barros. historia economica - considerações de um campo interdisciplinar

47
Revista de Economia Política e História Econômica, número 11, janeiro de 2008. 5 História Econômica: considerações sobre um campo disciplinar José D’Assunção Barros 1 1.História Econômica: atualidade de um campo histórico A historiografia tem passado, nas décadas recentes, por uma sistemática revisão de seus pressupostos, e ao mesmo tempo por uma expansão de seus objetos, de suas abordagens, de seus aportes teóricos, de seus diálogos interdisciplinares. Dentro da História, enquanto campo de conhecimento mais amplo, várias das mais antigas modalidades historiográficas têm passado por esta redefinição de seus fazeres e fronteiras. Tem sido assim com a História Política, com a História Social, ou com a História Econômica. O presente artigo pretende discutir este último campo historiográfico, os seus deslocamentos temáticos, a revisão dos seus fazeres e de seus modos de examinar a dimensão econômica das sociedades historicamente localizadas. Aborda-se a questão de dentro da perspectiva da própria historiografia, e não da Economia, que, destarte, é a disciplina fundamental com a qual dialoga esta modalidade historiográfica. De modo bastante evidente, as últimas décadas historiográficas assistiram a um claro crescimento da rejeição à idéia de que a vida social e cultural seja direta e 1 Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Professor Visitante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor titular da Universidade Severino Sombra (USS) de Vassouras, nos Cursos de Mestrado e Graduação em História, onde leciona disciplinas ligadas ao campo da Teoria e Metodologia da História. Entre suas publicações mais recentes, destacam-se os livros O Campo da História (Petrópolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa em História (Petrópolis: Vozes, 2005) e Cidade e História (Petrópolis: Vozes, 2007).

Upload: eduardo-carneiro

Post on 08-Nov-2015

16 views

Category:

Documents


8 download

DESCRIPTION

história economica

TRANSCRIPT

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 5

    Histria Econmica: consideraes sobre um campo disciplinar

    Jos DAssuno Barros1

    1.Histria Econmica: atualidade de um campo histrico

    A historiografia tem passado, nas dcadas recentes, por

    uma sistemtica reviso de seus pressupostos, e ao mesmo

    tempo por uma expanso de seus objetos, de suas

    abordagens, de seus aportes tericos, de seus dilogos

    interdisciplinares. Dentro da Histria, enquanto campo de

    conhecimento mais amplo, vrias das mais antigas

    modalidades historiogrficas tm passado por esta

    redefinio de seus fazeres e fronteiras. Tem sido assim com a

    Histria Poltica, com a Histria Social, ou com a Histria

    Econmica. O presente artigo pretende discutir este ltimo

    campo historiogrfico, os seus deslocamentos temticos, a

    reviso dos seus fazeres e de seus modos de examinar a

    dimenso econmica das sociedades historicamente

    localizadas. Aborda-se a questo de dentro da perspectiva

    da prpria historiografia, e no da Economia, que, destarte,

    a disciplina fundamental com a qual dialoga esta

    modalidade historiogrfica.

    De modo bastante evidente, as ltimas dcadas

    historiogrficas assistiram a um claro crescimento da rejeio

    idia de que a vida social e cultural seja direta e

    1 Doutor em Histria Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Professor Visitante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor titular da Universidade Severino Sombra (USS) de Vassouras, nos Cursos de Mestrado e Graduao em Histria, onde leciona disciplinas ligadas ao campo da Teoria e Metodologia da Histria. Entre suas publicaes mais recentes, destacam-se os livros O Campo da Histria (Petrpolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa em Histria (Petrpolis: Vozes, 2005) e Cidade e Histria (Petrpolis: Vozes, 2007).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.6

    linearmente determinada pelas dimenses da Economia e da

    vida material uma crtica que se estabelece inclusive no

    interior de algumas das correntes do prprio marxismo, a partir

    da admitindo que processos culturais podem ser igualmente

    determinantes, inclusive agindo ou reagindo sobre a dimenso

    econmica de uma Sociedade2. Ao mesmo tempo, patente

    tambm que os modelos quantitativos de levantamento e

    anlise de dados tambm tm sido criticados

    significativamente nos ltimos anos, o que refora o fato de

    que vem se enunciando j h algumas dcadas a tendncia

    rejeio de uma certa Histria Econmica linear, redutora

    e tambm a proposta de novos mtodos para alm das

    tcnicas quantitativas, que j no so compreendidas

    necessariamente como a nica base de legitimidade de uma

    histria cientfica, ou mesmo garantia desta ltima.

    Posto isto, consideraremos que, de todo modo, a Histria

    Econmica j se constitui efetivamente em um campo

    histrico bastante antigo antigo, porm, muito longe da

    possibilidade de ser taxado de inatual. Esta combinao de

    antiguidade com atualidade tem a sua histria. parte as

    trilhas epistemolgicas que possuem um traado anterior ao

    prprio mbito da Economia Histrica tal como a entendemos

    hoje isto , parte aqueles caminhos que j desde o sculo

    XIX vinham sendo percorridos pelos Economistas que se

    interessaram pela Histria como meio para solucionar alguns

    problemas do seu prprio campo disciplinar3 datam pelo

    2 Sobre isto, ver os posicionamentos de E. P. Thompson relativos a uma rejeio do determinismo de via nica (THOMPSON, E. P. Tradicin, revuelta y conscincia de clase: estudios sobre la crisis de la sociedad pre-industrial. Barcelona : Editorial Critica, 1979, p.64.3 Sobre esta questo, bastante oportuno o seguinte trecho escrito por Witold Kula no primeiro captulo de seu livro Problemas e Mtodos da Histria Econmica: En cambio, desde su nacimiento la economa poltica busc las leyes y las vinculaciones constantes, llegando hasta sobreestiomar em principio esa

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 7

    menos da terceira dcada do sculo XX os investimentos mais

    decisivos dos historiadores em constituir a Histria Econmica

    como um campo historiogrfico especfico, ou como uma

    disciplina j bem constituda no interior de uma Histria de

    novo tipo4. Neste empreendimento, que em diversos focos

    diferenciados da Europa e das Amricas comeam a ter

    explicitadas as suas primeiras realizaes em torno de 1930,

    freqentemente se misturaram economistas e historiadores em

    uma empresa mista. Mais ainda, freqentemente economistas

    se fizeram historiadores, e historiadores se fizeram economistas.

    Diante deste domnio historiogrfico em comum, no qual

    se encontram em incessante dilogo tanto os economistas por

    formao como os historiadores que se apropriaram de um

    conhecimento significativo pertinente s cincias

    econmicas, foroso admitir que a Histria Econmica um

    daqueles setores intradisciplinares da Histria que exige dos

    seus praticantes certos conhecimentos e tcnicas bastante

    especficas, possivelmente mais do que qualquer outro campo

    histrico. Alm disto, convm lembrar que, se a Histria

    Econmica j uma das modalidades historiogrficas mais

    antigas em atual vigncia, isto se d porque conjuntamente

    constancia. Ello fue causa de que la naciente ciencia econmica no le bastara la observacin de un corto lapso de tiempo, denominado presente. Para ampliar su campo de observacin, para asegurarse de que la relacin comprobada era una vinculacin constante, deba explorar el pasado. De esta manera abri por otra parte un camino a la historia econmica. En este aspecto la piedra miliaria es la aparicin de La Riqueza de las Naciones de Adam Smith (1776) (KULA, Witold. Problemas y Mtodos de la Historia Econmica. Barcelona: Ediciones Pennsula, 1973).

    4 Na verdade, tal como ressalta Witold Kula, j desde a primeira metade do sculo XIX sobretudo na Inglaterra e Alemanha a histria econmica j se apresenta como uma clara esfera de interesse, ainda que distante de estar plenamente conformada como uma disciplina independente (KULA, Witold. op.cit. p.14). Os temas de interesse e motivaes nesta poca so bastante especficos: Na Inglaterra, os direitos dos pobres e a liberdade de comrcio; na Alemanha, a poltica aduaneira. Quanto a mtodos, estamos aqui, obviamente, ainda muito distanciados das possibilidades de leituras seriais de grandes massas documentais que se desenvolveriam posteriormente na segunda metade do sculo XX.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.8

    com a Histria Social ela foi das primeiras que na primeira

    metade do sculo XX comearam a ser empunhadas como

    bandeiras a se agitarem contra a velha Histria Poltica que

    at ento se fazia bem de acordo com o modelo do sculo

    XIX, esta histria essencialmente preocupada com fatos

    polticos relacionados aos grandes Estados-Nacionais, e que

    quase sempre se apresentava como uma histria

    essencialmente factual, narrativa no mau sentido, pouco

    problematizada.

    contra este padro historiogrfico extremamente

    antigo este sim francamente inatual que se insurgiu a seu

    tempo a moderna Histria Econmica conjuntamente com a

    Histria Social seja atravs das realizaes inauguradas pela

    Escola dos Annales, seja atravs das primeiras obras mais

    propriamente historiogrficas desenvolvidas no mbito do

    Materialismo Histrico, filosofia da Histria que havia sido

    fundada ainda no sculo XIX por Marx e Engels mas que s

    ento, no sculo XX, comeava a render realmente seus

    primeiros frutos em forma de historiografia5.

    O nosso objetivo em seguida ser refletir sobre a Histria

    Econmica como campo intradisciplinar da Histria

    examinar seu estatuto epistemolgico, seus aportes tericos e

    possibilidades tcnicas, seus objetos preferenciais.

    5 Ante todo es preciso hacer notar que en la poca inicial, tanto Engels como Kautsky y toda una serie de marxistas no se solan ocupar de la problemtica histrico-econmica. Sus principales afanes investigadores y propagandsticos iban por otro camino, es decir, tendan a demostrar el condicionamiento clasista de los fenmenos ideolgicos y polticos. Es verdad que al investigar el condicionamiento clasista de cualquier fenmeno tuvieron que reflexionar respecto a la estructura de clases de una poca determinada y al mismo tiempo sobre el carcter de la economa de una sociedad concreta. Sin embargo, esto no altera el hecho de que stos no fueron los fenmenos que constituyeron el objeto preciso de sus exploraciones (KULA, Witold. op.cit. p.18). J seria praticamente na virada do sculo que surgiriam as primeiras duas obras marxistas que tematizariam diretamente dois processos histricos especficos: O desenvolvimento do capitalismo na Rssia, de Lnin (1899), e O Desenvolvimento Industrial da Polnia, de Rosa Luxemburgo (1899) [id.ibid., p.19].

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 9

    Eventualmente, falaremos de algumas correntes especficas

    tanto as inseridas no seio das Cincias Econmicas como as

    originadas no prprio seio da Historiografia que atravessaram

    ou tm atravessado esse campo intradisciplinar que

    passaremos a chamar de Histria Econmica. Mas no

    estaremos nos utilizando da expresso Histria Econmica

    para remontar a correntes historiogrficas ou economicistas

    especficas, a no ser entre aspas, e nos casos especficos em

    que a designao for de uso de grupos que empregam a

    palavra como uma auto-referncia (por exemplo, o grupo da

    New Economic History, nos Estados Unidos a partir dos anos

    1960). Via de regra, Histria Econmica estar sendo

    abordada aqui como um campo histrico definido que abriga

    muitas correntes, que acumulou certo repertrio de discusses

    conceituais e potencialidades metodolgicas, que se volta

    para determinados objetos especficos que adquirem sentido

    no entrecruzamento das questes econmicas e das questes

    histricas.

    Um ponto de partida ser discutir algumas noes

    fundamentais que fundam esta modalidade historiogrfica

    desde suas origens, e outras noes que se desenvolveram

    posteriormente no seio dos estudos de Histria Econmica

    como noes e conceitos importantes. A primeira destas

    noes, no caso uma noo fundacional, a prpria noo

    de sistema econmico j que freqentemente os

    historiadores e economistas que se irmanam em torno do

    interesse pelos objetos mais habituais da Histria Econmica

    esto interessados em desvendar conjuntos coerentes que so

    referidos como sistemas econmicos de uma poca ou

    outra, de uma determinada espacialidade social. Ou seja,

    como estes historiadores e economistas esto interessados em

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.10

    examinar um sistema integrado no interior do qual os diversos

    fatos econmicos adquirem algum sentido relativamente a

    uma determinada sociedade historicamente localizada, o

    conceito clama aqui por uma reflexo atenta acerca de suas

    principais implicaes.

    2. Algumas noes fundamentais da Histria Econmica

    Considerando que o primeiro conceito a ser

    oportunizado pela Histria Econmica o de Sistema

    Econmico, tomaremos de emprstimo a definio proposta

    por Witold Kula um historiador polons que j um clssico

    tanto entre historiadores como entre economistas historicistas:

    Um sistema econmico , pois, um conjunto de dependncias econmicas reciprocamente ligadas que, pelo fato de estarem vinculadas, surgem mais ou menos ao mesmo tempo e se desfazem, tambm, aproximadamente no mesmo momento. Datar empiricamente a sua apario e desapario fixar os limites cronolgicos de um dado sistema econmico. E elaborar a teoria econmica de um sistema econmico dado determinar (e ainda empiricamente) a lista mais completa possvel das relaes de dependncia que o mesmo admite e determinar as vinculaes recprocas que fazem deste conjunto de relaes um sistema nico6

    Em primeiro lugar, Kula admite falar em um Sistema

    Econmico como um conjunto maior que integra de maneira

    coerente certos fatos econmicos que de outra maneira

    estariam dispersos, ressaltando que este sistema possui uma

    historicidade definida esta definida por um conjunto de

    relaes recprocas que os fatos econmicos de determinado

    tipo estabelecem entre si. Assim surgem em uma determinada

    6 KULA, Witold. Thorie conomique du systme fodal. Paris : Mouton, 1970.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 11

    sociedade historicamente localizada estas interaes

    especficas de fatos econmicos, relacionadas a um certo

    padro que pode ser identificado e decifrado por

    historiadores e economistas, estas relaes se desfazem a

    certa altura. Vale dizer, um sistema econmico no uma

    realidade nem esttica e eterna ele de um lado tem uma

    dinamicidade prpria e uma tendncia a se transformar, e de

    outro lado as transformaes podem conduzi-lo, a certa

    altura, a adquirir uma outra identidade que j pouco tem a

    ver com a situao inicial do sistema. Em uma palavra, um

    sistema econmico possui uma historicidade.

    Os alertas e conselhos implcitos na definio proposta

    por Kula so bem evidentes: o historiador s deve elaborar a

    teoria geral que lhe permitir examinar determinada realidade

    econmico-social depois de estudados os casos concretos, e

    no o contrrio. Sobretudo, mostra-se aqui fundamental a

    idia de que preciso construir a teoria dos diversos sistemas

    econmicos a serem analisados porque no h um s, como

    de resto propem algumas correntes da Histria Econmica

    que buscam transplantar uma determinada racionalidade

    econmica que tpica do Capitalismo mesmo para

    sociedades pr-industriais.

    contra este tipo de anacronismo muito especfico, por

    vezes pouco percebido por economistas de algumas

    correntes especficas que se dispuseram a estudar a Histria

    Econmica, que Maurice Godelier, num alerta bastante similar

    ao de Kula, pretende contrapor a idia de que cada

    sociedade produz a sua prpria racionalidade econmica,

    no sendo esta diretamente aplicvel ou mesmo vlida em

    relao a uma outra sociedade no tempo e no espao.

    Godelier nos traz um exemplo muito esclarecedor ao dar a

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.12

    perceber que a motivao de maximizar a produo e

    minimizar os custos somente tem algum sentido no mbito de

    uma hierarquia de necessidades e valores que se impem

    aos indivduos no seio de determinada sociedade e que tm

    seu fundamento na natureza das estruturas desta

    sociedade7. Ou seja, a racionalidade tpica da economia

    capitalista no de modo nenhum transplantvel para as

    sociedades pr-industriais, ou mesmo para outras

    espacialidades j no perodo moderno porm mais afastadas

    do capitalismo europeu.

    Para j mencionarmos um exemplo relacionado

    Histria Econmica Brasileira, h um interessante aspecto

    examinado por Joo Fragoso e Manolo Florentino com

    relao a um movimento aparentemente paradoxal que se

    d no Rio de Janeiro da passagem do sculo XVIII para o

    sculo XIX8. Aps duas geraes de contnua acumulao no

    mercado, os dois historiadores brasileiros verificaram uma

    mudana de atividade econmica em uma parcela bastante

    significativa das famlias que haviam constitudo a elite

    empresarial mercantil. Estas abandonavam seus negcios e

    passavam a se dedicar a atividades rurais e rentistas, que

    eram de modo geral muito menos lucrativas que suas antigas

    atividades mercantis.

    Este paradoxo aparente s pode ser compreendido

    quando recolocamos no contexto histrico examinado uma

    adequada racionalidade econmica. Vive-se aqui em uma

    sociedade onde a ascenso social aparece diretamente

    7 GODELIER, M. Racionalidad e irracionalidad em la Economia. Mxico: Siglo XXI, 1967. p.303.

    8 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. Arcasmo como Projeto. Rio de Janeiro: Diadorin, 1993. p.104-105.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 13

    ligada aquisio de terras e cativos, que neste caso so os

    bens que identificam o prestgio. Desta maneira, um aspecto

    relacionado cultura e s relaes de sociabilidade que

    estaria comandando o deslocamento de atividades

    econmicas, que se mostraria incompreensvel se o

    analisssemos a partir de uma racionalidade econmica

    alicerada na obsessiva busca por lucros to tpica da

    mentalidade capitalista.

    Kula d-nos diversos exemplos como este para o caso

    da economia polonesa de perodos mais recuados. Assim, em

    uma de suas anlises dos latifndios poloneses nos sculos XVII

    e XVIII, procura demonstrar que o comportamento econmico

    dos proprietrios de terras parecia ser o oposto do que

    preveria a economia clssica. Quando aumentava o preo

    de seu principal produto, o do centeio, produziam menos, e

    quando o preo abaixava, produziam mais. A explicao

    deste paradoxo tambm deveria ser encontrada no mbito

    da cultura, ou das mentalidades. Os aristocratas poloneses,

    neste caso, no estavam interessados em lucros, mas em

    manter um estilo de vida, um status quo, da maneira a que

    estavam acostumados, e a sua forma de racionalidade

    econmica os levava a controlar as variaes na produo

    como tentativas de manter uma renda padro.

    Neste como em outros exemplos, Kula mostra como as

    relaes e comportamentos econmicos em sociedades

    diversas, que no podem ser assimiladas ao modelo

    capitalista previsto pela economia clssica, se acham

    atravessadas por fatores diversos que pertencem ao mundo

    da cultura entre os quais os mecanismos formadores de

    identidade de classe, as relaes de parentesco, os sistemas

    de dotes, as estratgias culturais de incluso ou excluso

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.14

    social. Para alm da indicao de que no h uma, mas sim

    diversas racionalidades econmicas, casos como estes

    tambm demonstram que o mundo econmico no pode ser

    explicado apenas atravs dos fatos econmicos, sendo esta

    uma questo igualmente importante qual retornaremos

    oportunamente.

    Alm de oferecer inmeros exemplos concretos que

    ajudam a compreender a singularidade das economias social

    e historicamente localizadas, Kula mostra no apenas que nos

    diversos perodos histricos as prticas so distintas,

    freqentemente contrrias a uma prtica e racionalidade

    capitalista que no pode ser tomada como modelo universal,

    como tambm d a perceber a diversidade de sentidos e

    conotaes que, nestas sociedades, adquirem expresses

    como cmbio, investimento, consumo9. Por outro lado,

    no se trata de cair no absoluto relativismo. Kula mostra que

    haveria algumas dimenses inerentes s diversas realidades

    econmicas que poderiam ser tomadas como aspectos

    irredutveis, como por exemplo o fato de que nenhum grupo

    humano pode sobreviver consumindo mais do que produz ou

    do que consegue se apropriar de outras realidades produtivas.

    Uma sociedade que colhe menos que semeia, deve

    encontrar uma soluo que re-equilibre a produo e o

    consumo sob o risco de sua prpria sobrevivncia. Esta uma

    lei que paira acima da diversidade de racionalidades

    econmicas. H, portanto, questes importantes a serem

    compreendidas pelos historiadores no confronto de certos

    imperativos associados s dimenses econmicas ou mesmo

    biolgicas, com as mltiplas formas de racionalidade

    9 KULA. Witold.Da Tipologia dos Sistemas Econmicos in FOURASTI (org.). Economia. Rio de Janeiro: FGV, 1979. p.97.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 15

    econmica, conforme as vrias sociedades historicamente

    localizadas.

    A questo das racionalidades econmicas merece ser

    refletida com cuidado, pois no tem sido encarada de forma

    unnime entre economistas e historiadores no decurso da

    histria da Histria Econmica. Teremos aqui duas questes

    interligadas: de um lado a indagao acerca da

    universalidade ou no de uma possvel teoria sobre os

    desenvolvimentos econmicos; de outro, uma antiga questo

    a qual devem se preocupar todos os historiadores, sejam os

    associados Histria econmica ou a outras modalidades

    historiogrficas a questo do anacronismo.

    Estes problemas bsicos aparecem amide quando o

    historiador toma a si a tarefa de levantar e analisar

    economicamente os fatos relativos a uma sociedade cujos

    prprios critrios para constituio de uma massa de dados

    esto presos a uma especificidade temporal, diferindo

    particularmente dos critrios que presidem a prpria realidade

    econmica do historiador. Em uma palavra, alguns problemas

    comeam a surgir quando o historiador impe a si a tarefa de

    fazer uma anlise econmica retrospectiva.

    O problema no novo, pois ele tem tocado tanto os

    historiadores econmicos como, antes deles, os economistas

    histricos (isto , aqueles que partem da formao de

    economistas para empreenderem uma anlise econmica de

    perodos do passado). As atitudes bsicas, de um lado ou de

    outro, oscilam neste caso entre duas posies extremas,

    admitindo inmeras intermediaes e posicionamentos

    tericos-metodolgicos. Em um extremo estariam os

    historiadores e economistas que partem de uma teoria

    econmica em seu estado atual, tomada aqui como universal

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.16

    (isto , aplicvel a todas as sociedades e sistemas econmicos

    de modo absoluto). No outro extremo estaria esta posio

    que poderia configurar um relativismo radical: aquela que

    considera que cada sistema econmico tem suas leis prprias

    (ou, dito de outra forma, parte-se aqui do pressuposto de que

    os mecanismos econmicos so distintos em cada sistema). A

    primeira posio pode ser representada pelos economistas de

    Chicago da dcada de 1930, articulados em torno de Earl

    Jefferson Hamilton. A outra encontra sua representao mais

    amide entre os historiadores, ou entre os economistas que se

    fizeram historiadores em meio torrente de estmulos por uma

    renovao historiogrfica desde os anos 1930, sendo que dela

    pode ser dado como um nome bastante representativo o de

    Ernest Labrousse.

    Hamilton queria aplicar ao estudo de todas as

    economias do passado a teoria econmica em seu estado

    atual, ou seja, produzida na e pela sociedade regida pela

    economia capitalista da sua poca. Haveria, nesta maneira

    de ver, uma teoria econmica que em tese seria aplicvel

    para sociedades to diversificadas no espao e no tempo

    como todas aquelas da Europa situadas entre o sculo XVI e o

    sculo XX, mesmo que de fato se relacionem a nuances

    distintas dentro do capitalismo, como o capitalismo comercial

    (patrimonial ou annimo) ou como o capitalismo industrial

    (patrimonial, annimo, financeiro, tecnocrtico, apenas para

    citar algumas variantes). J nem tocaremos na questo ainda

    mais delicada que concerne s economias da Antiguidade

    Clssica e dos perodos medievais.

    Os historiadores, de modo geral, reagiram ou tm

    reagido mais enfaticamente a posies como esta que

    advoga a universalidade de uma moderna teoria econmica,

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 17

    e estas crticas incluem nomes que vo desde Pierre Vilar10 at

    Jean Meuvret11 ou o prprio Labrousse12. Este ltimo, por

    exemplo, em clebre estudo sobre as crises do Antigo Regime

    Econmico13, apresentou como pedra de toque para uma

    aproximao verdadeiramente consciente do problema o

    fato de que, se as crises cclicas do capitalismo industrial so

    crises de superproduo industrial, j as crises do Antigo

    Regime so sempre crises de subproduo agrcola (seu

    universo de anlise, no caso, a Frana da poca).

    Haveria tambm estdios intermdios entre as posies

    da teoria econmica de validade absoluta e a teoria do

    relativismo econmico de acordo com cada sociedade

    histrica. Pode-se, por exemplo, advogar que embora no haja um sistema econmico ou uma teoria a ser exportada na

    sua integralidade para todos os perodos anteriores existiriam certos mecanismos fundamentais que a princpio

    apareceriam para o caso de todas as sociedades, ou pelo

    menos para um grande nmero delas. Esta tendncia

    tambm apareceu com os economistas de Chicago, mas a

    partir da dcada de 1950, tendo entre alguns de seus nomes

    mais remarcveis os de Milton Friedman e Oskar Lange (o

    primeiro exps suas idias nos seus Ensaios de Economia

    10 VILLAR, Pierre. Desenvolvimento econmico e anlise histrica. Lisboa: Editorial

    Presena, 1982. Para considerar um estudo econmico mais especfico de Pierre Villar, ver Ouro e Moeda na Histria (So Paulo: Paz e Terra, 1980).

    11 MEUVRET, Jean. La Production de Crales et la Socit Rurale. 2vols. Paris: Ecole Des Hautes tudes en Sciences Sociales, 1987.12 LABROUSSE, Ernst. Histoire conomique et sociale de la France. Paris: Puf, 1979. Para considerar os estudos mais especficos de Labrousse, ver (1) LABROUSSE, Ernst, La crise de lconomie franaise la fin de lancien rgime e au dbut de la Revolution. Paris: 1944, e (2) LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France du XVIII sicle. 2 vol. Paris: 1932. 13 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France du XVIII sicle. 2 vol. Paris : 1932.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.18

    Positiva)14. A idia matriz que anima esta posio

    intermediria precisamente a de que existiriam certos

    mecanismos fundamentais concernentes a determinadas

    variveis que deveriam ser o objeto de estudo do historiador

    econmico. Ainda que, em relao a sistemas mais

    complexos, estes mecanismos fundamentais sejam capazes

    de combinar-se em propores variveis e diversificadas, seria

    possvel descobrir estes fundamentos, e nisto consistiria a

    tarefa do historiador econmico ou do economista historiador.

    Discute-se, por exemplo, o fundamento da tendncia

    pressupostamente presente na maior parte das sociedades de

    obter a chamada vantagem mxima, o que consistiria em

    uma determinada atitude que se faz constante tanto em

    sociedades capitalistas desenvolvidas como

    subdesenvolvidas. Existiriam fundamentos que se relacionam

    com a tecnologia (a produo do ferro necessita de

    determinada quantidade de carvo), ou com as tcnicas

    contbeis (os balanos da contabilidade clssica resistem ao

    tempo).

    Poder-se-iam discutir fundamentos mais ou menos

    universais para modelos econmicos de um mesmo tipo (ou

    seja, fundamentos que se aplicassem a todas as sociedades

    submetidas ao padro capitalista, por exemplo,

    independentemente do recorte espacial ou cronolgico

    dentro do Capitalismo). Aqui se enquadraria, no caso, a atrs

    citada lei da procura do lucro mximo, que poderia ser

    validvel para todas as sociedades capitalistas (embora no

    pudesse ser verificada para as sociedades medievais). a

    possibilidade de discutir fundamentos mais ou menos perenes

    14 FRIEDMAN, Milton. The Methodology of Positive Economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 19

    como estes que habilitaria falar naquilo que Franois Perroux

    chamou de cincia econmica generalizada15. O

    importante para o historiador, naturalmente, seria trabalhar

    com a conscincia dos limites de sua generalizao (cada

    tipo de funda-mento pode implicar em uma aplicabilidade

    relativa a um mbito ou universo menos ou mais extenso).

    As posies atrs referidas com relao

    universalidade possvel ou relatividade radical de toda

    teoria econmica apenas ilustram o terreno pantanoso que,

    ainda no campo das tomadas de posio conceituais, o

    historiador econmico precisa enfrentar16. Abordar os

    aspectos econmicos da Histria no pode significar apenas

    um trabalho de coleta quantitativista. Este tipo de trabalho,

    para no recair na coleta anacrnica de fatos econmicos

    do passado, deve estar vinculado a uma posio que

    tambm filosfica, terica, metodolgica.

    Outro mbito de parmetros basilares para a Histria

    Econmica refere-se ao tipo de modelos explicativos com os

    quais o historiador econmico trabalha. De um lado,

    mencionaremos o par que ope as explicaes endgenas

    em oposio s explicaes exgenas. De outro lado,

    registraremos o par que ope as explicaes dedutivas em

    contraste com as explicaes empricas. Busquemos

    esclarecer estes parmetros, ressaltando contudo o fato de

    que diversas das explicaes que tm sido elaboradas para

    os desenvolvimentos histricos de economia, particularmente

    15 Acerca das generalizaes possveis de serem consideradas para as sociedades capitalistas, ver os desenvolvimentos propostos por Franois Perroux em Capitalisme et communaute de travail. (Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1937). Relativamente a ao recorte do capitalismo mais avanado, ver PERROUX, Franois, A economia do sculo XX . Lisboa: Herder, 1967.16 Para um balano mais detalhado das posies que atrs descrevemos ver Frdric MAURO, Nova Histria e Novo Mundo, So Paulo: Perspectiva, 1969. p.44-51 [original: 1968].

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.20

    as explicaes mais plausveis, procuram na verdade

    contrabalanar no seu processo de argumentao e

    demonstrao fatores exgenos e endgenos, bem como

    elementos dedutveis e empricos.

    Uma explicao exclusivamente exgena aquela que

    prope como fatores de esclarecimento para a Histria da

    Economia fatores exgenos isto , vindos de fora. Guerras,

    epidemias, fatores meteorolgicos eis aqui uma srie de

    fatores, todos externos economia, que as teorias exgenas

    evocam para explicar as flutuaes econmicas. So estas

    excitaes e motivaes externas que acionariam o processo

    de transformao econmica, ou mesmo presidiriam seus

    ritmos e encaminhamentos. Um curioso exemplo de

    explicao exgena foi dado pelo economista ingls Jevons,

    que em alguns artigos escritos entre 1875 e 1878 chegou a

    deslocar para as alteraes nas manchas solares o ponto de

    partida de sua explicao para a regularidade aproximada

    dos ciclos econmicos. De acordo com Jevons, os efeitos de

    intensidade decorrentes da atividade solar influenciariam as

    colheitas, e conseqentemente ditariam o ritmo da economia

    com seus ciclos marcados por movimentos de expanso e

    contrao17. Conforme podemos ver nesta explicao, a

    excitao externa e a influncia continuada de fatores

    exteriores francamente utilizada para explicar os

    desenvolvimentos econmicos. 17 Os textos nos quais Williams Stanley Jevons desenvolve estas idias so respectivamente The Solar Period and the Prince of Corn (1875); The Periodicity of Commercial Crises and Its Physical Explanation (1878), e, finalmente, Commercial Crises and Sun-Spots (Crises Comerciais e marcas solares), publicado na prestigiosarevista Nature em novembro de 1878. Este ultimo ensaio foi republicado pelo autor em seu livro Investigations in Currency and Finance (London: Macmillan, 1884). Mais tarde, o filho de W.S. Jevons H. S. Jevons ainda insistiria nas mesmas proposies em um artigo intitulado Trade fluctuations and solar activities (Contemporary review, August, 1909), terminando por escrever, no ano seguinte, um livro mais completo sobre a questo (JEVONS, H. S. The Sun's heath and trade activity. London: 1910).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 21

    Ainda com relao possibilidade de considerar fatores

    exgenos em uma explicao econmica, pode-se evocar

    uma situao ainda mais sutil. Por vezes, a explicao opera-

    se dentro do mbito da dimenso econmica (isto , sem

    convocar fatores oriundos do plano poltico, cultural,

    demogrfico). Contudo, o fator econmico que produz a

    transformao vem de fora da sociedade que est sendo

    examinada. Este o caso, por exemplo, das explicaes de

    Pirenne acerca da passagem do Mundo Carolngio para a

    Idade Feudal, ou desta para a Modernidade, pois neste caso

    o Comrcio externo que funciona como uma espcie de

    excitao externa que produz as transformaes18. Tambm

    se situa a o cerne da clebre querela entre Dobb e Sweezy,

    pois este ltimo tambm sustentou sua explicao sobre a

    passagem para a Modernidade evocando o comrcio

    externo de longa distncia como excitao transformadora,

    enquanto Dobb procurava sustentar sua argumentao

    evocando exclusivamente fatores internos prpria

    sociedade examinada, no caso atribuindo uma importncia

    central mudana das prprias necessidades das elites

    senhoriais19.

    18 As teses de Henri Pirenne sobre a transio do Feudalismo para o Capitalismo foram enunciadas em 1922 na Revue Belgue de Philologie et Histoire e publicada na sua forma definitiva em 1935; mais tarde, foi includa nos ltimos captulos da obra de Pirenne sobre a Histria da Europa (Historia de Europa, desde las invasiones al siglo XVI. Mxico: Fondo de Cultura, 1981).19 Foi no final dos anos 40 e na primeira metade da dcada de 1950 que se estabeleceu esta interessante polmica sobre o Feudalismo que ficaria registrada na histria da historiografia econmica. Ela envolveu predominantemente autores marxistas da Inglaterra, mas tambm de outros pases, que se ocuparam de discutir os aspectos tericos daquilo a que se referiam como Modo de Produo Feudal, bem como os aspectos tericos envolvidos na transio deste modo de produo para um outro, o Modo de Produo Capitalista. O ponto de partida da polmica foi a obra elaborada por Maurice Dobb em 1946 com o ttulo Studies in the development of Capitalism (1946), sendo que a partir de crticas vigorosas de Sweezy a polmica tomou a forma de uma rede de rplicas e comentrios publicados em forma de artigos em algumas revistas especializadas como a Economic History Review e a Science and Society. Os principais ensaios que constituem a aludida polmica foram posteriormente reunidos em HILTON, Rodney

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.22

    Contrastando com as explicaes exgenas que

    evocam fatores de ordem externa para solucionar questes

    econmicas freqentemente ressaltando fatores polticos,

    culturais, climticos ou demogrficos como detonadores do

    processo de transformao j uma explicao endgena,

    no primeiro sentido que vnhamos considerando, aquela que

    procura esclarecer um certo desenvolvimento histrico

    relacionado Economia exclusivamente no interior dos

    prprios fatores econmicos. Por exemplo, consideremos as

    explicaes de Histria Econmica que costumavam ser

    desenvolvidas por Juglar o famoso economista francs do

    sculo XIX que estabeleceu como unidade operacional para

    a identificao dos movimentos econmicos os ciclos

    decenais20. Juglar tendia a fornecer suas explicaes

    exclusivamente atravs de fatores endgenos como as

    variaes de juros, as polticas dos bancos centrais e as

    modificaes no estoque dos metais. Assim, inteiramente

    baseada em fatores endgenos, notadamente na questo do

    monetarismo, a sua explicao para a Histria da Economia

    no sculo XVI este sculo que no quadro de tendncias

    seculares constitui sabidamente a um padro de expanso

    econmica, alis marcado por uma subida vertiginosa nos

    preos. Do mesmo modo as flutuaes econmicas que se

    expressam atravs dos ciclos da economia capitalista, por ele

    estudados pela primeira vez de maneira sistemtica

    merecem uma explicao exclusivamente em termos

    (org.). A Transio do Feudalismo para o Capitalismo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. Particularmente sobre as consideraes de Sweezy acerca dos fatores exgenos envolvidos na passagem da economia europia para a Modernidade, ver Uma Trplica (Science and Society. Londres: spring, 1953), que responde a um artigo anterior de Dobb (Uma Rplica, Science and Society. Londres: spring, 1950).20 JUGLAR, C. Des crises comerciales. Paris: 1889. 2 edio.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 23

    monetrios, considerando como elementos centrais as

    modificaes nos estoques de metais preciosos, a poltica dos

    bancos centrais e as variaes de juros. No entram

    elementos exgenos nesta explicao.

    Consideremos, por exemplo, uma explicao que leve

    em conta para sua elaborao fatores exclusivamente

    econmicos que pudessem ser desdobrados uns dos outros

    (veremos logo que, alm de ser uma explicao endgena,

    aqui tambm teramos um tipo de explicao exclusivamente

    dedutiva, j que para ser produzida no leva em

    considerao dados empricos recolhidos atravs de fontes

    diversas que so submetidos a anlises estatsticas). A ttulo de

    exemplificao, vejamos a seguinte cadeia argumentativa:

    uma populao que revele a tendncia a aumentar a sua

    poupana em determinado perodo produz como

    conseqncia uma reduo do consumo; com isto, as vendas

    caem e aumentam os estoques. Com o aumento dos

    estoques h diminuio na fabricao dos produtos que j

    no apresentam a mesma demanda, o que ocasiona uma

    dispensa de mo-de-obra e uma diminuio nos lucros dos

    grandes capitalistas. Com a reduo dos salrios, o processo

    tender mais tarde a estabelecer um equilbrio entre o

    consumo e os estoques acumulados. Nesta explicao21, no

    entraram elementos externos, e na verdade o sistema

    dedutivo tambm operou por si mesmo sem necessitar da

    comprovao emprica, o que nos coloca diante da questo

    do segundo par de fatores a ser examinado nas questes

    21 O exemplo proposto, a ttulo de ilustrao para uma anlise endgena, por Ciro Flamarion Cardoso em Os Mtodos da Histria (CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Hctor Prez. Os Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1990, p.278-279).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.24

    econmicas: a deduo em oposio induo atravs de

    dados empricos.

    J uma explicao emprica apia-se ou deve se

    apoiar diretamente nos dados empricos observveis,

    procedendo por uma generalizao a partir de casos

    concretos, normalmente base de dados levantados e

    analisados criteriosamente atravs de mtodos estatsticos.

    Um exemplo est nas obras de Claphan sobre a Histria da

    Economia na Inglaterra Moderna22, ou nos trabalhos de

    Mitchell sobre os ciclos da economia financeira23.

    Outra dicotomia importante a ser considerada no jogo

    de parmetros explicativos disposio dos historiadores

    econmicos a relao entre equilbrio esttico e

    dinamicidade. At a dcada de 1930 predominaram os

    sistemas econmicos dirigidos para o equilbrio esttico,

    tendncia que foi fortemente abalada pelo impacto da

    Grande Depresso e por um novo contexto que passa a

    estimular os economistas e historiadores econmicos a

    compreenderem melhor o dinamismo das transformaes

    econmicas em alguns casos visando inclusive a proposta

    de polticas anticclicas. Desde ento os problemas centrais

    da histria econmica se deslocaram preferencialmente para

    indagaes que levavam em conta sobretudo a

    transformao na temporalidade. A Cliometria, entre outros

    campos de possibilidades, surge j neste novo quadro de

    motivaes. Mas tambm surge uma Histria Econmica-

    Social profundamente preocupada com a repercusso dos

    fatos econmicos da vida social. De uma Histria Econmica

    cujos objetos preferenciais relacionavam-se ao problema do

    22 CLAPHAM, J. H. An Economic History of Modern Britain. 3 vol. 1926-1938.23 MITCHELL, W. C. Business Cycles. The Problem and its Setting. 1927.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 25

    equilbrio geral de um mercado de bens e servios, passa-se a

    problemas como as relaes entre os desenvolvimentos da

    economia monetria e o pleno emprego, o custo de vida, o

    empobrecimento populacional e outras questes mais.

    A tendncia da historiografia econmica, a partir da

    metade do sculo XX tornar-se mais complexa e equilibrada

    com relao considerao de uma srie de fatores. Atribui-

    se importncia tanto a fatores exgenos como a fatores

    endgenos, ao mesmo tempo em que as explicaes tendem

    a entremear de forma equilibrada a deduo terica e a

    demonstrao emprica, com ampla utilizao de

    metodologias estatsticas mas sem dispensar as anlises

    qualitativas. Ao mesmo tempo, considera-se tanto o equilbrio

    do sistema econmico como a sua dinamicidade, para alm

    de se lanar problematizaes que indagam mais

    profundamente pela interao entre economia e sociedade.

    Os prprios dados aparecem mais problematizados. Os

    historiadores econmicos no se contentam apenas em

    levantar criteriosamente os dados que estaro expressos em

    uma curva de preos e salrios, mas procuram indagar que

    significado tero aqueles preos e salrios para a sociedade

    sobre a qual eles incidem. Vo mais alm, investigando as

    repercusses econmicas nos diversos grupos sociais. A

    Histria Econmica, assim, torna-se mais complexa.

    Exemplo de tratamento complexo da Histria

    Econmica pode ser encontrado quando o analista

    compreende o prprio fato econmico como produto de

    uma complexidade que transcende a dimenso econmica

    propriamente dita. Rigorosamente, disto cada vez mais se

    acerca a moderna Histria Econmica, no existe o fato

    econmico propriamente dito, isolvel de outros fatores, de

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.26

    modo que cada vez mais os pensadores e estudiosos da

    Economia tm recolocado a questo de que os fatos

    econmicos freqentemente acham-se imbricados com fatos

    polticos, sociais, culturais, institucionais, ou mesmo ligados s

    mentalidades.

    A esse respeito, ser oportuno registrar a contribuio

    da Nova Economia Institucional de Douglass North24. Aqui, no

    mbito de uma leitura institucional da histria econmica de

    cada sociedade, mostra-se precisamente ressaltada a

    importncia dos aspectos institucionais e, mais ainda, polticos,

    na constituio dos processos econmicos. Assim, tal como

    observa North ao considerar os desenvolvimentos do

    Capitalismo, sobretudo nas suas ltimas fases, os sistemas

    polticos trazem ou devem trazer eles mesmos uma

    contribuio fundamental para a constituio dos sistemas

    econmicos, e, de certo modo, pode-se dizer que em muitos

    casos quem institui as regras do jogo econmico a Poltica.

    Recolocar nestes termos o papel dos sistemas polticos e das

    instituies para o desenvolvimento dos processos

    econmicos examin-los, na tica da Economia

    Institucional, a partir de uma perspectiva mais rica, complexa,

    interdisciplinar.

    As Instituies so aqui vistas tambm na sua dimenso

    de estruturas de incentivo, que interferem nos mercados, e

    no como estruturas que so meramente criadas para ajustar-

    se a certas funes deste mercado, tal como propunha o 24 (1) NORTH, Douglass. Empirical Studies in Institutional Change (Political Economy of Institutions and Decisions). New York: Lee J. Alston, 1996 e (2) Institutions, Institutional Change and Economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. Antes destas obras, uma referncia tambm fundamental Structure and Change in Economic History (NORTH, 1981), na qual North j se prope a analisar a histria econmica, da pr-histria contemporaneidade, atravs de uma leitura das transformaes institucionais. Vale ressaltar ainda, como integrantes importantes da corrente que ficou conhecida como Nova Economia Institucional, os nomes de Oliver Williamson e Ronald Coase.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 27

    institucionalismo funcionalista25. Recupera-se, assim, a

    perspectiva de uma dinmica de reciprocidade entre

    Instituies e sistemas econmicos, de modo que as idias de

    North orientam-se no sentido de perceber que h uma

    interrelao entre o crescimento econmico sustentado e o

    fortalecimento institucional. A solidez das instituies

    constituiria precisamente um estmulo produtividade, ao

    investimento tecnolgico, ao aprofundamento da inovao

    e aqui seria preciso atentar tanto para as instituies formais

    (leis impostas pelo governo e instituies reguladoras) como

    para as instituies informais, que constituiriam normas e

    cdigos de conduta formados pela prpria sociedade26.

    Neste contexto, o Estado, ou o sistema poltico, tambm teria

    seu papel fundamental, no sentido de assegurar o ambiente

    de formao e manuteno das instituies formais.

    Uma tal abordagem da Histria Econmica, atenta s

    transformaes institucionais e polticas que se do no seio das

    diversas sociedades, permitiria examinar e esclarecer as

    diferenas de desenvolvimento econmico que se expressam

    entre as histrias econmicas dos diversos pases, notando-se

    que, ainda segundo North, seria possvel explicar com base

    nas diferenas de desenvolvimento institucional a partir do

    sculo XIX os distintos nveis de desenvolvimento econmico

    alcanados pelos Estados Unidos em comparao com os

    25 importante ressaltar que, para North, as instituies incluem uma legislao capaz de assegurar os direitos de propriedade e o cumprimento das obrigaes contratuais, bem como um sistema judicirio eficaz e diversas outras agncias destinadas regulamentao em diversos nveis da vida social. Importante ressaltar que, para a questo econmica, as instituies desempenhariam um papel fundamental no sentido de atenuar a incerteza fator que afeta a possibilidade de transao econmica entre pessoas e que por isso geraria, concomitantemente, o que North denomina custos de transao. Instituies fortes facilitariam a coordenao do sistema econmico ao reduzir os custos de transao e amenizar as incertezas (NORTH, 1990, p. 27).26 NORTH, Institutions, Institutional Change and Economic performance, p.36.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.28

    pases da Amrica Latina27. Para alm disto, uma outra

    coordenada importante a ser aqui considerada refere-se s

    diferenas de recepo que cada sociedade historicamente

    localizada apresentou em relao implantao e

    transformaes de cada modelo institucional28. As

    explicaes proporcionadas pela anlise de North, por outro

    lado, vinculam-se s discusses e polmicas que se do em

    torno do pensamento econmico liberal contemporneo. Eis

    aqui, de todo modo, questes que mereceriam certamente

    um desenvolvimento mais aprofundado em outro artigo.

    Por fim, para alm da complexidade dos processos

    econmicos como produtos de interaes entre aspectos

    para alm do econmico propriamente dito, h que se

    considerar a complexidade rtmica dos processos

    econmicos. Assim, outro aspecto fundamental sobre o qual

    deve refletir o historiador econmico que se lana a uma

    investigao refere-se ao questionamento acerca da

    sincronicidade de fatos econmicos relativamente a uma

    determinada unidade de observao. Deve-se considerar a

    possibilidade de que haja diferenas de ritmo entre distintos

    27 Para North, teria sido precisamente a fragilidade de suas instituies, desde os processos de Independncia, o que teria bloqueado para pases com amplos recursos naturais como o Brasil, Mxico e Argentina a possibilidade de que estes viessem a se tornar naes ricas como os Estados Unidos da Amrica, nao extraordinariamente fortalecida no aspecto institucional. Por outro lado, as diferenas de modelos institucionais implantados nas colnias remeteriam s heranas recebidas das prprias metrpoles, que j apresentavam profundos contrastes perceptveis na comparao entre o modelo institucional ingls e o modelo institucional ibrico, este ltimo caracterizado por instituies ineficientes. Estes contrastes remetem, concomitantemente, a aspectos polticos que no limite expressam-se na contraposio entre o poder absoluto dos reis ibricos e o poder de mediao econmica exercido pelo Parlamento para o caso da Inglaterra. Em uma palavra, na Inglaterra as finanas pblicas eram controladas por instituies fortes, e no por mera deciso rgia.28 Vale lembrar ainda o diagnstico de North para a histria dos pases da Amrica Latina, que desde a poca colonial teriam apresentado uma tendncia da personalizao das relaes comerciais entre indivduos, afastando estas sociedades da criao de mecanismos formais eficientes (isto , do fortalecimento institucional).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 29

    setores econmicos de um mesmo pas ou regio, por

    exemplo, em contraste com a idia de que na economia de

    uma determinada sociedade todos os seus elementos

    evoluem ou desenvolvem-se consoante ritmos idnticos.

    De igual maneira, em se tratando de estudos nacionais,

    as diversas pesquisas realizadas por historiadores econmicos

    regionais tm mostrado que no possvel enquadrar os

    desenvolvimentos econmicos nas diversas regies de um pas

    no mbito de um nico perfil econmico. Os antigos modelos

    explicativos que buscavam dar conta da totalidade da

    economia ao nvel nacional comearam, em muitos pases, a

    serem confrontados pela realizao de trabalhos empricos

    realizados ao nvel regional, que obrigaram a srias revises

    relativamente a modelos generalizantes que antes eram

    admitidos sem contestao.

    Foi o que ocorreu no Brasil a partir dos anos 1980, e

    sobretudo, dos anos 1990, com uma srie de trabalhos sobre a

    Sociedade Escravocrata no Brasil, onde foi confrontado o

    antigo modelo da Monocultura Agro-Exportadora voltada

    nica ou preponderantemente para o mercado externo29, e

    na qual o escravo desempenhava um papel especfico de um

    tipo de unidade produtiva e de hierarquia que parecia

    dicotomizar as posies entre senhores e escravos30. As

    29 Em um artigo de 1985 no qual analisa a economia mineira da segunda metade do sculo XIX, Robert Slenes chama ateno para a diversificao econmica daquela regio, para a produo de gneros voltada para o mercado interno, e para o dinamismo da economia no-exportadora (SLENES, Robert. Os mltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no sculo XIX. Cadernos ICHL/UNICAMP, Campinas, n. 17, 1985). De igual maneira, no mbito de pesquisas que evidenciam a diversificao da economia colonial, podemos citar, entre outros, o trabalho de Hebe Castro, que, ao analisar um municpio fluminense do sculo XIX, pde perceber para os maiores produtores locais uma diversificao de produo especificamente voltada para o mercado local (CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao Sul da Histria. So Paulo: Brasiliense, 1987).30 Assim, por exemplo, a tese de Mary Karasch sobre a vida dos escravos no Rio de Janeiro (1988) j chama ateno para a presena importante de pequenos senhores que, na sociedade escravocrata, possuam apenas um ou dois escravos,

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.30

    investigaes ao nvel regional permitiram que se verificassem

    inmeros fatores importantes como a importncia do

    mercado interno, a eventual diversificao de culturas, o

    papel dos homens livres pobres na economia e na sociedade

    escravocrata31, as estratgias de negociao dos escravos no

    interior da sociedade que os oprimia e do sistema econmico

    que os incorporava como fora de trabalho32. Para alm

    disto, estas mesmas monografias tambm revelaram toda

    uma diversidade inter-regional que os grandes modelos

    econmicos explicativos nem sempre previam.

    3. Fontes e Mtodos

    Relativamente s fontes e mtodos disponveis aos

    historiadores econmicos, destaca-se o notvel advento da

    Quantificao e da Serializao como caminhos para o

    levantamento e anlise das fontes e dados da Histria

    Econmica. A noo de srie ser aqui fundamental. Uma

    srie um determinado conjunto de fontes estabelecido pelo

    historiador com vistas quantificao e serializao de

    dados, sendo estas fontes necessariamente assinaladas por

    o que permitia confrontar o modelo dicotmico que aos escravos opunha apenas o grande latifundirio proprietrio de inmeros escravos, ignorando todo um contingente de pequenos senhores (KARASCH, Mary. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro. So Paulo: Companhia das Letras, 2000). Pesquisas como esta, e tambm a de Stuart Schwartz para o Recncavo Baiano, confrontavam a idia de que a propriedade escrava apresentava-se radicalmente concentrada no nas mos de grandes proprietrios de terras (SCHWARTZ, Stuart. Padres de propriedades de escravos nas Amricas: nova evidncia para o Brasil, Estudos Econmicos, XIII, n1, 1983, p.259-287).31 Uma referncia j clssica para este aspecto a obra de 1969 produzida por Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre os Homens Livres na Ordem Escravocrata(So Paulo: UNESP, 1994), certamente um trabalho pioneiro que j chamava ateno para uma questo que seria cada vez mais abordada nas dcadas seguintes.32 A esse respeito, tem-se um marco importante com o livro Campos da violncia de Slvia Lara (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988). Mais ainda, fundamental a referncia obra conjunta de Joo Jos REIS e Eduardo SILVA intitulada. Negociao e conflito: a resistncia negra no Brasil escravista (So Paulo: Companhia das Letras, 2005).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 31

    uma relao de continuidade e, freqentemente,

    abundantemente disponveis para o historiador (pelo menos

    em modalidades como a Histria Econmica e a Histria

    Demogrfica). Alm deste requisito de que as fontes

    constitutivas da srie conservem uma relao de

    continuidade (isto , sem lacunas que afetem a constituio

    da srie), estas devem ser ainda homogneas isto , de

    uma mesma natureza.

    No caso em que a srie ser utilizada com vistas a

    uma quantificao de dados, como ocorrer habitualmente

    com a Histria Econmica, teremos um encontro fortuito entre

    a Histria Serial e a Histria Quantitativa. Estas expresses no

    so sinnimas, embora possam estar relacionadas,

    particularmente quando estabelecem uma conexo com a

    Histria Econmica. A Histria Serial refere-se ao uso de sries;

    a Histria Quantitativa remete a um levantamento e anlise

    de dados. Esta, inclusive, freqentemente se valer das

    abordagens estatsticas, pois atravs delas o historiador

    buscar compreender uma grande quantidade de dados

    que se coloca sua disposio de forma globalizada,

    identificando tendncias.

    O tratamento quantitativo em histria, no que se refere

    a uma exposio de suas tcnicas e recursos operacionais, j

    conta com algumas obras especficas que procuram

    disponibilizar metodologias quantitativas para historiadores. Tal

    o objetivo, por exemplo, da obra de Roderick Floud

    intitulada Uma Introduo aos Mtodos Quantitativos para

    Historiadores33. J em um mbito mais especfico de crtica

    33 FLOUD, Roderick. An Introduction to Quantitative Methods for Historians. Londres : Methuen, 1973. Ver tambm CARMAGNANI, Marcello. La Historia Econmica en America Latina. I : Situacin y mtodos. Mxico: Sep/Setentas, 1972. p.253-264.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.32

    historiogrfica, textos terico-metodolgicos importantes sobre

    Histria Serial e Histria Quantitativa seriam elaborados em

    meados do sculo XX por Franois Furet34 e Pierre Chaunu35,

    sendo que este foi autor de uma das teses mais

    impressionantes sobre o Comrcio Atlntico, ao ter lanado

    mo de uma quantidade monumental de fontes e dados que

    foram expostos em um trabalho que ocupa nada menos que

    onze volumes. Mas antes de chegarmos monumental obra

    de Histria Econmica e Serial de Pierre Chaunu, produzida

    nos anos 1950, ser preciso pontuar o princpio de tudo: as

    realizaes de historiadores econmicos como Labrousse,

    Simiand e Hamilton em torno dos anos 1930.

    Atravs destes autores, a aplicao da Quantificao

    Histria Econmica faz a sua entrada na historiografia atravs

    do estudo da Histria dos Preos. Os grandes historiadores

    econmicos da primeira metade do sculo XX mostraram que

    o historiador podia dispor, neste caso, de dois tipos de fontes

    basicamente fundamentais: de um lado as estatsticas oficiais

    de preos de um determinado perodo fontes conhecidas

    como mercuriais para perodos anteriores e de outro lado

    os livros contbeis referentes aos registros administrativos de

    instituies, hospitais, mosteiros, casas nobilirquicas, fazendas.

    Para dar dois exemplos j clssicos de usos destes dois tipos de

    fontes em um trabalho de Histria econmica de natureza

    Quantitativa-Serial, Labrousse fez amplo uso das mercuriais em

    seu estudo sobre o movimento de preos na Frana do sculo

    34 FURET, Pierre. O Quantitativo em Histria in Histria novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.35 (1) CHAUNU, Pierre. Histoire quantitative et histoire srielle in Cahiers Vilfredo Pareto. Genebra: Droz, 1964. n3. p.165-175. / (2) CHAUNU, Pierre. LHistoire Srielle in Revue Historique. Paris : PUF, 1970. abril-jun.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 33

    XVIII36. Earl Hamilton valeu-se de registros contbeis de vrios

    tipos em seu estudo sobre Moeda e Preos em Valena,

    Arago e Navarra37. Entre estes dois tipos de fontes

    fundamentais as estatsticas oficiais e os registros contbeis

    ao nvel das unidades produtivas ou de circulao h ainda

    que considerar uma srie de outras fontes disponveis Histria

    dos Preos, como documentos aduaneiros, jornais que

    apresentem em algum momento cotaes de determinados

    produtos, registros cartoriais que permitam apurar preos de

    bens de raiz, testamentos, sries de documentos de compra e

    venda, e assim por diante.

    Nos anos 1950, para alm da j mencionada

    contribuio de Chaunu com sua obra sobre Sevilha e o

    Atlntico, surge na Amrica do Norte uma corrente que se

    denominou a si prpria como Histria Quantitativa a partir

    dos trabalhos de Kuznets e, j na Frana a partir dos anos

    1960, com os trabalhos de Jean Marczewski38. Tratava-se de

    uma Histria Econmica preocupada em classificar ano a

    ano, para diversos perodos histricos, os fluxos aqui incluindo

    tanto as produes como os intercmbios e os estoques,

    intencionando resumir a atividade econmica em seu

    conjunto. Por outro lado, o enfoque concentrava-se em

    aspectos como a demanda de bens e servios, a produo

    interna, a receita total familiar de uma sociedade, e outros

    fatores que muitas vezes pareciam excluir a presena mais

    efetiva dos homens e das foras econmicas de base, de

    acordo com algumas crticas que partiram de setores 36 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France du XVIII sicle. 2 vol. Paris : 1932.37 HAMILTON, Earl. Money, Prices and Wages in Valencia, Aragon and Navarra, 1351-1650. Cambridge: 1936.38 MARCZEWSKI, Jean. Buts et mthods de lhistoire quantitative in Cahiers Vilfredo Pareto. Genebra : Droz, 1964. n3. p.125-164.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.34

    historiogrficos contra esta Histria Econmica que era

    habitualmente realizada por economistas, mais do que por

    historiadores.

    Em 1957 constitui-se tambm a New Economic History,

    uma corrente que compartilhava entre seus membros certas

    prticas e concepes acerca do que deveria ser a Histria

    Econmica. Esta Escola, desenvolvendo o que passou a se

    chamar Econometria, trouxe a novidade de trabalhar com

    contrafactuais simulaes histricas para verificar a

    importncia de determinados elementos no desenvolvimento

    de uma dada Economia abstraindo-os do processo e

    projetando como seria o desenvolvimento econmico sem

    tais elementos. Um exemplo pode ser visto com as obras de

    Fogel39 e Fishlow40, que para verificar a importncia da

    construo de ferrovias na histria econmica dos Estados

    Unidos produziram simulaes de uma histria americana que

    no tivesse contado com a construo destas ferrovias.

    De qualquer modo, considerando todas estas correntes

    inseridas no interior da Histria Econmica que tem utilizado

    francamente a quantificao, podemos concluir que a

    serializao e a quantificao incorporaram-se

    definitivamente como aspectos importantes do metier do

    historiador econmico nos dias de hoje. Poucas vezes

    possvel explorar adequadamente esta rea sem algum

    domnio destas possibilidades. Em seguida, examinaremos os

    vrios riscos, limites e aspectos a serem contornados ou

    evitados em um trabalho de Histria Econmica.

    39 FOGEL, R. W. Railroads and American Economic Growth: Essays in Econometric History. Baltimore: 1964.40 FISHLOW, A. American Railroads and the Transformation of the Ante-Bellum Economy, Harvard Economic Studies. Vol.127. Cambridge, Mass: 1965.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 35

    4. Limites, riscos e objetos privilegiados da Histria Econmica

    J mencionamos alguns dos riscos mais graves contra os

    quais devem se prevenir os historiadores econmicos. O

    primeiro deles aquele que ronda o trabalho de todos os

    historiadores, nas diversas modalidades da Histria: o

    anacronismo. Em Histria Econmica, o principal tipo de

    anacronismo fundador de todos os outros o de importar

    indevidamente para uma determinada sociedade

    historicamente localizada um sistema ou uma racionalidade

    econmica que so os de nosso tempo. A racionalidade

    econmica tpica do mundo Capitalista, enquanto modelo de

    comportamento para os fatos econmicos a serem

    examinados, pode no ter nenhuma congruncia em relao

    ao mundo histrico que o historiador est examinando. Assim,

    nada implica em que a obsesso pela busca do lucro seja

    um fator que v ditar as normas em todas as sociedades ou

    situaes histricas.

    Tambm j mencionamos a iluso da sincronicidade

    ou seja, a idia de que em uma determinada economia

    nacional, por exemplo, todos os fatores progridem ou

    regridem juntos. Os fatores integrados em um determinado

    sistema econmico podem ter cada qual o seu ritmo prprio.

    De maneira anloga, as diversas regies ou sub-unidades

    espaciais de um mesmo pas podem no se comportar da

    mesma maneira em uma determinada realidade histrica: a

    economia das pequenas unidades pode apontar,

    eventualmente, para especializaes econmicas e

    desenvolvimentos diferenciados. O historiador, aqui, deve

    estar pronto para se afastar da iluso do modelo globalizador

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.36

    nico, da generalizao que busca submeter indevidamente

    todas as regies e prticas inseridas em uma determinada

    sociedade, como ocorreu na historiografia brasileira de certa

    poca, por exemplo, com a generalizao de um Modo de

    Produo escravista-Colonial baseado quase que totalmente

    em uma monocultura exportadora, sem considerar seja as

    especificidades de cada regio, seja os mercados internos ou

    as interaes entre os elementos internos da economia

    colonial da Amrica Portuguesa. Neste caso, a louvvel

    tentativa de entender a histria econmica brasileira como

    uma totalidade tpica de uma historiografia que vai desde

    Caio Prado Jnior nos anos 1930 at Ciro Flamarion Cardoso e

    Jacob Gorender em tempos mais recentes41 terminou por se

    confrontar com limites que s seriam contornados pelas teses

    de ps-graduao brasileiras que comeam a surgir nas

    ltimas dcadas do sculo XX, voltadas para as realidades

    locais dos perodos colonial e imperial.

    Estes, enfim, so os riscos tericos da Histria Econmica:

    totalizao sem apoio emprico, reducionismos vrios. Por

    outro lado, agora que j discutimos algumas tcnicas

    presentes no trabalho de Histria Econmica, particularmente

    a Quantificao, poderemos discutir outros riscos. O primeiro

    deles o que poderia ser chamado de fetiche da

    quantificao, a saber, a quantificao por ela mesma, no

    como meio mas como fim. Uma Histria Econmica que se

    limite descritivamente a enunciar informaes quantificadas

    seria anloga, na histria narrativa, mera factualidade. Uma

    curva de preos no pode ter valor por si mesma. Ao

    contrrio, seu valor estaria em servir para uma interpretao

    histrica que a considerasse como material de anlise, e no 41 Ver nota n 42.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 37

    como finalidade a ser atingida. Ernst Labrousse, um dos

    pioneiros da quantificao na Histria, postulava que a

    quantificao, destinada a desvelar uma determinada

    realidade conjuntural, deveria contribuir para a realizao de

    uma Histria Total que esclarecesse a dinmica das estruturas,

    das crises sociais e institucionais, e assim por diante. Quando

    ele elaborava uma curva de preos, tinha em vista

    compreender uma realidade scio-econmica mais

    complexa, para cuja compreenso a curva de preos

    funcionaria como um sinalizador privilegiado.

    Esta postura, de fundar toda uma explicao histrica

    complexa apenas no trabalho quantitativo ou, mais ainda,

    em um nico aspecto quantificado pode eventualmente

    conduzir a um problema diverso: o da supervalorizao da

    quantificao. Acreditar por exemplo que uma curva de

    preos pode dar conta da explicao de todo um

    desenvolvimento histrico-social, sem o concurso de outros

    fatores e recursos historiogrficos, pode produzir resultados to

    questionveis quanto a mera descrio quantitativa.

    Com relao aos objetos de estudo privilegiados pela

    Histria Econmica, dificilmente pode haver maiores dvidas.

    Estuda-se qualquer um dos trs aspectos envolvidos pelas

    atividades econmicas: a Produo, a Circulao ou o

    Consumo. O campo da Produo foi objeto de interesse

    primordial da historiografia marxista. Neste sentido, aqui

    encontra o seu espao o conceito de modo de produo,

    que procura dar conta de toda a produo da vida material

    de uma sociedade a partir da apropriao do trabalho

    humano e da utilizao dos meios de produo (matrias

    primas, instrumentos). Fora da teoria marxista, pode-se falar

    em sistemas de produo, o que apenas uma outra

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.38

    maneira de se referir a este mbito produtivo que constitui o

    ponto de partida da vida econmica de uma sociedade.

    Naturalmente que, notadamente com a historiografia

    marxista e outras preocupadas com a dimenso social da

    Histria, considera-se que o sistema de produo est em

    inseparvel interface com a organizao social e poltica de

    uma sociedade. Da que, para este tipo de histria

    econmica, imprescindvel caminhar conjuntamente com a

    Histria Social e com a Histria Poltica. Qualquer grupo social

    ocupa uma posio central ou perifrica, ativa ou

    parasitria, consciente ou alienada no sistema de produo

    de uma sociedade, e todos estabelecem entre si relaes

    que, alm de sociais, so relaes polticas. Para o

    materialismo histrico, por exemplo, a Histria a histria dos

    modos de produo e tambm a histria das lutas de classe.

    Uma coisa est sobre-posta outra, pois se os modos de

    produo vo se desenvolvendo e derivando em outros no

    decurso de uma durao mais longa, a luta de classes aflora

    cotidiana e conjunturalmente sobre estas grandes estruturas

    em mutao. Percebe-se assim que, nesta linha de

    perspectivas, a Histria Econmica est em permanente

    interface com uma Histria Poltica e uma Histria Social.

    Por outro lado, o enfoque do historiador econmico

    tambm pode se dirigir para a esfera da Circulao (ou da

    distribuio). Sero estudados aqui os ciclos econmicos, os

    preos, as trocas, o sistema financeiro. O interesse no estudo

    dos ciclos econmicos, por exemplo, tornou-se muito

    marcante a partir da dcada de 1930, com historiadores da

    economia associados Escola dos Annales (mas neste caso

    tambm ao marxismo) como Ernst Labrousse. Destaca-se uma

    interface evidente da nova Histria Econmica com os

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 39

    diversos desenvolvimentos na cincia social da Economia. Na

    verdade, o estudo dos ciclos, das conjunturas, da flutuao

    de preos e salrios (e tantos outros aspectos) tornou-se

    possvel a partir do dilogo com a Estatstica. Estes novos

    campos da Histria Econmica tornam-se precisamente

    possveis com a quantificao com aquela abordagem que logo passaria a ser chamada de Histria Quantitativa.

    Fechando o circuito de interesses da Histria Econmica

    aparece a esfera do Consumo, com objetos que podem ir

    desde os aspectos relativos aos salrios (poder de compra)

    at os hbitos de consumo dos vrios grupos sociais. Estudar o

    consumo estudar os modos como a riqueza apropriada

    pelos vrios grupos e foras sociais que se encontram em

    interao no interior de uma determinada sociedade. As

    tenses sociais, enfim, tambm se expressam nas relaes de

    consumo, nas ostentaes, nas carncias, nos contrastes que

    do a revelar a riqueza apropriada e que a colocam em

    contraposio riqueza produzida. Esta ponta do tringulo

    econmico, portanto, estabelece uma interface com a

    Histria Social.

    Por outro lado, tambm da Histria Econmica estudar

    os modos ou estruturas de produo nas suas linhas gerais, no

    mbito de temporalidades diversificadas como a Economia

    Antiga, a Economia Medieval ou a Economia Capitalista.

    Neste campo, o interesse do historiador desloca-se das

    especificidades quantitativas para os aspectos relacionados

    interao entre Economia e Sociedade, surgindo aqui as

    clebres e polmicas questes concernentes ao tipo de

    interao que nesta interface se produz (determinao linear

    e direta, determinao em ltima instncia, reciprocidade,

    relativa autonomia?).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.40

    5. A Histria Econmica no Brasil

    No Brasil, a Histria Econmica tem sido desde os anos

    1930 um campo bem freqentado pelos historiadores. Os

    objetos e interesses de estudo se diversificam. Entre 1930,

    mencionaremos, ao lado de outras temticas, as tentativas de

    elaborar modelos econmicos globais, que dessem conta de

    entender a histria econmica brasileira como uma

    totalidade. Surgiram ento grandes modelos explicativos para

    a realidade colonial, para a sociedade escravista-colonial,

    para a economia no Estado Novo ou do perodo

    desenvolvimentista, atravs de autores que vo de Caio

    Prado Jnior, um pioneiro na rea, at historiadores,

    economistas ou socilogos como Fernando Novais, Celso

    Furtado, Ciro Flamarion Cardoso, Jacob Gorender42. As ltimas

    dcadas do sculo XX assistem ecloso de trabalhos mais

    monogrficos, interessados em perceber atravs de

    investigaes locais muitas vezes com o apoio da Histria

    Serial precisamente aquelas especificidades e

    complexidades que os grandes modelos explicativos

    deixavam escapar, por vezes em frmulas ou modelos

    reducionistas.

    Desta lavra, e das dcadas seguintes, so alguns dos

    mais importantes trabalhos sobre a economia brasileira nos

    seus perodos histricos. H desde as investigaes regionais

    ou mais localizadas sobre o perodo escravocrata, como a

    42 (1) PRADO JNIOR, Caio. Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense, 1977. (2) NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial. So Paulo: Hucitec, 1983, 2 ed. (3) FURTADO, Celso. Formao Econmica do Brasil. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. (4) CARDOSO, Ciro Flamarion. Observaes sobre o dossier preparatrio da discusso sobre o modo de produo colonial in PARAIN, C (org). Sobre o Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1973, p. 71-ss. (5) GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. So Paulo: tica, 1978, 2 ed.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 41

    obra de Ktia Matoso intitulada Bahia: a cidade de Salvador

    e seu mercado no sculo XIX (1978)43, ou a obra de Douglas

    Libby sobre a Transformao e Trabalho em uma economia

    escravista Minas no sculo XIX (1988)44, at as investigaes

    de recorte mais extenso sobre o processo de industrializao

    brasileiro, como a pesquisa de Wilson Cano sobre as Razes

    da Concentrao Industrial (1981)45 ou a obra de Geraldo

    Beauclair sobre as Razes da Indstria no Brasil46. No mbito

    dos estudos sobre a Escravido ou ambientados na Economia

    Colonial, a massa crtica de trabalhos regionais e a

    possibilidade mais concreta de lanar mo da Histria Serial

    passou a permitir tambm novas vises de conjunto, mais

    fundamentadas e sem os reducionismos das generalizaes

    anteriores aos anos 1970. Aparecem aqui obras importantes

    como o estudo de Joo Fragoso e Manolo Florentino intitulado

    Arcasmo como Projeto 47, e posteriormente o estudo de

    Joo Fragoso sobre a economia local do Rio de Janeiro que,

    conforme veremos adiante, avana pela trilha que comeara

    a ser percorrida por autores como Ktia Mattoso nos anos

    1970 e 1980.

    A ttulo de exemplo, examinaremos alguns

    desenvolvimentos historiogrficos em torno da temtica da

    economia colonial, mostrando como foi precisamente um

    olhar mais atento para a realidade local, alicerado em

    sistemticas pesquisas empricas, o que permitiu uma

    43 MATTOSO, Ktia de Queiroz. Bahia: a cidade de Salvador e seu mercado no sculo XIX. So Paulo: Hucitec, 1978.44 LIBBY, Douglas. Transformao e Trabalho em uma economia escravista Minas no sculo XIX . So Paulo: Brasiliense, 1988.45 CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial. So Paulo: T. A. Queiroz, 1981.46 BEAUCLAIR, Geraldo. Razes da Indstria no Brasil. Rio de Janeiro: Studio F & S Editora, 1992.47 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. Arcasmo como Projeto. Rio de Janeiro:Diadorin, 1993.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.42

    verdadeira reviso dos modelos generalizantes que, antes dos

    anos 1970, vinham sendo elaborados para a compreenso da

    economia brasileira no perodo colonial. Ao lado do j

    mencionado trabalho de Ktia Mattoso sobre a Bahia,

    traremos o exemplo de uma obra que representa certamente

    um marco para a historiografia econmica brasileira mais

    recente: o estudo de Joo Fragoso intitulado Homens de

    Grossa Aventura acumulao e hierarquia na praa

    mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830)48. Esta obra, como a

    de Ktia Mattoso e outras, permitiu precisamente nova

    historiografia econmica brasileira examinar os ritmos internos

    da economia colonial, suas assincronias em relao ao

    mercado internacional, suas diversidades regionais, suas

    complexidades irredutveis ao desgastado e generalizador

    modelo que retratava a economia colonial como um sistema

    exclusivamente escravista-agro-exportador, diretamente

    dependente dos centros europeus.

    Objetivando examinar as formas de acumulao que

    perpassam a economia colonial brasileira em fins do sculo

    XVIII e primeiras dcadas do sculo XIX, Fragoso elege como

    lcus privilegiado de observao o funcionamento do

    mercado do Rio de Janeiro e suas formas de produo. Mas,

    sobretudo, o que aqui se empreende mais uma contribuio

    vigorosa crtica em relao aos antigos modelos explicativos

    da economia colonial brasileira, alcanada atravs da

    exposio de uma srie de novas complexidades que se

    tornam bastante claras a partir de uma bem fundamentada

    48 FRAGOSO, Joo. Homens de Grossa Aventura acumulao e hierarquia na praa mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 43

    pesquisa emprica amparada em anlises seriais de uma vasta

    documentao.

    A primeira complexidade a ser examinada a de que a

    economia colonial brasileira apresenta atravs dos nmeros

    levantados um complexo jogo de ajuste e desajuste em

    relao ao ciclo econmico internacional. Ao invs de uma

    economia inteiramente atrelada ao ritmo internacional, o

    autor vem mostrar que ainda que esta sintonia se expresse

    em algumas oportunidades a economia colonial brasileira

    tambm tem seus ritmos prprios. A conscincia de que os

    ritmos coloniais no se ajustam inteiramente e em todos os

    momentos s tendncias internacionais j vinha sendo

    expressa atravs das pesquisas de Ktia Mattoso, que

    examinara atravs de uma sistemtica metodologia

    quantitativa os preos na Bahia do mesmo perodo,

    demonstrando seu comportamento de acordo com ritmos

    prprios49. Assim, enquanto os preos europeus haviam sofrido

    uma inflexo geral para cima entre 1810 e 1815, at atingir

    neste ano a crise mundial que inaugura uma fase depressiva,

    esta inflexo s ocorreria na Bahia a partir de 1822.

    O objetivo de Fragoso seguir nesta mesma trilha:

    demonstrar que tambm o Rio de Janeiro tinha seus ritmos

    prprios. O recorte da pesquisa situa-se no enquadramento de

    um ciclo de Kondratieff que tem uma fase A positiva entre

    1792 e 1815, e uma fase negativa (B) entre 1815 e 1850.

    Contudo, se por um lado verifica-se a sintonia entre uma

    expanso econmica brasileira e a ampliao do comrcio

    no plano internacional, j para o perodo seguinte (a fase B)

    esta sintonia no se verifica. Entre 1815 e 1817, ocorre uma

    49 MATTOSO, Ktia de Queiroz. Os preos na Bahia de 1750 a 1930 in LHistoire quantitative du Brsil de 1800 a 1930, CIVRS 1973, p.167-182.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.44

    crise mundial que se expressaria sob a forma de uma

    depresso econmica at 1850, afetando diretamente os

    preos do acar e do algodo. Conforme a interpretao

    clssica, a montagem da economia cafeeira apresenta-se

    como uma resposta ao declnio destes produtos e

    conjuntura econmica internacional desfavorvel.

    O modelo confrontado e criticado pelo autor (e mais

    especificamente considerando o contexto especfico das

    transformaes que se do na passagem do sculo XVIII para

    o sculo XIX) o da economia colonial exclusivamente

    fundada na monocultura exportadora, destinada a fornecer

    excedentes para as economias centrais europias. Segundo

    este modelo, no haveria lugar na colnia para um mercado

    interno suprido por produes locais, nem para possibilidades

    de acumulaes endgenas, e tampouco para ritmos

    econmicos prprios, desvinculados das economias que

    dominavam o mercado internacional50. Contudo, so

    precisamente estes aspectos que Fragoso verifica, mostrando

    por exemplo que o comportamento da economia colonial

    no pode ser medido apenas pelo desempenho do setor

    exportador. Assim, contra uma queda de preos de produtos

    ligados ao setor exportador, como o acar branco, Fragoso

    demonstra uma realidade diferente relativa aos produtos

    coloniais de abastecimento que desembarcam no porto do

    Rio de Janeiro51. Sintetizando a questo, o mercado interno

    colonial produz os seus prprios ritmos, que interagem de

    muitas maneiras com os ritmos ditados pelo mercado

    internacional, respondem ou resistem a eles. O mercado

    interno, portanto, uma realidade efetiva, importante para a

    50 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.16-17.51 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.20.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 45

    compreenso da histria econmica. Conforme as palavras

    de Fragoso, a economia colonial um pouco mais complexa

    do que uma plantation escravista, submetida aos sabores das

    conjunturas internacionais52. todo um antigo modelo

    interpretativo, demasiado simplificador, que aqui se questiona.

    Mais ainda, diante da verificao emprica de uma

    verdadeira flexibilidade da economia colonial que a permite

    confrontar-se queda de preos internacionais e retrao

    da exportao, Fragoso identifica a possibilidade de

    realizao de acumulaes endgenas no espao colonial,

    um dos objetivos centrais de seu estudo. Questiona-se,

    tambm, as postuladas relaes de estrita dependncia que,

    segundo antigos modelos explicativos, estariam

    necessariamente presentes nas relaes da economia

    colonial com a Metrpole.

    Vale ressaltar, por outro lado, que o trabalho de Joo

    Fragoso se refere mais especificamente virada do sculo

    XVIII para o sculo XIX um perodo de crise do antigo sistema

    colonial. Para os trs sculos anteriores de colonizao da

    Amrica portuguesa, decerto, o modelo de anlise

    econmica proposto por Caio Prado Jnior e seguido de

    perto por Celso Furtado e Fernando Novaes conserva

    considervel poder explicativo. De todo modo, as obras de

    Joo Fragoso e Ktia Mattoso foram aqui evocadas apenas

    como suporte exemplificativo. Elas constituem sintomas claros

    de uma historiografia brasileira em pleno desenvolvimento e

    renovao, que se liberta de modelos fechados e irredutveis,

    que busca novas complexidades e que, sobretudo,

    empreende um trabalho sistemtico sobre as fontes a partir do

    52 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.21.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.46

    uso de uma metodologia quantitativa e serial que mostra

    perfeita vitalidade. A Histria Econmica, particularmente no

    Brasil, est longe de estar em crise. Outras obras poderiam ser

    citadas, mas estas j podem dar uma idia da fecundidade

    deste campo que, mesmo que tenha cedido espao no

    conjunto de preferncias dos historiadores em favor de outras

    modalidades em ascenso, permanece francamente

    atualizado e produtivo.

    A Histria Econmica, ser oportuno finalizar, tem se

    apresentado como um campo que se renova e atualiza.

    Desenvolve-se no sentido da complexidade, da superao

    das vises simplificadas que habitualmente isolam os fatos

    econmicos de outras dimenses importantes para a Histria

    das Sociedades como a Poltica ou a Cultura. De igual

    maneira, os historiadores econmicos mostram-se cada vez

    mais atentos questo de que em cada perodo histrico, ou

    em cada sociedade historicamente localizada, deve-se

    buscar uma racionalidade econmica prpria e especfica do

    perodo examinado, e no simplesmente transplantar uma

    racionalidade capitalista para perodos anteriores nos quais

    esta racionalidade no existia. Avana-se tambm na

    superao dos antigos modelos explicativos nacionais

    monolticos, medida que se desenvolvem estudos regionais

    capazes de esclarecer a singularidade de cada regio em um

    contexto mais amplo.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 47

    Referncias Bibliogrficas

    AKERMAN, Johan. Estructuras y ciclos econmicos. Madrid: Aguilar, 1962.

    BEAUCLAIR, Geraldo. Razes da Indstria no Brasil. Rio de Janeiro: Studio F & S Editora, 1992.

    BEVERIDGE, William. Prices and Wages in England from the Twelfth to the Nineteenth Century. Londres: Longmans, 1939.

    BRAUDEL, Fernando. Histria e Cincias Sociais: a longa durao in Escritos sobre a Histria. So Paulo: Perspectiva, 1978. p.49-50.

    CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial.