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"Babau Adeus Pessoal! Apois Fun!" de Ernesto de Albuquerque

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PEQUENOS BURGUESES8BAUBAU ADEUS PESSOAL! APOIS FUN ! ERNESTO DE ALBUQUERQUEApresentaoO Concurso Nacional de Textos para Teatro de Bonecos teve a sua comisso julgadora composta por Euclides Coelho de Souza, diretor teatral; Fernando Augusto Gonalves, autor e diretor teatral; Maria Luiza Lacerda, atriz e diretora teatral e Humberto Braga, assessor do INACEN, sendo a comisso presidida pelo diretor do antigo SNT, atual INACEN. Os textos premiados de Joo Siqueira, Antonio Leal, Luiz Carlos Saroldi (respectivamente 1., 2. e 3. lugares), Ernesto de Albuquerque e Jos Maria Rodrigues (prmios de publicao), vm comprovar a vitalidade e a diversificao do gnero em nosso pas, fato que a presente publicao vem divulgar em ampla escala para o pblico, revelando as riquezas no suficientemente conhecidas dessa forma de criao cnica.Orlando Miranda de CarvalhoAUTO DO DOUTOR BABAUPSEUDNIMO:PROFESSOR TIRIDPERSONAGENS:DOUTOR BABAUMULHERMOOMOAHOMEMMARIONETEZEZINHO (Mamulengo.)MARIANA (Mamulengo.)MESTRE DOS MSICOSPRIMEIRO AJUDANTESEGUNDO AJUDANTETERCEIRO AJUDANTEBOTA PARA DIANTE:Agora mesmoEstou com a vida como quero:Cabroeira e lero-leroDa outra banda de l.Eu tou no tomboNa bandeira eu tiro um bicho,Eu carrego este capricho:Pra deixar de duvidar.J fiz um anoSeguindo por essa linha,Meu pensamento adivinha,Com moda de se assombrar.Corre depressaEsta oferta de bandeira,Ns precisamos de beira, pra gente se enterrar.Eu tenho medoCorao vuco-vuco cata-vento,Abra a porta que eu vou dentro,Esse diabo onde que est?(Abertura de embolada.)(Entra a Bandeira do Doutor Babau, que vem escondido dentro da barraca dos B.)(Atores e msicos trazem uma tolda de pano pelo corredor da platia. Diferentes partidos compem o grupo. Os atores homem, mulher, moo e moa permanecem quase que alheios ou indiferentes Bandeira; enquanto os msicos, sob a autoridade do Mestre, afetuosamente seguem o trajeto at o palco.)TERCEIRO AJUDANTE i, Mestre, dispare! Que o pblico seleto. Aqui s tem professor, charlato, analfabeto! Gente de cu, olhos, bucho, de peito aberto...MESTRE E corao desgovernado!SEGUNDO AJUDANTE Que ns chegamos na madrugadados metais, pandeiros, violas e rabecas! Do ponto da embolada, baiano, enfieira, gemido, coco, martelo, repente, desafio, pancada...MESTRE ...Do ganz pernambucano, lundu!Que msica faca de dois gumes.E dos aboios fazemos lumes!PRIMEIRO AJUDANTE Como primeiro ajudantede caixa, pfano e clarim, cobrindo a retaguarda, assim, com solfas e colcheia galante! Espiritual, defumado, andante.Sete anis, um brinco de rubi dependuradooito negras gozando na rua do p-quebrado pelo baque do apito! Mariposo em obra de dcima espalhada arreganhado na sombra do tronco de junco arrancado!MESTRE Assim a vida por ns se trama:lrica, mgica, cabotina!Como salgum cantasse: Eu tive um sonho!ou um braso de fogo na memria de quem ama!(Cumprido o rumo, a Bandeira chega ao palco. Os msicos vo arrumar a tolda para o marionete e os mamulengos: Zezinho e Mariana. Os atores se apartam. Vaivns. Cada um se serve de recursos prprios a sua caracterizao, atuando com o fim de determinar-se na estria.)DOUTOR BABAU (Canta saindo por detrs da tolda.) a culpa que me condenaQuando por tantas causas errada:Os dias j no so nadaNessa Embaixada do destino!Cuido, ento, de botar da paixo o meu mandoE da Bandeira: o desacerto do meu caminho! de Deus minha coroa de espinho!...Eu pelo querer de quem erra,Com o sentimento do medo que me desterra vou virando mundo, e no estou sozinho!Pois seu amor, por meu amor,!...Mais cega que brasas e chamas:O fogo de tu que me amasCom tua dor!(A mulher cresce no palco, impondo um tipo que se transformar com relao s diferentes cenas do texto. Desequilbrio.)MULHER (Canta. Clarinete e cordas.)Laplo, rataplo, sinh Capito!...Eis-me aqui com o cambo das vacas sagradas!Por que h um mistrio para cada solido?Conta bem, conta bem bo-ba-la-lo!Caipora de pendo pode sonhar de ho, ho, ho,E deitar-se sombra mgica da Bandeira do Divino?Deus te salve, laranjeira,Venho te pedir uma folha! de rin-fon-fon, de rin-fon-fon!DOUTOR BABAU Que vira e mexe tem voc?Confia pra mim!Talvez alguma coisa fez dor a ti.MULHER No tenho nada, no!...Malvada eu sou assim!Genipapo de muleta:quem no pode no se meta!DOUTOR BABAU O que tem de ser tem muita fora, tolina!MULHER Trouxe jeito-de-enjeitadae prefiro estar calada...Eu piso voc! Rapadura coisa dura!Ah, estou queimada da periquita! No venha no!...DOUTOR BABAU ...So estrelas que voe no voltam nunca mais!MULHER (Iniciando um jogo dramtico.) Na boca do forno.DOUTOR BABAU Bento, que bento?MULHER Cabra-cega-corao!DOUTOR BABAU Bolo!MULHER (Pra travando a fala.)Nada entendo, tantangu,sai-te daqui, vai-te esconder!(Batidas de bombo e ganz. Luz sobre o boi-estrela-de-rabo que chega como retardatrio da Bandeira. Suas mesuras indicam uma estrela de seis pontas colocada nos chifres que passa, ou cai. O Doutor Babau vai botar o marionete na tolda.)MULHER Ei-la que chega, assim, depois do vento que dispersou as solides pelo mundo! Hs de vir, pois, outras horas, beijar-me do cu rapidamente, depois partir.(O moo e a moa diante da cintilante viso.)MOO Veja! uma estrela que cai!MOA Quer casar comigo? So trs pedidos!MOO Pelo teu brilho me restituis o que eu tinha de mais estima no mundo. Com teu pranto cado sobre o caminho das minhas mos. E por causa da ao de sua sonolncia e sentido.MOA Pois o destino sempre uma estrela chegada!...MOO Abrace-me! Moa, os meus votos e a minha embaixada!(Luz sobre o marionete, debaixo da sombra do manipulador.)MARIONETE ia, anel onomstico da Me derradeira! l-l-l, seu fosse como tu estrela da minha vida! lal! Marcava esse pitu, pituque comea e no acaba, lelu! Vira-no-vira guabiraba lelu!... E seu fosse como tu que-bole-bole, com certeza, camarada, Eu vinha vindo mais!(Jogo de sombras: o marionete perde os movimentos e o Doutor Babau recolhe-o, ajeitando-lhe magicamente os fios. Pra a dana do boi. O primeiro ajudante canta, enquanto o homem se bate para armar Balula. Oportunamente indicaremos a mecnica desse boneco.)PRIMEIRO AJUDANTE (Aproveitando o mote do marionete.)Calunga, como vai voc?Vim do Maranho p ara te ver!Voc passou conforme? Seu fosse como tu,Que sabe escrever:Parapap, parapap!Refletir feito erudito:Toro-no-toro?! Bonito!Diz que-bole-bole-bole!Calunga, falar flego, se tu quiserEu at te ensino a assoletrar:Si-e-si-se-o-co-re-a-rOu amor, ai, ai!Calunga, olha meu rabo,Segura nele, seno tu cai!Mas como est voc?Vim do Maranho p ra te ver!Voc passou conforme? Seu fosse como tu...Ah!... Viva-eu-viva-o-rabo-do-tatu! ( Volta para seu lugar.)O homem se por um tom para a voz do boneco, e sempre emite grunhidos. Falta-lhe calma.) HOMEM (Levando o boneco.)Tu no s um ser que tem caminho, Ou movimento sobre a terra. Nem mesmo o da mar!...Oh de casa! Oh de casa!Quem !...frieira v para teu p! (Sai. O Doutor Babau bota na tolda um casal de mamulengo. a brevssima estria dAmor de Zezinho e Maria. Assim, conclui a jornada da Bandeira.)ZEZINHO (Brinca com o pblico, depois:)Eu no sou daqui, sou de fora!Pinto um Simo poeta, vou-me embora!As moas aqui so de amor primeiro! Vou vender remdio no Rio de Janeiro!ZEZINHO Mulata, bem que eu havia falado pra tu me esperar!Eh, eh, eh, ah! S no vou amanh, se na bolia do caminho no couber... S se Deus no quiser!MARIANA Por mim no, borboleta,voc pode voar!ZEZINHO Adeus, brincantes e folheteiros, adeus Mercado So Jos! Adeus mulheres da praa, propaganda carismtica, jogo e cabar!MARIANA Zezinho, ruim seguir sozinho!A gente, de par, encurta mais o caminho!Vem c, bicho feio!ZEZINHO Eu tenho de ir, Mariana, adeus!MARIANA Tu no vai me esquecer...pelo amor de Deus!ZEZINHO Um beijo bem na pitomba do olho!MARIANA Cada um tira o seu,vai s embora!ZEZINHO Adeus Mariana!MARIANA Adeus, Zezinho! Voltars-no-voltars?! Quebra amanh depois j no quebra!...A voc talvez me venha, e: Est prenha, Mariana? Diabo!Estou! Do boi-estrela-de-rabo!(Toda luz. Os msicos esto em primeiro plano. O Doutor Babau encerra a brincadeira com os mamulengos. A Bandeira apronta-se para ir embora.)SEGUNDO AJUDANTE L La l la li la lo!L la l la li la lo!Jfui,j vim eu s,L no caminho da saudade de voc!Com estrias de bem querer!L la l la li la lo!L la l la li la lo!MESTRE Que tom de ouvido bem tirado:Rebenta tramela do cu mais trancado!TERCEIRO AJUDANTE Ai, menina, flor do jenipapeiro!Lhe deixo o lengo, eh,Cheiro das gaiolas do Solimes!L la l li la lo! Toma-l!Teu amor j foi emboraE vos darei avels!MESTRE A roda do mundogira-girando pra voltar,Menina! L fora vai ajuntar-se tudoE prometo em ti cuidar!Quem quebranto te pois,Eu tiro com um, com dois,Com trs hei de tirar!A urucubaca danada,Ento, vens comigo, sarada!L la l la li la lo!L la l la li la lo!DOUTOR BABAU (Lembrando a estrela do boi.) Pelo sinal, madrinha, quando vieres doutra vez da abboda celeste, do teu ninho de arapirangas rainhas, traze-me bzios, razes e um rabo de sal:qu pressa gente piau-piau... lavada em nove guas! Todavia,guarda-me esta noitee amanh por todo dia!(Sai puxando o cortejo).JANEIRO VAI, JANEIRO VEM.PERSONAGENS:DOUTOR BABAUMOOMOAMULHERHOMEMMARIA (Boneca de vara.)QUITRIA (Boneca de vara.)PRESSGIOS LDICOSQue torre esta? de So Bento.Que est na varanda? Uma fita cor de ganga.Que est na rua? Uma espada nua.Que tem plantado de bo? manjerico.Com que se abre esta torre? No se abre no.(Brinquedo infantil.)Gente! cad Varisto?Foi pra roa. Gente, fazer na roa? Plantar mandioca. Gente, pra que mandioca? Pra farinha. Gente, pra que farinha? Pra dinheiro. Gente, pra que dinheiro? Pra feitio. Gente, no mundo h disto. (Jogo do Varisto.)PREGO DE LADAINHAS:Senhora dona da casa,Me d gua de beber:No sede, no nada, vontade de lhe ver...(Muleta popular.)De amor a gente no muda,De ano em ano, ms em ms!Amor que nem bexiga:S d na gente uma vez...(Quadra popular.)O trem de ferro,Quando vai pra Pernambuco,Vai fazendo vuco-vuco,Vai danado pra chegar...(Fragmento de embolada.)Quando te fores emboraMe escrevas do caminho;Se no tiveres papel,Nas asas de um passarinho!(Quadra solta.)(Entram o moo e a moa, danando uma Carambola executada pelos msicos.)(Durante todo o transcorrer desta jornada, uma sobre as outras as aes determinam-se em formao encadeada. Expressas, porm, por diferentes tonalidades melodiosas e intensidade alm da cor de iluminao. Os fenmenos mgicos do teatro se associam ou pelo menos, aproximam-se na reproduo das sensaes dos personagens atravs do ritmo.)MOO Descubra l seu rostoque lhe quero ver os lbios da boca, torta como anis de cu depostos; toc-los, beij-los!(Tempo para funo harmnica.)Manuel Incio mandou dizer como era mesmo que ele era? preu me esconder debaixo da vida do mundo:essa flor boa de pinho-manso, chocalhoso, do mais fecundo capim-de-planta, dgua de remanso.MOA Vem c moo, vem c!Vem me botar numa casa, calunga.Casa de beira praia, calunga.Hei de querer!... Pro marJoo-Mole beijar nossos ps, calunga.Que eu no sei o que que h!...Vem c, vem c, vem c!Semente damor pega pelos olhos...E Maria Pires uma flor-de-sabugo,por Bastio-Manco azeitar!...(Aqui, varivel complexa: definio e limite de comportamento de domnio.)MOO Essa paixo sem comeonem fim, duma vontade de calundu que lhe deu, assim, feito comicho...Arrocha, arrocha,cariri!Bota as mos nas cadeiras,(Segurando-a com os braos.)Deixa a!MOA L vem!! Depois larga-me, ai, ai, traaia das compadecidas, ai, ai!MOO Moa, cara de quinaquina, sustenta o cordo da saia.(Beija-a e tenta cobri-la, mas afastado carinhosamente.)Quero criar nada no, menina!O bonito e eu gosto muito mudar.Toda saudade um abusadosafado de senilidade.(Delirante.)Vou-me embora, vou-me embora!...Que a vida perpassou no tufo do velho sonho, ai, ai!A histria brincabrincada do mundo eu agora vou lesar, ai, ai! Vou-me embora, troque o par, queu no vim para ficar, ai, ai! Mocinha no chore no, mocinha no v chorar!...(Embaixada quimrica do Doutor Babau: entra em cortejo com os msicos que no estivessem em cena de mscaras, num aparato magnifcio de espelhos, flmulas, bonecos de vara, uma arca, etc. Entram tambm cada um por si o homem e a mulher. Danam.) MULHER (Cantando.)O fogo desbarrou as vassourinhas-de-boto,mundos e bundas! Bicho-careta voltou assimsem ofcio nem benefcio nhenhenhm!O par deu que fique gordo pra mim!Um pot mijou meu corao e veja l se di, ou no? HOMEM (Mesmo canto.) Um fato de cama abandonado isso mesmo que coso, com choro-de-pau desavisado. Fui na fonte das pedrinhas, topei gua de sobejo:bem-te-vi vexado, vexado! me disse do po damor e do beijo!(Oferecimento dos dois (H. M.)Mouro, mouro, toma-l teu olho podre, desencausa o meu so! Desencausa o meu so!...MOA (Findando o brinquedo dos atores passando a glosa Embaixada do Doutor Babau.)Moo, to bonito, vs?Uniu-se a terra dos espelhos ao p-do-cu!Casa comigo, sim? Trssextas-feiras seguidas dou-lhe ch de fgado de tetu!...DOUTOR BABAU Moa bonita dos peitos duros, meu bem querer do safado sem fim pode encostar que no fao nada com voc.Eu quero que tu diga alguma coisa pra mim!Bobou? Pois ento?! Comigo voc no trinca!nem anda de cocorote, coragem que no se abala, no presta teimosa que s cururu de p-de-pote!MOA Quando s est infeliz,cai-se de costa e quebra-se o nariz!...DOUTOR BABAU Para no perder-se a semente, s se cavacando uma de barro:pro mal desse enteno ir adiante, com os trs que lhe esbarra! (D-lhe Quitria, boneca de vara.)DOUTOR BABAU Bom dia, mulher!MULHER Cada um trate de si!Ontem deu-me Antnio pegureiro uma meizinha de erva-pi-pi.DOUTOR BABAU Voc, como est?MULHER Se quiser falar comigo, pea licena primeiroQueu desdenho quebranto, urucubaca. Quem me rogou foi a Maria imunda; botou co olho e eu tiro pela bunda!DOUTOR BABAU Porque tiveste medo!MULHERNo. E at de abusar!... No judia de mim no! DOUTOR BABAU (Sopra nos olhos da mulher e ela fecha-os comprovao de medo.)Teve, sim!Mas o tempo sara desaviso, carnio; tudo, tim-tim:cavalo-do-co leve-me-leve se no for assim!HOMEM (Equilibrando uma pedra na cabea.) Esmola para um mijo!Tudo-mingua-no-minguantee na bacia da lua tomo um banho-de-assento de aafro!Pois quando o sapo canta: Me da gua Doce, vira sapa-do-mar!Cururu de cobreiro tem frio ali na ponta da beira do rio!DOUTOR BABAU Deus e o Diabo primeiro viviam juntos.Puseram nome em tudo. Os do danadoeu perdi a carreira no quero que depois venham atrs de mim!Ests, pois, no caminho errado.Cuida do mundo como os bois!HOMEM Vamos trocar os nossos membros, velho?!...DOUTOR BABAU Sacode a rede que peixe tem! (Canta.)Que at p ra isso inventei o Aparelho de Grafologia Mental, dum alfarrbio francs!E pela segunda Guerra Mundial fiz demanda num sapo, bem pintadinho de amarelo, verde e azul-turqus iludido numa gaiola de passarinho! Comprou-me o bicho um americano. Que vou fazer? O que que resta? Quando eu for no levo nada? Mete o ferro daguilhada, que arca esta?Ai l, l, l, cada qual mostra o que !MULHER da Casa Caiada!...Capito-de-fragata trouxe-a usurpada das navegaes! Mas essa arca tem p!Sola, mingola, manda o bichotutu que tire fora!MOA de cr com cr,de folha e vento, espelhos, flmulas;do lunrio das arapongas!...MOO da borboleta,que vive sem ser nascida!...Arrepia jaburu,tua me era perdidaa minha no!HOMEM dum artista fracassado, achou-a pelo buraco sem fim nem cho precipitado, tomando atalhos de rastros e sombras, de gado e amantes. Onde a infncia atenta chega-chega-chegadim! o que se ausenta!...DOUTOR BABAU Esto mentindo! Ele os meteu em breu!A mulher do sol perdeu o rasto do marido!Mas eu tiro vocs unha-e-carne pela bunda do malvado!O mundo grande-que--grande e abusado,e essa arca em qual canto foi guardada?MOA Debaixo da mangabeira,cabeleira!(Os msicos trazem uma armao de porta, e, no sendo vista pela platia, uma cabra de cips, estopa pintada e algodo com chocalhos, fitas e guizos. No h pausa entre a fala anterior e a seguinte.)MULHER Pera... chocalhos tilintavam dobradas, laos de cetim encarnada prendiam finssimos espelhos.... Escondida atrs da porta da cabra morta!(Abre-se a armao, caindo com seus chocalhos a cabra.)MOO(Junto da mulher.) Voc a havia encobrido,para no ser vista por ningum, em palha de miriti.Posso enfeitar-te? Acorda!(Pe-lhe uma fita. Cochichando.) Depois d-me teu leite de mamo.Era bonito o que eu vi...(Agora colocada no palco uma moldura (de Janela.)Dependurada na janela,por uma fita amarela!HOMEM Espinho picou teu p, jacar!(Os msicos sobrepem um telhado a porta e a janela.)Pois estava sobre o telhado, e,embaixo... tinha um gato esfolado!(Puxa do telhado um boneco que um gato esfolado, livrando-se dele, aps mostr-lo ao pblico. Cesso de arrebatamento. O processo cnico torna-se essencialmente ligado conscincia, situao dos personagens. Caracterizado sobretudo pela indiferena de um com os outros.)DOUTOR BABAU Agora vamos danar!C cutia plantou as sementes das plantas.HOMEM Chupa sangue dos bbados!DOUTOR BABAU E daqui pra depois de amanh o mundo vai acabar.MULHER Queria contar minha sorte, mas esqueci!Pois tenho vergonha do povo daqui!DOUTOR BABAU No passo da juriti,tico-tico, rouxinol!MULHER D-me um coco dgua queu comi da banda errada! Eu bum! Banana cheirosa! nasci na mar dos caranguejos!DOUTOR BABAU Ai! meu bem, voc no vote assim desencarnando a lembrana da vida.No redobre mais que hei de te dar um fim.Que o fogo nasce da lenhaA lenha lavra do cho;O destino muda do mundoViravolta corao.Quando nesta casa entrar,Tamandu-bandeira de alegria!(Entrando na casa de janela, porta e telhado.)Da cepa cresceu o ramo,Do ramo brotou a flor,E da flor nasceu Maria,Me das mulheres todas e do amor!(Sai exibindo uma boneca de vara Maria dando mulher.)MULHER Que no d o bicho-come-lngua nela!...E se o Babau de bo me entregou, quando eu for carrego ela, pois quando vim nada trouxe.DOUTOR BABAU Mas eu no sei os mistrios.Dos asterides sidreos,Das ablues cosmognicas.Eu s sei das iluses metafricas. Fulvas bases filosficas.Das faculdades messinicas!(Entra na casa. Da janela)Que vontade de desandar! (Sem ser visto.)Olha aqui bom retratista,me empreste seu lambe-lambe.O sol to alto l fora.(Sai com a mquina. Nome do lambe-lambre: Instantneo das Coisas. Os atores fazem pose junto dos bonecos.)E eu no tenho compromisso! (Ajudando a formao do grupo.) Sorria um pouco! Quietinha!Muito bem! Agora no se mexam! (Bate a foto: ploft! Os atores saram em retratos diferentes. O Doutor Babau os distribui.) (Ao moo)A foto est boa, mas a posio feia!(Agora moa) Parece at que tem um trem dentro do peito!(A mulher foi tambm receber a sua, mas no tinha. Ela volta, ficando de costa p'ra cena.)Ora, mulher, cada um com seu signo, mas ns todos somos parentes! Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe trs.(Vira-se a mulher e o Doutor Babau descobre-lhe a maior das fotos seu rosto desenhado, muito colorido, em papel vegetal.)HOMEM (Vendo sua estampa.) Minha volta ruim!Banquei pose, nem dei cavaco,aparece-me pela cabea-de-cuia, virando pedra, um galho.Ou truque, ou sa sombra dum espantalho!Arruanda l l,Armanda l l!Zabelinha:beija no cu dela! (Da mulher.)Vira eu, vira voc!DOUTOR BABAU Vem comigo, mocinha!...MOA Eu tenho andado sozinha!...DOUTOR BABAU Virando as cousas! Sem demora!MULHER Eu no posso sair agora!...DOUTOR BABAU Vamos juntos! Que tudo neste mundo volta!MOO Oh, mas voc toda vidaDOUTOR BABAU J findei o meu recorte, conferi a minha sorte.E a boca do presente chama pelo futuro! Eu fecho a rima com ''apuro"que outra agora vou abrir. Quem tem santo de caboclo est na hora de sair! Essa casa cheira a rosa, nela mora uma formosa! (Entra.)MOA i, tumba, Ferreirinha, tambm me d linha, agulha, roca e dedal. O-l-l, camaradinha!... Qu' p'ra coser, i, tumba, as asas de bacurau do balo!Nessa casa d-se po,vive nela um bom cristo!MULHER Larau, larau, laurito! L atrs h um mouro! Que no lhe d vexame, a alma do boi-mamo que morreu de fome!MOO Quem me dera, dera, dera, desarrochar o peito mouro de exlio, aventura e quimera. E verter um choro brabo de touro de sangue derramado!Essa casa cheira breu, aqui mora algum judeu!HOMEM Ora sebo, quinau, caipora entrou na funo: -pau !--pau !--pau!Botou o filho que mamou os peitos da me morta. Ora sebo, ca no girau.Essa casa cheira a unto nela est algum defunto!(A iluminao passa a equilibrar a variao do texto. Evoca sempre um determinado valor, ligando-o ao ator. Exemplo: o azul a imagem da tranqilidade. Em ouro e prata infunde nimo e contentamento. Fantasia as cenas e a representao fotogrfica de cada personagem.)MULHER Isto vai nos acontecer s uma vez!...MOA (Que olha pelo buraco da fechadura.) Anquinha p'ra l, (Rebolando.) anquinha p 'ra c! Como que se abre essa porta?HOMEM Bate o sino. Dem, gom dem!MOA Mas pode no ter ningum!?HOMEM Barra de ferro, ou lato!MOA Vem comigo, ento!HOMEM Estou urutuba. Perdo.MULHER Me bote do outro lado, nos braos do meu amor!MOO Estou admirado!...MOA Tempo ser do viravirou!MULHER Venha um abrao apertado!... Num gesto sentido inda que mudo...MOO Que vendo a lua com seus arroios de prataas mocs contam por que tal na mata:E p'ra ns duas!e o jacar-de-papo-amarelo:''Ns trs! ns trs!'' MOA Quer fiar-se em mim? Deus te livre: eu falo muito!MOO Toda paixo assim! um nunca acabar!MULHER Vamos ns deitar no mouro?Com a chave d'ouro se abre a porta!Meu corao estala: pique-paque!Tico-tico, tico-tico!MOO Mesmo sendo um castigo: eu no fico, eu no fico!...HOMEM Se a chave se quebrar?(Os atores entoam a Cano de Janeiro. Melodia principal que liga toda a jornada do Janeiro Vai, Janeiro Vem, projetando-se nas baladas e cantinelas seguintes.)MULHER Janeiro vai,Janeiro vem;Abenoado quemMama ou amamenta!HOMEM Janeiro vem, Janeiro vai; Bendito aquele Que tem um pai! Feliz daquele Que tem seu boi!MOA Janeiro vem, Janeiro foi; Deus nos proteja Da Besta Fera!MOO Janeiro foi, Janeiro era; E passamos, h maninha, Exilados na nossa terra! Vencendo essa estrada Sem ter nada!MOA Janeiro ia, Janeiro vinha; Dai-me vidncia, e linha Da licena das velas! Varrei-me os caminhos!MULHER Janeiro vinha,Janeiro ia;Afortunado quem choca,Semeia pe, ou cria!(Escuro.)BALADASDEOLHADOS, MEDOS, ESPANTOS,SAUDADESEFRAGMENTOS DE CANTINELAS POR MOTIVOS DIVERSOSPERSONAGENS:BENEDITO (Boneco de vara.)MARIA (Boneca de vara.)QUITRIA (Boneca de vara.)JOO REDONDO (Boneco de vara.)BALULA (Boneco de vara.)ME (Atriz.)Prodgios de devoo, crendice termo entre Benedito e Maria:Eu entrei de mar adentroE fiz tanta maravilhaQue o Rei mandou me chamarP'ra casar com sua filha!O dote que o Rei me dava:Europa, Frana e Bahia,Pas de grande valor,Terra do sol do meiodia;Herdade de no ter fim,Casa que meus contraparentes cabia;Muitos carros e liteiras,Cavalos de estrebaria;Muita moeda de ouroEnchendo muita bacia;A musga do Rei na frente,Musga de pancadaria!Eu fui e lhe respondiQue era pouco e no servia,Que eu voltava p'r'o sertoP'ra casar com a Maria,Que era a nica pessoaQue meu corao queria!(O Rei mandou me chamar cano popular.)Correio Galante de Joo Redondo e Quitria:O Lisboa! Lisboa!As costas p 'ra ti vou dando,No sei o que fica atrsQue meus olhos vo chorando!(Auto dos Fandangos.)Aluso a Balula:"Olel, olel, meu senhor,Bote a mo a no tornoMeta a peia neste corno,Qu' p'ra ele no chorar mais!(Quadra popular.)(Os atores trazem os bonecos. A Moa Quitria; O Moo: Joo Redondo; a mulher: Maria; O homem: Balula. O Doutor Babau Benedito, que ainda no est em cena. Msica. Canto.)QUITRIA Eu sonhei!JOO REDONDO Eu tambm!MARIA H de ser assim, assim, assim!BALULA Eu tambm.QUITRIA J nem sei mais de mim!JOAO REDONDO Um h de beliscar no outro, para no dormirmos!MARIA Meu corao no sabe esperar.QUITRIA Eu sonhei!BALULA Eu tambm.JOO REDONDO Ventaventava, algodo e prata:tififu! f! fi!QUITRIA Brilhabrilhava, o espelho do rio:MARIA Ento bandos de beija-flores e borboletas, pipi! pi! trouxeram mel de favas dormidas!(A iluminao sugere a mudana dos quadros. Quitria deixada com um msico, enquanto a Moa, maquiada por Maria, prepara-se para fazer a Me. Joo Redondo conclui o canto anterior.)JOO REDONDO H de ser assim, assim, assim! Pois se o tempo d e toma, qual chamano deixa um rocio de carvo?Qual ramano tem uma flor em boto?(Maria afasta-se da Me da Mulher. Oportunamente, indicaremos o motivo desta cantinela.)ME Eh! Onde vais?MARIA Meus dias descasaram dos teus.ME Que sabe tu fazer?!MARIA Sei colher anans.Da vida entregar-te os vcios.Aqui estou, no princpio dos 32 pontos que formam a rosa-dos-ventos.E passo a sentena derradeira sobre a antiga.ME S um homem tive cabeceira, e apenas uma filha: esta tomou-me os peitos, deixando-os secos.MARIA No fique triste porque ters ainda descendentes.Tua conha est cheia de mar.ME Como? Como? Do que no h de voltar.MARIA J a cobra grande a emprenhou. Cada qual com seu igual.ME Mas do que palavras aoitar, faz-me impresso seu exemplo.MARIA Pecados dos nossos avs:fazem-nos eles, pagamos ns.Deixe-me! Estou feito Aleixo:no mundo acho, no mundo deixo.ME Teme as sombras dos corpos, do pai, do irmo, dos parentes comidos pela terra, depois da consumao. Hei de ver-te ao p das fogueiras, catraia!MARIA Cai, cai, chuva miudinha, na copa do meu chapu!Vou-me embora! Tirar do peito, essa estrepe de arraia. Estou s cantando, pu, pu!ME Ds 'tar, Maria! Voltars!cumprido teu castigo. Que uma filha do leite d'amargura, no se perde nunca mais!MARIA Hei de tirar-te os ossos para minha flauta:fin, fin, fin, culo, fon, fin, fin, culo, fin! (Como Mulher.)Adeus, Me, adeus!(Cai a luz. Os msicos tocam uma parlenda. Foco no boneco Balula. Pantomima:Balula tem uma cabea inteiramente desproporcional ao corpo, pelo tamanho e peso. Diante disso, sempre que comea a cochilar s por alguns instantes sua enorme cabea arreia, quedada pela carga. Ele, despertando, sai atemorizado para outro espao do palco. Tenta dormitar outra vez, agora j sobressaltado, e novamente lhe pende a armao. Aterradamente d uma volta no palco, botando seu canto. Por fim, esgotado e delirante, apia a cabea nas costas. Escurece. Os bonecos danam, dando voltas e giros. Comeam as baladas.)JOO REDONDO (Junto de Quitria, em primeiro plano.) A barca Chave do Vento,os bancos de areia, o ar no bico,a solido do Atln-tico!... ...mar Crescente. Onde a barca flutua nas guas pendentes. Seu Manuel da Hora, veja o pulo que dou agora?! Cheguei! Atraca, atraca, vou cair no passo! Macacame deixou, seguirei to-quantoai, ai, ai! Minha vida que estrumo tanto!QUITRIA Vou detrs de ti, Joo Redondo,at onde possas ir! Que acontecendo alguma cilada, terei tempo de fugir! Mas trilhando bom roado, vamos juntos, abraados!(Passam. Primeiro plano para Maria e Benedito, este entra por ltimo.)MARIA Queria ter um amor, besteira! para assim lhe cochichar:at segunda-feira, tera e quarta, ao mais tardar. Espera! Apressado. Vais, ento? Eu te amo por que sois meu corao!... Queria ter uma paixo besteira! (Pra a msica.) Benedito!BENEDITO Oi.MARIA Vem c!BENEDITO Pois bem estou. Vou j!Permita-me primeiro, ir mijar.Fique botando sentido aqui!MARIA Como tu quiseres.Deixo-te estar!Vai, mas no fujas!De longe tu hde me parecer mais bonito, periquiti!BENEDITO Oh! assim?Fugir, eu? Por que razo?Que delito cometi?MARIA Tomo conta de ti.Abraa-me, rabo de galo, seno arrumo-te uma tapa!...(Abraam-se e soltam-se)Principioue no acabou.BENEDITO (Abocando-a pelo pescoo.)Ih! ih! Boa moda:Quem lambe come, quem pinica com fome fica!MARIA Venha de bico qu'eu me despico:quem tem focinho nenhum tico-tico!BENEDITO Mas, enfim, com esse amor que sagracia, do sacrifcio a eternidade. (Canta.) Assoalhei por toda passadaque desejava-te profundamente! Ela minha conversada! Toma cuidado, parente! disse-me Joaquim Boz.Se a moa no sabe, meu tio! Respondi, pelo fogo do cio de Sodoma. E ele:Oh! assim? Como ento voc a corteja, cara de sabo? S namoro com Maria, quando ela est de costa!MARIA Quem s?BENEDITO Sou quem quero!...MARIA Eu puxo sua orelha!!??Toque-me e dobre a lngua!...BENEDITO Eita! Disposta, hein?!MARIA Queria ter um bem,que durasse daqui p'r'o fim da vida!Acha muito? Uns trs anos?!... de mais? Ao menos trs dias... BENEDITO Chora, chora, chora, Maria!MARIA Chega-no-chega!...BENEDITO Deixa de chorar!MARIA Ordem, seu lugar.Bate palmas, com pirueta e candura.BENEDITO Pe a mo na cabea...Tira, bota na cintura!...D um requebrado!... (Beija-a.)Oi, como tem passado?!(Novamente.)MARIA Queria ter um amor, besteira! qu'eu no posso, inda que queira, BENEDITO (Ao pblico) J viram to boba? Tolina! ( Maria.) Mas ensino p'ra voc, canes do bem e mal dizer, porquanto no sou uirapuru, tolina.Porque tu h de me tirar um bicho, se quiser bincar comigo!...MARIA Para assim lhe cochichar:At segunda-feira, tera e quarta, se mais tardar.Espera! Apressado. Vais, ento? Eu te amo porque sois meu corao! Queria ter uma paixobesteira!...(Voltam: Joo Redondo e Quitria.)QUITRIA Passars, no passars! H de ficar algum. Quem j amou vinte, pode interar vinte e um!JOO REDONDO Bom peito o que voc tem!QUITRIA Flor de melancia meu furtum.C estou, obrigado.JOO REDONDO s bem-vinda, juro! Posso esperar-te noite, quando o vento espalha os ecos do passado?QUITRIA No sei andar no escuro. Fazer o que no presta. Se no for o da frente, h de ser o de detrs!...JOO REDONDO O qu? Que conversa esta?QUITRIA A vida uma festa!JOO REDONDO Se o destino fosse um Deus!... At mais ver, Quitria! No sei se diga; volto, ou adeus!Como dorme tu? Ora, no interessa! Sai daqui, j estou com nojo de ti.QUITRIA Durmo sozinha, nenhum medo... Sem ningum. Quem te mandou perguntar? No assim! Mentira!Seria bom se chegasse algum! que eu devo estar de eita por no ter onde me meta!JOO REDONDO Quitria, minha negra, voc, quem ?QUITRIA Sou filha do pai Man! S'eu tivesse sorte, tirava!JOO REDONDO Tirou!QUITRIA Quando eu chamar?JOO REDONDO Danou-se! Tempo ser!Vou!Pois se no for?QUITRIA Tolo!JOO REDONDO O ltimo a chegar apanha um bolo!(Passam. Tema musical de Balula. Execuo da dana do boneco da cabea grande. Benedito chega-lhe, com cuidado.)BENEDITO No te assustes!BALULA Que h?BENEDITO Eu venho ter com voc.BALULA Conter-me j no posso. Toca daqui! V plantar batatas!BENEDITO Vem comer mel comigo, at lambuzar-se.BALULA Leva-me-leva p'r'um lugaronde ningum transitasse...(Benedito vai toc-lo.)Eu te boto a unha, cara torta!BENEDITO s vezes as coisas no saem conformea gente pensapensava, conhecido!BALULA S'eu sei, no tinha nascido. Eu s nasci foi de bobo!...BENEDITO Bichado tambm pode ter arroubo de bento. E agora...BALULA Mija na mo e bota fora.BENEDITO ... Deve cumprir teu destino.Que por tudo no mundo h tempo!E vento brabo te pinica.BALULA O que me curaria, talvez fosse mulher!... daquelas boas p'ra bem-preparar uma canjica.BENEDITO J no mais as tem, bacurau.BALULA Meu Deus, qu'esse corte de noiteproduza estrelas s pencas:feito os cachos do coco de Macabau!BENEDITO Quem por dois lhe botou, eu voc querendo tiro com trs o olho-mim que te criou. Benze um sono:t, t, t, t!... BALULA Cala a boca, seno te piso, primo! Vou dormir aos ps de quem me ps a vida!...BENEDITO Vamos dar a despedida como deu o pintassilva.BALULA Adeus, corao de touro!BENEDITO Adeus, corao de prata!No s tu um-somente...E o princpio do caminho de seus parentester uma dobrada.BALULA Meu Deus, que mote malvado!BENEDITO Vamos dar a despedida como deu a saracura!BALULA Vou passo-que-passo, vou danado! Mal d'amores no tem cura! Ii, ii, ii!(Passa Balula, volta Maria.)BENEDITO O caminho est seguido: eu levar-te a par de mim.MARIA Que formaste co'os olhos assim:num tira-que-tira de esbandalhar! Mas no estou para reger casa.BENEDITO por sermos velhos j. Eu a botei-me a tu com ferro de palmo e meio.MARIA E no pude passar-lhe a unha.BENEDITO Desassombros: so os que dou! Cuido estar para morrer.MARIA (Reavendo a fala de Benedito: O caminho est seguido...")Eu tambm vou! Pois o destino assim ordena, que, a teus choros junte os meus, que padea da mesma pena... Para ver se ainda salvo este pranto debulhado.BENEDITO No s to forte, desse jeito no!...MARIA E se no for? Vamos ver, ento?... Quer casar comigo?BENEDITO Como voc fala?MARIA Cri, cri!BENEDITO Quero, quero!(Vo passando de banda e a luz vai caindo.)MARIA Como quer, seja?BENEDITO Para ficarmos bem juntos por todo o tanto-tempo!...MARIA Muito tempo!BENEDITO Est bom, eu quero!...(Os outros choram por no poderem ir tambm.)EPISDIODO CASAMENTO DE BENEDITO E MARIAPROGNSTICOSDEVENERAO E DESTINOPERSONAGENS:BENEDITOMARIAJOO REDONDOQUITRIAMSICOSBALULASENTENAConta de onde tu vem,O' tolina?Quem te fez e anotou,O' tolina?Foi a prenda querida,O' tolina,Filha do nosso amor!Eu bem queria saber,O' tolina!Para seguir bom caminho,O' tolina!Andando nas passadas,O' tolina,Midas dum passarinho.Queria ter um amor,O' tolina!Mesmo sabendo um castigo,O' tolina!Vou te levalevar mulher,O' tolina!Para casar comigo."(Auto dos Congos)(Toda luz. Benedito, Maria, Joo Redondo, Quitria, Balula e os Msicos entram cantando e danando.)JOO REDONDO Os ferros dos tiranos so duros mas o de amor mais forte; para os da fora d fuga, para os d'Amor s a morte.BENEDITO Ai, ai, ai! eu hem? Ela tem todas as composturas, meu bem!Um topa o outro!MARIA L vem!Que acham? tiro-e-queda p'r'o meu gosto!BENEDITO Se algum tu tiveste que tanto amor te quisesse:me deixe!MARIA Nunca tive quem me desse, pelo menos uma paixo besteira.Tens alguma coisa dos primognitos da terra. O meu corao desemperra: t, t, t! QUITRIA Casai-vos: Benedito e Maria! Ventania veio vindo: derrubou os loureiros, para termos um diade intensa alegria!BENEDITO (Cantinela.) Maria, se voc quiser, eu fao um chal p'ra ns dois "morar" lal!Ajeito-te um banheiro com gua de cheiro da beira do rio!MARIA No me bote n'gua, que descangoto de frio!Banho a dois, mata mais do que peixeira!QUITRIA Lua de gemada veio vindo: lavrou o ouro das alianas.L, l ri, l, l, il! Quando a viola vibrou!E os cinco lenis alvos cambraia,aromatizados de colnia e flores,e as duas hstias: eu dou!JOO REDONDO Benedito, sou teu padrinho e dar-te-ei as quatro tochas acesas, que derramaro sobre o linho raios de mbar e prata.BALULA Cada um dando o que pode!Os lenis, as hstias e as tochas. decerto ns temos.Donde haveremos o estrado p'r'o rito sagrado? Sobre a copa das ramas farei vossa cama!QUITRIA Vamos, Joo Redondo, a ribanceira...Que ramalhetes ns colheremos!JOO REDONDO As pedras mais finas, e a jaspe primeira, havereis de cravar no diadema.QUITRIA Que as flores da laranjeira, a pura fronte circunda!(Saem junto com Balula.)MARIA Desculpe, mas dizer-te- quem sou,ainda no posso contar.BENEDITO Ento, conte uma coisa engraada, para este povo mangar.MARIA Eu mandei chamar o padre, cabecinha de timbu; eu pensei que fosse o padre, era o sapo cucuru.BENEDITO O que que vai, no volta, nunca acaba de chegar?MARIA a rede que tu deitas e comeo a embalar.Benedito, se tivermos filha fmea, bote o nome de Maria:p'r'ela se perder pelos homens, como eu me perdipor ti.BENEDITO No h amor de homem, que valha o de uma mulher.(Maria canta do proscnio.)MARIA Queria ter um amor que me d felicidade;Eu com Ele, no lhe falte pacincia; que me faa a vontade quando por entendimento pedida.(Volta-se.)tenha paixo por ti. Que me traga bem vestida.E Eu e Tu: nunca durmamos s, pois unidos somos bentos. Que no seja ciumento, mas fiel, confiante e quieto. Que me ame com (um) carinho esperto. E descubra-me todo tormento, mesmo os de Castigo que leite do meu peito servir de ungento.BENEDITO (Canta aproximando-se de Maria.)Que sete estrelas nos prendam, nos dem fora de luar; para juntos: Eu ou Tu possa abrandar o corao do outro.MARIA Estais aqui, minha afeio?BENEDITO Toda noite passada no dormi. Vou findar minha jornada, junto a ti. MARIA No venha, chapu de lenha.BENEDITO Eita! como anda isso de facho aceso!Minha vida, d-me um cheiro de piro? Tudo quanto te pedi, numa emoo safada: Oxente! MARIA No faas assim tua ao.Oh!... Vai-te, que vem gente!Deixe de graa, viu?BENEDITO No deixo no!(Voltam: Quitria, Joo Redondo e Balula; trazem os cinco lenis, as tochas, hstias e presentes. Cantam.)QUITRIA Cravo branco se conhece,pelo bom cheiro que tem!JOO REDONDO Acorda, amor est na hora de partir;QUITRIA Lgrimas por mim no botem, que a barra do dia j vem;JOO REDONDO Alevanta, amor, desse bom dormir!QUITRIA manh, beija-me com o orvalho da tua boca. Assenta-te na minha exagerada bacia.JOO REDONDO Deitemos, amor, mais um bocadinho!QUITRIA Vertem perfumes as flores mais cheirosas que ambrosias!JOO REDONDO Grande bno: a dor de parir.QUITRIA Por que choras, esposo meu, se o corao j te dei, espelho onde me via?Nosso sangue foi tanto, que todo peito cobria! Vem c, cara de bolacha doce, choro em tua companhia!...JOO REDONDO Adeus, adeus, amor, j vou seguir!QUITRIA A manh se faz com lenis de renda. Alta estrela, noite e dia!(Pra a msica. Quitria e J.R. cantaram, como chula de duas vozes, ou matuta, uma venerao.)JOO REDONDO (A Benedito.)Uma manta vos trago,para livrar-vos do estragoque pode causar o frio. Eu fui quem teceu o fio desta obrinha singular.QUITRIA Ah, assim? Espero, pois, que breve me tomes para casar! ( Maria.)Recebe estas coisinhas qu'eu te trouxe: valor no tem; so fitinhas galantes e servem bem para enfeitar as trancinhas.(Ajeita-lhes nos cabelos.)MARIA Adeus, Me da minha vida! Pelo bem que lhe deva, desculpe-me! Mas Benedito me leva, e culpa no meu desvrio. Enfim, sinto o perpassar da paixo companheira desse longo itinerrio que no mundo tem a gente!(Adiantam-se os msicos. Violas, pandeiros e matracas vibram mais fortes. Os bonecos vo arrumar o Quarto dos Cinco Panos: desdobram os lenis, suspendendo-os acima de suas cabeas, juntando as extremidades, passando um ao outro os crios. A tenda, circundada pelas tochas, est pronta.)BENEDITO Senhores! Os meus louvores e a minha embaixada!(Joo Redondo coloca aliana em Benedito; Quitria faz o mesmo com Maria e, depois, veste-a. Todo o ritual celebrado magicamente. Os instrumentos tangem mais vigorosos. Benedito e Maria entram no Quarto dos Cinco Panos. Jogo de sombras. Os dois trocam as hstias e se beijam.)BENEDITO (Sombra.)Hs de enxugar o meu prantoe partilhar o meu destino.MARIA (Idem.)Cuida tu de ns.BENEDITO Cresce, medra, e transforma-te num ser excepcional!(O Mestre dos msicos anima o prespio.)MESTRE DOS MSICOS No quero sonhar mais, no! (1)Esta noite passei em serenata.Faz muito tempo, eu nem me lembro quando; d, o, d.Ela tinha um olhar de sentimento; t, o, t.Prognsticos e sortes, como enganam!Perdi-me nos faroletes dum famoso rabo-aberto; t, o, t.H muito estou desconfiado; d, o, d.Mas guardo, cobertos por folhas de alecrim, para sempre,os lenis, prova da nossa aliana.CONTRA-MESTRES Os ferros dos tiranos so duros, mas o d'Amor mais forte; para os da fora h fuga, para os d'Amor s a morte.(Cai a luz.)(1) Recriao da modinha Girassol, coligida no sul de Minas, por Anglica de Rezende Garcia, in: Nossos Avs Contavam e Cantavam...ERA O CAVALO DA MORTEATRS DA BESTA DA VIDA.PERSONAGENS:QUITRIAJOO REDONDOMARIABENEDITOMULHERMOAMALQUERER:Quem do meu peito saiuNo me bote mais seu olho;Que se vier h de acharTranqueira, chave e ferrolho!(Quadra popular.)SORTILGIO: Tararar, voc onde vai, Com dois ces na sombra:Um de frente outro detrs? Tomar a maxambomba! O Diabo se soltou, turururu, Levo matracas p 'ra camba! (Enguio incompleto.)(Mesmos vaivns, giros, voltas; uso de planos, iluminao: da Balada de olhados, Medos, Espantos, Saudades... Algum tempo depois, com os atores cansados e os bonecos muito trabalhados: mais belos, ento. Entram Joo Redondo e Quitria.)JOO REDONDO Oh Quitria, vem brincar, ver a barca Santa Maria, no comeo do ocidente que do cu caiu no mar!QUITRIA Chuvachuveu: no desmanchou bem-te-vi, fogo-pagou!JOO REDONDO A aurora que traga vus de ouro e de cambraia!QUITRIA Que as castanholas estralam como beijos no ar!JOO REDONDO Sereno, ba! Sereno, ba! dobram os jacars! QUITRIA Pluft! Zimmmmm...! as asas dos buscaps!JOO REDONDO Trepa aqui neste coqueiro, bota estes cocos abaixo!QUITRIA Encomendo-te fumo de alfazema da Barraca das Trs Cidras do Amor!JOO REDONDO Corta jaca!QUITRIA Vs? Stou toda arrispiada!Os dados da fortuna: Meu companheiro,sers ou no?(Passam. Benedito e Maria.)BENEDITO Por que vens, comigo, calada?MARIA Meu compromisso terminou, todo fim madrugada.BENEDITO Mas o mote do destino continuar essa jornada assim fazemos o tempo cantando uma toada!MARIA Que o tempo bola-embola!E tu que bem-bom cantor,tempera as tripas de gato da violae conta-me da nossa dor!... BENEDITO Vem sempre vindo dias em que a gente enguia, ou fica frouxo! Mas, babau!... safadeza Culpa minha no caso do Co!MARIA Estou pagando me dobra vento varrido o que no fiz: para findar os meus ede cada um ente seis meses retornadosque no tem ouvido!...A estria ento, no termino!BENEDITO Por que? Continua, continua!MARIA Devo cumprir meu destino! Vai-te e deixa-me estar s.BENEDITO Mas o que muito te ofendeu?MARIA Bicho brabo!BENEDITO Corto o rabo! Cai de um a um, at que cai um que no fique nenhum! O mal no vai adiante, no. Quem foi que sepultou tua flauta? Fin, fin, fin, culo, fon, fin, fin, culo, fim! MARIA Minha solido mesmo, com o filho que no pude te dar!Meu senhor, eu vou embora!... Eu no posso demorar!BENEDITO Maria, a hora esta, de travar-se o desafio! L vai uma, duas, trs...MARIA Mas, chegando novamente,ao comeo do meu caminho, eu no confio!L vai quatro, cinco, seis...BENEDITO Puxe bem pelo fundo desta vida,porque com dez ps se vai!MARIA Cuidado seno tu cai!..E retomando ao mouro, agora, meu senhor, eu vou embora, eu no posso demorar!BENEDITO Se depois quiser voltar!?Todo fim uma aurora!...Se voc no sabe.MARIA Benedito hum! hum! no se gabe!Esse termo eu quis fazerneste mouro a doer, antes c' paixo se acabe!BENEDITO Tudo muito velho no mundo buraco sem fundo!MARIA J tenho ouvido dizer!BENEDITO Vejo no teu rosto uma estrada de lgrimas!... Ah! no chores, no por mim!MARIA A bno, enfim!... Engorde bodes p 'ra mim! So Jos que moda essa?! BENEDITO Arrumo um cavalo castanho escuro -l-l, tu, tu! que pisa no mole, no duro, e leva o domo seguro, vou embora com voc! Ai! ler ler! Ai! ler ler! MARIA Uma pulga de aliana, deu um pulo, foi a Frana! Leve sua dor a na vossa calvice!...BENEDITO At cumprir meu calvrio!...MARIA Mas qual calvrio?BENEDITO O do amor! MARIA Adeus!...BENEDITO Adeus! E tu, como ter, ferida?MARIA Descansarei essa Cruz esquecida!...BENEDITO Pois bem. Vai. Adeus!MARIA Vou de sada, p'ra baixo, se a Providncia do Mundo no me mandar outro despacho!(Passam. Msica de flauta. A mulher apartou-se de Maria. Entra a moa. Modificao completa na propagao do curso cnico. A volta da mulher, para junto de sua me, revela todo um sentimento, uma idia da condio dos atores com referencial dos bonecos.)(Repetem-se os movimentos das Baladas de Olhados, Medos... S que a mulher est de costas para a me.)MULHER Me?ME Hem?MULHER Como vai?ME Quem fala pelas costas dou a bunda de resposta!MULHER Que me importa?!ME Bata com a cara na porta!?MULHER (Virando-se.) Aqui estou, no princpio do meu caminho, montando o cavalo da morte, atrs da besta da vida!ME Fizeste tua ida por muito tempo!...MULHER Tudo tem de ir embora e chegar outra vez.ME Eh, tambm vs no sois nenhumser extraordinrio! A vossa carnee a vossa pele: so moles como as de qualquer um! Senta e fuma, ento.Com duas eu te vejo, com trs eu te encanto!MULHER Solta a minha mo! Voc quer judiar de mim!ME Que isso?!MULHER Feitio! Santa Margarida no estou prenha nem parida!ME A saudade nos servir de relgio, em que sofro por nossos homens, junto a ti.MULHER Quer adivinhar meu pensamento?Bote um dedo n'gua e cu p'r'o vento! Pois o esprito da minha flauta no morreu, ainda embalar o sono meu!Culo, fon, fin, bia, culo, fin, fin, fin, culo, fon, fin, fin, culo, fin!(Cai a luz.)LTIMA JORNADADOSATORESXACARA DO TANGO-LO-MANGOPERSONAGENS:MULHERHOMEMMOAMOOOs atores cantam um Remate daltima Casa do Sculo:Este ano um choro de ciganaEste sculo das luzes to escuro!Vejo um rio se encher de sangue puroE no mar civilizado ir fazer barra.A misria com desdm na terra escarraO desastre diz garboso, estou seguro.J rasguei as vestes do futuro,E o meu curso de heri ningum esbarra.Tenho a lira da tragdia em meu poder,O presente do mundo hipotecado,E os profetas aos meus ps ho de gemerA histria ter que se render,As virgens lamentarem o seu estado.O Brasil um co sem dono h de sofrer.Tenho a chave da vitria em meu poder,No entanto! deu pendo o meu futuro!E minha carreira de heri rio escuro.(A Urucubaca obra de Leandro Gomes de Barros. Remate da ltima Casa do Sculo recriao do motivo do autor citado.)(Os msicos recolocam no palco as armaes de janela, porta e telhado. Os atores esto de sada. A luz auxilia o jogo dos desencontros: algo como uma brincadeira de cabra-cega de adultos.)HOMEM Alerta! Quem vem l?Ah, voc?No comece!!! MOA Depressa! Adiante!Voc me conhece?Tomamos caf com po-de-l.... MULHER Na casa de quem?MOA Da tua av!Olha para mim...MULHER Da minha no! No tens conta e nem fim.HOMEM Voc me conhece? (Afetivo.)MOO No conheo no!HOMEM Te pego, bicho feio!MOO No s capaz!HOMEM S'eu te pegar?MOO No nada demais!Ai, larau, larau, laurito, culo, fim, bu, bia, companhia;jemibaco, tico-taco, ai, lai eu, larai, bu, fin.MULHER Ah!... Ca! Tropecei, ca! Fui besta de me meter a besta, ca!MOA Deixe de conversaria e diga-me: quem te acode?MULHER Meu bem, que pode!MOA (Com o Moo.) este?MULHER No.MOA (Aponta o Homem.) O outro, ento?MULHER No. No conheo no. Desmantelo de mulher no d uma vez s, no.MOA (Retoma o jogo.) Quem vem l?Me penteia.Teu nome uma saudade derradeira!...lo-ri-lo-ri, to-ri-lo-r! Chorei nos teus ps.MOO No lembro no!Aqueles que de ns se foram para sempre. Apeie moura, danemos um trocado!MOA J nasci, senhor, para este fado!MOO Queres que te d um abrao? Te juro, menina, que me deitei nos teus braos.MOA Pacincia, mas isto eu no fao. Eu no te quero no!MOO Que bebo, ento?MOA gua de Cristo que bom para isto!MOO E no mundo h disto?HOMEM Eram quatro irmos numa casa, uma casou-se, mas deixou o esposo de vez; deu o Tango-Lo-Mango nela, no ficaram seno trs.MOA Destes trs, meu bem, que restaram, um disse adeus, e se foi; deu o Tango-Lo-Mango nele, no ficaram seno dois.MOO Destes dois, minha vida, que sobraram, uma no fez coisa alguma; deu o Tango-Lo-Mango nela, no ficara seno um.MULHER Esse um, meu bem, que ficou, danou-se do crao; deu o Tango-Lo-Mango nele, acabou-se a gerao.MOA Alerta! Quem vem l?MOO Sou eu s, espera por mim!MOA Ora, adeus, coi!HOMEM Por que ests, mulher, to desmaiada?MULHER Foi um gole d'gua fria qu'eu bebi de madrugada...HOMEM Nunca te esqueas de mim!MULHER Tenho andado incomodada!MOA O vento que veio ontem, viravirando alfazema e louro; levou palha e deixou trigo.MOO Nest'ante vou-me embora contigo,malvada! Voc me conhece, tesouro!Chorastes o pranto meu!...MOA Mas que culpa tenho eu?! No lembro no!TODOS Quem vem l?Ah, voc! Depressa! Adiante! Sou eu, s.Voc me conhece? Queira se lembrar de mim!Na casa de quem? No conheo no!Ningum me contou, eu vi, tomando tabaco em p!...Nem sei se mais te verei. Esse exijo ter fim?Qual ser a minha sorte?Acabou-se, acabou-se; o que restou de papel molhou-se,o que foi de vesturia amassou-se, e o que foi de m-criao enfadou-se.(Saem.)QUIMERADODOUTOR BABAUPERSONAGENS:BENEDITOMARIAQU ITERIAJOO REDONDOBALULAMARIANAZEZINHOMSICOSDOUTOR BABAUSELO:Babau do povo, notcias te vou dar: Tirei as sete sortes, os meus filhos dou-te p'ra zelar.Os vossos filhos no solte Que eu no os sei criar.Dar-te-ei tanto dinheiro Que no os possas contar.No quero o vosso dinheiro Que vos custou a ganhar.Dou-te o meu cavalo branco Que nunca houve outro igual.Guardai o vosso cavalo Que vos foi custoso ensinar.Dou-te as Chaves do Mundo Para dele tu cuidar.Como eu poderia t-lo, vencido, Sem o saber governar.Que pede ento, meu Apos Fun,Que alviaras te hei de dar?Quero arrebatar teu Destino Para comigo levar.(A iluminao agora sugere o ldico. Entram os bonecos, cantando, bailando; trazem panos desenhados. Vo formar uma Casa de Farinha de quatro planos, cujos pice, topo ou ltima casa, coincida com as armaes de janela, telhado e porta j colocadas no palco. Quitria e Joo Redondo podem ser trabalhados com os atores Moo e Moa ou pelos msicos. Zezinho e Mariana voltam como bonecos de vara.)JOO REDONDO (Enquanto urdem a Casa de Farinha.) Era uma vez!...QUITRIA Eu nem me lembro quando!...JOO REDONDO Vou Contar uma histria do princpio do mundo! Quer ouvir? Me babe qu 'eu lhe direi!MARIANA Eu no sei se voc sabe, sabe, sabe, brincar n'asas do vento, vento, vento! Muito breve vou-m'embora! Ora, ora, deixo-te a sombra da saudade, saudade.JOO REDONDO Voc a, preste ateno! E a mulher, est preparada?Para responder-lhes todo esse cu-de-boi,danado, sem titubear em nada,e vindo a propsito de planeta adiantado:o Professor da Criao, o Pai do produto!BENEDITO Antes de nada existir, coisa alguma no havia. Por isso criei o fogo, (Luz sobre a placa da Casa de Farinha: Circo dos Touros.)e do fogo nasceu o dia;(Toda Luz.)Os espelhos, flmulas, galhardetes;(Bonecos e msicos trazem os objetos sugestionados, espalhando- os nos planos e enfeitando o palco.)porta-girndolas, bandeiras, escudos de papelo;e uma arca, cheia de enfeitese bonecos da mais alta funo.ZEZINHO Quando um bota o outro tira, quando um tira o outro bota!QUITRIA Benedito, cad Maria? U, u...BENEDITO Foi-se embora, nem adeus pode dizer. ZEZINHO Ai, ai, corrente d'gua que pela serra desceu, depois que a terra enxugou, secou, desapareceu; deixando s os escombros por onde a gua correu!JOO REDONDO Ontem teve, hoje no tem!(Entra no terceiro plano a boneca Maria. manipulada por um msico, ou pela atriz que fez a Mulher. Tem-se inteno de revelar a no transfigurao de alma e matria,, entre personagem apresentada e sua boneca. O mesmo para o Moo e a Moa.MARIA Cai, cai, chuva miudinha, na copa do meu chapu:Vamos contar um sonho?!... Estou s cantando, pu, pu!JOO REDONDO Besta nasci, besta sou, e tudo me aperreia! (Pausa.) Mas agora tocou...fundo! (Emotivo.) Bendita sis vs! MARIANA A vida do homem uma trama muito bem urdida, com dois papis: um papel de bobo, outro mais triste, papel de besta!ZEZINHO E ? Bata-o-p! Chapuletada! (Bate.) Achou ruim, safada? MARIANA Esse s, no nada!ZEZINHO E ? Pois tome um catol!MARIANA Calunga de mamulengo!BENEDITO (Retomando o ritmo.) Este mundo a charadado Tango-Lo-Mango! Onde o medo a cilada, e o sonho a decifrao! Se verdade ou no, isso l no sei;o que me foi contado, eu tambm contei. O que sei s ... Era uma vez...QUITRIA E eu nem me lembro quando!... JOO REDONDO Vou contar-vos uma conquista.dos Primognitos do mundo! Conto d 'Amor profundo, que no sei se voc leu, leu, leu; porque todos, enfim, so de Sortes e Destinos do Pai da Criao, e da Me-do-Mundo!Eu tendo Paixo, se quiser invento muitos outros: que voc pode dizer que leu, leu, leu: mas precisa contar que meu. BENEDITO Porquanto antes de nada existir, coisa alguma no havia! A-pesar-de ventaventar coriscos e prata.(Variao no curso do processo cnico. A alternncia harmoniosa acentos de intensidade acontece durante todo o transcorrer da jornada. Cada trecho tem caractersticas especiais, com situaes fortes e fracas. Observado, a regula o no mais ser anunciada. Por um dos planos passa o boneco Balula.)MARIA (Ao boneco.)Corre com cuidado, esconde-te bem tico-tico, procura fazer uma toca ao p dum angico; e nunca andes desprevenido, abertamente, mas caminha somentede noite, porque s um ser misterioso.BENEDITO Por isso fiz a Roda-do-Prende-Solta, que gira pelo sopro da quimera, (Colocam-na, no primeiro plano, os msicos)e o Sol do Mundo, do infinito, aquece. Para que no aborrea espera da Morte... Invento que ningum conhece.ZEZINHO Por que? Mistrio, enigma que no cabedecifrar! J no cedo, a pacincia do pblico parece-me esgotada;E o safado do Benedito inda toca nessa estopada!Mas quem poder sab-lo, se o pai do produto, ele mesmo o no sabe?BENEDITO Quem?! Ah?!... Vo contar a quixotadaa outro! Tomem l! Mordam-me o dedo! Pois se vocs ainda no sabem nada e vivem todos a morrer de medo!!... Mas, refletindo bem no caso, pondo numa balana os prs e os contras, enfim, concluo e o que descubro no escondo que melhor assim. Se estou certo ou no, isso l no sei; o que me foi revelado, eu p, contei.O que sei s ...Era uma vez... QUITRIA Esper 'a, deixe eu me lembrar como que !...JOO REDONDO Acorda, peste! Desperta. Fecha a boca mole e aberta!MARIANA Um romance, simples e breve, em poucas rimas se descreve.ZEZINHO Bem declamado!Mas o verso, que to bonito, est, coitado!de p quebrado... QUITRIA , diz que foi assim... Diz que foi um dia... No tempo que os bichos falavam. Da, proponho brincar, como num sonho! Pois no brincadeira, certamente, nesses tempos bicudos ver a gente sumir-se, apressados, tendo tantos contos bem contados! Bom-fim no tem ningum, bom-fim o que se vai deixando, pelo bem querer.BENEDITO Agora, de encher o olho! Valha a verdade! Que luz ficou de tudo isso? O Quadrante da Eternidade! ( posto num dos planos.)Cingindo a terra da luta,a hora extrema do mundo.So quatro pontos desiguais:(A Casa de Farinha uma ampliao da idia do Quadrante.)Os das "Salvaes, dos "Romances onde se mexe-mexe, depois volta-se o que une a "Morte e a Vida, como parlendaque as "sortes buscam desvendar.JOO REDONDO S mesmo idia de encomenda!MARIANA Credo! Isso invento do Co!MARIA a estrela d'Alva Encanta-Moa, malvada...ZEZINHO coisa bonita danada! At a gente fica capaz de morrer...MARIA quanto basta p'r'o devaneio aparecer. Que espanto!JOO REDONDO Se ningum sabe da matriaconhece de sobra o autor! Desdiz-lo, faltar a razo de todo ponto.Onde no crculo se chegue, pronto!O Destino cumpre-se sem apelo!MARIANA Ai ! Ai ! Ai! Ai! Todo mundo passa! Zezinho chorou por mim!... Esta vida um pantim!... BENEDITO E embora muita gente no me creia, vendo no brinquedo algo de louco a respito de "cincia certamente, dada a lio da memria, um sonho que me intromete terrvel, perturbador, belo! Sempre assim tem-se sucedido, e como estou envelhecido, costumo inventar espelhos d'alma. O mal no vir do mundo danado, ter ficado desesperado.(Ou: O mal no vir da vida bacurau, ter ficado piau-piau.)MARIANA Que bole-bole esquisito, me d na barriga da perna...Eu at fico de no ter jeito no.BENEDITO Se verdade ou no, isso l no sei; o que me foi contado, eu tambm contei. O que sei s ... Era uma vez... Eram duas, trs!MARIA E em ns a emoo embarga a voz!QUITRIA E eu nem me lembro quando!(Benedito e Maria vo p'r'o quarto plano, frente da janela, porta e telhado.)MARIA Escuta, Benedito,tu que me deixaste com um fio,e agora me vs com oito: como enche um riopelas nesgas d'gua todo diaBENEDITO Se no tens guia, vincula teu destino ao meu:para termos uma morte sem nome.J posso dizer-te qu's Maria. MARIA Corao (de) moo, tudo passa e expira, pela trindade do perdo.BENEDITO Bela, menina, quando sers minha?MARIA Quando passares de s linda para sois meu corao.BENEDITO Sois meu corao, sois meu corao, linda flor.(Os outros bonecos vo tomar a frente de Benedito e Maria.)BENEDITO Era uma vez... ZEZINHO Entrou por uma porta, saiu noutra! Comigo meu senhor, que me conta outra!(Vai por primeiro; depois, passam: Quitria e Joo Redondo.)QUITRIA Onde vs, querido meu? C' pressa errante do povo mouro.JOO REDONDO Nossa vida toda encheu. Esse nosso caminho.QUITRIA A teu lado, esposo meu.JOO REDONDO Muitos, agora, por ele vo. E muitos que fortes so.QUITRIA O medo que j se perdeu.JOO REDONDO E uma lgrima, a primeira, de quem trs o corao mais velho do que o mundo!QUITRIA Lenta, lenta, lhe correu. Como, vamos, mouro meu?JOO REDONDO No rabo dos sculos, Vem tu comigo?QUITRIA Vou contigo, esposo meu!MARIANA (Passa por ltimo.) Quitria, sacode as ndegas, que a chuva est para cair! Eu tambm quero ir p'r'os cafunds deste mundo velho sem porteira, com um mequetrefe qualquer, sem eira nem beira.(O Mestre dos msicos canta no proscnio. No h pausa entre seu canto e a fala de Mariana.)MESTRE DOS MSICOS Como disseram eu sustento: tudo sombra de nuvemQue muda com o ventoQuando vem de norte a sul!Assim, vou findar lembrando os elementos,Pois as tripas da terra mal se agitam,E os metais derretidos se confundem,Onde o sangue das raas que se fundemAos vulcnicos destinos que vomitam.E por ira a Cruz precipitamEstilhaos de ferro incendiado,Em volta deixam tudo sepultado E eu s com o perdo do mundo que me ajuda Treme o sol, treme a terra, o tempo muda...PRIMEIRO AJUDANTE Mas a borboleta, parece um corao a voar!E noite o pernilongo como um sonho...Que voc tem de fechar os olhos primeiro!Adeus, amanh no tem mais, tudo findo,E por hoje somente, deixa essa Casa rodar!SEGUNDO AJUDANTE Cada um tem seu sentido,Cada qual em seu lugar!Estou tirando os bichos p'ra fora,Corto o rabo, vou-me embora!(A msica afrouxa o ritmo. Os bonecos passam para outros planos, num bailado de adeuses, deixando ao pblico a viso de Benedito e Maria.)MARIA (Junto de Benedito, pondo a mo no seio.) Eu tenho um bichinhoDo lado de c, Que salta contente p 'ra voc.Tem dono, e bate-me, t, t!No pegue nele assim que pode morder!(Intensidade de risos e brincadeiras.)BENEDITO Que pau este? Tinindo.MARIA Ferro.BENEDITO Pode comigo?MARIA Muito forte! Posso.BENEDITO Oh! Maria meu feitio abre o peito e conta a histria! Tu que hoje possuis destino, e traz do sonho a memria:Qual a unio entre a Morte e a Vida?Dou-te um pendo de algodo, se acertares!...MARIA ter-se Filhos que nos valha, pois cinzas o vento espalha.BENEDITO E que sinal me darais?MARIA Mandarei plantar nesta Casa de Farinha certificada de que aqui estais um mastro com uma boneca, e acender em torno dele uma grande fogueira. Obra de amor, e nada mais.BENEDITO Consente que te reverencie muito?MARIA Eu juro pela lua de opala!... Minh'alma embala!(Maria despede-se do pblico.)Adeus, pessoal adorado!Babau, adeus!Terminou!Meu trabalho muito me custou.Era uma vez uma vaca Vitria,morreu a vaquinha, e acabou a estria!...(Os bonecos param. Doutor Babau surge frente da Casa de Farinha.)DOUTOR BABAU (Canta com os bonecos.) Eu sei modinhas to belas,Sinceras.Entono-as por inspirao divina,A dor que afinaA carreira do meu violo!Sei muitos ldicos Contos,Quebrantos,Que as moas comovidasChoram tanto!Tantas estrias bonitas de fadosEncantadosQue as crianas que me escutam,se reputamCiganos e infantas por Deus escolhidas!Tiro baladas mais suavesDo que as aves,Ou o troar de suas asas!Eu choro meu destino!...Na minha cano:O canto dos desgraados,Deserdadosdas Obras da Criao!(Toda Casa de Farinha entra em funo: o Quadrante, a Roda, etc. aQuimera do Doutor Babau.)DOUTOR BABAUOi, oi, ai, ola, oi:At a volta do caminho do homem!Saudade!Babau!Adeus, pessoal! Apois Fun!FIM