avaliação comportamental infantil - tese

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Clínica Deisy Ribas Emerich Avaliação comportamental infantil: inclusão de múltiplos informantes e o uso da entrevista clínica São Paulo 2013

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tese de mestrado

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO Instituto de Psicologia

    Departamento de Psicologia Clnica

    Deisy Ribas Emerich

    Avaliao comportamental infantil: incluso de mltiplos

    informantes e o uso da entrevista clnica

    So Paulo

    2013

  • Deisy Ribas Emerich

    Avaliao comportamental infantil: incluso de mltiplos

    informantes e o uso da entrevista clnica

    (Verso original)

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do grau de Mestre em

    Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Clnica Orientadora: Prof Titular Edwiges

    Ferreira de Mattos Silvares.

    So Paulo 2013

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na publicao Biblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Emerich, Deisy Ribas.

    Avaliao comportamental infantil: incluso de mltiplos informantes e o uso da entrevista clnica / Deisy Ribas Emerich; orientadora Edwiges Ferreira de Mattos Silvares. -- So Paulo, 2013.

    123 f. Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em

    Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Clinica) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.

    1. Crianas 2. Distrbios do comportamento 3. Entrevistas

    (Psicologia) 4. Psicologia da criana I. Ttulo.

    HQ767.8

  • FOLHA DE APROVAO Nome: Emerich, D. R. Ttulo: Avaliao comportamental infantil: incluso de mltiplos informantes e o uso da entrevista clnica Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia Aprovado em: ____/____/________

    BANCA EXAMINADORA

    Prof Titular Edwiges Ferreira de Mattos Silvares

    Universidade de So Paulo Instituto de Psicologia

    Assinatura: ________________________________

    Prof Dra. Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Assinatura: ________________________________

    Prof Dra. Marcia Helena da Silva Melo

    Universidade de So Paulo Instituto de Psicologia

    Assinatura: ________________________________

  • Aos meus pais, Jaider e Daisy, pela

    vida, pelas oraes, pelo amor e apoio

    incondicional, pela transmisso dos valores que

    embasaram a minha formao de carter e as

    minhas escolhas, e por sempre falarem Filha, o

    estudo e o conhecimento so as maiores riquezas

    que ns podemos te deixar, e isto ningum nunca

    tirar de voc.

    Palavras no expressam a minha

    gratido a Deus por ter sido escolhida para

    vivenciar este amor puro e intenso que vocs tem

    um pelo outro e por mim.

  • AGRADECIMENTOS

    Um trabalho como este s possvel graas a uma srie de pessoas que direta ou indiretamente contriburam

    para o andamento de cada etapa. A cada delas, eu gostaria de deixar o meu sincero Obrigada!.

    Agradeo minha orientadora, Vivi, por ter me acolhido no grupo de pesquisa em

    2007, pelo modelo de pesquisadora, por compartilhar os seus conhecimentos e, acima

    de tudo, por acreditar no meu potencial.

    minha co-orientadora, Marina, por nortear os passos iniciais deste projeto, pela

    ateno e cuidados dedicados e pela parceria produtiva em diversos outros

    trabalhos.

    Aos meus avs, Delmo e Maris, que me ensinaram o valor do trabalho e da

    honestidade, por terem me fornecido todo o amor do mundo e por apoiarem as

    minhas decises.

    tia Dilmara, minha segunda me, sem a qual eu jamais teria tido as conquistas

    que tive, pelo amor, pelo apoio, pela disponibilidade para pensar junto sobre os

    problemas e os planos, e por comemorar comigo cada conquista.

    Aos meus avs, Jader e Ruth, cujas vidas so um exemplo de amor ao prximo, pelo

    acolhimento quando precisei e pelas constantes oraes a meu favor.

    Ao Joo Paulo, pelo apoio, pelo olhar acalentador, pela pacincia, pelo amor e pelos

    planos que me motivam a cada vez ir mais longe. Eu te amo.

    Rebeca, por ter me ensinado a cultivar o sentimento mais prximo de amor

    fraterno que nutro por algum, pelos cafuns nos momentos de crise e por alegrar-

    se com as minhas conquistas. Ah, e obrigada, R, por ter aberto um champanhe e

    brindado comigo a aprovao no processo seletivo do mestrado. Voc no sabe como

    este gesto foi importante para mim naquele momento.

    Aos anjos que Deus colocou na minha vida, Carolina e Luan, por acreditarem no meu

    potencial, por estarem ao meu lado na busca do nosso sonho, por me tranquilizarem

    e divertirem nos momentos difceis, pelos conselhos e pelo carinho sem medida.

    Flora, cujo nome j expressa o quo bonita e preciosa , pela amizade cada vez

    mais slida, pelos incentivos aos meus projetos, pelos puxes de orelha que me

  • tornam algum melhor, pelas mensagens que sempre terminavam com Agora vai

    trabalhar na dissertao, bonita.

    s amigas Nahara, Paula e Rafaela, que a todo o momento estiveram ao meu lado

    durante a execuo e a concluso deste projeto, sempre com as mos estendidas para

    me dar o apoio necessrio. Vocs tornaram a minha vida muito mais bonita e o meu

    fardo mais leve, e por todo este carinho eu jamais poderei expressar a gratido que

    sinto.

    equipe do Projeto Enurese, pelas reflexes sobre o projeto de pesquisa e por me

    auxiliarem durante a realizao do mesmo. Em especial, agradeo ao Guilherme pela

    disponibilidade e ajuda durante a coleta de dados.

    s professoras Cris e Mrcia, pelas sugestes dadas na ocasio do Exame de

    Qualificao que contriburam sobremaneira para a coerncia textual e terica do

    presente trabalho.

    Liliana Seger, com que eu tive o prazer de dividir as dores e as glrias do mestrado

    e da vida, e por quem eu nutro um carinho e admirao sem fim.

    Aos amigos que, durante um almoo ou uma cerveja, me incentivaram,

    questionaram, divertiram, acolheram e amaram. Sem vocs teria sido muito difcil.

    Um imenso obrigada para Evellyn Heringer, Priscila Sousa, Maurcio Mura, Rodrigo

    Tona, Rodrigo Fernando Pereira, Pedro Moyss, Jssica de Assis, Fbio Martines,

    Maisa Kirchmaier, Eduardo Maluf, Luis Falco, Amanda Biagiotti, Gabriela Boschetti e

    Camila Reis.

    s secretrias do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Clnica, Ccera e

    Cladia, pela disponibilidade para esclarecer minhas dvidas e me ajudar a lidar com

    as burocracias acadmicas.

    psicloga Marina Fibe, da Clnica Psicolgica Durval Marcondes do Instituto de

    Psicologia da Universidade de So Paulo, que, desde o incio do projeto, gentilmente

    me auxiliou na seleo e no encaminhamento de participantes para a pesquisa.

    s famlias que aceitaram participar do estudo e confiaram no meu trabalho.

    s crianas que confidenciaram a mim sua realidade, seus problemas, suas

    expectativas e seus sonhos. Tudo isto estar muito bem guardado.

    Fundao de Amparo Pesquisa de So Paulo (FAPESP) pela concesso da bolsa de

    mestrado e pelo apoio financeiro para a realizao deste projeto.

  • Resumo

    Como as dificuldades comportamentais e emocionais infantis, se no superadas neste

    perodo, podem estender-se ao longo do desenvolvimento, de fundamental

    importncia o investimento em estudos focados na avaliao e compreenso dos

    problemas de comportamento desta populao, para, ento, realizar um planejamento

    de interveno adequado s suas necessidades. O presente trabalho tem como ponto

    de partida o reconhecimento da importncia de mltiplas fontes de informaes no

    processo de avaliao da criana, incluindo ela prpria e o psiclogo clnico, para que

    haja o melhor atendimento psicolgico. O objetivo desta pesquisa foi identificar a

    presena de problemas de comportamento em crianas a partir da avaliao de seus

    pais e do clnico, compreender os fatores de risco que possam estar associados a

    presena de tais dificuldades e analisar os nveis de concordncia e discordncia entre

    as avaliaes realizadas pelas mltiplas fontes. Para tanto, foram realizadas entrevistas

    clnicas semiestruturadas (SCICA) com 25 crianas, de ambos os sexos e com idade

    entre sete e 11 anos, encaminhadas para atendimento em servios de sade mental, a

    fim de compar-las com as respostas dos pais/cuidador a um inventrio de

    comportamentos infantis, o CBCL. Tambm foram coletadas informaes sobre a

    presena de fatores de risco na famlia (ndice de Adversidade Familiar) e sobre os

    problemas de comportamento dos cuidadores que realizaram a avaliao (ASR). A

    SCICA mostrou-se um protocolo de entrevista vlido para obteno de observao

    comportamental e do relato da criana sobre seu funcionamento. A partir da anlise

    dos resultados identificou-se que tanto os problemas observados pelos clnicos, quanto

    os reportados pela prpria criana, apresentavam-se em taxas inferiores s relatadas

    pelos cuidadores. As dificuldades com agressividade e com ansiedade/depresso dos

    pais se mostraram um fator explicativo para as discrepncias identificadas. As anlises

    com os fatores de risco revelaram uma correlao positiva entre os escores no IAF e a

    presena de dificuldades internalizantes e total de problemas relatados pelas crianas.

    Considerando os fatores de risco isoladamente, observou-se que o fator presena de

    discrdia conjugal guardava relao com as dificuldades externalizantes e totais,

    enquanto o fator presena de psicopatologia na famlia estava relacionado s

    dificuldades internalizantes. Os dados sobre adversidade ambiental sugerem a

    importncia de acompanhar os pais paralelamente ao trabalho da criana, dado que as

    condies de sade mental na famlia e a presena de conflito marital apresentam uma

    relao intrnseca com as dificuldades infantis. A partir das anlises de discordncias

    observamos que a incluso de forma sistematizada das diversas fontes mostrou-se

    relevante, pois, articuladamente ao relato dos pais, foi possvel ir alm da queixa

    declarada inicialmente e identificar outras reas deficitrias do funcionamento das

    crianas avaliadas.

    Palavras-chave: Criana, Transtornos do Comportamento Infantil, Entrevista Psicolgica.

  • Abstract

    The children's behavioral and emotional difficulties, if not overcome during childhood,

    may extend through the adult development, so it is extremely important to invest in

    studies focused on the evaluation and understanding of their behavioral problems to

    perform an intervention plan on these needs. One of the main concepts of this study is

    to recognize the importance of having multiple sources of information in the childs

    evaluation process (for instance, him/herself and the clinical psychologist) to have the

    best psychological care. The objective of this research was to identify the presence of

    behavioral problems in children based on their parents and clinical assessment, to

    analyze the risk factors that may be associated with these difficulties and to examine

    the levels of agreement and disagreement between the evaluations performed by

    multiple sources. To achieve that, we have compared the children's scores on a parent-

    report questionnaire, the CBCL, with semi-structured clinical interviews that were

    performed with 25 children referred for psychological care, of both genders and age

    range from 7 to 11 years old. We have also collected information about the presence

    of risk factors in the family (Rutter's Family Adversity Index) and about the presence of

    parents behavioral problems according to ASR. The SCICA proved to be a valid

    interview protocol to obtain behavioral observation and child's report about their

    functioning. From the analysis, we found that the problems noted by clinicians and

    reported by the child, were presented at rates lower than those reported by

    caregivers. An explanatory factor for the discrepancies found was parents aggression

    and anxiety/ depression problems. According to the analysis, Rutter's Family Adversity

    Index scores had a positive correlation with the presence of internalizing problems and

    total problems reported by children. Regarding the types of risk factors, it has been

    observed that the "marital discordance" factor was linked to the externalizing and total

    problems, while "presence of psychopathology in the family" factor was related to

    internalizing problems. Data on environmental adversity suggests the importance of

    instructing parents while the childs treatment is being conducted, given that family

    mental health problems and the presence of marital conflict have a close relationship

    with the children's difficulties. From the identified discrepancies we can conclude that

    a systematic inclusion of the various sources is relevant, since the parental-report

    integrated with clinical psychologist perception and child's report allowed to go

    beyond the main complaint initially declared and identify other deficient areas of

    children functioning.

    Keywords: Child, Child Behavior Disorders, Psychological Interview.

  • Lista de Figuras

    Figura 1. Escalas da SCICA .............................................................................................. 44

    Figura 2. Distribuio dos participantes (crianas) em funo da idade ....................... 54

    Figura 3. Distribuio dos participantes (crianas) segundo a classificao da

    inteligncia geral no Raven Infantil Matrizes Progressivas Coloridas ......................... 54

    Figura 4. Distribuio dos participantes (cuidadores) em funo da idade ................... 56

    Figura 5. Distribuio dos participantes segundo o nvel socioeconmico. .................. 57

    Figura 6. Perfil mdio da amostra nas Escalas Sndromes do CBCL/6-18 ...................... 69

    Figura 7. Perfil mdio da amostra nas Escalas Globais do CBCL/6-18 ........................... 71

    Figura 8. Perfil mdio da amostra nas Escalas Sndromes da SCICA .............................. 74

    Figura 9. Perfil mdio da amostra nas Escalas Globais da SCICA ................................... 75

    Figura 10. Anlise de Bland-Altman entre as diferenas nas avaliaes da realizadas

    pelos pais (CBCL) e pelo clnico/ criana (SCICA) para as Escalas Sndromes ................ 89

    Figura 11. Anlise de Bland-Altman entre as diferenas nas avaliaes da realizadas

    pelos pais (CBCL) e pelo clnico/ criana (SCICA) para as escalas globais. ..................... 91

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1. Distribuio dos participantes segundo as principais queixas para

    encaminhamento para atendimento psicolgico no servio-escola ............................. 53

    Tabela 2. Dados dos participantes em relao presena de fatores de risco ............. 59

    Tabela 3. Coeficientes de correlao de Spearman (rho) entre as avaliaes de

    problemas de comportamento pelo CBCL e o IAF ......................................................... 61

    Tabela 4. Coeficientes de correlao de Spearman (rho) entre as avaliaes de

    problemas de comportamento pela SCICA e o IAF ........................................................ 65

    Tabela 5. Mdia dos escores T obtidos pelas crianas nas escalas do CBCL/6-18 ......... 68

    Tabela 6. Mdia dos escores obtidos pelas crianas nas escalas da SCICA ................... 73

    Tabela 7. Mdia dos escores obtidos pelas crianas nas escalas do ASR ...................... 77

    Tabela 8. Concordncia de classificao e Coeficiente Kappa entre as medidas de

    avaliao de problemas de comportamento infantis (CBCL e SCICA) ............................ 81

    Tabela 9. Valores do coeficiente de correlao intraclasse das medidas de avaliao de

    problemas de comportamento infantis (CBCL e SCICA) ................................................. 86

  • Lista de Siglas

    APA America Psychiatry Association

    ABEP Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa

    ASEBA Sistema Achenbach de Avaliao Empiricamente Baseada

    ASR Inventrio de Autoavaliao para Adultos de 18 a 59 anos verso brasileira do Adult Self-Report

    CBCL Inventrio dos Comportamentos para Crianas e Adolescentes verso brasileira do Child Behavior Checklist

    DISC-P Diagnostic Interview Schedule for Children - Parent version

    DP Desvio Padro

    DSM Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais

    DSM-IV-TR Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais 4 edio revisada

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    EE Escala de Externalizao

    EI Escala de Internalizao

    FA Formulrio de Autorrelato da SCICA

    FO Formulrio de Observao da SCICA

    FSP-USP Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo

    IAF ndice de Adversidade Familiar

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICC Coeficiente De Correlao Intraclasse traduo de Intraclass Correlation Coefficient

    OMS Organizao Mundial de Sade

    SCICA Entrevista Clnica Semiestruturada para Crianas e Adolescentes verso brasileira da Semi-structured Clinical Interview for Children and Adolescents

    SEADE Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados So Paulo

    SPSS Statistical Package for Social Sciences

    TP Escala Total de Problemas Emocionais/ Comportamentais

    TPObs Escala Total de Problemas Observados

    TPAuto Escala Total de Problemas Autorrelatados

    TRF Inventrio dos Comportamentos para Crianas e Adolescentes Formulrio para Professores verso brasileira do Teacher Report Form

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    WHO World Health Organization

    YSR Inventrio de Autoavaliao para Adolescentes verso brasileira do Youth Self Report

  • Contedo

    1. Introduo ........................................................................................................... 13

    1.1. Avaliao de problemas de comportamento: Avaliao Baseada em

    Diagnstico e Avaliao Empiricamente Baseada ...................................................... 17

    1.2. Avaliao de problemas de comportamentos infantis .................................... 20

    1.3. Incluso de mltiplos informantes no processo de avaliao ......................... 22

    1.4. Incluso do relato da criana no processo de avaliao ................................. 26

    1.5. A utilizao de entrevista clnica com a criana na avaliao de problemas de

    comportamento infantis ............................................................................................. 29

    2. Justificativa e objetivos........................................................................................ 36

    3. Mtodo ................................................................................................................ 38

    3.1. Amostra ............................................................................................................ 38

    3.2. Instrumentos .................................................................................................... 39

    3.2.1. Para avaliao da criana ............................................................................. 39

    3.2.2. Para avaliao do cuidador principal ........................................................... 45

    3.3. Aspectos ticos ................................................................................................ 47

    3.4. Procedimento .................................................................................................. 47

    3.5. Forma de anlise dos resultados ..................................................................... 49

    4. Resultados e Discusso ........................................................................................ 51

    4.1. Caracterizao da amostra (crianas e cuidadores) ........................................ 51

    4.1.1. Caracterizao das crianas ......................................................................... 51

    4.1.2. Caracterizao dos cuidadores .................................................................... 55

    4.1.3. ndice de Adversidade Familiar .................................................................... 58

    4.2. Anlises descritivas das avaliaes de problemas de comportamento .......... 67

    4.2.1. CBCL/6-18 ..................................................................................................... 67

    4.2.2. SCICA ............................................................................................................ 72

  • 4.2.3. ASR................................................................................................................ 76

    4.3. Anlises comparativas das avaliaes de problemas de comportamento ...... 78

    5. Concluses ........................................................................................................... 98

    6. Referncias Bibliogrficas .................................................................................. 104

    7. Apndices .......................................................................................................... 113

    8. Anexos ............................................................................................................... 119

  • 13

    1. Introduo

    De todos os presentes da natureza para a raa humana,

    o que mais doce para o homem do que as crianas?

    Ernest Hemingway

    A infncia um perodo do desenvolvimento humano que, apesar de sua

    importncia, comeou a ser foco de estudos mais recentemente. Isto se deve

    possivelmente ao fato de o prprio conceito de crianas ser uma noo historicamente

    construda que sofreu modificaes ao longo dos sculos (Aris, 1981).

    At o sculo XII as crianas com sete anos j eram vistas e tratadas como

    pequenos adultos, tanto que estas vestiam-se como eles, faziam os mesmos trabalhos

    e ingressavam na comunidade sexual dos adultos quando tinham idade inferior dos

    garotos e garotas de hoje (Nascimento, Brancher, & Oliveira, 2008, p. 11).

    Atualmente, na sociedade contempornea, h diversos parmetros etrios para se

    definir criana. Segundo a Organizao Mundial da Sade pode-se considerar criana

    os sujeitos com idade entre 2 e 9 anos (World Health Organization [WHO], 1995) e o

    Estatuto da Criana e do Adolescente declara criana como sendo a pessoa desde o

    nascimento at 12 anos de idade incompletos ([ECA], Brasil, 1990). Com um parmetro

    ainda mais amplo, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia considera criana como

    sendo todo o ser humano com menos de dezoito anos, exceto se a lei nacional

    confere a maioridade mais cedo (Fundo das Naes Unidas para a Infncia [UNICEF],

    n.d., p. 6).

    A partir do sculo XIX, tanto no Brasil como em outros pases, comeou a surgir

    uma preocupao com a criana (Nascimento, Brancher, & Oliveira, 2008), no entanto,

  • 14

    apenas muito recentemente, a partir da dcada de 60, a infncia passou a ser o foco

    de pesquisadores e historiadores.

    Com o passar dos anos, a sociedade comeou a diferenci-las e a reconhecer os

    seus diretos e, nos dias de hoje, a criana parece ocupar um lugar de destaque na

    sociedade, havendo uma srie de expectativas em relao a ela. Neste perodo em que

    ocorre o desenvolvimento infantil espera-se que a criana adquira habilidades

    importantes, tanto do ponto de vista fsico, quanto mental, para lidar com os desafios

    que lhe so apresentados no dia-a-dia e com os problemas tpicos desta fase do

    desenvolvimento. Porm, o desenvolvimento normal infantil pode ser afetado pela

    presena de fatores de risco ambientais, biolgicos, psicolgicos e psicossociais

    (Rutter, 1981), que colaboram para o aparecimento de problema de comportamento.

    Estes problemas podem ser compreendidos como variaes no processo de

    desenvolvimento saudvel em consequncia de respostas adaptativas, de transtornos

    transitrios ou de desvios no desenvolvimento esperado (Gauy & Guimares, 2006).

    Apesar de Bolsoni-Silva e Del Prette (2003) afirmarem que a terminologia

    problemas de comportamento apresenta srias dificuldades quanto definio,

    classificao e diagnstico, Ross (1974) oferece uma definio bastante abrangente e

    esclarecedora. Este autor define problemas de comportamento como categorias

    comportamentais que diferem de uma norma social, arbitrria e relativa, porque

    ocorrem com uma frequncia e intensidade que as pessoas significativas do meio do

    sujeito julgam ser alta ou muito baixa (Ross, 1974). Nesta perspectiva observa-se que a

    classificao de um comportamento como problemtico no se d tanto em funo

    da topografia, mas sim do impacto que o mesmo causa no ambiente e como isto

    compreendido pelos adultos significativos do meio da criana, geralmente os pais.

  • 15

    Os padres de interao entre crianas, adolescentes e os pais se instituem de

    acordo com as condies objetivas da cultura na qual se inserem (Salles, 2005). Apesar

    de haver uma variao cultural em termos do modo de interao entre os membros da

    famlia, geralmente h uma expectativa por parte dos demais em relao ao

    desempenho social da criana e, neste caso, quando os pais identificam o

    comportamento da criana como desviante deste curso esperado de desenvolvimento,

    geralmente a encaminham para atendimento em servios de sade mental (Mash &

    Hensley, 2010).

    A busca por ajuda externa para manejar o comportamento-problema, porm,

    no est vinculada unicamente identificao do mesmo como desviante. Muitas

    vezes os adultos responsveis buscam ajuda teraputica apenas quando a queixa

    apresentada pela criana acaba por impactar o ambiente como um todo, inclusive a

    vida dos prprios pais. Por exemplo, as dificuldades de comportamento manifesto,

    como agressividade fsica ou verbal, hiperatividade, provocaes ou comportamento

    delinquente, geralmente causam grande impacto no ambiente, o que perturba a vida

    dos adultos, professores ou cuidadores da criana e os motivam a procurar

    atendimento com maior rapidez.

    Alm das dificuldades no comportamento manifesto tambm definidas como

    problemas externalizantes (Achenbach & Edelbrock, 1983) , a procura por

    atendimento tambm pode ocorrer em funo dos problemas internalizantes, como

    retraimento, ansiedade, timidez ou insegurana. Estes problemas internalizantes

    consistem em padres comportamentais privados que so menos observveis e no

    incomodam tanto os adultos, o que contribui para que, muitas vezes, no haja uma

  • 16

    busca urgente por atendimento psicolgico nestes casos (Frank, Van Egeren, Fortier &

    Chase, 2000; Marinho, 2005).

    Embora os estudos sejam divergentes em relao a quais destas dificuldades

    so mais prevalentes, queixas externalizantes ou internalizantes, o fato que, com o

    desenvolvimento de ferramentas mais avanadas de diagnstico, nas ltimas dcadas

    o nmero de crianas que apresentam problemas de comportamento pode ter

    aumentado em duas ou trs vezes (Sourander et al., 2004). Pesquisas apontam que

    cerca de 10 a 20% das crianas apresentam problemas emocionais e comportamentais,

    sendo estes as principais causas de problemas de sade mental na infncia (Stewart-

    Brown, 2003).

    Justamente em funo desta alta prevalncia de problemas de

    comportamento, a populao infantil passou a representar uma demanda recorrente

    nos servios de sade mental (Campezato & Nunes, 2007; Ferreira & Marturano,

    2002).

    Esta faixa etria merece ser foco de grande ateno, uma vez que, como

    discutido anteriormente, as dificuldades comportamentais e emocionais iniciadas na

    infncia, importantes em si mesmas, podem estender-se at a adolescncia e vida

    adulta (Stewart-Brown, 2003; Rutter, Kim-Cohen, & Maughan, 2006; Anselmi, et al.,

    2008; Copeland, Shanahan, Costello, & Angold, 2009).

    Neste sentido, imperativo que haja empenho em desenvolver ferramentas

    cada vez mais eficazes para avaliar os problemas de comportamentos desta clientela,

    para que, ento, seja possvel planejar intervenes remediativas e/ou aes

    preventivas destinadas s suas demandas.

  • 17

    1.1. Avaliao de problemas de comportamento: Avaliao

    Baseada em Diagnstico e Avaliao Empiricamente

    Baseada

    A avaliao da queixa do cliente, rea central da atuao em sade mental

    infantil, considerada de fundamental importncia por permitir a identificao e

    medida de unidades significativas de resposta, bem como suas variveis controladoras

    (tanto ambientais, quanto organsmicas) (Hayes, 1987, citado por Silvares, 2000a). a

    partir da obteno dessas informaes relativas queixa que se pode realizar a

    formulao comportamental, parte imprescindvel no processo teraputico. Esta

    consiste na organizao destas informaes e identificao das variveis e

    contingncias de controle responsveis pela etiologia e manuteno do

    comportamento-problema (Moraes, 2010).

    Apesar de existirem diversos mtodos para avaliar as dificuldades emocionais e

    comportamentais de populaes infantis, elas podem ser englobadas em dois grandes

    grupos: (1) Avaliao Baseada em Diagnstico e (2) Avaliao Empiricamente Baseada

    (Achenbach & Rescorla, 2001).

    A avaliao baseada em diagnstico, realizada por meio de uma entrevista

    diagnstica, constitui-se em um sistema de classificao de transtornos

    psicopatolgicos, no qual os problemas de comportamentos so descritos como

    sintomas de transtornos (Achenbach & Rescorla, 2007). As categorias diagnsticas que

    servem de base para este tipo de avaliao foram desenvolvidas por especialistas que,

    baseados em sua experincia clnica, formularam e estabeleceram critrios com o

    objetivo de determinar se a criana ou adolescente tem o transtorno representado por

  • 18

    aquela categoria (Achenbach & Rescorla, 2007). Neste sistema, a criana atinge os

    critrios para um transtorno caso apresente um nmero especfico de sintomas que

    compem uma categoria diagnstica.

    Ainda que esta modalidade de avaliao seja bastante difundida nos servios de

    sade mental por facilitar a comunicao interdisciplinar (Silvares, 1991), h algumas

    crticas em relao a este modelo. Belfer (2008), por exemplo, argumenta que os

    critrios da avaliao baseada em diagnstico no so propriamente adequados para a

    avaliao de crianas e adolescentes. Alm disso, tm uma aplicao limitada em

    estudos multiculturais por apresentarem uma viso muito ocidental do indivduo.

    J no modelo de avaliao empiricamente baseada, as categorias taxonmicas

    so construdas tendo como base a experincia de pais, professores, clnicos e o

    prprio paciente, pessoas que tm conhecimento sobre o funcionamento de crianas e

    adolescentes em diferentes contextos e no apenas em contexto clnico, como no

    modelo de avaliao baseada em diagnstico (Achenbach & Rescorla, 2007). Assim, o

    estabelecimento das categorias taxonmicas ocorre do seguinte modo: a partir de um

    levantamento dos problemas de comportamentos da criana ou adolescente,

    realizam-se anlises fatoriais a fim de agrup-los em escalas de avaliao de

    psicopatologias de acordo com o que encontrado nesta populao (Achenbach, et

    al., 2008). De acordo com este modelo, a criana atinge os critrios para uma sndrome

    caso apresente um nmero sintomas que, por meio de variaes estatsticas, ocorrem

    juntos (Cantwell, 1996).

    O sistema de avaliao empiricamente baseada mais usado e pesquisado no

    mundo o Sistema Achenbach de Avaliao Empiricamente Baseada (Achenbach

    System of Empirically Based Assessment ASEBA) (Achenbach & Rescorla, 2007). Este

  • 19

    sistema foi desenvolvido considerando o fato de que a avaliao psicolgica infanto-

    juvenil deve ser baseada em informaes provindas de diversas fontes de observao

    (mltiplos informantes), de ferramentas padronizadas que avaliam um grande

    espectro de psicopatologias e permitam a comparao dos resultados, inclusive entre

    diferentes sociedades (Achenbach & Rescorla, 2001). Considerando estes preceitos, o

    ASEBA consiste em um sistema composto por uma srie de inventrios que so

    aplicveis a diversos clientes, de diferentes faixas etrias, e em variadas situaes

    (Achenbach & Rescorla, 2004).

    Apesar das vantagens destacadas, este modelo criticado por clnicos

    comportamentais radicais, por basear-se na topografia dos comportamentos e no em

    sua funo (Hayes, Wilson, Gifford, Follette, & Strosahl, 1996). O argumento utilizado

    por estes autores o fato de um mesmo resultado poder ser estabelecido por diversos

    processos, ou resultados topograficamente diferentes podem ser provenientes do

    mesmo processo, sendo que este modelo no se mostra sensvel a estas questes.

    Endossando esta posio, Neno (2003) destaca que este modelo seria de pouca valia

    para orientar intervenes eficazes, pois no enfatiza a funo do comportamento.

    A despeito destas crticas, duas das maiores vantagens do modelo

    empiricamente baseado so: a possibilidade de comparar a percepo de diversos

    informantes e quantificar aspectos qualitativos do comportamento da criana que no

    podem ser imediatamente acessados por outros meios (Achenbach, et al., 2008). Estas

    vantagens vo ao encontro de um dado amplamente consensual na literatura sobre a

    avaliao de problemas de comportamento de crianas: a avaliao exige informaes

    provenientes de vrios informantes (Kraemer, Measelle, Ablow, Essex, Boyce, &

    Kupfer, 2003).

  • 20

    1.2. Avaliao de problemas de comportamentos infantis

    A relevncia de ter informaes provindas de diversas fontes, independente da

    idade do cliente, j algo consensual na literatura. No entanto, quando nos referimos

    ao pblico infantil este aspecto ganha ainda mais destaque.

    As crianas no aparecem para uma avaliao psicolgica por vontade

    prpria (Siegel, 1987, p. 15). Esta uma grande verdade, pois, no caso de crianas, a

    procura por ajuda psicolgica determinada pelos adultos que convivem com ela, ou

    seja, pais, cuidadores ou at mesmo professores buscam ajuda externa quando

    reconhecem a necessidade da interveno, mas no se sentem capazes de fornec-la

    (Shirk & Saiz, 1992).

    Comumente, em estudos de prevalncia e de avaliao de dificuldades

    emocionais e comportamentais em populao infantil, emprega-se o relato de pais

    (Costello, Egger, & Angold, 2005; Angold & Egger, 2007). interessante notar que,

    geralmente, as mes se destacam como informantes por ser o principal cuidador

    primrio, disciplinador e, teoricamente, passar mais tempo do que o pai com os filhos

    (McElroy & Rodriguez, 2008).

    Os pais podem oferecer informaes sobre o desenvolvimento geral, os

    comportamentos e o temperamento da criana, bem como sobre o funcionamento

    dela no ambiente familiar, aspectos estes que so de fundamental importncia para a

    compreenso da queixa do cliente (Carter, Godoy, Marakovitz, & Briggs-Gowan, 2009).

    Para que o clnico possa obter estas informaes sobre o funcionamento da criana, o

  • 21

    uso de escalas de avaliao e a realizao de entrevistas com os pais so as

    abordagens mais utilizadas (Verhulst, 1995).

    Reconhecidamente os pais se encontram em uma posio privilegiada para

    fornecer informaes sobre a criana, mas devemos lembrar que Kagan, Snidman,

    McManis, Woodward e Hardway (2002) elencam alguns fatores que devem ser levados

    em considerao quando analisamos o relato parental, a saber: (a) descries verbais

    so influenciadas pelas noes que os pais tm como ideal para a sociedade na qual

    esto inseridos; (b) pais que no tm uma extensa experincia com outras crianas

    possuem uma menor base para apurar e julgar o comportamento dos filhos; (c) a

    compreenso de um conceito pode variar de um pai para outro.

    Outro fator que pode enviesar o relato dos pais a elegibilidade para o

    tratamento quando buscam atendimento em servios pblicos de sade, pois eles

    podem reportar mais aspectos negativos no comportamento da criana como forma

    de garantir a vaga para receber atendimento (Mash & Hensley, 2010).

    O clnico ciente destas possveis limitaes, reconhece que o relato dos pais

    extremamente vlido e pode contribuir com informaes importantes a serem levadas

    em considerao no processo de avaliao, mas considera tambm que as condies

    ambientais influenciam o comportamento e, portanto, as reaes infantis variam em

    funo da situao ou do padro de relacionamento com a(s) pessoa(s) com a qual a

    criana est se relacionando (McConaugh, 2005). Neste sentido, importante que o

    clnico considere incluir outras fontes no processo de avaliao, tais como os

    professores, outros adultos que convivem com a criana, profissionais de sade mental

    e a prpria criana.

  • 22

    1.3. Incluso de mltiplos informantes no processo de

    avaliao

    Sabe-se que as dificuldades comportamentais que ocorrem em diversos

    contextos tornam-se mais severas e estveis ao longo do tempo (Kerr, Lunkenheimere

    & Olson, 2007). Analisar os nveis de acordo e de discordncia entre os informantes,

    como pais e professores, proporciona uma avaliao compreensiva que permitir ao

    clnico ter uma dimenso da severidade do problema infantil e dos riscos futuros que

    este pode implicar (De Los Reyes & Kazdin, 2005; Kraemer, Measelle, Ablow, Essex,

    Boyce, & Kupfer, 2003; McConaughy, 2005).

    A partir do reconhecimento da contribuio clnica do relato de mltiplos

    informantes, iniciaram-se as pesquisas sobre este tema. Na dcada de 80, Achenbach,

    McConaughy e Howell (1987) identificaram que diferentes informantes (e.g., pais,

    professores, profissionais de sade mental, observadores treinados) avaliam de forma

    discrepante as dificuldades sociais, emocionais ou comportamentais infantis. Nesta

    pesquisa os autores observaram que o ndice de concordncia entre os informantes

    geralmente eram baixos, e quando muito variavam de baixo a moderado. Os estudos

    que sucederam o trabalho desenvolvido por Achenbach, McConaughy e Howell (1987)

    tm identificado os mesmos ndices de concordncia, o que levou este dado a ser

    definido como um dos mais consistentes achados em pesquisas em psicologia clnica

    infantil (De Los Reyes & Kazdin, 2005, p. 483).

    Um dos fatores que pode afetar os ndices de correlao entre informantes o

    tipo da queixa apresentada pelo cliente. Por exemplo, quando o cliente apresenta

    queixas internalizantes, o ndice de concordncia entre os avaliadores geralmente

  • 23

    menor do que quando a queixa apresentada do tipo externalizante (Salbach-Andrae,

    Lenz, & Lehmkuhl, 2009). Isto provavelmente ocorre em funo das queixas

    externalizantes serem mais facilmente perceptveis ao meio, do que as dificuldades

    internalizantes.

    Alm do fator tipo de queixa, h de se considerar as influencias das condies

    ambientais sobre as diferenas na percepo dos informantes (McConaughy, 2005).

    Achenbach (2006) destaca que justamente por isto que ao analisarmos a

    concordncia entre dois adultos que lidam com a criana em um mesmo ambiente

    (e.g. relato de pai versus me ou relato de um professor versus outro professor)

    obtm-se um nvel de correlao levemente superior (ndice de correlao mdio:

    0,60) ao encontrado quando se compara a percepo de diversos adultos que lidam

    com a criana em diferentes contextos (e. g. relato do pai/me versus relato do

    professor) (ndice de correlao mdio: 0,28). Quando o pesquisador/clnico considera

    o impacto da variao do comportamento em funo do ambiente para analisar e

    explicar as discrepncias entre informantes, diz-se que o mesmo est se baseando

    numa perspectiva terica chamada Especificidade Situacional1.

    Outra proposta terica para explicar a discordncias entre diversas fontes

    chamada de Perspectiva das Mltiplas Caractersticas e Mltiplos Mtodos2. Esta

    perspectiva atribui as discrepncias ao vis do avaliador, pois cada informante

    forneceria uma imagem sistematicamente distorcida da pessoa que est sendo

    avaliada, em funo das suas prprias caractersticas ou do mtodo que est sendo

    aplicado. Seguindo esta perspectiva, algumas pesquisas tm se voltado para

    identificao de caractersticas dos informantes que possam explicar estas diferenas

    1 Nomenclatura original em ingls: situational specificity.

    2 Nomenclatura original em ingls: multitrait-multimethod matrix.

  • 24

    no relato, tais como histrico de transtornos psiquitricos e caractersticas da famlia,

    como presena de fatores de risco (e.g. nvel socioeconmico baixo). Em uma pesquisa

    com adolescentes refugiados, Montgomery (2008), identificou que pais com

    problemas somticos tendiam a subestimar as dificuldades comportamentais e

    emocionais de seus filhos, relatando muito menos problemas do que os prprios

    adolescentes. Chi e Hinshaw (2002) identificaram que mes depressivas tendem a ter

    um movimento oposto, reportando maiores taxas de problemas de comportamento

    do que os prprios filhos.

    Ambas as perspectivas tericas possuam um amplo suporte emprico, mas a

    qualidade de cada uma isoladamente pode refletir a limitao da outra, pois enquanto

    uma tende a ignorar o vis do avaliador, a outra tende a ignorar o impacto que o

    ambiente tem no comportamento (Dumenci, Achenbach, & Windle, 2011). Assim, ao

    analisar as discrepncias entre as avaliaes, recomenda-se que o pesquisador/clnico

    no considere unicamente uma das perspectivas, mas sim tente integr-las para ter

    uma melhor compreenso do paciente.

    No Brasil, pesquisas sobre avaliao de problemas de comportamento a partir

    de mltiplos informantes encontram-se ainda muito incipientes e a maioria delas tem

    como foco apenas a Perspectiva da Especificidade Situacional. Em 2005, Massola e

    Silvares realizaram um estudo comparando a percepo de pais, professores que

    encaminharam crianas para atendimento em uma clnica-escola e a percepo de

    observadores treinados que avaliaram a criana em um momento de interao ldica.

    Embora estes autores no tenham realizado anlises para obter um ndice de

    correlao entre os informantes, foi observado que os pais, os professores e os

    observadores diferenciam os grupos indicado e no indicado para atendimento

  • 25

    psicolgico de modo semelhante (Massola & Silvares, 2005). Focando apenas na

    relao pais-professores, Bolsoni-Silva, Marturano, Pereira e Manfrinato (2006)

    publicaram um estudo comparativo das percepes de 48 mes e 22 professoras em

    termos das habilidades sociais e problemas de comportamento de crianas que

    residiam no interior do estado de So Paulo. As anlises comparativas indicaram que,

    no caso do grupo de crianas sem problemas de comportamento, as mes indicavam

    mais problemas de comportamento do que as professoras e, j no caso de crianas

    com problemas de comportamento, foram as professoras que indicaram escores mais

    elevados na avaliao de problemas de comportamento (Bolsoni-Silva, Marturano,

    Pereira, & Manfrinato, 2006). Em 2010, Rigon Pedrini e Bitencourt Frizzo realizaram

    em Porto Alegre/RS um trabalho semelhante ao desenvolvido por Bolsoni-Silva,

    Marturano, Pereira e Manfrinato (2006). No estudo gacho, as pesquisadoras

    compararam a percepo de pais, em sua maioria mes, e professores de 88 crianas.

    Tambm sem realizar anlises que permitiriam obter um ndice de correlao, as

    autoras observaram que ambos os avaliadores concordaram significativamente em

    termos das dificuldades externalizantes, mas no das dificuldades internalizantes

    (Rigon Pedrini & Bitencourt Frizzo, 2010).

    Ainda na temtica de mltiplos informantes, mas tirando o foco da percepo

    dos professores, Borsa e Nunes (2008) publicaram um artigo comparando a percepo

    de 146 casais gachos sobre seus filhos. Este foi o primeiro estudo brasileiro sobre a

    concordncia de respostas de pais e mes quanto problemas de comportamento de

    um mesmo filho(a), a partir do CBCL (Borsa & Nunes, 2008, p. 325-326). Neste

    trabalho as autoras avanam no sentido de fornecerem um ndice de correlao entre

    informantes. Foi identificado que os pais e as mes concordavam moderadamente

  • 26

    quanto s competncias sociais e dificuldades externalizantes de seus filhos, mas

    tinham uma baixa concordncia em termos das dificuldades internalizantes e do total

    de dificuldades apresentadas pelas crianas (Borsa & Nunes, 2008). Mais

    recentemente, Rocha, Ferrari e Silvares (2011) publicaram um estudo cujo foco era

    comparar a percepo do adolescente com a de seu pai/me. As autoras observaram

    que, de modo geral, o ndice de correlao entre os informantes foi baixo, exceto para

    os problemas de externalizao, em que foi obtido um ndice moderado (Rocha,

    Ferrari, & Silvares, 2011).

    importante esclarecer que a divergncia entre informantes no significa que

    uma das partes est correta e a outra no. Pelo contrrio, as discrepncias revelam

    maneiras diferentes de encarar este fenmeno e cada informao configura uma pea

    para preencher o quebra-cabea que o funcionamento da criana (McConaughy,

    2005; Kerr, Lunkenheimer, & Olson, 2007).

    A partir do breve relato dos estudos nacionais encontrados, percebe-se que

    esta linha de pesquisa est gradualmente avanando. Mesmo que as pesquisas

    estejam caminhando neste sentido, tanto na literatura internacional quando nacional,

    ainda h algumas lacunas, como a escassez de pesquisa na rea de avaliao infantil

    que incluam outros avaliadores que no os pais, os professores e o prprio

    adolescente.

    1.4. Incluso do relato da criana no processo de avaliao

    A infncia tem as suas prprias maneiras de ver,

    pensar e sentir. Nada mais insensato que pretender

    substitu-las pelas nossas.

    Jean-Jacques Rousseau

  • 27

    Idealmente, devem ser entrevistados os pais, professores e os prprios jovens

    maiores de 11 anos (Fleitlich & Goodman, 2000, p. 3). Esta frase consta em um artigo

    publicado h 13 anos e revela um pensamento que por muito tempo esteve

    cristalizado na psicologia: crianas menores de 11 anos no so consideradas boas

    informantes devido baixa confiabilidade das respostas (Fleitlich & Goodman, 2000).

    De fato, as crianas no dispem das habilidades que geralmente os pacientes adultos

    possuem para conceituar e contextualizar as suas prprias experincias e relat-las de

    modo claro a um interlocutor. Ocorre que o aparato verbal da criana ainda no est

    desenvolvido a ponto de ela conseguir nomear e descrever seus sentimentos e

    pensamentos, tanto que comumente ao entrevist-las obtemos a resposta Eu no

    sei (Smith & Handler, 2007). Porm, a ausncia de clareza nas respostas no indica

    desconhecimento sobre seus sentimentos ou pensamentos, e sim uma incapacidade

    em compreend-los e express-los.

    Por muito tempo vigorou a perspectiva de que o relato da criana no

    confivel, no entanto, cada vez mais este ponto de vista tem sido desmistificado. Nos

    ltimos anos houve um crescimento de entrevistas e inventrios que consideram o

    relato verbal da criana. Segundo Mash e Hensley (2010), alguns fatores justificam

    cada vez mais a participao da criana no processo de avaliao, a saber:

    (1) Crescente reconhecimento de que a criana encontra-se na nica posio de observadores de si mesmos e de seu ambiente social; (2) o acmulo de dados que do suporte a ideia de que as cognio e emoes infantis influenciam seu comportamento e, s vezes, mediam o resultado da interveno; (3) a crescente nfase nos pensamentos e sentimentos da criana como alvos para o tratamento, e o concomitante aumento no uso de terapias baseadas em procedimentos cognitivos; (4) crescente preocupao em relao aos transtornos internalizantes infantis, como a depresso e a ansiedade, que requerem autoavaliao da criana sobre os seus

  • 28

    sentimentos; (5) o desenvolvimento e a grande disponibilidade de uma srie de entrevistas estruturadas e semiestruturadas e questionrios que so bem padronizados do ponto de vista psicomtrico (p. 32) [Traduo livre da pesquisadora].

    Hoje, quase consensual considerar-se que questionrios respondidos por pais

    e professores mostraram o caminho para a obteno de dados sobre a prevalncia de

    psicopatologia na populao infanto-juvenil, entretanto as crianas podem fornecer

    informaes adicionais sobre o seu estilo de interao e ter grandes contribuies a

    fazer no processo de avaliao de problemas de comportamento (Silvares & Gongora,

    1998). Alm da criana, h outros agentes sociais que podem contribuir imensamente

    neste processo, tais como psiclogos clnicos e psiquiatras, profissionais habilitados a

    realizar uma avaliao mais abrangente e precisa das dificuldades infantis. A questo

    que se impe, ento, : Como integrar a percepo do clnico s demais avaliaes?

    Hoje em dia h uma multiplicidade de tcnicas utilizadas no diagnstico de

    problemas de comportamento, tais como questionrios, testes e observaes. A

    entrevista clnica outra tcnica extremamente utilizada pelos profissionais de sade

    mental, sendo seu uso consensual entre diferentes abordagens psicolgicas. Em

    pesquisa realizada com membros da Associao Americana de Psiquiatria, Watkins,

    Campbell, Nieberding e Hallmark (1995) identificaram que a entrevista clnica foi o

    procedimento de avaliao de populao infanto-juvenil e adulta mais

    frequentemente empregada.

    Apesar da grande utilizao deste procedimento isoladamente na prtica

    clnica, poucas pesquisas tm investigado o desenvolvimento e a validade da entrevista

    clnica como fonte de informao para avaliao de problemas infantis a partir de

    mltiplos informantes.

  • 29

    1.5. A utilizao de entrevista clnica com a criana na

    avaliao de problemas de comportamento infantis

    A entrevista clnica consiste em uma interao face-a-face de influncia

    bidirecional, cujo propsito acessar aspectos do funcionamento da criana que tm

    relevncia para o planejamento, implementao ou avaliao de tratamento (Hughes

    & Baker, 1990, p. 4, citado por McConaughy, 2005). Durante a entrevista,

    entrevistador e entrevistado podem interagir e por meio de trocas verbais e no

    verbais compreender os significados e os valores que o cliente atribui as suas vivncias

    (Fraser & Gondim, 2004). Mais especificamente, a partir deste momento especfico de

    interao com a criana, o clnico poder: (a) obter informaes sobre a percepo que

    ela tem de suas prprias dificuldades, competncias e de sua vida em geral; (b)

    observar diretamente o seu comportamento, bem como perceber seus sentimentos e

    estilos de interao; (c) avaliar como a criana percebe os estmulos antecedentes e

    consequentes de um comportamento problema especfico; (d) investigar sinais de

    comportamentos de risco no geral como o risco de suicdio, risco para violncia e

    risco para problemas emocionais, comportamentais e de aprendizagem; (e)

    hierarquizar as dificuldades emocionais e comportamentais (McConaughy, 2005).

    Segundo Achenbach (2006) as entrevistas so ferramentas necessrias para se

    construir uma aliana teraputica e para tomada de decises clnicas (p. 94). Desta

    forma observamos que mais do que colaborar com informaes importantes para o

    planejamento da interveno, a incluso da criana no seu processo de avaliao pode

    estar relacionada com o resultado do tratamento empregado.

  • 30

    As pesquisas acerca da aliana teraputica, tanto em adultos como em crianas,

    tem sugerido que a aliana preditora dos resultados do processo teraputico

    (Gonalves, 2008). Durante a entrevista clnica, ao interagir com a criana por meio de

    conversas ou atividades ldicas a fim de abordar as suas dificuldades, o clnico tem a

    oportunidade de propiciar o incio de uma aliana teraputica, que, por sua vez, pode

    resultar em uma maior adeso ao tratamento.

    Yeh e Weisz (2001) realizaram a avaliao de 381 pares de pais-crianas, com o

    objetivo de identificar os nveis de concordncia em relao a queixa que deveria ser

    alvo de tratamento. Neste estudo os autores identificaram que 63% dos pares pais-

    filhos no concordam em relao ao problema alvo de tratamento, e, quando as

    dificuldades foram agrupadas em categorias, verificou-se que mais de um tero dos

    pares ainda no havia chegado a um acordo (Yeh & Weisz, 2001). As anlises destes

    dados levaram os pesquisadores a concluir que a incluso de consulta s crianas nos

    d um melhor direcionamento sobre quais sero os objetivos da interveno, ao invs

    de questionar unicamente os pais. Alm disto, estes autores destacam que

    interessante integrar as dificuldades apontadas como alvo de tratamento, de modo a

    garantir que haja adeso de ambas as partes: pais e filhos (Yeh & Weisz, 2001).

    Ainda que se reconhea as grandes vantagens da realizao de entrevistas,

    como observao direta do comportamento e a possibilidade de explorar as respostas

    da criana, os custos e o tempo consumido limitam a realizao de pesquisas focadas

    na padronizao de entrevistas, o que, por conseguinte, impede a obteno de dados

    normativos para este instrumento (Verhulst, 1995; Mash & Hensley, 2010).

    O descontentamento com a ausncia de dados normativos para um

    instrumento to tradicional na rea de avaliao de transtornos infantis motivou

  • 31

    alguns pesquisadores a desenvolverem entrevistas padronizadas. A maioria das

    entrevistas desenvolvidas, estruturadas ou semiestruturadas, foram voltadas para

    realizao de diagnsticos segundo o Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos

    Mentais, atualmente em sua quarta verso (DSM-IV; American Psychiatric Association,

    2002). Entre as desvantagens destes instrumentos baseados em diagnstico podemos

    destacar a necessidade de treinamento para conduo da entrevista, bem como a

    impossibilidade de avaliar os nveis de intensidade e as frequncias da queixa, pois o

    entrevistador reporta sim ou no ao item de problema de comportamento.

    Ademais, as normas para estas entrevistas so obtidas com base na verso vigente do

    DSM na poca em que as mesmas foram desenvolvidas. Sabidamente, este manual de

    classificao de tempos em tempos atualizado e quando h mudana na verso do

    DSM, h a necessidade de que a entrevista seja readaptada a esta verso, e no se

    sabe que impacto isto pode ter sobre a confiabilidade e validade do instrumento

    (Verhulst, 1995).

    Contrapondo estes modelos de entrevista, McConaughy e Achenbach

    comearam a pesquisar, em 1983, sobre uma abordagem de entrevista clnica

    empiricamente baseada que fosse intermediria entre estruturada e minimamente

    estruturada. O fruto destas pesquisas foi a Entrevista Clnica Semiestruturada para

    Crianas e Adolescentes (SCICA; McConaughy & Achenbach, 2001). Este protocolo de

    entrevista semiestruturada composto por questes abertas e tarefas, que visam

    avaliar a criana em nove amplas reas (e.g. amigos, escola, famlia, fantasias). Para a

    conduo da entrevista no necessrio haver um treinamento prvio, pois a tcnica

    de entrevista empregada muito prxima utilizada na prtica clnica. Alm disto,

    embora haja uma ordem e tipos de perguntas pr-estabelecidos, o clnico tem

  • 32

    liberdade para alterar a ordem, bem como adicionar questes extras a fim de

    esclarecer o contedo que est sendo discutido (Ferdinand et al., 2003).

    A maior vantagem da SCICA possibilitar a conduo de uma entrevista de

    forma ampla, aliada a uma abordagem de pontuao altamente estruturada, o que

    permite a normatizao e integralizao dos dados de avaliaes aos de outros

    informantes, obtidos a partir dos demais instrumentos ASEBA.

    Atualmente est bem disseminada a viso de que as entrevistas clnicas so

    importantes componentes para avaliao a partir de mltiplos informantes e de que a

    criana pode e deve participar do seu processo de avaliao, apesar disto, ainda so

    poucos os pases nos quais a SCICA tem sido objeto de investigao. Em uma busca no

    Pubmed3 foram encontrados apenas quatro estudos utilizando este instrumento,

    destes, um era exclusivamente com crianas, um exclusivamente com adolescentes e

    dois compreendiam tanto crianas quanto adolescentes em suas amostras. Observou-

    se que, alm dos Estados Unidos, pas onde a SCICA foi desenvolvida, os nicos pases

    com publicaes em lngua inglesa utilizando este instrumento foram a Holanda

    (Ferdinand, et al., 2003; Van Gent, Goedhart, Hindley, & Treffers, 2007; Knook et al.,

    2011) e Egito (Khater, Amr, & El-Deek, 2005; Amr et al., 2009), pases que possuem

    traduo e validao para este instrumento.

    O estudo de Ferdinand e colaboradores (2003), ao comparar a percepo de

    trs informantes, foi o primeiro estudo em que houve a incluso do clnico como fonte

    de informao utilizando a SCICA. Nesta pesquisa os autores avaliaram um grupo de 96

    crianas encaminhadas para atendimento clnico a partir de trs instrumentos do

    sistema ASEBA (CBCL, Teacher Report Form - TRF e SCICA). Um dos objetivos do estudo

    3 Base de dados para acesso a publicaes da reas de sade, mantida pelo National Center for

    Biotechnology Information, U.S. National Library of Medicine.

  • 33

    era investigar as possveis relaes entre o relato de professores, pais e clnico e

    resultados insatisfatrios (tais como problemas escolares, uso de servios de sade

    mental, problemas judiciais e/ou com a polcia) aps trs anos da primeira avaliao.

    As anlises multivariadas realizadas indicaram que a Escala de Agressividade da SCICA

    previu o desejo dos pais por ajuda profissional aps trs anos. As escalas dos outros

    instrumentos, CBCL e TRF, tambm se mostraram preditoras de resultados

    insatisfatrios neste segundo momento de avaliao (aps trs anos). A avaliao dos

    professores nas Escala de Agressividade (TRF) se mostrou como um preditor de

    problemas escolares e os escores nas escalas de Agressividade do CBCL (relato do

    cuidador), Problemas Sociais do TRF (relato do professore) e Ansiedade/ Depresso da

    SCICA (relato do clnico) foram preditores de problemas judiciais e/ou com a polcia no

    follow-up. Os mencionados autores atingiram seu objetivo ao determinar o valor

    preditivo do relato dos pais, professores e clnico, e concluram que nenhum relato de

    informante nico, nem mesmo o clnico habilitado, superior ao de outros, como pais

    ou professores, no que tange a avaliao de problemas de comportamento infantis

    (Ferdinand et al., 2003).

    Aps quatros anos desta primeira publicao com a SCICA, van Gent, Goedhart,

    Hindley e Treffers (2007) utilizaram este protocolo de entrevista para avaliar a

    prevalncia de psicopatologias em um grupo de 70 adolescentes surdos. Assim como

    na pesquisa anterior, os instrumentos CBCL e TRF tambm foram utilizados na

    avaliao, no entanto neste estudo os autores incluram uma medida adicional

    avaliao psiquitrica. A avaliao dos especialistas (avaliao psiquitrica) identificou

    que 49% dos participantes eram casos clnicos, ou seja, casos que necessitariam de

    ateno dos profissionais de sade mental. A hiptese inicial dos autores era de que as

  • 34

    avaliaes dos psiquiatras iriam identificar mais psicopatologias na amostra do que os

    inventrios individuais instrumentos ASEBA. De fato esta hiptese foi confirmada

    para o CBCL e TRF, pois segundo a escala Total de Problemas de Comportamento, as

    taxas de prevalncia de problemas clnicos foram inferiores as identificadas na

    avaliao dos psiquiatras. Todavia, para a SCICA a hiptese inicial foi refutada, dado

    que as taxas de problemas de totais foram iguais ou superiores classificao dos

    especialistas 49% da amostra obtiverem escores clnicos na escala de problemas

    observados e 64% na escala de problemas autorrelatados (van Gent et al., 2007). Para

    os autores, a disposio dos adolescentes para discutir os seus problemas de forma

    mais aberta em uma situao onde a comunicao estava ajustada s suas

    necessidades seria umas das possveis explicaes para esta maior taxa de problemas

    em nvel clnico obtido pela SCICA.

    Os dois ltimos trabalhos publicados utilizando a SCICA datam de 2009 e 2011.

    Nestas pesquisas o pblico alvo foram crianas e adolescentes com doena renal

    crnica e dor crnica. Comparando a SCICA e o CBCL, Amr e colaboradores (2009)

    observaram correlaes positivas e significativas entre: (a) a escala de autorrelato da

    SCICA e as escalas de internalizao, externalizao e total de problemas de

    comportamento do CBCL; e (b) a escala de externalizao da SCICA e a escala de

    externalizao do CBCL.

    Knook e colaboradores (2011) avaliaram seus participantes por meio de

    entrevista diagnstica com os pais (Diagnostic Interview Schedule for Children - Parent

    version DISC-P) e entrevista com a prpria criana/ adolescente (SCICA). Estes

    autores observaram que, segundo o relato dos pais, 40% das crianas tinham um

    transtorno psiquitrico, sendo que 21% tinham um transtorno psiquitrico que era

  • 35

    clinicamente relevante. No entanto, as taxas foram maiores quando se considerou o

    relato do prprio paciente. Na entrevista com as crianas/ adolescentes as taxas de

    transtorno psiquitrico, segundo as Escalas Orientadas pelo DSM, foram de 53%, sendo

    29% clinicamente relevante. Ademais, a entrevista com a criana permitiu a obteno

    de dados sobre as dificuldades especficas do cliente, que no apareceram no discurso

    dos demais. Enquanto os pais relatavam mais sintomas de ansiedade, as crianas

    relataram mais transtornos depressivos e perturbadores (Knook et al., 2011).

    Em sntese, a partir do levantamento feito, pode-se afirmar que todos os

    estudos apresentam em suas concluses a seguinte ideia: a incluso da observao de

    comportamento pelo clnico e o relato da criana como ferramentas da avaliao

    infantil contribuem fundamentalmente para a identificao de transtornos

    psiquitricos especficos (Knook et al., 2011). Alm disto, todas as pesquisas apontam a

    necessidade de estudos futuros que busquem desenvolver ferramentas eficazes para a

    avaliao clnica e compreender cada vez mais a diferena entre informantes.

  • 36

    2. Justificativa e objetivos

    O processo de avaliao comportamental visa entender e alterar o

    comportamento humano. Uma avaliao abrangente dos comportamentos deve

    garantir que as habilidades e dificuldades comportamentais sejam identificadas.

    Entretanto para a avaliao de psicopatologias infantis ainda no existe um padro

    ouro, ou seja, no h um procedimento de medida cuja exatido (validade) e preciso

    (confiabilidade) sejam suficientemente altas para a utilizao deste instrumento de

    medida em decises clnicas ou aplicaes em pesquisas seja indiscutvel (Kraemer,

    Measelle, Ablow, Essex, Boyce, & Kupfer, 2003). Em funo disto, necessrio utilizar

    mltiplos mtodos para avaliar uma ampla gama de variveis individuais e situacionais

    que tm sido identificadas como importantes para o desenvolvimento, manuteno e

    tratamento de transtornos na infncia.

    Pensando nas ferramentas teis para a avaliao, podemos destacar as

    entrevistas clnicas com a criana. bom enfatizar uma vez mais, esta ferramenta

    mostra-se de grande valia para garantir a obteno de dados relevantes e a incluso da

    criana no processo de avaliao psicolgica. No contexto clnico brasileiro o uso desta

    medida de avaliao amplo, no entanto, a ausncia de padronizao deste

    instrumento de avaliao e, consequentemente, a ausncia de normas e parmetros

    no permite ampliar a aplicabilidade deste instrumento a pesquisas e nem integrar

    sistematicamente as informaes obtidas.

    Somado a importncia de mltiplos mtodos, tambm se destaca a importncia

    da incluso de mltiplos informantes. Os comportamentos variam em funo da

    situao e da pessoa com a qual a criana est se relacionando e os dados

  • 37

    provenientes de um nico informante podem no representar de forma fidedigna este

    paciente. Assim, pais, professores, criana, e entrevista com a famlia so

    componentes essenciais da avaliao de transtornos comportamentais na infncia.

    Considerando que diversos informantes diferem ao avaliar um mesmo

    constructo e que as discrepncias entre avaliaes tm um impacto significante sobre

    a avaliao, classificao e tratamento de psicopatologia infantil (De Los Reyes &

    Kazdin, 2005) e sobre as taxas de prevalncia destas (Kraemer, Measelle, Ablow, Essex,

    Boyce, & Kupfer, 2003), estudos focados na identificao e explicao das

    discrepncias entre informantes mostram-se de suma importncia.

    O presente estudo tem como objetivo principal analisar os nveis de

    concordncia e discordncia entre as avaliaes realizadas por pais ou cuidadores

    principais e pelo psiclogo clnico em relao a dificuldades internalizantes e

    externalizantes de crianas com idade entre sete e 11 anos.

    Pretende-se tambm: (a) Avaliar problemas de comportamento de crianas a

    partir da perspectiva dos cuidador principal desta; (b) Avaliar problemas de

    comportamento de crianas a partir da perspectiva de um psiclogo clnico; (c)

    Compreender a relao entre a presena de fatores de risco (avaliados pelo ndice de

    Adversidade Familiar) e os escores de problemas de comportamento infantis, segundo

    o inventrio de comportamentos respondido pelo cuidador e a entrevista clnica com a

    criana; (d) Identificar quais caractersticas dos pais ou do cuidador principal podem ser

    preditoras das diferenas entre as avaliaes; e (e) Contribuir com dados preliminares

    da validade da Entrevista Clnica Semiestruturada para Crianas e Adolescentes -

    Formulrio de Observao e de Autorrelato (SCICA) para avaliao da populao da

    cidade de So Paulo.

  • 38

    3. Mtodo

    3.1. Amostra

    A amostra do presente estudo foi constituda por 25 crianas de ambos dos

    sexos, encaminhadas para a Clnica-Escola (Clnica Psicolgica "Durval Marcondes") do

    Departamento de Psicologia Clnica da Universidade de So Paulo em funo de

    dificuldades comportamentais, emocionais ou de aprendizagem. Tambm

    participaram do estudo os pais/cuidadores destas, tendo sido escolhido o cuidador

    principal adulto responsvel pela criana e com quem esta passa mais tempo (entre

    quatro e seis horas dirias).

    Cabe destacar que a determinao do nmero amostral do presente estudo se

    deu de forma arbitrria. Foi discutida com o Dr. Thomas Achenbach e a Dra. Leslie

    Rescorla a proposta deste trabalho e a limitao de tempo para realizao do mesmo

    (perodo de dois anos). A partir da anlise dos objetivos do estudo e da quantidade de

    instrumentos aplicados, estes pesquisadores confirmaram que uma amostra de 25

    participantes seria suficiente.

    A seguir apresentamos os critrios de incluso e excluso dos participantes:

    Critrios de incluso da criana: (a) idade entre sete e 11 anos; (b)

    pai/cuidador aceitar a participao na pesquisa e assinar o Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I); (c) criana aceitar participar

    da pesquisa e assinar o Termo de Assentimento (Anexo II).

  • 39

    Critrios de excluso da criana: (a) percentil inferior a 50 no Raven

    Infantil; (b) apresentar deficincia fsica ou epilepsia, uma vez que a

    medicao para esta doena pode lentificar o raciocnio e expresso verbal.

    3.2. Instrumentos

    3.2.1. Para avaliao da criana

    Inventrio dos Comportamentos de Crianas e Adolescentes de 6 a 18 anos

    CBCL/6-18 (Achenbach & Rescorla, 2001)4

    O Inventrio dos Comportamentos de Crianas e Adolescentes de 6 a 18

    anos, verso brasileira do Child Behavior Checklist (CBCL/6-18), foi elaborado para que

    pais ou cuidadores avaliem crianas ou adolescentes, com idade entre seis e 18 anos,

    fornecendo uma apreciao global sobre os comportamentos deles. Este instrumento

    composto por 138 itens, dos quais 20 so destinados avaliao das competncias

    da criana, divididos em trs escalas (Competncia em Atividades, Competncia Social

    e Competncia Escolar) e 118 se referem avaliao dos problemas de

    comportamento, divididos em oito escalas sndromes (Ansiedade/Depresso,

    Retraimento/Depresso, Queixas Somticas, Problemas de Sociabilidade, Problemas

    com o Pensamento, Problemas de Ateno, Violao de Regras e Comportamento

    Agressivo). A soma das escalas de competncias fornece um escore na Escala Total de

    Competncias (TC). A soma das trs primeiras escalas de problemas de

    comportamento gera a Escala de Internalizao (EI) e a soma das duas ltimas a Escala

    4 Uma amostra do questionrio pode ser visualizada no endereo eletrnico:

    http://www.aseba.org/ordering/trans_brazport.html.

  • 40

    de Externalizao (EE). A soma de todos os itens de problemas de comportamento

    gera a Escala Total de Problemas Emocionais/Comportamentais (TP). Tanto as escalas

    sndromes, quanto estas globais foram desenvolvidas a partir do sistema bottom-up5.

    O instrumento tambm tem as escalas orientadas pelo DSM, que foram

    includas em 2001. Diferentemente das escalas supracitadas, estas escalas no tiveram

    como mtodo de avaliao o sistema bottom-up. Para o desenvolvimento destas

    escalas o procedimento utilizado foi solicitar a um grupo experiente de psiquiatras que

    avaliassem quais dos 118 itens de problemas de comportamento eles consideravam

    como muito consistentes com os critrios de algumas categorias diagnsticas descritas

    no DSM-IV (Achenbach & Rescorla, 2001). A partir de anlises de concordncias entre

    os profissionais, os itens muito consistentes foram agrupados nas seguintes escalas,

    para a faixa etria escolar: Problemas Afetivos, Problemas de Ansiedade, Problemas

    Somticos, Problemas de Dficit de Ateno e hiperatividade, Problemas de Oposio

    e Desafio e Problemas de Conduta (Achenbach & Rescorla, 2001).

    Alm das escalas de competncias, escalas sndromes e orientadas pelo DSM, a

    partir de 2007 outras trs escalas passaram a ser analisadas: Problemas Obsessivo

    Compulsivo, Problemas de Estresse Ps-Traumtico e Ritmo Cognitivo Lento.

    Em estudo para obter normas brasileiras para o CBCL/6-18, Rocha e

    colaboradores (2012) observaram que as normas mais adequadas para a nossa

    populao seriam as referentes ao Grupo 3 das normas multiculturais estabelecidas

    por Achenbach e Rescorla (2007). Embora Achenbach e Rescorla (2007) tenham

    observado que os escores obtidos por crianas e adolescentes de diferentes

    5 Ver captulo 1.1. desta dissertao Avaliao de problemas de comportamento: Avaliao Baseada

    em Diagnstico e Avaliao Empiricamente Baseada para obter uma descrio detalhada deste tipo de mtodo de avaliao.

  • 41

    sociedades eram bastantes semelhantes, os autores identificaram que em algumas

    sociedades os valores mdios para as escalas foram superiores ou inferiores mdia

    estabelecida para as outras sociedades. A partir disto, foram constituidos trs grupos

    de normas para as escolas sndromes, orientadas pelo DSM e escalas de 2007: Grupo 1

    (aquelas que ficaram mais que um desvio padro abaixo da mdia geral), Grupo 2

    (aquelas que ficaram dentro da faixa de um desvio padro abaixo ou acima da mdia

    geral) e Grupo 3 (aquelas que o escore mdio do total de problemas de

    comportamento ficou pelo menos um desvio padro acima da mdia geral).

    A verso brasileira do CBCL/6-18 foi revisada por Bordin, Silvares, Rocha,

    Teixeira e Paula, em 2010 (Bordin et. al., no prelo). Este instrumento forneceu um

    perfil que ser utilizado para comparao com o perfil fornecido pela entrevista clnica,

    permitindo assim a avaliao entre mltiplos informantes.

    Entrevista Clnica Semiestruturada para Crianas e Adolescentes SCICA

    (McConauhy & Achenbach, 2001)6

    A Entrevista Clnica Semiestruturada para Crianas e Adolescentes, verso

    brasileira da Semi-structured Clinical Interview for Children and Adolescents (SCICA),

    consiste em uma entrevista clnica semiestruturada, aplicada por profissionais da rea

    da sade, como psiclogos e psiquiatras, destinada a avaliar crianas e adolescente

    com idade entre seis e 18 anos. empregada como um protocolo semiestruturado de

    questes e tarefas que representam uma amostra do funcionamento em nove amplas

    reas: (1) Atividades, escola, emprego (idades de 12-18); (2) Amigos; (3) Relaes

    familiares; (4) Fantasias; (5) Auto-percepo, sentimentos; (6) Problemas relatados

    6 A verso brasileira do SCICA pode ser solicitada atravs do e-mail: [email protected]

  • 42

    pelos Pais/Professor; (7) Testes de Desempenho - Teste de Matemtica e Teste de

    Reconhecimento de Leitura (opcionais); (8) Para as idades entre seis e 11 anos:

    Anormalidades na motricidade fina e grossa (opcional); e (9) Para as idades entre 12 e

    18 anos: Queixas somticas, lcool, drogas, problemas com a lei. O tempo estimado de

    durao da entrevista de 90 minutos.

    Aps a sesso, o entrevistador avalia quantitativamente, segundo uma escala

    de quatro pontos, os comportamentos da criana em dois formulrios: Formulrio de

    Observao (FO) e Formulrio de Autorrelato (FA). O Formulrio de Observao

    composto por 120 itens a serem avaliados para as idades entre seis e 18 anos. Este

    formulrio contm itens que descrevem problemas comportamentais e emocionais

    que podem ser observados durante a entrevista, tais como No consegue parar

    sentado(a), irrequieto(a) ou hiperativo(a), Falta de confiana ou faz observaes

    autodepreciativas, e Fala demais. Alm destes 120 itens, h o item 121 que permite

    o registro de at trs problemas adicionais observados durante a entrevista. O

    Formulrio de Autorrelato contm 114 itens que itens que descrevem os problemas

    relatados pela criana/adolescente, mais o item 247 para o registro de at trs

    problemas adicionais relatados pela criana durante a entrevista. Alguns exemplos dos

    itens de autorrelato so Relata ser alvo de provocaes, Relata ser desobediente

    em casa, e Relata no conseguir concentrar-se ou prestar ateno por muito

    tempo. Para as idades de 12 a 18 anos, h 11 itens adicionais de autorresposta (item

    236 a item 246) sobre outras queixas somticas, uso de drogas, e problema com a Lei.

    Ademais, interessante destacar que em cada um dos formulrios h 50 extrados e

    adaptados do CBCL.

  • 43

    Para pontuar quantitativamente o cliente nestes formulrios, o entrevistador

    deve seguir as seguintes diretrizes:

    0. Assinalar zero quando o comportamento descrito no item no ocorreu durante

    a entrevista.

    1. Assinalar um quando um comportamento tem uma ocorrncia sutil ou ambgua

    o entrevistador.

    2. Assinalar dois se o comportamento teve uma ocorrncia definida, com

    intensidade de leve a moderada e durao inferior a 3 minutos.

    3. Assinalar trs se o comportamento teve uma ocorrncia definida, com

    intensidade severa e durao igual ou superior a 3 minutos.

    As avaliaes realizadas no Formulrio de Observao (FO) so agrupadas em

    cinco escalas: (1) Ansiedade, (2) Retraimento/Depresso, (3) Problemas Motores/de

    Linguagem, (4) Problemas de Ateno e (5) Problemas de Autocontrole. A pontuao

    obtida no Formulrio de Autorrelato (FA) agrupada em trs escalas: (1)

    Ansiedade/Depresso, (2) Agressividade/Violao de regras e (3) Queixas Somticas

    (para adolescentes com idade entre 12-18 anos). A soma das escalas AnsiedadeFO e

    Ansiedade/DepressoFA compem a Escala de Internalizao (EI) e a soma das escalas

    Agressividade/Violao de regrasFA, Problemas de AtenoFO e Problemas de Auto-

    ControleFO compem a Escala de Externalizao (EE). Alm destes agrupamentos de

    escalas, a soma de todos os itens de problemas de comportamento observados e

    autorrelatos fornecem um Total de Problemas Observados (TPObs) e um Total de

    Problemas Autorrelatados (TPAuto).

    A Figura 1 a seguir ilustra a distribuio das escalas da SCICA.

  • 44

    Figura 1. Escalas da SCICA

    Este protocolo de entrevista foi validado em populaes clnicas norte-

    americanas e holandesas (McConaughy & Achenbach, 2001). A verso brasileira foi

    traduzida, submetida retraduo (back translation) e revisada por Emerich, Rocha e

    Silvares, em 2010. Este instrumento forneceu um perfil que foi utilizado para

    comparao com o perfil fornecido pelo CBCL/6-18, preenchido pelos pais/cuidadores,

    permitindo assim a avaliao a partir de mltiplos informantes.

    Raven Infantil - Matrizes Progressivas Coloridas

    O Raven Infantil Matrizes Progressivas Coloridas avalia a inteligncia geral de

    crianas de cinco anos a 11 anos e meio, a partir de 36 itens divididos em trs sries.

    Os itens do teste so apresentados sob a forma de um desenho ou matriz, disposta em

    ordem de dificuldade crescente. A tarefa da criana consiste em escolher, entre as

  • 45

    alternativas apresentadas na metade inferior da pgina, a que melhor completa a

    parte que falta no desenho. Os totais parciais de cada srie permitem determinar a

    consistncia da pontuao, que indica a validade do resultado. O total de acertos

    convertido em percentil (Angelini, Alves, Custdio, Duarte, & Duarte, 1999; Pasquali,

    Wechsler, & Bensusan, 2002). No presente trabalho utilizou-se a verso papel e lpis

    para a aplicao do teste.

    3.2.2. Para avaliao do cuidador principal

    Inventrio de Autoavaliao para Adultos de 18 a 59 anos ASR (Achenbach

    & Rescorla, 2003)7

    O Inventrio de Autoavaliao para Adultos de 18 a 59 anos, verso brasileira

    do Adult Self-Report (ASR), consiste em um inventrio de autoavaliao destinado a

    adultos com idade 18 e 59 anos. Este instrumento composto por 126 itens sobre

    problemas de comportamento e abuso de substncia, alm de itens destinados a

    avaliar o funcionamento adaptativo no relacionamento com amigos e famlia, situao

    educacional e de trabalho e o relacionamento com esposo(a) ou companheiro(a), se

    for relevante. Os itens de funcionamento adaptativo agrupam-se nas escalas Amigos,

    Parceiro/Cnjuge, Famlia, Trabalhos e Educao. J os itens de problemas de

    comportamento agrupam-se formando as seguintes escalas-sndromes:

    Ansiedade/Depresso, Retraimento, Queixas somticas, Problemas com o

    Pensamento, Problemas de Ateno, Comportamento Agressivo, Comportamento de

    Violar Regras e Comportamento Intrusivo. A verso brasileira do ASR foi traduzida,

    submetida retraduo (back translation) e revisada por Rocha e Silvares, em 2010.

    7 A verso brasileira do ASR pode ser solicitada atravs do e-mail: [email protected]

  • 46

    Este instrumento forneceu um perfil das dificuldades comportamentais dos pais, que

    foi comparado com os as avaliaes que estes realizaram em relao aos

    comportamentos de seus filhos, a fim de identificar possveis relaes significativas.

    Formulrio para avaliao de dados demogrficos e socioeconmicos (ndice

    de Adversidade Familiar e Critrio Brasil)

    Para a avaliao do ndice de Adversidade Familiar, sero analisados cinco itens

    considerados adversos para o desenvolvimento infantil: (1) nmero excessivo de

    pessoas na mesma casa; (2) presena de discrdia conjugal; (3) nmero excessivo de

    filhos; (4) baixa renda mensal e (5) existncia de psicopatologia na famlia (Rutter,

    1981). Assim como no estudo de Silva, Farias, Silvares & Arantes (2008), sero

    considerados como psicopatologia os casos de alcoolismo, adio s drogas,

    esquizofrenia e demais patologias mentais. Quanto maior o nmero de variveis

    presentes, maior ser o grau de adversidade familiar. O clculo deste ndice ocorrer

    da seguinte maneira: sero atribudos 0,2 pontos para cada item de adversidade,

    totalizando um escore mximo de um ponto e um mnimo de nenhum ponto. Para

    variveis como nmero excessivo de filhos, nmero excessivo de pessoas na famlia e

    baixa renda mensal, ser o utilizado como critrio de definio o valor relatado ser

    maior que um desvio-padro da mdia fornecida pela Fundao SEADE (2006) para a

    cidade em que a famlia reside (So Paulo).

    A avaliao do nvel socioeconmico ser realizada segundo o Critrio Brasil

    (Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2009). Este instrumento mede o

    poder aquisitivo das famlias baseando-se na posse de bens de consumo durveis,

    presena de empregadas mensalistas e instruo do chefe da famlia. A partir as

  • 47

    informaes fornecidas pelos pais/cuidadores, so pontuados escores e estes so

    estratificados nas seguintes classes: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E.

    Este formulrio (Apndice I) foi utilizado para obter os dados demogrficos e

    socioeconmicos, a fim de permitir a identificao de quais destas caractersticas

    poderiam estar relacionadas aos problemas indicados pelos pais/cuidadores com

    relao a seus filhos.

    3.3. Aspectos ticos

    A pesquisa somente foi realizada aps submisso e aprovao pelo Comit de

    tica em Pesquisas com Seres Humanos da Faculdade de Sade Pblica da Universidade

    de So Paulo (FSP-USP).

    Aos responsveis pelas crianas que participaram da pesquisa foi apresentado o

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a criana, foi entregue um Termo de

    Assentimento, em uma linguagem mais simplificada e de fcil acesso s crianas.

    Todos os cuidados ticos supracitados resultaram no Parecer favorvel do

    Comit de tica em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Sade Pblica da

    Universidade de So Paulo, que pode ser visto no anexo III.

    3.4. Procedimento

    Os pais ou responsveis de crianas encaminhadas para a Clnica-Escola do IP-

    USP, aps inscreverem-se para atendimento nestes servios e antes de terem iniciado o

    trabalho teraputico, foram contatados por telefone. Durante esta ligao, foi

  • 48

    explicado o objetivo da pesquisa e, caso o responsvel tivesse interesse em participar,

    seria agendado um encontro para a realizao da entrevista clnica semiestruturada

    SCICA com a criana e entrega de dois questionrios, um para que o para que o

    cuidador principal avalie as competncias e problemas de comportamento da criana

    (CBCL/6-18) e outro para que ele avalie suas prprias competncias e problemas de

    comportamento (ASR).

    As entrevistas clnicas, realizadas pela pesquisadora, ocorreram nas

    dependncias do Laboratrio de Terapia Comportamental do IP-USP. As entrevistas

    clnicas com as crianas foram realizadas em apenas um encontro, com durao

    estimada de 90 minutos. Antes do incio da entrevista, foi explicada aos pais qual a

    importncia da realizao da entrevista clnica e coletados os dados demogrficos e

    socioeconmicos. Alm disto, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido, destinado ao cuidador principal e o Termo de Assentimento, destinado

    criana.

    Enquanto a pesquisadora realizava a entrevista clnica, o cuidador principal foi

    convidado a responder ao CBCL/6-18 para avaliar as competncias e problemas de

    comportamento da criana, e responder ao ASR para avaliar as suas prprias

    competncias e problemas de comportamento. Para a maioria dos participantes, tais

    inventrios foram aplicados por um terceiro, no entanto, em alguns casos, os

    instrumentos foram autoaplicados. Aps o trmino da sesso de entrevista, eventuais

    dvidas sobre o preenchimento do ASR poderiam ser esclarecidas.

    Com a criana, a pesquisadora realizou a entrevista clnica utilizando o protocolo

    SCICA. Durante a entrevista foram discutidos tpicos relacionados aos comportamentos

    infantis. O protocolo da SCICA prev entre 15 a 20 minutos para a aplicao de Testes

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    de Desempenho, como a realizao destes no eram necessrios para se atingir os

    objetivos propostos, durante este perodo foi aplicado o Raven Infantil - Matrizes

    Progressivas Coloridas.

    As entrevistas clnicas com as crianas foram filmadas, de modo que o clnico

    pudesse assisti-las e ter uma melhor apreciao dos comportamentos verbais e no

    verbais emitidos pelas crianas durante o momento de interao.

    Por fim, cabe destacar que, aps a realizao da entrevista SCICA e correo de

    todos os instrumentos, a pesquisadora elaborou um relatrio a respeito das avaliaes

    realizadas. Este seria arquivado no pronturio do paciente junto Clnica-escola, de

    modo a permitir que o psiclogo que atenderia esta criana na fase teraputica

    pudesse ter um panorama das dificuldades e competncias desta, avaliadas

    previamente, para, assim, fazer sua prpria avaliao do caso e elaborar o plano de

    interveno. Alm disto, a pesquisadora forneceu uma devolutiva aos pais.

    3.5. Forma de anlise dos resultados

    Foram realizadas anlises dos nveis de concordncia entre as avaliaes dos

    comportamentos infantis realizadas por pais/cuidador principal (CBCL) e pelo psiclogo

    clnico (SCICA), atravs dos grficos de Bland-Altman e Regresso Ortogonal, alm do

    Coeficiente De Correlao Intraclasse (Intraclass Correlation Coefficient - ICC8) entre as

    escalas do CBCL e da SCICA e pelo coeficiente de Kappa quando considerado o crit