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199
PEDRO TELMO VASCONCELOS A AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA AVALIAÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL MESTRADO EM DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE RECIFE - 2002 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

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  • PEDRO TELMO VASCONCELOS

    A AUDINCIA PBLICA COMO INSTRUMENTO DE

    PARTICIPAO POPULAR NA AVALIAO DO ESTUDO DE

    IMPACTO AMBIENTAL

    MESTRADO EM DIREITO

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO UFPE

    RECIFE - 2002

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

  • PEDRO TELMO VASCONCELOS

    A AUDINCIA PBLICA COMO INSTRUMENTO DE PARTICIPAO

    POPULAR NA AVALIAO DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

    Dissertao apresentada banca examinadora da Universidade Federal de Pernambuco UFPE, como exigncia para obteno do ttulo de Mestre em Direito.

    Orientador: Professor Doutor George Browne Rgo

    RECIFE PE 2002

  • BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________

    ___________________________________

    ___________________________________

  • Cristo nos disse com muitas parbolas que o reino dos

    cus um processo de evoluo: um gro de trigo,

    uma semente que o semeador sai a semear no campo,

    um fermento que a mulher toma e mistura na massa, a

    semente de uma rvore de mostarda que quando se

    semeia a menor das sementes, mas quando cresce

    ultrapassa todos os arbustos e em seus galhos aninham

    aves do cu.

    ERNESTO Cardenal. Vida no Amor, Rio de

    Janeiro, 1979, apud Frei Betto. Nicargua

    Livre, Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    1980, p.38.

  • DEDICATRIA

    meu pai (in memoriam) e minha me, que me deram vida.

    s minhas netas Rebeca e Maria Helena,

    herdeiras de um amanh ambientalmente mais

    saudvel.

    Aos meus filhos Ronaldo, Rmulo, Rodrigo e Raquel, que

    com a dignidade de seus espritos me estimulam a trilhar este

    caminho to desigual

    Cludia mulher e me sempre dedicada e paciente

    Aos amigos e colegas de mestrado, Henrique Ehrich,

    Washington Lopes, Glauceana Barros, Jos Airton Cirilo que

    nas minhas tribulaes foram companheiros e irmos.

    Ao amigo Leandro Vasques, a quem agradeo pela concluso

    deste mestrado, a minha infinita gratido e reconhecimento.

  • AGRADECIMENTOS

    A Maria, me de Deus, que sempre est ao meu

    lado.

    Ao eminente Professor Doutor George Browne

    Rgo, quero deixar meus agradecimentos, que

    com seu inestimvel talento, sua orientao

    eficiente e dedicada, ensinou-me a trilhar o

    caminho para expor com esmero as minhas idias

    e tornar possvel esta dissertao.

    Externo ainda meus agradecimentos ao ilustre

    Professor Doutor Geraldo Neves, do qual mereci

    honrosa ateno.

  • RESUMO

    O presente trabalho tem por finalidade demonstrar a participao popular

    atravs de importante instrumento, a audincia pblica, no Estudo de Impacto Ambiental -

    EIA.

    Desde a dcada de 70 j havia sinais de preocupao com a defesa e

    proteo do meio ambiente, em face do avano tecnolgico e de um desenvolvimento no

    planejado. No entanto, foi somente com a promulgao da Constituio de 1988 que o

    estudo de impacto ambiental, at ento, um instrumento de Poltica Nacional do Meio

    Ambiente previsto na Lei no 6.938/81, tornou-se um importante instrumento de tutela

    administrativa na defesa do meio ambiente.

    De igual modo, a participao popular, cujo objetivo permitir a

    manifestao direta do cidado e das comunidades a serem atingidas diretamente pela

    atividade potencialmente causadora de significativa degradao ambiental dentro do EIA,

    quando da realizao de Audincia Pblica.

    A participao popular ainda incipiente, graas falta de ampla

    divulgao dos atos da Administrao Pblica; de educao ambiental; do interesse do

    Estado em manter este status. Os nossos legisladores de conformidade com o texto

    constitucional, j cuidaram da regulamentao dos mecanismos dispostos dessa

    participao popular (atravs da Lei n0 9.709 de 18.11.98), constantes da Constituio

    Federal de 1988 (art.14, I, II e III), imprescindveis consolidao da democracia no nosso

    pas.

  • SUMMARY

    The following work has been done to demonstrate the popular participation in public

    hearing in the Studies of Environmental Impact SEI. Since the 70s, its been noticed the

    interest and preocupation with environment, due to the advancement of technology as well

    as unplaned development. However, it really started when the 1988 Federal Constitution

    was promulgated. So far, the instrument of environmental policy was the federal law n.

    6.938/81. Then, becoming na important instrument of administrative guardianship in the

    defense of environment. In the same why, popular participation, which main objective is to

    permit direct public manifestation of the citizen and communities that have been directy

    victimized by activities that have caused significant environmental damage in the studies

    of environmental impact - SEI, whem the public hearing happens. The public participation

    is still very incipient, due to the lack of broader public knowledge of the acts of public

    administration; of state interest in keeping the status. Our legislators, according to the

    Constitutional Text, have already taken care of the regulation(Law from 9.709/98), of the

    mechanisms of public participation, within the Federal Constitution of 1988 (art.14, I, II,

    III), essential to the consolidation of democracy in our country.

  • A AUDINCIA PBLICA COMO INSTRUMENTO DE PARTICIPAO POPULAR NA AVALIAO DO ESTUDO DE IMPACTO

    NDICE

    RESUMO.........................................................................................IV

    SUMMARY....................................................................................VII

    INTRODUO............................................................................... 05

    .

    1. A Importncia do

    Tema.................................................................................................07

    2. Manifestaes populares na Grcia Antiga nascimento da plis

    e da democracia..... 09

    2.1. As cidades-estados e as formas de

    governo............................................................ 12

    2.1.1.Perodos da histria da participao popular

    grega................................................13

    2.1.2.A cidade grega a plis

    ...................................................................................... 18

  • 3. Manifestaes populares na Roma Antiga nascimento da

    Repblica......................... 20

    4. Participao popular como instrumento da democracia

    moderna................................. 24

    4.1 A sociedade e o

    homem...............................................................................................2

    4

    4.1.1.A sociedade atual: participao das elites e o

    desenvolvimento do Estado........26

    4.2. A participao popular como trao identificador da

    democracia.............................28

    4.3. Participao comunitria: uma necessidade bsica

    humana.....................................31

    5. O Estado Democrtico de

    Direito....................................................................................32

    6. Cidadania: direito de

    participao.................................................................................34

    6.1. A Constituio Federal/88. Mecanismos de participao no

    exerccio da cidadania.

  • ............................................................................................................

    ...............................41

    6.2. Mecanismos de

    participao..................................................................................

    43

    6.2.1 Sufrgio

    universal.................................................................................

    ........... 43

    6.2.2 Plebiscito................................................................................

    ......................... 45

    6.2.3 Referendo...............................................................................

    ......................... 46

    6.2.4 Iniciativa

    popular...................................................................................

    ......... 46

    6.2.5 Outros mecanismos de

    participao............................................................... 47

    7. Cidadania e Meio

    Ambiente........................................................................................

    48

  • 8. Ecologia no

    Brasil................................................................................................

    ........ 50

    8.1. Definies....................................................................................

    ........................... 50

    8.2. Origem.........................................................................................

    ........................... 50

    8.3. Histrico......................................................................................

    ........................... 52

    9. Meio

    Ambiente..............................................................................................

    .............. 54

    9.1 Conceitos.....................................................................................

    .......................... 54

    9.2 Classificao................................................................................

    ........................... 58

    9.3 Conceito

    jurdico.........................................................................................

    ........... 60

    10. Direito Ambiental

    Brasileiro...................................................................................... 63

  • 10.1 O meio ambiente como direito

    fundamental........................................................ 63

    10.2 Conceitos de Direito

    Ambiental........................................................................... 67

    10.3 Princpios

    fundamentais................................................................................

    ...... 68

    10.4 Princpios basilares do Direito

    Ambiental........................................................... 69

    10.4.1 Princpio da

    preveno/precauo............................................................

    .. 70

    10.4.2 Princpio do poluidor-pagador (usurio

    pagador)...................................... 73

    10.4.3 Princpio da

    cooperao............................................................................

    . 74

    10.4.4 Princpio da

    publicidade...........................................................................

    . 77

    10.4.5 Princpio da participao

    popular.............................................................. 79

  • 11. Legislao Ambiental

    Brasileira............................................................................... 81

    12. O Estudo Prvio de Impacto Ambiental -

    EPIA/EIA............................................... 82

    12.1 Importncia do EIA como etapa do licenciamento

    ambiental........................... 89

    12.2 Estudo de impacto ambiental e relatrio de impacto

    ambiental......................... 91

    13. Audincia

    Pblica..................................................................................................

    ... 92

    13.1

    Finalidade.............................................................................................

    ............. 93

    13.2

    Convocao.......................................................................................

    ................ 96

    13.3 Edital e recebimento do

    RIMA........................................................................ 97

    13.4 Designao, data e

    local................................................................................... 98

  • 13.5 Direo e

    procedimentos............................................................................

    ............99

    13.6 Ata e juntada de

    documentao.............................................................................

    .99

    14. Realizao de Audincia

    Pblica..................................................................................100

    14.1 Agentes sociais envolvidos na realizao de Audincias

    Pblicas:......................................................................................

    ............................101

    14.2

    Empreendedor..............................................................................

    ..........................102

    14.3 Equipe multidisciplinar de

    consultoria..................................................................102

    14.4 rgo da administrao

    pblica............................................................................104

    14.5 Empresas pblicas e

    privadas................................................................................105

  • 14.6 Pessoas

    fsicas...........................................................................................

    .............105

    14.7 Entidades civis

    ONGs.........................................................................................1

    05

    14.8 Poder

    Legislativo...................................................................................

    .................105

    14.9 Comunidade

    cientfica......................................................................................

    ......106

    14.10 Ministrio

    Pblico.......................................................................................1

    06

    15. A deciso do rgo

    licenciador.....................................................................................106

    16. Procedimentos prticos para realizao de audincia

    pblica......................................107

  • 17. Alternativas aos procedimentos atuais de realizao de audincia

    pblica..................109

    18. Sugestes para proposio de mudanas na

    legislao.............................................111

    19. O Licenciamento

    Ambiental.....................................................................................113

    19.1. Licena

    prvia..........................................................................................

    .........114

    19.2. Licena de

    instalao....................................................................................

    ....114

    19.3. Licena de

    operao......................................................................................

    ....116

    19.4. Como obter o licenciamento

    ambiental.............................................................117

    19.5. Prazos de validade dos

    licenciamentos.............................................................117

    19.6. Tipos de estudos ambientais necessrios ao

    licenciamento..............................118

  • 19.6.1. Estudo de impacto ambiental EIA e respectivo

    relatrio RIMA.......118

    19.6.2. Relatrio de controle ambiental

    RCA...................................................119

    19.6.3. Plano de controle ambiental

    PCA.........................................................119

    19.6.4. Plano de recuperao de reas degradadas

    PRAD...............................119

    19.6.5. Instrumentos intermedirios de avaliao de

    impacto ambiental............120

    20.

    Concluso.............................................................................................

    ....................122

    21. Bibliografia..................................................................................

    .............................125

    22. Anexos......................................................................................................................129 Lei 6.938/81 Plano Nacional do Meio Ambiente PNMA.............................................................129 Lei 9.709/98 Regulamenta a execuo do disposto nos inc. I, II, III do art.14 da CF.....................138 Decreto 88.351/83...............................................................................................................................141 Decreto 99.274/90...............................................................................................................................152 Decreto 2.120/97.................................................................................................................................163 Resoluo 001/86 CONAMA -........................................................................................................165 Resoluo 009/97 CONAMA -........................................................................................................170 Resoluo 237/97 CONAMA -........................................................................................................171

  • Introduo

    Nossa Constituio Federal de 1988, quando faz aluso ao meio ambiente,

    qualifica-o como um bem de uso comum do povo, atribuindo ao Poder Pblico e

    coletividade o dever de defesa e preservao do mesmo para as presentes e futuras

    geraes.

    Ressalta o caput do art.225:

    Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

    uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao

    Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as

    presentes e futuras geraes.

    E, no inc.IV do 1 :

    exigir na forma da lei, para instalao de obra ou atividade

    potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente,

    estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade.

    Para que o meio ambiente possa ser desfrutado pelo maior nmero de

    pessoas possveis, temos a incumbncia de defend-lo e resguard-lo das agresses que

    possa sofrer.

    Nosso ordenamento jurdico encerra um conjunto de elementos judiciais e

    administrativos para a proteo do meio ambiente. Isso no significa, entretanto, que estes

  • instrumentos tenham eficcia concreta, pois est faltando algo essencial: a participao da

    sociedade neste processo de defesa e proteo ao meio ambiente.

    Para garantir a insero da sociedade, publicou-se a Lei no 6.938/81, que

    regulamentou a Poltica Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de expresso

    e aplicao. A partir de ento, o processo de defesa ambiental evoluiu em progresso

    ascendente.

    Distingue-se, nessa regra de direito ambiental, um essencial e

    indispensvel recurso para a execuo da Poltica Nacional do Meio Ambiente, que o EIA

    - Estudo de Impacto Ambiental, que deve ser exigido tanto nos projetos pblicos quanto

    nos privados, industriais e no industriais, urbanos e rurais e em reas consideradas crticas

    de poluio ou no poludas, conforme art.225, 1o inciso IV, da Constituio Federal de

    1988, que determina sua publicao.

    Como fator necessrio do princpio da publicidade deve ser salientado o

    princpio da participao pblica, que consiste em um dos problemas jungidos questo

    ambiental, j que no uma das caractersticas do povo brasileiro sindicar os atos da

    Administrao Pblica, perquirir informaes sobre atividades que lhe dizem respeito,

    como no que pertine ao meio ambiente. A indagao que se faz : quais os motivos que

    levam o povo brasileiro a deixar de ter preocupao em exercer seus direitos, na negativa

    de participao no processo que pertine questo ambiental, e at do mais ldimo direito

    que o da cidadania, todos assegurados pela Constituio Federal?

    Por isso despertou-me o interesse pelo presente tema que se destinou a

    abordar a participao pblica no Brasil, no que diz respeito preservao ambiental,

    dentro do procedimento que envolve a elaborao e discusso do Estudo Prvio de Impacto

    Ambiental, previsto em nossa Lei Maior, para fins de licenciamento de atividade que possa

    poluir ou degradar o meio ambiente.

    O trabalho foi desenvolvido com o escopo dos seguintes objetivos:

  • - Contribuir com a discusso sobre a forma de participao pblica nos processos

    decisrios concernentes questo ambiental, principalmente naqueles que dizem

    respeito ao procedimento do Estudo de Impacto Ambiental;

    - esquadrinhar a legislao ambiental a respeito do direito de participao popular

    no procedimento do estudo de impacto ambiental;

    - estudar os mecanismos constitucionais que esto amparando a participao

    popular nos processos decisrios da Administrao Pblica a partir do direito

    informao dentro das questes ambientais;

    - apresentar propostas para o aperfeioamento da participao nas audincias

    pblicas.

    O meio ambiente considerado hodiernamente patrimnio da

    humanidade. Por este motivo, a importncia deste estudo consiste no fato de que a garantia

    da vida humana, enquanto parte integrante desse patrimnio, est reclamando um processo

    de conscientizao e de participao da sociedade civil organizada para articular uma

    Poltica consagrada sua proteo, preservao e, qui, sua prpria sobrevivncia, neste

    momento que j convive com a poluio do solo, do ar, dos rios e dos mares, dentre outras

    calamidades provocadas por considerveis impactos transformadores, negativos e positivos,

    causados ao meio ambiente em virtude do uso indiscriminado e irrefrevel de seus recursos

    sob o manto do desenvolvimento econmico necessrio satisfao do descontrolado

    consumismo do homem atual.

    Se no Brasil, por exemplo, onde a participao pblica est

    constitucionalmente garantida, conseguirmos avanar no processo de conscientizao e de

    participao poltica dos cidados, a defesa e proteo do meio ambiente estaro

    asseguradas de maneira mais efetiva.

    1. A Importncia do tema

    O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importncia da

    participao popular no Estudo de Impacto Ambiental EIA, atravs da audincia pblica,

    podendo esta audincia vir a ser um instrumento importante e imprescindvel dentro da

    questo ambiental brasileira.

  • Desde o alvorar da dcada de 70 j havia indcios de inquietao

    proveniente da preocupao com a defesa e proteo do meio ambiente, em face dos

    avanos tecnolgicos e de um desenvolvimento no planificado. Entretanto, foi apenas com

    a promulgao da Constituio de 1988 que o Estudo de Impacto Ambiental EIA ,at

    ento um instrumento de Poltica Nacional do Meio Ambiente previsto na Lei no 6.938/81,

    tornou-se um importante instrumento de tutela administrativa na defesa do meio ambiente,

    o que antes no se via nem mesmo no texto das nossas Constituies anteriores.

    De modo anlogo, a participao popular, cuja objetivao permitir a

    expresso de opinies e sentimentos do cidado e das comunidades a serem atingidas

    diretamente pela atividade potencialmente causadora de significativa degradao ambiental

    dentro do Estudo de Impacto Ambiental EIA - quando da realizao de Audincia

    Pblica, ainda est agatinhante. Isso acontece devido falta de maior divulgao dos atos

    da Administrao Pblica e de educao ambiental, como tambm falta de interesse do

    Estado em alterar este status quo. Os nossos legisladores, de conformidade com o texto

    constitucional, j cuidaram da regulamentao dos mecanismos dispostos dessa

    participao popular, (atravs da Lei n0 9.709 de 18.11.98), constantes da Constituio

    Federal de 1988 (art.14, I, II e III), e que so imprescindveis consolidao da democracia

    no pas.

    A participao popular, atravs da Audincia Pblica, deve ser um meio

    transformador da realidade existente, na questo pertinente ao meio ambiente. No entanto,

    ainda preciso solidific-la, torn-la mais forte, com decises a serem tomadas com maior

    participao e firmeza. Assim, cada sociedade h de revelar os valores representativos que

    devero assentar-se na estrutura de uma democracia. Atente-se, ento, que a participao

    configura-se como um dos mais significativos elementos a caracterizar o regime de

    natureza democrtico.

    Mesmo diante dos princpios reputados essenciais democracia, neles se

    vislumbra a presena da participao pblica, dado de inegvel e indispensvel valor.

    Seria importante, portanto, destacar a participao popular na

    caracterizao da democracia. E, com certeza, a Audincia Pblica um dos instrumentos

    de participao da comunidade no processo democrtico, no s em estudos de impactos

    ambientais, mas tambm de todos assuntos inerentes ao bem estar social do povo brasileiro.

  • As Audincias Pblicas revelam-se mecanismos eficientes de

    equacionamento de problemas ligados a direitos e interesses difusos e coletivos de modo

    geral, como queles relacionados ao Meio Ambiente, ao consumidor, etc.

    No restam dvidas que a Audincia Pblica produz os mais variados

    efeitos junto comunidade. Dentre eles, o mais relevante , sem dvida, a participao

    comunitria, que informa quais os verdadeiros problemas enfrentados, aponta as

    irregularidades, indica sua insatisfao, manifesta seu inconformismo e reivindica seus

    direitos, procurando chegar soluo para os conflitos sociais e ambientais.

    A participao em audincia pblica um importante exerccio de

    cidadania, pois no destinada exclusivamente a debates academico-tecnicistas, e tambm

    no pode ser realizada com vcios ou manipulaes que somente sero evitados com uma

    diligente participao popular no processo. Essa participao imprescindvel para que

    sejam alcanados todos os resultados positivos desejados pelos nossos legisladores.

    A Audincia Pblica, em tese, tem um poder enorme, pois sua finalidade

    a exposio aos cidados do contedo do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do seu

    Relatrio de Impacto do Meio Ambiente (RIMA), com o propsito de dirimir dvidas e

    recolher crticas e sugestes da comunidade envolvida.

    Esperamos que o tema venha concorrer para maior esclarecimento

    frente sociedade sobre a aplicabilidade e funo das Audincias Pblicas, ou seja, a

    importncia que ela tem, ou que deveria ter, objetivando colaborar para uma

    contrapartida de medidas compensatrias junto comunidade que ir sofrer os

    impactos diretos ou indiretos do empreendimento visado. D mesma forma, tem por

    fim cooperar para melhor esclarecimento do assunto, fazer com que ele chegue ao

    alcance de todos interessados e de toda a sociedade, bem como tornar evidente que a

    Audincia Pblica um instrumento que veio como contributo para evitar futuros

    problemas, para viabilizar pequenos e grandes projetos que iro atingir s

    comunidades.

    Importante o tema porque a Audincia Pblica

    deve ser mais difundida, com esclarecimentos

    para toda sociedade. O presente trabalho

    procurar divulgar seus resultados para que a

  • sociedade interessada possa aplic-los sem

    nenhum receio, e na certeza de que um

    verdadeiro instrumento de participao popular na

    discusso do estudo de impacto ambiental.

    Posto isto, vemos a Audincia Pblica como um instrumento formal

    importante de participao pblica. Por isso, incontestvel sua legitimidade!

    2. Manifestaes populares na Grcia antiga

    pstion, palavra grega que significa aquilo que est junto de um lar,

    designava o significado de famlia. "A famlia era assim um grupo de pessoas a quem a

    religio permitia invocar o mesmo lar e oferecer a refeio fnebre aos mesmos

    antepassados".1

    Certo nmero destas famlias formavam um grupo social, ao qual a

    lngua grega deu o nome de fratria e a latina, de cria. Na ftria, cada um dos grupos que

    se subdividiam as tribos atenienses e doutras cidades da tica, tinha suas assemblias, as

    suas deliberaes e podia promulgar decretos.2

    "A tribo, tanto como famlia e a fratria, constitui-se um corpo

    independente, com culto especial de onde se exclui o estrangeiro. Quando formada,

    nenhuma nova famlia podia nela ser admitida. Duas tribos de modo algum podiam fundir-

    se em uma s, porque a sua religio a isso se opunha. Mas, assim como muitas fratrias

    estavam reunidas em uma tribo, muitas tribos puderam associar-se, sob condio de o culto

    de cada uma delas ser respeitado. No dia que nasceu essa aliana nasceu a cidade."3

    Assim, a cidade no um agregado de indivduos, mas uma confederao

    de muitos grupos j anteriormente constitudos. Ela deixa ento de subsistir simplesmente

    como cidade e se transforma em associao religiosa e poltica das famlias e das tribos. A

    partir desse momento, a Grcia antiga faz brotar o sustentculo, faz nascer as bases do

    conjunto de caracteres prprios da vida social, poltica e cultural do mundo ocidental. 1 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A Cidade Antiga. 3.ed., So Paulo: Martins Fontes, 1995, p.45. 2 Ibidem, p.122-124.

  • Os antigos gregos acreditavam que eram diferentes de quaisquer outros

    povos que conheciam. Eles dividiam o mundo em dois grupos: os helnicos, como

    chamavam a si prprios, e os brbaros, que incluam todos os que no eram gregos. Isso

    porque se sentiam livres, enquanto o resto do mundo vivia escravizado.

    "Ao contrrio de todas as sociedades do seu tempo, os gregos regiam-se

    por uma lei que defendia a justia e que era conhecida de todo o povo. Cada grego sentia-se

    como membro do Estado e no sdito, cujo destino estava nas mos de um dspota. O

    conceito de democracia, na qual todos os cidados podem pronunciar-se sobre o modo de

    governar o Estado, nasceu na Antiga Grcia".4

    A Grcia localiza-se numa regio de relevo interno bastante montanhoso,

    j o seu litoral, ao contrrio do interior, era muito recortado e entremeado de pequenas

    ilhas, o que favoreceu a criao de excelentes portos, facilitando assim as comunicaes

    martimas. Na Antigidade, esse relevo constitua um grande obstculo s comunicaes

    terrestres. Essa dificuldade de contatos internos contribuiu para impedir a unidade poltica

    do pas, ao mesmo tempo que favoreceu a formao das cidades-estados, separadas umas

    das outras por macios montanhosos.

    A origem destas cidades-estados se deu porque os gregos no se

    consideravam parte integrante de uma nao, mas membros de uma cidade-estado. Essas

    cidades nasceram do desejo de proteo dos camponeses. Foi construda, ento, uma

    fortaleza numa colina central do vale e, quando o inimigo atacava, buscavam refgio com

    os animais dentro das suas muralhas de madeira. Com o tempo as populaes foram

    abandonando as aldeias e instalando-se perto das muralhas. Por volta de 600 a.C., quase

    toda populao da regio morava em cidades construdas em volta dessas fortalezas, onde

    passaram a erguer uma segunda muralha. Surgiu assim a plis, a cidade-estado grega, onde

    cada uma tinha suas leis, seu governo e sua prpria moeda.

    Resumindo: A civilizao grega, a mais rica e fecunda de toda a

    antigidade, legou uma preciosa herana no somente aos povos que estiveram em contato

    3 Ibidem, p.132-133. 4 CASELLI, Giovanni. As Primeiras Civilizaes. So Paulo: Melhoramentos, 1983, p.44.

  • direto com todos os aspectos desta civilizao, mas tambm ao mundo contemporneo, que

    ainda usufrui do prdigo legado da Grcia Antiga.

    "Um dos principais legados est na poltica j que o ideal democrtico

    contemporneo visa a participao consciente de todos os cidados no destino das naes

    atravs do voto, inspira-se, de certo modo e guardadas as devidas propores, na

    democracia ateniense. Claro que existe um profundo abismo entre a democracia como a

    concebemos hoje e como a idealizaram ou praticaram os cidados de Atenas. Mas

    inegavelmente encontramos na Grcia Clssica as razes do ideal democrtico hodierno."5

    Ainda hoje, em pleno sculo XXI, o mundo ocidental com todos os seus

    progressos tecnolgicos e cientficos ainda se curva com humildade diante o esplendor da

    civilizao da Grcia Antiga.

    2.1. As cidades-estados e as formas de governo

    No Egito e na Mesopotmia, nas grandes regies banhadas pelo rio Nilo e

    pelo rio Eufrates, era fcil sujeitar uma populao a um governante nico. Na Grcia,

    porm, onde cada cidade era separada das outras pelas montanhas ou pelo mar, era quase

    impossvel manter um controle centralizado. Assim, os gregos foram os primeiros a

    experimentar diferentes formas de governo e a refletir sobre elas. Eles experimentaram as

    seguintes formas de governo:

    Monarquia: forma de governo em que o rei governa sozinho ou com um conselho

    de nobres. O rei era o sumo sacerdote, comandava o exrcito e distribua justia.

    Aristocracia: sistema em que os nobres assumiam o poder dos reis. Quando

    morriam, os filhos os substituam no poder.

    Oligarquia: governo de poucos, geralmente dos que eram donos de terras. Os

    atenienses chamavam este governo de o "governo dos gordos".

    Tirania: governo de um homem que assumia o poder pela fora, freqentemente era

    apoiado pelo povo contra a aristocracia.

  • Democracia: sistema no qual todos os cidados homens tomavam parte na

    elaborao das leis. A cidadania era direta e no representativa, abrangia apenas a

    classe dos cidados, mulheres, crianas, estrangeiros e escravos no eram

    considerados cidados."6

    Os imigrantes estrangeiros que se instalaram na Grcia, eram chamados

    metecos. Esses estrangeiros "... careciam dos direitos dos cidados atenienses, como

    desempenhar cargos pblicos, participar das assemblias do povo, e possuir bens imveis,

    etc. S podiam pertencer classe de artesos e dedicar-se ao comrcio; deviam pagar

    impostos especiais e terem "protetores" entre os cidados que gozavam de plenos direitos,

    por intermdio dos quais eles podiam dirigir-se aos rgos do governo."7

    2.1.1. Perodos da histria da participao popular grega

    Perodo 1700 a.C. 800 a.C. perodo Homrico:

    Nessa poca, a vida na Grcia tinha por base a grande famlia ou cl, e

    havia pouca diferenciao entre classes. Todos colaboravam de alguma forma nos trabalhos

    da comunidade, tanto os mais ricos como os mais pobres. "As populaes da Grcia, desde

    a mais remota antigidade, sempre conheceram e praticaram a propriedade privada.

    Nenhuma recordao histrica nos chegou, e de poca alguma, que nos revele a terra ter

    estado em comum; e nada tampouco se encontra que se assemelhe partilha anual dos

    campos. Em algumas cidades os cidados so obrigados a ter em comum a colheita, ou pelo

    menos, a maior parte delas e devendo gast-la em sociedade; portanto, o indivduo no nos

    parece como absoluto senhor do trigo por ele colhido, mas merc de notvel contradio, j

    que tem propriedade absoluta do solo. A terra era mais dele do que a colheita."8

    5 GIORDANI, Mrio Curtis. Histria da Grcia, Antigidade Clssica I, 3.ed., Petroplis: Vozes, 1984,

    p.492. 6 PILETTI, Nelson. Histria e Vida, da Pr-Histria Idade Mdia, 9.ed., So Paulo: tica, v.3, p.78. 7 ENGELS, F. El Origem de la famlia, la propiedad privada e el Estado. Moscou: Progresso, 1976, p.189. Traduo livre pelo autor. 8 FUSTEL DE COULANGES, A Cidade Antiga. 3.ed., So Paulo: Martins Fontes, 1995, p.63-64.

  • No final deste perodo, o crescimento demogrfico e a falta de terras

    frteis provocaram uma crise cuja conseqncia foi a desagregao das comunidades

    baseadas no parentesco. As terras coletivas foram desigualmente divididas, dando origem

    propriedade privada e uma maior diferenciao entre as classes sociais. Com a

    desagregao das comunidades baseadas no parentesco, surgiram as cidades-estados. Cada

    cidade-estado era governada por um rei, por sua vez era assistido por um conselho de

    nobres e por uma assemblia de guerreiros. Os estrangeiros e escravos no tinham direitos

    civis ou polticos. Atenas, Tebas, Mgara, Corinto, Argos e Mileto foram as principais

    cidades-estados da Grcia

    O perodo entre 800 a 500 a.C., caracterizou-se pelo desenvolvimento das

    cidades-estados e pela expanso colonizadora. Essa expanso favoreceu mais as cidades do

    litoral, que dispunham de portos e boa frota mercante. As cidades do interior, que

    dependiam da agricultura, mantiveram-se praticamente isoladas. A concorrncia dos

    produtos importados contribuiu para arruinar os pequenos agricultores e para aumentar

    mais ainda a concentrao de terras nas mos da aristocracia. Isso desencadeou a luta entre

    o povo (demos) e a aristocracia.

    Nas cidades-estados onde a vitria coube nobreza, consolidou-se o

    regime aristocrtico. Naquelas em que o demos foi vitorioso, as reformas conduziram,

    pouco a pouco, ao regime democrtico. Neste perodo deu-se tambm o nascimento da

    Filosofia, outra grande e uma das maiores contribuies da Grcia para a civilizao

    ocidental.

    Conforme Engels, Slon dividiu os cidado em quatro classes, de acordo

    com as extenses de suas propriedades e das produes destas. Os rendimentos mnimos

    fixados para as trs primeiras classes foram de quinhentos, trezentos e cento e cinqenta

    medimnos de gros respectivamente (um medimno eqivalia a quarenta e um litros de gros

    secos). Formaram a quarta classe os que possuam menos terra ou careciam totalmente dela.

    S poderiam se ocupar dos ofcios pblicos os indivduos das trs primeiras classes, e os

    mais importantes da primeira classe. A quarta classe tinha somente o direito de tomar a

    palavra, votar nas assemblias os chamados poderes de voz e voto. Mas, nessas

    assemblias era onde eram eleitos todos os funcionrios, e todos esses funcionrios teriam

  • que prestar contas de suas gestes, ali era onde se elaboravam todas as leis, e ali a maioria

    estava nas mos da quarta classe. Os privilgios aristocrticos se renovaram, em parte, em

    forma de privilgios da riqueza, mas o povo obteve o poder supremo.9

    Vernant comenta que Slon, 594 antes da nossa era, foi considerado um

    dos Sete Sbios que inventaram as virtudes prprias do cidado. Ele era poeta elegaco,

    rbitro das lutas polticas atenienses, e recusava a tirania.10

    No sculo de Pricles, de 500 a 338 a.C., perodo clssico, como tambm

    ficou conhecido esse perodo, Atenas tornou-se a cidade mais importante da Grcia e a

    civilizao grega atingiu seu maior esplendor. Foi nessa poca, em Atenas, que se

    consolidou a idia de que todos os homens adultos nascidos livres podiam opinar sobre a

    administrao do Estado. Foi ainda nessa poca que "Clstenes, considerado o "Pai da

    Democracia", fez as seguintes reformas de interesse popular: estabeleceu a unidade

    governamental; concedeu direitos aos cidados, sem distino de classe; estabeleceu o

    ostracismo, exlio honroso por dez anos."11

    A democracia grega chegou ao apogeu com Pricles, e a democracia

    participativa teve tambm em Pricles um de seus maiores expoentes. Os atenienses,

    induzidos pelo notvel homem pblico, adotaram vigorosos mtodos que os levaram

    supremacia. Segundo Tucdides, Pricles, em um de seus discursos, disse: "Cada um de

    nossos cidados em todos os mltiplos aspectos da vida, est capacitado a demonstrar que

    legtimo senhor e dono de sua prpria pessoa, e, mais que isso, a faz-lo com uma

    versatilidade e graa excepcionais."12

    Por ser suficientemente pequena, a comunidade de Atenas pde permitir

    que cada cidado fizesse ouvir sua voz. Pescadores, comerciantes, joalheiros, oleiros e

    proprietrios encontravam-se em p de igualdade na Assemblia, que era a reunio dos

    cidados para tomar as decises sobre os assuntos da cidade, e tinham igual direito de voto 9 ENGELS, F. El Origem de la famlia, la propiedad privada e el Estado. Moscou: Progresso, 1976, p.114. Traduo livre pelo autor. 10 VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do pensamento grego. 5.ed., So Paulo: DIFEL Editoras, 1986, p.48. 11 SOUSA, Osvaldo Rodrigues. Histria Geral. 15.ed., So Paulo: tica, 1977, p.82-84.

  • nas discusses. No demonstrar interesse pelos assuntos pblicos e pelos negcios do

    Estado era uma atitude considerada to estpida, que a palavra "idiota" deriva de um termo

    grego que significava "cidado particular", isto , aquele que apenas se interessava pelos

    assuntos particulares e no se preocupava com aquilo que dizia respeito cidade.

    Atenas era uma democracia: Todos os cidados podiam votar e assim

    participar do governo da cidade. E todos os homens livres eram cidados. s vezes, o

    direito de cidadania era estendido tambm aos estrangeiros. Em decorrncia disso, a classe

    dos cidados naquela cidade era formada por pessoas de diferentes nveis sociais.

    Vale ainda ressaltar a importante organizao poltica e social de Atenas:

    Eclsia era a assemblia. Dela participavam todos os cidados com mais

    de 18 anos. Era onde se faziam as leis, vigiavam-se os juzes e resolviam-se todos os

    negcios da cidade. Segundo Auguste Jard, os negcios do Estado eram dirigidos

    soberanamente pela Assemblia do Povo. Teoricamente, todos os cidados com vinte anos

    completo que no tivessem sofrido perda de direitos polticos e civis(atimia) tinham a

    obrigao de assistir as reunies da ekklsia. Para certas decises importante, como, por

    exemplo, o ostracismo ou a concesso do direito de cidadania, a proposio devia reunir

    pelo menos 6.000 votos. Cada projeto era submetido a uma votao preliminar, que decidia

    se devia ou no passar discusso. Qualquer cidado podia pedir a palavra, quando se

    encerrava a discusso, o presidente submetia a proposta votao, que se fazia com as

    mos erguidas. A assemblia estendia sua competncia a todas s questes da poltica

    interna e externa.13

    A Bul, Senado ou Conselho dos Quinhentos preparava os projetos de leis

    a serem votados pela Eclsia. Seus membros eram escolhidos por sorteio e tinham um

    mandato de um ano. A Bul compreendia quinhentos cidados maiores de trinta anos de

    idade, designados por sorteio, na razo de cinqenta para cada tribo. Dividia-se em dez

    comisses, que compreendiam, cada uma, os cinqenta bulentos de uma mesma tribo. Seu

    12 TUCDIDES. Histria da Guerra do Peloponeso. 3.ed., Braslia: UNB, 1987, p.99. 13 JARDE, Auguste. A Grcia Antiga e a vida grega. So Paulo: Ed. Pedaggica Universitria, EPU

    EDUSP, 1977, p. 171 173.

  • presidente era escolhido por sorteio, que exercia as suas funes apenas por um dia, no

    podendo desempenhar esse cargo mais de uma vez.14

    A Helia, o principal rgo judicirio, era uma espcie de tribunal

    popular. Seus integrantes eram escolhidos por sorteio entre os cidados.

    Eram eleitos ou sorteados, muito numerosos eram renovados

    anualmente, no podendo ser reeleitos. As eleies eram feitas pelos cidados reunidos em

    assemblia extraordinria. Exigiam-se dos candidatos certas condies de idade ou de

    fortuna: era preciso ter a idade mnima de trinta anos, passavam por um exame

    prvio(dokmsia) que decidia sobre as condies de elegibilidade e honorabilidade dos

    candidatos.15

    A idia de Pricles sobre a democracia ateniense, este "governo do povo",

    magistralmente reproduzida por Tucdides:

    A constituio que nos rege nada tem de invejar dos outros povos; no

    imita nenhuma; ao contrrio, serve-lhes de modelo. Seu nome democracia, porque no

    funciona no interesse duma minoria, mas em benefcio do maior nmero. Tem por princpio

    fundamental a igualdade. Na vida privada, a lei no faz diferena alguma entre cidados.

    Na vida pblica, a considerao no se ganha pelo nascimento ou pela fortuna, mas

    unicamente pelo mrito; e no so as distines sociais, mas a competncia e o talento que

    abrem o caminho das honrarias. Em Atenas, todos entendem de poltica e se preocupam

    com ela; e aquele que se mantm afastado dos negcios pblicos considerado um ser

    intil. Reunidos em Assemblia, os cidados sabem julgar corretamente quais so as

    melhores solues, porque no acreditam que a palavra prejudique a ao e, pelo contrrio,

    desejam que a luz surja da discusso. Nosso governo chama-se democracia porque a

    administrao da Repblica no pertence nem est em poder de poucos, mas sim de muitos.

    O nosso povo reconhece a superioridade do talento e, quando um cidado se distingue dos

    outros, designado para os cargos pblicos, no por direito de classe, mas como

    14 Ibidem, p.171 173. 15 Ibidem, p.171 173.

  • recompensa pelo seu mrito...Em suma, nossa cidade totalmente uma escola de doutrina,

    uma regra para toda a Grcia".16

    Para preservar a democracia, os democratas estabeleceram o controle

    sobre seus dirigentes, limitando inclusive a durao do exerccio das funes pblicas, para

    que nenhum magistrado se apegasse ao poder e nele quisesse se perpetuar. Por isso as

    funes duravam apenas um ano, com exceo das ocupadas pelos comandantes militares e

    os cargos financeiros.

    Consoante Auguste Jard, as instituies polticas e sociais de Esparta

    eram diferentes das outras cidades-Estados. Instalados no meio de populaes

    numericamente superiores, os espartanos, que constituam uma minoria privilegiada,

    deviam manter a preponderncia pela fora. Nessas condies, Esparta no podia deixar de

    ser uma cidade militarista e aristocrtica. A sociedade espartana baseava-se na desigualdade

    das pessoas, os espartanos eram descendentes de conquistadores da Lacnia. Eram os

    nicos que podiam gozar de todos os direitos de cidados e participar do governo:

    chamavam-se os iguais(hmoioi). O espartano devia consagrar ao Estado todo o seu tempo,

    todas as atividades, no tinha outra ocupao alm de preparar-se para a guerra ou cuidar

    dos negcios pblicos.

    Os espartanos eram donos das melhores terras nos arredores da cidade e

    da maior parte das terras da Messnia. As terras dos cidados espartanos eram cultivadas

    pelos hilotas, que eram servos presos gleba, obrigados ao pagamento de um foro ao

    proprietrio, e eram obrigados a cultivar as terras dos espartanos, gerao aps gerao.

    Os verdadeiros chefes do governo eram os foros(phoroi), cinco

    membros, eleitos anualmente pela assemblia do povo. Tinham o poder de fiscalizao

    geral sobre toda a cidade, sobre os funcionrios que eles podiam suspender de suas funes

    e sobre os reis a quem podiam acusar. J o senado(gerousia), era a assemblia dirigente,

    conselho de vinte e oito ancios com mais de sessenta anos de idade e nomeados pelo povo

    em carter vitalcio. O senado opinava sobre questes importantes, propunha leis, julgava

    causas criminais. E, por fim, a assemblia do povo(apell) compreendia todos os cidados 16 TUCDIDES. Histria da Guerra do Peloponeso. 3.ed., UNB, 1987, p.98-102.

  • com trinta anos completo. Reunia-se uma vez por ms, na lua nova. Elegia, por aclamao,

    os foros e os membros do senado. Votava, sem emendas e sem discusso, as proposies

    que o senado submetia sua apreciao.17

    2.1.2. A cidade grega - plis

    Os gregos conceberam a plis como uma comunidade; como uma coisa

    ativa e formativa que educava a mente e o carter dos cidados. Isto , uma organizao

    cujos assuntos eram de interesse coletivo. Um dos fatores que contriburam para que os

    gregos concebessem suas cidades como comunidades, foi seu reduzido tamanho.

    "Qualquer grego conhecia a plis, pois ela estava ali, inteira, diante de

    seus olhos. Ele podia ver os campos que lhe forneciam o alimento, ou que no o fornecia se

    as colheitas no eram boas; podia ver a agricultura, o comrcio, conhecia a fronteira, seus

    pontos mais seguros e os mais fracos; se existissem conspiradores que planejavam aes

    subversivas, logo o sabia, pois era muito difcil ocult-lo. A vida toda da plis e a relao

    entre suas partes eram muito mais fceis de abranger, em virtude, justamente, dessa

    pequena escala. Em conseqncia, dizer que cada um tinha o dever de ajudar a plis no era

    uma afirmao que exprimia um sentimento belo, e sim um princpio enunciado de acordo

    com o mais simples, evidente e urgente sentido imediato e concreto que para ns, hoje,

    estranho."18

    Conforme explanao de Tiago Ado Lara, o grego vivia na cidade, pela

    cidade e para a cidade. A cidade representava, aos olhos do grego comum e,

    principalmente, aos olhos do grego aristocrata, o valor maior da existncia. Nela sentia-se

    realizado, pois nela sentia-se livre das agresses da natureza rebelde, dos conflitos sociais

    incontrolveis, livre da tirania dos reis que dominavam outros povos, e, de certa maneira,

    livre tambm dos deuses, tornando-os seus concidados. A cidade era a realizao mais

    perfeita da vida, a nica realmente humana, aquela que traava uma distino ntida entre o

    17 JARDE, Auguste. A Grcia Antiga e a vida grega. So Paulo: Ed. Pedaggica Universitria, EPU

    EDUSP, 1977, p.161-165. 18 KITTO, H. O. A Cultura da Civilizao Grega. Apud Eduardo Kalina e Santiago Kovadlof. As Ciladas da

    Cidade. So Paulo: Brasiliense, 1978, p.30-31.

  • grego civilizado e os demais povos brbaros. Era por isso que o grego vivia para sua

    cidade, aceitando dedicar-se totalmente a ela.19

    Como podemos notar, no Estado Grego o indivduo tem uma posio

    peculiar. H uma elite, que compe a classe poltica, com intensa participao nas decises

    do Estado, a respeito dos assuntos de carter pblico. Entretanto, nas relaes de carter

    privado a autonomia da vontade individual bastante restrita.

    "Assim, pois, mesmo quando o governo era tido como democrtico, isto

    significava que uma faixa restrita da populao, os cidados, que participava das decises

    polticas, o que tambm influiu para a manuteno das caractersticas de cidade-estado, pois

    a ampliao excessiva tornaria invivel a manuteno do controle por um pequeno

    nmero."20

    A plis marco social caracterstico da histria da formao grega, visto

    que a exaltao dos valores de luta, de concorrncia, de rivalidade associa-se ao sentimento

    de dependncia para com uma s e mesma comunidade, para com uma exigncia de

    unidade e de unificao sociais; o esprito comunitrio domina a formao dos cidados

    para que a socializao se manifeste em todos os domnios. Uma das caractersticas mais

    marcantes da plis grega foi implantar, pela primeira vez na histria, a instaurao de uma

    experincia democrtica de governo exercida diretamente pelo povo. Esse modelo de

    vivncia participativa permitiu o desenvolvimento de uma intensa vida cultural.

    3. Manifestaes populares na Roma Antiga

    Perodo entre 509 a 27 a.C. "Toda a poltica da guerra a da conquista romana

    fundamentava-se, de resto, como a prpria constituio, na base da propriedade; como

    somente o proprietrio tinha uma situao no Estado, o propsito das guerras do Estado era

    19 LARA, Tiago Ado. Caminhos da razo no ocidente. A filosofia nas suas origens gregas. 2.ed., Rio de

    Janeiro: Vozes, 1992, p.164. 20 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17.ed., So Paulo: Saraiva, 1993, p.54.

  • aumentar o nmero de proprietrios. Apropriavam-se do solo conquistado assegurando pelo

    sulco da charrua o que haviam ganho pela lana. O que conquistado pela guerra pode ser

    retomado pela guerra; mas tal no acontece com as conquistas feitas pelo arado. Os

    romanos perderam muitas batalhas, mas quase nunca cederam sua terra quando dos acordos

    de paz. A fora do homem e do Estado depende de seu domnio sobre o solo; a grandeza de

    Roma foi edificada sobre a mais extensa e a mais direita propriedade de terra pelos

    habitantes, e sobre a unidade compacta de um corpo to solidamente estabelecido."21

    Mommsen afirma que "nos primeiros tempos a terra lavrvel era cultivada

    em comum, provavelmente pelas diferentes cls: cada um deles tratava de sua prpria terra,

    e distribua em seguida o produto entre os diferentes lares que dele faziam parte. H uma

    relao estreita entre o sistema da cultura em comum e a forma da sociedade em cls. As

    tradies da lei romana nos mostram que a riqueza consistia primitivamente no gado e no

    direito de uso da terra, e que o solo s mais tarde foi dividido em propriedades

    particulares."22 A agricultura era sem dvida, a ocupao principal e a mais seguida pelos

    romanos.

    A contribuio do povo romano no que pertine participao popular foi

    muito insignificante se comparado com o povo grego. Com a passagem da Monarquia para

    a Repblica, ocorreu a transferncia do poder dos etruscos para os patrcios romanos, que

    se transformaram na camada dominante de Roma. Repblica uma palavra de origem

    latina que significa "coisa do povo". Sob nova organizao da Repblica, o corpo dos

    antigos cidados havia atingido, por meios legais, a plena posse do poder poltico.

    "A abolio dos privilgios, a reforma social, a igualdade civil: eis as trs

    grandes idias que nasciam. Em vo os patrcios esgotaram seus meios de resistncia contra

    estas propostas. De uma maneira ou de outra, um sangue novo penetrou na classe reinante

    de Roma, mas o governo continuou aristocrtico. Nas matrias de administrao interna,

    no se pode esconder que a aristocracia financeira e proprietria, que era especialmente

    21 MOMMSEN, Theodor. Histria de Roma. Rio de Janeiro: Ed. Opera Mundi, 1973, p.76-77. 22 Ibidem, p.77.

  • representada no Senado, agia com parcialidade nos negcios que diziam respeito a seus

    interesses particulares."23

    Assim o Senado conservou-se durante muito tempo na Repblica formada

    pelos chefes das principais famlias romanas. Como se v, as instituies polticas

    republicanas eram controladas pelos patrcios. Por isso a repblica romana era aristocrtica.

    "Os patrcios concentravam em suas mos o poder religioso, poltico e

    judicirio. Os plebeus s tinham deveres como: pagar impostos, servir o exrcito, etc., alm

    disso, os plebeus eram julgados por um tribunal composto unicamente por patrcios e

    segundo leis no escritas."24

    Quando Roma se tornou repblica, o poder do rei foi partilhado entre dois

    cnsules, que exerciam o poder por um ano. Um conselho de trezentos cidados de origem

    patrcia, o Senado, auxiliava os cnsules em seu governo e era responsvel pelas finanas e

    pelos assuntos externos. Competia tambm ao Senado promulgar as leis da cidade. A

    Repblica foi proclamada e a Assemblia do povo elegeu os dois Cnsules ou Magistrados,

    que possuam amplos poderes civis, militares e religiosos. Mesmo o povo elegendo os

    Cnsules quando havia uma ameaa externa, nomeava-se um Ditador, com poderes

    absolutos, que governava a Repblica por um perodo de seis meses no mximo.

    "O Senado continuava, na Repblica, a ser o mais importante poder de

    Roma e os principais Magistrados eleitos pela Assemblia eram os censores, que zelavam

    pelos bons costumes e faziam o recenseamento; os questores, que administravam o tesouro

    e cobravam os impostos; os pretores, responsveis pela aplicao da justia; os edis,

    encarregados do policiamento, da conservao dos edifcios pblicos, organizavam os

    jogos da cidade e cuidavam do abastecimento; os pontfices, que cuidavam das questes

    religiosas e os tribunos da plebe, magistrados que surgiram em conseqncia das lutas

    plebias por reformas sociais."25

    23 Ibidem, p.93-95 24 PILETTI, Nelson. Histria e Vida, da Pr-Histria Idade Mdia. 9.ed., So Paulo: tica, v.3, p.78. 25 ARAJO, Antoracy Tortolero. Histria Antiga e Medieval. So Paulo: Ed. do Brasil, 1985, p.83-84.

  • A crescente marginalizao poltica, social e econmica da plebe

    desencadeou uma luta entre patrcios e plebeus que se estendeu por cerca de dois sculos, V

    a.C. e IV a.C. Esses dois sculos foram marcados pelas lutas de classe entre patrcios e

    plebeus. Havia profundas diferenas entre as duas classes. Os Patrcios queriam defender os

    seus privilgios polticos e os seus interesses econmicos. Por outro lado, os plebeus

    enriquecidos reivindicavam igualdade de direitos polticos com os patrcios; queriam eleger

    representantes para a magistratura e obter ascenso social, atravs do casamento entre

    patrcios e plebeus. Mas, a questo mais importante dessas lutas estava no uso das terras

    pblicas que pertenciam ao Estado. Essas terras eram arrendadas e loteadas pelo Estado

    Romano aos pequenos lavradores. Os patrcios, com a expanso de Roma, foram ento se

    apoderando das melhores terras, provocando, assim, o aumento de uma populao agrcola

    sem terra.

    Os plebeus serviam nos exrcitos romanos sua prpria custa, e muitas

    vezes se arruinavam e se viam endividados e na misria. Esse empobrecimento era

    ocasionado porque tinham de abandonar suas terras para cumprir com as obrigaes

    militares sem nada receberem do Estado. Essa situao acabou por ocasionar a exploso das

    lutas de classe em Roma. Somente dois sculos depois os plebeus puderam ter suas

    reivindicaes aprovadas.

    "O Aventino, bairro porturio de Roma, era o local onde os plebeus se

    concentravam, porque ali estava o templo da deusa Ceres, protetora da agricultura. Foi em

    494 a.C., que ocorreu a primeira revolta dos plebeus, quando dirigiram-se para o Monte

    Sagrado e se recusaram a voltar para Roma, pretendendo fundar uma cidade."26 Para Roma

    isso significava um perigo, pois a cidade se encontrava cercada de inimigos e enfraquecida

    militarmente. Os patrcios cederam e permitiram a eleio dos Tribunos da Plebe, cuja

    funo era representar os plebeus e lutar pelos seus direitos. Ento, "por volta de 471 a.C.,

    foi instalada a Assemblia da Plebe, cujas decises tomadas deviam ser seguidas

    obrigatoriamente pela plebe, o plebiscito, que quer dizer: "aquilo que a plebe aceita."27

    26 Ibidem, p.84.85. 27 Ibidem, p.84-85.

  • "Por meio dessa luta os plebeus conseguiram certa igualdade de direitos.

    Conseguiram, por exemplo, o direito de eleger seus prprios representantes, denominados

    tribunos da plebe. Esses tribunos tinham o poder de suspender a aplicao das decises do

    Senado que pudessem prejudicar os interesses dos plebeus. Estes conquistaram, tambm,

    novos direitos com a Lei das Doze Tbuas, que definia, por escrito, seus direitos e deveres.

    Mais tarde conseguiram a igualdade civil, com a autorizao do casamento entre patrcios e

    plebeus; a igualdade poltica, com a conquista do direito de eleger representantes para as

    diversas magistraturas, e a igualdade religiosa, com a conquista do direito de exercerem

    cargos sacerdotais."28

    A vida em uma cidade como Roma no era como a vida nas pequenas

    cidades gregas. No podia ser de outra maneira, pois Roma foi a cidade que atingiu maior

    concentrao demogrfica em toda antigidade, No sculo III, Roma contava com um

    milho de habitantes. Segundo Piletti, "O grupo de profissionais que vivia mais ocupado

    em Roma eram os estucadores, que tinham a tarefa de fazer o acabamento das paredes e

    forros das casas e, sobretudo, de pintar periodicamente de branco as paredes externas.

    Tinham bastante trabalho, porque um dos costumes mais freqentes em Roma, como em

    outras cidades do imprio, era fazer grafites, inscries ou desenhos feitos nos muros e

    paredes. As pessoas escreviam o que queriam, na maioria das vezes com a finalidade de dar

    aos concidados as informaes que achavam necessrias." 29 Era essa uma via de

    participao muito importante na poca.

    Uma das peculiaridades mais importantes do Estado Romano a base

    familiar da organizao, havendo mesmo quem sustente que o primitivo Estado, a civitas,

    resultou da unio de grupos familiares, razo pela qual sempre se concederam privilgios

    especiais aos membros das famlias patrcias, compostas pelos descendentes dos fundadores

    do Estado.

    "Assim, como no Estado Grego, tambm no Estado Romano, durante

    muitos sculos, o povo participava diretamente do governo, mas a noo de povo era muito

    restrita compreendendo apenas uma faixa estreita da populao. Como governantes 28 PILETTI, Nelson. Histria e Vida, da Pr-Histria a Idade Mdia. 9.ed., So Paulo: tica, v.3, p.78. 29 Ibidem, p.89-91.

  • supremos havia os magistrados, sendo certo que durante muito tempo as principais

    magistraturas foram reservados s famlias patrcias. Gradativamente, em longa e lenta

    evoluo, outras camadas sociais foram adquirindo e ampliando direitos, sem que, at o

    final, desaparecessem a base familiar e a ascendncia de uma nobreza tradicional." 30

    4. Participao popular como instrumento na formulao da democracia moderna

    4.1. A Sociedade e o homem

    Devido ao aspecto social do homem, desponta a sociedade, resultado da

    convivncia entre os indivduos. Ela se destaca do prprio homem e se caracteriza por um

    emaranhado de relaes das quais participamos, mas que se identifica como algo suscetvel

    de se apresentar com imagem prpria que se destaca dos indivduos que a compem.

    Analisando esta relao, temos o conceito que sociedade "... um complexo de relaes

    pelos quais vrios indivduos vivem e operam conjuntamente, de modo a formarem uma

    nova e superior unidade".31

    O instinto de agregao fez desabrochar a sociedade desde os mais

    remotos tempos da Histria. quase certo que as primeiras formas de sociedade

    caracterizavam-se pelo comando de um chefe mais forte, em razo das necessidades de

    todos se aglutinarem sob sua liderana, para que assim pudessem derrotar os inimigos. Esta

    necessidade de defesa, de resistncia aos empecilhos da natureza constitui o elemento

    inicial e essencial para a formao da sociedade.

    Em seguida, surge a famlia, e, com ela, todo um sistema de normas que

    mais tarde tornariam peculiar as instituies familiares. Observa-se que a sociedade

    engendrada pelo homem adquire as mais variadas formas de acordo com as necessidades de

    cada um, revelando os mais distintos sentidos dados vida pelo homem.

    A sociedade "... feita de poderes e vigncias, toda vida social vida

    social situada. Situada, bvio, no tempo e no espao, mas com isso culturalmente situada.

    Ela se realiza nas agrupaes concretas, nos processos e nas instituies; possui

    fundamentaes e manifestaes cuja ndole varia segundo os padres histricos. Como 30 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17 ed., So Paulo: Saraiva, 1993, p.55.

  • sabido que a sociedade um conjunto global de elementos, onde entram o cultural, o

    psicolgico, o econmico, o poltico, ento as instituies podem ser vistas como

    distribudas por estes vrios campos".32

    A sociedade formada por vontades particulares emanadas de diversos

    grupos que a compem. Neste caso, forma-se na sociedade uma vontade geral que no a

    mesma vontade de todos.

    Conclui-se que a vontade geral sempre certa e tende sempre utilidade

    pblica; donde no se segue, contudo, que as deliberaes do povo tenham sempre a

    mesma exatido. H comumente muita diferena entre a vontade de todos e a vontade geral.

    Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e no passa de

    uma soma de vontades particulares".33

    Verifica-se que a sociedade deve ser vista como uma arena onde se

    entrechocam as opinies, os interesses, os valores. O homem participa de diversos

    agrupamentos sociais, de acordo com suas necessidades e interesses. O homem, em razo

    de sua natureza social, edificou em cada passo de sua existncia a sociedade com todas as

    suas complexas variaes. Despontou a sociedade em virtude da prpria necessidade de

    sobrevivncia da raa humana.

    4.1.2. A Sociedade atual: participao das elites e o desenvolvimento do Estado

    Ao analisarmos o Estado nos dias atuais, indispensvel o entendimento

    de que sua atuao se faz atravs das elites.

    A sociedade no pode ser governada indistintamente por todos, da ser

    natural que pequena parcela de uma mesma coletividade se sobressaia o suficiente para

    integrar as chamadas elites, a quem entregue o comando diretivo do Estado.

    Desde o abandono da prtica do governo exercido em praas pblicas,

    (goras na Grcia e os Cantes Suios), iniciou-se, posteriormente, o conceito de

    representao poltica, pondo em prtica o exerccio das atividades governamentais por 31 DEL VECCHIO, Giorgio. Lies de Filosofia do Direito. 5.ed., Coimbra: Almedina, 1979, p.460. 32 SALDANHA, Nelson Nogueira. Sociologia do Direito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.64-65.

  • aqueles que representavam uma pequena parcela da sociedade, mas que recebiam o nus de

    governar em nome de todos. Somente um pequeno grupo recebeu a incumbncia ou o

    basto do poder e a autoridade inerentes, dinamizando-se, dessa forma, a ao do Estado.

    Privado ento dessa minoria dotada de poder e autoridade, jamais o Estado, como ente ficto

    ou abstrato, atingiria suas finalidades, emperrando a evoluo do homem e da sociedade.

    A existncia desses grupos, as elites, representam um perigo para o

    Estado atual. Na corrida para o desenvolvimento, nos deparamos com elite de polticos ou

    governantes, com a elite religiosa e a elite intelectual, de acordo com os vrios aspectos da

    realidade em que atuam. Entendemos que a participao popular, e no a destas elites, que

    deve conferir legitimidade investidura no poder e conformidade aos requisitos estatudos

    pela ordem jurdica vigente, com competncias que no pertencem propriamente ao

    eventual ocupante do cargo de direo, mas instituio ocupada eventualmente.

    O poder, a autoridade e a competncia resultam da instituio em si, de

    acordo com o preestabelecido. O governante simplesmente chega posio de ocupante

    daquele cargo e se investe nas prerrogativas dele decorrentes. A utilizao do termo elite no

    sentido poltico tem origem com Plato, discpulo de Scrates, quando buscava uma

    camada mais culta de filsofos a quem seria entregue o encargo de administrar a plis

    grega. Essa elite iria compor a classe poltica, iria ter intensa participao nas decises do

    Estado a respeito dos assuntos de carter pblico. Posteriormente, porm, segundo

    Friedrich, o conceito de elite ficou atrelado ascendncia sangnea, fortuna e s

    faanhas militares.34

    Hoje, entendimento de Bottomore, se fala na existncia de uma

    verdadeira elite do poder, no sentido de grupos de pessoas que exercem diretamente o

    poder poltico, ou que esto em condies de influir sobre seu exerccio.35 Procura-se ainda

    encontrar uma maneira de tornar compatvel e vivel a existncia de uma elite poltica na

    democracia. "A formulao efetiva da poltica governamental est nas mos de elites.

    Porm isso no significa que a sociedade no seja democrtica, pois suficiente para 33 ROUSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. 5.ed., Sa Paulo: Nova Cultural, Os Pensadores, 1991,

    p.46-47. 34 FRIEDRICH, Carl J. Uma Introduo Teoria Poltica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p.13-14.

  • caracterizar a democracia que os cidados como indivduos, embora impossibilitados de

    participar diretamente do governo o tempo todo, tenham ao menos a possibilidade de fazer

    com que suas aspiraes sejam sentidas em intervalos regulares".36

    Alm do mais, pode-se argumentar igualmente bem que, mesmo sendo a

    democracia encarada como algo que abrange mais de um sistema poltico, ainda

    compatvel com teorias de elites, pois a idia de igualdade, que na democracia como uma

    forma de sociedade possvel considerar implcita, pode facilmente ser reinterpretada como

    igualdade de oportunidades.

    Entretanto, nos dias de hoje, h que se atentar para as elites nos pases

    ditos de Terceiro Mundo, os subdesenvolvidos. Estes pases lutam no sentido de se

    organizarem de uma maneira que possam efetivamente abandonar a pobreza que as encobre

    e adquirir condies de desenvolvidas. Nesse processo, no raramente so afetadas suas

    instituies, predispondo uma instabilidade do regime poltico vigente no momento. Esses

    pases buscam nas elites o ponto de apoio para a estabilidade de suas instituies. Existe

    ainda uma associao entre as mudanas nas estruturas sociais e a ascenso e queda destas

    mesmas elites. Mudanas econmicas, polticas e qualquer outra, provocam modificaes

    no prestgio e poder de diferentes grupos sociais, e os grupos que esto ampliando seu

    poder procuram assumir o controle destas mudanas e lev-los frente.

    Mesmo com a existncia das elites numa sociedade que se diz

    democrtica, no se pode permitir que esses grupos minoritrios conduzindo o coletivo,

    fechem-se em redomas intransponveis, a impedir o acesso de novos valores e novas idias

    representativas de outras tendncias do resto da coletividade, a quem tambm seria

    entregue a direo poltica do Estado. Isso, daria um atestado de falncia democracia e a

    elevao das oligarquias e das aristocracias como formas indesejveis de regimes polticos

    a serem adotados, o que deve ser repudiado.

    No obstante, h, claro, a necessidade do surgimento de lideranas que

    renam em torno de si e de suas idias, a anuncia do todo coletivo, formando um conjunto

    35 BOTTOMORE, T.B. As Elites e a Sociedade. 2.ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1974, p.86. 36 Ibidem, p.101-102.

  • harmnico e patritico, que vise a conduzir o Estado ao desenvolvimento e que possa

    satisfazer os reclamos sociais mais urgentes.

    A verdadeira democracia est na presena de vrias tendncias de

    pensamentos, representativas da sociedade, majoritrias e minoritrias, interagindo,

    disputando dentro de um livre e legtimo processo eleitoral, a preferncia dos cidados.

    Dessa forma, todos, principalmente as elites, contribuiro para a formao de uma

    sociedade desenvolvida com uma qualidade de vida mais justa e bem melhor.

    4.2. A Participao popular como trao identificador da democracia

    A democracia surge na Grcia como sendo o governo do povo, realizado

    por ele prprio em seu nome. "A democracia hoje uma filosofia, um modo de viver, uma

    religio e, quase acessoriamente uma forma de governo".37

    Burdeau acrescenta ainda que: um significado to rico advm-lhe tanto

    do que ela efetivamente , como da idia que dela fazem os homens, quando nela

    depositam suas esperanas de uma vida melhor. Dissociar o que nela realidade do que

    crena conduziria a tornar incompreensveis no apenas o dinamismo que a anima, mas at

    as suas instituies positivas, pois estas s tm sentido em funo da mstica que a

    encarnam.

    Rousseau, ao tentar vislumbrar o semblante efetivo tomado pela

    democracia pura, afirma: "Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia

    democraticamente. Governo to perfeito que no convm aos homens.38 E acrescenta

    ainda: que somente um governo de deuses seria compatvel com a democracia pura,

    integral.

    Afirma Verdu que democracia um regime poltico que institucionaliza

    a participao de todo povo na organizao e no exerccio do poder poltico, mediante a

    37 BURDEAU, Georges. A Democracia. 3.ed., Coimbra: Coleo Saber, 1975, p.6. 38 ROUSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. 5.ed., So Paulo: Nova Cultural, Os Pensadores, 1991,

    p.86.

  • intercomunicao e o dilogo permanente entre governantes e governados e o respeito aos

    direitos e liberdades fundamentais dentro de uma justa estrutura scio-econmica.39

    Deve-se ainda entender por democracia o regime poltico no qual esto

    destacados os princpios majoritrios de igualdade e de liberdade, no qual o homem tem

    assegurado a plena realizao de suas potencialidades. A democracia caracteriza-se pelo

    respaldo popular. Um governo democrtico h de contar com a aprovao e com a anuncia

    expressa da maioria dos cidados que compem a coletividade.

    "De todas essas referncias analisadas resulta um conceito de democracia

    fundamentada no voto popular, na soberania nacional, no poder de deciso de ltima

    instncia conferido ao prprio povo. Um sentido tal de democracia se contrape queles

    outros da soberania adstrita a uma s pessoa, ou a uma classe, isto , contradistinguindo-se

    dos conceitos de monarquia ou aristocracia, e nele insistir seria debater o clssico problema

    das formas de governo".40

    Pelo princpio da igualdade, a estrutura de governo deve ser ordenada

    para que a todos sejam oferecidas oportunidades idnticas de participao e realizao na

    sociedade. Isso significa a inexistncia de privilgios em detrimento da capacidade de cada

    um de demonstrar efetivamente aptides para receber em troca do esforo pessoal, a

    retribuio a ele equivalente. Somente assim os co-participantes da sociedade trabalharo

    com vigor na certeza de que seus mritos pessoais sero o bastante para realizao

    individual, e por conseguinte, elevando-se o padro de satisfao daqueles que convivem na

    mesma ordem social. No entanto, deve-se destacar as desigualdades de cultura, de

    capacidade individual e desigualdade econmica encontradas na sociedade e exigir que o

    princpio da igualdade a ele se adeqe.

    Quanto ao princpio da liberdade, h de se entender que o homem no

    pode nem deve rotular como democrtico apenas aquele regime em que ao indivduo so

    concedidas todas as franquias liberais. Este quadro levaria a sociedade ao desmoronamento

    de suas instituies, em razo da anarquia gerada pela ausncia das sanes limitativas e

    39 VERDU, Pablo Lucas. Curso de Derecho Poltico. Madri: Editorial Tecnos, v.2, 1977, p.242. 40 PINTO FERREIRA. Princpios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 5.ed., So Paulo: Revista dos

    Tribunais, v.1, 1971, p.186.

  • proibitivas dos excessos e as que zelam pelos direitos de cada um. O propsito

    verdadeiramente democrtico deve voltar-se para concretizao de uma ordem sem

    excessos ou carncias de liberdade.

    Segundo Lipson, "a liberdade ope-se ao despotismo numa ponta e

    anarquia, na outra. A igualdade rejeita o privilgio que trata o povo desigualmente, sem

    considerao por seus mritos, assim como repudia a uniformidade absoluta que trataria o

    povo identicamente, em todos os aspectos, formulada como uma equao filosfica, a

    democracia igual liberdade, multiplicada pela igualdade. A igualdade e a liberdade

    fundem-se e interpenetram-se". 41 E enfatiza o que considera elementos fundamentais para

    um Estado democrtico, dizendo: "a igualdade proporcional requer um padro autoritrio,

    mas a liberdade poltica ope-se a uma administrao autoritria. Eis onde as liberdades de

    discusso, reunio e votao so cruciais. Todo indivduo pode, de direito, e deve, como

    obrigao participar na formulao dos valores que predominam na comunidade, na

    organizao de grupos que promovam o interesse comum, na escolha de pessoas a quem

    ser confiado o desempenho de funes pblicas e na aprovao de diretrizes dos seus

    programas".

    E conclui: "... o dever do Governo numa democracia incumbir-se dessa

    tarefa realmente criadora de harmonizar, continuamente, as relaes entre os indivduos

    num complexo dinmico de liberdade e igualdade".

    Atente-se que a participao popular configura-se como um dos mais

    significativos elementos a caracterizar o regime de natureza democrtica. Mesmo diante

    dos princpios reputados essenciais democracia, neles se vislumbra a presena da

    participao, dado inegvel e de indispensvel valor. O homem, como integrante de uma

    sociedade, como ser dotado de inteligncia, pode e deve participar na construo da

    sociedade que o abriga, em busca de seus anseios e de seus valores. Deve-se atentar para a

    enorme necessidade da participao popular, imprescindvel democracia. Essa

    participao h de ocorrer tanto no plano poltico como no civil.

    No plano civil o homem dever contribuir com uma parcela de si mesmo

    na formao da sociedade em que participa. No aspecto poltico, encontramos a

    41 LIPSON, Leslie. A Civilizao Democrtica. Rio de Janeiro: Zahar, 1966, v.2, p.186.

  • Participao Popular na formao da vontade do Estado, que se traduz pelo consentimento

    a ensejar a legitimidade do poder quanto investidura e ao exerccio.

    Ao se destacar a Participao Popular na caracterizao da democracia,

    temos que reajust-la realidade social dos dias de hoje, redefinindo as formas de

    participao para que se forme uma democracia social de acordo com os novos tempos,

    notadamente quando se tem para enfrentar os desafios do desenvolvimento e de toda

    problemtica que se v emergir diante de ns.

    4.3. Participao comunitria: uma necessidade bsica humana

    A sociedade humana um conjunto de pessoas ligadas pela necessidade

    de se ajudarem umas s outras, a fim de que possam garantir a continuidade da vida e

    satisfazer seus interesses e desejos. Sem a vida em comunidade os seres humanos no

    conseguiriam sobreviver, pois o homem necessita dos outros seres humanos para conseguir

    alimentos e abrigo. E no mundo moderno estamos precisando dos outros muitas vezes por

    dia. Todos precisam de todos, uns produzindo, outros consumindo.

    Estas necessidades no so apenas de ordem material, elas so tambm de

    ordem espiritual, emocional e psicolgica. Toda pessoa precisa de afeto, precisa de ateno

    e que todos a respeitem, e ainda, todo ser humano tem sua crena, sua f e sua ideologia,

    em qualquer coisa que lhe sirva de base para suas esperanas. A vida em sociedade uma

    necessidade da natureza humana j dizia Aristteles quando afirmava que o homem um

    animal poltico.42

    vivendo em sociedade que a pessoa pode satisfazer suas necessidades, e

    preciso que a sociedade seja muito organizada para atender a esse fim. No basta que a

    vida em comuna permita apenas a satisfao de algumas necessidades da pessoa humana ou

    de todas as necessidades de apenas algumas pessoas. A sociedade deve ser organizada com

    justia, e para isso tem que procurar fazer com que todas as pessoas possam satisfazer todas

    as suas necessidades; fazer com que todos, desde o momento em que nasam tenham as

    mesmas oportunidades; e repartir os benefcios e encargos igualmente entre todos.

    42 ARISTTELES. Poltica. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2000, p.146.

  • Para que essa repartio se faa com justia, preciso que todos

    conheam seus direitos e exijam que eles sejam respeitados. Tambm devem conhecer e

    cumprir seus deveres e responsabilidades sociais.

    5. O Estado Democrtico de Direito

    O Estado, segundo as clssicas teorias, constitui-se pela conjugao de

    seus elementos: povo, territrio e governo; forma-se pela aglutinao natural de um

    determinado povo, num dado territrio, sob o comando de um certo governo, com a

    finalidade prpria de alcanar o bem comum.

    De acordo com Nelson Oscar Souza, "O bem comum: consiste no

    conjunto de todas as condies de vida social que consintam e favoream o

    desenvolvimento integral da personalidade humana43

    Sobre o Estado de Direito, Jos Afonso da Silva afirma que ele ... surge

    como forma de oposio ao Estado Polcia. Na origem era decorrncia de idias e conceitos

    tipicamente liberais, que pretendiam assegurar a observncia do princpio da legalidade e

    da generalidade da lei.44

    Vale ainda ressaltar a viso de democracia de Pinto Ferreira, quando

    afirma que "A democracia representa na vastido dos sculos um sonho acalentado pela

    humanidade, transmitido de gerao em gerao atravs dos tempos, e assinalando a

    marcha para a liberdade, a tolerncia e a justia social. O homem, livre e entusiasta,

    constri a felicidade e a vida, no esplendor da convivncia democrtica, com um

    sentimento de liberdade e de alegre confiana no futuro"45

    A democracia, por outro lado, quer significar a efetiva participao do

    povo nas decises e destinos do Estado, seja atravs da formao das instituies

    representativas, seja atravs do controle da atividade estatal. Em sntese, traduz-se na idia

    43 SOUZA, Nelson Oscar. Manual de Direito Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 12. 44 SILVA, Jos Afonso da. O Estado Democrtico de Direito. Rio de Janeiro: Revista Forense 305/45, Jan/89. 45 PINTO FERREIRA. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 76.

  • de que o povo o verdadeiro titular do poder, mesmo que este seja exercido atravs de

    representantes eleitos. Nela os representantes devem se submeter vontade popular, bem

    como fiscalizao de sua atividade.

    A expresso Estado Democrtico de Direito, por certo, decorre da unio

    destes conceitos. Todavia, significa algo mais do que essa mera conjugao: ela representa

    algo novo, que incorpora essas idias, mas as supera, na medida em que introduz um

    componente revolucionrio e transformador do Estado tradicional. A inteno do legislador

    constituinte, ao cunhar a expresso Estado Democrtico de Direito, no art.10 da nossa

    Constituio, foi evidenciar que se pretendia que o pas fosse governado e administrado por

    poderes legtimos, poderes submissos lei e obedientes aos princpios democrticos

    fundamentais. A adjetivao do Estado de democrtico objetivou alcanar-lhe legitimao,

    fortalecimento e condies de sustentao

    6. Cidadania: direito de participao

    Cidadania a qualidade ou estado de cidado. E cidado o indivduo no

    gozo dos direitos civis e polticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para

    com este.

    O termo cidadania teve sua origem das cidades-estados gregas.

    Nestas cidades, apenas uma pequena parcela da populao era formada por homens

    livres e por proprietrios que no tinham problema com a sobrevivncia. Eis o motivo

    porque essa pequena parcela podia dedicar-se vida pblica. Por isso, esta pequena

    parcela destas cidades tinham condio de dedicar-se vida pblica. Assim, com base

    no critrio da riqueza e da renda, havia naquela poca, duas categorias de cidados: a

    primeira delas era formada por pessoas passivas, excludas dos direitos polticos e que

    no participavam da vida pblica e nem tomavam decises do interesse pblico.

    Somavam-se a esta mesma categoria os estrangeiros (metecos), os escravos e as

    mulheres. A segunda categoria era formada por pessoas ativas que participavam e

    decidiam tudo que dizia respeito vida pblica. Essas pessoas tinham fortuna e renda

    suficientes para se dedicarem comunidade em que viviam. Tornaram-se, pois,

    cidados ativos, j que viviam da atividade poltica, e eram os co-responsveis diretos

  • pela gesto da cidade, entendida como coisa pblica, sem representantes ou qualquer

    outro tipo de intermedirio, como temos nos dias de hoje, por exemplo, os vereadores,

    deputados, senadores, os governadores e o Presidente da Repblica.

    O termo que os gregos utilizavam para se referirem cidade era

    plis. E, como fazer poltica era cuidar da coisa pblica ou cuidar da cidade, dessa

    referncia cidade originou-se o termo poltica, que procurava indicar as atividades

    voltadas para gerir os destinos da coisa pblica, da cidade, sua administrao e seu

    funcionamento.

    O termo poltica no se referia cidade apenas como espao

    geogrfico ou local, mas sim no sentido de uma organizao social formada por

    homens iguais entre si e que tinham os mesmos direitos perante a lei, o que no era o

    caso dos cidados passivos, estrangeiros, escravos e mulheres. Poltica dizia respeito s

    aes dos cidados que dirigiam os rumos da cidade.

    Enquanto para os gregos o termo que definia cidade era plis, para os

    romanos era civitas. A civitas tinha o mesmo sentido, no se reduzia a um local, mas

    coletividade formada pelos conjuntos dos cidados.

    As cidades-estados tinham caractersticas comuns: a participao

    direta dos cidados que tomavam decises coletivas em benefcio de todo o povo no

    processo poltico. Essas decises eram discutidas e depois votadas nas assemblias ou

    nos conselhos. Portanto, em suas relaes, os indivduos procuram associar-se com os

    demais em busca das modificaes pretendidas e foi isso que fez deles sujeitos de seu

    destino histrico.

    nesse convvio com os outros que o homem constri o mundo,

    projeta o amanh e forja a sociedade em todas as suas dimenses. Daqui se tira a

    primeira definio de que ser cidado ser um sujeito poltico, que coletivamente faz

    poltica, isto ,