresas estatais públicas — bndes, Telebras, Com-panhia Vale do Rio Doce — e à compra de votos de parlamentares para ga-rantir a reeleição do presidente da República. No primeiro mandato de Lula, explodiu a denúncia do “mensalão” — o pagamento mensal a deputados de diversos partidos para compra de apoio parlamentar ao governo —, que en-volveu alguns dos principais dirigentes do pt. Já no final do primeiro governo

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de Dilma Rousseff vieram a público as operações de corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e incompetência gerencial na Petrobras — a estatal mais valiosa e a que melhor simboliza as ambições de soberania e independência econômica dos brasileiros.

Foram as manifestações de junho de 2013 que revelaram, pela primeira vez, o descompasso entre o governo, o sistema político e as ruas, entre o Brasil que derrubou a inflação e começou a acabar com a pobreza extrema e o outro Brasil em que o transporte, a educação e a saúde pública são um desastre, um punhado de parlamentares envergonha os brasileiros, o futuro segue imprevisível e o país pode tanto ir para a frente quanto para trás. Es-sas reivindicações deixaram claro que o tempo da redemocratização do país havia terminado. Também escancararam uma pergunta. Se o Brasil deseja co-meçar uma história contemporânea das democracias modernas, o presente é o seu principal desafio: por qual caminho seguirá o país daqui em diante? Com qual agenda os brasileiros vão enfrentar o futuro?

19.1. Manifestações de junho de 2013, fotografia de Rafael S. Fabres, Rio de Janeiro.*

* A legenda interpretativa das autoras está no final deste capítulo.

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ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Peça que os alunos pesquisem nos jornais os grandes escândalos que tomaram a agenda do Brasil nos anos de 2014, 2015 e 2016.

2. Discuta com eles o conceito de corrupção de uma maneira histórica. Depois disso, divida-os em grupos e desafie-os para que pesquisem diferentes formas de corrupção existentes no país, no passado e no presente.

3. Apresente a eles os três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário. Divida a turma entre os três poderes e peça para que cada grupo faça uma lista de direitos e deveres da sua “pasta”. Solicite também que discriminem dificuldades presentes em sua área de atuação. Por fim, faça uma grande arena e realize um debate entre eles.

4. Discuta com os alunos os casos em que o impeachment foi utilizado no Brasil.

LEGENDA INTERPRETATIVA DAS AUTORAS

19.1. As manifestações de junho de 2013 levaram milhares de pessoas, em particular os jovens, a ocupar as ruas das principais cidades brasileiras. Traziam uma pauta aberta, na qual cabia um sentimento de insatisfação e de frustração, e a sensação de ser possível e necessário transformar a realidade. A partir de então, ficou especialmente visível que uma novíssima história do Brasil está ou deveria estar por começar.

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CONCEITOS

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COM QUANTOS CONCEITOS SE FAZ UMA BIOGRAFIA DO BRASIL*

Preparamos aqui uma espécie de guia acerca de uma série de conceitos úteis para entender nossa história e o percurso dessa biografia. A ideia é que você e seus alunos “experimentem” a teoria de maneira viva, atual e parti-cipativa. Não existe teoria que afaste. Ela só tem importância e interesse se caminhar junto com a história.

Abraços,heloisa e lilia

i. república e republicanismo

A expressão latina res publica retoma o sentido e a história das instituições romanas. Mas o termo que lhe serve de referência — politeia — é grego e procura dar conta da formulação de uma constituição ou regime político, de natureza inclusiva e plural, formado por homens livres, ricos e pobres, empe-nhados numa vida partilhada entre todos os segmentos da comunidade. Foi o termo politeia, nome de uma obra de Platão, que Cícero traduziu para o latim res publica. Tanto para Aristóteles quanto para Platão, a palavra politeia designa

* Não deixe de conhecer o vídeo em que as autoras debatem esses conceitos no link: <http://bit.ly/videosbrasilumabiografia>.

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o gênero do regime político e a disposição virtuosa do cidadão, seu direito de viver na pólis e dela participar em plena liberdade e independência.

Res publica, por sua vez, é o concentrado de dois significados substanciais e ambíguos: o primeiro deles, de uso mais largo, faz referência à natureza política de uma comunidade que se agrega em vista do bem, do direito e do interesse comum; o segundo, de aplicação mais restrita, acentua a caracteri-zação de um regime de governo que confirma no exercício da política a boa administração da coisa pública, da esfera dos interesses comuns.

O republicanismo — a linguagem política da República — não se organiza como um corpo único de pensamento. Seus temas se referem a um conjunto variado de experiências históricas muito distintas umas das outras no tempo e no espaço: a República romana e a experiência do humanismo cívico nas cida-des italianas do Renascimento — Florença e Veneza. Já nas primeiras décadas do século xvii, o republicanismo inglês se manifestou no interior dos movi-mentos de protesto contra o reinado dos Stuart, depois cresceu no processo das guerras civis e acabou assumindo plena expressão após o regicídio, em 1649. Na América do Norte, por sua vez, o republicanismo se desenvolveu no século xviii, durante o processo revolucionário que começou com a luta entre os colonos da América inglesa e a Grã-Bretanha, e terminou com a ratificação da emenda da Constituição nacional. E, finalmente, na França, o republicanis-mo teve início nas primeiras décadas do século xviii e encontrou na Revolução de 1789 seu marco mais expressivo — mas não sua origem ou consolidação —, e se estendeu até a implantação da “Terceira República”, na década de 1870.

Hoje em dia o republicanismo se ancora em três pontos principais. Em primeiro lugar, por fazer da comunidade política e do exercício da cidadania referências fundamentais, tornou-se marco incontornável na definição da condição de liberdade do homem moderno. O segundo ponto importante: a consideração da lei, a formulação dos critérios de justiça e as regras do orde-namento jurídico são o fundamento da República. Por fim, o terceiro ponto: a referência à ideia do bem comum, vale dizer, a convicção de que aquilo que decidimos fazer em comum para o nosso bem é resultado da ação direta dos homens e não produto de mecanismos invisíveis como o mercado. Por essas e outras é que o republicanismo se converteu numa linguagem para pensar e fazer a política — não é um programa nem apresenta um modelo fixo de respostas para o exercício do poder. Propõe uma grade de conceitos, uma ordenação de valores, uma imaginação própria.

O republicanismo dá ênfase à responsabilidade pública do cidadão; a sua participação na comunidade política; à formação de uma cultura pública como imprescindível para proteger a sociedade e as instituições políticas do perigo da corrupção e das ameaças ao exercício da liberdade. Essa cultura requer uma comunidade de valores, a noção do bem público e a presença política do cidadão.

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ii. democracia

Essa forma radicalmente nova de convivência política foi inventada em Atenas há mais ou menos 2500 anos. A palavra “democracia” vem de dois substantivos gregos, demos e kratros, e, como costuma acontecer com as pa-lavras, seu significado é ambíguo. Kratos significa força, solidez, capacidade de se afirmar. Também serve para nomear o poder soberano, isto é, o poder atribuído àquele sujeito que determina as escolhas públicas numa comuni-dade política. Já demos designa genericamente “povo”, e a primeira dificul-dade da democracia foi saber quem é o povo e quem faz parte dele. Afinal, na cidade democrática grega, “povo” podiam ser os homens adultos, livres, residentes e autóctones — os membros da comunidade política, os cidadãos da pólis. Mas também servia para indicar a parcela necessitada e não nobre da sociedade. Essa era a parte mais numerosa e, portanto, a maioria dos habi-tantes da cidade. Por conseguinte, demos designava o conjunto dos cidadãos e expressava tanto o poder de tomar decisões vinculativas para todos quanto o governo tumultuário da multidão e para a multidão.

Modernamente, democracia significa “poder do povo” — vale dizer, o ci-dadão comum é soberano, concede partes limitadas dessa soberania para o indivíduo, ou partido, que governa, de preferência, através de eleições. Con-centra o restante nas suas mãos e espera que sua voz e opiniões mereçam ser ouvidas. Por conta disso, as noções de igualdade e liberdade permitem distinguir governos democráticos daqueles que não o são e formam os dois princípios nos quais se inspira e se sustenta a democracia.

A democracia é uma forma de governo definida por um conjunto de regras que estabelecem a quem cabe decidir e com base em quais procedimentos. O sistema pode receber um vasto leque de direcionamentos políticos diversos e não suporta em nenhum caso ser enrijecida por uma verdade oficial indis-cutível. Ao contrário, a democracia institucionaliza tanto a possibilidade de mudar quanto o conteúdo dos temas e valores que precisam ser debatidos por todos os cidadãos. Por isso, a democracia é antidogmática por excelência e reivindica para todo cidadão o direito de pensar de modo diverso sobre qualquer tema ou problema. A tolerância é um dos princípios do mundo público, e nos ajuda a entender a democracia também como uma forma de convivência política, fundada sobre um núcleo de valores que constituem sua precondição de existência: a liberdade de não ser detido arbitrariamente e poder movimentar-se sem restrição; a liberdade de se expressar, manifestar e difundir o próprio pensamento e opinião pessoal; a liberdade de se reunir, dissentir e protestar coletivamente; a liberdade de se associar e de criar orga-nismos coletivos como os sindicatos e os partidos políticos.

Mas, além de uma forma de governo e de convivência na pólis, a demo-cracia é também uma forma de sociedade que faz da igualdade política entre

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pessoas com interesses e objetivos diferentes seu grande motor de transfor-mação. E, nesse caso, é preciso acrescentar o plebeísmo como seu ideal nor-mativo. O plebeísmo é um ideal de extensão da cidadania cuja ênfase recai sobre o direito de participar. Trata-se de uma espécie de franquia da cidada-nia que se orienta pelo critério de inclusão — seu propósito é o de estender a cidadania a um grande número de pessoas, a despeito das diferenças que houver entre elas, sejam de status, classe social, etnia, gênero, religião etc.

Como se vê, a democracia é principalmente uma ideia ética, jurídica e política: faz da igualdade de condições o grande motor de transformação da sociedade moderna, oferece transparência e visibilidade ao poder — o poder que ficava oculto dentro dos palácios vai para a praça pública, vai para o cen-tro da aglomeração urbana —, e seu avanço é provocado pela conquista e ex-pansão do catálogo de direitos. Ela é também um valor que deve ser ampliado ao maior número de campos da experiência humana. Por fim, a democracia é reinvenção permanente da política. É preciso liberar a imaginação política e expandir seu horizonte para além das suas formas tradicionais e conhecidas. Apostar na democracia significa apostar não num mundo utópico, mas num mundo que permita as utopias.

iii. cidadania

Apesar do conceito de cidadania ser central na agenda intelectual e po-lítica das sociedades contemporâneas, não existe uma definição consensual ou mesmo análises definitivas de sua história. Existe, de fato, uma história de longuíssima duração, uma vez que, se a palavra “cidadão” vem do latim civitas, o conceito remonta à Antiguidade, e na civilização grega adquiriu os significados de liberdade, igualdade e virtudes republicanas, ainda hoje a ele associados. O ponto inicial dessa história do conceito de cidadania pode ser localizado nas primeiras páginas do livro iii da Política de Aristóteles. O filósofo divide o problema em dois: quem é o cidadão; quem ou qual pessoa deve ser chamada de cidadão. À primeira pergunta, Aristóteles responde que “ser cidadão” significa ser titular de um poder público não limitado e partici-par de modo estável do poder de decisão coletiva. Já para a segunda questão, os critérios parecem mais restritos, limitando-se a um pequeno número de homens, excluídos aqueles que viviam do próprio trabalho, as mulheres, os escravos e os estrangeiros.

Já a construção e elaboração jurídica da categoria cidadania tem uma ori-gem mais propriamente romana. Há quem sustente que o termo latino ci-vis/cidadão não teria equivalentes fáceis em outras línguas indo-europeias, e garantiria os direitos dos indigenatos (dos nativos) frente aos estrangeiros. E quais seriam os direitos que permitiam distinguir o cidadão? Constituir

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família, ter servos e libertá-los (conferindo-lhes, assim, cidadania), contrair obrigações, votar decidindo sobre a paz, sobre a guerra e sobre a criação de magistrados, ser eleito nas magistraturas.

A história de Roma é acompanhada pela extensão nos critérios de cida-dania e de civitas romana, até porque os direitos seriam conferidos, com o tempo, a todos os habitantes do Império. O importante é que aos poucos caía a distinção que ligava cidadania à origem, e com ele se abria mão igualmente da referência a elementos naturais como sangue e solo. Com isso, a atribui-ção ganha significados mais amplos e cada vez mais negociados. Tais direitos de cidadão podiam, assim, ser adquiridos, mas, na mesma medida, perdidos. O grau máximo era a redução à escravidão de um homem livre, e em seguida a condenação penal, que correspondia à morte da personalidade jurídica do indivíduo. Famosa é a citação de Aristóteles: “Um homem sem cidade, sem cidadania, não é propriamente um homem, mas um deus ou um animal, ou uma ‘coisa animada’, tal como é o escravo”.

O conceito foi também identificado com o surgimento do burguês no mundo medieval, sendo que nas passagens para a modernidade, a ideia de cidadania adquire fundamentos filosóficos modernos, em especial na tradi-ção conhecida como contratualista, destacando-se nesse sentido as obras do inglês John Locke (1632-1704) e do suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-78). É com eles que a ideia de um “contrato” firmado pelos cidadãos com o Estado ganha importância. Com essas concepções, ganharia força a noção de “di-reitos dos homens” e o conceito de “jusnaturalismo”. O Estado de Natureza aparece então como condição da liberdade individual dos homens; uma cir-cunstância de certa maneira precedente à formação da comunidade política. Não por acaso um documento icônico de época, e fortemente influenciado pelos teóricos da ilustração, é a Declaração Francesa de 1789, que estabelece “que os homens nascem e permanecem livres e iguais em seus direitos”. A liberdade individual, no mundo moderno, não dependia mais da “pertença” a uma comunidade — ao contrário, a precedia e condicionava —, e a moder-nidade vê nascer o “indivíduo” como categoria jurídica.

Assim, junto com o desenvolvimento da modernidade, o conceito e a prá-tica social da cidadania ganharam papéis decisivos. Por outro lado, diante do fortalecimento da urbanização, do espetáculo das ruas e da multidão a circu-lar nelas, a luta pela cidadania associou-se à dos direitos civis e foi embalada pelos movimentos sociais que estouravam pelo mundo afora, a partir dos anos 1970. A ideia de cidadania parecia, então, se associar ao exercício pleno num Estado de direito. Ao exercício do convívio entre iguais e em sociedade, mas também ao exercício de diferenças, e de diferenças entre iguais.

E, se não existem conceitos estáveis, é possível fazer uma aproximação ao tema, chamando cidadania, na definição da socióloga Elisa Reis, de uma “identidade social politizada”. Cidadania envolve modos de identificação in-

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tersubjetivos entre as pessoas e sentimentos de pertencimento criados cole-tivamente em mobilizações, confrontos e negociações cotidianas: práticas e simbólicas.

Cidadania é, assim, uma noção construída coletivamente e ganha senti-do nas experiências tanto sociais quanto individuais. Tão dinâmica como as sociedades que a ensejam, a cidadania vai adquirindo significados distintos atribuídos pelos atores sociais nas suas interações e contendas diversas. Essa expansão no tempo e no espaço não quer dizer, porém, que a dinâmica da cidadania se processe numa linha reta e sucessiva, em que as conquistas mais recentes anulam ou tornam desnecessárias as anteriores. Na verdade, a cidadania permite avanços e recuos; novas retomadas. Se antes cidadania era ligada à pertença, passou para a égide e para o exercício dos indivíduos, para regressar, modificada, como uma agenda de grupos, que declaram e defen-dem sua diferença. Essa é, assim, uma história que se instaura combinando mudanças e persistências, criatividade e reposição de problemas, modernida-de com atraso, inclusão com exclusão.

iv. identidade

Atualmente não há conceito mais acionado (e castigado) que o de identi-dade: todo mundo tem uma ou sente falta de alguma. Mas identidades não são conceitos essenciais, no sentido de serem fixos, rígidos e imutáveis. Ao contrário, identidades são construções sociais relativas, contrastivas e situa-cionais. Elas são relativas, pois sempre existem “em relação” a outros ele-mentos. Ou seja, somos brasileiros quando no exterior, mas paulistas, mi-neiros, baianos, pernambucanos, paranaenses ou paraenses — e assim por diante — quando estamos no nosso país. Por outro lado, se estivermos nos nossos estados, diremos que somos de uma cidade; se estivermos nessa ci-dade, nos identificaremos com o bairro e assim vamos longe. Isto é, sempre negociamos identidades e também de forma contrastiva: tudo depende de quem está na frente e o que essa pessoa ou situação representam. Não raro “embranquecemos ou escurecemos” nossa cor, dependendo de onde parte a pergunta, e o mesmo vale para credos religiosos ou políticos. Por isso mes-mo, emitimos respostas sempre situacionais, no sentido de que elas variam em função do contexto em que nos situamos.

Sendo assim, identidades nada têm a ver com a constância da natureza. São, como a cultura, uma segunda natureza. Representam, pois, respostas políticas a determinadas demandas e circunstâncias político-sociais, e são dinâmicas como são diversas as situações de conflito ou de agregamento so-cial. Porque é política-social, também sua força ou fragilidade dependem das inúmeras mobilizações e confrontos cotidianos. Por isso, identidades variam

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conforme a “agência” — o uso, a mobilização — que se faz delas. Diferente-mente do que se pensa, a comunidade se une como grupo, e depois dele é que se criam sentidos e políticas identitárias; não o contrário. Por isso mes-mo, identidades têm sido tão usadas. Identidades de gênero, de região, de religião, de classe, de raça e até de geração.

Mas nem tudo é racional e premeditado nesse “jogo da identidade”. Iden-tidades produzem afetos, mobilizam emoções e não raro são fermento para a constituição de movimentos nacionalistas. É claro que existem identidades referidas apenas ao indivíduo em sociedade. Mas não se pode esquecer como grupos e até nações constroem verdadeiras memórias coletivas a partir da seleção — contrastiva — de determinados elementos em detrimento de ou-tros. Os suíços seriam pontuais; os franceses, filosóficos; os ingleses, meticu-losos; os japoneses, precisos e os brasileiros… “malandros”. Como identidade não é natureza, nada garante que nos conformemos com esses esquemas, que são antes construções coletivas feitas de dentro para fora e de fora para dentro. É dessa maneira, ainda, que se inventam sentimentos de pertença e de unidade. Aí estaria, inclusive, a importância da cultura, da história e dos processos simbólicos como dimensão crucial na concepção e na montagem das identidades.

Não há nada de essencial nos jogos identitários. Eles são sempre como o reflexo do espelho: ao mesmo tempo que difundem, criam novas formas de se entender e familiarizar o outro; de reconhecer nações, mas também de estranhá-las.

v. preconceito racial

O racismo é um tema da nossa agenda atual, infelizmente marcada por ódios calcados em origem, fenótipo, religião e etnicidade. O racismo se dis-tingue de outros fenômenos de hostilidade pelo fato de identificar pessoas e grupos pelo que aparentam, não pelo que fazem.

É possível afirmar, em primeiro lugar, que a descoberta da diferença en-tre os homens é tão antiga quanto a humanidade. Faz parte de qualquer percepção coletiva, e não existe sociedade que deixe de emitir juízos acerca das variações presentes entre os grupos, tais como cor de pele, etnias, gera-ções, gênero e origens. Sociedades constroem linguagens próprias, e pode-se afirmar que a percepção da diferença, assim como a formação de discursos hierarquizados, fazem do racismo uma espécie de gíria local, mas também verificável em diversos locais e épocas.

No entanto, e em segundo lugar, se de um lado a percepção de diferença entre os homens é comum à humanidade, não se pode por isso concluir e derivar que o racismo seja um fenômeno inato, e muito menos único. Na

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verdade, estamos diante de um tipo de manifestação social que se altera na história e nos diferentes contextos. Analisando dessa maneira, o racismo só pode ser entendido como um fenômeno social e plural: como racismos. Se essa é sempre uma forma de discurso perverso, que desiguala e desmerece o “outro” — e nesse sentido não existem racismos “melhores” que outros; são todos perversos —, também não se pode criar uma régua única. Tanto que racismos variam no tempo e no espaço, assim como seus alvos mudam sempre: mulheres, negros, ciganos, judeus, palestinos, armênios, homosse-xuais, curdos, tutsis e as minorias de uma forma geral. A Antiguidade greco--romana chamou de “bárbaros” todos aqueles que não eram eles próprios; colonizadores europeus do século xvi denominaram de “primitivos” os que julgaram serem os “novos habitantes das Américas”; assim como a cristanda-de e a Igreja ocidental classificaram de “hereges” todos os que não seguiam sua própria fé. Em geral, e como narra o famoso mito grego, “Narciso acha feio o que não é espelho”, da mesma maneira que o etnólogo francês, Claude Lévi-Strauss, em seu livro Raça e história, concluiu que “bárbaro é aquele que acredita na barbárie”.

Por isso mesmo o racismo, como conceito, é um marcador social de dife-rença, paralelo a outros, como classe, gênero, região, sexo, geração. Marcado-res são, assim, repertórios de categorias ambivalentes, que, na mesma medi-da que traduzem hierarquias sociais, repõem novas ambiguidades estéticas, acusatórias e afetivas.

Racismos funcionam, ainda, como “identidades continuadas”, no sentido de que novas formas de diferença vão sendo sempre repostas. São também sinalizadores emocionais. Sua eficácia prática depende da manipulação de conteúdos sensíveis, da contraposição de grupos, da naturalização de estereó-tipos, da repetição de conteúdos, da reiteração de imagens. Não à toa que a iconografia e a propaganda midiática sempre foram recursos de propagação de políticas raciais, preocupadas em comover almas, a partir do uso de exem-plos retirados do folclore, do imaginário popular, mas também da ciência.

Por fim, o racismo é também uma forma de classificação social, que se utiliza, muitas vezes, de um vocabulário de tons de pele, transformados em cores sociais. Sabemos que uma pessoa considerada negra num país não o será em outro; o mesmo ocorre com a cor branca e suas variações. Não raro nos Estados Unidos ainda se evocam conceitos herdados do modelo do one-dropblood — adotado no início do século xx por alguns estados do Sul para definir qualquer pessoa vinda da África Subsaariana —, cuja “origem”, e não a aparência, definem a raça da pessoa. Já no Brasil, não raro enriquecer signi-fica embranquecer, assim como “casar bem” significa unir-se a alguém mais branco, numa clara demonstração de como no país é ainda vigente um “pre-conceito de marca”, pautado em aparência externa. Há também outros casos contrastivos, como o da França, que aboliu oficialmente a classificação racial

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— num modelo de no race —, por considerar que ela apenas reforçaria o pre-conceito. Mesmo assim, sabemos como tais critérios são ainda vigentes na-quele país na hora de avaliar os grupos imigrantes. Interessantes são as con-siderações de imigrantes africanos que descobrem que são “negros” quando deixam suas pátrias e passam a viver em países do continente europeu ou norte-americano. Nos seus respectivos países jamais se definiriam pela sua cor, mas sim pelo seu local de nascença ou grupo de pertença. Classificações raciais não são, pois, termos ingênuos ou meramente exteriores. Têm o po-der de impactar o comportamento humano, e produzem mecanismos no sentido de ranquear grupos sociais.

O conceito biológico de raça, hoje sabemos, não se sustenta. Os estudos provam que raça é apenas um conceito estatístico, e não pode ser defendido como uma noção fixa ou natural. Mas, se não existe raça como conceito bio-lógico e só há uma humanidade, o conceito tem sido, infelizmente, recriado no nosso dia a dia, e, nesse sentido, existe sim “raça social”: a maneira como os homens usam o conceito com fins políticos, econômicos e sociais.

Talvez por isso sua definição seja tão difícil e permeada por ambivalên-cias. Até porque é usado, às vezes, como critério de integração; em outros mo-mentos, como forma de distinção e exclusão. Seu paradoxo reside, pois, nesse jogo entre continuidade e descontinuidade; formas que lembram um modelo único, mas são transformadas na história, em contexto e politicamente.

vi. fontes históricas

Fontes são documentos contemporâneos aos fatos e manipulados pelo historiador por meio de abordagens específicas, métodos diferentes e técni-cas variadas, para investigar o que aconteceu com os outros. Conversar com os mortos, penetrar num tempo que não é o seu, abrir portas e escarafunchar gavetas que não lhe pertencem, sentir com sentimentos de outras pessoas e fazer novas perguntas a uma sociedade que se desintegrou séculos atrás são parte do ofício de historiador. Claro que sabemos que há sempre o “medo do anacronismo”: o receio de ir ao passado munidos com questões (e dados) do presente. Mas se esse é um fantasma bom de ser reconhecido — quase incontornável —, isso não quer dizer que não devemos nos “espantar” com ele. Afinal, o passado é mesmo uma “pátria distante”.

Por conta disso, a diversidade de fontes é enorme. Fontes podem ser docu-mentais, arqueológicas, impressas, orais, biográficas e audiovisuais. Podem ser cartas e diários; pronunciamentos e discursos; testamentos, inventários, registros paroquiais; sentenças, autos, relatórios produzidos pelo poder Judi-ciário, pela polícia ou por órgãos de repressão política; textos literários, jor-nais, panfletos, anúncios; canções, filmes, fotografias e obras de arte. Fontes

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são, assim, todos os materiais capazes de apontar onde sobrevive um traço do passado.

Fontes também têm historicidade. Elas são renovadas e recriadas na re-lação que o historiador mantém com seu tempo e com a sociedade que o abriga. Por essa razão, o uso de determinadas fontes — audiovisuais ou orais — é recente: como a imagem em movimento, a fotografia, a canção popular. Hoje, é possível dizer que lembramos por imagens — tal a invasão da icono-grafia no nosso cotidiano. Por isso também, não há como lidar com esse tipo de fonte como se ela fosse “ilustração” — no sentido de dar lustro — ou mero “reflexo” da realidade. Na verdade, as aquarelas, desenhos, pinturas, fotos inundaram nosso dia a dia de forma que elas se comportam mais como pro-dutoras de realidades, costumes e motivações que produtos imediatos. Assim, é preciso “ler imagens” com a mesma seriedade que lemos um documento escrito; descobrimos seus autores; recepções e usos.

Foi próprio do final do século xx deslocar a história do insulamento das especialidades profissionais. No início do século xxi, a questão ganhou um colorido e uma urgência mais visíveis: a constatação de que o conhecimento é dinâmico, virtual, global e mutável. A imaginação e a multiplicidade das fontes são dois predicados importantes na composição de uma escrita da his-tória para o nosso século. Esses predicados são capazes de flexibilizar o cam-po da história, transbordar os limites estreitos da especialização e convidar o historiador a travar novos diálogos.

vii. memória

História e memória são perspectivas de entendimento do passado que nem sempre se confundem ou se complementam. Além de haver algo sem-pre inabordável no passado, esse é invariavelmente um território de embate, de disputa, de desavença muitas vezes dramática. Não há acordo fácil entre suas perspectivas de entendimento: nem sempre a história consegue acredi-tar na memória; a memória, por sua vez, desconfia profundamente de qual-quer procedimento de reconstituição do passado que não traga no seu centro os direitos da lembrança — direitos de vida, de rememoração da experiência e de subjetividade.

Os procedimentos da memória para reconstituição do passado estão sustentados na revalorização da primeira pessoa como ponto de vista, e no do reconhecimento de uma dimensão subjetiva, como algo vivido e que se transmite. Já as operações de método da história são um problema para a me-mória: elas se limitam a apresentar o que seria um resultado aceitável na re-constituição de determinado episódio ou momento do passado, um conjunto de hipóteses, mas não trazem (ao contrário da memória) nenhuma certeza.

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A memória é também o presente do passado e faz com que o passado se torne presente. O que o escritor Marcel Proust capturou na memória foi esse seu poder de atualização, sua abertura ao presente e ao futuro. O que ele quis dizer com isso?

Em primeiro lugar, que aquilo que o tempo da memória deixa entrever é sua atualização: o movimento do passado em direção ao futuro e do futuro de volta ao passado. E isso acontece ainda que o relato seja estritamente pessoal e faça referência a acontecimentos nos quais apenas um indivíduo esteve en-volvido. “Se eu não tivesse nome/ se eu não tivesse história/ se eu não tivesse livros/ se eu não tivesse família”, narra Philip Glass numa de suas canções, “eu provavelmente estaria frio/ e agora estou congelando/ congelando”.

Em segundo lugar, a atualização faz parte da memória. O vínculo da me-mória com a experiência representa o “presente do passado”. Já a esperança, o vínculo da memória com a utopia, é o “presente do futuro”.

Já na sua origem, nossa tradição ocidental considerava o esquecimento a mais dolorosa das experiências humanas. Irmão da morte e do sono, os gre-gos mencionavam o esquecimento como a verdadeira morte; ele é o portador do silêncio. Afinal, o próprio verbo esquecer, em grego, é ambíguo — eu me esqueço também pode ser entendido como eu me escondo. Já a memória re-mete à nossa capacidade de recuperar algo que foi esquecido. É uma coleção ou seleção de imagens com o acréscimo de uma referência temporal. Ela não é passiva, uma vez que representa a recuperação de um conhecimento ou sensação anteriormente experimentados. Tem algo a ver com o passado, mas também com a construção de identidades coletivas e, assim, com a própria persistência no futuro. A memória seria nosso derradeiro patrimônio, parte da nossa fantasia, da nossa aspiração de viajar em sentido inverso ao da mor-te. A força mágica da memória, por assim dizer, reside na recordação. Não podemos dominar o passado, mas podemos nos reconciliar com ele. Não se esquecer de lembrar significa lembrar-se do passado; refletir sobre o presen-te e não se esquecer do futuro.

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SOBRE OS AUTORES

LILIA MORITZ SCHWARCZProfessora titular no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e Global Scholar na Universidade de Princeton (eua). Seu livro As barbas do impera-dor ganhou o prêmio Jabuti de Livro do Ano, em 1999.

HELOISA MURGEL STARLINGNasceu em 1956. É professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais (ufmg) e autora de Lembranças do Brasil (1999) e Os senhores das gerais (1986).

DIEGO LUIZ ESCANHUELANasceu em São Paulo em 1988. Graduou-se em história pela Universidade Federal de São Paulo. Atualmente leciona nos colégios coc Sapiens e See Saw Panamby Bilingual School.

SEBASTIÃO SOARESNasceu em São Paulo, em 1973. Graduou-se em ciências sociais pela Universidade de São Paulo. Atualmente, leciona no Colégio Marupiara para as turmas do Ensino Médio.

ÉRICO MELONasceu em Goiás, em 1977. É doutor em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo. Redator, tradutor e revisor, atualmente desenvolve na usp uma pesquisa de pós-doutorado sobre a geografia do romance brasileiro no século xx.

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CRÉDITOS DAS IMAGENS

Todos os esforços foram feitos para determinar a origem das imagens publicadas neste livro, porém isso nem sempre foi possível. Teremos prazer em creditar as fontes, caso se manifestem.

Capa e p. 4: Início da concretagem da cúpula do Senado Federal. p&b, papel de gelatina e prata, Marcel Gau-therot, c. 1958, Brasília. Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

p. 1: Memória das Armadas que de Portugal passaram à Índia… ou Livro das Armadas da Índia, autor desco-nhecido, c. 1497-1640, manuscritos da Livraria, n. 319, 146 f. Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa.

p. 6: Escravos em terreiro de uma fazenda de café, Vale do Paraíba, fotografia de Marc Ferrez, c. 1882, formato 28,7 × 36 cm. Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

p. 13: “América”, gravura colorida à mão reproduzida no Grande Atlas de Johannes Blaeu, 1662, formato 25,2 × 38,2 cm. Brasiliana Itaú, São Paulo.

p. 15: Imagem do Novo Mundo, xilogravura aquarelada à mão de Johann Froschauer, c. 1505, publicada em Mundus Novus, de Américo Vespúcio, formato 22 × 33 cm. Biblioteca Pública de Nova York, Nova York.

p. 16: Gravura retirada do livro Duas viagens ao Bra-sil, de Hans Staden, publicado por Andres Colben. Marburgo, Alemanha, 1557. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

p. 16: Mulheres e crianças da tribo tomam mingau feito com as tripas do prisioneiro sacrificado, Théodore de Bry, 1592. Acervo Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo.

p. 20: Mulher tapuia, óleo sobre tela de Albert Eckhout, 1641, formato 272 × 165 cm. Museu Nacional da Dinamarca, Copenhague.

p. 20: Homem tapuia, óleo sobre tela de Albert Eckhout, 1641, formato 272 × 161 cm. Museu Nacional da Di-namarca, Copenhague.

pp. 21 e 26: Gravuras de Relation d’un voyage: Fait en 1695, 1696 & 1697, aux Côtes d’Afrique, Détroit de Ma-gellan, Brezil, Cayenne & Isles Antilles, par une Escadre des Vaisseaux du Roy, commandée par M. de Gennes, de Froger, 1698. Biblioteca Nacional da França, Paris.

pp. 22 e 36: Batalha dos Guararapes, óleo sobre tela de autor desconhecido, 1758, formato 122 × 217 cm. Fotografia de Rômulo Fialdini. Museu Histórico Na-cional, Rio de Janeiro.

p. 23: Pressoir à sucre au Brésil, nanquim aguada preta sobre lápis de Frans Post, c. 1637-44, formato 14,3 × 28,2 cm. Museu Real de Belas-Artes, Bruxelas.

p. 31: Nossa Senhora do Rosário, autor desconhecido, séc. XVIII, formato 71 × 202 cm. Museu da Inconfi-dência, Ouro Preto.

p. 38: Visão de Tiradentes ou O sonho de liberdade, óleo sobre tela de Antônio Parreiras, 1926, formato 65 × 129,9 cm. Estudo para a decoração do Conservatório de Música de Belo Horizonte. Reprodução fotográfi-ca de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves. Univer-sidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

p. 41: S. M. El-Rei d. João VI de Portugal e toda a família real embarcando para o Brasil no cais de Belém, em 27 de novembro de 1807, autor desconhecido, gravura, for-mato 11,5 × 16,4 cm. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

p. 42: Sir William Sidney Smith (1764-1840) Adimiral, at Acre, gravura de John Eckstein, 1808, formato 39 × 60,40 cm. © UK Government Art Collection, Londres.

p. 43: Alegoria da vinda de d. João, desenho a nanquim aguada de I. A. Marques, s.d., formato 49 × 66 cm. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

p. 46: Conjunto de litografias em cores de Jean-Bap-tiste Debret, 1835: Uma senhora brasileira em seu lar; Empregado do governo saindo a passeio; Feitores casti-gando negros. Museus Castro Maya, Rio de Janeiro; iphan/ MinC.

p. 48: Ilustrações do livro d. João Carioca — A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821), Lilia Moritz Schwarcz e Spacca. Companhia das Letras, 2007, p. 39. Ilustrações de Spacca/ Quadrinhos na Cia.

CRÉDITOS DAS IMAGENS • 133

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pp. 49 e 57: Coroação de d. Pedro I, óleo sobre tela de Jean-Baptiste Debret, 1828, formato 340 × 640 cm. Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Re-lações Exteriores, Brasília.

pp. 52 e 77: Independência ou morte ou O grito do Ipiran-ga, óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo, 1888, formato 415 × 760 cm. Museu Paulis-ta da usp, São Paulo.

p. 53: Ilustrações do livro d. João Carioca — A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821), Lilia Moritz Schwarcz e Spacca. Companhia das Letras, 2007, p. 74. Ilustrações de Spacca/ Quadrinhos na Cia.

p. 59: Retratos do rei d. João VI e do imperador d. Pedro I, li-tografia sobre papel de Jean-Baptiste Debret, 1839, formato 32 × 23 cm. Acervo da Pinacoteca do Esta-do de São Paulo, São Paulo.

p. 60: Panorama do tráfico de escravos no período de 1500-1900. David Eltis e David Richardson, Atlas of the Transatlantic Slave Trade, 2010. Yale University Press, New Haven.

p. 63: D. Pedro II, Manuel de Araújo Porto-Alegre, s.d. Câmara Municipal de Tiradentes, Tiradentes. Re-produção fotográfica de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves.

p. 64: Aclamação de d. Pedro II, litografia e aquarela de Jean-Baptiste Debret, 1839, formato 24,8 × 37,4 cm. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo.

p. 65: Uniformes militares, de Jean-Baptiste Debret, 1839, formato 32 × 23 cm. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, São Paulo.

p. 68: Iracema, óleo sobre tela de José Maria de Medei-ros, 1881, formato 167,5 × 250,2 cm. Museu Nacio-nal de Belas-Artes, Rio de Janeiro.

p. 73: De volta do Paraguai, litografia de Angelo Agos-tini, ilustração da revista Vida Fluminense, n. 12, ju-nho de 1870. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

p. 76: Imagem de capa do livro As barbas do Imperador — D. Pedro II, a história de um monarca em quadrinhos, Lilia Moritz Schwarcz e Spacca. Companhia das Le-tras, 2014. Ilustração de Spacca/ Quadrinhos na Cia.

pp. 77 e 80: Proclamação da República no campo de Santa-na, óleo sobre tela de Eduardo de Sá, 1889, formato 40 × 73,5 cm. Museus Castro Maya, Rio de Janeiro; iphan/ MinC.

p. 85: Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela de Francis-co Aurélio de Figueiredo e Melo, 1893, formato 57 × 45 cm. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

pp. 84 e 88: “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade. Revista de Antropofagia, maio de 1928, ano 1, nº 1. Oswald de Andrade/ Tarsila do Amaral/ Bi-blioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, São Paulo.

p. 90: Panfleto “Tudo por São Paulo!”, 1932. Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte.

pp. 91 e 95: A juventude brasileira em frente ao Pa-lácio Tiradentes, fotografia de autor desconhecido, 1941. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.

p. 92: Cartaz do filme The three caballeros com Pato Do-nald, Panchito, Zé Carioca, Aurora Miranda, de José Oliveira, 1944. Everett Collection/ Fotoarena.

p. 96: Presidente Harry S. Truman cumprimenta o presidente Eurico Gaspar Dutra durante visita ofi-cial ao Brasil, setembro de 1947. Cortesia Harry S. Truman Library, Independence.

pp. 98 e 101: Cartaz da criação da Petrobras, 1953. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

p. 102: jk em um carro de fabricação nacional, foto-grafia de autor desconhecido, junho de 1956. Ar-quivo Nacional, Rio de Janeiro.

p. 103: Tom Jobim e Vinicius de Moraes na estreia de Orfeu da Conceição, fotografia de José Medeiros, 1956. Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

p. 106: Geisel, fotografia de Orlando Brito, maio de 1977. Coleção particular.

p. 107: João Goulart em Campina Grande (pb), foto-grafia de autor desconhecido, 1962. Agência Nacio-nal/ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.

p. 111: O jogador Sócrates vestiu a camisa, fotografia de Jorge Araújo, 14 de dezembro de 1983, formato 38 × 25 cm, negativo sp 09228-1983. Folhapress, São Paulo.

p. 118: Manifestações de junho de 2013, fotografia de Rafael S. Fabres. Rio de Janeiro, Getty Images, São Paulo.

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