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  • 7/27/2019 Bove Livro

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    ESPINOSA E A PSICOLOGIA SOCIALEnsaios de ontologia poltica e antropognese

    Coleo Invenes DemocrticasVolume I

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    Organizao

    David Calderoni

    Traduo

    Andr Menezes Rocha

    Danilo Bilate de CarvalhoDavid Calderoni

    Bernardo Bianchi

    ricka Mari Itokazu

    Henrique Piccinato Xavier

    Lvia Godinho Nery Gomes

    Marcelo Barata Ribeiro

    Marcos Ferreira de Paula

    Maurcio Ayer

    Moara Passoni

    Renato Mezan

    Reviso Tcnico-Filosfca

    Marcos Ferreira de Paula

    ESPINOSA E A PSICOLOGIA SOCIALEnsaios de ontologia poltica e antropognese

    LAURENT BOVE

    Coleo Invenes Democrticas

    Volume I

    Nupsi-USP

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    Cpygh 2010 Lae Bve

    conselhoeditorialinternacionalBoaventura de Sousa Santos (Universidade de Coimbra/University of Wisconsin), Christian Azas (Universitde Picardie Jules Verne dAmiens), Diego Tatian (Universidad Nacional de Cordoba), Laurent Bove(Universit de Picardie Jules Verne dAmiens), Mariana Gainza, Marilena de Souza Chau (FFLCH-USP),

    Milton Meira do Nascimento (FFLCH-USP), Paul Israel Singer (FEA-USP), Sandra Jovchelovitch (LondonSchool of Economics), Vittorio Morno (Universit degli studi di Milano-Bicocca).

    coordenadoriadacoleoinvenesdemocrticasAndr Menezes Rocha, David Calderoni, Helena Singer, Lilian LAbbate Kelian, Luciana de Souza Chau

    Mattos Berlinck, Marcelo Gomes Justo, Maria Luci Buff Migliori, Maria Lcia de Moraes Borges Calderoni.

    projetogrficodecapaDiogo Droschi

    projetogrficodemioloeeditoraoeletrnicaChristiane Costa

    revisoDila Bragana de Mendona

    editoraresponsvelRejane Dias

    AutntiCA EditorA LtdA.

    ra Ams, 981, 8 aa . Fcs30140-071 . Bel Hze . MGtel: (55 31) 3222 68 19televeas: 0800 283 13 22

    www.aecaea.cm.b

    ts s es esevas pela Aca Ea. nehmapae esa pblca pe se epza, seja p mesmeccs, elecs, seja va cpa xegfca, sem aaza pva a Ea.

    revsa cme nv Ac ogfc.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Bve, LaeEspsa e a psclga scal : esas e lga plca e

    apgese / Lae Bve ; evs cc-flsfca Macs Feeae Pala ; gaza dav Cale. Bel Hze: AcaEa / ncle e Pscpalga, Plcas Pblcas e Sae Meal e

    Aes Cmcavas em Sae Pblca a uvesae e S Pal nps-uSP, 2010. (ivees demccas, v.1)

    Vs aes.

    iSBn: 978-85-7526-471-3

    1.Flsfa espsaa 2.Plca Flsfa 3. Psclga scal4. Spza, Beecs e, 1632-1677 Cca e epeai.Cale, dav. ii.tl. iii. Se.

    10-04747 Cdd-149.7

    ces paa calg ssemc:1. Espssm : Flsfa 149.7

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    Nota preliminar do revisor tcnico-flosfco...............................................................7

    Invenes Democrticas Apresentando a Coleoatravs da histria deste livro.......................................................................................9

    David Calderoni

    Precio........................................................................................................................15Nelson da Silva Junior

    Introduo...................................................................................................................17

    PARTE I ......................................................................................................23

    Desejo sem objeto, singularidade, linguagem e poder.De Espinosa a Freud e Camus

    CAPTULO 1........................................................................................25Sobre o princpio do conhecimento dos aetos em Espinosa:causalidade e esoro sem objeto na tica III

    CAPTULO 2........................................................................................41A adolescncia indefnida do mundo

    CAPTULO 3........................................................................................53Como dizer no s crianas?

    CAPTULO 4........................................................................................63Potncia e prudncia de uma vidacomo singularidade em Espinosa

    Sumrio

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    CAPTULO 5........................................................................................77Linguagem e poder em Espinosa: a questo da interpretao

    CAPTULO 6........................................................................................89Viver contra o muro:diagnstico sobre o estado de nossanatureza em regime de terror ordinrio

    PARTE II.....................................................................................................99

    A dierena antropolgica na poltica espinosana

    INTRODUO...................................................................................101Espinosa e a questo da dierena antropolgica

    CAPTULO 7......................................................................................113A animalizao impossvel:a resistncia lgica transerncia integral do direito natural

    CAPTULO 8......................................................................................117A animalizao realizada:da lgica de guerra do arcanum imperii

    CAPTULO 9......................................................................................125

    A automao integral das unes humanas:o paradigma hebreu contra o paradigma turco

    CAPTULO 10....................................................................................135A uno ambivalente do amor:objeto do amor e amor sem objeto na poltica espinosana

    CAPTULO 11....................................................................................153Direito de guerra e direito comum na poltica espinosana

    CONCLUSO......................................................................................165

    O humano e sua animalidadeou a hibridao indefnida docorpo historicizado dos homens

    Bibliografa seletiva de Laurent Bovesobre lgica dos aetos e poltica...............................................................................169

    Sobre os tradutores...................................................................................................174

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    Optamos por manter as reerncias ticano corpo do texto (salvo exce-es), ao passo que as outras obras so citadas em nota de rodap. A traduodo Tratado Teolgico-Poltico (TTP) utilizada pelo autor a de Jacqueline Lagree Pierre-Franois Moreau (Spinoza Oeuvres IIITrait thlogico-politique. Trad. J.Lagre et P-F. Moreau. Paris: PUF, 1999), que estabeleceram uma diviso empargraos no constante do texto original em latim; a essa diviso que Bovese reere com o termo alneaao longo do texto. Para acilitar o trabalho doleitor brasileiro interessado, indicamos entre parnteses a paginao da ediobrasileira traduzida por Pires Aurlio (Espinosa, B. Tratado Teolgico-Poltico.So Paulo: Martins Fontes, 2003). Assim, o Tratado Teolgico-Poltico ser citadoda seguinte orma, p. ex.: TTP, cap. XX [6] (p. 302) onde o nmero entre

    colchetes reere-se alnea da edio de Moreau indicada por Bove (em algunsensaios), e a pgina entre parnteses reere-se edio brasileira de Pires Au-rlio. O mesmo cuidado no oi requerido para as citaes da tica, do Tratadoda emenda do intelecto e do Tratado Poltico, porque nelas a diviso textual originalpermite que leitor se localize mais acilmente. Quanto a esta ltima obra, oautor utiliza a edio traduzida por mille Saisset (spinoza. Trait politique. Paris:LGF, 2002, no Livre de poche, Classiques de la philosophie), introduzida e re-visada pelo prprio Bove. Para os textos do Tratado da emenda do intelecto, o autorcita duas ontes: (1) a traduo de Charles Appuhn (spinoza. uvres I. Paris:

    GF Flammarion, 1964); (2) as Opera quae supersunt omnia, cujos textos em latimoram estabelecidos por Carl Hermann Bruder em 1843. Como as duas ediesseguem dierentes numeraes de pargraos, para que o leitor interessado se

    Nota preliminar do revisor tcnico-filosfico

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    situe, mantivemos apenas numerao de Bruder, que corresponde tanto datraduo de Lvio Teixeira (Tratado da reorma da inteligncia. So Paulo: MartinsFontes, 2002) quanto de Carlos L. de Mattos (Tratado da correo do inte-lecto. In: Espinosa. So Paulo: Abril Cultural, 1973, 1. ed. e seguintes. Coleo

    Os pensadores.). Tambm para as Cartasde Espinosa o autor cita a traduode Charles Appuhn (spinoza. uvres IV. Paris: GF Flammarion, 1966).

    Siglas para as obras de Espinosa

    TIE Tratado da emenda do intelecto Tractatus de intellectus emendatione

    TTP Tratado Teolgico-Poltico Tractatus theologico-politicus

    TP Tratado Poltico Tractatus poiliticus

    CM Pensamentos metasicos Cogitata metaphysica

    Siglas e abreviaes indicativas da tica

    AD Defnio dos aetos (Aectum defnitiones), adendo parte III

    Ap. Apndice

    cor. Corolrio

    de. Defnio

    dem. Demonstraoesc. Esclio

    exp. Explicao

    post. Postulado

    prop. Proposio

    pre. Precios

    Formas de citao

    EIII,AD25 tica, parte III, 25a Defnio dos aetos

    EII, 35 esc. tica, parte II, proposio 35, esclio

    TIE57 Tratado da emenda do intelecto, pargrao 57

    TP, cap.I, art. 6 Tratado Poltico, captulo 1, artigo 6.

    TTP, cap. XX [6](p. 302)

    Tratado Teolgico-Poltico, captulo 20, alnea 6, pgina daedio de Pires Aurlio(verNota preliminaracima)

    CM, I, 6 Pensamentos metasicos,parte I, captulo 6.

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    Na primavera de 2007, espalhei aos quatro ventos o ProjetoBove no Brasil.

    Na primavera de 2008, oresciam as alianas entre a psicologia social, apsicanlise e a flosofa, ormando a rede dialgica instituinte em cujos camposraternos Laurent Bove viria lavrar suas undas interrogaes da vida humana1.

    1 A polionia e a cooperao interdisciplinar e interinstitucional entre o Departamento de Psicologia So-cial e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP (articulado por Nelson da Silva Junior), o Grupode Estudos Espinosanos da Faculdade de Filosofa, Letras e Cincias Humanas da USP (articulado porricka Marie Itockazu) e o Departamento de Psicanlise do Instituto Sedes Sapientiae (articulado porSilvia Leonor Alonso) marcaram as aulas, as conerncias e os encontros de Bove em So Paulo no ano

    de 2008, atividades correspondentes maior parte dos textos deste livro, as quais compreenderam: de21 a 24 de outubro, curso de quatro aulas no Instituto de Psicologia da USP, tendo por ttulo Espinosa e a

    psicologia social;em 21 de outubro, conerncia na Faculdade de Filosofa, Letras e Cincias Humanas daUSP, intitulada Prudncia e potncia de uma vida como singularidade em Espinosa;em 23 de outubro, conernciano Instituto Sedes Sapientiae, intitulada Sobre o princpio do conhecimento dos aetos em Espinosa. Causalidade eesoro sem objeto na tica III. Com relao minha pesquisa [DC] de ps-doutorado sobre a culpabilidade e pesquisa de doutorado de Lvia Godinho sobre a experimentao poltica da amizade, esta orientada eaquela supervisionada por Nelson da Silva Junior, dialogamos com Laurent Bove no Instituto de Psicologiada USP em 20 de outubro. Bove visitou em 23 de outubro a Cidade Escola Aprendiz, onde oi recebido porLilian Kelian e Helena Singer, destacadas militantes da Educao Democrtica. Transitou por So Paulona calorosa companhia de Lvia Godinho e Moara Passoni. Esta ltima flmou suas atividades, inclusive o

    encontro inaugural do Grupo Invenes Democrticas, em 25 de outubro, que possibilitou a ideia destacoleo, conorme narrado adiante. Com relao s conerncias proeridas na semana seguinte no Rio deJaneiro (Direito de guerra e direito comum na poltica spinozistae Linguagem e poder em Espinosa), oram contatadosa pedido de Bove os proessores convidantes Mauricio Rocha (PUC-Rio) e Andr Martins (UFRJ), o que

    Invenes DemocrticasApresentando a Coleo atravs da histria deste livro

    David Calderoni

    Somente os homens livres sogratos uns aos outros

    Espinosa, tica, parte IV, proposio 71.

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    Foi quando, na lngua ranco-portuguesa que nossas correspondnciassemeavam, compreendi com Bove (ainda na Frana, ao teleone, na iminnciade sua vinda) o dito de Espinosa em epgrae: muito alm do clculo egosta, aliberdade dar de graa ao outro o que o outro nos d por amizade, a saber,

    a comparticipao no bem comum.Na amizade com Bove, esse bem comum vem signifcando o encontro

    com um conjunto de interrogaes essenciais: qual o ser da poltica? qual oser do homem? quando uma e outro se animalizam e se automatizam, em quemedida ainda haveria uma vida propriamente humana?

    Apoiando em Espinosa a articulao entre aeto e poder, tais questes soalinhavadas e desdobradas a partir da tese bsica que Bove esposa: as impres-cindveis e necessrias relaes de amor, empatia, solidariedade e cooperao

    que nutrem e sustentam o desenvolvimento de cada um de ns e de toda pos-svel sociedade apoiam-se e articulam-se no desejo de no ser dominado porum igual-semelhante.

    Porque me sinto proundamente implicado na relao com essas ideias ecom o seu propositor, com gratido e prazer que aceitei o honroso e desafa-dor convite de Laurent Bove para apresentar este seu primeiro livro editado noBrasil: convite honroso, dado o primor intelectual e tico do autor que se azsentir na originalidade e atualidade da obra; convite desafador, porque evoca

    a complexa trajetria na qual se enunciaram entre ns as preciosas reexesque ora vm luz inaugurando a Coleo Invenes Democrticas, seminalparceria com a Editora Autntica que lana em nossa cultura poltica umarenovadora e convergente diversidade de interaces de pensadores e militantesda liberdade liberdade para cujo zelo assinalo que estas linhas so de minhainteira e exclusiva responsabilidade, sendo ponto sagrado da parceria quecongraa a todos os inventores democrticos a salvaguarda da autonomia, daalteridade e da independncia nos espaos da autoria singular.

    Virtude que marcou o percurso do autor em nosso meio, a produtividade

    no convvio com a dierena apresenta-se como prolongamento de uma eliznatividade de encontros. De ascendncia italiana, Laurent Bove veio ao mundo

    contribuiu para iniciar relaes de cooperao com suas equipes, resultando na grata cesso e incorporaodos esmerados trabalhos de traduo realizados por Bernardo Bianchi, Marcelo Barata Ribeiro e DaniloBilate de Carvalho. Com relao s atuaes undamentais na vinda de Bove desempenhadas por Nelsonda Silva Junior, ricka Marie Itokazu, Homero Santiago, Renato Mezan, Marilena Chau e Silvia LeonorAlonso, remetemos o leitor ao texto desta ltima, que introduziu a conerncia de Bove no Sedes e que abreo primeiro ensaio do livro. Por fm, com relao viabilizao desta coleo e deste precio, agradeo

    especialmente a Andr Menezes Rocha, Cristiano Novaes de Rezende, Lilian LAbbate Kelian, Luis CsarOliva, Helena Singer, Laurent Bove, Lia Pitliuk, Luciana de Souza Chau Mattos Berlinck, Marcos Ferreirade Paula, Maria das Graas de Sousa, Maria Luci Bu Migliori, Maria Lcia de Moraes Borges Calderoni,Marilena de Souza Chaui, Marcelo Gomes Justo, Milton Meira do Nascimento e Rejane Dias dos Santos.

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    em 30 de janeiro de 1949 na cidade rancesa de Marselha, cujo cordial cosmo-politismo ambientou a sua amizade ace alteridade e ao estrangeiro. Rimacom isso encontrar suas reerncias biobibliogrfcas (reproduzidas a seguir,aps atualizao pelo autor) no peridico internacionalMultitudes, nome plural

    reerente ao conceito espinosano de multido como indivduo poltico coletivo:Laurent Bove Proesseur des Universits, proessor de flosofa na Universidade deAmiens e pesquisador do UMR 5037 do CNRS (cole Normale Suprieure-Lettres et Sciences Humaines de Lyon). Seus trabalhos versam sobre o espi-nosismo, os moralistas ranceses, a tica e a poltica na Idade Clssica. Suasprincipais publicaes so: La stratgie du conatus. Afrmation et rsistance chez Spinoza(Vrin, 1996); uma nova edio de Spinoza. Trait politique(Livre de Poche, 2002);

    Albert Camus, de labsurde lamour(em colaborao com A. Comte-Sponville e P.Renou, Renaissance du livre, 2001). Dirigiu (e codirigiu) muitas obras, entre as

    quais Thtre et Justice(Ed. Quintette); La Recta Ratio (Ed. Presses de lUniversitParis-Sorbonne); Vauvenargues, philosophie de la orce active(Ed. Champion); Le philo-sophe, le sage et le politique(Ed. de Saint-tienne); Quest-ce que les Lumires Radicales?(Ed. Amsterdam); Pascal et Spinoza(Ed. Amsterdam). A essas obras se acrescentarem 2010 Vauvenargues ou Le Sditieux, Entre Pascal et Spinoza, une philosophie pour la

    seconde nature(Ed. Champion).

    Ao lado de diversos intelectuais progressistas entre os quais se encon-tra o seu amigo Antonio Negri, preaciador da edio italiana de 2002 de La

    stratgie du conatus, Bove participou entre 2000 e 2009 do comit de redaotransnacional da j mencionadaMultitudes, revista de flosofa, arte e poltica(disponvel em meio digital e impresso), para a qual vem elaborando artigos queabrangem: a problemtica da monstruosidade no campo poltico; a crtica daapropriao do legado de Camus pelo pensamento conservador e o resgate desua aguda leitura do terror banalizado no cotidiano; a anlise espinosana doliberalismo como herdeiro da concepo do Estado monrquico de Hobbes;e a retomada flosfca de Vauvenargues como portador de uma revitalizaoanti-intelectualista e singularizante da experincia aetiva do mundo.2

    Trabalhando tambm como codiretor e colaborador da coleo Caute!daEditora Amsterdam, voltada publicao dos resultados de um projeto de pes-quisa espinosano em cincias sociais, Bove vem tematizando a lgica dos aetose da poltica ao longo de mais de oitenta ttulos que compem a sua vasta e ricaproduo bibliogrfca, arrolada ao fnal deste volume. Nesses escritos, vemos aleitura de Espinosa entremeada interpretao de Hobbes, Vauvenargues, Camus

    2

    C.: Tratopolitique: rcits, histoire, (en)-jeux[em coautoria com Filippo Del Lucchese] in Multitudes 33, t 2008;Vivre contre un mur. Diagnostic sur ltat de notre nature en rgime de terreur ordinairein Multitudes 33, t 2008 [textointegrado presente publicao]; Politique: jentends par l une vie humainein Multitudes 22, automne 2005;Vauvenargues ou le sditieux. Connatre par sentiment et orce productive du singulierin Multitudes 9, mai-juin 2002.

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    e Pascal, j mencionados, assim como de Maquiavel, Hegel, Marx, Freud, Peirce,Kojve, Epicuro, Bruegel e Boulainvilliers, entre outros autores, cuja meditativarequentao permeia a ampla interlocuo flosfca cultivada por Bove.

    Entre suas produes, possui para ns sabor especial um artigo publicado

    em portugus no ano de 2006 sob o ttulo de Hilaritas et aquiescentia in se ipso [Hi-laridade e contentamento ntimo]. Este escrito que me introduziu ao pensamento deBove e que vim a traduzir e encaminhar publicao eu o recebi em abril de1993 das mos providenciais de Marilena Chau, que retornava do IV CongressoInternacional Spinoza by 2000, ocorrido em Jerusalm.3 O texto da Hilaritas...causou-me enorme sentimento de descoberta e de encantamento; sem deixarde ser um meticuloso trabalho de anlise e desenvolvimento do pensamentode Espinosa, reconheci imediatamente o seu proundo signifcado clnico. Ri-gor e inovao, pereio lgica e beleza, ateno aos ns vitais do humano:a essas caractersticas, que os anos estenderam a todas as minhas experinciasde leitura dos textos de Bove, desde logo se deu algo mais dicil de defnir esumamente precioso: ao fnal das leituras, uma sensao de reconciliao coma humanidade, que da ordem do sagrado.

    Iria acrescentar como um atributo parte a abertura dialgica. Penso queela est presente na conjuno das qualidades j mencionadas, exprimindo-seno ato de que, alm do interesse de sua temtica e de seus resultados, o pensarcriativo de Bove inaugura procedimentos metodolgicos de grande ecundidade

    transversal. Assim, abrindo caminhos para uma reundao radical da psicolo-gia social, seu pensamento az trabalhar, em conjuno com os mecanismos damemria, da temporizao e da imitao aetiva, as categorias psicanalticasde princpio de prazer, experincia de satisao, desejo inconsciente, pulso, associao,transerncia, identifcao e relao objetal, tornando tais noes operatrias segundouma interpretao da teoria dos aetos em Espinosa.

    Intelectual voltado ao, a abertura dialgica de Bove se exerce tanto nainterace de campos tericos distintos como na interseco de prticas diversas.

    Assim, em 25 de outubro de 2008, culminando a extensa e intensa agenda deencontros, conerncias e aulas em So Paulo, registrados pela cineasta e an-troploga Moara Passoni, reuniram-se militantes da educao democrtica(LilianKelian), da economia solidria(Paul Singer), dajustia restaurativa(Maria Luci BuMigliori), da flosofa espinosana(o prprio Laurent Bove) e do que viria a serchamado de movimento da psicopatologia para a sade pblica(eu, Nelson da SilvaJunior e Maria Lcia Calderoni).

    3

    BOVE, Laurent. Hilaritas et acquiescentia in se ipso [Hilaridade e contentamento ntimo]. In Calderoni,David (Org.). Psicopatologia: clnicas de hoje. So Paulo:Via Lettera, 2006. p. 43-58. Este texto veio a integraro quarto captulo da mencionada obra magna de Bove La Stratgie du Conatus Afrmation et Resistence chezSpinoza(Vrin, 1996).

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    Num clima de grande amizade e de estimulante curiosidade, demos lugarao desejo de dialogar sobre nossas afnidades e horizontes de cooperao.Logo no incio da conversa que teve por consequncia a deciso de undaro Grupo Invenes Democrticas , Paul Singer perguntou de que maneira

    a flosofa de Espinosa poderia eetivamente entrar em comunicao com asoutras prticas ali presentes. Tendo a palavra sido passada a Laurent Bove,este exps brevemente a posio espinosana em reerncia a uma declaraoeita por Paul Singer num flme sobre a economia solidria.4 Ali Singer disse,com eeito, que o alimento da autogesto seria a elicidade: as pessoas sesentem eetivamente muito mais elizes em no ter em quem mandar, nemquem mande nelas....

    Em sua interlocuo, Bove tratou de aastar Espinosa da tradio que

    pensa a subjetividade isolada do mundo e como undada em si mesma:Espinosa ao pensar tanto o ser humano como a sociedade pensa sempreem termos de corpo coletivo ou de multiplicidade. Ou seja, para ele, um corpohumano desde logo um corpo comum no qual e pelo qual convergem e serenem mltiplas partes que agem juntas para ormar um mesmo indivduo (sevrios indivduos concorrem para uma mesma ao de tal maneira que todos sejam a uma s vez

    causa de um mesmo eeito, eu considero a todos neste aspecto como uma mesma coisa singular,escreve Espinosa na defnio 7 da parte II de sua tica). E esse corpo comum,que uma prtica comum mltipla e convergente, por seu turno apreendi-

    do (e compreendido) num corpo sempre mais vasto (ormando ele mesmo umindivduo de indivduos at chegar Natureza inteira).

    Inserindo a psicologia individual na psicologia social, Laurent Bove apre-sentou ento um postulado original:

    H uma palavra latina em Espinosa que , acho eu, intraduzvel: o que Espinosachama de hilaritas. Hilaritas: pode ser o contentamento [allgresse], pode ser a satis-ao [gaiet], mas a traduo nunca satisatria. [...] De ato, na tica, Espinosas ala de hilaritasno que concerne ao indivduo humano, mas de minha parte eupenso que, de maneira totalmente espinosista, pode-se legitimamente transportal aeto ao plano do corpo coletivo... A hilaritastorna-se ento o aeto democrticopor excelncia. [...] A hilaritas o sentimento (o aeto) que atravessa o tecido socialjustamente quando, por conta de sua boa auto-organizao, este tecido social aetado em cada um de seus elementos (ou de suas partes) em igualdade porum aeto de alegria. Isso signifca que este tecido entrou num regime autnomode sua potncia de agir e de pensar, numa eliz produtividade de si mesmo.5

    4 Intervista Paul Singer[Entrevista com Paul Singer]. Disponvel em: 5 No estabelecimento textual das alas deste encontro, eu e Bove colaboramos com Lvia Godinho e

    Mauricio Ayer.

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    Desse modo, no dilogo entre a economia solidria e a flosofa espino-sana, constitutivo do corpo comum do Grupo Invenes Democrticas, Boveenunciou duas das principais ideias presentes em seus escritos:

    a undao continuada da sociedade baseia-se num pressuposto democr-tico universal: o desejo de no ser dominado por um igual-semelhante;

    convergindo tambm com a elicidade autogestionria postulada por Singer,encontra-se teorizado no nvel tico individual por Espinosa um aeto queBove transpe ao plano coletivo democrtico a hilaritas, caracterizadacomo uma alegria equilibrada que atravessa constitutivamente o tecidosocial quando este opera em regime de auto-organizao igualitria.

    A meu ver, tal encontro de ideias permite num s lance undamentar eexprimir a aposta viva e ativa do Grupo e da Coleo Invenes Democrticas:posto que toda existncia social, qualquer que seja o regime poltico predo-minante, se alicera num desejo e num aeto democrticos, sempre haverbase ontolgica para inventar, promover e entrelaar aes que permitamdesenvolver democracia.

    Qualifquei como viva e ativa a aposta que embasa nossas Invenes Demo-crticasporque, no que tange s prticas que se agruparam sob este nome, pensoque o movimento que compartem entre si e com o esprito da coleo homnimaora inaugurada caracteriza-se ortemente por uma frme contraposio a toda

    crena, voluntria ou involuntariamente niilista, que recomende a suspensoda prxis, isto , dos pensamentos e das aes concretas visando edifcaode sociedades mais justas e equnimes.

    Invenes Democrticas: o engajamento em maneiras criativas e solidrias dedesenvolver autonomia e cooperao, onde a construo coletiva da liberdadeacompanha a contraposio conjunta lgica e aos eeitos da dominao eis a posio tico-poltica que, a meu ver, nos rene e com relao qual aspalavras de Bove inspiradas em Camus anunciam o desdobramento de suaenriquecedora convergncia:

    Compreendemos que, se o niilismo est na destruio do comum a todos os homensque, verdadeiramente, constitui a matriz da democracia, somente uma nova fguralibertria da resistncia, liberada da vontade assassina de dominao racionale cujo projeto seja o de afrmar o homem em sua carne e em seu esoro de liberdade,poder tecer estes vnculos sociais de solidariedade constitutivos de uma vidacomum autenticamente humana.

    Primavera de 2009