as vozes do kizomba
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECentro de Estudos Gerais
Instituto de Ciências Humanas e FilosofiaDepartamento de História
Eduardo Pires Nunes da Silva
AS VOZES DA KIZOMBA:
O CARNAVAL DA VILA ISABEL
COMO MANIFESTO NEGRO (1988)
Orientadores: Prof.ª Dra. Laurinda Rosa Maciel (FIOCRUZ) Prof.ª Dra. Martha Campos Abreu (UFF)
Niterói2011
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECentro de Estudos Gerais
Instituto de Ciências Humanas e FilosofiaDepartamento de História
AS VOZES DA KIZOMBA:
O CARNAVAL DA VILA ISABEL
COMO MANIFESTO NEGRO (1988)
Monografia apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, para conclusão e obtenção do título de Bacharel/Licenciatura em História.
Orientadores: Prof.ª Dra. Laurinda Rosa Maciel. Prof.ª Dra. Martha Campos Abreu.
Eduardo Pires Nunes da Silva
Niterói2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECentro de Estudos Gerais
Instituto de Ciências Humanas e FilosofiaDepartamento de História
AS VOZES DA KIZOMBA:
O CARNAVAL DA VILA ISABEL
COMO MANIFESTO NEGRO (1988)
Monografia apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, para conclusão e obtenção do título de Bacharel/Licenciatura em História.
________________________________________________________Prof.ª Dra. Martha Campos Abreu – Orientadora
Universidade Federal Fluminense
________________________________________________________Prof.ª Dra. Laura Antunes Maciel – Parecerista
Universidade Federal Fluminense
Niterói2011
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Com fios feitos de lágrimas passadasOs meninos de Huambo fazem alegria
Constroem sonhos com os mais velhos de mãos dadasE no céu descobrem estrelas de magia
Com os lábios de dizer nova poesiaSoletram as estrelas como letras
E vão juntando no céu como pedrinhasEstrelas letras para fazer novas palavras
Os meninos à volta da fogueiraVão aprender coisas de sonho e de verdadeVão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade
Com os sorrisos mais lindos do planaltoFazem continhas engraçadas de somar
Somam beijos com flores e com suorE subtraem manhã cedo por luar
Dividem a chuva miudinha pelo milhoMultiplicam o vento pelo mar
Soltam ao céu as estrelas já escritasConstelações que brilham sempre sem parar
Os meninos à volta da fogueiraVão aprender coisas de sonho e de verdadeVão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade
Palavras sempre novas, sempre novasPalavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novasE até já dizem que as estrelas são do povo
Assim contentes à voltinha da fogueiraJuntam palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novasE até já dizem que as estrelas são do povo
“Os Meninos do Huambo”, de
Manuel Rui Monteiro
Manuel Rui Monteiro foi mais um menino de Huambo, província de Angola. Tornou-se escritor, poeta, participou da guerra pela independência de seu país e foi ministro de sua nação, agora independente. Em prosas lá para do Atlântico Sul com Martinho da Vila e Ruça plantou a idéia de Kizomba na mente desses dois brasileiros. Kizomba vingou e hoje é objeto desse trabalho.
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A todas as vozes da Kizomba;
De cordas vocais,de surdo de marcação
e de pulsar do coração.
Signo carnavalizado da palavra superação.
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AGRADECIMENTOS
A minha mãe, Bunny Pires, que como a lua de Luanda ilumina a minha
vida, meu caminho e minha história.
A meu pai, Márcio Nunes, que como forte Zumbi sempre luta por mim,
por minha irmã e por nossa família.
A minha irmã, Tatiana, que com doçura e garra foi incansável ao
desbravar para mim os caminhos tortuosos que o destino por vezes nos impõe.
Seu amor, às vezes incompreendido, pela sala de aula me inspira a seguir em
frente na força transformadora da Educação. Ao seu companheiro, André Dias,
amigo forte, um quase irmão.
À macota da minha história, meus avós que com ternura e sabedoria
empreenderam um valor jongueiro na minha vida. Epaminondas, que deu a
força de meu nome e Antônio Pires que deu a força de meus atos e que hoje
se encontram em conjunção ao eterno. Vó Nélia, que me ensinou a infinitude
do amor e Vó Mauriza que me ensinou a beleza do dia-a-dia.
À minha madrinha, Tia Linira, quem talvez, tenha me ensinado o gosto
pela prosa. Ao meu Tio Mauro, e aos meus primos Maurinho e Maurício, que
sempre pude contar. Ao meu padrinho, Tio Fernando que com seu bom humor
me mostrou que o riso é necessário para abrir os caminhos.
A Thiago Rogério, que acompanhou a escrita deste trabalho
pacientemente e cotidianamente transformando os rubros caminhos do Estácio
em um tanto mais azuis. Aos amigos do Ensino Fundamental e Médio do
Colégio Nossa Senhora de Lourdes. Em especial a Rodrigo Marques e Camila
Luísa
Aos meus amigos do mundo do samba e de fora dele, que
empiricamente contribuíram neste trabalho, Felipe Andrade, Leandro Manhães,
Rodrigo Soares, Flávia Coelho, Pedro Caetano, Rute Alves, Renata Bulcão,
André Rodrigues, Victória Silva e Mayra Poubel.
A Eduardo Gonçalves, que antes de carnavalesco é um exímio folião, e
que me deu a oportunidade de me fazer presente em dois trabalhos seus na
Paraíso do Tuiuti nos últimos anos, em que pude aprender muito sobre
carnaval em seu sentido total.
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Aos queridos companheiros de faculdade. Vinícius Ferreira, das histórias
carnavalescas. Mariana Rivera, das histórias no trailer do Alex. Daniele
Cerulho, das histórias de um banco de carona. Marcela Moraes, das histórias
do 422. Talita Teixeira, das histórias no pôr do sol do Gragoatá. André Araújo,
das histórias nas voltas dos ensaios da Vila. Willians Alves das histórias de um
Réveillon.
À Fundação Oswaldo Cruz por ter me abrigado como seu aprendiz
desde 2009. Seja no Museu da Vida em que pude experimentar as dores e
delícias da Educação ou no Departamento de Arquivo em que pude lidar
diretamente com as fontes, primordial para o ofício de um historiador.
As minhas “vozes” deste trabalho. A acolhida da família Ferreira
Ventapane, primeiro com o amigo Raoni e depois passando por toda família de
importância ímpar na história de Vila Isabel. O meu muito obrigado à Analimar,
Tunico, Juliana, Maria Clara, Guido e todos os outros que me fizeram um
homem mais simples e fizeram deste trabalho um imenso prazer.
À Lícia Maria Maciel Caniné, que em codinome na vida e na Vila é Ruça.
Sua história de liderança fomentou meu interesse por este tema. Sua casa
aberta ao meu anseio de entrevista foi de um comprometimento fiel e
emocionante. Com suas palavras aprendi que poesia e luta podem caminhar
lado a lado deixado em forma de pegadas a beleza do mundo.
À Vila, bairro, escola de samba, cidade independente nas palavras de
seu mais ilustre filho, Noel Rosa. Lugar que tenho imenso orgulho de ter
nascido, ter sido criado e ter me reinventado.
Aos que parecem não ter voz, “anônimos” que cruzam o Boulevard 28
de Setembro, o Morro dos Macacos, ruas e vielas da Vila e que participaram
cotidianamente, muitas vezes sem saber, da construção deste trabalho.
À Denize Ramos, minha professora de História do ensino médio, que
trouxe ao meu encontro as incríveis possibilidades sociais dessa disciplina e
me mostrou o caminho da Ponte Rio-Niterói para que eu chegasse à UFF.
À Universidade Federal Fluminense. Professores, funcionários,
estudantes e a encantadora cidade de Niterói. Em especial aos professores
Laura Maciel, Mariza Soares, Mário Grynszpan, Marcelo Badaró, Marcelo
Bittencourt, Alexsander Gebara, Carlos Addor, María Veronica Secreto e Hebe
Mattos e a secretária Juceli.
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Ao flamenguista, mangueirense e professor Marcos Alvito, que iniciou os
primeiros rascunhos desta pesquisa até o seu projeto. Seus ensinamentos
também são marcas das páginas que seguem.
À Laurinda Rosa Maciel, que entre pizzas, artigos e plantas
arquitetônicas me mostrou que o caminho acadêmico pode não ser enfadonho,
ao contrário, ele pode ser rico em experiência humana.
À professora Martha Abreu que acolheu a mim e a este trabalho como
abraço de mãe no momento mais difícil da minha jornada como graduando.
Ao carnaval carioca, que me colocou frente à vida, construiu a paixão
pela minha profissão e me ensinou o significado das palavras união e
superação.
Por fim gostaria de agradecer a força maior que nos rege, a quem posso
novamente me reencontrar.
Amém e Axé.
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RESUMO
“As vozes da Kizomba” está inscrito na história recente do Brasil e mais
especificamente na história do Rio de Janeiro da década de 1980. Analisa o
carnaval carioca de 1988, tendo como foco uma escola de samba – a Vila
Isabel – com o enredo “Kizomba – A festa da raça” transformado em manifesto
negro. Aquele ano marcava as discussões da nova Constituição brasileira que
teve a participação, entre outros atores da sociedade civil, o movimento negro.
Além disso, 1988 marcou o centenário da Abolição, rediscutindo o lugar do
negro naquela sociedade. O desfile da Vila Isabel se faz contemporâneo desse
contexto ao exprimir-se como um manifesto.
O trabalho pretende revelar memórias daquele desfile através do uso da
oralidade em entrevistas e relatos com partícipes do evento. O racismo e as
formas de leituras da cultura afro-brasileira e africana entrecruzam as
narrativas estudadas. Orientado em três momentos; Concentração, Avenida e
Apoteose, o trabalho delimita os períodos mais significativos do evento
carnavalesco.
Palavras-chave: carnaval carioca; Vila Isabel; questão racial brasileira.
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ABSTRACT
"The voices of Kizomba" is inscribed in the recent history of Brazil and
more specifically in the history of Rio de Janeiro in the 1980s. Examines the
carnival of 1988, focusing on a samba school - Vila Isabel - which had the
theme "Kizomba - The Feast of the race" turned into a clear black. That year
marked the discussions of the new Brazilian Constitution, which was attended,
among other actors of civil society, the black movement. In addition, 1988
marked the centenary of the Abolition, revisiting the place of that black society.
The parade of Vila Isabel makes this contemporary context to express itself in a
manifest.
The work aims to reveal memories of that parade through the use of oral
interviews with participants and report of the event. Racism and the ways of
reading culture african-Brazilian and African interwoven narratives studied.
Oriented times three; Concentration, Avenue and Apotheosis, the work defines
the most significant periods of the carnival event.
Key words: carnival in Rio; Vila Isabel; Brazilian race.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Nos caminhos da Vila, o caminho da liberdade._____________________ p. 13
INTRODUÇÃO
“Algumas coisas acontecem quando a gente não espera...”_______ ___ p. 17
CAPÍTULO I
CONCENTRAÇÃO___________________________________________ p. 24
1.1) 1988: A Constituinte, Movimento Negro e o Centenário da Abolição p. 24
1.2) Uma Vila sem sede, com sede._________________________ ____p. 26
1.3) Nasce um carnaval: Kizomba – Idéias e ideais._________________ p.29
1.4) A Construção.________________________________________ __p. 34
1.5) A exportação: do barracão à Marquês._______________________ p. 36
CAPÍTULO II
AVENIDA________________________________________________ p.39
2.1) O thauma da Sapucaí.____________________________________p. 39
2.2) Os guerreiros descalços, as mumuilas e os carnavalizados._______p. 41
2.3) Valeu Zumbi!__________________________________________ p. 43
2.4) O banquete.____________________________________________p. 45
CAPÍTULO III
APOTEOSE_________________________________________________ p.49
3.1) “A Vila sai da Avenida para entrar na História”______________ ___p. 49
3.2) A campeã popular e do júri.________________________________p. 50
3.3) A festa no Boulevard._____________________________________p. 54
3.4) Um “desfile único” em um único desfile.____________________ p. 57
3.5) Kizomba no plural._______________________________________p.58
CONSIDERAÇÕES FINAIS_____________________________________p.61
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ANEXOS____________________________________________________p.64
Samba de enredo.____________________________________________p.64
Sinopse de enredo.____________________________________________p.65
Imagens.____________________________________________________p.67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________p.68
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APRESENTAÇÃO
Nos caminhos da Vila, o caminho da liberdade.
À tardinha na Vila deixa para trás seu tom azul celeste, para o negro céu
ganhar o alto do bairro. Caminho sobre calçadas musicais em notas, passos,
compassos, perfeitamente encaixados em pedras portuguesas. A Vila, que é
de Isabel, que também é de Noel, que também é de Martinho, parece querer
me contar o dia em que ela foi pertencente à Zumbi.
Quis o destino que este que escreve nascesse no Rio de Janeiro, na
zona norte desta cidade, e em Vila Isabel. Mas na verdade não sei, se eu nasci
na Vila ou ela nasceu em mim. O fato é que fui criado neste bairro e passei
minha infância e grande parte da minha adolescência ali. Aprendi a me
socializar entre banhos na piscina da Associação Atlética Vila Isabel e idas ao
recém inaugurado Shopping Iguatemi. Nessa época eu teimava em não ir para
a cama para poder assistir os desfiles das escolas de samba na TV. E numa
lição de oralidade, eu aprendi História através daqueles desfiles, com seus
cânticos e suas representações. Falar da Vila Isabel neste trabalho de
conclusão do curso de História, da Universidade Federal Fluminense,
certamente é para mim muito mais que um trabalho acadêmico: é ter a
responsabilidade de tocar a história do meu lugar. O lugar em que a prosa dos
bares nas esquinas encontra em azul e branco, o verso.
O 422 (Grajaú-Cosme Velho) sempre foi meu companheiro do meu
pensar e repensar acadêmico nas voltas de Niterói. Naquele ônibus todos os
tipos de teorias acadêmicas eram digeridas no descer e subir de gente de todo
tipo, de toda idéia e de toda cor. A trilha musical dessas viagens era
invariavelmente um samba ou um samba-enredo no fone de ouvido. Tudo isso
funcionava feito um liquidificador na cabeça de um estudante de História, tudo
se revirava, se mexia e durante meses, períodos acadêmicos, não conseguiam
se encaixar. Afinal, qual deveria ser o meu tema de monografia?
Sol escaldante de duas da tarde na Avenida Presidente Vargas, o
ônibus era uma espécie de forno. E ele pára em mais um de seus intermináveis
pontos. Eu sempre (quando dá), me sento ao lado esquerdo do 422 para pegar
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menos sol, neste dia tinha feito isso. Durante aquela parada olho para o lado.
Quem está ali? Zumbi, em sua estátua mais representativa e discutida.
Era a hora de “juntar as peças” do quebra cabeça. Eu, desde moleque
um fã ávido da Vila Isabel gostava de ouvir histórias na cozinha da minha mãe
sobre a Vila. Ela, mesmo sendo teoricamente portelense, ao se mudar para o
bairro tinha trocado de “azul e branca”. E ela me contava, enquanto lavava
louça, daquele desfile da Vila da Kizomba, repleto de ráfia, sem luxo e com
muitas idéias.
Tem um amigo meu que me diz que eu tinha que ser “do samba”, afinal
eu nasci exatamente um mês após o grande desfile de Cristo coberto de
mestre Joãozinho Trinta na Beija-Flor. De fato, minha mãe sempre me contava
que ela estava com um barrigão no carnaval de 1989, passando o carnaval em
Cabo Frio. De fato, vim ao mundo um ano após a Kizomba. Eu perdi a festa,
mas as cores continuam colorindo as calçadas do Boulevard ao Morro dos
Macacos.
Neste mesmo dia, eu, que virei um fronteiriço de Vila Isabel, meio que
deslocado pela Tijuca, fui ganhar rumo na Vila. O meu caminho no entardecer
até a quadra da Vila se tornava uma odisséia por entre as ruas do meu bairro.
A Imperial Quinta do Macaco transformada em Vila Isabel por Barão de
Drummond, no seio dos anseios pela liberdade em fins do século XIX era o
lugar em que caminhava. Ali, após a promulgação do da Lei Ventre Livre em
1871, os escravos daquela localidade eram libertos. Eu caminhava sobre o
Boulevard Vinte e Oito de Setembro que tem este nome por ser a data da Lei
do Ventre Livre. O bairro ganhou o nome de Isabel, e o lugar rebatizado nas
vielas de “recanto da princesa”.
E por estes caminhos de liberdade, as memórias de minha vida
passavam... Na Rua Torres Homem, de Dr. João Vicente Torres Homem,
médico engajado na causa abolicionista, podia me lembrar de tanta gente de
tanta cor que cruzava pela rua todos os dias nas voltas do colégio. Já a Rua
Teodoro da Silva, do político abolicionista Teodoro Machado Freire da Silva,
era invariavelmente o meu caminho para as sessões de cinema no Shopping
Iguatemi. A Rua Visconde de Abaeté, do político Antonio Paulino Limpo de
Abreu, era passagem para minhas saídas com o cachorro da vizinha, o
daschund, Chico. A Rua Souza Franco, do jornalista abolicionista, Bernardo de
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Souza Franco, por fim, me fazia retornar ao Boulevard Vinte e Oito de
Setembro, em que ia chegar à quadra da minha Unidos de Vila Isabel.
Mais de um século depois da Abolição.
Mais de vinte anos depois do desfile.
Eu pisava novamente em um chão negro naquela quadra, que agora
existia, embora a Vila não estivesse feito mais um enredo de temática africana
desde a Kizomba. Mas as vozes da Kizomba ecoam por muitos anos. Eu ouvia:
“Carrego os fios de Isabel,
Da liberdade é a minha Vida... É a Vila!”1
Pronto, eu chegava ao meu destino. Dali por diante eu deveria escutar
as outras vozes da Kizomba.
Vila Isabel, Janeiro de 2011
1 Samba de enredo da Unidos de Vila Isabel de 2011 dos compositores André Diniz, Leonel, Prof. Wladimir, Arthur das Ferragens e Pingüim.
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Em mais um desses caminhos meus pela Vila, tinha destino a primeira
feijoada da Vila após o carnaval de 2011. Lá presenciei um momento de
desdobramento no tema desta monografia provando para mim o desenrolar
sempre contínuo da História.
Empunhando o microfone nas mãos Martinho (Da Vila e De Luanda)
anunciou o enredo da Vila Isabel para 2012 – “Angola”. Num segundo, o
destino nos fez voltar no nosso negro e lindo passado. Um lugar sem sede.
Uma história separada pelo Atlântico Sul. Uma Kizomba. Um Zumbi. Uma Vila.
Um Brasil. Uma Angola. 1988 – 2012. Azul e branco... E negro.
Vila Isabel, Abril de 2011
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INTRODUÇÃO
“Algumas coisas acontecem quando a gente não espera...”
Assim Maria Clara, do alto dos seus seis anos, inferia surpresa sobre a
entrevista de sua avó narrando o campeonato de 1988 da Vila Isabel. Lícia
Maria Maciel Caniné, que o samba rebatizou de “Ruça” e é avó de Maria Clara,
foi presidente da Vila Isabel em 1988. Ruça era a minha primeira voz a ser
ouvida para começar a dar forma a este trabalho. A inferência de sua herdeira,
naquela entrevista pareceu transpassar a história da vida de sua neta, de sua
avó e do evento histórico com o qual eu estava me deparando.
A História Oral se pode realizar em qualquer lugar, pois toda
comunidade carrega dentro de si uma história multifacetada de trabalho, vida
familiar e relações sociais à espera de alguém que a traga para fora
(TOMPSON, 1992:217). Nesse momento pude entender que por meio da
História Oral eu estava trazendo à superfície mais que uma memória coletiva,
como estava interessado, mas uma memória familiar. Entendendo que
memória, segundo Pierre Laborie em Memória e Opinião2, é uma reconstrução
do passado para servir aos fins do presente, posso compreender perfeitamente
a conexão que Maria Clara fez entre a vitória surpreendente da Vila Isabel e
sua portentosa apresentação de ballet. Maria Clara me contava com olhos
brilhantes como tinha sido espetacular sua experiência no palco. Por isso
História Oral é intrinsecamente diferente e, portanto, especificamente útil
(PORTELLI, 1997:26), pois elege a memória como foco para o discurso. Mais
que o fato em si, em sua concepção histórico-acadêmica tradicional, Maria
Clara subverte os fins da História para servir para seus fins de suas estórias.
E o que aconteceu na madrugada daquela terça-feira de carnaval, era
uma “coisa” que ninguém em Vila Isabel esperava. O campeonato. Naquela
entrevista (ou, diria eu, conversa ou prosa típica de sambista), Ruça me
contava as razões de tal surpresa, que vão estar nos capítulos seguintes deste
trabalho.
2 Conferência proferida no Seminário Internacional “Culturas Políticas, Memória e
Historiografia”. Niterói, agosto de 2008. Tradução de Luiz Alberto Monjardim.
17
“Kizomba é uma palavra do Kimbundo, uma das línguas da República Popular de Angola. A palavra Kizomba significa encontro de pessoas que se identificam numa festa de confraternização. Do ritual da Kizomba fazem parte inerentes o canto, a dança, a comida e a bebida, além de conversações em reuniões e palestras que objetivam a meditação sobre problemas comuns.” (DA VILA, 1988)
A língua não era o Kimbundo, era o bom português prosado quase que
na cadência de um samba. O significado prosaico, mas com muita poesia da
palavra Kizomba, parecia rechear as vozes nas entrevistas de muita emoção
de que se estava falando. Durante as entrevistas fui notando que o signo da
palavra Kizomba se reinventava para “as vozes”, os entrevistados. Kizomba
tomava sentido próximo ao significado da palavra superação.
“O novo dentro do velho. O vivo no que se julgava morto. A esperança onde se falava de causas perdidas. A experiência da vitória e da igualdade no que julgamos alienado e mistificador, como é o caso do futebol e, sobretudo, do Carnaval.” (DaMatta, 1981)
Na mesma década, mas muito antes do desfile da Vila Isabel acontecer,
Roberto DaMatta defendeu a prática de uma “sociologia aberta ao popular”
negando o “popular” como “folclore, tradição” reificada, que não pode mudar
(1981:21-22). O carnaval deixava de ser uma experiência isolada para ser algo
que toca e envolve milhões de pessoas. Diz ele, “De fato, todo o país”. Por isso
ele argumenta que esta (o carnaval), é uma experiência direta, sobre a qual
todos têm uma opinião. O que explica sua defesa de uma sociologia aberta
para o popular. A vitória da Vila Isabel parece exemplificar de forma empírica o
que propõe DaMatta. O carnaval carioca dos anos de 1980 já se utilizava de
uma estética de um espetáculo de massa (MONTES, 1996) se apresentando
como um resultado das múltiplas influências que este incorporou a si. O efeito
midiático dentro do desfile das escolas de samba fez com que este evento
ultrapassasse as barreiras de um nicho da cidade para ganhar todo um país. O
evento “carnaval” se estabilizava enquanto evento turístico e se reinventava em
seu sentido interno enquanto cultura popular. Stuart Hall (2003) nos propõe a
visão de cultura popular como local do conflito (contenção e resistência) e de
transformação inscrito no processo da disputa na luta de classes. Hall salienta
que não existe uma “cultura popular” íntegra, autêntica e autônoma, situada
18
fora do campo de força das relações de poder e de dominações culturais
(2003: 254). A idéia Gramsciana de hegemonia permeia seus estudos.
“A transformação é a chave de um longo processo de ‘moralização’ das classes trabalhadoras, de ‘desmoralização’ dos pobres e de ‘reeducação’ do povo. A cultura popular não é num sentido ‘puro’, nem as tradições populares de resistência a esses processos, nem as formas que as sobrepõe. É o terreno sobre o qual as transformações são operadas.” (2003: 248-249)
A antropóloga Maria Laura Cavalcanti (2010) em seu trabalho Em torno
do carnaval e da cultura popular, embebida da obra do lingüista russo Mikhail
Bakhtin e do historiador Peter Burke entrecruza os conceitos carnaval e cultura
popular.
“O carnaval ocupa lugar central nessas visões de cultura popular. No caso de Bakhtin, a festa carnavalesca concreta é, sobretudo, o lugar de abrigo do carnaval como princípio e visão de mundo – o realismo grotesco com seu universo de valores característicos. Nisso reside a unidade filosófica e moral da noção bakhtiniana de cultura popular – cultura cômica, não oficial, pública e festiva. No caso de Burke, o agregado festivo do carnaval é também lugar de abrigo de um espírito de mundo e das expressões de cultura popular tradicional, aquela configuração cultural que abriga a interação assimétrica e, entretanto profunda entre duas correntes de tradição, a grande e a pequena.” (2010: 23)
O sambódromo carioca enquanto palco carnavalesco trouxe o
espectador para um ponto de vista mais alto (arquibancadas e camarotes) e
por isso data dessa época o crescimento dos carros alegóricos que precisavam
ser visíveis e imponentes pela amplitude da passarela do samba, se
constituindo num processo de verticalização. À reboque desse crescimento
vertiginoso do carnaval carioca, dadas suas transformações enquanto cultura
popular, que pareciam ser um crescimento análogo à construção da Marquês
de Sapucaí em 1984, o poder de alcance em termos nacionais,principalmente
com o sucesso televisivo, do que era apresentado na Sapucaí era poderoso.
Segundo Maria Lúcia Aparecida Montes (1996), uma parte do
movimento negro nos anos de 1980 não se aproximava do carnaval por achar
que este já fora cooptado pela mídia e pelos corpos estranhos, e daí não
representaria uma resistência. Pretendo neste trabalho, entre outros focos
sinalizar os limites do movimento negro e suas inserções no carnaval de fins
dos anos de 1980 período no qual se localiza o desfile da Kizomba. Símbolos
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negros e nacionais eram exaltados desde os anos de 1960, por exemplo, pela
Acadêmicos do Salgueiro. O luxo excessivo dos desfiles carnavalescos,
segundo Montes, é visto como dissonante da memória negra que o movimento
negro parecia abraçar.
Ruça, foco de um discurso que legitima a Vila Isabel como escola
vanguardista daquele ano, procurava durante toda a entrevista a afirmação de
que era o “simples” que imperava na Vila Isabel, sem os signos do luxo que
vinham povoando as escolas de samba e a própria Vila em anos anteriores.
No tocante ao movimento negro, meu objetivo aqui é discutir a
representatividade do desfile da Kizomba este inscrito no carnaval carioca. De
fato, temos aí um casal (Ruça e Martinho) conhecido e atuante no movimento
negro e em causas sociais, que tomaram a dianteira daquele desfile.
“Martinho da Vila é hoje, de fato, nosso embaixador no Solo Africano. O Itamaraty jamais poderia realizar, com todos os meios ao seu alcance, o milagre de integração racial e multinacional que foi o Kizomba na Sapucaí, transformando o Rio de Janeiro, por alguns instantes mágicos, no epicentro do mundo.” (PEDROSA apud DA VILA, 1998)
No início deste trabalho procurei escutar e registrar inúmeras vozes para
traçar um panorama deste evento histórico. Porém, com o seu desenrolar fui
percebendo que problematizar os cernes dos discursos de Martinho e Ruça,
iria render uma maior relevância social. É a primeira vez que um trabalho
acadêmico, segundo minhas pesquisas, toca diretamente e não só tangencia
este desfile, encarando-o como um fato social total3. Problematizar esses
discursos centrais me parece tocar no principal assunto ao começar a estudar
esse tema. Trabalhos futuros podem se remeter a esses discursos, mas penso
que neste momento, a análise desses discursos seria fundamental e por isso a
minha escolha do enfoque.
Segundo Angela de Castro Gomes (2004: 11) a historiadora considera
que os indivíduos e os grupos evidenciam a relevância de dotar o mundo que
os rodeia de significados especiais, relacionados com suas próprias vidas
(2004: 11). Portanto os discursos analisados aqui estão sempre atrelados a
uma história de vida costurados em uma autobiografia. A narrativa e a
3 Segundo obra de Marcel Mauss. Entendo o desfile de escola de samba como fato social total como leitura do item O corpo e fato total presente no artigo Os sentidos no espetáculo (CAVALCANTI, 2002).
20
oralidade colocam mais que fatos, cronologias e temporalidade na pesquisa
histórica. São colocados também sentimentos, trazendo uma psicologia total do
indivíduo narrador. A lente objetiva da disciplina histórica ganha nesses
estudos mais recentes contornos subjetivos e os registros de memória dos
indivíduos modernos são, de forma geral e por definição, subjetivos,
fragmentados e ordinários como suas vidas (GOMES, 2004: 13).
Por termos em mãos uma fonte histórica de caráter essencialmente
subjetivo, devemos discutir quase à exaustão esta fonte, que é repleta de
possibilidades, como um grande leque de opções possíveis. A partir daí
discutiremos a “ilusão biográfica” que dá título ao artigo de Pierre Bourdieu
como capítulo integrante do livro Usos e abusos da História Oral, de 1998.
Bourdieu salienta que a auto-imagem de quem se entrevista (ou de quem é
fonte) é um todo coerente no qual perpassa uma história de vida (1998: 184). A
história narrada se assemelha a um romance moderno, com sua
descontinuidade com o real, mas tendo uma finalidade (1998: 185). Angela de
Castro Gomes alerta dos riscos dessa “ilusão”:
“O risco para o pesquisador que se deixa levar por esse feitiço das fontes pode ser trágico, na medida em que seu resultado é o inverso do que é próprio dessas fontes: a verdade como sinceridade o faria acreditar no que diz a fonte como se ela fosse uma expressão do que ‘verdadeiramente aconteceu’, como se fosse a verdade dos fatos, o que evidentemente não existe em nenhum tipo de documento.” (2004: 15)
Alessandro Portelli (1996) é contundente na análise do uso das fontes
orais. Ele diz que tanto na escravidão como na antropologia, o poder de julgar
e definir pertence institucionalmente a quem maneja o chicote, a lapiseira ou o
gravador (: 62).
No caso desta minha pesquisa, a eloqüência, diria eu, maravilhosa de
minha entrevistada Ruça e dos escritos de Martinho da Vila me deixaram
algum tempo extasiado com os fatos históricos que ganhavam forma na minha
frente, até mesmo pelo meu grande envolvimento com o tema. Trazer
referências teóricas que tocavam em memórias, construções de auto-imagem
ou narrativas foram de fundamental importância para dar os contornos
acadêmicos necessários a esta pesquisa. Para Vinícius Ferreira Natal (2010) o
universo das escolas de samba constantemente se remete ao passado em seu
21
reconstruir narrativo, fazendo sentido no presente entre múltiplos atores sociais
envolvidos.
“Ao percorrer a trilha que é o universo das escolas de samba, depara-se constantemente com o passado: lembranças de desfiles, sambas que ficaram conhecidos por sua irreverência, julgamentos considerados absurdos, merecimento ou não de determinado título. Para tais ações de recordação, recorre-se ao instrumento daquela que, imperceptivelmente para a maioria, possui grande influência nas relações entre os indivíduos e na constituição do carnaval: a memória.” (2010: 208)
Discutir os significados da festa carnavalesca também é de fundamental
importância para o quadro teórico deste trabalho. Roberto DaMatta em seu livro
O que faz do brasil, Brasil? expressa a tese central de seus estudos sobre o
tema dizendo:
“Penso que o carnaval é basicamente a inversão do mundo. Uma catástrofe. Só que é uma reviravolta positiva, esperada, planificada e, por tudo isso, vista como desejada e necessária em nosso mundo social.” (1986: 74)
Diversos trabalhos e teóricos sedimentaram suas pesquisas sobre
carnaval nos estudos de DaMatta. O recente trabalho de 2009 intitulado
Carnaval em múltiplos planos de organização de Maria Laura Cavalcanti e
Renata Gonçalves traz um apanhado de artigos sobre a festa momesca em
diversas temporalidades e espacialidades e sob diferentes prismas das
ciências sociais. Tal trabalho é inspirado e dedicado à obra de Roberto
DaMatta e dito na apresentação do livro pelas organizadoras que:
“[...] como mostrou Roberto DaMatta, em seu precursor Carnavais, malandros e heróis, ‘o carnaval cria não só seus vários planos, mas seu próprio plano’ (1979: 68). Nisso consistiria, por assim dizer, sua universalidade civilizatória, permitindo que, diante de suas muitas formas, em todas elas reconheçamos, sem maiores dificuldades, um carnaval” (2009: 9)
A suspensão do tempo rotineiro e a instauração do tempo excepcional e
festivo também são destacados pelas autoras como pontos de relevância da
obra de DaMatta para o tema. Na obra já citada do antropólogo O que faz o
brasil, Brasil? ele dá um título sugestivo para o capítulo em que fala do
carnaval: O carnaval, ou o mundo como teatro e prazer, onde o autor paraleliza
as palavras carnaval e mundo. Ao seguir na defesa de sua tese de inversão
22
social realizada pelo carnaval o autor fala sobre as roupas e fantasias do
evento:
“Assim, ela [a fantasia] permite que possamos ser tudo o que queríamos, mas que a ‘vida’ não permitiu. Com ela – e jamais com o uniforme -, conseguimos uma espécie de compromisso entre o que realmente somos e o que gostaríamos de ser.” (1986: 75)
DaMatta neste mesmo capítulo discute sobre a competição dentro do
carnaval, que é um ponto que nos interessa já que estudamos um evento de
cultura popular de caráter competitivo.
“De fato, essa competição é tão aberta que há competição para tudo: músicas, fantasias, maior capacidade de exibir-se e, naturalmente, a disputa de blocos e escolas de samba, sobretudo no caso do Rio de Janeiro. Aqui o mundo fica de cabeça para baixo. Não somente porque as ‘escolas’ são de gente pobre e que vive nos morros e subúrbios do Rio, zonas que congregam a massa dos subempregados locais, mas talvez por estarmos aqui para assistir a um monumental concurso público, a uma fantástica competição onde tanto os jurados oficiais quanto o público em geral conhecem todas as regras e todos os meios de perder e vencer. Coisa do outro mundo? Algo extraordinário? Claro que sim. Numa sociedade que jamais vive a si mesma como um jogo ou concurso em que as pessoas podem mudar de lugar pelo próprio desempenho, tudo isso é fora do comum. [...] Aqui, os apadrinhamentos são policiados e o povo age como jamais pode realmente operar: como juiz supremo que conhece as regras do jogo e as aplica com gana e justiça.” (1986: 77-78)
Para ele carnaval é inversão, pois é uma competição numa sociedade
marcada pela hierarquia: “É movimento numa sociedade que tem horror à
mobilidade, sobretudo à mobilidade que permite trocar efetivamente de posição
social” (1986: 78).
O carnaval carioca, este evento marcado por seu caráter “extra-
ordinário”, tem no desfile de 1988 da Vila Isabel uma marca quase que
inconfundível dessa supressão da hierarquia nos dias da folia. Sem sede, com
poucos recursos financeiros e sem apoio do “padrinhos” bicheiros, a Vila Isabel
inverte a lógica do poder hierárquico, não só por ser carnaval, mas do poder
hierárquico do já consolidado universo das escolas de samba do Rio de
Janeiro. De fato, como disserta quase como instintivamente uma das lições da
vida Maria Clara, neta de Ruça: “Algumas coisas acontecem quando a gente
não espera...”.
23
CAPÍTULO I – CONCENTRAÇÃO
1.1) 1988: A Constituinte, Movimento Negro e o Centenário da Abolição .
O período da ditadura militar, a partir de 1964, praticamente baniu a
discussão pública da questão racial (Domingues 2007:111). A dificuldade de
articulação do movimento negro se dava pela atuação forte do Estado e seus
militares contra as ambições combativas e de luta do movimento.
Ainda, segundo Petrônio Domingues em Movimento Negro Brasileiro:
alguns apontamentos históricos (2007:112), a reorganização política da “luta
anti-racista” se deu em fins da década de 1970 no bojo do crescimento dos
movimentos populares, sindical e estudantil. O autor cita articulações em São
Paulo, como o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN) em 1972 e a
emergência de diversos jornais da imprensa negra mesmo que por vezes muito
tímidos; no Rio de Janeiro a explosão do movimento soul, posteriormente
batizado de Black Rio e também no mesmo Estado a fundação do Instituto de
Pesquisas da Cultura Negra (IPCN) em 1976.
Entretanto, o autor considera que o sentido político de enfrentamento
com o regime era fragmentado. Só em 1978, com a criação do Movimento
Negro Unificado (MNU), que volta à cena política do país o movimento negro
organizado. Este movimento, segundo Domingues foi uma organização
marxista, de orientação trotskista com convergência socialista, sendo a base
para futuras lideranças do Movimento Negro. Diversas associações negras
cariocas ganham relevo como a Escola de Samba Quilombo e o Renascença
Clube.
Segundo Anderson Ribeiro Oliva (2009) na Revista África e
Africanidades, as associações culturais e movimentos negros organizados
buscavam recriar e divulgar a imagem de uma África mítica, autônoma, bela e
relevante. Segundo ele, o pesquisador francês Jacques d’Adesky, ao estudar o
Movimento Negro no Brasil encontrou vertentes que intentavam combater o
racismo, melhorar as condições sócio-econômicas dos afro-descendentes e
reconstruir suas identidades.
24
Com o desmonte do regime ditatorial brasileiro, o país seguiu no seu
processo de redemocratização através das discussões da nova Constituinte
entre 1985 e 1988. Amilcar Araújo Pereira, cuja tese de doutorado defendida
em 2010, nos mostra interessantes facetas e particularidades dessa discussão
da Constituinte no tocante aos direitos raciais. Segundo ele, desde a campanha
das ‘Diretas Já’ em 1984 o movimento negro viveu um importante momento de
articulação (2010: 215). A sensibilidade de deputados como Florestan
Fernandes e Leonel Brizola com as questões raciais, contribuiu para o debate
do tema na sua ambiência política (:216).
“Em meados da década de 1980 foram realizados diferentes eventos que procuravam intervir na elaboração da Constituição promulgada em 1988. O ano de 1986 foi de bastante mobilização do movimento, por conta das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, ocorridas em 15 de novembro.” (PEREIRA, 2010: 222)
Desses debates emergiram conquistas importantes como o Artigo do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988,
reconheceu a propriedade definitiva das terras de remanescentes das
comunidades de quilombos (:223). Outra importante determinação foi a
criminalização do racismo pelo item XLII do artigo 5º na Constituição de 1988,
prevendo crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Esta
medida decorreu da emenda constitucional apresentada pelo constituinte
Carlos Alberto de Oliveira, o Caó. 1988 foi um “verdadeiro marco na história do
movimento negro contemporâneo no Brasil” (:226).
“O centenário da abolição da escravatura foi considerado por diversos setores do movimento negro como o momento ideal para provocar a discussão sobre a situação do negro na sociedade brasileira.” (:227)
Em 11 de maio de 1988, na Candelária, Centro do Rio de Janeiro, houve
a “Marcha contra a falsa abolição” que tinha como lema “Nada mudou – Vamos
mudar”. Esta marcha ganhou vasta repercussão nacional e internacional e foi
vigiada pelas forças policiais, segundo Amilcar (:227).
“[...] levando-se em consideração o fato de que naquele momento as redes de relações do movimento negro já estavam bastante estabelecidas pelo Brasil, também ocorreram manifestações em vários Estados contestando as celebrações oficiais do centenário da Abolição. Nesse sentido, o centenário da abolição alimentou o debate sobre a questão racial em diferentes segmentos da sociedade brasileira e acabou
25
contribuindo fortemente para a criação de nossas organizações negras por todo o país [...]” (:229)
Portanto como Amilcar nos mostra, houve uma bifurcação entre as
comemorações oficias e as problematizações da data realizada por um
movimento negro já bastante articulado à época 4.
O meio de comunicação mais potente naquele momento, a televisão, por
meio de uma vinheta de fim de ano da TV Globo lembrou o centenário da
abolição. O livro “Kizombas, festanças e andanças” de Martinho da Vila narra a
gravação dessa vinheta em 22 de Novembro de 1987 para o ano seguinte, no
capítulo “Axé”.
“Marquei uma audição com o pessoal da Globo e soltei a fita. Ansiosos e em silêncio, eles ouviram o som repetitivo do jongo, com calimba e atabaques: Axé, axé, axé pra todo mundo, axé. Muito axé. Muito axé pra todo mundo, axé.” (DA VILA, 1998:59)
O carnaval, afeito a temática negra não deixou essa data sem lembrança
nos festejos daquele ano. A Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, a
LIESA, não tinha dado nenhuma subvenção especial para que ocorressem
homenagens à data, mas muitas escolas de samba assim o fizeram. Somente
no grupo especial (na época chamado de Grupo 1), foram feitas quatro
homenagens: a da Vila Isabel, da Mangueira, da Beija-Flor e da Tradição.
1.2) Uma Vila sem sede, com sede.
“Fiquei numa fossa da porra quando a baiana Peti, a ‘que foi passista, brincou em ala, dizem que foi um grande amor de um mestre sala’, quase chorando, me falou sofrida:- Martinho, será que vou morrer sem ver a Vila campeã? Não tive palavras.”
(DA VILA, 1998: 211)
O carnaval de 1987 da Vila Isabel teve como enredo “Raízes”
desenvolvido pelo carnavalesco Max Lopes. Naquele ano a escola era
comandada pelo ex-militar do exército brasileiro, Capitão Guimarães, e um
vultoso investimento financeiro, segundo a imprensa da época.
“Fizemos uma exibição impecável e saímos cotados como francos favoritos pela crítica especializada e pelos sambistas em geral. Vi lágrimas nos olhos do rígido Guimarães quando foi
4 O Estado do Rio de Janeiro instituiu uma constituição especial para as comemorações do centenário da Abolição.
26
cercado pela ala das baianas e pelas crianças do morro que o saudaram:- Viva o Capitão! Levantamos a arquibancada que gritava: - Já ganhou! Já ganhou!”
(DA VILA, 1998: 208)
Apesar do grandioso desfile festejado por componentes e partícipes do
carnaval carioca, a Vila Isabel conquistou uma quinta colocação empatada com
o Salgueiro. A quarta-feira de cinzas, amargurada pelos torcedores da Vila
Isabel, passou, assim como o carnaval. Com o fim deste carnaval, segundo
entrevista da Ruça dada a mim em 2011, Capitão Guimarães deixou a escola.
Até então a Vila Isabel ensaiava no campo do América, onde hoje se localiza o
Shopping Iguatemi, e com a saída de Guimarães, as chaves do local foram
entregues a administração e a Vila não poderia mais ter sua quadra de ensaios
ali. Ruça salienta em sua entrevista que a Vila não foi “despejada”, apenas
foram entregues as chaves do local. Numa atitude de desespero Ruça narrou:
“E realmente estamos na rua. Eu fui na qualidade de componente da escola. Porque ninguém queria pegar a Vila Isabel. Ninguém... E aí quem vai ser o presidente? Ninguém queria... Eu implorei a Martinho, implorei a Jonas, a Jonas não, a Rodolfo. Eu fui ao Salgueiro implorar ao Miro!”
Logo após o carnaval de 1987, a Vila Isabel se encontrava sem
presidente e foi convocada uma reunião do Conselho. Analimar Ventapane,
filha de Martinho da Vila em entrevista dada a mim, também em 2011, narra
como foi a chegada de Ruça à presidência da Vila Isabel:
“No Amarelinho da Cinelândia... Eu não sei se meu pai fez um show, ou teve um encontro no Amarelinho. Ficamos nós e eu me lembro dele falando pra Ruça assim: - Ah... Concorre a presidência vai... Concorre aí...Aí ela:- Ah eu vou!”
Analimar conta, segundo sua memória, o incentivo que seu pai deu à
Ruça para pleitear a presidência da Vila Isabel. Já Ruça narra este
acontecimento sem o episódio do bar Amarelinho. Segundo ela, a Vila Isabel
“estava jogada fora” e ela chorava muito até que veio um insight: “-Ah eu quero,
eu quero... Vou ser presidente da escola!”. No que se refere à memória (com
desdobramentos para a história), passam a ser legítimos os procedimentos de
construção, segundo Angela de Castro Gomes (2004: 12). Vemos aí dois
27
discursos paralelos e pessoalmente construídos. O mesmo fato foi narrado por
duas pessoas distintas, uma como personagem e outra como observadora, e
pelas duas o que, segundo meus referencias teóricos, entendo como narrativas
complementares. Como é lembrado por Bourdieu (1998: 185), o real é
descontínuo, formado por elementos justapostos sem razão, todos eles únicos
e tanto mais difíceis de serem apreendidos.
Segundo Ruça, foram feitas cartas, manifestos espalhados pela
comunidade e imprensa:
“E no dia da reunião do conselho não tinha mais nenhum outro candidato e o povo do Macaco desceu, e tomou a rua, com cartazes dizendo que me queriam na presidência, o conselho finalmente me elegeu. E até por não ter outra pessoa, não tinha outro candidato... Um pena, uma pena... Mas foi assim.”
Ruça em momento algum esboçou ambição anterior em ser presidente
da Vila Isabel. Na leitura de sua narrativa podemos perceber que sua chegada
à presidência está muito mais ligada a uma salvação da escola do que uma
escolha previamente planejada.
Então, a ex-presidente narra como conseguiu uma sede administrativa
para a Vila Isabel na Região Administrativa. Numa pequena sala ficou alojada a
“papelada da escola” e ali foram realizados os trâmites administrativos.
Sem sede de ensaios, apenas com uma sala na 9ª região administrativa,
a Vila Isabel começava seus preparativos para o carnaval de 1988. No livro
Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile a antropóloga Maria Laura Viveiros
de Castro Cavalcanti disserta sobre o caráter cíclico da preparação de um
desfile atrelado ao tempo.
“Esse ciclo anual se move numa temporalidade própria, regida pela data do carnaval ao qual todo o ciclo se dirige. Como os preparativos se iniciam num ano, e o carnaval se realiza no ano seguinte, desde o momento em que o processo se põe em marcha, estamos no carnaval do ano seguinte. [...] A relação de um desfile com o tempo é obsessiva. Cada ciclo anual é apenas um pedaço de tempo culturalmente pleno, com princípio, meio e fim: em cada ciclo, o carnaval nasce, morre e renasce de forma ininterrupta. Um ciclo muitas vezes penetra no outro de tal forma que nenhum tempo seja deixado vazio e o ano rotineiro seja sempre o ano do carnaval.” (1994: 75)
Na entrevista, concedida por Ruça ela diz que: “desmontamos Raízes,
aquele carnaval maravilhoso do Max [Lopes]” e dali por diante o carnaval de
1988 poderia começar a ser erguido, primeiro nos cérebros carnavalescos e
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depois na fábrica exportadora de devaneios que o samba comumente chama
de barracão.
A Vila Isabel tinha como barracão um pedaço do Pavilhão onde
atualmente se encontra a feira de São Cristóvão. Ali ficava a maioria das
escolas à época e segundo ela os barracões eram separados apenas com
grandes plásticos. Mas como bem salienta Maria Laura Cavalcanti (1994), em
seus estudos antropológicos no livro citado, uma escola de samba necessita de
uma quadra, e a Vila Isabel para o carnaval de 1988 não tinha. A então
presidente, Ruça, em sua entrevista me contou que os ensaios aconteciam na
rua principal da Vila Isabel, no Boulevard Vinte e Oito de Setembro, sob
protesto incisivo de motoristas. Contava ela misturando tom de valentia e
brincadeira:
“o garçom atravessava a pista e ia com um chopp na bandeja pra mim, enquanto eu fechava a rua e era xingada pelos motoristas.[...]”
1.3) Nasce um carnaval: Kizomba – Idéias e ideais.
“O barracão parecia uma criança em gestação; enquanto as outras já tinham carros resplandecentes, os nossos iam nascendo devagar, devagar. Era arte!” (DA VILA, 1998: 233)
Ruça, mulher branca, militante do movimento negro, madrinha da bateria
da Vila Isabel desde a década de 1980 e freqüentadora de escolas de samba
desde a juventude, fez sua estréia como presidente na Vila Isabel com um
enredo essencialmente negro e repleto de memórias afro-descendentes:
Kizomba – a Festa da Raça. Ruça no decorrer da entrevista mostrava muito
claramente seu posicionamento político social:
“Quem nós somos? Tem que responder isso... Nós brasileiros, somos o quê? Somos o quê? Somos produtos dessa mistura! Então não importa qual aparência... O que importa é a tua essência, a consciência... O que importa é você saber que o racismo não cabe aqui, nem de lado nem de outro, nem de lado nenhum! [...] Os três sangues correm misturados mesmo nessa brasileirada toda.”
Ruça ao contar como se deu o seu engajamento no Movimento Negro,
explicitou seu descontentamento no Brasil dos anos de 1980, pois este era um
país em que o povo não se manifestava contra o Apartheid na África do Sul.
29
Em seu desejo de conscientização da população brasileira, ela me contou que
foi para o movimento negro para isso, para despertar esse sentimento. Então
eu a indaguei se o enredo daquele ano, Kizomba, tinha a influência do
Apartheid, e logo ela me respondeu:
“Ah muito, claro! Claro... A luta pela liberdade de Nelson Mandela! É, a coisa, de mostrar a dignidade do povo da África, daqueles países na época, né? Tudo tem sua época... Hoje se fala muito em democracia, mas naquela época a gente precisava muito. A luta deles contra o colonialismo foi fantástico! Tanto que nós saímos com todos os líderes negros [fotografias em alegorias], de todos os países que lutaram pela sua independência, tiveram que passar por guerrilha e aí são homenagens. Naqueles homens que idealizaram, pensaram, comandaram as guerrilhas frentes de libertação... Em vários países você vê desde cientistas, médicos, intelectuais, poetas... [...] O pensamento vai muito além da cor da pele.”
Posicionando o desfile das escolas de samba como sendo uma forma
ritual e estética elaborada que expressa um processo vital em fluxo constante,
(CAVALCANTI, 1994:12) o enredo disserta e expõe o que a escola de samba
se propõe a apresentar. Na maioria das vezes, escolas de samba apenas
expressam narrativas sobre uma temática. Outras vezes, as escolas de samba
defendem seu enredo e os torna manifesto. Segundo minhas leituras em
conjunção com as fontes, penso que a Kizomba da Vila Isabel de 1988 se trata
de um enredo manifesto, que ultrapassa o simples dissertar na avenida. Posso
citar outro desfile que se tornou manifesto também, como o da Beija-Flor de
Nilópolis de 1989 “Ratos e urubus larguem minha fantasia” e que inclusive não
foi campeã. Estes enredos manifesto ultrapassam os limites de uma escola de
samba para ganhar todo um público num processo catártico. Na Kizomba o
refrão principal do samba de enredo de Rodolfo, Jonas e Luis Carlos da Vila,
era arrebatador e a síntese do manifesto:
“Vem a lua de Luanda para iluminar a ruaNossa sede é nossa sede,E que o Apartheid se destrua... (Valeu Zumbi!)”
Segundo entrevista de Ruça, a lua era o “teto” que cobria a Vila Isabel
em seus ensaios, já que a escola não possuía quadra. Ela dizia aos
compositores que a mesma lua que brilhava em Luanda, também brilhava no
céu do bairro de Vila Isabel. Esse significado ficou tão forte que emprestou seu
contorno para a parte mais cantada do samba-enredo: o refrão.
30
Desde a incorporação dos desfiles das escolas de samba pelo Estado
como ocorreu no período do Estado Novo (VIANNA,1995 e SOIHET,1998), os
enredos em sua maioria seguiam temas históricos nacionais com temática
linear. No desenrolar dos anos de 1980, este modo de fazer enredo já estava
se modificando, e como exemplo temos o enredo da própria Vila Isabel em
1980 intitulado “sonho de um sonho” que marcava um enredo sem o
compromisso histórico linear. A Vila Isabel em Kizomba também não se
comprometeu em contar um enredo linear. Sua sinopse se assemelha mais a
um manifesto do que uma narrativa sobre fatos históricos. Diz seu enredo, que
é de autoria de Martinho da Vila:
“A nossa Kizomba conclama uma meditação sobre a influência negra na cultura universal, a situação do negro no mundo, a abolição da escravatura, a reafirmação de ZUMBI DOS PALMARES como símbolo da liberdade do Brasil. Informa-se sobre líderes revolucionários e pacifistas de outros países, conduz-se a uma reflexão sobre a participação do negro na sociedade brasileira, suas ansiedades, sua religião e protesta-se contra a discriminação racial no Brasil e manifesta-se contra a Apartheid na África do Sul, ao mesmo tempo que come-se, bebe-se, dança-se, canta-se e reza-se, porque acima de tudo, Kizomba é uma festa, a festa da raça negra.” (DA VILA, 1988)
A sinopse preocupava-se em evocar o líder negro nacional Zumbi dos
Palmares e não em contar sua história. As palavras de ordem na sinopse de
enredo são incomuns naquele tempo e até mesmo atualmente. A sinopse de
enredo, de fato é um manifesto que a Vila Isabel concretizou na avenida
naquele ano.
Em Escolas de samba, ritual e sociedade, de José Sávio Leopoldi nos
apresenta a noção comunitária em que a escola de samba se localiza. Esta
visão tem ligações com os estudos sobre a festa carnavalesca de Roberto
DaMatta.
“Antes de tudo, o período carnavalesco é um momento sui generis de relacionamento social, cuja ênfase recai sobre o congraçamento dos agentes, numa aparente supressão das barreiras sociais que os segregam (em termos de grupos, classes, diferenças de sexo, etnia etc.)” (LEOPOLDI, 2010: 45)
O carnaval, que segundo estes estudiosos, é uma festa que congraça os
agentes, tem neste carnaval da Vila Isabel, por seu caráter de manifesto, uma
reunião de ideais mais forte do que comumente já é traçado num desfile de
31
uma escola de samba. A década de 1980 esteve no pulsar dos movimentos
pela democratização e combate ao racismo, como já vimos neste trabalho.
Pergunto à Ruça como foi a aceitação do enredo pelos desfilantes da Vila
Isabel e ela me respondeu:
“A comunidade, o chão da Vila assim, o chão, o Morro, foi muito fácil convencer. O Morro comprou a idéia da Kizomba. Mas as alas brancas da Unidos de Vila Isabel, não... Não saíram. [...] Então a Vila Isabel, ficou só com aquele contingente dela do Morro.”
A idéia inicial do enredo era de congraçamento, falar de uma temática
negra, inclusive com a participação de brancos mostrando que ali não havia
preconceitos. O samba-enredo cantava: “neste evento que congraça gente de
todas as raças na mesma emoção”, mas segundo este trecho da entrevista,
Ruça deixa a entender que isso não se transportou para o momento do desfile.
A negativa das alas comerciais, em geral brancas, em aderir à Vila naquele ano
mostra que apesar de toda a poesia usada por esse carnaval, as marcas do
preconceito social daquela sociedade ainda eram fortes. Lilia Moritz Schwarcz
estudando a questão racial no Brasil mostra as vicissitudes do tema nesta
sociedade:
“Tal uso ‘versátil da cor’ faz com que o preconceito seja sobretudo invisível no Brasil, assim como a hierarquia social, que raramente tem necessidade de afirmar-se formalmente. O racismo no Brasil é vivido, mais do que afirmado, o que torna difícil a própria definição do termo preconceito, no contexto brasileiro. Como falar de um pré-conceito, de um conceito e uma teoria anteriores ao próprio fato se, no Brasil, ninguém admite discriminar? Como refletir sobre o racismo se cada um individualmente não se considera racista, mas freqüentemente age como tal?” (SHWARCZ, 1996: 177)
Os limites do branco e do negro na elaboração daquele desfile eram
tênues e geravam conflitos, inclusive entre o casal que encabeçava aquele
desfile. Segundo Ruça, Martinho a acusava:
“[Martinho dizia a ela:] – ‘Isso é racismo.’ Porque na ala das mumuilas [que será tratada no próximo capítulo] ele queria que misturasse com brancas! Eu dizia:- Não! Eu quero que as retratem.”
Entre o real e o teatral, este conflito parecia tangenciar aquele imbróglio.
A arte do carnaval deveria retratar fidedignamente a África? Ou isso deveria ser
mesclado a este país misturado, branco, negro e de toda cor na festa que
32
abraça todas as cores? As fotos que retratam esta ala de grande impacto na
Avenida revelam a esmagadora maioria de negras.
As tensões de origem e permanências do carnaval carioca em seu caldo
cultural afro descendente é muito bem discutido no trabalho de Gabriela
Cordeiro Buscácio, Enquanto se samba se luta também: o Granes Quilombo
nos anos 1970. Neste trabalho, a autora analisa o rompimento de Antônio
Candeia Filho com a escola de samba Portela por discordar de seus rumos no
carnaval. O afastamento daquela escola das práticas carnavalescas mais
tradicionais era para Candeia o liquidar da escola de samba. Numa leitura
atenta deste artigo, podemos ver que Candeia tem uma visão purista do
universo das escolas de samba. A antropóloga Maria Lucia Montes, em
trabalho já citado aqui, problematiza que o luxo dos desfiles carnavalescos
encontra bases nas sociedades africanas antepassadas que tinham nos
ornamentos excessivos seu signo específico. Por isso, a visão dos puristas do
espetáculo carnavalesco como algo cooptado, seria vista como uma armadilha.
A acusação do crescimento dos carnavais agregando a si o signo do luxo é
visto por Montes como uma (re)significação. A Vila Isabel de Kizomba se
localiza em um carnaval já sedimentado pelo signo comercial, principalmente
com a construção da Marquês de Sapucaí em 1984, mas a Vila Isabel fugiu
desse estereótipo do luxo que até carregou em anos anteriores.
O enredo Kizomba encontra profunda ligação com o momento histórico
no que os países africanos viviam seus processos de descolonização, em
alguns desses de forma tardia. Em especial, este enredo é ligado com Angola,
país que Martinho da Vila já freqüentava desde os anos de 1970, devido sua
carreira artística como cantor. Ruça me confessa que ia à Angola de duas a
três vezes ao ano.
“[...] Viemos com Kizomba, que nasceu na África, foi numa conversa com um poeta, romancista angolano chamado Manuel Rui Monteiro. E aí que desenvolvemos aquilo, fiz uma pesquisa lá... Fui no Arquivo Nacional, no Arquivo da Cidade, nos arquivos do Rio... Nas bibliotecas, e trouxe muito material de postal, de cartão postal de lá...”
Ruça esclarece que foi ela quem fez as pesquisas para o enredo, mas
quem o escreveu foi Martinho da Vila. Ela conta: “Quando nós chegamos ao
33
Brasil, eu fui dormir uma noite, na manhã seguinte Martinho tava com uma
sinopse do Kizomba!”.
1.4) A construção.
“O Miltinho era o nosso carnavalesco. Ele nos ouviu, desde 87, logo no início, ele ouviu tudo, foi desenhando... Ele fez tudo, o croqui da escola, todo! Ele fez os protótipos das fantasias, tudo dele! Tudo! Demonstrando toda a minha pesquisa. A pesquisa! A pesquisa não foi dele, a pesquisa foi minha. Mostrando tudo pra ele, ele foi entendendo... Ele entrou no clima da idéia... Ele comprou essa idéia! [...] E aí um dia ele ligou pra mim e me disse: ‘-Eu preciso falar com você!’ Protótipos prontos... ‘- Eu preciso falar com você!’ -‘Na sua casa?’ -‘É, aqui em casa’ Aí eu já sabia, alguma coisa me dizia, que ele estava com uma doença crônica. E aí a gente ia cuidar dele, dar carinho...”
Ruça nesse depoimento trata seu carnavalesco, Milton Siqueira no
diminutivo, num sinal extremo de carinho. Pelas conseqüências de sua doença
não poderia seguir no trabalho de construção do carnaval da Vila para 1988,
mas Ruça salienta que o mentor artístico daquele desfile foi “Miltinho”.
“O que é que vou fazer?” perguntava Ruça sobre os rumos da liderança
artística daquele carnaval. Para dar seqüência aos trabalhos iniciados por
Milton Siqueira, Ruça primeiro convida Ilvamar Magalhães.
“[...]o Ilvamar tinha trabalhado na Vila, a gente conhecia. Aí fui à casa de Ilvamar, falei tudo pra ele”.
Além de Ilvamar, foi trazido outro artista para dar prosseguimento aos
trabalhos.
“E o Paulo Cezar que foi importantíssimo, que eu fui buscar no Salgueiro, por sugestão de Martinho. Eu fui ao Salgueiro, eu fui abusada, tirei ele do Salgueiro. Logo no início, eu me lembro bem, ele disse: -‘Eu não posso sair [do Salgueiro] .’ Vim embora, e aí ele... Pouco tempo depois ele veio aqui, -‘Você ainda me quer, saí e agora estou à disposição?’ O cara foi importantíssimo!”
Na sinopse original datilografada e que se encontra no Centro de
Memória da LIESA dentro dos arquivos da Vila Isabel, está descrito, “Alegorias,
34
figurinos e adereços: Carnavalesco Milton Siqueira” e logo abaixo:
“Carnavalescos assistentes: Paulo Cezar Cardoso e Ilvamar Magalhães”.
O carnavalesco tem papel de mediação no processo (CAVALCANTI
1994: 59), pois ele determina a dimensão estética do espetáculo se propondo a
usar uma linguagem de valor universal para ser entendida durante o transcorrer
do evento. Segundo Cavalcanti, as alegorias carnavalescas podem emocionar
as mais diferentes camadas sociais, a cariocas, a brasileiros e a estrangeiros e
são uma forma extraordinária de arte popular (1994: 54).
Nilton Silva dos Santos no trabalho Estilo autoral e individualidade
artística: os carnavalescos no carnaval carioca presente no livre Carnavais em
múltiplos planos nos mostra que:
“A cidade do Rio de Janeiro tem, em suas escolas de samba, um importante ponto de convergência e sociabilidade de diversificada amplitude. No interior desse espaço de interação social, os carnavalescos, responsáveis pela concepção estética das escolas de samba, funcionam como mediadores privilegiados entre mundos socioculturais.” (2009: 153)
O carnavalesco entendido como “mediador” é o ponto nodal em que se
dá o desdobramento artístico do enredo. Nesse desfile da Vila, estes artistas
trabalharam com um cenário em que a concepção estética não poderia dar
vazão a grandes devaneios que pudessem onerar o desfile, uma vez que,
como já dito, o orçamento não era vasto. Ruça salientou em sua entrevista que
a “beleza do simples” era o foco estético daquele desfile e ia ao encontro da
disponibilidade orçamentária da escola.
Paralelamente à construção física de alegorias e fantasias no barracão
da escola, na quadra se dava a construção musical do espetáculo com a
disputa pelos compositores da escola pelo samba-enredo daquele ano.
Segundo Maria Laura Cavalcanti:
“A letra de um samba-enredo é elaborada a partir de um universo semântico e sintático pré-estabelecido na sinopse do enredo proposta pelos carnavalescos” [no caso de Kizomba, enredo feito não pelo carnavalesco, mas o autor do enredo Martinho da Vila] (1994: 97)
Ruça conta que a escolha de samba-enredo para o carnaval de 1988 foi
feita através de um júri com pessoas de “dentro” e de “fora” da escola. Essas
pessoas de fora eram eventualmente personalidades ligadas a música ou
personalidades de carnaval. Ela diz que se pudesse definir personalidade ela
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definiria Martinho da Vila como Martin Luther King e ela como Malcom X. Ela
conta que o samba que preferia, não foi o vencedor. Seu samba preferido era,
segundo ela, panfletário. Conta que chorou, como qualquer componente,
quando esse samba foi eliminado da disputa. Ruça continua:
“Todo mundo [achava] que o samba tinha que ser o do Luis, do Jonas e do Rodolfo. Todos os jurados. Todos... Porque nós mostramos, nós tivemos o trabalho de mostrar essas fitas ao juntarmos grupos de pessoas intelectuais, jornalistas de gente que entendia de samba pra ouvir. E todo mundo apontava esse. Esse samba que ganhou. E realmente ganhou.”
Durante a entrevista eu sugiro que uma parte do samba que conclamava
“Valeu Zumbi!” tinha se tornado uma marca. Ruça concorda e diz que o samba
foi abraçado pela escola e um sucesso na passarela.
Percebo que o significado do construir daquele carnaval era de luta.
Essa teoria hermenêutica da cultura em Clifford Geertz e sua matriz
webberiana, na busca constante pelo significado, me levam a ver este
momento da Vila como um instante em que significado e significante se
cruzam. Dentro da construção do carnaval do barracão, dentro da construção
de um carnaval na cabeça do sambista, o signo é a luta para ter a possibilidade
de vencer, enfim poder superar.
O significado do termo “Valeu Zumbi” cantado no samba-enredo era
direto para a interpretação feita pelos integrantes da Vila Isabel ao sentido
quase esgotante da construção daquele carnaval.
"... o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca das leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície." (GEERTZ,1989:15)
1.5) A exportação: do barracão à Marquês.
“E aí fomos tirar os carros à meia noite. Meia noite... Iá tirando e ia quebrando carro na porta do Pavilhão5. [...] E aí fomos descobrir que eram as porcas. Os parafusos, eles tiraram. Foi sabotagem dentro do barracão. Como é que os caras conseguiram entrar? Foi alguém de dentro do barracão? Eu nunca descobri quem... Aí nós fomos bater, eu fui bater... Eu
5 O Pavilhão de São Cristóvão era onde ficava a maioria dos barracões das escolas de samba à época.
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era muito louca. Pra descobrir o cara que trabalhava na loja de parafusos. Eram muitos... eram todos os carros... Não tinha imaginado que isso pudesse acontecer, não tinha ali de reserva. Aí tive que acordar o cara que trabalhava na loja, que morava aqui na comunidade. Não, mas aí se vira, onde mora o dono da loja? E vamos lá... E aí foi comigo. Sorte sabia. E aí com o dono da loja ‘Abre agora que eu preciso’. E ele foi lá, abriu me vendeu... E daí fomos lá consertamos...”
Ruça narra este episódio demonstrando dificuldades para se “colocar
esse carnaval na rua” e depois diz: “Teve boicote de tudo quanto é jeito!”. Com
os carros alegóricos finalmente na concentração de desfile ela conta que “E aí
desceu um monte de gente da comunidade pra tomar conta. E ninguém mais
chegou nem perto! E... Era guerra! Guerra!”.
“A proximidade do carnaval confere ao barracão o ritmo febril que o singulariza. No Rio de Janeiro, a esse caráter já socialmente febril, associa-se o verão tropical com seus extremos: o calor abrasador e as tempestades torrenciais. A tensão, e com ela a emoção chegam ao paroxismo dentro de um barracão.” (CAVALCANTI, 1994:134-135)
O barracão da Vila Isabel, segundo leitura de Martinho (1998: 223), ia
“nascendo” e não era apressado e tenso em sua diretriz. Ruça corrobora essa
visão com que ia me contando que ela, como dirigente máxima não
“pressionava” os trabalhadores do barracão. Era devagar e lenta a produção de
Kizomba, e por isso Martinho correlaciona isso com arte em oposição aos
outros barracões, que estavam mais ligados à produção e reprodução.
É típico dos responsáveis pela criação estética da escola de samba que
os carros sejam finalizados na concentração de desfile, num processo
conhecido como “arte final”, mas a Vila Isabel em 1988, “abusou” desse
recurso até mesmo como estratégia de mídia. Dizia Ruça: “Nós queríamos
pegar de surpresa mesmo... ‘Tadinha da Vila...’”.
Segundo ela, as pessoas passavam no barracão da Vila e viam aquela
pobreza propositada, como Ruça define, “o tosco”. O comentário geral durante
o ciclo carnavalesco de preparação era de que a Vila ia “se arrasar” e acabou
“arrasando”. O grande salto estético daquele carnaval era exatamente a
utilização da arte final.
Ruça conta que no barracão trabalhavam pessoas de histórico
importante na Vila como a família de um dos fundadores da escola.
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“Claro que eu botei gente da maior confiança no barracão! A família do China, todo mundo... Era a escola trabalhando... Era o pessoal que morava no Morro dos Macacos... Era, o China, foi fundador da escola, então eram as netas, as filhas... O pessoal dele!”
Maria Laura Cavalcanti ao estudar o processo de confecção de carros
alegóricos salienta que:
“A decoração de um carro alegórico devolve portanto ‘realidade’ a um ‘sonho’ de outra natureza: o desfile, coletivo e palpável em sua realização e fruição, culminância efêmera de um processo consumido em sua realização e obstinadamente reiniciado a cada ciclo anual.” (1994: 152)
O “ciclo anual” da Vila Isabel estava prestes a atingir o seu ponto
máximo, o desfile. Sirene, fogos de artifício e o esquenta da bateria eram as
vozes precursoras do espetáculo que estava na iminência de acontecer.
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CAPÍTULO II – AVENIDA
2.1) O thauma da Sapucaí.
“A verdadeira emoção foi tomando conta das arquibancadas cadeiras de pista, camarotes de tudo e de todos por onde passava a Kizomba de Martinho da Vila, da escola da terra de Noel. A gente começou a sentir uma estranha sensação, era como se aquelas pessoas que iam entrando na pista de desfile estivessem tocadas por alguma forma de magia.” (ALBUQUERQUE apud DA VILA, 1998: 249)
Entre os filósofos clássicos gregos Platão (na obra Teetto) e Aristóteles
(na obra Metafísica) é discutida a premissa básica para o exercício do ato de
filosofar; o thauma, ou em sua tradução livre, Admiração/Espanto. Para eles a
perplexidade diante o mundo eram molas geradoras da Filosofia, a fim da
busca pela sabedoria.
Dentro da minha hipótese deste desfile ter realizado um enredo
manifesto, penso que teria que haver uma postura de perplexidade para os que
assistiam ao espetáculo. Assim, aquele thauma seria transformado em emoção
carnavalizada sobre o manifesto que se apresentava em plena Sapucaí. Busco
tentar descobrir e entender a causa pela qual o público estava emocionado. O
espanto, a perplexidade foram marcas iniciais daquele desfile, como nos
mostra o jornalista João Luiz de Albuquerque.
Maria Laura Cavalcanti em seu estudo antropológico do desfile nos
mostra como é a entrada de uma escola de samba na avenida.
“Chegou o dia e aproxima-se a hora: a tensão e a ansiedade que precedem o desfile da escola de samba se revelam nos gritos nervosos e idas e vindas constantes dos diretores de harmonia.” (1994: 211)
Em específico sobre este desfile conta Ruça:
“Tinha corrido a escola toda, tentando armar a escola, com a harmonia. E a escola não se armava na concentração. Impressionante... Eu não sei como ela entrou armada. Ela entrou armada direitinho. Milagre! Milagre! E eu sei lá... é uma das coisas que eu não sei explicar... Porque eu dizia assim: ‘Caramba, não vamos conseguir’. [...] Caramba! ‘Olha, cinco minutos pra entrar... Vai entrar, vai entrar, vai entrar...’ E aí seja o que deus quiser... Tem alegoria, tem baiana, tem bateria, tem mestre sala e porta bandeira... A escola taí... O resto... E entraram direitinho, perfeito, impressionante.”
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Visto que a Vila Isabel ao pisar na pista de desfile, já causava frisson no
público, Ruça descreve com detalhes o momento em que durante o desfile
começou a entender que a sua grande aposta, de ganhar ou perder daquele
ano, tinha dado certo.
“Quando a escola entrou mesmo, eu no meio dela andando e vendo, olhando o povo e vendo o povo chorar. E componente chorando. E aí até que vi a imprensa andado no meio chorando. Quando eu vi um jornalista homem chorando dentro da avenida. Eu já estava arrasada, falei assim: - ‘Acabei com a escola, fiz uma ‘M’ da minha escola. Tá todo mundo com pena, chorando de pena da Vila Isabel...’ E aí eu peguei o jornalista assim pela camisa, e falei: - ‘Tá chorando fala! Tá chorando porque?’ Aí ele não conseguia falar...- ‘Ruça, Ruça...’ Aí eu o sacudia: - ‘Fala porra! O que é isso? Tá tão ruim assim? Eu acabei com a minha escola?’Aí ele disse assim: - ‘Não Ruça! Não ta vendo o povo ta chorando...’Eu: - ‘Mas de que porra? Tá tão ruim?’Aí ele: - ‘Não, de emoção. De Emoção Ruça! Tá lindo que isso!’ Eu: - ‘Ah, então fora! E sai de dentro da escola que você ta atrapalhando!’”
Em minha vivência de alguns desfiles na Avenida percebo que é difícil o
componente ter real noção do que ele está participando porque seu espaço de
atuação é restrito à sua ala e não se tem noção da desenvoltura do conjunto da
escola. É algo próximo de uma anestesia do real. Ruça concorda dizendo que
na avenida você não tem noção do que está fazendo. Completa:
“Não dá pra ter noção! Primeiro que você não vê as outras [escolas], então você não sabe o que passou... E eu sabia que iam passar com luxo, riqueza. E nós não. Nós com as coisas toscas, com a África, com a palha, com os búzios... Sem brilho né? Mas com o brilho da verdade, da garra, da força dos povos africanos e do povo brasileiro. Pronto, isso com certeza!”
Ruça foi aos poucos percebendo que, o público foi “comprando” a idéia
daquele desfile e entendendo o que estava sendo apresentado ali. Analimar
Ventapane em sua entrevista disse que, com a sua experiência de desfile e no
papel de dirigente da última ala que encerrou o desfile da escola:
“Eu me lembro que eu olhava a passarela do samba... E eu já tinha desfilado lá várias vezes. E todo mundo cantava... E todo mundo fazia assim, ‘Vamos juntos. Estamos Juntos, vai, vai!’. Não era ‘Já ganhou’, ‘linda’. Era o enredo! As pessoas foram imbuídas pelo enredo.”
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A antropologia dos estudos carnavalescos pode nos ajudar a
compreender estes momentos narrados, segundo Cavalcanti:
“Numa apresentação bem-sucedida, a distinção entre espectadores e brincantes torna-se, senão totalmente abolida, muito diminuída. Do ponto de vista do brincante, integrante da narrativa, cantar e dançar fantasiado numa ala é também ser visto e admirado, e isso é parte da brincadeira. Do ponto de vista do espectador, aquele para quem o enredo é "contado", ver e admirar são atividades que acompanham o cantar e o dançar. Em muitos momentos, o espectador torna-se um brincante que não apenas saúda a passagem da escola mas que se une efetivamente a ela, como um participante especial. É muito comum um desfilante voltar para as arquibancadas após a passagem de sua escola para usufruir como espectador/brincante o desfile das outras escolas.” (2002: 50)
2.2) Os guerreiros descalços, as mumuilas 6 e os carnavalizados.
“-‘Aí, um desastre!’-‘Qual foi o desastre?’ ‘É... Não tem... Não chegaram os sapatos da comissão de frente!’Eu botei a mão na cabeça. Os sapatos da comissão de frente! Meu deus, não chegaram os sapatos da comissão de frente! Que eram uma coisa bem rústica... Um solado com uma coisa trançada... Enfim, o responsável disse assim:-‘Ruça, eu não vou mentir pra você’ Eu: - ‘Não, calma, vai chegar!’ Ele: - ‘Não vou mentir pra você. Eu esqueci de mandar fazer!’ Eu falei: - ‘Ah é? Ah é o que? Vocês já foram à África? Ninguém aqui já foi! Eu nunca vi negão lá nos kimbos – são kimbos né, eles chamam de kimbos, as aldeias – Nunca vi ninguém no kimbo de calçado! É tudo descalço pô! Onde já se viu sapato na comissão de frente representando guerreiro africano? É de pé no chão, pô!’”
Assim Ruça descreve como resolveu o problema da falta dos calçados
da Comissão de Frente no dia do desfile. Segundo o regulamento todo
componente deveria vir calçado e eu a indago se aquilo não deveria fazer a
escola perder pontos. E ela me responde que naquele desfile as regras “não
valeram”, o que “valeu” foi a verdade do que se estava passando na avenida.
Ela completa: “Rapaz, eles personificaram os guerreiros, eles entraram...
Descalços!”
Vemos nesta passagem o que os antropólogos que estudam carnaval
denominam de o “efeito simbólico”, a fantasia sendo personificada pelo
6 Mumuilas é um povo do interior de Angola.
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componente da escola de samba. Neste caso, isso acontece através de um
discurso da presidente da escola.
Outra personificação realizada pela Vila Isabel foi realizada na ala das
mumuilas. Os Mumuilas são um povo da região interior de Angola que vivem
principalmente da criação de gado; a peculiaridade de sua cultura artesanal os
levou a serem representados em Kizomba. No caso, a ala fazia uma
homenagem às mulheres mumuilas, e a composição de suas vestes eram com
seios desnudos. Ruça me contou que foi “difícil” convencer os maridos e pais
daquelas mulheres a desfilarem na ala.
A respeito das personificações, João Luiz de Albuquerque salienta a
análise já centrada na figura de Martinho e no poder das religiões afro-
brasileiras:
“Só podia ser coisa dos orixás que chegaram por estas praias no dia em que o primeiro navio negreiro aportou. Até quem não acredita nestas coisas, como eu, podia jurar pelo que fosse. Mas a verdade é que, ali na pista, dava pra ver, dava pra sentir: em pleno Rio aquelas pessoas desfilando pela Vila Isabel tinham deixado de existir. Não eram mais elas mesmas, e sim os personagens do enredo nascido e criado pelo talento de Martinho da Vila.” (ALBUQUERQUE apud DA VILA, 1998: 249)
Completa o jornalista: “Rainhas e reis tomaram o corpo e a mente de
moradores do morro dos Macacos”. Lembra ainda que desfilaram
personalidades da negritude como Zezé Motta e Antônio Pitanga.
O “efeito simbólico” trazia a noção de luta para os componentes. Maria
Helena Dutra (apud DA VILA, 1998: 239) descreveu que enquanto a escola se
concentrava, Martinho da Vila pedia que todos os seus componentes fossem
guerreiros por uma noite.
Com a negativa de desfile das “alas brancas” da Vila Isabel, como
narrado por Ruça e descrito no capítulo anterior, novos contingentes
assumiram o status de desfilantes naquele carnaval, que aqui os denomino de
carnavalizados. Estes carnavalizados eram pessoas ligadas à cultura afro-
brasileira, não somente no Rio de Janeiro, mas como também em todo o país e
até da África7. É ressaltado na sinopse de enredo que “grupos folclóricos
brasileiros de outros Estados que participaram das Kizombas, também estarão
representados” (DA VILA, 1988). Ruça narra:
7 Alguns angolanos próximos a Ruça e Martinho desfilaram na Vila Isabel.
42
“Eu, eu convidei os blocos... Os grupos afros, por exemplo... Aqui no Rio, os Filhos de Dan, os filhos de Gandhi. Cada um com a sua roupa mesmo, no carnaval daquele ano! Da Bahia trouxe o Ileaê, o Olodum... Veio todo mundo!”
Analimar ressalta a vinda de grupos da Congada do Espírito Santo para
o desfile:
“A Congada do Espírito Santo, o pessoal do Espírito Santo era o pessoal do interior! Não é a nata do Espírito Santo que desfilou! Não! Foi um grupo que veio do interior que nunca tinha desfilado na vida. E que nunca tinha estado na passarela do samba. E no Espírito Santo tem carnaval. A Congada do Espírito Santo que veio!”
É marcado nas falas que estes grupos de origem afro-brasileira
desfilaram com suas roupas, ou seja, a escola não produziu fantasia alguma
para eles. Salientou Analimar que: “A Congada veio de Congada! O Ilê veio de
Ilê”.
Notamos aí o caráter de inclusão que permeava este desfile, ou como o
sinônimo de Kizomba nos alerta; um grande encontro. Estes grupos foram
carnavalizados naquele desfile para dar corpo ao manifesto que foi
apresentado na Marquês de Sapucaí.
2.3) Valeu Zumbi!
“Zumbi pra mim assim, é o grande herói da História do Brasil. Porque ele abrigou no seu Quilombo não só os negros, mas os brancos e os índios fugidos do poder constituído na época. Então era uma democracia.”
Assim Ruça define a figura histórica de Zumbi como símbolo em sua
narrativa na qual construía um grande apreço pela democracia. Segundo ela:
“ele [durante o desfile] foi mostrado como um símbolo de luta pela liberdade, o
foco era esse, a luta pela liberdade”. Isso se ligava às idéias de combate ao
Apartheid e de democracia racial e política, segundo Ruça. Martinho da Vila
escreveu na sinopse de enredo sobre essa democracia: “A miscigenação ficará
marcada com a apresentação de um quadro denominado KILOMBO UMA
DEMOCRACIA RACIAL, onde negros, brancos, índios, caboclos e mestiços,
em geral, estarão irmanados em desfile” (1988).
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João José Reis e Eduardo Silva (1989) ao pesquisarem a resistência
negra no Brasil escravista identificam que uma parcela da historiografia até
então, reproduzia a imagem mitificada e polarizada entre um cativo submisso
(semelhante à figura de Pai João) e de um cativo rebelde (semelhante a figura
de Zumbi). Os autores localizam o escravo “entre Zumbi e Pai João” dando a
noção de um escravo que negocia. Porém a imagem que a Vila Isabel realizou
naquele desfile polarizava Zumbi como rebelde, já que esta era a imagem mais
interessante para os fins do manifesto.
É importante notarmos que o campo da memória é um lugar de disputa
política pelo uso do passado. Duas datas do ano polarizam as festividades em
torno das lutas políticas dos negros: 13 de Maio e 20 de Novembro. 13 de Maio
é a data que marca oficialmente o fim da escravidão no Brasil, com a
assinatura da Lei Áurea em 1888. 20 de Novembro marca a data em que
Zumbi foi morto, após liderar a luta quilombola no ano de 1695. A segunda data
é denominada como o Dia Nacional da Consciência Negra e nos mostra uma
apropriação da memória da história afro-brasileira no sentido de luta. Michel
Pollak nos alerta para essas disputas em torno da memória nacional.
“Quando se procura enquadrar a memória nacional por meio de datas oficialmente selecionadas para as festas nacionais, há muitas vezes problemas de luta política. A memória organizadíssima, que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e são comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados na memória de um povo (1992: 204)
Mariza de Carvalho Soares (1999) ao analisar a construção do
monumento à Zumbi nas cercanias da Marquês de Sapucaí, nos mostra que
ele, na grande imprensa, já aparece como um monumento da raça e associado
ao carnaval (:119). Soares salienta as ligações de Martinho da Vila e a figura
simbólica de Zumbi desde 1984 e a respectiva cobertura da grande imprensa:
“Nesta data [20 de Novembro] é comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra com o ‘Kizomba’, um grande show organizado pelo compositor negro Martinho da Vila, na Praça da Apoteose. Na ocasião, a revista Isto É publica uma reportagem sob a rubrica ‘negritude’ com o seguinte título: ‘No brilho da cor. Festas no Rio e São Paulo celebram Zumbi’”. (SOARES, 1999: 119)
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A primeira citação do samba-enredo é exatamente “Valeu Zumbi”, que
se compara a um agradecimento e uma saudação. É interessante notar que
não se pretende contar a figura histórica de Zumbi, mas trazê-lo como símbolo
para o desfile enquanto manifesto. A parte inicial do samba-enredo demonstra
isso muito bem:
“Valeu, ZumbiO grito forte dos PalmaresQue correu terra, céus e maresInfluenciando a aboliçãoZumbi, valeuHoje a Vila é Kizomba”
Segundo o samba, o brado de Zumbi estabelece influência sobre a
abolição, que neste caso tem sentido lato, incluída a discussão da condição do
negro na sociedade naquele ano de centenário da abolição. A construção de
Zumbi enquanto símbolo nos remete a uma noção de memória coletiva
emergida no contexto latente de discussão no movimento negro nos anos de
1980.
“À priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. [...] A memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.” (POLLAK, 1992: 201).
A memória coletiva permeava o desfile desde sua idealização. A Vila
Isabel se utilizava de lógicas africanas e afro-brasileiras para transpassar seu
enredo com clareza. Estabelecendo elos entre baluartes da escola de samba e
um líderes sábios de tribos africanas a Vila Isabel trouxe em seu abre-alas,
Paulo Brazão, um dos fundadores da escola representado um Soba, o grande
chefe.
2.4) O banquete.
“Que magiaReza, ajeum8 e orixásTem a força da culturaTem a arte e a bravuraE um bom jogo de cinturaFaz valer seus ideais
8 Ajeum no léxico do Candomblé significa banquete.
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E a beleza pura dosseus rituais”
Assim cantava parte do samba-enredo da Vila Isabel em seu ritual,
antropológico de desfile e como disse a mim Analimar um “ritual espiritual”.
Clifford Geertz (1989) estuda a noção de ritual no capítulo A religião como
sistema cultural, como sendo comportamento do sagrado numa chave
interpretativa durkheimiana. Então é operada a fusão do mundo vivido e do
mundo imaginado, transformando o sentido de realidade. Este sistema está
fortemente ligado ao significado dos símbolos. A Vila Isabel apresentava um
enredo em que se tocava na religiosidade afro-brasileira – como parte da
Kizomba - e, portanto este prisma deve ser objeto de análise.
Na entrevista, Ruça me conta sobre os elos entre religiosidade afro-
brasileira e aquele desfile, numa sociedade matizada pelo preconceito velado
contra as práticas culturais de origem africana. Ela me confessa após a
entrevista em um encontro posterior, que esta questão foi a mim confidenciada
naquela entrevista num contexto de pesquisa, já que este trabalho pretende
analisar o desfile em suas dimensões totais. Portanto, esta noção religiosa está
na esfera do “indizível”. Ao narrar esses elos se afirma como “do Candomblé” e
diz: “Por quê esconder essa parte da nossa religiosidade?”. Essa passagem do
“indizível” ao “dizível” é trabalhada por Maria Isaura Pereira de Queiroz:
“Ainda que o subjetivo seja entendido como as sensações intraduzíveis, é próprio do indivíduo tentar compreendê-las primeiramente, e transmitir aos outros o que compreendeu; porém ao fazê-lo forçosamente utiliza mecanismos que tem à sua disposição e que lhe foram dados pela família, pelo grupo, pela sociedade. A história de vida pode tentar desvendar o ponto em que características destas coletividades se juntam às sensações cenestésicas, buscando a interação entre ambas, e esclarecendo quais os instrumentos sociais utilizados para a tradução.” (QUEIROZ, 1987: 285)
As tensões sociais em torno da religião levam com que minha
entrevistada traduzisse na chave de leitura da religião aquele desfile:
“[..]Primeiro eu tava falando dos meus antepassados. A África... Meus antepassados! Então eu não podia falar num enredo desse na Avenida sem alimentar os antepassados e nós chamamos de eguns. Então foram feitas oferendas antes sim, antes de ir pra Avenida. E pra todos os orixás... Nós levamos um carro com os orixás. Então todos receberam sua oferenda... E nós pedimos permissão pra levarmos esse enredo pra Avenida. Pedimos ao astral essa permissão.”
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A cosmologia do Candomblé está imbricada no caráter de sustento e na
simbologia dos animais, principalmente em seu símbolo focal, a galinha
d’angola (VOGEL; MELLO; BARROS, 2007). A partir daí podemos entender o
porquê daquele desfile ter que alimentar os orixás. O ritual carnavalesco
parece entrecruzar o ritual religioso. Ruça continua:
“Tanto que na concentração da escola, montando a arte final, começou a chover, eu me ajoelhei no chão. Eu falei ‘se chover vai acabar com a escola’. Eu me ajoelhei e saudei Tempo, é um orixá de Angola, da nação de Angola. E falei com ele se eu merecer ‘sou sua filha’. Se eu merecer, bem, deixar cair a água em cima da minha escola. Mas se eu não merecer pára como essa água agora. Deixa minha escola passar! E aí parou de chover! Não choveu mais até a Vila terminar... Quando a Mangueira entrou na Avenida desabou o aguaceiro! Coincidência? Eu não acho! Coincidência pra mim não existe. Eu acho que foi o meu pedido. [...] Tanto sacrifício que todos nós tivemos e aí uma chuva vai acabar com todo o trabalho? É cruel demais! Mas ia acabar mesmo, porque era tudo muito frágil.”
A narrativa de Ruça contempla a noção de sacrifício, que segundo Arno
Voguel, Marco Mello e José de Barros (2007), é a pedra angular da piedade
afro-brasileira. Sacrifício esse feito por Ruça ao se ajoelhar no chão num gesto
comum aos rituais religiosos.
O carro alegórico que representava um banquete encerrava o desfile. Ao
mesmo tempo em era uma alegoria, aquele carro era também uma mesa
repleta de comida que ia alimentando os desfilantes mais próximos. As
comidas preparadas naquele carro alegórico foram preparadas por Dona
Filomena, a quem Ruça identifica com muito apreço como “cozinheira oficial”
da Vila Isabel. A lógica afro-brasileira de compartilhamento, inclusive e
principalmente do alimento se fazia extremamente presente na representação
da alegoria do banquete, ou nas palavras do samba de enredo, do ajeum.
Aproximava-se a Praça da Apoteose e com ela o fim da Avenida, a
dispersão. É sobre esse momento que Ruça narra, que depois do desfile ouviu
dizer que aconteceu ali um fato curioso: uma madame desceu para a dispersão
para comer das comidas do carro alegórico do banquete. E como se isso não
fosse inusitado o bastante, ela ainda conta que a madame disputou aos tapas
as comidas com um mendigo. Michel Pollak (1992: 201) salienta que elementos
constitutivos da memória individual e coletiva podem ser acontecimentos
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vividos pessoalmente ou por vividos por tabela, como é o caso de minha
entrevistada.
O jornalista Sérgio Cabral narra, à época, de onde partia a disposição
de luta e partilha dos componentes para os leitores do Jornal O Dia:
“E desejo ressaltar que contribuiu para essa disposição dos componentes a conduta exemplar do casal Ruça e Martinho da Vila. Até o momento em que a escola chegou à concentração, eles foram guerreiros. Dali em diante, foram nobres. Não os vi berrando aflitos durante o desfile, como fazem os dirigentes mais tensos. Pelo contrário; quando os pude ver (e esses momentos foram raros, porque ambos foram discretos o tempo todo), transmitiam segurança e tranqüilidade. Pareciam convencidos de que acabavam de liderar um trabalho para que a Vila fizesse um desfile histórico, o que de fato aconteceu.” (CABRAL apud DA VILA, 1998: 239)
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CAPÍTULO III – APOTEOSE
3.1) “A Vila sai da Avenida para entrar na História”
“A Vila quase chegando na Apoteose e fiquei matutando duas coisas. A gente podia mandar Martinho e Ruça, com a Vila Isabel e tudo, lá para o sul da África a fim de dar uma mãozinha ao Desmond Tutu. Ia ser o maior adianto. Depois imaginei como o Brasil e todos nós que aqui nascemos seríamos irremediavelmente mais tristes, infelizes e pobres se um dia – ainda que forçados – os negros não tivessem vindo pra cá. E por aqui ficar.” (ALBUQUERQUE apud DA VILA, 1998: 250)
Sob o título de A Vila sai da Avenida para entrar na História, o jornalista
João Luiz de Albuquerque fez correlação entre o manifesto negro ocorrido por
meio da Vila Isabel e as lutas nacionais africanas, onde localizou “História”. A
respeito do objeto da história e sua natureza, destaco a citação abaixo de Marc
Bloch por julgar que exprime em definição da disciplina História:
“Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou máquinas,] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça.” (2002: 54)
Durante a pesquisa deste trabalho me deparei com o sentido humano,
as vozes são de homens e posso, portanto, entender que o jornalista mesmo
sem ser um historiador, tenha localizado aquele evento na “História”. A citação
de ALBUQUERQUE ainda elucida os líderes da Kizomba e os transporta
ludicamente para o sul do continente africano, lugar em que segundo Ruça,
partiu a idéia do enredo na luta contra o Apartheid. O jornalista segue em seu
discurso utilizando-se da história para contar o desfile:
“Na madrugada daquela terça-feira de carnaval, a sabedoria da raça negra nos deu algumas boas lições. Usando apenas suas cores tradicionais, suas roupas, enfeites de belíssima simplicidade, ignorou plumas artificiais, pedrarias em excesso,
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falsos brilhos dos paetês, e fez o carnaval mais bonito de 1988. Como a princesa Isabel, há 100 anos, deu um irretocável exemplo de amor e integração racial: de igual para igual, acolheu a raça branca no seu meio. Juntas, fizeram um inesquecível carnaval. Mostrou que, quando quer, a raça negra tem a força de mil revoluções. Pacíficas até porque, depois dessa Kizomba, o desfile das escolas de samba nunca mais será o mesmo.” (ALBUQUERQUE apud DA VILA, 1998: 249-250)
Ignorando as vicissitudes do processo abolicionista brasileiro
empreendido na segunda metade do século XIX, ao engrandecer a narrativa da
festa o jornalista olvida os paradigmas raciais envolvidos até mesmo naquele
desfile e torna o desfile da Kizomba como um marco dentro da história dos
desfiles. O que de fato é discutido por Martinho ao analisar o carnaval do ano
seguinte, 1989, um ano de outro centenário, o da proclamação da República:
“Empenhamos até a alma nos preparando para fazer um desfile de supercampeã, com banquete popular e tudo mais que mudou a cabeça e o discurso do Joãozinho Trinta, levando-o a trocar, no ano seguinte, o luxo reluzente pelo lixo deslumbrante.” (DA VILA, 1998: 248)
Com esta passagem, Martinho da Vila coloca a possibilidade do desfile
da Vila Isabel em 1988 ter influenciado o desfile da Beija-Flor de Nilópolis em
1989, cuja estética contrastava luxo e lixo. Não é meu objetivo aqui, discutir até
que ponto a Kizomba influenciou outros desfiles, porém pontuo que, segundo
as narrativas colhidas, este desfile teve grande importância e marcou a história
dos desfiles de escolas de samba e nas memórias por eles construídos.
3.2) A campeã popular e do júri.
“Quando eu saí, o povo lá da dispersão tava olhando na rua, tinha as barracas com as televisõezinhas. E eu dizia assim: ‘Ué, é campeã?’... E todo mundo me saudando, ‘É Campeã! A Vila é Campeã!’. E foi a campeã do povo! E saiu no dia seguinte no jornal ‘Povo aclama Vila Isabel como campeã!’ Campeã do povo! Vila Isabel como campeã do povo e tal! Aí eu falei: ‘Ah então o negócio ta bom!’. Ganhei o carnaval, né... Ganhei, pois se o povo gostou...”
Ruça nessa narrativa imprime ainda a surpresa com o desfile que tinha
acabado de liderar. Ser a campeã popular era consagrador, segundo sua
construção de auto-imagem ligada à esquerda política em confluência ao gosto
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popular em oposição às elites dominantes. As elites dominantes daquele
contexto eram os mandatários da Liga Independente das Escolas de Samba
(LIESA). Dizia ela que estava satisfeita, pois até a “quarta-feira de cinzas”, ou
seja, até o julgamento oficial ela seria a campeã. Completa: “eu não imaginava
que fosse ganhar pelo julgamento, pelo júri oficial... Não esperava mesmo,
porque tinha a Liga contra”.
Com a fundação da LIESA em 1984, os contraventores haviam se
tornado oficialmente presidentes de uma entidade legal, ratificando seu
controle sobre as escolas de samba (CHINELLI & SILVA apud SANTOS, 2006:
136). Apesar de comandar uma escola de samba que até o ano anterior havia
sido presidida pelo articulador da LIESA, Capitão Guimarães, Ruça estava fora
da esfera da contravenção, tão comum nas escolas que freqüentavam os
primeiros lugares. A partir daí, podemos compreender a falta de crença da
presidente no título oficial apesar do aclame do povo. Dizia ela que comunicava
aos meios de imprensa, pouco antes do carnaval, que acreditava na lisura do
julgamento, apesar de desconfiar do contrário. Ainda com apelo popular e
midiático, o campeonato oficial em sua perspectiva seria uma surpresa.
“Às 15 horas o Maracanãzinho já estava lotado. A maioria da torcida era de mangueirenses e de vilaisabelenses, os dois mais cotados. Até aí eu estava calmo. Só fiquei nervoso quando a Ruça saiu com seu garboso uniforme do grupo Kizomba. Estava linda e serena. Parecia uma rainha africana, apesar de sua pele branca. Sei que ela estava nervosa, mas não transparecia. Dei-lhe um doce beijo e as recomendações: ‘-Vai, presidenta! Cuidado com a imprensa. Eles vão te infernizar muito. Tenha a calma dos grandes líderes. ’Eu estava preocupado com ela. É pavio curto, língua solta. Depois eu soube que quando ela adentrou o Maracanãzinho, foi ovacionada por todas as torcidas. Beija-Flor, Portela, Mocidade e inclusive Mangueira, que estava no páreo. Com algum atraso, começou a abertura dos envelopes e iniciou-se a contagem dos pontos dados pelo grande júri que iria dizer quem foi a grande campeã, indo pros anais com o cobiçado título de supercampeã do centenário da abolição dos escravos. Na sala lá de casa, no Grajaú, um aparelho televisor mostrava a transmissão do resultado pra nossa gente muito nervosa, inclusive o jornalista Gonçalves, vilaisabelense fanático. Todos de canetas e papel nas mãos e coração nas bocas. [...]Eu não gosto de acompanhar a contagem quando estamos no páreo pra campeão ou quando desfilamos mal e corremos risco de descer. Geralmente vou pra algum lugar sem rádio, alheio aos acontecimentos. Desta vez fiquei em casa, mas me
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tranquei no quarto, no andar de cima. Joguei paciência. Dormi de nervoso. Igualzinho como quando estou num avião e ele começa a balançar. Por incrível que pareça, fecho os olhos e durmo, acreditem se quiserem. [...] dormia a sono solto em dia tão tenso, quando o Tunico [seu filho] bateu à porta do meu quarto. Dei de cara com ele de olhos arregalados. ‘-Pai estamos na frente!’‘-Falta muito?’ ‘-Só um envelope e estou que não agüento. Vou ter um troço. Quero ficar aqui com você. A Beija-Flor também ameaça, mas ou vai dar nós ou a Manga.’Dei um pulo e fomos pra sala. Todo mundo tenso. Lembro-me bem de um angolano filho do Mestre Geraldo que desfilou conosco, acompanhando as notas com as mãos na testa e a cabeça entre as pernas, concentrando para ouvir o resultado, mas sem coragem de olhar pra telinha. O Pedro Paulo Cara de Cão me deu uma cerveja e enchi o copo de espuma, entornando o precioso líquido mais fora do que dentro. Todas as mãos estavam trêmulas como as minhas. Foi lida uma nota desfavorável da escola de Nilópolis, fundada pelo Cabana, que comemoramos com um grito em uníssono e voltamos imediatamente pro silêncio total. Vai ser anunciado o ponto decisivo. Respirações ofegantes. Deu Vila. Gritos e abraços. Todo mundo pulando. A casa parece balançar. Tunico desmaiou. Pensei que era palhaçada dele, mas entro na dança dando um pulo em cima dele caído no chão. Ih! O bichinho estava mole, apagado mesmo. Dei-lhe uns sacodes e água com açúcar. Só então fui ver pela tevê a festa da turma de Noel Rosa no Maracanãzinho. Me lembrei de antigos fundadores e outros batalhadores que morreram sem viver este momento e os imaginei abraçados e chorando lá no céu, comemorando com Noel e, em pleno carnaval, fiz o sinal-da-cruz, agradecido.” (DA VILA, 1998: 241-243)
Os jornais destacavam que após 42 anos de fundação da escola de
samba era alcançado o primeiro título no grupo principal. Na narrativa de
Martinho da Vila podemos observar que no fim do trecho citado, ele estabelece
um encontro com membros fundadores da escola de samba e do bairro
naquele momento de vitória. Assim neste momento de congraçamento, posso
observar a noção de cultura para Marshall Sahlins, que é justamente a
organização da situação atual em termos do passado (1990: 192).
Para a surpresa de Ruça, a Vila Isabel também foi campeã do júri.
Relatava a revista Fatos & Fotos:
“Um título que tocou fundo na alma da cidade e que fez Ruça, a presidente da agremiação, perder a voz e misturar riso e choro quando carregada pela multidão enlouquecida com a vitória” (apud DA VILA, 1998: 245)
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Era a primeira vez que uma presidente mulher conquistava o título máximo do
carnaval carioca9. Durante a narrativa do desfile da escola, Ruça me dizia que era
preciso mostrar que uma mulher era capaz de vencer. Neste pensamento ela marca a
cisão de gênero ainda existente entre os dirigentes do carnaval carioca à época:
“houve muito machismo, não da parte da imprensa de alguns homens do
samba, não de compositores e componentes, mas presidentes, figuras alheias
ao samba”. Essas “figuras alheias” são por sua vez, os sambeiros, que no
estudo antropológico de LEOPOLDI, podem fazer parte da organização formal
do carnaval, mas não se identificam com as práticas dos sambistas (2010:
147). Deduzo que uma prática de sambista que está implícita na fala de Ruça é
a não discriminação da mulher.
“‘Kizomba, festa da raça’ não foi, afinal, nenhuma novidade. Nada menos que quatro escolas decidiram homenagear o negro no ano do Centenário da Abolição. Só que a Vila pôs o negro no chão e nos carros, cantou com o coração. Um enredo que marcou uma festa de esperança e vitória e que se transformou em realidade no empolgante desfile da segunda-feira histórica, em que pediam um apelo à paz entre as raças” (FATOS & FOTOS apud DA VILA, 1998: 245)
Aquela vitória também guardava o desfecho ideal para aquele manifesto;
além de tocar o público, o desfile como manifesto conquistou o júri oficial.
“Falar de África” como me dizia Ruça, construía um sentimento de
pertencimento com aquele passado, sentimento entendido pelo público e júri
por conta da consagração da escola. Michel Pollak lembra que certos grupos
europeus com origem em antigas colônias na África têm uma memória de
herança familiar tão forte que são transformadas em sentimento de
pertencimento.
“Locais muito longínquos, fora do espaço-tempo da vida de uma pessoa, podem constituir lugar importante para a memória do grupo, e por conseguinte da própria pessoa, seja por tabela, seja por pertencimento a esse grupo” (POLLAK, 1992: 202)
Haroldo Costa em comentário sobre o desfile no Jornal O Dia (apud DA
VILA, 1998: 245-247) dizia que a Kizomba tinha sido uma “festa ecumênica
dando uma lição de africania à brasileira a todos”. Comparando a Vila Isabel
daquele ano com um quilombo carnavalesco, o sambista completava:
9 Na própria Vila Isabel, Pildes Pereira já havia sido presidente nos anos de 1970.
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“É de se esperar que, agora, embalada por esta vitória, a Vila consiga a sua sede, que lhe foi retirada e fez com que ela se tornasse um quilombo na 28 de Setembro [local de ensaios]. Valeu, povo de Vila Isabel. Foi a compreensão da importância do enredo que motivou os moradores da Vila a cerrar fileiras em torno de sua escola, que é o bem cultural comum a todos”. (apud DA VILA, 1998: 247)
3.3) A festa no Boulevard .
“Na história das vitórias nunca houve uma comemoração como a nossa. A 28 de Setembro [avenida principal do bairro] ficou toda ocupada, lotada, cheia transbordando de gente de toda cidade. Parecia que o Rio todo foi para Vila Isabel e se bebeu a noite inteira sem confusão nenhuma no meio de uma zorra da porra (...). A Vila era como um país que ganhou a guerra. Era o 14 de Julho na França, o 11 de novembro em Angola, o outubro de 1917 na Rússia, o dia dos cravos vermelhos de Portugal, ou o Brasil no tricampeonato de 70.” (DA VILA, 1998: 247)
No trecho Martinho da Vila se apropria do termo guerra para aludir que a
batalha estava vencida. É interessante notarmos que o carnaval como festa
sem compromisso perde o sentido com essa fala. O carnaval mais se aproxima
ao caráter da subversão pelo riso, em análise cunhada por Rachel Soihet
(1998), em que se tem uma razão social e por vezes política para a festa. É o
embate, ou nas palavras de Martinho da Vila, guerra. Também é oportuno
notarmos que essa palavra foi usada por Ruça ao narrar o episódio da
sabotagem aos carros alegóricos da escola no barracão. A competição em alto
nível tornava a disputa pelo campeonato das escolas de elite numa guerra a se
vencer.
“Cumprindo uma promessa feita no samba Sempre Sonhar, fui lá para os Macacos [morro dos] e o pessoal berrava o ‘Valeu Zumbi’ ao som da bateria, emocionado. Subindo a ladeira do jardim, em direção ao Terreirinho, foi chegando um bloco enorme de pivetes, com a molecada batendo em latas, balde, panela velha, bacia e não sei mais o quê, em alegre farra. Fui pra casa da Filomena, mulher do Mauro, que fica em posição estratégica, e lá do muro fiquei olhando a alegria.Como é bom ver o povo feliz...” (DA VILA, 1998: 244)
Seguindo a promessa feita no samba em parceria com Ruy Quaresma,
Martinho da Vila narrava a realização da música que tem por letra:
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“Quando o sonho acontecerE todo o morro descerNuma tremenda euforiaEu, vou tentar me segurarPra não gritar, nem chorarE nem cair na orgiaVou, subir o morro sozinhoOlhar o céu de pertinhoE procurar a estrelaOnde estão a Gilda pretinhaO seu Eurico e o BiricaPrimeiro compositorVou rezar pro seu ChinaO velho sonhadorQue criou a tal Vila bonita que me encantouE quando a estrela sumirO dia amanhecerQuero encontrar a PetiPra com a Gilda branquinhaIr bater nas tendinhasSó então vou cantarVou beber vou comemorar”
O compositor constrói sua narrativa em torno de personagens
importantes e fundadores da Vila Isabel, que à época estavam vivos ou não.
Sendo a memória um fenômeno construído (POLLAK, 1992: 204), podemos
notar que a construção de Martinho da Vila é sedimentada na história da Vila
Isabel e do bairro. Isso parece legitimar seu papel de liderança da comunidade,
fincando os pilares do seu discurso na historicidade dessa comunidade.
“Em pouco tempo o morro ficou apinhado de gente de todo o canto, invadido por uma infinidade de repórteres, dezenas de máquinas fotográficas, muitas câmaras de televisão, tudo numa alegria contagiante que teve seu clímax com o carro do chope chegando junto com a presidente Ruça, nos braços do povo. Que beleza!” (DA VILA, 1998: 244)
O chope, segundo Martinho da Vila (1998: 244-245), foi fruto de uma
aposta com o dono de um dos principais bares do bairro e um representante de
uma cervejaria. Segundo ele foram mandados dez mil litros de chope para a
festa. Martinho da Vila seguia lembrando uma manchete da quinta-feira após a
comemoração “Vila Isabel é a campeã. No velho Boulevard, a festa da vitória”.
Ruça fala sobre a imprensa no dia seguinte da festa.
“Quando eu acordei no dia seguinte essa sala estava cheia de imprensa. Eu desci como sempre fazia para receber a imprensa que vinha entrevistar Martinho sempre. Aí desci e os recebi e falei pra eles:
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‘- Olha, não se preocupe Martinho já vem, está descendo. Estava dormindo, mas já está descendo...’E eles: ‘-Não, Ruça é com você’‘- Eu?’‘- Sim [viemos falar], com você!’[...] Foi uma surpresa... Artista é ele, eu era militante ali...”
A figura de Martinho da Vila coexistia com a de sua esposa à época,
Ruça, na liderança daquele desfile inclusive para a grande imprensa. O jornal A
Folha de São Paulo do dia 18 de fevereiro de 1988 trazia uma grande imagem
em que aparece Ruça comemorando o campeonato ainda no Maracanãzinho.
A dupla liderança daquele evento foi analisada por Isabel Pedrosa na
apresentação do livro Kizombas, Andanças e Festanças.
“Com ‘Kizomba, festa da raça’, um tema essencialmente negro e político, a Vila revolucionou a forma e o conteúdo dos desfiles das escolas de samba – essa luminosa celebração das aspirações à transcendência e à beleza –, tendo a frente esse imbatível casal que será para sempre reverenciado na tradição e na memória do Rio: Martinho e Ruça, unidos pelos deuses da alegria e hoje separado pelos entrechoques da humana lida” (apud DA VILA, 1998: 9-10)
Sobre a liderança e o campeonato Ruça narrava:
“Não vou tirar meu mérito, nem adianta. No início eu tirava muito. Claro que foi coletivo, mas se você não tiver uma liderança não tem jeito. [...] Eu acho que aquilo foi uma missão nossa. Eu acho que foi divino, uma missão... A gente tinha que atingir o maior número possível de pessoas com uma mensagem. Mensagem contra o racismo, contra as formas de opressão, uma mensagem de liberdade... Acho que isso a gente conseguiu. De coletividade, o quanto é importante o trabalho coletivo.”
Essas mensagens iam ao encontro da diretriz política de minha
entrevistada. Narra que, perguntada à época, como tinha conseguido realizar
aquilo respondia: “eu conduzi a escola com todos os ensinamentos que eu tive
no partido [Partido Comunista Brasileiro].”
Martinho da Vila salientava que a comemoração daquela vitória tinha
extrapolado o espaço do bairro de Vila Isabel:
“Surrealismo puro. E as comemorações não foram só no bairro de Noel, porque tem gente de lá espalhada por toda parte, que nem cearense. Em todo lugar tinha festa e em outras cidades também. Duas Barras10 fez carnaval. Luanda, a Aruanda das umbandas, capital de Angola, também festejou. O nosso canto extrapolou, ecoou além-fronteiras.”(DA VILA, 1998: 250)
10 Cidade natal de Martinho da Vila.
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3.4) Um “desfile único” em um único desfile.
“Aí compadres e comadres... Choveu. Choveu de novo, chuva grossa. Temporal.O jornalista João Luiz de Albuquerque, em um momento de rara clarividência, anteriormente vaticinou: - Quem viu viu. Que não viu não verá jamais. [...] Tinha razão o vidente João Luiz, pois foi declarada calamidade pública e os campeões não desfilaram no Rio de lágrimas. Quem viu viu. Quem não viu não verá mais uma consagração igual. Bem. Bem, não, muito mal. Não só pela frustração de não sermos vistos novamente em exibição garbosa, mas principalmente pela tristeza dramática dos flagelados pela enchente.” (DA VILA, 1998: 248-250)
O temporal do verão de 1988 havia castigado a comunidade que até dias
anteriores estava em plena festa. O então prefeito da cidade, Saturnino Braga,
decretou calamidade pública (:255), o que acarretou no cancelamento do
desfile das campeãs11 daquele ano. Diversos abrigos foram montados às
pressas nas imediações do Morro dos Macacos, local do bairro mais atingido
pelas chuvas. Martinho da Vila dizia que mesmo com esta “calamidade” as
comemorações não cessavam:
“Mas a festança não parou na Vila, capital do Rio, não. Não, não e não. A comidaria do banquete popular refeita pro desfile foi consumida lá no Morro. Eram barracões caindo, bebidas rolando e o samba comendo solto.” (:250)
Os alimentos preparados para o banquete do desfile das campeãs foram
saciar a fome dos desabrigados da chuva. A lógica da partilha da cultura afro-
brasileira e da noção de coletividade empreendida por aquele desfile tem nesse
fato a sua comprovação maior. Podemos observar nessa passagem, a
presença do samba não somente em momentos festivos, mas também em
momentos penosos. O samba envolvia a visão de mundo daqueles atores
sociais, enaltecendo alegrias ou acalentando tristezas. Segundo Clifford Geertz
cultura tem sentido de contexto:
“Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria símbolos, ignorando as utilizações provinciais) a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro
11 O desfile das campeãs é uma apresentação festiva sem competição que ocorre no fim de semana posterior ao desfile oficial. Nesta apresentação desfilam as primeiras colocadas do carnaval daquele ano.
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do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com intensidade.”(1989:24)
Já no tocante à não realização do desfile das campeãs Ruça me
explicava durante a entrevista que por conta da fragilidade do material que se
utilizou para construir aquele desfile, seria difícil trazer a escola esteticamente
perfeita para o desfile das campeãs:
“Ah se houvesse [um novo desfile] ia ser um fracasso... Claro que ia. Porque tudo nosso era de uma fragilidade... Não tínhamos dinheiro. Não dá tempo de consertar tudo. Não ia ficar bonito! [Eduardo: E a chuva também atingiu a comunidade...] Com certeza! E aí? Foi uma tragédia. Uma tragédia! [...] Não ia dar tempo de restaurar nada não. Não ia... Aquele desfile foi único. Pronto!”
Pergunto para Ruça se aquele desfile não poderia ser repetido. Ela traz
o fato para minha leitura na chave das religiosidades afro-brasileiras: “Não, não
poderia. Não poderia. Aí os orixás com certeza...”. Ela deixa a fala incompleta
para citar da importância das religiosidades afro-brasileiras.
3.5) Kizomba no plural.
“[Eduardo: Uma coisa legal que você falou é o bloco Kizomba. Como isso surgiu? Surgiu por causa do desfile?] Não, antes! [...] A Kizomba – evento – não foi em 88. Esse bloco saiu do evento Kizomba... [...] Eu acho que o bloco Kizomba é de 84, 85... Anterior ao enredo. A idéia é anterior quando ele [Martinho] fez o evento Kizomba. Foi na UERJ, no Pavilhão de São Cristóvão.”
Assim narrava Analimar Ventapane sobre as origens do projeto Kizomba
que era anterior ao desfile da Vila Isabel. Durante o período pré-carnavalesco
do ano de 2010 enquanto reunia as fontes para essa pesquisa me deparei com
um convite do filho de Analimar, Raoni, para que eu fosse ao bloco Kizomba
que em alguns dias ocorreria na Praça Barão de Drummond, apelidada de
Praça Sete por nós moradores. Pude então perceber que a “Kizomba” tinha
um sentido muito maior do que poderia supor em meu estágio inicial de
pesquisa. A idéia tinha sido gestada exatamente durante os anos da década de
1980 e alcançado sem dúvida, maior visibilidade em 1988 com o desfile da
escola. Além de trazer à pesquisa as memórias daquele desfile tive que
perceber que também trazia memórias de família. Analimar me contava: “Cara,
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na verdade o que rola na nossa família a gente faz as coisas por intuição e
prazer”.
O evento Kizomba ocorria no início dos anos de 1980 como o próprio
sinônimo da palavra traduz, como encontro. Um encontro em prol da difusão da
cultura afro-brasileira com personalidades negras e apoiadoras da causa. Do
evento partiu a idéia do bloco, momento em que a Kizomba começa a ser
carnavalizada, até chegar ao desfile por mim pesquisado.
Kizomba se inscreveu no tempo e na memória. Atualmente o bloco sob a
direção da família de Martinho da Vila, desfila na Lapa e em Vila Isabel, sendo
ou não época de carnaval. A memória dos moradores de bairro é recheada do
desfile de 1988. Não foi difícil encontrar quem se dispusesse a conversar horas
comigo informalmente sobre aquele campeonato. Compositores, baianas,
diretores. Pessoas que desfilaram ou somente assistiram. Todos se sentiam
em maior ou menor escala como participantes daquele evento.
Não somente no tempo e memória, a Kizomba se inscreveu no espaço
muito mais abrangente que o bairro de Vila Isabel:
“Pra se ter idéia, meses depois [da conquista do título de 1988] fui cantar na República Popular do Congo e levei alguns vilaisabelenses comigo pra sambar. Toquei tamborim com o presidente Dami Sassu N’guessu, na festa de inauguração de uma estrada feita por brasileiros na terra dos pigmeus, no meio da selva africana, onde a estrela do negro de alta estatura, Manoel da Conceição, o Mão de vaca, brilhou. Eleotério de Oliveira, o Lota, morador do morro dos Macacos, professor de inglês, diretor cultural da escola e que saía na bateria tocando centrador, estava presente. Emi Negona Vidal que mora lá na bela cidade do Carmo, que teve malária em Angola, recuperou-se e desfilou de destaque num carro alegórico representando a Mãe África, estava lá no Congo também, rodando a sua baiana ao lado da prima Cecília Rosiê. Com naturalidade, a Emi Negona apertou a mão do presidente daquela república, como se ele fosse um negro amigo qualquer que se deu bem na vida. Estávamos em Impfundó, lugarejo agora ligado a Ipená por uma estrada construída pelos brazucas da Andrade Gutierrez, para deleite dos pigmeus, que babavam com o rebolado das mulatas Mara, Delma Secretária e Cláudia Renata, dentro dos seus minibiquínis. Em Brazaville, capital do país, houve um coquetel de despedida entre os dirigentes da Andrade Gutierrez e membros do governo congolês, ocasião em que me foi prestada uma significativa homenagem pelo ministro dos Transportes daquele país. No meio do seu discurso ele disse com toda a autoridade que uma das grandes alegrias dele como africano que gosta de ver a África projetada dignamente foi durante o desfile da Vila, cujo ponto alto na sua ótica política foi ver no vídeo as imagens
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dos grandes líderes da raça negra projetados no Brasil para o mundo. Pedindo a palavra, sua mulher, elegantíssima dentro de um traje africano, incumbiu-me de dizer à Ruça que ela se sentiu fortalecida como mulher ao saber das suas atitudes e do sucesso de sua administração, e que toda vez que vê o vídeo com a Kizomba em desfile as lágrimas lhe vêm aos olhos, pois, como num sonho, parece que vê toda a sua família lá, desfilando com os brasileiros ao lado dos irmãos angolanos. Pediu-me ainda para transmitir a toda nossa gente que tinha o direito de se emocionar, porque acha que todas as glórias legítimas são coletivas e que o desfile de Vila Isabel foi um triunfo da raça negra, com brancos participando irmãmente. O ideal. Embasbacado, não tive palavras, mas malandramente cantei-lhe um samba: Ele tirou do azul o mais azulEle pegou do branco a paz maiorE o canto mais negro que passarinhou no céuE daí criou a Vila Isabel, Vila Isabel E daí criou a Vila IsabelE vieram poetas pra perpetuar a criaçãoE essa beleza toda é uma das razões do meu viverEu agradeço a ele do fundo do coraçãoPela graça divina de à Vila eu pertencerE repetirei sempre com toda minha emoçãoSerei Vila Isabel até morrrer” (DA VILA, 1998: 250-252)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Manifestar é tornar pública sua opinião; revelar; expor; exprimir; declarar;
dar-se a conhecer. Na literatura é um texto persuasivo, uma declaração
pública, que pode ser também uma denúncia pública. Na recente história, o
“Manifesto Comunista de 1848”, de Karl Marx e Friedrich Engels é fundador do
socialismo científico abrindo as janelas para as mais variadas visões políticas.
O Modernismo Brasileiro é conhecido por manifestos, entre eles o
Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade (1928) em que é dito que
“nunca fomos catequizados, fizemos foi carnaval”. As origens desse movimento
tradicionalmente estudado como sendo paulista são trazidas para o Rio de
Janeiro através da vida cultural da cidade considerando grupos intelectuais
(VELLOSO, 1996). A emergência do samba e do carnaval carioca na primeira
metade do século XX, é herdeira desse contexto moderno.
O manifesto é inerente aos grupos sociais, sobretudo aqueles oprimidos
ou esquecidos. A Memória é um lugar de disputa entre o que lembrar e o que
esquecer.
“Se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em conflitos que opõem grupos políticos diversos.” (POLLAK, 1992: 204-205)
Procurei demonstrar no decorrer deste trabalho que Kizomba se tornou
um manifesto negro, embebido de cultura afro-brasileira e africana. Assim este
enredo nos sinaliza uma memória política latente. O uso do passado em prol da
consolidação do presente é vivo nas fontes analisadas. Um presente que nos
anos de 1980 era de consolidação de uma nova República, em um momento
de saída de um estado de ditadura e de elaboração da nova Constituição.
Segundo argumentação de Manoel Salgado Guimarães, vivemos um
tempo nas sociedades ocidentais contemporâneas em que ganharam força os
investimentos sociais nas tarefas da memória (apud ABREU; MATTOS;
DANTAS, 2009: 182). A memória como importante detentora do passado se
sedimenta como espaço de disputa e conflito.
Este trabalho se inscreve mais de 22 anos após a constituinte de 1988
que ampliou os direitos e proteção da cultura afro-brasileira. Dos anos de 1990
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para cá se intensificaram as discussões sobre ações afirmativas e direitos de
reparação para as populações afro-descendentes (: 183). As políticas
afirmativas passaram a ser discutidas pela sociedade, situando uma dada visão
do passado – especialmente da escravidão e das relações raciais (: 185).
“[é] matéria de particular valor para o historiador compreender as leituras de passado que as memórias coletivas empreendem, sobretudo se estão relacionadas a políticas governamentais explicitamente dirigidas ao enquadramento da memória nacional” (GOMES apud ABREU; MATTOS; DANTAS, 2009: 184-185).
As disputas políticas em torno da memória nacional, em especial sobre
qual memória será ensinada nas escolas, faz desse embate um jogo entre
muitos agentes, entre eles estamos nós, historiadores. Os usos que são dados
na análise do passado têm muito a ver com a ótica política que se quer adotar.
Este trabalho recorreu a fontes orais em seu cerne, e estou ciente da
subjetividade de todas as fontes que o compõem, sobretudo estas. Poderia
aqui, ter analisado o desfile da Kizomba, por exemplo, apenas por fontes
escritas, focando a análise em jornais da época, mas certamente perderia
grande parte da noção subjetiva do fato. Para Alessandro Portelli, a
intelectualidade parece temer que uma vez abertos os porões da oralidade, a
escrita (e a racionalidade junto com ela) será varrida como que por uma massa
espontânea incontrolável de fluídos, material amorfo (1997:26). A oralidade,
portanto, traz à tona as memórias e suas subjetividades que leva a novas
teorias dentro da atual historiografia.
“A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma transformação radical no sentido social da história.” (THOMPSON, 1992: 44)
62
Compreendo que neste trabalho não esgotei as possibilidades de
análise teórica sobre o carnaval. Existem outras análises possíveis, inclusive
partindo de variadas outras fontes. Busquei entender essa festa inscrita na
dialética social da Vila Isabel, da cidade do Rio de Janeiro e da sociedade
brasileira com uma rede teórica que compreendesse o carnaval carioca dos
anos de 1980.
Em última análise, um sentimento que é característico dos festejos
carnavalescos permeava aquela apresentação: a alegria dos componentes em
manifestar-se. Olhando para as fotografias e para os vídeos da Kizomba, a
energia e o sorriso são marcados em quase totalidade dos desfilantes. Por
conseguinte, aquela alegria transformava a mensagem muito mais penetrante
aos espectadores tornando a Kizomba um momento excepcional na história
dos desfiles das escolas de samba e um encontro entre aspectos sociais
latentes da sociedade carioca e brasileira de fins dos anos de 1980.
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ANEXOS
Samba de enredo12
Unidos de Vila Isabel 1988 - Kizomba, a festa da raça.
Compositores: Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila
Valeu Zumbi!O grito forte dos PalmaresQue correu terras, céus e maresInfluenciando a aboliçãoZumbi valeu!Hoje a Vila é KizombaÉ batuque, canto e dançaJongo e maracatu
Vem menininha pra dançar o caxambu
Ôô, ôô, Nega MinaAnastácia não se deixou escarvizarÔô, ôô ClementinaO pagode é o partido popular
O sacerdote ergue a taçaConvocando toda a massaNeste evento que congraçaGente de todas as raçasNuma mesma emoção
Esta Kizomba é nossa Constituição
Que magiaReza, ajeum e orixásTem a força da culturaTem a arte e a bravuraE um bom jogo de cinturaFaz valer seus ideaisE a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de LuandaPara iluminar a ruaNossa sede é nossa sedeDe que o "apartheid" se destrua
Valeu!
12 Retirado de www.academiadosamba.com.br/passarela/vilaisabel/index.htm em 19/06/2011.
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Sinopse de enredo.13
13 Retirado do Centro de Memória da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA).
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Imagens. 14
(A)
(B)
Fotografia (A) é de uma visão aérea do desfile da Vila Isabel.
Fotografia (B) traz as imagens dos líderes negros levados à Sapucaí.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS14 Fotografias reproduzidas de www.sambariocarnaval.com/ em 19/06/2011.
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ENTREVISTAS
- Lícia Maria Maciel Caniné. Em 20/03/2011. Duração aprox. 1 hora e 31
minutos.
- Analimar Mendonça Ferreira Ventapane. Em 14/04/2011. Duração aprox. 49
minutos.
SÍTIOS NA INTERNET
www.academiadosamba.com.br
www.galeriadosamba.com.br
www.gresunidosdevilaisabel.com.br
www.sambariocarnaval.com
OUTROS
Arquivo do Centro de Memória da Liga Independente das Escolas de Samba.
Jornal A Folha de São Paulo, edição de 18 de Fevereiro de 1988.
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