balakrishnan um mapa da questão nacional 271-282

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, BAlAKRISHNAN, Gopal (org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contra ponto, 2000. pp. 271-282 ETN~A E NACIONALISMO NA EUROPA DE HOJE Eric J. Hobsbawm c; i. Il Dirijo-me a vocês não apenas como um historiador que se tem interessado pelo desenvolvimento do nacionalismo e escrito alguma coisa a esse respeito, mas também porque ele faz parte do meu objeto de estudo. Qs. historiadores estão P.~!~. ?__ n~~i().~?-Ji~_rI1o<;ºJ}19 ,os -IܪI}tadoJe§._çl~_ papoula, do.Paq uistão 12~UU?S .viciadosem __ ~gºj-')'A: __ fornecemos. a,l1)<).tér~a_~.p!.~9l(U~sgnç~ªLª_Q. .mercadoJ,J~ ª,~ 5~- pªs~lldQ._são,uma,contradiçãQ_~QUç;rJ!lQ§:_º,q!le faz uma nação é o 'passado., o..J..~ei.l::s!~~~~,~~,a nação em.oPQsiÇãQf-Lºutras.éopassado~_~,'Q~-h-is'iõ~ _ ri~~o~~~_~_~? __ as pe_s,~?~~,,9..,!:e_o pro~u.z.e.T' Assim, minha profissão, que sempre esteve misturada com a política, torna-se um componente essencial do na- cionalismo. Mais até do que os etnógrafos, os filólogos e outros prestadores de serviços étnicos e nacionais que também costumam ser convocados. Em que termos os armênios e os azerbaijanos discutem sobre quem tem direito ao monte Karabakh, que, permitam-me lembrar-lhes, fica no Azerbaijão, mas é habitado sobretudo por armênios? Considerando os argumentos relativos aos albanianos do Cáucaso - um povo que já não existe, mas que, na Idade Média, habitou a região em disputa -, eram eles mais ou menos parecidos com os armênios que lá se encontram hoje? Esse é, essencialmente, um problema de pesquisa histórica; no caso, de intermináveis debates históricos especulativos. (Retiro esse exemplo de Nora Dudwick, da Universidade da Pensilvânia.) Infe-- lizmente, a históriaque C)S nacionalistas querem não é a história que os histo- riadores profissionais, até mesmo os que estão ideologicamente comprometi- dos, têm que fornecer, ,E.l<l é.uma mitologia retrospectiya. Deixem-me repetir mais uma vez as palavras de Ernest Re~~n em sua famosa conferência intitulada "Ç) que é uma nação?", deJ88.2: "O esquecimento da história, oumesmo o e~~o histórico [l'erreur híSfPrl';i~({_éJlm fator essencial na formação de uma nação, razão por que o avanço dos estudos históricos é sempre perigoso para a n_aci~- 271 I

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Page 1: BALAKRISHNAN Um mapa da questão nacional 271-282

,BAlAKRISHNAN, Gopal (org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contra ponto,2000. pp. 271-282

ETN~A E NACIONALISMONA EUROPA DE HOJE

Eric J. Hobsbawm

c;i.

Il

Dirijo-me a vocês não apenas como um historiador que se tem interessado pelodesenvolvimento do nacionalismo e escrito alguma coisa a esse respeito, mastambém porque ele faz parte do meu objeto de estudo. Qs. historiadores estãoP.~!~.?__n~~i().~?-Ji~_rI1o<;ºJ}19,os -IܪI}tadoJe§._çl~_papoula, do.Paq uistão 12~UU?S

.viciadosem __~gºj-')'A:__fornecemos. a, l1)<).tér~a_~.p!.~9l(U~sgnç~ªLª_Q..mercadoJ,J~ ª,~5~- pªs~lldQ._são,uma,contradiçãQ_~QUç;rJ!lQ§:_º,q!le faz uma nação é o'passado., o..J..~ei.l::s!~~~~,~~,anação em.oPQsiÇãQf-Lºutras.éopassado~_~,'Q~-h-is'iõ~_ri~~o~~~_~_~?__as pe_s,~?~~,,9..,!:e_opro~u.z.e.T' Assim, minha profissão, que sempreesteve misturada com a política, torna-se um componente essencial do na-cionalismo. Mais até do que os etnógrafos, os filólogos e outros prestadores deserviços étnicos e nacionais que também costumam ser convocados. Em quetermos os armênios e os azerbaijanos discutem sobre quem tem direito aomonte Karabakh, que, permitam-me lembrar-lhes, fica no Azerbaijão, mas éhabitado sobretudo por armênios? Considerando os argumentos relativos aosalbanianos do Cáucaso - um povo que já não existe, mas que, na Idade Média,habitou a região em disputa -, eram eles mais ou menos parecidos com osarmênios que lá se encontram hoje? Esse é, essencialmente, um problema depesquisa histórica; no caso, de intermináveis debates históricos especulativos.(Retiro esse exemplo de Nora Dudwick, da Universidade da Pensilvânia.) Infe--lizmente, a históriaque C)S nacionalistas querem não é a história que os histo-riadores profissionais, até mesmo os que estão ideologicamente comprometi-dos, têm que fornecer, ,E.l<lé.uma mitologia retrospectiya. Deixem-me repetirmais uma vez as palavras de Ernest Re~~n em sua famosa conferência intitulada"Ç) que é uma nação?", deJ88.2: "O esquecimento da história, oumesmo o e~~ohistórico [l'erreur híSfPrl';i~({_éJlm fator essencial na formação de uma nação,razão por que o avanço dos estudos históricos é sempre perigoso para a n_aci~-

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Page 2: BALAKRISHNAN Um mapa da questão nacional 271-282

/'\272 UM MAPA DA QUESTÃO NAcrO:-JAL

\

nalidade". Portanto, o historiador que escreve sobreetnia.ou nacíonalismonãopode deixar de fazer uma intervenção política ouideologicamente explosiva.

Permitam-me começar por uma indagação semântica. Se existe hoje um cri-tério padronizado do que constitui uma nação com direito à autodetermina-ção, isto é, a estabelecer um Estado nacional territorial independente, ele éetnolingüístico, já que, sempre que possível, considera-se que a língua expressae simboliza a etnia. Mas, naturalmente, nem sempre ele é possível, pois a pes-quisa histórica demonstra, de modo conclusivo, que o tipo de língua escritapadronizada passível de ser usada para representar a etnia ou a nacionalidadeé uma construção histórica muito recente (predominantemente do século XIXou até posterior); muitas vezes ela sequer existe, como ocorre entre sérvios ecroatas. Mesmo nesses casos, porém, faz-se a distinção étnica, não importa oque ela signifique. Costumo passar minhas férias numa casa de campo no Paísde Gales, que, em termos administrativos c legais, é menos distinto da Ingla-terra do que é Connecticut do estado de Nova York. No entanto, embora nãose fale o galês há muito tempo em minha região e, a rigor, os nativos tenham atéesquecido a pronúncia galesa de nossos topônimos celtas, não passaria pelacabeça de meus vizinhos que o simples fato de eles morarem lá os torna galeses.Devo acrescentar, é claro, que o conceito de etnia está à disposição deles, de ummodo como não estaria para meus vizinhos se eu comprasse uma casa de cam-po em SuffoIk, a menos que eles fossem anti-semitas. Ali, eu seria igualmenteestrangeiro, mas eles teriam que se definir (no contraste comigo) como nativos,em oposição a forasteiros, ou em termos de uma classificação social. Prova-velmente, essa seria uma forma menos eficaz de fazer distinções coletivas doque a "etnia", mas a razão disso não me é nada clara,

Todos os movimentos separatistas da Europa baseiam-se na "etnia", lin-güística ou não, isto é, na suposição de que "nós" - os bascos, catalães, escoce-ses, croatas ou georgianos - somos um povo diferente dos espanhóis, ingleses,sérvios ou russos; portanto, não devemos viver com eles num mesmo Estado.Isso ainda não é o que acontece na maior parte da Ásia, da África e das Amé-ricas ao sul da fronteira canadense. Voltarei a esse ponto mais tarde.

I Sendo assim, por que precisamos de duas palavras para nos ajudar a dis-

(

.tinguir o nacionalismo e a etnia, quando hoje os dois se acham tão intimamenteidentific,ad~s? Porque estamos lidando com conceitos diferentes e, a rigor, nãocornparavets.

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t

\ Q"nB.,cjQtlf!lismoé um proietQJ1~o e, em termos históricos, bastante recente.Ele afirma que os grupos definidos como "nações" têm o direito de formar edevem formar Estados territoriais do tipo que se tornou padrão desde a Re-volução Francesa. Sem esse projeto, realizado ou não, "nacionalismo" é umapalavra vazia. Na prática, o projeto geralmente significa exercer o controle so-

'.,.'\. I

n a r c J. HOBSBAWM

/\",273

berano sobre ~itm:iall~~Q!!!Lnua_quan1º-129..§gyel, ..mm fronteiras\claramente..definidau habita<tt_'p-QLuma_P9.Qul'!S..~12Jl_Q.ro9gênea•...ql!e compõe$eu corpo.essencial.de.cidadães, Ou, antes, de acordo com M~zÚ.ni,ele inclui a - .totalidade dessa população: "A<;ª(;ta__[Iªçii,9_\llIL~tadQ~llenas_um..E:>tado para },ª-I)_~ç~~.ill.!~~ra".P~Il~LO_.ºgs.Ses..Estados~-uma..única.língua, a.da.J'naçãc'Lde.q uej" t

s!:J!,!!ª.,._~..doll1inan.t4Qu..melhor,-goza-da condição.ou,monop.ólio_o.6.çií!1.px.i- \'\vilegIª-9?..:Observo de passagem que, provavelmen.te, das cento. e setenta e p.ou- !cas entidades políticas do mundo, apenas cerca de uma dúzia se conformam à I

primeira metade do projeto mazziniano, se definirmos as nações em termos .~5?!il?KÜísticos. ------.----.---- .....-.-.-.---. --.

O l1ªçio_~<lFsmo- ou, para usarmos a expressão oitocentista mais lúci-)da, "Q,.]!i9~.ípio·da !:!~f~ªAe" - PL~~liJ}P-ºL~...e.<J.Úg!~~;::1_'!çl..'l-'assim !!c.Q!!!..o_ª.~I('!mºfr~.Ç.ta...E!.~~~~~.::.~:,~~~~::.5.?:m~;:9_!:9.9.:.Em si, ele naõ nos diz iInada sobre o que constitui essa nação, embora, gesãe o fim do século XIX - 11~ _.. _.. , ~.._._ --._.-,~-~_ ..- A__ i

l

Illi!§~mumente, não muito antes disso -, ela tenha sido cada vez mais de- I;

finida e.uwerroo~ et;';lingüísticos:=Tc;'davia, devo lem~rar~lhe~.Cjl!e~~__p.E~1E_c::iJ '"",ras versões do .E!:incípio ,da n?ÜQ.lliIli9-ª.9!,que descrevo em Nações e nacio-'.~nalismo desde 1780 como a "r$y'QhH:LQnªri2-.:.d\:.mgS.r.ªt.!fil.~:.~_iI ':1.i~~r.~r,_I~~.Q.' ! .~,~se funda!l1ento~~.da~q.u~.h(tj'ª-S.~~J,'l.2§jçQe,s. Nem a língua nem a etnial ri ~'-~são.essen~iais p~ra-.o nacio~alis~o revoluci.onário origin.al, d~ qual.os Estad,os!\.o Q

\!Umdos sao a principal versao amda sobrevivente. O n~.c]2.!!?ll~9..J!~!..s~s-; í'\

ni,iSiCOdo sécul~!.a o oposto da busca~~.ual d~!fm!!.c:l$.ftniçãode idw.i..~a-}' \

, i de lRu2al atravé~ 2!u,eparatismo. ~meiava ampliar a escala das..R~~~.des. h,:~anass()ciais, ..R~~iticase CUItura~s._:~._nificar...:. ~J<:R~...g1ir:.!~ '.~:~;~~._.r.~stri~.~irl'$. sef'arar Essa é uma das razões por que os movimentos nacionais de Iiber-]

~-ªQ::ÇiQ..Te~çe,,ir2M.gJ1.çl9_~_Qnsidera~a~tã~ ~o~~~~i;;tes _ª$-t~~~:ÜçÕesdo sé- i:,~~lsU(J~2.t,mto liberais quanto revolucionÚias-democráti~~s. Os n.~~i<?l)..alistas:i

\:' \anticoloniaiist~s'Ã~Ç~r~ªI.a_~_ ou, pelo me-n'o;-,subprdi~~r;m o "tribaÚs~',:)i..\\1 o :f.Qml!.Il'~}isEI..?'~ououtrasidentidades setoriais e regionais como sendo an.--l\

/ 1'\' tinª-<j~!lais e est~ndoa serviço dos famosos interesses imperialistas do "di".i-.)! dir p~ra gover..I1a.E:.Gandhi e Nehru, Mandela e Mugabe, ou, nesse sentido,

o falecido Zulfikhar Bhutto, que reclamava da ausência de um sentimento '/ i_.·de nacionalidade paquistanesa, não são ou foram nacionalistas no sentido deLandsbergis ou Tudjman. Estiveram exatamente no mesmo comprimentode onda de)~:1é\ssim,o_~~o.>...que disse, depois de_(t.Itáli~__serpoliticamente !l1p,.iftç-ªgª-i.:~F.iz<;m2~3J~~.Uª!c,agoratemosque fa~er.9-2)talianos", isto é, fazê-Ias ia partir dos habitantes da peninsulavqjjç .tinham. toda sorte de identida- "çlg!-,~';.~.~;~~~~.l?,~~,~.!9",~~~~í~,a.~ que eles não falavam e num Estado (;'que passara a existir por sobre suas cabeças. ~,~<?ry?~i.a..,!!?-9a-deprimordial \n~.:~!.~al1iQ.~% a~_Ü!}.cç)]:n-º,n1íºº.I1á na sul-africanidade do Congresso Na-j]cional Africano. l'

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·/4 UM MAPA DA QUlóSTÃO NACIONAL

c

A etnia, por outro lado, seja ela qual for, não é programática e muito menos~onstitui um conceito pJ?lj!kQ. Emcertas circunstâncias, E()Aeadquirir funçõespolíticas e, por consegu~Il:!~~~~~:~~_a~Qfi~4ila.projetos, inclusivenacionalistase separatistas. Há uma profusão de boas razões pelas ~ais o nacionalismo an-seia por uma identificação com a etnia, nem gue seja por ela fornecer o pedigree!lliitórico que, na.g@Pde mai9ri!1 dos casos, .f'!.~o_E2tent~mente à "nação".Pelo menos ela o faz nas regiões de antiga cultura escrita, como a Europa, ondeoS!!l~~m9_~.nQmes_Q.egrupos étnicos per~js!e.I1lp-orJQl1gºsp-ç;JÍo<:lQs,emborap_o.~sam_descreyerxealidades sociaismuito.díferentesemutáveis. A etnia, sejaqual for sua base, é um modo prontamente definível de expressar um senti-mento real de identidade grupal que liga os membros do "nós", pOLenfaliz_a!su~cliferençasem r~l-ª.Ç..ã-º-.L'-eles". .Q~9..l!..eele~Ac:;.fatoJi.rri em comum, além deI!~ç>=seFtw.:';ele~?!1.~Q..émuito claro, especial~,snte hoje em=~ voltarei a e~se

, P-º-1}!2~.Seiª ...C:º.m..QJ2!')_il.!1!2i~..J umill..9Aq~9~~~Q~hs.L,Q§.e§J2.ê.<;;osvazi6s dO,na-\ Q.º~. Assim, Sabino Arana inventa o nome de Euskadl para o país das

pessoas que deram a si mesmas (ou às quais foi atribuída) uma denominaçãocoletiva (bascos, gascões ou qualquer outra coisa), mas que não sentiram ne-cessidade do tipo de país, Estado ou nação que Arana tinha em mente.

r Em outras palavras, o nacionalismo combina com a teoria política; a etnia,\ com a sociologia ou a antropologia social. Ele pode assumir a forma de Estado! ou de qualquer outra organização política, ou deixar isso de lado. Quando s.e

tQrna político, não tem nenhuma afinidade especial coma.política etnicamenterotulada. Tudo de que precisa é qu.e...o.rótulopolítico....s.eja.qnaJfor, tenha llma

(apelo desmedidam.êlle intensop.ar.il_~!J,ll.hr.Q~U~ Um casoextremo e esquecido há muito tempo é o apelo do Partido Bolchevique, apai-xonadamente não étnico (durante o período revolucionário), aos habitantes doque se transformou na Letônia. O destaque de alguns nomes letões nos dias fi-nais do comunismo soviético é um lembrete da época em que ossaraQiJl~[Qs_~<:..tÔI!!2?foram Ea~_ Lêni11.g. ,que é a_Quar:.~<ljyíça para o Papa. Existe um co-ronel Alksnis do lado da linha dura, e Otto Latsis, do Kommunist e do Izvestia,do lado reformista.

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Se é assim, por que a mudança européia geral, que vai da política étnica para a\ política nacionalista? Essa mudança assume duas formas, que têm pouco ou

\ \ nada em comum, exceto a necessidade ou o desejo de controlar a política esta-..• tal: o separatismo nacional e a xenofobia nacional, isto é, ser contra os estran-

geiros através da criação de "nosso" Estado, ou ser contra eles excluindo-os de. "nosso" Estado já existente. Considero a segunda variedade mais difícil de expli-Lcar do que a primeira, para a qual existem hoje explicações específicas e gerais.r Mas, antes de eu tentar responder a essas perguntas, permitam-me lembrar

:r \ mais uma vez que há vastas áreas do globo e!E...5l~olílj9..ttn!,ç,'!d!g ..~

'ti

~;ERIC j. HOBSBAWM 275

~e"!,Q.ª.9..\l~_seja, não é nacionalista, ora porque a idéia de uma população etni-camente homogênea foi abandonada em algum momento do passado, ou nun- jca existiu - como nos §.gªsY?s Unidos -, 9E~2.9I.q]l!..º-~<Ü~!..Q..de...ç.ria~..f,.sta- , ~dos territoriais e etnolingüísticosseparados é irrelevante e inviável. Os EstadosUnidos são, mãísl.ima'v~z, um bom exe;;pT();"m~s-~~;";itu~çã~'também surge.~ria dos Estados descoloni~s..d.o..Ier.c.el[Q.My'nQg. Por mais acerbos \que sejam os conflitos interétnicos e dos guetos nos Estados Unidos,_o_S_~E!-)ratisrno. não.é-uma-opeãe-séria-e não- atende. a nenhum.objetivodos gtl.lP..Q~Jétnicos ou outros.

• J Volte~~~àq~~estão principal. A razão específica d.a.atual onda de sepa.ratism.o1.nacionalista na Europa é histórica. 05~1J:9.sdª.PTÜnejI:ª.G.1l,en:a..h:hmcjial_~sJii9----...".- '. ",- ~".'.' ._ .. "-

re.ç.,ainduQQJeos gue os ,Ç?m...e.ter!1El;,Os problemas explosivos de 1989-1991 fo- nj\

ram criados na Europa - e, sinto-me tentado a acrescentar, no Oriente Médio I- L.do colapso dos impérios multiétn. icos <1.0_.5.H.ahsbyrg. 0. s, o.to.m._.'W.. o._~._.~..5.~.9.J.e..m IJI1.917:1~1§_,e,pela natur~~~..!'~22.A~.p_a.~ ..Q.º_a'p§§-gg~!ra,110que giz res~ :~{to'áõS' Estados que os sucederam. A essência destes, como vocês hão de lem- i

br~~~~~ô;~.~Ts~iunoPJano~1fsó!liano ~e dividir a E~ro?~ em Es~ª-q.95.lmit9Iiªis t \

t!.nohI1gy~~ um projeto tão pengoso quanto inviável, a nao ser ao preço, .que mais tarde veio a ser pago, da expu!§.ª~ forçada em massa, da coerção e dogenocídio. Permitam-me acrescentar que a teoria leninista das iíã'Ç'õi;,-co;:;';-basena qual seconstruiu posteriormente a URSS(e a Iugoslávia), foi essencialmente--~-ª4IJ.1bora, na prática - pelo m~119.U1~ -, t~Ilha.§iQ.º2.11P1~!ll~n-tada.pelo.sístema.austro-marxista da nacional~~31_de..~.<?,p.9__e.sç~!b-_~jI1ªi.~!QY!l1que todo cidadão tem o direito de faze; aos d~~'esseisanos, ve?íh~'<deõ'nJe-vre? '/

Não quero documentar extensamente minha tese. Recordo apenas queconflito eslovaco com os tchecos ou o conflito croata com os sérvios ~.o ~d..giam exis.tiL.at~1918, ~E.do~sses povo~_fo~aI11.cQJQ.ÇilçlQSJN. in.tef!2!:Jlg.s~§.Xsj:adQ§. O nacionalismo báltico, que era a menor das preocupaçõespolíticas do czar e que mal existia antes de 1917, foi alimentado pela criação de: "pequenos Estados independentes como parte do cinturão de quarentena contraa "infecção" bolchevique. Inversamente, as questões nacionais que eram sériasou até explosivas antes de 1914 passaram para segundo plano: penso na famosa"questão da Macedônia", na Ucrãnia ou até na demanda pela restauração da.Polônia histórica. A Ucrânia (a não ser na parte anteriormente dominadapelosi\Habsburgos) e a Macedônia não deram nenhum sinal de que quisessem des-\ \ligar-se, até que a URSSe a Iugoslávia foram destruídas por outras mãos e elas \:constataram que tinham que tomar alguma medida em defesa própria. L

JV

. i~_~~.egui~t!Lnunca~.:n0 h.'?i,~?.,[<?j.tão.J..m...E..0rtant~Jejeitar a ~e"'::PLi-1 Jmordialista" da etIJ.Íl. Para uma platéia de antropólogos, espero poder presu- J ~mir que esta seja uma afirmação sem controvérsia. São os historiadores que ( .

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\

1-~~(, 1';).1 ,\1 A PA ll/\ l:!UE.:s'r). O :'~~\CI ON A L

precisam ser lembrados de como é fácil mudar as identidades étnicas, a exem-plo do ânimo nacionalista contrário à "assimilação", tão conhecido nos debatesjudaicos sobre o judaísmo. A Europa do início do século XX estava repletade homens e mulheres que, como indicam seus próprios sobrenomes, haviamoptado por ser alemães, húngaros, franceses ou finlandeses, e até hoje os nomesdo presidente Landsbergis e de vários eslovenos proeminentes ~~Kerem paisalemãe~_qy_~ºpta!ªJ:I:LP-oLQJlt!"aidentidade coletiva. Inversamente, um antro-pólogo alemão, Georg Elwert, lembra que o conceito do Volksdeutche, do...al~-!@Lé.tniço. que, p~la);;Qflstituição da_R~Rlͺ1.!c:"ª_Feder-ª.h.!emo "dj!ei~<2...9_~..r:.e-

_ torno" a sua pátri~d;Qmº,Jêmos judeus3,lsragLLlJill. cOllstnJ~:tQid~ológico.'\J Ãfgii~lsd'~~que retomaram, como, os menonitas do Leste Europeu, de modo

.:-< algum eram alemães de origem (a menos que contemos todos os falantes de lín-guas germânicas), mas flandrenses ou frísios. E os únicos povoadores europeusorientais da Alemanha que realmente se viam, entre outras coisas: como ale-JIl-ªgLÇJ11wmiudingiHsJic.0s - a ponto de organizarem escolas alemãs queensinavam a língua alemã padronizada - não desfrutam desse "direito de re-torno", ':..nãoser12ara Jdrael. Tratava-se dos juQ.~ll,s,_oIiell..tU~ºa_~class~s[iltaemédiª, C.l:lj~PIóPJi4escolhade sobrenomes - Deutscher, Ginsburg, Shapiro -

lifaz.ecoaorigens não esquecidas. Elwert chega a assinalar que existem aldeias

, da Transilvânia em que o ~~c)ªlemão (distinto dos dialetos teutônicos efetiva-mente falados) era conhecido, antes da época de Hitler, como "Juciendaitsch".

l::. Tais são os paradoxos da etnia primordial.Contudo, não há como negar que certas identidades "étnicas", que até on-

tem não tinham importância polítig ou sequer ~x:i~tencial (por exemplo, ser"lombardo", que hoje é o título das ligas xenófobas do norte da Itália), podemadquirir, da noite para o dia, uma influência autêntica corno i!~~igTli~~de iden-tidade grupal. Em meu livro Nações e nacionalismo desde 1780, sugeri que essasmudanças e trocas de identidade étnica a curto prazo constituem "a área dosestudos nacionais em que hoje se fazem mais urgentemente necessárias a re-flexão e a pesquisa". Sustento esta visão.

H,Lb,º_asr(lzõe~Rª-Iª que_a~t,~_~(seja qual for) s~ja.J)()}}_~iza~an[isI!l(),gernassoc:,i.~~a_desmultiétnicas, que assumem, caracteristicamente, a forma de umadiáspora de guetos, sobretudo urbanos, combinada com um nítido aumentodas chances de atrito entre os grupos étnicos. 1à. demoq~ci~.IDral pmAgzuma rná<ill.~?-~Y;:~~~~l?<a!~.51~~().s_g~uposminorit.ári9§Jut~r.!l __!:~c<iz!l?-~~!~_.P.2rjima p~ceLadQs_~r.:S!"çy,[S9.,s,.,Ç_e_ntrªi.s,_(!.e-s_de,4ue.apr.end.ªm...íLl~COJJ;lA..gtlJP..g-.-eelitejam suficientemente concentrados ~leitQJ-'Üs. Isso dá aos grupos~epa~~dos~~g~~t~s-~~;"g;'~d~-~anc~ p~t~";;i~: "Ão mesmo tempo, porrazões de política e de ideologia, e também da cambiante organização econô-

I mica, ~.m9~PMa...c;ksfazer a§ te.u§,õ~~interÜnif~S)_,l!rLbJJindo ni-\ c.h-9.~~ep~X(l19~"!:l_g~1!12~,~,,,9.~f~r,~q.W.l;,y--ªj:se-ilg()rJ,'!B2-0•.Agora, eles competem

/1/

\

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ERIC ), HOBSBAWM 277

não por recursos equiparáveis ("separados, mais iguais", dizia a expressão), mas '[pelos mesmos recursos, num mesmo mercado de trabalho, moradia, educação, iou noutros mercados. Nessa competição, ao menos para os desfavorecidos, a ipressão grupal por benefícios especiais (a "ação afirmativa") é a mais poderosa \arma disponível. Onde, por qualquer razão, a participação nas eleições é baixa, i /como nos Estados Unidos de hoje, ou onde o tradicional apoio em massa dimi- j -(,nui, como nos partidos Democrata norte-americano e Trabalhista britânico, os ! f>políticos prestam uma atenção ainda maior às minorias, das quais os grupos I r;

, étnicos são uma variedade. \:,,~os até ~udo-étnicos serem invent~<?s! \., . OC:=::._._. __ .. __~__ I

1 para fins políticos, como na tentativa de parte da esquerda britânica de classifi- !I car todos os imigrantes do Terceiro Mundo de "negros", a fim de lhes dar mais ií peso no Partido Trabalhista, no qual vota a maioria deles. Assim, os novos "se- \J tores negros" criados no partido incluem pessoas vindas de Bangladesh, Pa- j; quistão, índia e, como se pode presumir, China.í

---., rNo entanto, a politização étnica não_,Less,e,nC,",i[iIl!!e,n,tein, s,tr,_u,'~,~,ntal., O qU,e,v,e- )" Jmos hoje, em termos muito genéricos, ~_l!1TI-~511ºdai<:Jel]-1idade~o(;~~para'rc\a-i~_~n!ida~~~~upal. El~_~~2.~_~~e.~s~~ia..r!?:e.Ete.J?s>I~t!cº,--Basta pensarmos na / \,conhecida saudade das "raizes" que faz com que os filhos de judeus assimilados,secularizados e anglicizados redescubram um consolo nos ritos ancestrais esentimentalizem as lembranças do shtetl que, graças a Deus, jamais conhece-ram. Às vezes, quando esse recuo chama a si mesmo de político, ele o é apenaspor uma inovação semântica, como na expressão "o pessoal é o político". To-davia, ele tem inevitavelmente uma dimensão política. Mas, em que circuns-tâncias torna-se l2()liticarn~!l~e.~~p(lr(l!i~~a? :

MJroslav Hroch tentou responder a essa pergunta, no tocante à Europa Cen- '};tral-e Orie~tal ~~~temporânea, através de uma comparação C9m,(?..!!~!O,nll-~lismº-JL~üístico oito~.~?!~~~a'!~~J2.<:9~:!l:a~,~~çõ:s.Nos dois casos ele enfatiza 1que é muito mais fácil compreender as exigências da língua do que a teoria e as 'iD-.~tity.kÕes,gª,.d_mtO_S@~~~d~~ociedade constitucional, especialmente parar /pessoas a quem falta,m educação e exp,eriência políticas. Em termos mais cru-I Jciais, porém, e!.e.Jris,a.a_des.?:~~~~ãO ~oci~l: \ ~

Numa situação social em que o antigo regime estava em colapso, em que as 1-\velhas relaçõesse modificavam e na qual c~e~ciaa.}Ilsegu~ançag!'r:.al,os mern- I \bras do "grupo étnico não dominante" [em inglês no texto alemão original] Iviam a comunhão da língua e da cultura como a certeza úLtiI.Ig),Q,.Y-ªLQL~- i

quivocamente demonstráveL Hoje, à medida qu--;se-de~icula o sistema da \economia ~lanejada e,da seguridade social: mais uma vez ~ a situação é aná- 1

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Ioga - a lmgua funciona comoum substituto defatores integradoresnuma! SOCi~<!~9"_,e.,c."m,,'desIQt.egração. q~n9Qa~~-~ie-dade'·fricãssi:a ~açã~-;parece J, c~~~,_~,garantia_~tima.

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Ll ~ UM MAPA DA QUESTÃO NACIONAL

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A situação das sociedades ex-socialistas, e sobretudo da antiga União So-viética, é clara. Agora ~~,:_~~~erÍ3Y_~_.~rÇltiQa.Lda...0da cotidianad~.~..P.9.!:9_Tl..ê!:ÊD:t.J.~?!~__~~~.9..9~g~~.Y.~).2!~~,~ce~C?sfO!'~~Y.E9itax!)ente rene-gélc!..Q.~.9ueé o cidadão da União Sovié!!ç!? Em que ele ou ela podem acreditar?

Presumindo-se que o passado seja irresgatável, as posições evidentes em quese_recai são a etniCie a religião, isoladas ou em conjunto. E ~;:-~t.!1~~.tnm~fuL.mano nacionalismo separ2tista1.~las mesmas razões que os movim~n"t8~,de liber-~o coloni~riaram seus.~stados dentro das f~ontejras dos antigos impériosCQlpl),i!!~.S~.Q~teiLa.§_m~~mstew.. Só que o são ainda mais, já que a pró-'p;ia cQ!)stitukão soviética t'inli'~ido o l2..aísem subunidades territoriaist.S.9JjE~~' ind~ d::5!.:!::~~~,,~~t.ôn?lIl~~.ê!~•.~~.p'§'~}is.êJfede:ais Ele-nas. Supondo-se que a umão se desfizesse em pedaços, essas eram as linhas defut~ra conforme as quais ela naturalmente se romperia. É uma curiosa ironiada história que tenha sido Stalin quem deu à Lituânia sua capital '(no entre-guerras, ela ficava na Polônia), e Tito quem, para enfraquecer o chauvinismoda Grande Sérvia, Q.im!..llma Croácia.I!l,lli!Q..Ut.~.iQr,.fº-I!:\_~!2l~E2i.D,QIiasérvia

: também muito maior."--""'_-...""~,~,,,' Entretanto, não vamos inferir - ou não infiramos ainda - um naciona-

lismo de massa a partir dos movimentos separatistas em todos os casos. Atéaqui, a guerra civil iugoslava tem sido travada sobretudo por minorias ativis-tas, além dos profissionais. Será que já se tornou uma verdadeira guerra entrepovos? Não sabemos, mas há pelo menos 2,8 milhões de famílias iugoslavas -as que produziram os·I,A.mYtt~8,~~~~a!1}fNos,mj~s, quase todos servo-croatas - para as quais a escolha de uma identidade étnica exclusiva deve ser

_um assunto complexo.

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!'~ J N~.s.E~í_sesex-so~ialistas,ª p-olitica..é1rÜ~atem claras raízes.na ..des~

,,i. ~' ,esa mesma desorientação é encontradaSID_Q..lltrosLl.!E~res,po~ ra-I ' ~2.~s.Terá sido por acaso que o separatismo de Quebec tornou-se uma grande

força ao final de uma década em que a tax:a de natalidade de Quebec reduziu-sepraticamente à metade, ficando (pela primeira vez) bem abaixo da do Canadá!'As décadas decorridas desde 1950, os quarenta anos mais revolucionários dahistória da sociedade humana, deveriam nos levar a esperar uma desintegra-ção maciça dos antigos valores, um colapso das velhas certezas. A "nação" nãoé uma situação tão óbvia a que recorrer, por toda parte, quanto o é nas regiõesdo globo cujas fronteiras foram traçadas pelas linhas wilsoniano-leninistas de-pois de 1918, nem tampouco é uma religião tão antiga assim. Mas ela é umasituação desse tipo. Naturalmente, o efeito de demonstração da Europa Central

. e Oriental a estimula, sempre que as condições locais são favoráveis.\ r Na Europa, entretanto, fora da antiga zona soviética, o separatismo é ex-}- \ cepcional. ~_~e.~of<?~!~~~C?f!.~..%~~_~ªt~<t_cll!,!.a_cismo é ~~~ll~üversal.

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ERIC J. HOBSllAWM 279

E levanta um problema que não sei solucionar. Que é, exatamente, que se de-fende contra "os outros", identificados com os imigrantes estrangeiros? Quemconstitui o "nós" é uma questão menos problemática, pois a definição costumaser feita em termos dos Estados ex:istentes. "Nós" somos franceses, ou suecos,ou alemães, ou até membros de subunidades politicamente definidas, como oslornbardos, mas distintos dos "eles" invasores, por sermos os "verdadeiros"franceses, alemães ou britânicos, como (usualmente) definidos pela supostadescendência ou pela residência de longa data. Quem são os "eles" também nãoé difícil. "Eles" são reconhecíveis como "não nós", em geral pela cor oupQ.T

fIW#"! .. , ••.• - •••. _ • ..,._-...-.. .• _.~~J_.~--O!ltros estigma~fisic.os)o.u peJa)í!lg!,!i},•.Quando esses sinais não são evidentes,podem-se fazer discriminações mais sutis: quando se recusam a entender osanglófonos que falam com sotaque canadense, os naturais de Quebec respon-dem aos anglófonos que falam com entonação britânica ou norte-americana,assim como os flandrenses que afirmam não entender o francês falado comsotaque belga compreendem o francês da França. Não sei exatamente até queponto, sem essas marcas ,yisív.eis.oU,ªudív~.....de-estranheza,:'eJes" seriam re-conhecidos por difer~ças C1}ltuuÜs,embora, nas reações racistas, se dê grandeimportância a essas coisas: como os bons franceses são insultados pelos odores i

da cozinha norte-africana, ou como os bons ingleses o são pelo cheiro de curry ~'que emana de seus vizinhos! Na verdade, como sugere a expansão global dos :re~taurant:s indianos ~ chineses~ a xenofo~ia se volta. contra as pessoas estran- J lgelras, e nao contra as importações culturais estrangeiras,

Seria tentador dizer: o que se está defendendo contra os estrangeiros são osempregos. Há alguma verdade nessa proposição. A grande base social dos mo-vimentos racistas europeus, como a Frente Nacional Francesa, parece estar naclasse trabalhadora nativa, os principais ativistas desses movimentos parecemser jovens da classe trabalhadora - skinheads e similares. Uma longa era deemprego pleno ou praticamente garantido chegou ao fim, na década de 1970 naEuropa Ocidental, e no fim da década de 1980 na Europa Central e Oriental.Desde então, a Europa tem vivido novamente ~~~_çjf.Qª-dc:;~.~desemp.Iegoem massa e insegurança no trabalho. Além disso, como já observei, os meca- ,nismos sociais qu~~t;ib~i'~'ffiicãd ....'a grupoo.m·ch.os difeL~tes..e.nãQC.omptliti~s \~. ,vêm-se desgastando" ou são politicamente inaceitáveis. A ascensão relativa- '~ente súbita depa~tid~s xenóf~bos,~'{; d~'q~~;ão da xenofobia na política, ;'deve-se predominantemente a isso. -

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Não obstante, está claro que essa é apenas parte da resposta. O que se estádefendendo não é simplesmente a posição de indivíduos do grupo A contra aameaça de forasteiros. Se assim fosse, não encontraríamos a inquietação ge-nuína a respeito da entrada de estrangeiros (ou de influências externas) quenão podem, em nenhum sentido realista, ameaçar os membros do grupo como

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280 UM MAPA DA QUF.STi\O NACIONAL

indivíduos, como é o caso da insistência, por parte de certos grLlpOSde cidadãosnorte-americanos, em que ° inglês - justamente essa língua! - tem que serprotegido das línguas imigrantes, através da concessão do monopólio oficial dautilização pública. Em certo sentido, o que se defende é a idéia do "nós" comoum corpo de pessoas unidas por um número incontável de coisas que "temos"em comum - um "estilo de vida", no sentido mais amplo, t:~território~om.l:Im de existência em que viv~Q~ cuja pai~ag~.f!l_.!l'?§~J~miliar e reco-nhecível. É a existência disso que fica ameaça da com a entrada do que vem defora~Praticamente qualquer um dos itens da lista daquilo que dizem que "nós",os ingleses, franceses, alemães ou tchecos, temos em comum pode ser adquiridopelos imigrantes que queiram fazê-Ia, ~xceto a aparência física, qyando ela di-fere mui!o_ªcentuadamente ~!!º.r!T1aA~J~22.!!!,!~.rec~ptora. (Essa é uma dasçoisas que torna.!!!.-2.racj~mº-1ªº_..4.ifíçiLº.~ erradicar.) Além disso; alguns dospaíses em que a xenofobia tem sido muito poderosamente mobilizada em ter-mos políticos também são, como a França, países que, no passado, receberam,incentivaram e assimilaram com sucesso a imigração em massa de italianos,espanhóis, poloneses e até norte-africanos, numa medida quase equiparável àdos Estados Unidos. Alguns países muito versados no perigo alienígena têm, naverdade, pouquíssima imigração. Aliás, fazem o possível para não ter nenhuma.É o caso dos países escandinavos - penso na Finlândia e na Islândia, em par-ticular -, embora a ideologia liberal dominante nessas regiões torne emba-raçoso admitir essa forma de intolerância. A Finlândia torna praticamenteimpossível a imigração permanente, mas, até o colapso da União Soviética, di-ficilmente se poderia descrever esse tipo de imigração, nesse caso, como umperigo claro e atual. Ao contrário, a Finlândia é, como tem sido há muito tem-po, y....ffi.Qaísprodutor de emigrantes em massa.

'\;) Não estou negando que podem existir sociedades com um conjunto especí-Q fico de~9.i~0,s_~_~?1ilºHI~_.Ylº-ª que podem ser destruídos ou transformados,

/ entre outras coisas, pela imigração excessiva. Do ponto de vista afetivo, a maio-ria de nós é capaz de entender os sentimentos do vilarejo dos Pireneus que re-solveu fechar seu bebedouro público, para que nem mesmo os ciclistas sedentosque percorriam a região como turistas tivessem incentivo algum para passarpor ele. Mesmo para aqueles dentre nós que têm uma opinião diferente, seriafalso fingir que não sabemos o que levou um tradicionalista britânico inteligen-te como Enoch Powell a clamar por uma suspensão da imigração em massa uns25 anos atrás, e que fez com que os governos britânicos de ambos os partidosseguissem seu exemplo. Mais ainda, todos nós empregamos os mesmos crité-rios quando se trata de salvar nossos ambientes favoritos, humanos ou nãohumanos, de "serem destruídos" por um excesso de gente ou pelo tipo erradode pessoas. A questão não é se alguns lugares, ou mesmo algumas regiões e paí-ses, devem ou a~n.?~mp..?~_:.~~~:",~~~~egidos,de modo que seu antigo caráter

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coletivo seja preservado da mudança, mas sim se é isso que a moderna xeno- .fobia política está realmente tentando fazer.

Hoje, na verdade, o medo do estrangeiro raramente é uma defesa tra.4i- jcionalista de antigos estilos de vida contra o vír~ Es;;[;~;~~de xeno-_fóbrá~lt'~r;U foi0?El~.JIl_·::iiãdécada ckJ..250, sobretudo em suas versões an- ttiarnericanas, mas essa batalha foi esquecida há muito tempo. Culturalmente, \.as gangues mais militantes, que surram os imigrantes em nome da nação, per-tencem à cultura juvf;!]lilinternaciQnal e refletem...seu.~.stilo-'e...sua.JIJ..Oda- osjeans, o rock punk, a comida de lanchonetes e todo o resto. Aliás, para a maioriados habitantes dos países em que a xenofobia é hoje epidêmica, os antigos es-tilos de vida mudaram tão drasticamente desde a década de 1950, que resta imuito pouco deles para defender. É preciso alguém que tenha vivido os últimos \quarenta anos como adulto para avaliar quão extraordinariamente a Inglaterra, \até mesmo da década de 1970, diferia da de 1940, e o quanto a França, a Itália ;ou a Espanha da década de 1980 diferiam desses mesmos países em 1950. j

Essa me parece ser a pista. Esse é o ponto de contato com o separatismo, ou)com a corrida para o fundamentalismo (como vemos, por exemplo, na Amé-lrica Latina). TO~9Y..~~0_~~tomascgJ.l:l12r_e.~~~i~~~_4~_~~QLj.entaçãosOfiaj"dº (1(;'

esgarçamento e,~ ..Y~.?~,_~tura dos fios do que costumava ser a rede que\,ligava as pessoas na sociedade. ~1Q!:[email protected]º-tÚ.iL~_0.medo d~ desconh$.- .tlQ.o, çLaurevas em que podemos cairquandodesapajecernos marcos que pa-.. ,rece.mpropor~;~~~.!. ~!T1ad~limitação objetiva, permanente e•.1291itiY,5Ld.e_llos1.&.l,,1:~i.' ..12crtencimento a u.ma cOf21~idadt;,. Pertencer, de preferência, a grupos com fI iinsígnias visíveis de seus membros e marcas de reconhecimento é mais im- (l' ~Pc;rtante do que nunca em sociedades em que tudo se combina para destruir 'aquilo que l~g~.g~sereshum~I}.9s.~J:!l~c.~!!.1.~!::2~~des.Um recente documentário, .t:-Paris está em chamas, mostra uma população CIôSindivíduos mais m~gin.aliza- j \dos, excluíA()~e anômicos que se possa imaginar: a~q!EKqueen..~ negras de NovaYork. Nada é mais (o·mo·vente e triste do que ver como essas pess""õãs=eiélííi- 1\das e desprezadas por todos, inclusive seus parentes, vivendo em e para suas 1\

"festas" costumeiras, nas ~~ais compet~m pejos trajes com que ~epresentam, ;/por um momento, os papels que gostanam de desempenhar na Vida real, mas Vsabem que não podem - reconstroem seus grupos humanos. Nessas chamadas },"famílias", cada qual com um sobrenome inventado, cada qual com uma "mãe" l'mais experiente que assume a responsabilidade pelo resto do grupo, os indi- \víduos conseguem sentir que não estão inteiramente fracos e sozinhos. --

Mas, para aqueles que já não podem confiar em pertencer a nada mais, hápelo menos uma outra comunidade imaginada da qual se pode fazer parte; umacomunidade que é permanente, indestrutível, e da qual é certo ser membro.Mais uma vez, "a nação", ou o g.t:.lli?0étnico, "aparece como a garantia últi-ma" quando a sociedade fracassa. Nã~-~~t~-;' que fazer nada para pertencer a---_ ....~--_ ..... _ .......•.. -'-'-"-"--~-..~._-.••....•..•-~.,..--.."';-•.

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21>2 UM MAPA DA QUESTÃO NACIONAL

ela. Não se pode ser expulso. Nasce-se e se permanece nela. Como diz Euge-ne Roosens em Creating Ethnicity, livro que, ao lado de Ethnic Groups, de Fre-derik Barth, considerei particularmente útil: "Afinal, ninguém pode modificar

', 'o passado' do qual descende, e ninguém pode deixar de ser quem é".2 (Bem,\J é claro que se pode mudar ou, pelo menos, inventar um passado - mas eles

.K.. não sabem disso.) Como os homens e mulheres sabem. que pertencem a essa(I i comunidade? ~.~y.~der~~ de~~~~.C?~.?.~t~osq~enão per.te~~m, que não~e-i \ vem pertencer, quejª-mªis pod~.r}iQ_perten..lli. .Ell}dºutr~~..p'ªla.y!:as,.peJªX~l1:o-

\ fobia. Como vivemos numa era em que todas a~~.!lt~~s.relações e valores hu-. \ ~s estão em crise, ou, pelo menos, em algum ponto de uma viagem para

! destinos desconhecidos e incertos, axenofobia parece estar-se tornando a ideo-/logia de massa deste fin de siede. Q....qu~ºk_l!!1~ hum~!!...~~.~u:tegªçãQ.~oi que a espécie humanª.l.@ em c01l!.1l!!!:

Onde isso deixa os senhores, antropólogos, cujo próprio nome ós compro-mete com um certo universalismo conceitual? E a nós, historiadores, a quemnão apenas andam dizendo que somente os negros, ou brancos, ou bascos, oucroatas podem compreender adequadamente a história desses respectivos gru-pos, mas a quem também têm dito que inventemos o tipo de história queeles querem "compreender"? Pelo menos, isso nos deixa - tem que deixar-a liberdade de sermos céticos. Nada de bom advirá disso, mas não vai durarpara sempre.

NOTAS

I. Gerald Bernier, Robert Boily et al., Le Ouébec en chiffres de /850 ~ nos jours, Montreal, 1986,p.28.

"i. Eugene Roosens, Creating Ethnicity, Newbury Park, 1989, p. 16.

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