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AULA DE MATEMÁTICA: professora e alunos em ação
Autora: Gláucia Maria Baptista1
Orientadora: Regina Luzia de Corio Buriasco2
Resumo
Este artigo, resultado do trabalho final apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná (PDE), apresenta uma experiência com a elaboração e aplicação de uma Trajetória de Ensino e Aprendizagem; descreve os encaminhamentos dados por meio da estratégia metodológica da Resolução de Problemas, no 6º ano do Ensino Fundamental, utilizando os conceitos de metade e dobro de um número com a intenção de possibilitar ao aluno comunicar-se oralmente e por escrito, recorrendo à linguagem natural e à linguagem matemática. Nos encaminhamentos dados durante a realização da tarefa, os alunos tiveram a oportunidade de expor suas ideias, analisá-las e validá-las, como ponto de partida para a aprendizagem, favorecendo o trabalho em equipe.
Palavras-Chave: Educação Matemática. Resolução de Problemas. Trajetória de En-sino e Aprendizagem.
1 Introdução
A intenção de desenvolver este trabalho tem origem em uma situação
frequente em aulas de matemática, envolvendo constantes comentários de
professores a respeito do aproveitamento escolar de seus alunos. Mesmo aqueles
que fazem uso de metodologias diferenciadas para ajudar os alunos a compreender
o que é ensinado em sala e a importância que a Matemática tem em suas vidas,
nem sempre obtêm sucesso.
1Professora PDE, pós-graduada em ‘Administração, Supervisão e Orientação Escolar’ e ‘Metodologia do Ensino-Aprendizagem da Matemática no Processo Educativo’. Graduada em Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática. Professora do Colégio Estadual Attílio Codato – EFM.2 Doutora em Educação e mestre em Educação Matemática, Licenciada em Matemática, docente do Depto. de Matemática da UEL e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da UEL.
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Destaca-se ainda a posição, também frequente, da direção e da equipe
pedagógica das escolas, que cobram resultados melhores dos professores de
matemática, os quais, por sua vez, acreditam estar desenvolvendo um bom trabalho,
e não entendem porque seus alunos não conseguem um desempenho satisfatório
no domínio dos conteúdos matemáticos.
O aspecto metodológico da disciplina de matemática pauta-se, conforme as
DCE (PARANÁ, 2008, p. 45), na construção de significados a partir dos
conhecimentos matemáticos.
A aprendizagem da Matemática consiste em criar estratégias que possibili-tam ao aluno atribuir sentido e construir significado às idéias matemáticas de modo a tornar-se capaz de estabelecer relações, justificar, analisar, dis-cutir e criar. Desse modo, supera o ensino baseado apenas em desenvolver habilidades, como calcular e resolver problemas ou fixar conceitos pela me-morização ou listas de exercícios (PARANÁ, 2008, p. 45).
Uma vez que nem sempre estes significados são construídos, os alunos
reclamam que a Matemática é uma disciplina difícil de aprender e que os conteúdos
ensinados na escola têm pouca utilidade em seu dia a dia. Gravemeijer (2005)
adverte que o professor deve encurtar o fosso existente entre a matemática que
pretende ensinar e aquela que os alunos aprendem.
A Resolução de Problemas enquanto estratégia que se apresenta como
possível alternativa para promover a aprendizagem, pode possibilitar que a
matemática aprendida na escola sirva aos alunos nas necessidades do seu
cotidiano, como cidadãos construtivos, comprometidos, críticos e reflexivos.
A unidade didática que gerou este artigo visou por em prática a estratégia
metodológica da Resolução de Problemas, na perspectiva da Educação Matemática
Realística proposta por Hans Freudenthal3. Para esse autor, os alunos deveriam
aprender matemática “matematizando” situações do mundo real. Nesta direção,
entende-se que “matematizar” é mais que uma atividade de pensar, refletir e
3 Hans Freudenthal nasceu em 1905 na cidade alemã de Luckenwalde. Ainda jovem se interessou por equações diferenciais e integração. Em 1923 entrou na universidade de Berlim onde estudou matemática e física, em 1927 foi a Paris complementar seus estudos teóricos. Em 1946 Freudenthal tornou se professor em Utrecht e adquiriu fama internacional como o fundador da Educação Matemática Realística. Freudenthal foi diretor do IOWO (Instituut Ontwikkeling Wiskundeonderwijs, Instituto para Desenvolvimento de Educação Matemática), agora rebatizado como Freudenthal Institute.
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compreender a realidade, é também tentar modificá-la.
2 Alguns pressupostos
De acordo com alguns autores, a Educação Matemática Realística pode ser
entendida como uma
teoria de ensino e aprendizagem da educação matemática em construção que teve seu ponto de partida na idéia de Freudenthal da matemática como atividade humana. Esta teoria rejeita a produção focalizada, de uma única maneira de ensino no qual o conteúdo é dividido em pequenas partes sem sentido e nas quais os estudantes são convidados a fixar procedimentos de resolução e treinados por meio de exercícios, freqüentemente para serem feitos individualmente numa situação particular (SANTOS, 2008, p.19)
Com base nesta teoria não faz sentido ensinar a matemática por meio de
definições, teoremas e fórmulas a serem memorizadas em listas intermináveis de
exercícios de aplicação, mas sim ensinar os alunos a analisarem e organizarem,
matematicamente, situações que sejam significativas para eles. De acordo com
Santos (2008) o professor deve considerar que
os estudantes são participantes no processo de ensino e aprendizagem, no qual desenvolvem percepção, discernimento e ferramentas matemáticas. Além disto, considera que a aprendizagem matemática deve ser originada a partir da matematização de contextos ricos e ‘reais’, que possibilitem que os alunos tenham a oportunidade de ‘reinventar’ a matemática (SANTOS, 2008, p.19).
A Educação Matemática Realística começou a tomar forma, no final dos
anos 60 e começo dos anos 70, com a reforma curricular holandesa que rejeitava o
ensino focado no conteúdo dividido em pequenas partes, na qual o aluno parecia ser
levado apenas a memorizar fórmulas e procedimentos. Era apropriado enfatizar os
elementos curriculares novos desenvolvidos pelo Instituto para Desenvolvimento de
Educação Matemática (IOWO), como forma de modernizar a Educação Matemática
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no país e confrontar o movimento da Matemática Moderna. Como uma alternativa
para o ensino da matemática, diferente daquele em que o aluno precisa aprender o
conteúdo para depois aplicar em problemas, Freudenthal (1991) propõe que os
alunos devem fazer matemática, lidar com ela para depois construir o conhecimento,
resolver problemas, procurar problemas, organizar fenômenos e utilizar fenômenos
da sala de aula em situações do dia a dia.
De acordo com Freudenthal (1991) a matemática deve ser conectada com a
realidade, estar próxima das crianças, ser relevante para a sociedade e ser de valor
humano. Nessa perspectiva da Educação Matemática Realística, nas aulas de
matemática deveriam ser utilizados contextos da vida real como ponto de partida
para a aprendizagem.
Freudenthal (1991) considerava a matemática como “atividade humana” e
acreditava que os alunos deveriam ter a oportunidade “guiada” para reinventá-la,
fazendo-a, em lugar de serem considerados como receptores de uma matemática já
“pronta” e “acabada”. Para esse autor, os alunos têm maior chance de aprender
matemática construindo-a, reinventando-a, recriando-a. Para ele a matemática como
uma atividade humana é uma
atividade de resolução de problemas, de procura por problemas, mas é tam-bém uma atividade de organizar um determinado tema. Este pode ser um tema da realidade que precisa ser organizado de acordo com modelos ma-temáticos se problemas dessa realidade tiverem de ser resolvidos (FREU-DENTHAL, 1971, p. 413-414 apud GRAVEMEIJER, TERWEL, 2000, p. 781, tradição nossa).
Freudenthal considerava a matemática não como o corpo do conhecimento
matemático, mas como uma atividade de organizar ‘matematicamente’ a ‘realidade’,
o que chamou de ‘matematização’ (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 2003). Treffers
(1987) descreveu a matematização como
uma atividade organizada. Ela refere-se à essência da atividade matemáti-ca, à linha que atravessa toda educação matemática voltada para a aquisi-ção de conhecimento factual, à aprendizagem de conceitos, à obtenção de habilidades e ao uso da linguagem e de outras organizações, às habilidades na resolução de problemas que estão, ou não, em um contexto matemático (TREFFERS, 1987, p.51-52, tradução nossa).
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A essa atividade organizada, desenvolvida no contexto educacional, Treffers
(1987) fez uma distinção: ‘matematização horizontal’ e ‘matematização vertical’.
Segundo o autor, a ‘matematização horizontal’ pode ser descrita pelo modo como o
aluno irá abordar matematicamente um problema do mundo real em um problema
matemático, e, a matematização vertical refere-se ao processo matemático no qual o
aluno irá apresentar para provar suas hipóteses, regularidades, generalizações,
interpretar criticamente os resultados e validá-los (TREFFERS, 1987, apud
FERREIRA, 2009).
Van den Heuvel-Panhuizen (2003) faz uma descrição, citando a distinção de
Treffers:
[...] “na matematização horizontal, os alunos são confrontados com ferra-mentas matemáticas que podem ajudar a organizar e resolver um problema localizado em uma situação da vida real. A matematização vertical é o pro-cesso de reorganização dentro do próprio sistema matemático, como, por exemplo, encontrar atalhos e descobrir as conexões entre os conceitos e estratégias e então, aplicar essas descobertas” (VAN DEN HEUVEL-PA-NHUIZEN, 2003, p.3, tradução e grifo nosso).
De acordo com Freudenthal (1991, apud FERREIRA 2009, p.30), “as duas
formas de matematização são de igual valor”, e não é possível delimitar quando
termina a matematização horizontal e começa a matematização vertical, pois ambas
encontram-se intimamente conectadas. A distinção da matematização horizontal e
vertical também depende do sujeito envolvido, do ambiente e da situação em que a
aprendizagem irá ocorrer.
Em consonância com a Educação Matemática Realística de Freudenthal e
seus seguidores (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996; DE LANGE, 2003;
GRAVEMEIJER, 2005), as tendências metodológicas da Resolução de Problemas e
a Investigação Matemática, aparecem como estratégias adequadas para o professor
auxiliar seus alunos a elaborarem e aplicarem conceitos matemáticos em situações
da vida real.
Outros autores também recomendam o ensino da matemática por meio da
Resolução de Problemas. Segundo Onuchic (1999, p. 203), o ensino de matemática
torna-se
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[...] diferente daquele em que regras de ‘como fazer’ são privilegiadas. Ele reflete uma tendência de reação a caracterizações passadas como um con-junto de fatos, domínio de procedimentos algorítmicos ou um conhecimento a ser obtido por rotina ou por exercício mental (1999, p. 203).
Também Schoenfeld (apud PARANÁ, 2008, p.63), reforça que ensinar
matemática por meio da Resolução de Problema torna:
[...] as aulas mais dinâmicas e não restringe o ensino de Matemática a mo-delos clássicos, como a exposição oral e resolução de exercícios. A Resolu-ção de Problemas possibilita compreender os argumentos matemáticos e ajuda a vê-los como um conhecimento passível de ser aprendido pelos su-jeitos do processo de ensino e aprendizagem (2008, p.63.).
Ensinar matemática utilizando a Resolução de Problemas “é propor ao aluno
situações problemas caracterizadas por investigação e exploração de novos
conceitos” (D’AMBROSIO, 1989, p.15). Para Polya (1945 apud KRULIK, 1997, p. 1-
2) também “é encontrar um caminho onde nenhum outro é conhecido de antemão,
encontrar um caminho a partir de uma dificuldade, encontrar um caminho que
contorne um obstáculo, para alcançar um fim desejado, mas não alcançável
imediatamente, por meios adequados”. Para Fonseca, Brunheira e Ponte (1999,
p.4), tem como objetivo encontrar caminhos para atingir um ponto não conhecido de
imediato, sendo possível prever o início, mas cujo final irá depender das estratégias
utilizadas. Para isso, o professor deve oportunizar ao aluno desenvolver estratégias,
elaborar procedimentos, testar, formular hipóteses e compartilhar com colegas e
professor a sua produção e ao final comparar seus resultados e por fim validá-los
(VAN DE WALLE, 2001 apud ALLEVATO; ONUCHIC, 2008, p.7).
Mediante a Resolução de Problemas tenta-se aproximar os alunos do
trabalho do matemático. Neste aspecto, segundo Buriasco (2010, p.19) “a
compreensão conceitual mais do que mero desenvolvimento mecânico de
‘habilidades’, deve preparar o estudante para converter-se em aprendiz
independente, intérprete e usuário da matemática”.
A dinâmica de uma aula na qual se utiliza essa estratégia metodológica é
bem diferente de uma aula tradicionalmente conduzida, conforme Buriasco (1995)
apresenta no quadro a seguir.
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Esquema de aula na TendênciaTradicional
Esquema de aula na Tendência daResolução de Problemas
1) O professor explica a matéria (teoria). 1) O professor apresenta um problema escolhido por ele ou pelo(s) aluno(s).
2) O professor mostra exemplos. 2) Os alunos tentam resolver o problema com o conhecimento que têm.
3) O professor propõe “exercícios” semelhantes aos exemplos dados para que os alunos os resolvam.
3) Quando os alunos encontram algum obstáculo (falta de algum conteúdo necessário para a resolução do problema) o professor apresenta, de alguma forma, esse conteúdo.
4) O professor (ou um aluno) resolve no quadro de giz os exercícios.
4) Resolvido o problema, os alunos discutem sua solução, se necessário, com a ajuda do professor. Essa discussão envolve todos os aspectos da resolução do problema, inclusive os do conteúdo necessário.
5) O professor propõe aos alunos outros “exercícios” já não tão semelhantes aos exemplos que ele resolveu.
5) O professor apresenta outro problema – escolhido por ele ou pelo(s) aluno(s).
6) O professor (ou um aluno) resolve os exercícios no quadro de giz.7) O professor propõe “problemas”, se for o caso, ou mais “exercícios”8) Correção dos “problemas” ou e dos “exercícios”.9) O professor começa outro assunto.Quadro 1 – Esquema de Aula na Tendência Tradicional e na Tendência da Resolução de Problemas.
Fonte: Buriasco (1995)
Na perspectiva da Resolução de Problemas é necessário que o aluno se
envolva no processo e seja capaz de aplicar seus conhecimentos prévios, trabalhar
em grupo favorecendo um ambiente colaborativo com professores e colegas. E o
professor deverá estar atento, intervir quando necessário, na tentativa de auxiliar o
aluno a buscar caminhos para possíveis soluções, examinando com cuidado as
soluções apresentadas pelos alunos considerando-as corretas ou não e ser capaz
de aceitar que algumas trabalhará sem saber todas as respostas (BURIASCO, 2010,
p. 19).
Para Braumann (2003, p. 5) destaca que uma maneira de aprender a fazer
algo é fazendo.
Aprender Matemática sem forte intervenção da sua faceta investigativa é como tentar aprender a andar de bicicleta vendo os outros andar e receben-do informação sobre como o conseguem. Isso não chega. Para verdadeira-
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mente aprender é preciso montar a bicicleta e andar, fazendo erros e apren-dendo com eles (BRAUMANN, 2003, p. 5).
Para aprender matemática o aluno é chamado a agir como matemático, não
só na formulação de questões, conjecturas e na realização de provas e refutações,
mas também na apresentação de resultados e na discussão e argumentação com os
colegas e professor (PONTE, BROCARDO, OLIVEIRA, 2003). Por conseguinte, nas
aulas de matemática é necessário que o aluno assuma uma atitude autônoma e o
professor tem um papel de regulador da atividade (PONTE; BROCARDO;
OLIVEIRA, 2003). Alguns outros motivos para trabalhar com a estratégia da
Resolução de Problemas em aulas de matemática, dizem respeito a
• aproximar o trabalho dos alunos do trabalho dos matemáticos,
com momentos de descoberta, de retrocessos e de avanços,
da elaboração de conjecturas e da procura das suas provas;
• favorecer o envolvimento do aluno, envolvimento que é
necessário a uma aprendizagem significativa e relevante;
• fornecer múltiplos pontos de entrada para alunos com
diferentes níveis de competência;
• poder ser inserida naturalmente em todas as partes do
currículo.
• reforçar as aprendizagens mais elementares;
Resolver problemas em sala de aula possibilita o envolvimento dos alunos
em processos relevantes das atividades matemáticas como: a observação, a
formulação, teste de conjecturas, justificação e validação.
Este artigo apresenta o relato da aplicação de uma Trajetória de Ensino e
Aprendizagem, para alunos da 5ª série do Ensino Fundamental em uma escola da
Rede Pública de Ensino.
A elaboração da trajetória de ensino e aprendizagem envolve:
• uma meta do professor que define a direção a seguir na
trajetória;
• a definição das tarefas de aprendizagem a serem
utilizadas;
• uma previsão de como o pensamento/compreensão dos
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alunos vão evoluir no contexto das tarefas de aprendizagem
propostas.
Esta trajetória segue o modelo de Simon (1995) que considera
• o objetivo da aprendizagem,
• as atividades de aprendizagem,
• o pensamento e o conhecimento dos estudantes
como elementos importantes na construção da Trajetória de Ensino e Aprendizagem,
expressão chave do que ele denomina ciclo de ensino de matemática. A seguir a
representação de Simon (1995 apud PIRES, 2009) para o que chama de trajetória
de ensino e aprendizagem.
Figura 1 – Ciclo de ensino de matemática abreviado (SIMON, 1995 apud PIRES, 2009, p.156).Fonte: Pires (2009, p.156).
Com relação à hipótese sobre o conhecimento dos alunos, Simon (1995,
apud PIRES, 2009) enfatiza que não temos acesso a ele e faz uma referência a
Steffe (1994, apud PIRES, 2009, p. 156) “para o qual, o professor usando seus
conhecimentos matemáticos deve interpretar a linguagem e as ações dos alunos e
tomar decisões sobre possíveis conhecimentos matemáticos destes e sua
possibilidade de aprendizagem”. Em relação ao conhecimento do professor de
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Matemática, além das hipóteses sobre o conhecimento dos alunos, faz-se
necessário buscar outros saberes, como por exemplo: teorias de ensino sobre como
os alunos constroem seu conhecimento, representações matemáticas, materiais
didáticos, atividades.
Durante o desenvolvimento da trajetória pelos alunos sob a orientação do
professor, um objetivo que fora planejado de início, deveria ser modificado sempre
que apareçam dúvidas, ou quando o professor perceber que o trabalho dos alunos
ficou comprometido.
Simon (1995, apud PIRES, 2009) refere-se a um comentário de Steffe
(1994) “um professor pode propor uma tarefa; contudo, como os alunos constroem
suas tarefas e suas experiências é que vai determinar seu potencial de
aprendizagem” (apud PIRES, 2009, p. 155). Assim, se um aluno apresenta uma
resposta que não condiz com os conceitos e procedimentos adequados à tarefa
proposta pelo professor, então o professor deverá substituir temporariamente o
objetivo inicial por outro objetivo.
É a meta da aprendizagem do professor para seus alunos que possibilita
uma direção para uma trajetória hipotética de aprendizagem (SIMON, 1995 apud
PIRES, 2009). Estes autores utilizam a expressão trajetória hipotética da
aprendizagem tanto para referir-se ao
prognóstico do professor como para o caminho que possibilitará o processa-mento da aprendizagem. É hipotética porque caracteriza a propensão a uma expectativa. O conhecimento individual dos estudantes ocorre de forma idiossincrática, embora frequentemente em caminhos similares. O conheci-mento do indivíduo tem alguma regularidade (cf. Steffe, Von Glaserfield, Ri-chards e Cobb, 1983), que em sala de aula adquire com atividades matemá-ticas freqüentes em métodos prognósticos, e que muitos dos alunos em uma mesma sala de aula podem se beneficiar das mesmas tarefas matemá-ticas (SIMON, 1995, p.34 apud PIRES, 2009, p. 157).
Para Simon (1995 apud PIRES, 2009, p. 157) “a trajetória de ensino e
aprendizagem dá ao professor a possibilidade de construir seu projeto de decisões,
baseado em suas melhores suposições de como a aprendizagem poderia ser
processada”. Ainda segundo esse autor, a noção de trajetória hipotética da
aprendizagem pressupõe
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[...] a importância da relação entre a meta pretendida e o raciocínio sobre decisões de ensino e a hipótese sobre esse percurso. Para ele, o desenvol-vimento de um processo hipotético de aprendizagem e o desenvolvimento de atividades dessa aprendizagem tem uma relação simbólica. A geração de idéias para atividades de aprendizagem é subordinada à hipótese do profes-sor sobre o desenvolvimento do pensamento e aprendizagem de seus alu-nos. (SIMON 1995, apud PIRES, 2009, p. 158).
Em seu texto Simon (2009) destaca que a relação entre vários domínios do
conhecimento do professor com as hipóteses do professor sobre o conhecimento
matemático de seus alunos contribui para a identificação de uma meta de
aprendizagem.
3 Relato da Aplicação da Trajetória de Ensino e Aprendizagem
Para a elaboração do contrato de trabalho os alunos mostraram-se muito
críticos e exigentes, pois queriam que fossem retirados da sala de aula os alunos
que não fizessem as atividades e atrapalhassem os colegas com conversas.
Queriam também que estes alunos ficassem sem nota.
A professora deixou que os alunos discutissem livremente, por certo tempo e
depois interferiu dizendo que a intenção não era tirar nota, mas que todos
participassem das atividades com interesse e colaboração, assim eles se acalmaram
e concluíram que todos iriam participar e colaborar. A professora informou também
que, no relato do desenvolvimento do trabalho, os alunos seriam denominados de
A1, A2, A3...
Para formar os trios, também houve certo tumulto, porque os alunos não
estão acostumados a trabalhar em grupo, depois de algum tempo foi possível formar
os trios, com muita intercessão da professora da sala.
Na aula seguinte, eles estavam muito agitados e ansiosos para começar o
trabalho, então foi preciso uma nova conversa para lembrá-los do contrato de
trabalho feito na aula anterior. Em seguida a professora entregou uma folha
contendo o seguinte problema:
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Para a festa de aniversário da escola, Ana, Pedro, Miriam e Fábio levaram juntos 90 docinhos. A professora deles observou que: • se Ana tivesse levado 2 docinhos a mais; • se Pedro tivesse levado 2 docinhos a menos; • se Miriam tivesse levado o dobro; • se Fábio tivesse levado a metade; os 4 amigos teriam levado todos o mesmo número de docinhos. Quantos docinhos levou cada um dos amigos?
e pediu que os alunos lessem o problema e apresentassem alguma resolução.
Observando que a maioria não conseguiu apresentar nenhuma resolução, a
professora solicitou a atenção de todos, fez a leitura do problema e pediu para um
grupo dizer qual informação o problema apresentava.
Como eles não se manifestaram de imediato a professora lançou algumas
perguntas.
Professora: De que trata o problema? Quem são os personagens do problema? O
que ia acontecer na escola?
Aluno A 11: Uma festa de aniversário da escola.
Aluno A 7: São quatro amigos que levaram 90 docinhos.
Professora: Se são 4 amigos que levaram 90 docinhos. Quantos docinhos levou
cada um? Pensem nestes dados e tentem resolver.
No primeiro momento apenas 3 grupos conseguiram apresentar alguma
resolução.
1º grupo: Aluno A 7 90 : 4 = 22,5
2º grupo: Aluno A 8 90 : 4 = 22
3º grupo: Aluno A 5 90 : 4 = 22 ½
Os resultados que os grupos 1 e 2 apresentaram eram esperados, porém o
resultado do 3º grupo não. Por isso, a professora pediu para esse grupo explicar por
que representaram o resultado da divisão em forma de fração.
Aluno A 5: Bem eu dividi 90 por 4 e sobraram 2 docinhos, então pensei, se são 4
amigos, cada um ficaria com metade de um docinho.
Professora: Você já representou números desta forma outras vezes?
Aluno A 5: A professora da 4ª série ensinou que metade ½ eu represento assim.
A professora pergunta para a sala:
Professora: Quando eu uso esta fração ½?
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Aluno A 6: Quando eu quero repartir alguma coisa ao meio.
Professora: Ao meio por ser metade de alguma coisa?
Alunos: Sim.
Professora: Alguém pode citar um exemplo?
Aluno A 6: Pode ser um quadrado dividido ao meio, ou um docinho como no
problema.
Representação do Aluno A 6:
½ ½
A professora pergunta para a sala se todos concordam com o desenho que o
Aluno A 6 fez representando a metade. E eles concordam.
Na aula seguinte a professora fez um breve comentário do trabalho realizado
até então e para certificar-se que todos sabiam representar a metade de um número,
pergunta para a sala:
• Como se faz para obter a metade de um bolo de chocolate?
• Qual a metade do número 2?
• Qual a metade do número 12?
• Qual a metade do número 18?
• Qual a metade do número 40?
• Qual a metade do número 88?
• Qual a metade do número100?
E solicita que os alunos digam o que fazem para obter a metade de um
número.
Aluno A 8:É só dividir o número por 2.
Em seguida a professora solicitou que os alunos calculassem a metade dos
seguintes números.
46, 53, 22, 124, 37, 145, 256, 189
e informassem se é ou não possível dividi-los por dois.
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Os alunos mostraram conhecer quando é possível calcular a metade de um
número. A seguir as respostas de dois dos alunos.
Aluno A 12:
Aluno A 3:
Assim para tornar legitima a frase a professora escreveu no quadro, com
ajuda dos alunos:
Para calcular a metade de um número, divido este número por dois.
Como os alunos demonstraram ter compreendido o conceito de metade de
um número ela retornou ao problema chamando a atenção dos alunos para os
dados que conseguiram extrair até aquele momento.
Professora: Como sabemos 90 docinhos divididos pelos quatro amigos é igual a 22
docinhos e meio. É possível que eles tenham levado vinte e dois docinhos e meio
para a festa?
Alguns alunos disseram que sim, então a professora pergunta:
Professora: Em qual parte do problema está escrito que os amigos levaram meio
docinho?
Aluno A 5: Mas se eu dividi 90 por 4 e deu 22,5, então é a quantidade de docinhos
que cada um levou.
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Como alguns alunos insistiram em dizer que os amigos levaram 22 docinhos
e meio, a professora solicitou que eles testassem as condições do problema com
este valor.
Aluno A 11: Professora, se eu somar 22,5 quatro vezes, dá 90,0, que é a
quantidade de docinhos que os amigos levaram.
Professora: Aluna A 11 leia as condições do problema. Se Ana tivesse levado 2
docinhos a mais, como iria ficar? Teste também as outras condições.
Aluno A 8: Professora, mas se eles não levaram meio docinho cada um, então não
são 90 docinhos, são 88.
Professora: Porque 88 docinhos?
Aluno A 4:: 88 sim, porque 4 vezes o 22 é igual a 88.
Professora: Como você pode afirmar que são 88 docinhos sem testar as condições
que o problema apresentou?
Em seguida, leu com os alunos o problema novamente e salientando as
quatro condições. No primeiro momento os alunos apresentaram os seguintes
cálculos, para cada condição do problema.
Aluno A 2:
Como todos os alunos resolveram o problema desta forma, na aula seguinte,
a professora fez uma retomada das discussões, chamando a atenção para essa
resolução.
Professora: Como pode a Ana ter levado 24 docinhos, Pedro 20, Miriam 44 e Fábio
11, se obedecendo às condições do problema os quatro amigos teriam levado todos,
o mesmo número de docinhos? Quantos dividimos 90 docinhos por 4 amigos,
descobrimos que eles levaram 22 docinhos, então leiam a condição da Ana.
Alunos: Se Ana tivesse levado dois docinhos a mais, os quatro amigos teriam
levado todos o mesmo número de docinhos.
Professora: Quantos docinhos a Ana levou?
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Aluno A 1: Ah! Professora, então a Ana levou vinte docinhos, porque se ela tivesse
levado dois a mais ela teria levado 22 docinhos.
Professora: Entenderam a colocação do Aluno A 1?
Pela manifestação da sala conclui-se que a maioria não havia
compreendido.
Então a professora solicitou que ele representasse no quadro.
Aluno A 1:
Percebendo que os alunos compreenderam, a professora passou para a
próxima condição.
Professora: E se Pedro tivesse levado dois docinhos a menos, os quatro amigos
teriam levado todos o mesmo número de docinhos. Então, quantos docinhos Pedro
levou?
Aluno A 1: 24 docinhos, porque 24 menos dois é igual a 22 docinhos.
Professora: É isso mesmo Aluno A 1.
Em seguida ela pergunta para os demais alunos se entenderam as
colocações do Aluno A 1, e solicita que ele represente no quadro.
Professora: E a condição de Miriam como ficaria representada? Se Miriam tivesse
levado o dobro de docinhos?
Alguns alunos disseram 44 docinhos, porque estavam calculando o dobro de
22 e outros grupos disseram 11 docinhos.
Isto mostra que eles sabiam calcular o dobro de um número, mas, alguns
ainda representaram a condição de forma equivocada, como por exemplo, a que
Aluno A 10 apresentou.
Assim a professora solicitou que o Aluno A 1 e o Aluno A 10 fossem ao
quadro e apresentassem suas resoluções.
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Aluno A 1 Aluno A 10
Pergunta então para a sala.
Professora: Se Miriam tivesse levado o dobro ela teria levado 22 docinhos. Qual
das duas resoluções representa a condição de Miriam?
Alunos: A do Aluno A 1 11 x 2 = 22 docinhos
Professora: Porque o Aluno A 1 multiplicou 11 por dois.
Alunos: Porque ele calculou o dobro dos docinhos.
A professora apresenta vários números para eles calcularem o dobro e
também solicita que representem o dobro de certa quantia de dinheiro. Depois
chama os grupos para fazerem suas representações no quadro.
Alguns grupos conseguiram fazer a representação por desenho de cédula
ou indicando uma “multiplicação” por dois ou uma “soma” de duas cédulas iguais.
Foi possível perceber também a dificuldade de outros grupos em trabalhar com valor
não definido. Pareceu que eles necessitam de um valor definido para representar o
dobro da quantia em dinheiro, como mostra o exemplo a seguir:
A professora faz uma pergunta para a turma.
Professora: Qual o valor da quantia de dinheiro que foi pedido para representarem?
Alunos: Uma certa quantia.
Professora: Se eu não sei qual é esta quantia de dinheiro, posso representar por
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uma letra?
Houve silêncio.
Professora: Posso ou não posso?
Timidamente alguns alunos disseram que sim.
Professora: Qual letra?
Novamente silêncio.
Professora: Se eu não sei qual é esta quantia de dinheiro posso chamá-la de M?
N? D?
Alguns alunos disseram que com D de dinheiro. Para não confundir com d
de docinho a professora sugere a letra N.
Professora: Então se N é a quantia de dinheiro, qual o dobro de N?
Como houve silencio ela pergunta:
Professora: Qual o dobro de dois?
Alunos: quatro.
Professora: Como calculo o dobro de cinco?
Alunos: 2 x5 = 10
Professora: E o dobro de N?
Alunos: 2 x N
Verificando que os alunos sabem o conceito de dobro de um número, a
professora não achou necessário passou as atividades de dobro propostas na
Produção Didática.
Para calcular a condição de Fábio apresentada no problema (se Fábio
tivesse levado a metade), os alunos demonstraram mais segurança, pois no início
do trabalho já havíamos abordado o conceito de metade de um número. Eles se
manifestaram dizendo que, para calcular a metade de um número bastava dividi-lo
por dois, então não tiveram dificuldades para resolver esta condição e tomá-la como
verdadeira.
A representação do Aluno A 10 foi a seguinte:
Após trabalharem todas as condições do problema, a professora pediu para
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os alunos verificarem se os valores que eles encontraram correspondiam aos dados
do problema. E para surpresa dos alunos obtiveram um resultado não satisfatório.
Aluno A 13: Ah! Professora não dá, fizemos tudo isso e deu 99? Como pode?
Professora: Isto significa que o 22 não condiz com as condições do problema e que
devemos testar outros números.
Quando a professora falou isso, os alunos não gostaram e reclamaram muito
porque teriam que fazer novamente os cálculos.
A professora incentivou-os dizendo:
Professora: Como é, vamos lá! Vocês vão deixar o exercício assim, sem terminar?
Qual outro número nós podemos usar para resolver o problema? Ele deve ser maior
ou menor que 22?
Aluno A 1: O número deve ser menor, porque com 22 já passou da quantidade de
docinhos.
Aluno A 7:Tem que ser o 20.
Professora: Porque 20? Não pode ser 21? Ou 19?
Aluno A 7: Não pode ser o 21, nem o 19 porque a metade deles irá dar um número
com vírgula.
Professora: Então vamos lá testem as condições do problema com a quantidade de
20 docinhos.
Para a quantia de 20 docinhos, eles resolveram rapidamente e
apresentaram os seguintes cálculos.
Aluno A 7:
Eles demonstraram muita alegria quando, somando as condições
apresentadas no problema, conseguiram encontrar 90 docinhos. Foi possível
perceber a necessidade dos alunos em saber se a resolução está correta.
Assim como eles terminaram a primeira parte da trajetória a professora
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solicitou que eles fizessem o relatório contando como pensaram para fazer todas as
etapas da resolução.
Em outra aula, para iniciar a segunda parte da trajetória, a professora
entregou uma folha contendo a mesma tarefa. Quando eles leram o problema,
reclamaram dizendo que já haviam feito aquele. Então a professora pede calma para
eles e pergunta se é possível resolvê-lo de outra forma.
Houve um silencio total. E a professora aproveita para perguntar:
Professora: Quantos são os amigos? Quem são os amigos? O que eles fizeram
juntos?
E conforme eles foram respondendo ela escrevia no quadro.
Aluno A 7:
Aluno A 4:
Professora: Como posso representar os amigos sem escrever o nome de cada um?
Existe uma forma mais simples?
Aluno A 9:
Professora: O que os amigos fizeram juntos? O que significa juntar?
Alunos: Levaram 90 docinhos. Juntar é somar.
Professora: Se juntar significa somar, então como representar que os quatro
amigos levaram juntos 90 docinhos?
Assim os alunos conseguiram escrever a frase de forma mais concisa,
porém ainda não estava claro porque podiam tomá-la como verdadeira.
Aluno A 8:
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Como forma de produzirem justificação para a frase que representaram, a
professora solicitou que os alunos relatassem as conclusões que chegaram.
Aluno A 5:
Assim os alunos tiveram a oportunidade de representar as frases ditas e es-
critas de maneira simbólica e aceitar que “aquela notação, naquela situação é legíti -
ma” (LINS; GIMENEZ, 1997, p. 169).
Percebendo que todos os alunos concordaram com a expressão apresenta-
da, a professora continua:
Professora: E a palavra docinho, eu posso representá-la com a letra “d”? No caso
da Ana, o problema diz: se Ana tivesse levado dois docinhos a mais.
Dito isso, escreve no quadro
A: quantidade de docinhos + dois docinhos é igual a 20 docinhos.
e solicita que os alunos escrevam esta frase com uma linguagem simbólica, porém
que tenha significado e que represente o problema em questão. Assim como eles já
havia resolvido o problema aritmeticamente e sabiam que a Ana deveria ter levado
18 docinhos, não demoraram muito para apresentar as seguintes resoluções:
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Para tomarem a frase legítima e verificar se os alunos compreenderam a re-
presentação feita da condição da Ana, a professora faz algumas perguntas para os
alunos:
Professora: O que representa a letra “d”?
Alunos: Representa a quantidade de docinhos que Ana levou.
Professora: Porque somamos dois?
Alunos: Porque o problema diz, se ela tivesse levado dois docinhos a mais.
Professora: Porque igualamos a vinte?
Alunos: Porque 20 é o valor que eles deveriam ter levado.
Observando as respostas dos alunos foi possível perceber que eles compre-
enderam que nesta situação o “d” tem um valor 18.
Quando chegaram à condição de Pedro apresentada no problema (se Pedro
tivesse levado 2 docinhos a menos), alguns alunos se manifestaram dizendo que as
duas condições são bem semelhantes, a única diferença é que na primeira eles de-
veriam somar e na segunda diminuir a quantidade de docinhos. Depois desta colo-
cação feita pelos alunos a professora percebeu que eles tinham compreendido como
representá-la e que nesta situação o “d” teria valor de 22 docinhos.
Na condição de Miriam apresentada no problema (se Miriam tivesse levado
o dobro), os alunos recordaram da atividade que substituíram a letra “N”, pela ex-
pressão “uma certa quantia de dinheiro” e multiplicaram por dois para calcular o do-
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bro, como as duas situações são semelhantes, os alunos não apresentaram nenhu-
ma dificuldade em fazer a representação.
E para validá-la a professora solicitou que os alunos dissessem o que signifi-
cava cada um dos elementos da expressão que representava a condição de Miriam
e conforme eles iam falando ela escrevia no quadro:
O nº de docinhos que Miriam levou vezes dois é igual a 20. E Mi-riam levou 10 docinhos.
Assim a professora percebeu que haviam compreendido a frase tomando-a
como legítima.
Chegando a condição de Fábio, a professora perguntou aos alunos:
Professora: Como calcular a metade de um número?
Os alunos sem hesitar responderam que bastava dividi-lo por dois.
Professora: Como calcular a metade de um número que não conhecemos?
Imediatamente alguns grupos responderam que deveríamos representar o
número por uma letra e dividi-lo por dois. Assim a professora pediu que um aluno
fosse ao quadro para explicar como ele resolveu.
A professora pergunta para os alunos se todos concordam com a expressão
que o Aluno A 6 escreveu no quadro e se ela corresponde com a condição de Fábio.
Como houve concordância, ela solicitou que os alunos verbalizassem a frase, en-
quanto escrevia no quadro.
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A quantidade de docinhos que Fábio levou dividida por dois é igual a 20.
Para finalizar o trabalho e para dar significado à primeira representação dos
alunos a professora escreveu no quadro:
A + P + M + F = 90
Os alunos substituíram os valores que cada amigo levou para a festa da es-
cola, como forma de validar a expressão.
4 Considerações Finais:
Voltar aos bancos escolares, dedicar-se aos estudos e desenvolver uma
investigação da minha prática foi muito gratificante. A elaboração da Trajetória de
Ensino e Aprendizagem proporcionou-me uma visão mais consistente de como
elaborar uma aula. Isso porque, além de pensar nos conteúdos a serem trabalhos,
traçar os objetivos a serem alcançados, também preciso pensar nas hipóteses de
como os alunos vão lidar com as tarefas e aprender.
A aplicação da Trajetória aconteceu em um clima de muita ansiedade e
agitação, pois os alunos deveriam organizar-se em grupos, o que não é uma prática
constante nas demais aulas e, também, porque não estão acostumados a trabalhar
sem que lhes sejam dadas as respostas, o que em alguns momentos causou-lhes
certa angústia.
Durante o desenvolvimento do trabalho, a sala parecia muito barulhenta,
mas podia-se observar que os alunos falavam com os colegas do grupo para tentar
achar uma resposta para a tarefa, assim não se caracterizou indisciplina, porque
eles mostravam-se motivados em busca da aprendizagem.
Em dois momentos os alunos reclamaram da atividade, primeiramente
quando eles encontraram uma resposta que não estava de acordo com as
condições do problema e depois, quando retomamos a atividade para trabalhar a
segunda parte da trajetória que abordava o pensamento algébrico. Porém nesses
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dois momentos a professora procurou estimulá-los lembrando que era importante
que eles resolvessem a tarefa proposta.
Os alunos demonstraram dificuldade para confeccionar os relatórios escritos
ao final de cada parte da trajetória, devido ao fato de nunca terem a oportunidade de
expressar seu raciocínio por escrito.
Apesar disso, muitos gostaram desta forma de trabalhar a matemática.
Esta proposta pode ser um caminho para possibilitar ao aluno o
desenvolvimento da capacidade de planejar e elaborar estratégias variadas de
resolução de problemas e como forma a explorar situações que envolvam o
pensamento algébrico.
De modo geral os objetivos propostos no início do projeto foram alcançados,
de acordo com o relato da professora da turma.
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Este relato indica que a utilização da trajetória de ensino e aprendizagem
proporcionou aos alunos um trabalho mais significativo com matemática. Indica
também, que podemos iniciar as atividades de álgebra mesmo antes das séries
indicadas no currículo, como forma de auxiliá-los a criar uma linguagem simbólica
que tenha significado ao representar um problema, sem que necessitem apenas
decorar fórmulas ou regras para resolvê-lo.
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