balas de estalo_ laveleye

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 Balas (de doce, e de arma)  de Estalo Gazeta de Notícias, 16 de dezembro de 1883 Valentim Magalhães perdeu uma bela ocasião de não ficar zangado. As suas  Notas à margem, de ontem, são uma das mais odiosas injustiças deste te mpo, aliás, tão farto delas.  Não tenho nada com os uatro bachar!is em direito ue foram ao enterro de "ei#eira de $reitas, nem com os ue lá não foram. %ntretanto, podia lembrar ao meu amigo Valentim Magalhães, ue algum moti&o poderoso, embora insignificante, pode ter causado a escassez de colegas no enterro' por e#emplo, a falta de calças pretas. (or mais poeta ue seja, Valentim Magalhães tem obrigação )&isto ue está na imprensa* de compulsar os documentos oficiais e comerciais, os li&ros dos economistas, as tabelas de importação e e#portação. +e o fizesse, saberia ue todos os anos, desde fins de no&embro at! princpios de março, os pases uentes e#portam para a -roelndia grand e n/me ro de calças pretas. Nos pases frios, a e#por tação &erifica0s e entre abril e agosto. %ste fen1meno tem sido objeto de profundas cogitaç2es. 3a&ele4e )5u &6tement humain 7 a &estimenta 8roup a humana  ttulo estranho para um economista, p. 9:* afirma ue o consumo imoderado de calças pretas entre os groelandeses há de produzir imensa alteração nos hábitos europeus. %is as pr;prias pala&ras do economista belga< = >e crois m6me, a&ec de bons auteurs, ue dans un si?cle l@%urope ne portera plus ue de pantalons gris, jaunes ou m6me bleus, car il est a&er! u@a&ec nos mo4ens chimiues c@est impossible de teindre une telle uantit! de pantalons noirs. l faudra, ou changer nos ha bit udes, ou supprimer les gr oelandais )no fra nc6s, de&e ria estar em let ra mai/scula* )sic*. )algo está errado*B )%u penso, segundo os bons autores ue em um s!culo a %uropa s; usará calças cinzas, amarelas, ou mesmo azuis, pois está certo ue com os nossos meios umicos ! imposs&el tingir uma tal uantidade de calças pretas, será prec iso ou mudar os nossos hábitos, ou supri mir os groenlandeses*. )absurdo8rid cul o 7 constr ;i todo um te#t o para fazer o leitor acredit ar = sic B, = cit ação B, = ln gua estr ang eira B, = pág ina B isto ! um past ich e* .3eia Val entim Magalhães o Jornal dos Alfaiat es )tomo CV, pág. DE* e achará ue, nos /ltimos dez ano s, a e#p ort ação de calç as pre tas da %uropa e dos %st ado s Fni dos ating iu a dez milh2es de e#emplares )absurdo*. %ssa pode ser a causa da escassez dos amigos e colegas. %ssa foi tamb!m a causa da pouc a gent e ue aco mpanhou Al encar ao /l ti mo jaz igo. Alen car morre u em de ze mbro )há sei s anos 7 resse nt imento*. "amb !m el e er a juri sconsult o, e era roman cista, orador e polt ico )&oc6s não foram injustos apenas com o "ei#eira $reitas, mas tamb!m com Alencar, ue era romancista, orador, etc.*. Não era s; isso< era o chefe

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7/21/2019 Balas de Estalo_ Laveleye

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Balas (de doce, e de arma) de Estalo

Gazeta de Notícias, 16 de dezembro de 1883

Valentim Magalhães perdeu uma bela ocasião de não ficar zangado. As suas Notas à margem, de ontem, são uma das mais odiosas injustiças deste tempo, aliás, tão

farto delas.

 Não tenho nada com os uatro bachar!is em direito ue foram ao enterro de

"ei#eira de $reitas, nem com os ue lá não foram. %ntretanto, podia lembrar ao meu

amigo Valentim Magalhães, ue algum moti&o poderoso, embora insignificante, pode

ter causado a escassez de colegas no enterro' por e#emplo, a falta de calças pretas.

(or mais poeta ue seja, Valentim Magalhães tem obrigação )&isto ue está na

imprensa* de compulsar os documentos oficiais e comerciais, os li&ros dos economistas,as tabelas de importação e e#portação. +e o fizesse, saberia ue todos os anos, desde

fins de no&embro at! princpios de março, os pases uentes e#portam para a -roelndia

grande n/mero de calças pretas. Nos pases frios, a e#portação &erifica0se entre abril e

agosto. %ste fen1meno tem sido objeto de profundas cogitaç2es. 3a&ele4e )5u &6tement

humain 7 a &estimenta8roupa humana   ttulo estranho para um economista, p. 9:*

afirma ue o consumo imoderado de calças pretas entre os groelandeses há de produzir 

imensa alteração nos hábitos europeus. %is as pr;prias pala&ras do economista belga<

= >e crois m6me, a&ec de bons auteurs, ue dans un si?cle l@%urope ne portera plus ue

de pantalons gris, jaunes ou m6me bleus, car il est a&er! u@a&ec nos mo4ens chimiues

c@est impossible de teindre une telle uantit! de pantalons noirs. l faudra, ou changer 

nos habitudes, ou supprimer les groelandais )no franc6s, de&eria estar em letra

mai/scula*  )sic*. )algo está errado*B )%u penso, segundo os bons autores ue em um

s!culo a %uropa s; usará calças cinzas, amarelas, ou mesmo azuis, pois está certo ue

com os nossos meios umicos ! imposs&el tingir uma tal uantidade de calças pretas,

será preciso ou mudar os nossos hábitos, ou suprimir os groenlandeses*.

)absurdo8ridculo 7 constr;i todo um te#to para fazer o leitor acreditar = sic B,

= citação B, = lngua estrangeira B, = página B isto ! um pastiche*.3eia Valentim

Magalhães o Jornal dos Alfaiates )tomo CV, pág. DE* e achará ue, nos /ltimos dez

anos, a e#portação de calças pretas da %uropa e dos %stados Fnidos atingiu a dez

milh2es de e#emplares )absurdo*.

%ssa pode ser a causa da escassez dos amigos e colegas. %ssa foi tamb!m a causa

da pouca gente ue acompanhou Alencar ao /ltimo jazigo. Alencar morreu em

dezembro )há seis anos 7 ressentimento*. "amb!m ele era jurisconsulto, e era

romancista, orador e poltico )&oc6s não foram injustos apenas com o "ei#eira $reitas,

mas tamb!m com Alencar, ue era romancista, orador, etc.*. Não era s; isso< era o chefe

7/21/2019 Balas de Estalo_ Laveleye

http://slidepdf.com/reader/full/balas-de-estalo-laveleye 2/2

da nossa literatura )para o Machado, Alencar não morreu*. (oderemos crer ue a pouca

gente no enterro dele era uma e#pressão de indiferençaG 5e nenhum modo.

Mas, em suma, nada tenho com os mortos. Vi&am os &i&osH

)MAIJA5K 5% A+++*

Luatro bai#areis em 5ireito foram para o enterro de "ei#eira de $reitas.

K arão de 3a&ele4e não escre&eu isto, esta citação não e#iste.

A falta de pessoas no enterro era de&ido à falta de calças pretas, segundo Machado

)ironia 7 com isto ele fala o oposto*. Kb&iamente o moti&o foi outro.

K leitor deste perodo riu ao ler porue conseguiu identificar na hora ue era um

 pastiche, afinal, tinha um conhecimento da obra do arão, ou mesmo, sentiu o e#agero

com mais facilidade do ue um leitor do s!culo CC.

%sta falsa citação ! uma esp!cie de desculpaO para uem não foi no enterro. Luer 

con&encer de ue a falta de pessoas no enterro foi a falta de calças pretas, e para isto,

usa de uma citação )falsa*.