autogestao mario pedrosa

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Mário Pedrosa: A revolução ativa de massa e a autogestão (1ª parte) Tal qual Gramsci nos anos 30, Pedrosa nos anos 40 tenta repensar a questão da revolução no neocapitalismo, incluindo a questão dos países subdesenvolvidos. Por Cláudio Nascimento Em Mário Pedrosa vamos encontrar elementos fundamentais sobre o conceito gramsciano de «revolução ativa», em sua obra de 1966 A Opção Imperialista, mas que retoma ensaios da época em que estava exilado nos EUA. A Opção Imperialista traz um capítulo intitulado Reformas contra-revolucionárias. Nele, Mário assinala que «O fato decisivo, realmente, de toda essa época que se poderia chamar de nazi- rooseveltiana foi a transformação não somente política mas econômica por que passou o mundo. Não se pode compreender, na sua essência e na sua dinâmica, o complexo sócio-econômico capitalista ocidental de hoje sem a consciência clara e objetiva das transformações iniciadas com a grande depressão de 1929-30 e o Plano Marshall de 1947. Que se passou então? O capitalismo liberal, impotente para vencer a depressão e repor em marcha o mecanismo produtivo e econômico mundial, cedeu lugar a regimes transitórios e totalitários, cujo obscurantismo político, moral e cultural revelava profundo retrocesso da própria civilização ocidental. O terrível paradoxo foi que, no plano econômico e financeiro, aqueles regimes quebraram várias ortodoxias intocáveis do capitalismo clássico decadente. A época atual provém, em grande parte, daquele paradoxo. Conhecê-lo é indispensável à compreensão dos acontecimentos e de muito dos traços característicos de agora. É o que nos propomos demonstrar neste capítulo. «A mais importante daquelas ortodoxias era a irremovibilidade do padrão ouro como fundamento sine qua non de todas as transações comerciais, financeiras do sistema capitalista dentro e fora das fronteiras nacionais dos países. Nos Estados Unidos, Roosevelt quebrou o padrão monetário do dólar, desligando-o do ouro, interveio nos bancos para controlá-los, lançou, segundo a receita keynesiana, vasto programa de obras públicas em pleno recesso, para absorver o desemprego em massa, enquanto na Alemanha Hitler, sem um tostão em ouro nos cofres do Tesouro Nacional, cria várias espécies de marcos, controla bancos, põe fábricas em funcionamento, mesmo sem levar em conta sua rentabilidade contábil e milhões de trabalhadores desempregados a abrir e pavimentar estradas para os futuros exércitos, contentando assim militares e oficiais ociosos e dando satisfação aos grandes magnatas do ferro e do aço, do carvão, da indústria química e da eletricidade que o financiaram e cuja febril atividade encheria o país de quartéis, depósitos, fábricas, minas, armamentos de toda sorte. A Alemanha sai da depressão, apresenta-se forte, com aparência de próspera. Hitler fez reformas, Mussolini fez reformas, mas essas reformas tinham socialmente, culturalmente, politicamente caráter anti- histórico e obscurantista: eram o que me permiti, então, chamar de “reformas contra-revolucionárias”». Em nota de pé-de-página, Pedrosa acresce: «A ascensão da classe operária, que se fazia em nome dos direitos democráticos que ela ia conquistando, um a um, numa luta de sacrifícios durante mais de um século, deixou de ser sua obra, para o ser de um punhado de especialistas e funcionários, de burocratas que em nome dela decidiam de tudo, sem consultá-la. Ao contrário, mistificando-a. Eis a essência das reformas contra-revolucionárias da época. Eis aí porque fascistas e nazistas puderam organizar partidos de estrutura análoga a dos partidos comunistas e com tais métodos e instrumentos puderam fazer amplas incursões no seio do movimento operário, com os resultados que se sabe». Para Pedrosa, as «reformas contra-revolucionárias» definiram toda uma época entre as duas guerras. Pedrosa define as alternativas políticas que surgiram nessa época, de um lado, «a solução fascista»: ela «consistiu precisamente em deformar a economia do mercado livre, mas ao preço da extirpação das instituições democráticas. Os fascistas criaram as moedas dirigidas, intervieram no mercado de trabalho para impedir as greves, controlaram os bancos e, finalmente, para repor em marcha a economia, entregaram-se ao surto armamentista que constituiu o grande mercado para as forças produtivas, inativas até então por falta de escoadouros. Essa foi a reforma contra-revolucionária dos países fascistas totalitários», conclui Mário. Em relação à União Soviética, Pedrosa afirma: «Essas economias que prolificaram até a Segunda Grande Guerra tiveram a sua expressão mais acabada sob o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão. Não foram, contudo, liquidadas com a guerra. Dariam lugar a formações idênticas, embora em graus de acabamento diferentes e de origens às vezes opostas. Hoje temos, sob outras formas políticas e com outra ideologia, sistemas econômicos semelhantes. A economia mais acabada nesse sentido é a da própria União Soviética… Na Rússia, deu-se uma evolução no sentido da totalitarização da economia e da sociedade… O Estado tornou-se senhor de todos os meios de produção. Nesta base, uma nova casta dominante surgiu… Todas as formas de organização econômica e política perderam a sua autonomia, integradas no aparelho estatal. Não existe ali nenhum contrapeso de controle democrático.

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Livro sobre a obra do trotskista Mário Pedrosa, fundador da IV Internacional.

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  • Mrio Pedrosa: A revoluo ativa de massa e a autogesto (1 parte)

    Tal qual Gramsci nos anos 30, Pedrosa nos anos 40 tenta repensar a questo darevoluo no neocapitalismo, incluindo a questo dos pases subdesenvolvidos. Por Cludio Nascimento

    Em Mrio Pedrosa vamos encontrar elementosfundamentais sobre o conceito gramsciano derevoluo ativa, em sua obra de 1966 A OpoImperialista, mas que retoma ensaios da poca em queestava exilado nos EUA. A Opo Imperialista traz umcaptulo intitulado Reformas contra-revolucionrias.Nele, Mrio assinala que O fato decisivo, realmente,de toda essa poca que se poderia chamar de nazi-rooseveltiana foi a transformao no somente polticamas econmica por que passou o mundo. No se podecompreender, na sua essncia e na sua dinmica, ocomplexo scio-econmico capitalista ocidental dehoje sem a conscincia clara e objetiva dastransformaes iniciadas com a grande depresso de1929-30 e o Plano Marshall de 1947. Que se passouento? O capitalismo liberal, impotente para vencer adepresso e repor em marcha o mecanismo produtivo eeconmico mundial, cedeu lugar a regimes transitriose totalitrios, cujo obscurantismo poltico, moral ecultural revelava profundo retrocesso da prpriacivilizao ocidental. O terrvel paradoxo foi que, noplano econmico e financeiro, aqueles regimesquebraram vrias ortodoxias intocveis do capitalismoclssico decadente. A poca atual provm, em grandeparte, daquele paradoxo. Conhec-lo indispensvel compreenso dos acontecimentos e de muito dos traoscaractersticos de agora. o que nos propomosdemonstrar neste captulo.

    A mais importante daquelas ortodoxias era airremovibilidade do padro ouro como fundamentosine qua non de todas as transaes comerciais,financeiras do sistema capitalista dentro e fora dasfronteiras nacionais dos pases. Nos Estados Unidos,Roosevelt quebrou o padro monetrio do dlar,desligando-o do ouro, interveio nos bancos paracontrol-los, lanou, segundo a receita keynesiana,vasto programa de obras pblicas em pleno recesso,para absorver o desemprego em massa, enquanto naAlemanha Hitler, sem um tosto em ouro nos cofres doTesouro Nacional, cria vrias espcies de marcos,controla bancos, pe fbricas em funcionamento,mesmo sem levar em conta sua rentabilidade contbil emilhes de trabalhadores desempregados a abrir epavimentar estradas para os futuros exrcitos,contentando assim militares e oficiais ociosos e dandosatisfao aos grandes magnatas do ferro e do ao, docarvo, da indstria qumica e da eletricidade que ofinanciaram e cuja febril atividade encheria o pas dequartis, depsitos, fbricas, minas, armamentos detoda sorte. A Alemanha sai da depresso, apresenta-seforte, com aparncia de prspera. Hitler fez reformas,

    Mussolini fez reformas, mas essas reformas tinhamsocialmente, culturalmente, politicamente carter anti-histrico e obscurantista: eram o que me permiti, ento,chamar de reformas contra-revolucionrias.

    Em nota de p-de-pgina, Pedrosa acresce: Aascenso da classe operria, que se fazia em nome dosdireitos democrticos que ela ia conquistando, um aum, numa luta de sacrifcios durante mais de umsculo, deixou de ser sua obra, para o ser de umpunhado de especialistas e funcionrios, de burocratasque em nome dela decidiam de tudo, sem consult-la.Ao contrrio, mistificando-a. Eis a essncia dasreformas contra-revolucionrias da poca. Eis aporque fascistas e nazistas puderam organizar partidosde estrutura anloga a dos partidos comunistas e comtais mtodos e instrumentos puderam fazer amplasincurses no seio do movimento operrio, com osresultados que se sabe.

    Para Pedrosa, as reformas contra-revolucionriasdefiniram toda uma poca entre as duas guerras.Pedrosa define as alternativas polticas que surgiramnessa poca, de um lado, a soluo fascista: elaconsistiu precisamente em deformar a economia domercado livre, mas ao preo da extirpao dasinstituies democrticas. Os fascistas criaram asmoedas dirigidas, intervieram no mercado de trabalhopara impedir as greves, controlaram os bancos e,finalmente, para repor em marcha a economia,entregaram-se ao surto armamentista que constituiu ogrande mercado para as foras produtivas, inativas atento por falta de escoadouros. Essa foi a reformacontra-revolucionria dos pases fascistas totalitrios,conclui Mrio.

    Em relao Unio Sovitica, Pedrosa afirma: Essaseconomias que prolificaram at a Segunda GrandeGuerra tiveram a sua expresso mais acabada sob ofascismo italiano e o nacional-socialismo alemo. Noforam, contudo, liquidadas com a guerra. Dariam lugara formaes idnticas, embora em graus de acabamentodiferentes e de origens s vezes opostas. Hoje temos,sob outras formas polticas e com outra ideologia,sistemas econmicos semelhantes. A economia maisacabada nesse sentido a da prpria Unio SoviticaNa Rssia, deu-se uma evoluo no sentido datotalitarizao da economia e da sociedade O Estadotornou-se senhor de todos os meios de produo. Nestabase, uma nova casta dominante surgiu Todas asformas de organizao econmica e poltica perderam asua autonomia, integradas no aparelho estatal. Noexiste ali nenhum contrapeso de controle democrtico.

  • O estado dispe ao mesmo tempo da totalidade dopoder econmico e do poder poltico. (Mrio Pedrosa,Os socialistas e a III Guerra Mundial, Rio, 1948).

    Pedrosa analisa o resultado dessa situao, no campoterico: Nos partidos comunistas imperavam omonolitismo sfaro e, no fundo, retrgrado dostalinismo, a mais terrvel estreiteza terica e umacombinao do oportunismo com um sectarismoorganizatrio do mais completo feitio totalitrio. AUnio Sovitica fazia ento uma poltica de ferozrealismo nacional russo nos pases ocupados (amigosou inimigos) e no jogo com as outras grandes potnciasde um oportunismo realmente digno delas. Ossocialistas (ou comunistas) restantes pelo mundo,quando lcidos, eram impotentes; quando carregandoainda poderosas massas trabalhadoras atrs deles, notinham independncia em face de seus respectivosgovernos nacionais e ainda mais rotineiros e semprincpios, no seu oportunismo visceral, que osstalinistas. Da resultou a impotncia tericageneralizada no mundo imenso do socialismo numaprtica, consequentemente, inconsistente, contraditria,do mais baixo empirismo.

    Quanto Unio Sovitica, retomava sua poltica deintensificao da indstria pesada, tentando, aqui eacol, conquistar novas posies no exterior, na baseda mesma velha estratgia de antes da guerra e develhas formulaes tericas num mundo que assistia aodesmentido mais acabado as perspectivas socialistas,comunistas, marxistas quanto ao futuro docapitalismo O mundo est pagando caro essaimpotncia terica.

    Mrio Pedrosa exps, em detalhes, o que chama dearsenal totalitrio das reformas contra-revolucionrias. Sob o regime das reformas contra-revolucionrias institucionalizadas, inclusive nospases democrticos ocidentais, a eficincia produtivaaumentou, a racionalidade econmica cresceu, acultura chegou s massas, mas tudo em detrimentodo homem, do homem com seus fins e aspiraescontraditrias, substituveis esses por jornadas detrabalho cada vez mais curtas mas infinitamente maisintensas e um dia cada vez mais cheio de mata-tempos,distraes e divertimentos organizados, sistemas deinformaes crescentes em quantidade e relativadiminuio do valor, propaganda das vantagens damelhor democracia, da melhor cerveja, do melhorcalista, do melhor negcio, da melhor igreja, do melhorcinema, circo ou jogo, do melhor poltico, do melhorcampeo, do melhor governo, do melhor trabalhadorou patro, do melhor doutor, da melhor me, etc, etc. Omelhor no pior tambm objeto de admirao. Todasas manifestaes culturais de nosso tempo participamdesse otimismo, desse enfechamento sobre o presente o pio do povo.

    Conclui Pedrosa: As categorias sociais desaparecem,o homem atomizado; o ideal da democracia, da boa,isto , representativa. Esse ideal foi criado pelo

    fascismo. o que impera nos Estados Unidos. Essa aessncia do neocapitalismo; neste contexto, qual oproblema fundamental? Como repensar a estratgiarevolucionria?

    Mrio Pedrosa: um projeto nacional cultural

    O Poder Nacional no pode antecipar-se ao estadofludico da prpria sociedade, e s alcanar aplenitude de sua fora e de sua coeso quando aquelasclasses (as classes oprimidas) encontrarem, dentro dotodo nacional, o seu lugar ao solMrio Pedrosa

    Diz-nos Mrio Pedrosa: Por vezes, de certos crculosinesperados vm luminosas observaes que ajudam acolocar o problema fundamental de pasessubdesenvolvidos e massas trabalhadoras com suasaspiraes sociais em face do neocapitalismo, querdizer, o problema da reforma ou revoluo. Mrio falada obra de E. Staley, O Futuro dos PasesSubdesenvolvidos (1963). Entretanto, ser da obra deMyrdal, International Economy (1956), que Pedrosaextrair elementos fundamentais. Assim, Myrdal situa aquesto: mas, mesmo assim, as reformas no soprovavelmente dadas s pobres massas populares spor causa da racionalidade e benevolncia das classesprivilegiadas; como sempre previamente na histria, asreformas tm de ser conquistadas pela luta, vencendo aresistncia tenaz da maioria dos que tm de aceitarsacrifcios. E sem diminuir a importncia dosconselhos e da presso de fora, como exemplificadospelos vrios grupos das Naes Unidas, a luta decisivatem de ser travada no terreno domstico. As reformastero de vir como resultado de um processo poltico deeficcia crescente. Comenta Pedrosa: Assim, emlugar de condenar as lutas pelas reformas como ummal, o economista europeu socialmente conscientetende a consider-las como inevitveis e tambmfecundas. que essas lutas, diz ele, acarretam em simesmas uma preparao, um exerccio educacionalinsubstituvel na democracia. Myrdal, que no marxista, aproxima-se aqui do velho Marx na suamaneira propedutica de educar democraticamente ospovos e os homens na ao e pela ao. Esseprocesso, continua Mrio Pedrosa, cumulativo emcarter e, do ponto de vista oposto, nada mais apto afortalecer a base para os frgeis comeos dademocracia poltica nos pases no desenvolvidos doque embarcarem com sucesso nas reformas necessriaspara quebrar as desigualdades sociais e econmicas.

    Essa viso de Mrio Pedrosa est inspirada nostrabalhos de Andr Gorz, basicamente em EstratgiaOperria e neocapitalismo (1964). Num livro sobmuitos aspectos novo e construtivo pela originalidade esobretudo pela maneira de repor o problema capital daestratgia da revoluo socialista em nossa poca.Vamos seguir o pensamento de Pedrosa: O problemada revoluo nos pases subdesenvolvidos diferente,sem dvida, do da revoluo nos pases de altaindustrializao. A diferena maior, quanto forma,

  • est em que a velha alternativa entre a luta pelasreformas e a insurreio armada deixou praticamentede existir, principalmente nos velhos pases altamenteindustrializados do Ocidente. Mrio fala dodesenvolvimento tecnolgico e das mudanas no queMarx chamava de assalariados produtores.

    Assim, A revoluo socialista ope ao consumismoalienante do neocapitalismo outra concepo dasnecessidades. uma gigantesca tarefa social,econmica, cultural, tica, desalienante. Areforma revolucionria nos pases de neocapitalismo a transformao deste, por dentro, em socialismo. Estese vai impondo e introduzindo na estrutura daquele attransform-lo, fazendo dele o seu contrrio. As nossasreformas so a revoluo dos subdesenvolvidos revoluo mais ampla e menos definvel, maiscontraditria e complexa, mais impetuosa e maisplebia, mais popular, isto , menos homogneasocialmente Ela tambm visa a dar s populaesque vivem no interior de seu territrio um sentimentonovo, o de uma participao coletiva num todonacional cultural enfim acabado ou completo, capaz defalar, entender-se, comunicar-se com o mundo numacento que lhe prprio.

    S reformas dessas que no so contra-revolucionrias, mas reformas revolucionrias. Paraos subdesenvolvidos no h outras. Pedrosa afirma anecessidade, a fecundidade da interveno ativa dopovo na efetivao das reformas verdadeiras,estruturais; sem essa interveno no podero elasvingar A experincia histrica tem mostrado que aoconcorrer para a melhor organizao dos elementos dedefesa e afirmao social das camadas populares eproletrias da sociedade vai a luta de classes perdendoem violncia, em virulncia, em exploses sbitas,como outrora, de rebeldes famintos, de escravosoprimidos, de negros perseguidos (nos EUA e nafrica, e outrora no Brasil, no Haiti) e a se desenrolarem processos de luta organizados, bem delimitados,viris mas disciplinados.

    Adiante define que As reformas de estrutura, de que

    tanto se fala, precisam de dois requisitos para assimserem definidas: participao direta, cooperao ativana sua execuo, do povo, das camadas de rendasbaixas e mdias, ao contriburem para controlar oconsumo dos ricos, e trmino da explorao dasmassas proletrias pelo imperialismo.

    Aqui, Pedrosa aproxima-se da definio de hegemonia.Citando o velho marxista Karl Kautsky, doCaminhodo Poder (1909): a revoluo proletria seria dirigida nos pases de alto desenvolvimento naturalmente por uma classe operria senhora de seus destinos, tendoo que perder, rica em quadros experimentados emtodos os setores da vida social e cultural, forte de suaspoderosas organizaes sindicais, polticas, culturais,etc A luta de classes, assim e o pensamento vemdireto de Marx e de Engels no necessariamente umprocesso de agravamento de violncias e subverses,nem de caos, mas pode ser um processo dedisciplinao, educao e criatividade das massasproletrias.

    Retomando o livro de Mrio Pedrosa, A OpoImperialista, vemos que o autor volta a um texto de1948 (Os Socialistas e a Guerra), em que analisa osfenmenos do nazi-fascismo, do americanismo-fordismo, do stalinismo, emprega o conceito dereformas contra-revolucionrias, para chegar definio das revolues nos pases do chamadoTerceiro Mundo. Vimos que este conceito temafinidades com o gramsciano de Revoluo Passiva,elaborado, sobretudo, no seu estudo sobre oamericanismo, nosQuaderni del Carcere, Einaudieditore, Torino, 1975, nmero 22 (1934). Gramsciconcebe o americanismo como uma das formas derevoluo passiva e pensa o seu corolrio: a revoluoativa socialista.

    Tal qual Gramsci nos anos 30, Pedrosa nos anos 40tenta repensar a questo da revoluo noneocapitalismo, incluindo a questo dos pasessubdesenvolvidos. O velho debate Oriente contraOcidente.

    Mrio Pedrosa: A revoluo ativa de massa e a autogesto (2 parte)

    Mrio Pedrosa dialoga com Gorz (Estratgia Operria e Neocapitalismo, 1964), para retomar suas questes sobre revoluo e reforma, Ocidente e Oriente. Por Cludio Nascimento

    Neocapitalismo, mundo do trabalho eautogestoNum livro sob muitos aspectos novo econstrutivo pela originalidade de conceitos esobretudo pela maneira de repor o problema

    capital da estratgia da revoluo socialista emnossa poca, Andr Gorz retoma de algumaforma a questo da natureza das reformas econtra-reformas, revoluo e contra-revoluode que to cheia nossa poca Gorz trata oproblema posto por ns nos idos de 40: a

  • natureza de certas transformaes havidas oupor haver no funcionamento ou nas estruturasdo capitalismo. Gorz dirige-se especialmente aomovimento socialista nos pases desenvolvidosda Europa ocidental. Dir-se-ia no nos tocar.Engano. O problema da revoluo nos pasessubdesenvolvidos diferente, sem dvida, do darevoluo nos pases de alta industrializao. Adiferena maior, quanto forma, est em que avelha alternativa entre a luta pelas reformas e ainsurreio armada deixou praticamente deexistir, principalmente nos velhos pasesaltamente industrializados do Ocidente. Quanto fora motriz dos movimentos, contrariamenteao que se pensa, continua nos pases de altodesenvolvimento, a poder ser representada pelaclasse trabalhadora redefinida. Os assalariadosprodutores a que se referia Marx no podemmais ser confinados a noo de trabalhadoresmanuais, criadores de mais-valia, pagos porpea ou hora. O desenvolvimento tecnolgico eprodutivo ampliou extraordinariamente essanoo.No capitalismo global, diz Pedrosa, aalienao que outrora recaa sobre os operrios,como produtores mutilados pela suaconcentrao nas tarefas parceladas na fbrica,agora se completa quando ele aparece comoconsumidor, ao qual a publicidade arrebatou apossibilidade de escolher ou mesmo dereconhecer suas prprias necessidadespessoais.Para Pedrosa, esse capitalismo global resultante das reformas contra-revolucionriasdos anos 20 e 30.Sob o regime das reformas contra-revolucionrias institucionalizadas, inclusivenos pases democrticos ocidentais, a eficinciaprodutiva aumentou, a racionalidade econmicacresceu, a cultura chegou s massas, mas tudoem detrimento do homem, do homem com osseus fins e aspiraes contraditrias,substituveis estes por jornadas de trabalho maiscurtas mas infinitamente mais intensas e um diacada vez mais cheio de mata-tempos, distraese divertimentos organizados, sistemas deinformao crescentes em quantidade e relativadiminuio do valor, propaganda das vantagensda melhor democracia,da melhor cerveja, domelhor calista, do melhor negcio, da melhorigreja, do melhor cinema, circo ou jogo, do

    melhor poltico, do melhor campeo, do melhorgoverno, do melhor trabalhador ou patro, domelhor doutor, da melhor me, etc., etc Tudoisso vem do arsenal totalitrio das reformascontra-revolucionrias. As categorias sociaisdesaparecem, o homem atomizado; o idealda democracia, da boa, isto , representativa.Esse ideal foi criado pelo fascismo. o queimpera nos Estados Unidos.Claramente, v-se que Pedrosa assimilouprofundamente sua vivncia nos EUA. NosEstados Unidos, o mecanismo da produo emmassa do neocapitalismo criou uma supremacategoria social, medida pelo maior nmero debens durveis que possui um cidado. Aclassificao do homem na sociedade tende adesligar-se de seu trabalho e de sua funo naproduo para caracterizar-se pelo grau de seuconsumo. () Ao fabricar em massa as coisasmais espontneas ou casuais, por definioartesanais ou do fazer manual, soinstitucionalizadas, como a torta, a maionese, apipoca, o sorvete, o brinquedo, a gravata, obonde, o berimbau, o saxofone, a esteira, orosrio, o santo, a imagem, a lembrana, o amor,o casamento, etc. Assim, a populao inteira,todos os dias, de norte a sul, de leste a oeste dopas, come a mesma torta, a mesma salada, nasmesmas horas, de alto a baixo da escala social.Para Mrio, a revoluo socialista ope aoconsumismo alienante do neocapitalismo outraconcepo das necessidades. uma gigantescatarefa social, econmica, cultural, tica,desalienante. A equipe dos trabalhadorescientistas representa papel primordial. Onde otrabalho parcelado, subordinado norma derendimento, onde produz fadiga nervosa efsica, periodicamente, sistematicamente, ondese faz um ambiente de massa ou coletivo,seriado, mas no qual no tem o trabalhador umaviso de conjunto do produto em elaborao,onde o estatuto pessoal do trabalhador subsumido no grupo ou categoria na fabrica, nolaboratrio, no escritrio, na empresa, noempreendimento, onde as relaes pessoaisentre o trabalhador, o assalariado individual e odiretor, o gerente, o patro, no existem mais estamos em face do produtor assalariado, sejaum trabalhador manual, um operrioqualificado, um tcnico, um engenheiro, umpesquisador, um sbio. E na categoria de

  • produtor assalariado so todos membros,potencialmente, essencialmente, da classeoperria. No o capitalismo, nem mesmo oneocapitalismo que dispe ainda de fronteirasabertas. O mundo do trabalho o mundo defronteiras abertas; ele no pode, porm, comomostra Belleville (Une Nouvelle ClasseOuvrire, 1963), esperar passivamente que suasfileiras cresam. Tem ele, em compensao, apossibilidade de reivindicar as fronteiras novas.Compete ao sindical moderna essereivindicar de novas fronteiras para o trabalho.Uma civilizao do trabalho, obra da prxis daclasse operaria, a alternativa civilizaoneocapitalista.Bases de um projeto nacional culturalPedrosa retoma sua questo da reforma. Areforma revolucionria nos pases deneocapitalismo a transformao deste, pordentro, em socialismo () As nossas reformasso a revoluo dos subdesenvolvidos revoluo mais ampla e menos definvel, maiscontraditria e complexa, mais impetuosa emais plebia, mais popular, isto , menoshomognea socialmente. Ela todo um processode mudanas contnuas nas estruturas dasociedade, desde uma alterao profunda nodinamismo social das populaes rurais, em queuma velha classe de proprietrios fundiriosdesaparece para dar lugar a uma nova classe decapitalistas agrcolas em face de um novoproletariado rural direta e organizadamenteassalariado, a uma modificao no menosradical na ordem econmica geral, comcrescimento considervel do setor dapropriedade pblica at colocar sob o seucontrole as principais alavancas de comando daeconomia nacional. O peso especfico da classetrabalhadora tende a aumentar e o crescimentodas foras produtivas ir depender de mais amais das tcnicas de planejamento e de umapoltica de investimentos de carteracentuadamente social. Ela tambm visa a dar spopulaes que vivem no interior de seuterritrio um sentimento novo, o de umaparticipao coletiva num todo nacional cultural[grifo nosso] enfim acabado ou completo, capazde falar, entender-se, comunicar-se com omundo num acento que lhe prprio.Segue Pedrosa: Esse o modelo que a histriae a experincia emprica tm elaborado para o

    Terceiro Mundo. As revolues dos pases doTerceiro Mundo tendem a refletir-se umas sobreas outras e a revelar uma face internacional cadavez mais pronunciada. As revolues nacionaisdos subdesenvolvidos tm no s problemascomuns mas tambm inimigos comuns. Elas nopodem vencer sem uma reforma profunda naestrutura do comrcio internacional e, logo, daeconomia internacional () A revoluo dossubdesenvolvidos absolutamente anti-imperialista. A luta anti-imperialista, para servitoriosa, tem de ser levada a efeito numa frentecomum dos pases subdesenvolvidos, como suapoltica permanente, independentemente deconjunturas nacionais crticas ou crnicas ()Nessa poltica externa est contida a condiofundamental para a realizao do objetivonacional permanente a emancipao. Astarefas internas urgentes sero irrealizveis oupara realiz-las o esforo e o sacrifcio seroainda mais penosos sem uma ao coletiva dasnaes incompletas em marcha para aintegrao nacional no plano regional e no planointernacional.A revoluo dupla (anti-imperialista eanticapitalista)A revoluo dos subdesenvolvidos assimdupla: a emancipao nacional em face dosinteresses imperialistas alheios e contrrios emancipao social das classes oprimidas e debaixos e mdios rendimentos, internamente.No basta que desenvolvamos ou criemos umaindstria, equipando-a com todos os recursos deque precise, arrancando os capitais ondeestiverem para aquele fim, mas nas prximasdcadas j no se poder tolerar que essatarefa se faa exclusivamente s custas damisria das nossas populaes. preciso que aomesmo tempo se alimente o povo, se vista opovo, se abrigue o povo, se o eduque, para umanao moderna e modernamente equipada. Ocontrole das rendas ter de ser severo, o controledos investimentos implacvel, a reduo dosganhos improdutivos ser uma necessidade, aestandardizao dos bens de consumo e durveisuma imposio social, o monoplio do comrcioexterior e do cmbio sem brechas, prioridadeabsoluta dos instrumentos pblicos de ensino eeducao tecnolgica para o povo (inclusiveguerra ao analfabetismo); destruio do velhoaparelho estatal e sua remodelao completa

  • para servir as transformaes da economia e dasociedade, abolio das foras armadas e suasubstituio por milcias populares,aproveitamento de seus servios tcnicos eindustriais para aplicaes civis nodesenvolvimento das infra-estruturas sociais eeconmicas.No h, assim, reformas de meio termo paracontentar alguns grandes Estados ricos eprotetores. Toda reforma que nos pasessubdesenvolvidos se confinar a alteraesadministrativas, tcnicas ou legais de ordeminterna, ser reforma tipicamente contra-revolucionria, pois visa a enquistar oucalcificar a subordinao da economia primria do Estado ou Estados imperialistas,controladores dos recursos financeirosinternacionais. No emancipa o pas. Aocontrrio. E implica a permanncia no estgioda estagnao ou dos nveis do subconsumo ou

    da mediocridade. Quer dizer da dependncia.Nos pases altamente industrializados, oproblema da revoluo ou reforma contra-revolucionaria diferente. Andr Gorz o colocanos seguintes termos: possvel do interior do capitalismo querdizer, sem antes o ter abatido impor soluesanticapitalistas que no sejam incorporadas esubordinadas ao sistema? E volta ele velhaquesto: reforma ou revoluo? Era questoprimordial quando o movimento parecia ter aescolha entre a luta pelas reformas ou ainsurreio armada. No mais o caso daEuropa ocidental. E por isso mesmo a questo jno tem a forma de alternativa. A questo agoradiz respeito a reforma. Mas, sustenta Gorz,trata-se de saber se so possveis o que chamade reformas revolucionrias, ou reformasque vo no sentido de uma transformaoradical da sociedade.

    Mrio Pedrosa: A revoluo ativa de massa e a autogesto (3 parte)

    Onde a liberdade individual subjugada? No setor mais importante da vida moderna, no local de trabalho, na oficina, na fbrica, na empresa. Como possvel reinar a a autocracia e a liberdade em outras partes? Eis o Socialismo. Mas deixemos o galo cantar ainda na madrugada (Mrio Pedrosa, A Opo Imperialista).Por Cludio Nascimento

    A autogesto socialista

    Podemos afirmar que toda a obra de Mrio Pedrosaintitulada A Opo Imperialista (1966) tenta responder pergunta que citamos acima; e que sua resposta, aoaplicar o marxismo de O Capital ao processo deproduo capitalista da grande corporao norte-americana, ponta de lana, vanguarda do capital, a dosocialismo com base na autogesto. o que veremosadiante.

    Para Mrio, a grande crise de 1929 e o advento dosregimes fascistas na Europa trouxe um fenmeno novo,que causou perplexidade nos arraiais dos socialistas ecomunistas. Nessa atmosfera surgiram as reformascontra-revolucionrias inditas: eram dirigidas contrao capitalismo liberal, eram reformas anti-capitalistas,de algum modo.

    Gorz, segundo Pedrosa, fala de reformasrevolucionrias: as que vo no sentido de umatransformao radical da sociedade. Ele tomou aquesto pelo seu lado positivo, e ns, pelo negativo,numa situao anterior, bem diferente daquela em queescreveu seu livro, em 1964.

    Na verdade, nos anos 40 Pedrosa analisou o fenmenodas revolues passivas e Gorz, nos anos 60, analisaseu corolrio, as revolues ativas.

    As reformas estruturais, revolucionrias, no tratam dedelegar ao Estado a tarefa de emendar o sistema. DizMrio: Emendar o sistema no a tarefa dossubdesenvolvidos: estes o que tm a fazer criar umsistema, o sistema deles, um sistema novo. A reformade estrutura para o autor aqui comentado umareforma aplicada ou controlada pelos que a reclamam(grifo nosso). O que importa que surjam de todos oscampos novos centros democrticos de poder aonvel das empresas, escolas, municipalidades, regies,rgos de planejamento, etc..

    Aqui, Pedrosa nos fala da autogesto social, um doselementos da revoluo ativa de massa.

    Isabel Loureiro, em texto para o seminrio docentenrio de Pedrosa, captou muito bem a proposta deMrio, inclusive mostrando como est aprofundada emrelao poca da Vanguarda Socialista.

    Numa crtica ao socialismo burocrtico, Mrio

  • defende a idia de que uma sociedade socialista aquela em que os indivduos se autodeterminam apartir da esfera da produo: portanto em primeirolugar em torno da empresa e na empresa que gira a lutapelo socialismo. A verdadeira transformaoeconmica socialista s ocorrer no momento em que aempresa for uma comunidade cooperativa e no umaorganizao antagnica (A Opo Imperialista, pg.394), em outras palavras, no momento em que deixarde existir a separao entre dirigentes e executantes, ouseja, quando for implantada a autogesto ou gestocoletiva da produo ().

    Segue Loureiro: As idias de Mrio a respeito daautogesto so bastante rpidas, mais indicativas deuma direo do que propriamente de uma reflexooriginal, em que retoma a tradio conselhista, alismencionada por ele (revoluo alem, conselhos defbrica de Turim, Frente Popular na Frana, Barcelonada Guerra Civil e, bem entendido, os sovietes russos(p.354-5).

    E o que garantiria a vitria da revoluo, tanto nametrpole como na periferia, que ela seria feita econtrolada pelo poder popular. So necessrio novoscentros democrticos de poder (empresas, escolas,municpios, regies, etc.), ou seja, descentralizao dopoder de deciso, restrio aos poderes do Estado e docapital, uma extenso do poder popular, quer dizer,uma vitria da democracia sobre a ditadura do lucro(p.324). Assim como no Vanguarda Socialista Mriocontinua a pensar que o controle dos trabalhadoressobre toda a vida social o caminho para o socialismodemocrtico, e este comea j, antes da tomada dopoder.

    verdade o que nos diz Loureiro sobre a ausncia deuma reflexo original sobre a autogesto por parte dePedrosa. Todavia, Mrio sempre escreveu de umaforma barroca, nos obrigando a um olhar muitoapurado embaixo da nvoa embruxadora, termo quegostava de usar, de seus escritos.

    Deste ponto de vista, na parte III de seu livro, intituladaOs rgos Supremos do Imperialismo, no captulodedicado grande corporao norte-americana, que ovelho Pedrosa, baseado em O Capital (cita: Karl Marx,The capital, Vol. III, Process of capitalist production,Interest and Profit, Chicago, 1909, pgs. 447-459),mostra como a autogesto o contedo do socialismo. assim, analisando a principal criao do capital, queMrio desenha o que deveria ser o futuro do trabalholiberto do capital.

    Mrio no chega autogesto apenas ou somenteatravs das lutas operrias, mas, o que fundamental,analisando as relaes entres os trs eixos do ncleo demetabolismo do capital (Mszros): o Estado, oTrabalho e o Capital.

    Sem dvidas, uma influncia do mtodo dialticodominante na tendncia dirigida por C. L. R. James eRaya Dunayevskaia, em seus estudos sobre o

    movimento operrio norte-americano.

    Com uma leitura deste tipo, Joo Bernardo definiu AOpo Imperialista, entre as obras mais notveis daliteratura marxista mundial.

    Isabel Loureiro, em sua leitura de Mrio, na tese sobrea Vanguarda Socialista, o classifica de marxismoecltico. Como diz o prprio Mrio em relao aJames Burnham: Ouviu cantar o galo, mas no soubeonde!.

    Para Pedrosa a questo do destino da grandecorporao na prpria sociedade americana deimportncia incomensurvel, e o problema sai docampo de uma tcnica econmica para um campo bemmais vasto da teoria social ou organizatria dasociedade. Nesta pisada, o pernambucano deTimbaba nos leva Autogesto Social.

    Mrio inicia dizendo que por toda parte, a burocraciatende a usar o Estado como sua propriedade privada,nos Estados Unidos uma formao social, seno nova,amadurecida e consciente de seu poder, a oligarquiados dirigentes das grandes corporaes, tende a dar aosnegcios do Estado a tnica de sua presena. Para ele,a essncia da corporao moderna guardar asrelaes capitalistas de produo e ao mesmo tempoenredar em torno de si mesma a trama das relaespblicas.

    Baseado em uma ampla literatura norte-americana dapoca, Mrio mostra como a corporao levantaincessantemente problemas de poder, e que, umpadro de distribuio de seus lucros que sugere umaeventual socializao no-estatal desses lucros [grifonosso].

    Em sua anlise, Mrio traa uma contradiofundamental na dinmica da grande corporao: acrescente separao entre a propriedade e o controle.Contradio que, no Direito americano da poca, setraduz em aplicar corporao quase pblica atradicional lgica da propriedade.

    Para Pedrosa, a evoluo do processo , como se v,no sentido de desapropriar os proprietrios capitalistasem benefcio do pessoal de dentro da sociedade.

    A propriedade privada vai sendo expelida da grandeunidade produtiva, que a corporao. Mas, paraMrio, na forma jurdica, o grupo de direo continuaa gerir e controlar a corporao para o benefcio dosproprietrios. Cita, ento, o jurista francs GeorgeRippert: o direito civil no conhece a empresa, mas so proprietrio. E a lei no cobre a complexidadedessa entidade nova que a corporao Os tribunaisno estavam capacitados para julgar.

    Ou Berle, quando diz que, separam-se propriedade edireo (controle). Os acionistas so os proprietrios daexplorao, mas no podem dirigi-la eles prprios.Assim o proprietrio no mais o empresrio.

    Essa contradio, segundo Mrio, tornaria o processo

  • histrico irreversvel; tornar independente, autnoma,a corporao como um todo, e dentro dela dar o poderao grupo controlante. Marx previu e descreveu oprocesso quase 70 anos antes. Veremos adiante,conclui Pedrosa.

    Marx, h cem anos, afirmava que o capitalistainvestidor derivava a pretenso ao lucro da empresano de sua propriedade de capital mas de sua funona produo distinta da forma na qual ela apenaspropriedade inerte. Isso aparece como contraste ondequer que ele trabalhe com capital emprestado, de modoque lucros e interesse da empresa cada qual vai paradiferentes pessoas.

    Em nota de p de pgina, Mrio esclarece: Ora, precisamente esta a grande tese de Marx. Ainda aquifoi o primeiro a ver no funcionamento moderno dassociedades por aes, no desenvolvimento prodigiosodo sistema de crdito, as premissas organizatrias,tcnicas, polticas e funcionais para a nova ordem deproduo. As pginas condensadas de O Capital sobreas sociedades por aes assim demonstram.

    Citando Hilferding (Das Finanzkpital): Em sua obraclssica, ao tratar da questo e referindo-se contribuio de Marx, escreve: Nossa concepo daeconomia da sociedade por aes vai alm da expostapor Marx. Marx apreende em seu esboo genial aparte da execuo que lhe ficou infelizmente vedada o papel do crdito na produo capitalista, a formaoda sociedade por aes como conseqncia do crdito etraou suas conseqncias. E, com toda a razo,Hilferding conclui o que Marx considerara antes detudo foram as conseqncias econmico-polticas dopapel da sociedade por aes.

    Mais adiante: Como se v, o segredo da direoempresarial das grandes corporaes velho com a Se o velhssimo Marx o define em termos que opresidente da DuPont Company, Sr. Crawford H.Greenewalt, repetiu, quase cem anos depois, como se otivesse lido: Talvez a melhor analogia com o trabalhodo executivo o condutor de sinfonia sob cujas mosuma centena ou por a de especialistas altamentequalificados e muito diferentes se ajustam num nicoesforo de grande eficcia.

    Assim, diz Pedrosa, Marx reconhece ser isso umaespcie de trabalho produtivo que tem de ser exercidoem todo modo de produo que requeira umacombinao de trabalho esse trabalho desuperintendncia necessariamente surge em todos osmodos de produo, que se baseiam no antagonismoentre o trabalhador como produtor direto e o dono dosmeios de produo.

    Para Mrio, citando Philosophy of Manufacturers deUre: As fbricas cooperativas fornecem a prova deque o capitalista se tornou justamente to suprfluocomo agente na produo, como ele mesmo, na suaforma mais desenvolvida, acha suprfluo o proprietrioda grande propriedade territorial.

    Mrio considera, ento, dois planos da grandecorporao:

    1) a autonomia da empresa em relao ao mundoexterior; 2) a sua evoluo internamente para chegar aser uma comunidade cooperativa e no umaorganizao antagnica.

    Levando-se o pensamento at mais adiante poder-se-ia dizer o comunismo no a norma de cada um,segundo suas necessidades, mas antes, dentro daempresa, o momento em que a vigilncia ou asuperintendncia se socializa, em outras palavras, aautogesto.

    Assim, a anlise de Marx sobre o processo deproduo capitalista na empresa de maior alcance quea dos economistas e mesmo juristas que se debruaramsobre o problema. Afastando o enredado de relaespuramente jurdicas e financeiras, que encobrem ofenmeno social que se est processando com a famosaseparao da propriedade e do controle do capital, oprocesso de produo simplesmente um processo detrabalho.

    Para Mrio, neste debate, Marx traz um elemento novo:O Trabalho. E, a seu modo irnico de ir s realidadesconcretas, pergunta: Que tem, com efeito, o trabalhocom essas altas questes de propriedade, de lucro, dejuros, de interesses e de direo nas corporaes emque so dezenas, centenas de milhares? Nada. Soinstrumentos de trabalho.

    Com grifos nossos, citamos Pedrosa sobre aoriginalidade da anlise de Marx: No estudoespecfico da sociedade por aes, em seuaparecimento moderno, Marx introduz outrascategorias que lhe vo permitir encar-la no seudinamismo e no estaticamente. Nela o capital apoia-senum modo socializado de produo e de fora detrabalho e se reveste diretamente da forma de capitalsocial (capital diretamente de indivduos associados)distinto do capital privado. A sociedade por aesassume a forma de empresas sociais distintas dasindividuais. a abolio do capital comopropriedadeprivada dentro dos limites da prpria produocapitalista.

    Seguindo com as idias de Marx, Mrio continua suaanlise: Nas sociedades por aes a separao que severifica no apenas a funo que separada dapropriedade do capital, mas e Marx insiste em dizer eincluir tal separao na anlise de todo o processo otrabalho naturalmente separado por completo dapropriedade dos meios de produo e da mais-valia dotrabalho.

    Segundo Mrio, desde 1865, quando Marx escrevia aslinhas acima, at 1890, quando Engels editou o terceirovolume. Numa frase realmente la Marx, o seucolaborador e editor resume a anlise: Isto aabolio do modo capitalista dentro da prpriaproduo capitalista e acrescenta, numa expresso que

  • vai inspirar Schumpeter (Capitalism, Socialism andDemocracy, 1914) a formular sua talvez tese bsicasobre o desenvolvimento do capitalismo umaautodestrutiva contradio, que representa em suaface mera fase de transio a nova forma deproduo a produo privada sem o controle dapropriedade privada.

    Enfim, ainda na pisada de Marx, Pedrosa fecha essaparte de sua anlise: As companhias por aes,prossegue Marx, pem a nu o antagonismo, o tornamvisvel: se os meios sociais da produo sopropriedade privada, a converso nova forma deaes ainda permanece nos limites do capitalismo.Assim, em lugar de superar o antagonismo entre ocarter social da riqueza e seu carter privado, aquelascompanhias desenvolvem o antagonismo at uma novaforma; as fbricas de cooperativas dos prpriostrabalhadores representam dentro da velha forma osprimeiros comeos da nova, embora elas naturalmentereproduzam e tenham de reproduzir, por toda parte, naprtica da organizao, todas as limitaes do sistemaprevalecente. Neles, contudo, o antagonismo entrecapital e trabalho superado, pois os prpriostrabalhadores se fazem seus prprios capitalistas, o quelhes possibilita usar os meios de produo para oemprego de seu prprio trabalho. Eles mostram ocaminho pelo qual um novo modo de produo podenaturalmente surgir de um velho, quando odesenvolvimento das foras materiais da produo edas formas correspondentes da produo social alcanaum certo estgio. As companhias por aes capitalistasbem como as fbricas cooperativas podem serconsideradas como formas de transio do modocapitalista ao modo associado, com esta distino oantagonismo enfrentado negativamente numa,positivamente noutra.

    E tenta, via Marx, explicar essa forma dupla deantagonismo: Marx tenta explicar essa frmula algovaga de distinguir as duas formas de produo em queo capital j se apresenta socialmente e noprivadamente. O slario de superintendncia, tantodo gerente comercial como do industrial, aparececompletamente separado dos lucros da empresa nasfbricas cooperativas dos operrios como nassociedades por aes. A separao dos salrios dasuperintendncia dos lucros da empresa, que emoutros casos acidental, aqui constante. Na fbricacooperativa o carter antagnico do trabalho desuperintendncia desaparece, uma vez que o gerente pago pelos trabalhadores em lugar de representar ocapital contra eles.

    Fechando esse captulo 12, Mrio Pedrosa pe ospontos nos ii, numa verdadeira Proclamao daAutogesto: Os tericos e panegiristas da corporaopretendem ter ela ultrapassado a esfera do capitalismoeconmica, social, cultural, cientifica, tecnolgica dopas, o mvel ntimo que a impele, que a dirige e a peem movimento ainda privado. Sua finalidade

    intrnseca em ultima ratio o lucro, o lucro que, sedispersa em parte, se acumula tambm, se concentraem relativamente poucas mos, estas as dosproprietrios de fato, os grandes, os que decidem dosdestinos da corporao; , pois, ainda um lucro de fatoprivado, personalizado.

    E arremata: No , pois , socialista, masfeudalista. Assim, para transformar-se no serpreciso muito, apenas uma alterao nas relaesjurdicas que a regem, redefinindo-a na ordem doEstado; dentro dela, h que faz-la passar gestocoletiva, segundo o princpio de que no pode maishaver separao entre direo e execuo, dirige quemexecuta, executa quem dirige, so dirigentes os quetrabalham, so trabalhadores os que dirigem. Dentrodela os que trabalham so todos, em maior ou menorgrau, trabalhadores produtivos. Os trabalhadores noquerem mais ser um parafuso mecnico na engrenagemprodutiva. Querem saber o que esto fazendo, terparticipao no processo total, tomar conhecimento depara onde vo, deixar de ser alienados no processosocial do trabalho de que so peas.

    E conclui, na linha da autogesto, inclusive citando aexperiencia da Yugoslavia: A direo capitalista dacorporao, com toda a sua abertura progressista, alienante, anti-social e reacionria, privatista. Se elaquer fazer do Estado seu Estado, mas semintermedirios, sem representantes, isso corresponde,em planos paralelos, reivindicao mais profunda ede maior alcance social e cultural dos trabalhadores dospases de alto desenvolvimento, na Rssia como nosEstados Unidos, na Inglaterra como na Alemanha,Sucia e at na Yugoslvia, onde h um esforoconscientemente oficial nesse sentido: o de queasfunes gestionrias sejam coletivas, no havendomais lugar para medianeiros e representantes seus naproduo, mas eles mesmos, como trabalhadores, comoprodutores, com sua experincia, seus conhecimentos,seu ngulo de viso prprio. A democracia direta queproclama Rousseau como meio de exprimir a vontadedo povo ou da maioria a que se manifesta ou se poderealizar. O conceito de representao da vontade dopovo, da maioria, deve ser arquivado num museu deantiguidades. Pertenceu a uma outra civilizao,civilizao de minorias que encontrou no mecanismodas representaes o segredo da perpetuao do seupoder, de sua riqueza e propriedade. A vontade damaioria no o monstro abstrato incapaz de expressar-se a si mesmo inventado por Rousseau. hoje umconceito manejvel, sociologicamente verificvel, quese exprime diretamente de mil maneiras e em milescales, nos limites dos vrios todos sociais de quese compe a sociedade. Mas sempre uma relaodireta e mtua, como corrente e contra corrente, entredirigentes e executantes. Quer dizer sempreintercambivel.Eis o socialismo. Mas deixemos o galocantar ainda na madrugada.

    O braseiro revolucionrio dos sovietes

  • Mas, em pginas anteriores, Pedrosa se pergunta sobreesse processo nos Estados Unidos. O que estamosvendo nos Estados Unidos no propriamente tentar-sefazer da corporao empresa j socialista ousocializante. Mas proclamar o sistema econmicoamericano como um sistema tendo ultrapassado ocapitalismo e se transformado num sistema tambmsocial ou com as vantagens, apenas proclamadas,apenas tericas do socialismo, j realizadas. Ento oque se tornou suprfluo no foi o capitalista mas arevoluo socialista, a expropriao dosexpropriadores.

    Analisando a revoluo tecnolgica da informtica e daautomao, Mrio diz que, O que Marx descreve ocapitalismo chegado ao apogeu de seudesenvolvimento tecnolgico, dos novos mtodos deproduo. (Grundrisse der Kritik der politischenOekonomie, Rohenentwurf, 1857-1858, Dietz, Berlim,1953).

    Pedrosa faz referncias s lutas operrias, aosConselhos Operrios na Alemanha.

    Ao sair da guerra vencido e empobrecido, a social-democracia alem assumia timidamente o poder, sobpresso de um proletariado que iniciava mal eatabalhoadamente, na empresa, na fbrica, uma lutainsurrecional pelo poder, atravs dos conselhos deempresa que se espalharam por toda a Alemanha eacabaram por ter a chancela, no papel, de um artigo danova constituio democratssima de Weimar. A luta,vitoriosa na letra da lei constitucional, foi perdidarealmente nas ruas, nas fbricas. Os conselhos deempresa tinham, ento, uma colorao vermelha,reflexos do braseiro revolucionrio dos sovietes naRssia de Lnin e Trotski.

    Na Itlia, antes de Mussolini, comunistas e socialistas,em face a este problema, deram com Gramsci aexpresso acabada terica revolucionria dessesconselhos quando, em 1936, em Frana, com LonBlum como primeiro-ministro, os operrios entraramem greve pelo pas inteiro, criando uma modalidadenova de greve, greve com ocupao em massa daempresa. Ao ocuparem as fbricas, os operrios notinham o menor sentimento de atentar contra apropriedade alheia. Era a sua fbrica que ocupavam.Abusavam? Dizer que abusavam de seu direito j reconhecer que tinam um direito (George Rippert).

    Na Europa os aspectos sociais mais profundos daempresa, quer dizer, seu destino em outro modelo desociedade, tomavam vulto, em virtude do climarevolucionrio, anticapitalista, ali prevalecente. A idiade sovietes ainda estava no ar, como a supremaaspirao da classe operria. Os operrios, por seuspartidos e lderes, queriam disputar ao capitalista, aoindustrial, o domnio sobre a empresa. Todo o poderaos sovietes, lanado ento pelos comunistas e

    socialistas independentes, queria dizer exatamente isto,o controle operrio sobre a empresa capitalista. Aqui,em p de pgina, Pedrosa cita Gramsci:

    Antonio Gramsci, o lder terico e revolucionrioitaliano que passou em priso, e nela morreu, enquantoMussolini reinava sobre a Itlia, em relatrio de julhode 1920 sobre o movimento turinense dos conselhosde fbrica, assim o descrevia: Os conselhos defbrica cedo criaram razes. As massas acolheramvoluntariamente esta forma de organizao comunista,se juntaram em torno dos comits executivos eapoiaram energicamente a luta contra a autocraciacapitalista Os conselhos e comits obtiveram notvelxito: esmagaram os agentes e os espias doscapitalistas, ataram relaes de ordem financeira eindustrial nos negcios fazendrios, concentraram emsuas mos o poder disciplinador e demonstraram smassas desunidas e desagregadas o que significa agesto direta dos operrios na industria (A. Gramsci,Antologia degli Scritti, editori Riuniti, Roma, 1963,pg. 46).

    Prossegue Mrio: A nova ordem revolucionriasocialista viria. Quando a vaga insurrecional na Europacentral e na Itlia refluiu, a empresa capitalista, campode batalha decisivo entre classes em conflito a classetrabalhadora e a patronal foi largada sua sorte:voltou a ser a fbrica do patro. A Frana da FrentePopular em 1936, onde a vaga revolucionria dasmassas operrias chegou bem depois, em virtude,provavelmente, dos despojos da vitria teremconcorrido para estabilizar a situao econmica dopas por mais tempo, e a Espanha, em face do assaltointernacional fascista com Franco frente das tropasmouriscas, foram os ltimos palcos polticos onde ossovietes voltaram a ser objeto de luta. Alis, tambmem Barcelona, liderados pela Federao Anarquista, osoperrios ocuparam as fbricas. Depois veio a guerra,com a ocupao de toda a Europa pelo nazismo efascismo, e a derrota generalizada de comunistas esocialistas de todos os matizes. O capitalismo emdebandada conseguiu reerguer-se no ocidente einaugurar no ps-guerra fase de verdadeira restauraona Europa, graas em grande parte ao macio auxlionorte-americano. Deu-se um verdadeiro renascer docapitalismo e nos Estados Unidos a grande corporaoressurgia como o centro de toda a vida econmica dopas. Mas o problema da empresa, da corporao, nodeixou por isto de existir. Desta vez, porm, o que sev uma fase de evoluo do lado de c, isto , dolado patronal-capitalista, quando, em outra etapahistrica, ela era vista do lado de l, isto , do ladodos brbaros, ao de fora da cidadela Comuna.

    Assim, Pedrosa fecha sua idia com chave de ouro: AComuna de Paris!

    Mrio Pedrosa: A revoluo ativa de massa e a autogesto (1 parte)Mrio Pedrosa: A revoluo ativa de massa e a autogesto (2 parte)Mrio Pedrosa: A revoluo ativa de massa e a autogesto (3 parte)