biotecnologia o impacto na sociedade

Upload: aline-monteiro

Post on 11-Jul-2015

1.008 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Copyright2004 by Maria Antonia Malajovich Texto atualizado em 2010 - 2011

Edies BIBLIOTECA MAX FEFFER do INSTITUTO DE TECNOLOGIA ORT do Rio de Janeiro Rua Dona Mariana 213 Rio de Janeiro, 22280-020 RJ-Brasil Tel.:(5521) 2539-1842; FAX: (5521) 2286-9174

AO LEITOR Este segundo volume do livro BIOtecnologia analisa o impacto na sociedade das novas tecnologias biolgicas que incidem em setores to diversos como indstria, energia, meio ambiente, biodiversidade, agricultura, pecuria, alimentos e sade. Nascida em universidades e centros de pesquisa, onde perdura at hoje, a biotecnologia objetiva principalmente o desenvolvimento local ou regional, o progresso da agricultura e a melhora dos tratamentos de sade. Empresas pblicas e privadas de diferentes portes utilizam as tecnologias com base biolgica para obter produtos diversos e, tambm, para assegurar servios. O perfil da biotecnologia varia de um pas para outro, em funo dos recursos naturais, econmicos e polticos, das caractersticas das empresas envolvidas e do papel assumido pelos setores pblico e privado. A incluso de exemplos do Brasil e de outros pases latinoamericanos tenta mostrar um pouco dessa diversidade. A expanso da biotecnologia introduz mudanas na sociedade. Por ser uma rea ainda pouco conhecida, a percepo pblica costuma oscilar entre a aceitao e a hostilidade, em funo das presses de lobbies e grupos de opinio. Alguns temas so polmicos, seja porque despertam apreenses em relao segurana dos procedimentos, seja porque nos exigem uma reflexo tica cuidadosa. No espere o leitor encontrar respostas dogmticas: as tecnologias no so nem boas nem ruins, so o que fazemos com elas. O segundo volume do livro BIOtecnologia: o impacto na sociedade segue e complementa o primeiro (BIOtecnologia: fundamentos). A estrutura do volume II figura no Sumrio e ser completada medida que os captulos restantes sejam atualizados. O ndice remissivo de ambos os volumes ser includo ao fim da atualizao.

Maria Antonia Malajovich

i

Autora: Maria Antonia Malajovich

ii

BIOTECNOLOGIA / Sumrio

BIOTECNOLOGIA: O IMPACTO NA SOCIEDADESUMRIOCAPTULO 10. BIOTECNOLOGIA E INDSTRIAO PROCESSO WEIZMANN A INDSTRIA QUMICA A via qumica A via biotecnolgica OS PRODUTOS BIOTECNOLGICOS Metablitos de interesse comercial Enzimas Biopolmeros e bioplsticos OS BIOCOMBUSTVEIS Etanol Biogs Biodiesel Perspectivas

Pg. 1

CAPTULO 11. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTEO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL AS TECNOLOGIAS LIMPAS A substituio de processos industriais A substituio de insumos agrcolas A REDUO DOS RESDUOS A degradao do lixo O tratamento das guas residuais O tratamento dos efluentes industriais As emisses de gases e o efeito estufa A BIORREMEDIAO Os contaminantes Os tratamentos Um exemplo: os vazamentos de petrleo A RECUPERAO DE RECURSOS NATURAIS O petrleo Os metais A biominerao O DIAGNSTICO DE CONTAMINAO AMBIENTAL Indicadores biolgicos Tcnicas imunolgicas Tcnicas genticas Biossensores

Pg. 15

CAPTULO 12. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADEA DESAPARIO DOS ECOSSISTEMAS NATURAIS O HOMEM E AS PLANTAS As plantas alimentcias As plantas comerciais As plantas medicinais A BIODIVERSIDADE AMEAADA A eroso gentica A expanso do agronegcio A transgnese A PROTEO DA BIODIVERSIDADE Os centros de diversificao A conservao da biodiversidade O cgiar e o centro internacional da batata O Protocolo de Cartagena de biossegurana

Pg. 29

iii

Autora: Maria Antonia Malajovich

CAPTULO 13. BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURAA EVOLUO DAS PRTICAS AGRCOLAS A OBTENO DE NOVAS VARIEDADES Mutao gnica e seleo Alterao do nmero de cromossomos A engenharia gentica O PRINCPIO DE PRECAUO AS PLANTAS BIOTECNOLGICAS ATUAIS Modificao das propriedades agronmicas Plantas com qualidades nutricionais melhoradas Plantas com propriedades novas O AGRONEGCIO A adoo dos cultivos biotecnolgicos no mundo O mercado de sementes A unio europeia e a moratria Os pases do Mercosul A COEXISTNCIA POSSVEL?

Pg. 41

CAPTULO 14. BIOTECNOLOGIA E PECURIAA NUTRIO DOS ANIMAIS A necessidade de raes De Liebig vaca louca A composio das raes As raes transgnicas O MELHORAMENTO GENTICO DO GADO As tecnologias reprodutivas As novas tecnologias A transgnese O MELHORAMENTO DA PRODUO Carne, leite, ovos e l A aquicultura A SADE DOS ANIMAIS Resistncia a doenas Preveno e tratamento NOVAS UTILIZAES DOS ANIMAIS DOMSTICOS Modelos de estudo para doenas humanas Xenotransplantes Os animais como biorreatores O marco conceitual dos trs Rs OS ANIMAIS DE ESTIMAO

Pg. 57

CAPTULO 15. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOSOS ALIMENTOS FERMENTADOS O po O vinho A cerveja Os queijos e iogurtes A PROTENA DE CLULA NICA OS ADITIVOS Os diversos tipos Os adoantes OS ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS SEGURANA ALIMENTAR

Pg. 71

iv

BIOTECNOLOGIA / Sumrio

CAPTULO 16. BIOTECNOLOGIA E NOVOS ALIMENTOSA ENTRADA DOS TRANSGNICOS NA CADEIA ALIMENTAR Melhorando a conservao Melhorando as propriedades industriais Melhorando as caractersticas nutricionais A FAVOR OU CONTRA? O QUE O CONSUMIDOR PRECISA SABER A noo de segurana A ingesto de dna Os marcadores de resistncia a antibiticos A composio qumica A produo de toxinas A produo de alrgenos A utilizao de um promotor viral (camv) Outros efeitos COMO GARANTIR A SEGURANA ALIMENTAR? O princpio de equivalncia substancial A avaliao de riscos A rotulagem dos alimentos Rotulo e informao O rastreamento de um transgene

Pg. 83

CAPTULO 17. BIOTECNOLOGIA E SADE / VACINASAS DOENAS INFECCIOSAS A AQUISIO DE IMUNIDADE OS DIFERENTES TIPOS DE VACINAS A primeira gerao A segunda gerao A terceira gerao A PRODUO DE VACINAS Pesquisa e desenvolvimento Aspectos tecnolgicos Aspectos econmicos Um setor estratgico para a sociedade O ROL DAS VACINAS NA ERRADICAO DA DOENA O caso da varola O caso da poliomielite O caso da influenza A AMEAA DAS DOENAS EMERGENTES O BIOTERRORISMO

Pg. 91

CAPTULO 18. BIOTECNOLOGIA E SADE / TESTES DIAGNSTICOSOS TESTES DIAGNSTICOS AS TENDNCIAS ATUAIS O QUE UM BOM TESTE As tcnicas com base bioqumica As tcnicas com base imunolgica As tcnicas com base gentica O DIAGNSTICO DAS DOENAS INFECCIOSAS A TIPIFICAO DE TECIDOS Sangue Outros tecidos e rgos A PRTICA FORENSE O DIAGNSTICO DE DOENAS DE ORIGEM GENTICA As limitaes dos testes As estratgias seguidas Diagnstico preventivo e preditivo

Pg. 107

v

Autora: Maria Antonia Malajovich

CAPTULO 19. BIOTECNOLOGIA E SADE / MEDICAMENTOSA INDSTRIA DE MEDICAMENTOS OS PRINCPIOS ATIVOS DAS PLANTAS O caso da aspirina Os fitoterpicos As novas tecnologias A importncia de um marco legal AS SUBSTNCIAS ANTIBITICAS O caso da penicilina Os limites ao uso de antibiticos A necessidade de inovao AS PRIMEIRAS MOLCULAS TERAPUTICAS O caso da insulina A substituio do produto natural AS PROTENAS RECOMBINANTES As bases tecnolgicas Os produtos e suas utilizaes A indstria biotecnolgica OS MEDICAMENTOS PERSONALIZADOS A farmacogenmica A farmacogentica O CUSTO DOS NOVOS MEDICAMENTOS PATENTES E GENRICOS

Pg. 121

CAPTULO 20. BIOTECNOLOGIA E SADE / NOVOS TRATAMENTOSA APROVAO DE UM TRATAMENTO EXPERIMENTAL AS TERAPIAS BIOLGICAS OU IMUNOTERAPIAS Os anticorpos monoclonais O cncer como doena gentica As vacinas teraputicas AS TERAPIAS GNICAS Terapias somticas e germinais Os altos e baixos de uma tecnologia O estado da arte As promessas do silenciamento gnico A MEDICINA REGENERATIVA Os transplantes de rgos A engenharia de tecidos AS TERAPIAS CELULARES

Pg. 137

CAPTULO 21. CONSIDERAES FINAIS BIBLIOGRAFIA NDICE REMISSIVO

Pg. 151 Pg. 153 Pg.

vi

CAPTULO 10. BIOTECNOLOGIA E INDSTRIAO PROCESSO WEIZMANNPor ser o primeiro processo fermentativo industrial a se desenvolver em condies asspticas, o processo Weizmann considerado um marco histrico na biotecnologia industrial. Ao longo do sculo XIX, dois acontecimentos decisivos transformaram a borracha natural em um material estratgico para o crescimento da indstria automotora; em 1839, C. B. Goodyear descobriu que a vulcanizao lhe conferia elasticidade e resistncia e, em 1888, J. Dunlop inventou os pneus. A diminuio da oferta de borracha natural, proveniente do Brasil e das plantaes inglesas na Malsia, com o correspondente aumento do preo, desencadeou uma corrida borracha sinttica. Enquanto a Alemanha tentava sintetizar a borracha a partir de um derivado do petrleo (butadieno), a Inglaterra explorava as possibilidades de sntese de molculas precursoras por fermentao. Nesse contexto histrico, o qumico de origem russa Chaim Weizmann desenvolveu, na Universidade de Manchester (1914), um processo fermentativo no qual a bactria Clostridium acetobutilycum produz butanol (um precursor do butadieno) e acetona. Com o incio da Primeira Guerra Mundial, a ateno da Inglaterra desviou-se da borracha para a produo de explosivos e, especialmente, de uma plvora (cordite) base de nitrocelulose em cuja preparao se usa acetona como solvente. Como esta era sintetizada a partir de carbonato de clcio, uma matria-prima importada da Alemanha, a produo de acetona por via qumica se tornou invivel, e a Inglaterra comeou a explorar a via biotecnolgica. Recrutado pelo Comit de Munies e tendo cedido a patente do processo ao governo britnico, Weizmann comeou a produzir acetona por fermentao microbiana do amido de milho na Nicholson Gin Distillery (Londres). Contudo, devido guerra e falta de alimentos, o suplemento de carboidratos acabou se tornando o fator limitante da produo. Em 1916 os britnicos transferiram a produo para uma destilaria em Toronto (Canad), ao tempo que era construda outra fbrica na ndia. Em 1917 comeou a funcionar uma fbrica produtora de acetona por fermentao do milho em Indiana (Estados Unidos). Uma vez finalizada a guerra, a acetona e o butanol continuaram a ser utilizados como solventes. Os caminhos da cincia, da tecnologia e da poltica se cruzaram mais uma vez. Qumico e jornalista, Weizmann chegou a ser um dos mais importantes lderes comunitrios do movimento sionista mundial. Em 1948, ao finalizar o mandato conferido pela Liga das Naes Gr Bretanha e a partilha da Palestina, Weizmann foi escolhido primeiro presidente do Estado de Israel. O instituto de pesquisas cientficas e tecnolgicas fundado em Rehovot (Israel) leva o seu nome. O processo Weizmann est indissoluvelmente ligado histria do sculo XX.

A INDSTRIA QUMICAA VIA QUMICAA indstria qumica se caracteriza por produzir substncias que atendem as necessidades de outras indstrias. Enquanto algumas empresas sintetizam os derivados petroqumicos bsicos (etileno, propileno, butadieno), outras os transformam nos petroqumicos finais: polietileno (PE), polipropileno (PP), policloreto de vinil (PVC), polisteres e xido de etileno. Um terceiro grupo converter esses materiais em objetos de consumo tais como filmes, recipientes, objetos diversos etc. As empresas devem responder s mudanas do mercado se ajustando rapidamente a qualquer variao de preo da matria-prima ou da energia. Para subsistir, uma indstria ter que reagir com versatilidade, mediante o desenvolvimento de processos tecnolgicos inovadores e rentveis. Os processos descartados podero ser utilizados novamente, a condio de o mercado se tornar novamente favorvel.

Copyright Maria Antonia Malajovich

Autora: Maria Antonia Malajovich

Um exemplo tpico a evoluo do mercado da acetona. Subproduto da corrida borracha sinttica durante a Primeira Guerra Mundial, a acetona passou a ser um produto indispensvel para a indstria de armamentos. Uma vez concludo o conflito, reapareceu como solvente essencial na fabricao de lacas, uma funo de onde seria afastada mais tarde por outras substncias. A Indstria Qumica do sculo XX se baseou, principalmente, no petrleo e seus derivados. Apesar da crise dos anos 1970 ter chamado a ateno da sociedade sobre os riscos da dependncia de um recurso no renovvel, o petrleo ainda resulta competitivo. A situao poder mudar em meados do sculo XXI, com a diminuio das reservas conhecidas e a necessidade de apelar a tecnologias de extrao novas e caras.

A VIA BIOTECNOLGICAA via biotecnolgica est baseada na transformao da biomassa, um recurso barato e renovvel. Para substituir a via qumica, devem-se desenvolver processos que possibilitem a obteno de produtos, materiais e energia a um custo competitivo e com menor impacto ambiental. Todas estas condies se encontram satisfeitas na obteno de numerosas molculas de interesse industrial a partir de milho, de leos vegetais ou de madeira (Tabela 10.1). Tabela 10.1: Diversidade de produtos derivados de algumas matrias-primas renovveis.SETOR Acar e amido MATRIA-PRIMA Cana-de-acar, beterraba aucareira, sorgo sacarino, trigo, milho, batata, arroz mandioca etc. Canola, soja, coco, girassol, dend, gorduras animais. COMPONENTES Acar, amido, melao. APLICAES Solventes, produtos farmacuticos, adesivos, resinas, polmeros, selantes, limpadores, etanol. Surfactantes para sabes e detergentes, ingredientes inativos de produtos farmacuticos, tintas, pinturas, resinas, cosmticos, cidos graxos, lubrificantes, materiais de construo. Materiais de construo, fibras, polmeros, resinas, adesivos, pinturas, revestimentos, tintas, piche.

leos vegetais

Triglicerdeos, cidos graxos, glicerol.

Madeira

Pinho, eucalipto.

Celulose, papel e lignina.

A Biotecnologia Industrial se fundamenta na microbiologia, nas fermentaes e na biocatlise, recebendo o impacto da biotecnologia moderna (genmica, engenharia metablica, engenharia gentica) que abre perspectivas novas no melhoramento das linhagens microbianas e das variedades vegetais. A produo da vitamina B2 (BASF) e do antibitico cefalexina (DSM Life Sciences Products) so dois exemplos bem sucedidos da substituio da sntese qumica pela ao microbiana. Esta resultar vantajosa sempre que existirem vrios metablitos intermedirios entre o substrato inicial e o produto final, porque um agente biolgico ser capaz de realizar diretamente a sequncia completa de reaes. A utilizao de organismos geneticamente modificados permite melhorar os processos produtivos e desenhar produtos novos. Em relao segurana, cabe lembrar que as caractersticas metablicas das linhagens industriais esto alteradas de modo a que elas cresam em condies artificiais muito estritas, sendo incapazes de sobreviver fora do laboratrio ou, eventualmente, de competir com os microrganismos do ambiente. A percepo pblica nutre uma atitude neutra ou favorvel em relao biotecnologia industrial. Em parte porque os produtos so utilizados como insumos para outras indstrias, o que lhes confere pouca visibilidade. E tambm porque, ao utilizar matrias-primas renovveis e desenvolver processos menos poluentes com menor gasto de energia, as biotecnologias ajudam a atenuar a imagem poluidora da indstria qumica. No por acaso que a biotecnologia industrial denominada biotecnologia branca.

2

BIOTECNOLOGIA / Captulo 10: Biotecnologia e indstria

OS PRODUTOS BIOTECNOLGICOSAlguns processos biotecnolgicos geram substncias em quantidades pequenas (volume baixo) que sero vendidas a um preo elevado (alto valor agregado). Trata-se geralmente de metablitos secundrios cuja produo demanda grandes investimentos, um nvel tecnolgico avanado e uma mo de obra altamente qualificada. Nesta categoria, denominada qumica fina, se inserem os produtos farmacuticos e agrcolas, alguns aditivos alimentares, os aminocidos, as vitaminas e as enzimas. A via biotecnolgica tambm se aplica a algumas substncias fabricadas em grandes quantidades (volume alto), em processos que demandam investimentos menores e operaes mais simples. Entre estes produtos, de valor agregado intermedirio, encontramos metablitos primrios, tais como alguns solventes, cidos orgnicos e polmeros. No caso de substncias produzidas em grandes quantidades e com baixo valor agregado, como os biocombustveis lquidos (etanol, biodiesel) ou gasosos (biogs), nos deparamos ainda em alguns pases com sistemas produtivos desenvolvidos em pequena escala, em instalaes spticas e com uma mo de obra no especializada, que no exigem mais que equipamentos simples e pequenos investimentos. No entanto, a eficincia desses sistemas produtivos baixa, verificando-se gradual e progressivamente sua substituio por outros que contam com um nvel tecnolgico avanado e so gerenciados por grandes empresas, em empreendimentos economicamente sustentveis. A via biotecnolgica resulta hoje economicamente vivel para alguns metablitos, as enzimas, os bioplsticos e os biocombustveis.

METABLITOS DE INTERESSE COMERCIALEstima-se que, em 2010, a biotecnologia branca responder por 9% das vendas do setor qumico e que, em condies favorveis, esse valor poder subir rapidamente a 20%. Entre as molculas de interesse comercial se destacam, por sua versatilidade, vrios metablitos primrios e secundrios (Tabela 10.2). Tabela 10.2: Metablitos primrios e secundrios obtidos por fermentao e/ou bioconverso enzimtica.

METABLITOS PRIMRIOS lcoois e solventes cidos orgnicos Etanol, butanol, acetona, glicerol, manitol. cido lctico, cido ctrico, cido actico, cido glucnico, cido itacnico, cido mlico, cido tartrico, cido pirvico, cido succnico. cido L-glutmico (monoglutamato de sdio), L-lisina, L-fenilalanina, cido L-asprtico, L-carnitina. Xantana, dextrana, pululana, gelana, agar, alginatos, carrageninas. cido guanlico (5GMP) e cido inosnico (5IMP). Vitamina B2 (riboflavina), vitamina C (cido L-ascrbico), vitamina B12 (cianocobalamina). -caroteno, astaxantina, ficocianina, monascina.

Aminocidos Polissacardeos Nucleotdeos e nucleosdeos Vitaminas Corantes

METABLITOS SECUNDRIOS Molculas para a sade humana e/ou animal Molculas para a agricultura Molculas para a indstria de alimentos Antibacterianos, antivirais, antifngicos, anti-helmnticos, antitumorais, soros, imunoglobulinas, vacinas, imunossupressores, estatinas etc. Inseticidas e pesticidas, fatores de crescimento vegetal. Condimentantes e aromatizantes para a indstria alimentcia.

3

Autora: Maria Antonia Malajovich

lcoois e solventes Vimos previamente alguns aspectos histricos relacionados com a produo de acetona e butanol por fermentao. Estima-se que a imobilizao de microrganismos daria um novo impulso sntese de solventes, aumentando a produtividade em aproximadamente 60%. Tambm se deve destacar a importncia do etanol, 95% do qual produzido por via biotecnolgica. cidos orgnicos A produo de cido ctrico (4.0 x 105 toneladas/ano) depende quase exclusivamente do cultivo do fungo filamentoso Aspergillus niger, em processos fermentativos de diversos tipos (meio slido e cultura em superfcie; meio lquido e cultura submersa). O cido ctrico utilizado na indstria de alimentos como aditivo (acidulante e antioxidante), na cosmtica como regulador do pH e, na indstria farmacutica, como anticoagulante e ingrediente de tabletes efervescentes. Em relao ao cido actico, os processos industriais modernos tambm dependem da ao bacteriana (gneros Acetobacter, Gluconacetobacter e Gluconobacter). Com numerosas aplicaes, o cido actico um precursor de vrias molculas intermedirias como o anidrido actico e os acetatos ster, e de produtos como o acetato de celulose, o celofane, o acetato raiom etc. Tambm se usa como solvente na produo de plsticos, borracha, gomas, resinas e leos volteis. A indstria farmacutica o utiliza como acidificante. O cido lctico obtido por fermentao bacteriana (Lactobacillus) ou fngica (Rhizopus oryzae), sendo um importante insumo para as indstrias de alimentos e de frmacos e a cosmtica. Tambm utilizado como monmero na sntese de cido polilctico (PLA), um polmero biodegradvel. O cido succnico tambm encontra aplicaes em vrias indstrias (alimentos, frmacos, cosmtica), assim como na produo de plsticos e de materiais para a indstria automotora. Trata-se de outro bloco fundamental na sntese de polmeros, resinas de ABS (acrilo-nitrilo-butadieno), Nylon 6.6, solventes etc. Aminocidos A produo industrial de aminocidos se destina nutrio humana (66%) e ao enriquecimento de raes animais (33%) e, em grau bem menor, s indstrias farmacuticas e cosmticas (1%). O mtodo produtivo mais antigo a extrao por hidrlise de protenas (soja, cabelos), que tem como limitao principal a disponibilidade da matriaprima. Os outros mtodos incluem a sntese, a fermentao e a biocatlise. A sntese qumica apresenta o inconveniente de gerar misturas das duas formas isomricas (acil-D e acil-L), representadas habitualmente como tipo mo direita" e tipo "mo esquerda". Como os organismos vivos s assimilam L-aminocidos, estes devem ser separados por biocatlise das misturas racmicas. A imobilizao de enzimas estereoespecficas nos biorreatores facilita a produo industrial, reduzindo os custos de maneira significativa. Observe-se que a separao desnecessria no caso da glicina, que no apresenta ambas as formas, e da DL-metionina, j que os seres vivos convertem a forma D em L. A via fermentativa conveniente para a produo de vrios aminocidos. O agente biolgico Corynebacterium glutamicum produz cido glutmico (1,1 milho de toneladas/ano), que usado na cozinha oriental como flavorizante (glutamato monossdico), para realar o sabor dos alimentos. O cido L-asprtico e a L-fenilalanina so obtidos por imobilizao conjunta de Escherichia coli e Pseudomonas dacunhae em uma coluna de fermentao, ou por uma bactria geneticamente modificada (Escherichia coli). Ambos so os componentes do adoante no calrico Aspartame (15.000 toneladas/ano). Outros aminocidos cumprem a funo de aditivo em alimentos (L-cistena, 3.000 toneladas/ano), ou de complemento nutricional em raes animais (L-treonina, 50.000 toneladas/ano; L-lisina 550.000 toneladas/ano). Por outro lado, a indstria farmacutica absorve 1.000 toneladas/ano de L-arginina e 500 toneladas/ano de L-triptfano, de L-valina e de L-leucina.

4

BIOTECNOLOGIA / Captulo 10: Biotecnologia e indstria

Polissacardeos Os polissacardeos de origem microbiana substituem parcialmente os espessantes e gelificantes extrados das algas marinhas. A goma xantana (20.000 toneladas/ano), um produto de fermentao da bactria Xanthomonas campestris, entra na composio de molhos prontos, pudins, geleias, sorvetes, dentifrcios etc. Suas propriedades espessantes so tambm utilizadas na recuperao do petrleo. As dextranas (200 toneladas/ano) so obtidas por via fermentativa a partir de diversos microrganismos. As de alto peso molecular se empregam como espessantes na indstria de alimentos, na preparao de filmes protetores de sementes (indstria agrcola) e na composio das emulses fotogrficas, para reduzir o consumo de prata. As de baixo peso molecular se usam como plasma sanguneo artificial, para melhorar o fluxo sanguneo em casos de traumatismos e cirurgias. Vitaminas Apesar da maior parte das vitaminas serem obtidas industrialmente por via sinttica ou extrativa, a via fermentativa vantajosa nos casos da riboflavina (vitamina B 2) e do cido ascrbico (vitamina C). Ainda a nica possvel para a cianocobalamina (vitamina B 12), uma molcula complexa que, naturalmente, no sintetizada por animais ou por vegetais. Um precursor da vitamina A, o -caroteno, sintetizado pela alga Dunaliella bardawil, que consegue se desenvolver na gua salobra em grandes tanques ao ar livre, em uma regio desrtica perto da costa do Mar Vermelho (Israel).

ENZIMASAlgumas enzimas podem ser extradas facilmente dos tecidos ou dos rgos de seres vivos: as amilases do malte da cevada; a papana da papaia; a ficina do figo, a bromelina do ltex do abacaxi. Do estmago de sunos se separa a pepsina e do pncreas dos mesmos se obtm a pancreatina, que uma mistura de amilases, proteases e lipases. J a renina extrada do quarto estmago de bezerros, e a catalase, do fgado ou do sangue de bovinos. A extrao de enzimas de origem vegetal ou animal est sujeita disponibilidade de terra e s flutuaes das colheitas ou do abate. Por isso, a tendncia substitu-las por outras de origem microbiana que, por serem obtidas mediante processos fermentativos em grande escala, garantem uma produo regular de qualidade constante. Mesmo cumprindo uma funo idntica, duas enzimas produzidas por microrganismos diferentes podem apresentar propriedades dessemelhantes. Por exemplo, a lactase (galactosidase), uma enzima que hidrolisa a lactose, est presente em bactrias, leveduras e fungos. No entanto, as condies timas de funcionamento diferem uma da outra: 40 0C, 370C e 55-600C (temperatura); 3-4, 7,2 e 6,6 (pH). A escolha de uma enzima proveniente de um microrganismo ou de outro depender das condies que o bioprocesso demande. Considerando que a biodiversidade microbiana ainda comea a ser desvendada, assim como a arte de alterar suas vias metablicas, existem grandes chances de se encontrar enzimas com propriedades diferentes que possibilitem o desenho de processos industriais inovadores. Mais de 60% da produo industrial atual de enzimas provm da biotecnologia moderna. A otimizao de um processo industrial contempla o custo da matria-prima, o tipo de fermentao (submersa ou em meio semisslido) e os controles necessrios para o bom desenvolvimento do processo, como, por exemplo, o pH e a temperatura. Do ponto de vista econmico, no vale a pena elaborar ou redimensionar esses parmetros para cada microrganismo que produza uma enzima interessante, sendo mais proveitosa a transferncia da sequncia codificadora dessa enzima a um dos microrganismos industriais j bem conhecidos (bactrias Escherichia coli, Streptomyces ou Bacillus subtilis; fungos Aspergillus oryzae, Saccharomyces cerevisiae ou Kluyveromyces). O custo de uma enzima tambm depende das dificuldades tcnicas encontradas nas etapas posteriores fermentao (separao, purificao). Em geral, as enzimas mais baratas so as extracelulares, ou seja, as que so secretadas para fora da clula como, por exemplo, as hidrolases (amilases, proteases e celulases). As mais caras so as enzimas intracelulares, j que, por serem utilizadas como frmacos ou reagentes em testes de diagnstico, requerem um grau de pureza maior.

5

Autora: Maria Antonia Malajovich

As enzimas so insumos para outras indstrias, especialmente as de alimentos e bebidas, raes, detergentes, analticas e farmacuticas. Estima-se que o mercado global de enzimas poder alcanar, em 2013, um valor aproximado de US$ 7 bilhes/ano. Atualmente, o maior produtor Novozyme, uma empresa pertencente ao grupo Novo (Dinamarca), que responde por 47% do mercado. A empresa mantm em funcionamento vrios fermentadores de 80.000 l, contabiliza mais de 4.000 patentes e dedica a quase totalidade de seu oramento de pesquisa e desenvolvimento otimizao de microrganismos, produtos enzimticos e tecnologia.

BIOPOLMEROS E BIOPLSTICOSA denominao de biopolmeros abrange dois tipos de polmeros. O primeiro inclui os que so sintetizados pelos seres vivos, como a celulose, o amido e os leos vegetais, o segundo, os que resultam da polimerizao de uma molcula bsica, como o cido lctico, proveniente de uma fonte renovvel. Um dos bioplsticos mais versteis o polilactato (PLA), um polister obtido por polimerizao do cido lctico resultante da fermentao de acar. Utiliza-se como recheio de almofadas e edredons (NatureWorks), revestimento de filmes e de papel (BASF), e material de embalagens descartveis (Ingeo) por diversas empresas (Coca-Cola, McDonalds). Tambm est sendo aproveitado na indstria automotora (Hyundai) e eletrnica (Samsung). Polmeros sintetizados diretamente por microrganismos, como os poli-hidroxialcanoatos (PHAs) e o poli-hidroxibutirato (PHB), comeam lentamente a entrar no mercado de embalagens da indstria de alimentos. Por serem biocompatveis, encontraram importantes aplicaes na rea mdica (Biopol). No interior de So Paulo, uma usina piloto relacionada com empresas do setor sucroalcooleiro (Biagi, Balbo) j est produzindo PHB por fermentao bacteriana do acar de cana (Biocycle). A transferncia dos genes codificadores de PHA (Ralstonia eutropha) e de PHB (Alcaligenes eutropus) a microrganismos e plantas (canola) representa um avano das pesquisas. Alm desses dois tipos de biopolmeros, os bioplsticos compreendem um terceiro, constitudo por polmeros biodegradveis sintetizados a partir de uma molcula de origem petroqumica, como alguns polisteres sintticos. Qualquer um dos dois critrios, a origem fonte renovvel como a propriedade biodegradabilidade, basta para definir um bioplstico. A indstria dispe atualmente de aproximadamente trinta molculas essenciais para a construo de polmeros, tais como os cidos carboxlicos, o etanol, os aminocidos, os triglicerdeos, o furfural, o sorbitol, o glicerol etc. Essas molculas, de origem biolgica, possibilitam tanto a obteno de plsticos inovadores biodegradveis como a de bioplsticos convencionais, no biodegradveis e semelhantes aos de origem petroqumica. Entre estes: as resinas de poliuretano sintetizadas a partir de leo de soja, o polister de origem bacteriano Sorona 3GT (DuPont, Genencor) de amplo uso na indstria txtil, do PVC ou polietileno verde (Braskem, Tetrapak), que um polmero do etileno obtido a partir do etanol de cana. A produo de bioplsticos ainda est limitada pelos custos, no entanto e apesar de representar atualmente apenas 1% do negcio de polmeros, se espera que esse valor aumente rapidamente se os custos diminurem.

OS BIOCOMBUSTVEISAproximadamente 75% da energia consumida no mundo retirada dos combustveis fsseis (carvo, petrleo e gs natural). Considerando que as reservas so limitadas e que a queima de combustveis fsseis a causa de vrios problemas ambientais, parece acertado buscar outras formas de extrair energia. Uma fonte alternativa a biomassa, um recurso que, por ser renovvel, pode nos fornecer energia de modo sustentvel. A combusto a forma mais simples de liberar a energia da biomassa, seja esta madeira, resduos vegetais ou excrementos secos de ruminantes. Trata-se de um procedimento rural, no comercial.

6

BIOTECNOLOGIA / Captulo 10: Biotecnologia e indstria

A tecnologia atual nos oferece combustveis eficientes por fermentao da biomassa, como o etanol ou o biogs. Existem outras possibilidades, tais como a obteno de biodiesel por transformao qumica de leos vegetais e, futuramente, a produo de hidrognio a partir de gua, utilizando a capacidade fotossinttica das microalgas. Os biocombustveis contribuem para reduzir alguns dos problemas ambientais que nos afligem, tais como a acumulao de CO2 e outros gases de efeito estufa. A grande vantagem da biomassa sobre os combustveis fsseis que libera uma quantidade de CO 2 igual que absorveu durante o seu crescimento em um perodo recente, enquanto a quantidade de CO 2 liberada pelos combustveis fsseis foi removida do ambiente h milhes de anos. Nos pases que os adotam, os biocombustveis substituem a gasolina, parcial ou totalmente, modificando a realidade do setor de transportes. Curiosamente, os primeiros automveis de Henry Ford, com motores de ignio por centelha, funcionavam com etanol de milho, e os primeiros motores de Rudolf Diesel, de ignio por compresso, o faziam com leo de amendoim. Com o petrleo barato, passou-se a utilizar gasolina e leo diesel para os automotores, mas o aumento dos preos na dcada de 1970 mostrou a convenincia de substituir os derivados do petrleo por etanol e biodiesel. Atualmente, o principal biocombustvel lquido para transporte o etanol. A maior parte da produo (90%) est concentrada no Brasil (fermentao da cana-de-acar) e nos Estados Unidos (fermentao do milho). Os outros pases produtores so o Canad, a China, a Unio Europeia (Frana e Alemanha) e a ndia. Embora um litro de etanol fornea bem menos energia que um litro de gasolina (66%), sua maior octanagem melhora o desempenho das misturas etanol-gasolina. At que ponto o etanol ser capaz de substituir a gasolina? A resposta depender da tecnologia disponvel, do processo produtivo e do preo do petrleo. Estima-se que, no Brasil, o bioetanol de cana-deacar seria competitivo com o barril de petrleo a US$ 30-35; nos Estados Unidos, onde o etanol se produz a partir de milho, isso ocorreria com o barril de petrleo a US$ 55-80. Por outro lado, o desvio de matrias-primas alimentcias, como o milho ou o leo de soja, para a produo de biocombustveis levanta forte controvrsia porque redunda no aumento do preo dos alimentos, penalizando os setores mais pobres da populao. Tambm preocupa a expanso dos cultivos agroindustriais, favorecendo o desmatamento e afetando a biodiversidade. A soluo parece estar na obteno de etanol a partir de resduos lignocelulsicos, uma tecnologia complexa que ainda est em desenvolvimento (Figura 10.1). Figura 10.1: As etapas necessrias para a produo de etanol a partir de diferentes matrias-primas.

BIOMASSA AMILCEA

BIOMASSA SACARINA

BIOMASSA CELULSICA

Hidrlise enzimtica

Hidrlise cida ou enzimtica

CALDO AUCARADO FERMENTESCVEL Fermentao Destilao

ETANOL

7

Autora: Maria Antonia Malajovich

O ETANOLA produo por via fermentativa A produo de etanol pela via biotecnolgica envolve a ao fermentativa de leveduras sobre um substrato adequado: cana-de-acar, beterraba aucareira, sorgo aucareiro, milho. No Brasil, a matria-prima a cana-de-acar (Figura 10.2).

Figura 10.2: A produo de etanol a partir da cana-de-acar. LAVOURATransporte

CANA-DE-ACAR

Triturao e extrao

CALDO, GARAPA OU MOSTO

BAGAO Combustvel

LEVEDURASFermentao

Reaproveitamento

MELAO ACAR CO2Destilao

VINHO

LEVEDURAS

Rao animal

FLEGMARetificao

VINHAA

Fertilizante

ETANOL HIDRATADODestilao

ETANOL ANIDRO

8

BIOTECNOLOGIA / Captulo 10: Biotecnologia e indstria

Aps a colheita, a cana transportada at a usina onde triturada, separando o caldo do bagao. Este utilizado como combustvel, gerando calor e eletricidade para o prprio estabelecimento. O caldo se reserva produo de acar ou de etanol. Um subproduto da produo de acar, o melao, reincorporado ao processo produtivo de sacarose ou misturado ao caldo de cana para a obteno de etanol. Antes de dar incio fermentao, se acrescentam no caldo os nutrientes e antisspticos necessrios, ajustando-se tambm outros parmetros, como a temperatura e o pH. O processo fermentativo ocorre nas dornas (biorreatores) por obra das leveduras, naturais ou selecionadas. A conduo do procedimento, contnua ou descontnua, depende do estabelecimento assim como da complexidade e automao dos equipamentos disponveis. Concluda a fermentao, recuperam-se as leveduras por centrifugao, com vistas a uma posterior reutilizao e/ou produo de rao animal. Da destilao do vinho se obtm a flegma, um lquido com lcool em maior concentrao, e um resduo denominado vinhaa ou vinhoto, que deve ser tratado antes de despejado no ambiente. A retificao, isto , a eliminao das impurezas da flegma, gera o lcool hidratado, que convertido em lcool anidro por desidratao. A substituio da gasolina o caso do Brasil No Brasil, 63% da energia provm de fontes renovveis: grandes hidroeltricas (42%), madeira (10%), cana-de-acar (9%), outras (2%). A contribuio da cana-de-acar est diretamente relacionada com o uso do etanol como combustvel. Calcula-se que 60% da cana-de-acar plantada no Brasil se destina produo de etanol por fermentao. Em outros pases se utilizam matrias-primas diferentes, tais como a beterraba aucareira (Unio Europeia) ou o milho (Estados Unidos). A desvantagem das matrias-primas amilceas que demandam um tratamento enzimtico (sacarificao) antes da fermentao (Figura 10.1). O aumento do preo do petrleo durante a crise da dcada de 1970 mostrou a necessidade de ter outras fontes para substituir a gasolina. Em 1975, o Brasil instituiu o Programa Nacional do lcool (Pr-lcool) visando a produo de etanol como combustvel alternativo para os carros de passeio. Pouco tempo depois, na dcada de 1980, 5.000.000 de carros funcionavam com etanol (94% de etanol, 6% de gua) e outros 9.000.000 com uma mistura de lcool e gasolina (78% de gasolina, 22% de lcool). Em 1989, a queda do preo do petrleo e os problemas inerentes ao prprio Pr-lcool (subsdios, baixa produtividade) provocaram uma crise de desabastecimento, abalando seriamente o programa. Reativado na dcada de 1990, desta vez obedecendo a critrios de produtividade tanto na lavoura como na indstria, o programa deixou de receber subsdios. Hoje, mais de trs milhes de carros so movidos com lcool hidratado, enquanto o lcool anidro se aditiva gasolina em uma proporo que varia entre 20 e 24%, dependendo da relao oferta/procura. A introduo, em 2003, da tecnologia flexfuel, que permite abastecer os carros tanto com gasolina como com lcool hidratado, deixa ao consumidor a possibilidade de escolher o combustvel em funo de consideraes econmicas e ambientais. A produo de etanol no Brasil chegou a 24 bilhes de litros em 2009, estimando-se que ser de 36 bilhes de litros em 2012. A indstria sucroalcooleira de hoje um enorme complexo industrial com mais de 400 indstrias, com participao de vrias multinacionais em um mercado consolidado atravs de ciclos de aquisies e fuses. As pequenas usinas foram suplantadas por outras, tecnologicamente aprimoradas, que desenvolvem sistemas de produo integrados. Lentamente, a mecanizao da colheita elimina a necessidade das queimadas e modifica as condies de trabalho nos canaviais. Alm de etanol, as instalaes industriais fabricam aglomerado, rao animal, adubo, celulose etc. O aproveitamento do bagao fundamental porque permite gerar a energia necessria para o funcionamento das usinas e inclusive export-la, aumentando a matriz energtica renovvel do pas. A obteno de variedades de cana-de-acar com diferentes perodos de desenvolvimento (rpido, mdio e tardio) assim como o plantio sequencial diminuem as flutuaes na oferta de matria-prima.

9

Autora: Maria Antonia Malajovich

O projeto Genoma-cana, uma parceria entre a Fapesp (Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo), vrias universidades e o setor sucroalcooleiro, ir facilitar a curto prazo o melhoramento da planta (teor de acar, resistncia a pragas, resistncia seca). Encontra-se em andamento o melhoramento das leveduras, procurando desenvolver microrganismos mais produtivos e tolerantes ao etanol, ou com caractersticas (floculao) que facilitem sua recuperao uma vez concluda a fermentao.

O BIOGSA biodigesto anaerbia Em condies aerbias, a digesto microbiana da matria orgnica produz gua (H 2O) e dixido de carbono (CO2). Em condies anaerbias, a ao de vrios grupos de microrganismos forma como produtos finais: metano (CH 4), dixido de carbono (CO2) e gua (Figura 10.3). Figura 10.3: A biodigesto em condies aerbias e anaerbias. RESDUOS ORGNICOS VEGETAIS E ANIMAIS

O2

MOLCULAS ORGNICAS SIMPLES

ACETATO

Aerobiose

Anaerobiose

H 2O

CO2

H 2O

CH4 BIOGS

CO2

Nos ambientes confinados de pntanos e sepulcros, o gs formado gera alguns fenmenos assustadores de combusto espontnea (luzes dos cemitrios). Mas, nas condies mais controladas de um aterro sanitrio ou de um biorreator (= biodigestor), o gs acumulado poder ser utilizado como combustvel (biogs). O processo fermentativo (biodigesto) se desenvolve sobre resduos rurais (esterco), agroindustriais (vinhaa, efluentes das indstrias de laticnios e dos matadouros), domsticos ou comunitrios (lama de esgotos) e, tambm, sobre plantas (aguap). A matria-prima se coloca no biodigestor, em anaerobiose e a um pH neutro (6,7-7,7), evitando-se a presena de substncias solventes ou de inseticidas porque prejudicam o desenvolvimento do processo. Segundo a temperatura do biodigestor, haver uma multiplicao de bactrias mesfilas (350C) ou termfilas (550C) que, respectivamente, processaro a matria-prima em 15-30 dias ou em 12-14 dias. A segunda opo libera mais biogs, mas requer maior consumo de energia e um monitoramento cuidadoso, porque as bactrias termfilas no suportam bem as variaes de temperatura. Como o processo de decomposio anaerbia envolve a sucesso biolgica de vrias populaes naturais de microrganismos, as melhoras tecnolgicas visam exclusivamente a engenharia do processo. Este pode ser conduzido tanto de maneira descontnua como contnua, em biodigestores especialmente construdos para permitir o abastecimento dirio de matria-prima e a retirada de biogs.

10

BIOTECNOLOGIA / Captulo 10: Biotecnologia e indstria

Existe um nmero grande de modelos de fermentadores, desde os muito simples (modelos tailands, chins, indiano) at os automatizados, que processam um volume grande de matria-prima. O biogs pode ser usado diretamente ou armazenado. Entre as aplicaes possveis est o abastecimento do consumo domstico (foges, lampies ou aquecedores), a gerao de energia eltrica e o acionamento de motores de veculos. Da biodigesto, restam dois resduos. Um deles um material slido fibroso que, uma vez compostado e prensado, se usa como solo artificial para o cultivo de plantas ou para melhorar a qualidade do solo. O outro um efluente lquido, que se aproveita como adubo. (Figura 10.4). Figura 10.4: As complexas etapas da produo de biogs dentro do biodigestor. MATRIA-PRIMA

MOLCULAS COMPLEXASBactrias fermentativas

MOLCULAS SIMPLESBactrias acidognicas

BIODIGESTOR

CIDOS E LCOOISBactrias acetognicas

ACETATOBactrias metanognicas

BIOGS

MATERIAL SLIDO FIBROSO + EFLUENTE LQUIDO

A utilizao do biogs O biogs est formado por 50-65% de metano e 35-50% de dixido de carbono, com traos de gs sulfdrico (corrosivo), nitrognio, oxignio e hidrognio. O poder calorfico menor que o do gs natural, um combustvel fssil cuja composio inclui metano, etano, propano e butano (Tabela 10.3). Tabela 10.3. O poder calorfico de vrios combustveis.

GS

PODER CALORFICO (Kcal/m3) 28.000 22.000 8.500

GS

PODER CALORFICO (Kcal/m3) 7.600 5.500 4.000

Butano Propano Metano

Gs natural Biogs Gs de cidade

11

Autora: Maria Antonia Malajovich

A primeira fbrica de biogs comeou a funcionar em 1859 em Bumbai (ndia). A iniciativa alcanou bastante sucesso de modo que, em 1980, a ndia contava com 150.000 biodigestores. Talvez seja esta uma das razes pelas quais se considere a digesto anaerbia como um processo biotecnolgico adequado a pequenas cidades e comunidades rurais. No entanto, a produo de biogs pode alcanar outra dimenso se for encarada como uma tecnologia moderna que visa a produo de calor e de eletricidade (Figura 10.5). Figura 10.5: As utilizaes do biogs. BIOGS

PLANTAS PURIFICADORAS E DE ARMAZENAMENTO ENERGIA TRMICA ENERGIA ELTRICA COMBUSTVEL

TRANSPORTE AUTOMOTOR Em 1995, quando contabilizava mais de cinco milhes de pequenos biodigestores rurais, a China teve o empenho de construir reatores tecnologicamente avanados, para o tratamento de rejeitos urbanos e a gerao de eletricidade. A Dinamarca o lder mundial na produo de biogs, estando bem desenvolvida a tecnologia em outros pases como os Estados Unidos, a Alemanha, a Frana, o Japo e a Sucia. Cuba conta com mais de 100 fbricas produtoras de biogs. Na Amrica Latina, algumas pequenas comunidades contam com geradores de biogs que as abastecem com energia suficiente para cozer os alimentos ou alimentar um motor. Contudo, nos ltimos anos surgiram vrios projetos ambiciosos de explorao do potencial existente nos aterros sanitrios urbanos (Olavarra, Argentina; Bandeirantes, Nova Iguau e Petrpolis, Brasil; Santiago, Chile; Monterrey, Mxico; Maldonado, Uruguai). O tratamento dos rejeitos agroindustriais, especialmente da indstria aucareira e da suinocultura, tambm uma fonte considervel de biogs.

O BIODIESELA transesterificao O biodiesel um combustvel composto por steres (etlicos ou metlicos) produzidos na reao qumica de transesterificao entre leos vegetais e lcool (etanol ou metanol), em presena de um catalisador inorgnico ou enzimtico (lpases) (Figura 10.6). Figura 10.6: A reao de transesterificao. H2C O CO R HC O CO R H2C O CO R Triglicerdeos lcool + 3R OH CH2OH HCOH CH2OH Glicerol steres + 3R O CO R

12

BIOTECNOLOGIA / Captulo 10: Biotecnologia e indstria

A reao deixa como subproduto o glicerol (5 a 10% do produto bruto), que aproveitado por algumas indstrias (alimentos, cosmtica, medicamentos). Aumentar a produo de biodiesel significa ampliar o leque de aplicaes porque, diferente do bagao de cana, o glicerol gera uma substncia txica (acrolena) quando queimado. O biodiesel fornece entre 88 e 95% da energia do diesel, mas quando misturado com o diesel convencional (B1 com 1% de biodiesel a B20 com 20% de biodiesel) aumenta a qualidade do combustvel, diminuindo a emisso de partculas poluentes e gases txicos na atmosfera. A produo de biodiesel A produo de biodiesel est localizada principalmente na Unio Europeia (60%) e, em menor parte, nos Estados Unidos, na China, na Indonsia e na Malsia. A matria-prima variada: soja nos Estados Unidos, canola na Unio Europeia e no Canad, soja e girassol na Argentina, dend na sia. No Brasil, tem-se experimentado soja, mamona, babau, dend, girassol, milho, amendoim, pinho-manso etc. A implementao do Programa Nacional de Produo e Uso de Biodiesel (PNPB) estimula a produo sustentvel, enfatizando a incluso social e o desenvolvimento regional. Desde janeiro 2010, adiciona-se no Brasil 5% de biodiesel ao diesel convencional, estimando-se que a proporo aumente a 20% at 2020. Restam alguns pontos a considerar, especialmente em relao utilizao de matriasprimas como a mamona, com o intuito de estimular o pequeno agricultor. Em princpio, o biodiesel carbono-neutro. No entanto, diferente do etanol de cana, o sistema produtivo seria carbono-negativo, quando se leva em conta a energia necessria para adubao e irrigao da terra, a movimentao da maquinaria agrcola, o armazenamento e transporte da matria-prima e dos produtos etc. Do ponto de vista energtico, os sistemas produtivos mais eficientes seriam os associados aos complexos agroindustriais (soja, milho, girassol), embora apresentem o grave defeito de desviar para a produo de energia as matrias-primas de alimentos e raes.

PERSPECTIVASCunhado recentemente, o conceito abrangente de biorrefinaria se refere a um complexo industrial com instalaes para o processamento biotecnolgico, qumico, fsico e trmico da matria-prima renovvel, transformando-a em numerosos intermedirios qumicos e bioqumicos que alimentaro um conjunto de linhas de produo muito diversificado. A primeira gerao de biocombustveis abrange o etanol (acar de cana-de-acar ou beterraba, amido de milho) e o biodiesel (leos vegetais). A segunda gerao de bioetanol utilizar biomassa lignocelulsica proveniente dos resduos agroindustriais, tais como bagao e folhas de cana, palha e sabugo de milho, serraduras e aparas de madeira etc. A maior dificuldade reside na prpria estrutura da matria-prima lignocelulsica. A celulose (polmero de hexoses) e a hemicelulose (polmero de hexoses e de pentoses) se encontram circundadas por lignina, uma substncia de suporte das plantas, sendo necessrio um prtratamento que as separe, possibilitando a hidrlise enzimtica e a liberao de acares fermentescveis (hexoses e pentoses). Equipamentos com o design apropriado e enzimas celulolticas (celulases e hemicelulases) para uso industrial j esto a caminho. Algumas indstrias funcionam experimentalmente na Sucia, na Espanha, na Dinamarca, no Canad e nos Estados Unidos. Estima-se que o Brasil poder contar com uma instalao piloto em 2012. Tambm se investe em processos termoqumicos em que o gs de sntese obtido por combusto da biomassa convertido em etanol, por catlise ou ao microbiana. Em relao ao biodiesel, h bastante expectativa no uso de algas para a produo de hidrocarbonetos e triacilglicerdeos, porque permitiriam dedicar terras frteis e gua doce para a produo de alimentos. A adio de bioquerosene ao querosene diminuiria os custos do combustvel de avio.

13

Autora: Maria Antonia Malajovich

Em outra linha de trabalho (biologia sinttica), e com bastantes possibilidades de sucesso, se modifica o metabolismo da levedura de modo a direcion-lo para a produo de molculas interessantes para a rea de energia (biodiesel) e de qumica fina (Amyris do Brasil, Crystalsev, Santelisa, Vale, Boa Vista). Com a liberao comercial no Brasil de uma levedura transgnica que sintetiza farneseno, um precursor do biodiesel, a partir de cana de acar, se espera que a partir de 2011 sejam fabricadas 2 milhes de toneladas do biocombustvel.

14

CAPTULO 11. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTEO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVELQual o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente? Que legado deixaremos para as prximas geraes? a partir destas perguntas que emerge o conceito de desenvolvimento sustentvel, definido como a capacidade de atender s necessidades do presente sem comprometer a capacidade das geraes futuras em atender suas prprias necessidades (Informe Brtland, 1987). O desenvolvimento sustentvel depende das aes realizadas nas reas econmica, social e ambiental. Este o consenso alcanado ao longo de quase duas dcadas e de vrias conferncias internacionais (Rio de Janeiro, 1992, e Agenda 21; Kyoto, 1997; Johanesburgo, 2002; Copenhague, 2009). Contudo, os relatrios publicados em 2007 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC, da sigla em ingls) das Naes Unidas apontaram a responsabilidade do homem no futuro do planeta, mostrando que no podemos seguir protelando aes concretas de proteo do meio ambiente. Qual a contribuio das biotecnologias para o desenvolvimento sustentvel? Em relao economia, as biotecnologias diminuem os custos no s da matria-prima como da produo industrial, com processos e produtos novos e/ou de maior valor agregado. Na rea social, se espera que o desenvolvimento de novas plataformas tecnolgicas possibilite a conservao ou a criao de empregos. E na rea ambiental, as biotecnologias cumprem um importante papel na preveno, remediao e monitoramento da contaminao.

AS TECNOLOGIAS LIMPASLentamente, a sociedade comea a aceitar que prefervel no contaminar a ter que desenvolver mtodos para limpar o ambiente. No contexto das chamadas "biotecnologias brancas", vrias tecnologias limpas podem substituir outras mais poluentes, ajudando tambm a reduzir o volume de resduos domsticos, agrcolas e industriais.

A SUBSTITUIO DE PROCESSOS INDUSTRIAISA primeira opo para diminuir a poluio a tecnologia enzimtica, porque comporta a substituio de alguns processos e produtos industriais por outros menos agressivos ao meio ambiente. Diferentemente dos catalisadores no biolgicos, as enzimas so especficas, no txicas e biodegradveis. Como agentes biolgicos, as enzimas tornam os processos produtivos mais limpos e seguros, diminuindo o consumo de energia e a quantidade de resduos. O desenvolvimento de enzimas ativas a altas temperaturas, em solventes no aquosos e em slidos, poder futuramente expandir suas aplicaes. Aplica-se a tecnologia enzimtica em setores muito diversos, alguns dos quais reconhecidamente poluentes, tais como as indstrias de alimentos, raes, detergentes, txteis, papel e celulose, couros etc. Nos curtumes, por exemplo, o uso de enzimas reduz em 40% o consumo de derivados do enxofre, ao tempo que produz couro de melhor qualidade. A introduo de at oito enzimas nos detergentes evita a fervura das roupas, diminuindo o consumo de energia e facilitando a retirada das manchas. Os plsticos representam uma frao significativa (20% v/v) do lixo dos pases industrializados, sendo a maior parte proveniente das embalagens convencionais da indstria de alimentos. Alm de permanecerem por longo tempo na natureza, sua fabricao envolve uma matria-prima no renovvel (petrleo) e um processo muito poluente que gasta uma quantidade grande de energia.

Copyright Maria Antonia Malajovich

Autora: Maria Antonia Malajovich

Em curto ou mdio prazo, esses plsticos convencionais podero ser substitudos por polmeros de origem bacteriana ou vegetal, compostveis em poucos meses. Uma das vantagens das embalagens bioplsticas de alimentos que degradam junto com os restos de comida, dispensando as etapas de triagem e limpeza. A indstria de papel e celulose outro caso a considerar. O Brasil conta com 1,5 milho de hectares de florestas plantadas, basicamente, com eucaliptos (60%) e pinos (30%). A atividade industrial gera 100.000 empregos diretos em 450 municpios, e as exportaes alcanam o valor de US$ 2,8 bilhes. A madeira est composta por celulose, hemicelulose e lignina. Aproximadamente 90% desta ltima eliminado mediante um tratamento a altas temperaturas, realizado em meio alcalino. A lignina restante (10%) confere uma cor escura caracterstica ao produto resultante, ou pasta Kraft, que utilizada na fabricao de carto e papel pardo. O branqueamento requer um tratamento especfico com oxignio e cloro, formando-se derivados clorados txicos. Um procedimento alternativo o biopulping, em que uma enzima (xilanase) degrada o xilano da hemicelulose, facilitando a eliminao da lignina que lhe est associada (Figura 11.1). O sequenciamento do genoma do eucalipto facilitar o melhoramento da qualidade da madeira, especialmente visando aumentar a proporo celulose/lignina em rvores de crescimento rpido. O sequenciamento do genoma do fungo Phanerochaete chrysosporium ("podrido branca") revelou a existncia de mais de 240 genes codificadores de enzimas extracelulares que esto envolvidas na degradao de carboidratos. Este fungo o mais eficiente na degradao da madeira, sendo utilizado tambm na eliminao de numerosos poluentes de origem orgnica, assim como no branqueamento da polpa de papel e de txteis. Na fabricao do papel, o amido utilizado para conferir rigidez massa e melhorar o acabamento. O amido est composto por cadeias de amilose e de amilopectina, sendo estas ltimas as que apresentam interesse industrial. No Brasil, se aproveita o amido de mandioca porque contm menos amilose que o de milho ou de batata. Recentemente aprovada pela Comisso Europeia, a batata geneticamente modificada Amflora (BASF Plant Science) produz amido de alta qualidade, com 100% de amilopectina, sendo desnecessrio eliminar a amilose. Separada fisicamente da batata destinada ao consumo humano ou animal, este tubrculo se destina ao uso industrial de tecidos e papel.

Figura 11.1: A indstria de papel e de celulose.O branqueamento da pasta Kraft admite tratamentos qumicos (cloro) e biolgicos (xilanase); estes ltimos diminuem a carga poluidora do efluente.

MADEIRALignina + celulose + hemicelulose Extrao alcalina a alta temperatura

Lignina (90%)

Lignina (10%) + celulose + hemicelulose Branqueamento com cloro Branqueamento com xilanase Eliminao da lignina Derivados clorados da lignina

PASTA KRAFT

POLPA BRANCA EFLUENTE EFLUENTE

16

BIOTECNOLOGIA / Captulo 11: Biotecnologia e meio ambiente

A SUBSTITUIO DE INSUMOS AGRCOLASUm segundo conjunto de tecnologias limpas visa a substituio parcial de alguns insumos utilizados na agricultura, tais como os fertilizantes e praguicidas. A intensa aplicao de fertilizantes agrcolas, derivados do petrleo, tem consequncias negativas porque uma parte do nitrognio (N) e do fsforo (P) no absorvida pelas plantas e acaba sendo arrastada pelas chuvas at os rios e as reservas de gua. O excesso de nutrientes estimula a proliferao de algas, consumindo o oxignio dos cursos de gua e produzindo toxinas que afetam os peixes e o gado. Microrganismos vs fertilizantes qumicos O nitrognio um nutriente indispensvel para os cultivos vegetais porque faz parte da composio das protenas e dos cidos nucleicos. Encontra-se na atmosfera como N2 e no solo como nitrato, resultante da decomposio da matria orgnica ou proveniente dos fertilizantes agrcolas. Alguns microrganismos livres (Azotobacter, Azospirillum), ou simbiontes (Rhizobium ou Bradirhizobium) que vivem nos ndulos das razes das leguminosas (soja, feijo), podem fixar diretamente o nitrognio atmosfrico em uma forma utilizvel pelas plantas. Inoculando as sementes com rizbios, por exemplo, diminuir-se- a quantidade de nitrognio a ser acrescentada no solo. Trata-se de uma prtica muito simples, facilitada pela produo industrial de microrganismos selecionados para aplicao antes do plantio. A inoculao feita misturando o produto com as sementes umedecidas em tambores ou betoneiras, antes do plantio. No Brasil, vrias empresas nacionais e estrangeiras produzem inoculantes para leguminosas: BioAgro, Bio Soja, Microqumica, Nitral Urbana, Turfal, Stoller, Total Biotecnologia, Rizobacter etc. A maioria destas empresas est localizada no Paran e Rio Grande do Sul. A extenso das pesquisas sobre fixao de nitrognio s gramneas forrageiras, cereais e cana-de-acar, iniciadas por Johanna Dbereiner (Embrapa) na segunda metade do sculo XX, permite dispensar parcialmente a aplicao de nutrientes qumicos, com a correspondente economia de recursos. O fsforo se origina a partir das rochas do solo e da decomposio dos seres vivos. Nos solos cidos caractersticos das regies tropicais, a maior parte dos fosfatos (95-99%) forma compostos minerais ou orgnicos insolveis que no so acessveis diretamente s plantas. Por isso, o fsforo se torna um nutriente limitante para o crescimento das plantas. Os micorrizos so associaes simbiticas entre fungos e razes vegetais; os primeiros absorvem os nutrientes minerais e a gua do solo, transferindo-os para a planta hospedeira. A inoculao dos solos ou micorrizao uma tecnologia agrcola associada ao reflorestamento de pinos e eucaliptos, eliminando ou diminuindo a necessidade de se acrescentar fsforo. Muitas espcies de fungos micorrzicos so comestveis e vrios gneros so comercializados a nvel mundial: Tuber, Tricholoma, Boletu, Cantharellus, Morchella, Lactarius e Suillus. Alm dos fertilizantes agrcolas, outra das causas de liberao excessiva de fsforo no ambiente a criao intensiva de animais. Os porcos e as aves no conseguem metabolizar o fitato, um derivado presente nas raes, mas a complementao destas com uma enzima (fitase) tem um efeito importante no ambiente, porque ao reduzir em mais de 30% a quantidade de fsforo excretado, diminui a contaminao dos lenis de gua. A fitase produzida industrialmente por um microrganismo geneticamente modificado. A genmica poder vir a dar um novo impulso a esta rea de vital importncia. Manejo integrado de pragas vs agrotxicos Prticas agrcolas como a utilizao de variedades selecionadas e a rotao dos cultivos reduzem substancialmente a necessidade de aplicar pesticidas sintticos. O controle biolgico d um passo alm, visando a preservao das plantaes e a salvaguarda da produo de alimentos mediante a substituio dos praguicidas qumicos por alternativas biolgicas, tais como bactrias, fungos e vrus entomopatognicos. Observe-se que em seu clssico livro A Primavera Silenciosa, de 1972, a pesquisadora Rachel Carson j alertava para os danos causados pelo uso do DDT, recomendando a procura de solues de cunho biolgico.

17

Autora: Maria Antonia Malajovich

Anos mais tarde, contamos com numerosos exemplos de substituio de pesticidas por agentes biolgicos especficos (Tabela 11.1). Um deles a aplicao, nas lavouras de soja, de partculas de baculovirus, um organismo que normalmente infecta e mata as lagartas (Anticarsia gemmatalis) que parasitam essa planta. Outro a pulverizao de esporos do fungo Metarhizium anisopliae para lutar contra a cigarrinha-da-folha-da-cana-de-acar ou a broca-dos-citros. Tabela 11.1: Alguns exemplos de utilizao de agentes biolgicos como pesticidas.

AGENTE BIOLGICO Fungo Metarhizium anisopliae

PRAGA COMBATIDA Cigarrinha-da-folha-da-cana-de-acar (Mahanarva posticata), cigarrinha-da-raiz-da-cana-de-acar (Mahanarva fimbriolata), cigarrinha-das-pastagens (Deois flavopicta). Diversas, florestais. Lagartas desfolhadoras de grandes culturas e reflorestamentos. Larvas do mosquito da dengue (Aedes aegypti, transmissor da dengue e da febre amarela) e dos borrachudos (Simulium spp.). Larvas do mosquito prego (Anopheles spp., transmissor da malria) e do mosquito urbano ou pernilongo (Culex spp., transmissor da encefalite e da filariose). Lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis). Lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda). Broca-da-cana-de-acar (Diatraea saccharalis).

Fungo Beauveria bassiana Bactria Bacillus var kurstaki Bactria Bacillus var israelensis thuringiensis thuringiensis

Bactria Bacillus sphaericus

Vrus Baculovrus anticarsia Vrus Baculovrus spodoptera Vespa Cotesia flavipes

Contudo, o exemplo mais conhecido envolve a bactria do solo Bacillus thuringiensis ou Bt. Esta utilizada como pesticida agrcola h mais de trinta anos, sem que suas toxinas tenham causado danos s pessoas, vida silvestre ou maioria dos insetos benficos. Com o desenvolvimento da engenharia gentica, os genes correspondentes foram transferidos a vrias plantas (milho, algodo etc.) que agora produzem diretamente a toxina inseticida. Atualmente, existem numerosos produtos a base de Bacillus thuringiensis comercializados com diferentes nomes (Bac-control, Bactur, Dipel, Ecotech Pro, Thuricide etc.) por vrias empresas nacionais e estrangeiras (Vectorcontrol, Milenia, Sumitomo, Bayer, Iharabras etc.). A utilizao do controle biolgico, baseado no conhecimento da ecologia dos agroecossistemas, constitui o que se denomina Manejo Integrado de Pragas (MIP). No Brasil, deve-se destacar o trabalho da Embrapa e de vrias universidades no desenvolvimento desta rea. Alm de biopesticidas, no controle biolgico tambm se utilizam feromnios, armadilhas e atrativos alimentares. Alguns procedimentos so econmicos e muito engenhosos, como o desenvolvido em Cuba para combater o tetun del camote, um gorgulho (Cylas formicarius) que ataca a batata-doce. Pendura-se na plantao uma lata com uma pequena quantidade de feromnio, pulverizando em redor esporos do fungo Beauveria bassian. Atrados pelo feromnio, os machos se aproximam da lata e so contaminados mortalmente pelo fungo, que incuo para os seres humanos, os animais e as plantas. Para Cuba, a experincia de vrias dcadas de trabalho com controle biolgico resultou crucial quando, devido ao embargo propiciado por Estados Unidos, o pas teve que substituir o uso de agrotxicos nas lavouras. Atualmente, o programa cubano de controle biolgico de pragas envolve laboratrios regionais, estaes de defesa vegetal, postos equipados com laboratrios de diagnsticos e mais de 200 centros de reproduo de entomfagos e entomopatgenos.

18

BIOTECNOLOGIA / Captulo 11: Biotecnologia e meio ambiente

A REDUO DOS RESDUOSA degradao do lixo (resduos slidos) e o tratamento de esgoto (resduos lquidos) so dois exemplos tradicionais de prestao de servios da biotecnologia tradicional nem sempre valorizados, apesar do imenso volume de matria que transformam e de sua relevncia para o meio ambiente.

A DEGRADAO DO LIXOEm condies adequadas, todos os compostos naturais podem ser biodegradados. As populaes microbianas mistas do ambiente degradam as substncias orgnicas atravs de numerosas reaes, sem que sejam necessrios cuidados asspticos ou culturas puras. Em condies aerbias, os produtos finais da mineralizao da matria orgnica so dixido de carbono (CO2) e gua; em condies anaerbias, forma-se biogs. Na compostagem, uma etapa intermediria da mineralizao, os prprios microrganismos do lixo degradam a matria orgnica previamente fragmentada e misturada (Figura 11.2). Ao comear a biodigesto, a liberao de energia causa um aumento de temperatura que elimina a maioria dos microrganismos indesejveis (sanitizao). medida que a atividade microbiana decresce, o sistema se estabiliza e amadurece at perder todo o seu potencial de biodegradao. As condies do processo so otimizadas mediante o controle de alguns parmetros tais como a relao carbono/nitrognio, o oxignio, a umidade e a temperatura. O processo pode ser conduzido em sistemas simples (pilhas ao ar livre), ou complexos (silos, biorreatores), sendo necessrio, em ambos os casos, remover manual ou mecanicamente o material, para assegurar a aerao durante o processo de biodigesto. O tratamento dos resduos slidos urbanos (RSU) em usinas de compostagem um procedimento alternativo incinerao e ao depsito em lixes e aterros sanitrios. Nesses estabelecimentos, a separao prvia dos componentes permite a reciclagem de alguns materiais (metais, vidro etc.). A biodegradao aerbia ou mineralizao dos restos orgnicos os transforma em um "composto" utilizado no melhoramento de solos, em atividades de reflorestamento, para colmatar terrenos, para combater a eroso etc. Por outro lado, a decomposio in natura do lixo nos aterros sanitrios cria uma zona de anaerobiose onde se produz biogs. Este liberado na atmosfera, onde contribui para o efeito estufa e o aumento da temperatura, afetando o clima. Figura 11.2: A compostagem. LIXO ORGNICO AR GUA FONTE DE NITROGNIO

Fragmentao e mistura das partculas Aumento da temperatura (sanitizao) Diminuio e estabilizao da temperatura Maturao

BIODIGESTO AERBIA

CALOR

CO2

GUA

OUTRAS SUBSTNCIAS

COMPOSTO

19

Autora: Maria Antonia Malajovich

O TRATAMENTO DAS GUAS RESIDUAISO esgoto est constitudo por excrementos (fezes e urina), guas de uso domstico (banho, lavagem de roupas etc.) e, eventualmente, alguns dejetos de origem industrial. Ao ser liberado diretamente nos cursos de gua, o esgoto desestabiliza as populaes microbianas, que se multiplicam rapidamente consumindo o oxignio dissolvido e ocasionando a morte de peixes e crustceos. Na biodegradao das guas do esgoto participam vrias populaes naturais. Os microrganismos aerbios (bactrias e protozorios ciliados) mineralizam parte da matria orgnica do efluente. As bactrias anaerbicas procedem biodigesto dos lodos, permitindo a obteno de biogs e a remoo de alguns nutrientes (N e P principalmente) que poderiam criar desequilbrios ecolgicos. O tratamento do esgoto envolve mtodos fsicos, qumicos e biolgicos (Figura 11.3). O processo ocorre em pelo menos trs etapas: o Tratamento primrio.O esgoto passa por um processo de filtrao que remove objetos grandes, lixo e areia. No tanque de sedimentao, a gordura sobrenadante separada do lodo sedimentado, que pode ser transferido a um biodigestor.

o

Tratamento secundrio.O lquido efluente do tanque de sedimentao pode ser tratado de vrios modos: Em lagoas de baixa profundidade. Em filtros de gotejamento (1), colonizados pelos prprios microrganismos do esgoto que se desenvolvem digerindo a matria orgnica do meio. Em tanques de lodo ativado (2), onde o meio agitado e oxigenado mediante a injeo de ar comprimido. Um segundo tanque de sedimentao separa o efluente do lodo.

o

Tratamento tercirio.Este realizado para eliminar substncias inorgnicas e orgnicas, envolvendo procedimentos como a filtrao, a volatilizao da amnia, a precipitao de fosfato etc.

o

Tratamento avanado.A degradao microbiana dos resduos orgnicos diminui consideravelmente a carga de microrganismos patognicos liberada no ambiente, mas no a elimina totalmente. S alguns mtodos adicionais como a clorao, a irradiao UV e o tratamento com oznio eliminam microrganismos patognicos recalcitrantes.

Figura 11.3: O tratamento das guas residuais.

ESGOTO

Fossas spticas

Gradeamento Lagoas de oxidao Tanque de areia Filtros de gotejamento (1) Tanque de sedimentao Tanque de sedimentao LodoLodo

EFLUENTE

EFLUENTE

Lodo ativado (2) Biodigestor anaerbicoLodo

EFLUENTE

RESDUO SLIDO

20

BIOTECNOLOGIA / Captulo 11: Biotecnologia e meio ambiente

O TRATAMENTO DOS EFLUENTES INDUSTRIAISAlm de fundamental para a populao e o ambiente, o tratamento dos efluentes industriais estratgico para o melhoramento da imagem das indstrias mais poluentes, entre as quais figuram as qumicas, as papeleiras, as txteis, as de couro, as de alimentos, as de extrao de metais e minerais e as de produo de energia. A produo de etanol libera diretamente nos rios e cursos de gua um efluente (vinhaa) que provoca a eutrofizao, com consequncias nefastas para os seres vivos. Para avaliar a dimenso do problema, basta lembrar que por cada litro de lcool a indstria produz at 12 litros de vinhaa. As solues contemplam o uso de tecnologias mais eficientes que permitam reduzir o volume de vinhaa, e tambm sua biodigesto anaerbia para a gerao de fertilizante, alm de biogs e de eletricidade. Os efluentes das indstrias de laticnios so utilizados como matria-prima para o crescimento de microrganismos que so adicionados s raes animais. De forma anloga, o licor sulftico dos efluentes da indstria de papel e celulose pode ser eliminado produzindo biomassa, com o fungo Paecilomyces. Em relao aos resduos gasosos de processos industriais, o tratamento de compostos orgnicos volteis (VOCs, da sigla em ingls) feito mediante filtros biolgicos de diferentes tipos e complexidade tecnolgica.

AS EMISSES DE GASES E O EFEITO ESTUFAExistem fontes naturais de gases, como os vulces e os cupins. Estes, devido atividade da flora intestinal simbionte que lhes permite digerir celulose, liberam 40 milhes de toneladas de metano por ano. No entanto, o homem o principal responsvel pela emisso dos gases que causam o efeito estufa, atravs de atividades como o depsito do lixo em aterros sanitrios, o cultivo do arroz, a criao de gado, a liberao de efluentes agroindustriais sem tratamento e a queima de combustveis fsseis (petrleo, gs natural e carvo). Os nveis de metano atmosfrico so hoje duas vezes maiores que na era pr-industrial, um dado preocupante se pensarmos que a contribuio do metano para o efeito estufa 20 vezes superior do dixido de carbono. Embora sua utilizao como combustvel elimine uma fonte de contaminao atmosfrica, a rentabilidade do processo nem sempre justifica o seu aproveitamento. Vrias iniciativas tendem a recuperar o metano dos aterros sanitrios e utiliz-lo como combustvel alternativo. A Amrica Latina, que emite 6% dos gases contaminantes, j est entrando neste mercado com vrios projetos de reaproveitamento do metano (aterros sanitrios, resduos agroindustriais) na Argentina, no Brasil, no Chile, em Cuba, no Mxico, no Uruguai. As iniciativas dependem de empresas privadas e/ou de organismos governamentais; alguns estudos preliminares contaram com financiamento do Banco Mundial. Em relao gasolina, a combusto dos biocombustveis (mistura gasolina-etanol ou etanol puro) emite quantidades menores de monxido de carbono (CO), xidos de enxofre (SOx), hidrocarbonetos e outros compostos poluentes. Em compensao, liberam-se aldedos cancergenos e, dependendo do motor, xidos de nitrognio (NO x). Apesar disso, estima-se que, entre 2004 e 2008, o uso de biocombustveis na frota flexfuel brasileira teria deixado de liberar na atmosfera 35 milhes de toneladas de CO 2. Calcula-se tambm que, para que essa economia fosse de 530 milhes de toneladas de CO 2, bastaria misturar com lcool apenas 10% da gasolina disponvel no planeta. O Protocolo de Kyoto (1997) previa a reduo da emisso de gases contaminantes (dixido de carbono, metano, xidos nitrosos e clorofluorocarbonetos). Ratificado por numerosos pases, mas no por Estados Unidos nem Rssia, que so responsveis respectivamente por 36% e 17% das emisses, o protocolo de Kyoto no teve os resultados esperados. Contudo, criou-se um mercado paralelo da descontaminao atravs da compra e venda do Certificado de Reduo de Emisses (CER, do ingls Certificate of Emissions Reduction), que nada mais que um bnus sobre a quantidade de contaminao deixada de emitir. Deste modo, o Protocolo de Kyoto permite que, tendo superado a cota de gases a emitir, um pas continue contaminando a atmosfera se comprar bnus de um pas que no a contamina ou que reduz sua prpria contaminao.

21

Autora: Maria Antonia Malajovich

A BIORREMEDIAONumerosas substncias, hoje presentes no ambiente, tm sido geradas pelo homem atravs da sntese qumica. Embora muitas possam ser degradadas em poucos meses por algum organismo, outras persistem na natureza por um longo tempo. Consideradas recalcitrantes, estas molculas alheias ao mundo dos seres vivos (xenobiticas) no so biodegradadas ou, quando o so, o processo muito lento.

OS CONTAMINANTESComo resultado das atividades humanas, aproximadamente 2,5 milhes de toneladas de substncias qumicas perigosas so liberadas anualmente no meio ambiente (Tabela 11.2). Em alguns casos, trata-se de emisses deliberadas e regulamentadas (resduos industriais), em outros, de escapamentos acidentais (manchas de leo ou de petrleo). Tabela 11.2: Os principais contaminantes do meio ambiente.

CATEGORIA Inorgnicos Orgnicos

EXEMPLO Metais (cdmio, mercrio, prata, cobalto, chumbo, cobre, cromo, ferro), istopos radiativos, nitratos, nitritos, fosfatos, cianetos, asbestos. Efluentes e resduos slidos de origem domstica, agrcola e industrial. Resduos petroqumicos: petrleo, gasleo, compostos aromticos (benzeno, tolueno, etilbenzeno, xileno). Produtos sintticos: pesticidas organoalogenados como os policlorados (PCBs) ou os hidrocarbonetos poliaromticos (PHAs). bifeniles

Gasosos Gases: dixido de enxofre (SO2), dixido de carbono (CO2), xidos nitrosos (NOx), metano (CH4). Compostos volteis: volteis (VOCs). clorofluorocarbonetos (CFCs), compostos orgnicos

diferena dos resduos agrcolas e urbanos, que so biodegradados, os metais procedentes das atividades extrativas e industriais (cdmio, zinco, chumbo, selnio) permanecem no ambiente, em concentraes txicas. Sua absoro e concentrao (bioacumulao) por plantas tolerantes aos metais reduz a toxicidade do solo e facilita sua remoo em faixas de terreno pouco profundas. Existem j plantas geneticamente modificadas para transformar os compostos organomercuriais formados em diversas atividades (extrao de carvo e de ouro etc.) em uma forma voltil muito menos txica. Um problema de difcil soluo a deteco e eliminao das 60 a 70 milhes de minas antipessoais espalhadas no mundo. Uma possvel sada parece ser a utilizao de plantas de Arabidopsis transgnicas (Aresa, Dinamarca). Estas plantas, portadoras de genes microbianos, degradam a trinitroglicerina (TNT) liberando NO 2, que absorvido pela planta, modificando, trs semanas mais tarde, a cor das folhas. A procura por microrganismos com caractersticas especiais o primeiro passo para resolver problemas ambientais. Alguns j conhecidos: Deinococcus radiodurans, resistente radiao; Bacillus infernus, resistente a altas temperaturas; Methanococcus jannaschi, resistente a presses de at 230 atmosferas e a altas temperaturas etc.

22

BIOTECNOLOGIA / Captulo 11: Biotecnologia e meio ambiente

OS TRATAMENTOSExistem vrios mtodos para retirar substncias recalcitrantes do meio ambiente (Figura 11.4). As opes contemplam a construo de barreiras fsicas, a lavagem ou ventilao do solo contaminado, e sua destruio por incinerao ou por biorremediao. Esta ltima apela para o uso de agentes biolgicos, operando com menos custo e mais rapidamente. Figura 11.4: As estratgias de biorremediao.Microrganismos do ambiente Microrganismos selecionados Microrganismos geneticamente modificados (em sistema fechado)

MEIO CONTAMINADOOtimizao dos fatores que estimulam a ao bacteriana (estrutura do solo, pH, aceptores de eltrons). Suplemento de nutrientes

MEIO DESCONTAMINADO

Para que a biorremediao seja eficiente necessrio que o poluente seja transformado metabolicamente por algum microrganismo, os produtos finais sejam seguros e as condies ambientais favoream a atividade microbiana. O processo deve ter uma relao custo/beneficio interessante. Uma forma de biorremediao a produo de biomassa especfica no local contaminado (in situ). Do ponto de vista prtico, duas estratgias so possveis: o o Colocar microrganismos especializados no solo. Acrescentar nutrientes para estimular a ao dos microrganismos presentes no stio contaminado.

Em ambos os casos, as bactrias ou os fungos digerem o lixo perigoso transformando-o em produtos inofensivos. Uma vez consumido o material txico, os microrganismos morrem ou voltam ao seu nvel populacional normal no ambiente. Outra forma de biorremediao dos solos contaminados admite o tratamento ex situ, em que o solo escavado transferido a um biodigestor. Como a liberao de microrganismos geneticamente modificados no ambiente vista com desconfiana, sua utilizao se restringe a estes sistemas fechados. A modificao gentica dos microrganismos pode fornecer linhagens com um potencial de degradao dos contaminantes maior que o dos organismos naturais. Tambm permite o design de microrganismos que combinem vrias caractersticas de diferentes linhagens como, por exemplo, a degradao de PCBs e a sobrevivncia em uma ampla margem de temperaturas. Introduzindo os dois genes correspondentes em uma bactria incua e de fcil cultivo, essa contaminao poderia ser tratada de maneira especfica. Entre as formas de biorremediao cabe destacar a utilizao de microrganismos que sobrevivem no ambiente contaminado, por ter sistemas enzimticos capazes de digerir os poluentes-alvo, ligeiramente diferentes de seus substratos normais. Esta propriedade, denominada metabolismo gratuito, possibilitou a descontaminao do Rio Savannah (Estados Unidos) de tricloroetileno (TCE), utilizado como desengordurante na fabricao de componentes de armas. Despejado no solo, o TCE contaminara as guas subterrneas, causando um problema ambiental de grandes propores.

23

Autora: Maria Antonia Malajovich

Para eliminar o contaminante, utilizou-se uma bactria que metaboliza metano, mas capaz de degradar o TCE. Ao bombear metano no solo, a bactria se multiplica; ao suspender o bombeamento, ela passa a degradar o TCE por um tempo, at que o bombeamento de metano se torna novamente necessrio. A repetio cclica do processo reduziu a contaminao a um nvel aceitvel. Esta tecnologia considerada vivel do ponto de vista comercial. Os problemas que exigem biorremediao so muito pontuais, de modo que cada um deles demanda um tratamento particular. Como no h um produto a patentear, mas um servio a prestar, a tecnologia est em mos de organizaes governamentais ou de pequenas firmas que agem localmente.

UM EXEMPLO: OS VAZAMENTOS DE PETRLEOUm dos mais srios problemas de contaminao ambiental o derramamento de petrleo nos mares, devido a acidentes notrios (Prestige, Exxon Valdez, Torrey Canyon, Amoco Cadiz e Braer and Sea Empress) e a situaes blicas (Guerra do Golfo). As manchas de leo despejadas no mar contm compostos txicos que representam uma ameaa para a ecologia marinha e costeira, afetando todas as formas de vida aqutica e constituindo um risco para a sade do consumidor. A formao de carvo e petrleo nas profundezas da terra possvel porque, em condies anaerbias, tanto a lignina como os hidrocarbonetos so compostos qumicos estveis. Porm, em condies aerbias, ambos so degradados pelos microrganismos do ambiente. O petrleo derramado no mar flutua na superfcie, onde os componentes volteis evaporam rapidamente. O que no recuperado pelo homem, se dispersar com o movimento das ondas, permanecendo em alto-mar ou sendo levado at a costa. O petrleo derramado ser degradado pelos microrganismos naturalmente presentes no ambiente marinho, geralmente pobre em nitratos e fosfatos. Por isso, devem-se acrescentar nutrientes aos dispersantes qumicos (detergentes) ou s espumas de limpeza das rocas da costa. Estima-se que, at o momento, o solo de mais de 30.000 stios contaminados com petrleo, proveniente de vazamentos de tanques de armazenamento, tenha sido tratado por biorremediao. Uma das primeiras patentes obtidas em biotecnologia corresponde a uma bactria engenherada projetada para degradar alguns componentes do petrleo (Chakrabarty, 1971). Porm, o uso deste tipo de bactrias no teve sucesso na remoo do petrleo derramado em alguns acidentes, como o do navio Exxon Valdez no Alaska (1989). As pesquisas atuais visam preferentemente os microrganismos ambientais, especialmente Alcanivorax borkumensis, uma bactria capaz de metabolizar 70% dos compostos do petrleo, especialmente os de baixo peso molecular. O sequenciamento de seus 2.755 genes, completado recentemente, dar novas informaes sobre suas rotas metablicas e seus requerimentos de fsforo e de nitrognio.

A RECUPERAO DE RECURSOS NATURAISOs processos biolgicos tambm so utilizados para a extrao de petrleo e de metais (cobre, ouro, urnio).

O PETRLEONa extrao de petrleo, tcnicas especiais (EOR, do ingls enhanced oil recovery) o uso de polmeros de origem microbiana (xantana), para aumentar a viscosidade o seu bombeamento. A introduo direta dos microrganismos no poo (MEOR, microrganism enhanced oil recovery) parece menos interessante do ponto econmico, mas isso pode mudar se o petrleo comear a se esgotar. envolvem e facilitar do ingls de vista

24

BIOTECNOLOGIA / Captulo 11: Biotecnologia e meio ambiente

OS METAISA extrao de metais solubilizados nas cidas e escuras guas do Rio Tinto (Andaluzia, Espanha) data do domnio romano; abandonadas durante sculos, as minas foram exploradas a partir do sculo XIX por uma empresa inglesa, hoje australiana. Em 1947, com o isolamento de bactrias quimiotrficas do gnero Thiobacillus mostrou-se que a acidificao das guas e a consequente solubilizao dos metais eram o resultado no s de uma ao qumica, mas tambm de uma ao bacteriana. As bactrias transformam os sulfetos metlicos insolveis em sulfatos solveis, mediante uma reao de oxidao que libera a energia necessria para sua reproduo e crescimento. A fixao de dixido de carbono fornece o carbono necessrio para a sntese dos componentes celulares e os requerimentos se limitam ao oxignio e a pequenas quantidades de nitrognio e fsforo. A biolixiviao se aplica especialmente extrao de cobre, ouro, zinco, nquel e cobalto. A tecnologia relativamente simples e requer pouca inverso, sendo adaptada aos pases em desenvolvimento. Na Amrica Latina, se usa a biolixiviao para a extrao de cobre (Chile, Mxico e Peru) e de ouro (Brasil, Chile e Peru).

A BIOMINERAOOs Andes chilenos guardam as maiores reservas de cobre do planeta. Na poca prcolombiana, as culturas Tiahuanaco e Inca o utilizaram na produo de bronze, uma liga de cobre e estanho. Durante o perodo colonial, a produo de cobre se manteve baixa, mas entre 1820 e 1900 extraram-se dois milhes de toneladas. Ao finalizar o sculo XIX, as jazidas com alta concentrao de cobre comearam a dar indcios de esgotamento. No sculo XX, os consrcios internacionais que dominavam a tecnologia necessria para a extrao do cobre em baixas concentraes assumiram o controle da indstria do cobre (Braden Copper Co., Kenecott Corporation, Chile Exploration Company). Segue-se um processo de chilenizao que culmina em 1971 com a nacionalizao das principais minas de cobre. Ainda hoje, o Chile o maior produtor de cobre do mundo, com 5.700 toneladas mtricas que representam 42% da produo de cobre mundial (2008). Atualmente, 36% da produo de cobre do pas est em mos da Codelco (do espanhol, Corporacin Nacional del Cobre), uma empresa estatal criada em 1976 e que emprega 16.000 pessoas. O resto produzido pelo setor privado. As primeiras experincias de biolixiviao foram realizadas entre 1950 e 1980 em Rio Tinto (Espanha), Cananea (Mxico) e Toromocho (Peru). A explorao da mina de Pudahuel (Chile, Codelco) com tecnologia nacional de biolixiviao comeou na metade da dcada de 1980. A bio-hidrometalurgia se estendeu rapidamente e j se encontram em funcionamento no Chile os primeiros estabelecimentos que extraem o cobre exclusivamente por biolixiviao (Cerro Colorado, Quebrada Blanca). As operaes so especialmente apropriadas para as minas de baixa qualidade ou semiesgotadas, assim como para a recuperao do cobre nos refugos existentes. A oxidao biolgica ocorre geralmente em amontoados e pilhas, recuperando-se entre 75% e 90% do cobre em perodos que oscilam de 6 a 12 meses e a um custo muito baixo. Atualmente, 5% da produo de cobre chilena depende de biolixiviao. Do desenvolvimento da biominerao participaram universidades e institutos de pesquisa, alm do setor produtivo, com apoio do governo e do PNUD (Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento). As pesquisas atuais contemplam o uso de microrganismos termoflicos (Sulfobolus) e a otimizao do processo de bio-oxidao. Fundada em 2002 por Codelco e Nippon Mining & Metals Co. Ltd., a empresa BioSigma desenvolve estudos microbiolgicos e genmicos, assim como tecnologias para a produo de biomassa. Recentemente, a empresa registrou nos Estados Unidos uma patente descrevendo um mtodo para modificar geneticamente bactrias extremfilas do gnero Acidithiobacillus, encontradas no minrio de cobre.

25

Autora: Maria Antonia Malajovich

O DIAGNSTICO DE CONTAMINAO AMBIENTALO diagnstico de contaminao ambiental exige o monitoramento da gua, do ar e do solo. As tecnologias abrangem o uso de indicadores biolgicos, de tcnicas imunolgicas e genticas e de biossensores.

INDICADORES BIOLGICOSEstes so plantas e animais capazes de acumular metais pesados e poluentes orgnicos persistentes. Determinando diretamente a concentrao do contaminante em um organismo especfico, podemos avaliar a contaminao ambiental. Uma avaliao indireta pode ser obtida a partir de outras variveis, tais como o nmero de plantas e de espcies microbianas, o nmero de indivduos nessas espcies etc.

TCNICAS IMUNOLGICASEstas utilizam anticorpos especficos, marcados ou associados a enzimas. As tcnicas imunoenzimticas, cujos resultados podem ser apreciados simplesmente por uma mudana de cor, resultam especialmente apropriadas para os testes de campo. Pouco a pouco esto substituindo os testes tradicionais que, alm de serem lentos, exigem um equipamento complexo, como os testes de coliformes na gua. Imunoensaios de diversos tipos permitem o monitoramento contnuo, automatizado e barato de pesticidas como o dieldrin, o parathion e os PCBs.

TCNICAS GENTICASEstas se aplicam na identificao das populaes microbianas. Como ainda no sabemos cultivar em laboratrio a maior parte dos microrganismos do ambiente, uma boa parte da biodiversidade microbiana permanece desconhecida. A tecnologia do DNA facilita a identificao dessas espcies em funo das sequncias gnicas correspondentes ao RNA ribossmico (rRNA de 16S) e tambm ajuda a monitorar as mudanas nas comunidades microbianas utilizadas na remoo de poluentes, de maneira a detectar qualquer variao ambiental e restaurar rapidamente as condies timas do sistema. Microarrays adequados avaliam a expresso dos genes em uma linhagem ou uma comunidade microbiana em relao a um agente ambiental (genossensores).

BIOSSENSORESEstes combinam diferentes componentes biolgicos e eletrnicos imobilizados em um substrato, geralmente sob a forma de um chip. Alguns so muito seletivos, outros so sensveis a um amplo espectro de substncias. O componente biolgico pode ser uma enzima, um anticorpo ou um microrganismo. Respondendo a um estmulo ambiental se verifica uma mudana em suas propriedades, mudana que detectada ptica ou eletronicamente fornecendo uma medida quantitativa do contaminante (Figura 11.5). Bactrias ou leveduras imobilizadas assinalam a presena de uma determinada substncia, seja porque a metabolizam, seja porque esta inibe o prprio metabolismo microbiano. Especialmente interessante a utilizao de organismos geneticamente modificados, associando o promotor do gene de uma enzima que reage com a substncia procurada (arsnico, por exemplo) com genes indicadores (luminescncia, fluorescncia ou produo de uma substncia colorida).

26

BIOTECNOLOGIA / Captulo 11: Biotecnologia e meio ambiente

Figura 11.5: O funcionamento de um biossensor.O sinal aumenta ou diminui em funo da concentrao do substrato contaminante, que estimula ou inibe a ao do agente biolgico. ,

Substrato Membrana Biodetector imobilizado

O substrato reage com o biodetector, originando um produto especfico Ao detectar um produto especfico, o transdutor gera um sinal eltrico

Amplifica dor Circuito

Sinal de sada (output)

27

Autora: Maria Antonia Malajovich

28

CAPTULO 12. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADEO conceito de biodiversidade abrange a totalidade da variao hereditria existente nos seres vivos. Aplica-se em todos os nveis de organizao biolgica, desde os genes e cromossomos de uma espcie at as diversas espcies ou comunidades presentes em ecossistemas como as florestas ou os rios.

A DESAPARIO DOS ECOSSISTEMAS NATURAISO cultivo de plantas e a domesticao de animais acompanharam o homem na passagem de uma vida nmade para uma vida sedentria, um acontecimento que ocorreu vrias vezes em lugares diferentes. Os primeiros cultivos foram a cevada e o trigo (vales do Eufrates e do Nilo, entre 13.000 a.C. e 10.000 a.C.), o arroz (regies fluviais da China e da ndia, 10.000 a.C.), e o milho e a abbora (Amrica Central, entre 9.000 e 7000 a.C.). No continente europeu, durante a Antiguidade, s foram cultivadas umas poucas espcies locais, sendo lentamente adicionadas plantas provenientes de outros lugares, muitas vezes obtidas como trofus de guerra (romanos e cruzados). s tcnicas agrcolas primitivas, que basicamente envolviam a trao animal do arado e o armazenamento de alimentos, se acrescenta na Idade Mdia a rotao trienal de culturas, uma prtica de conservao do solo e aumento da produo. Com as grandes navegaes e a descoberta do Novo Mundo, muda o perfil das plantas cultivadas nos diferentes continentes. O milho, a batata, o tomate, o feijo, o girassol e o tabaco foram introduzidos na Europa. Procedentes de diferentes lugares, o trigo, o gro-debico, o arroz, os ctricos, a banana, o caf e a cana-de-acar se aclimataram na Amrica (Figura 12.1).

Figura 12.1: O transporte de plantas de um continente a outro.1: 2: 3: 4: 5: 6: Trigo, aveia, videira, gro-de-bico. Abbora, feijo, milho, pimenta, tabaco, batata, tomate. Caf, inhame. Abacaxi, amendoim, cacau, cauch