as multiplas formas de aprender

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  • 8/18/2019 As Multiplas Formas de Aprender

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    As múltiplas formas do aprender

    sala de aula não é mais

    a mesma. A tecnologia,

    outrora restrita às aulas

    de informática, passa a

    fazer parte do cotidiano de alunos e

    professores. A Educação a Distância(EAD) vem se caracterizando não

    mais como uma atividade isolada,

    mas como uma forma de

    criar grupos de aprendizagem,

    integrando a aprendizagem

    pessoal com a grupal.

    Esse processo, ainda inci-

    piente em muitas instituições,

    exige um novo tipo de profis-

    sional, mais flexível e maduro.

    Um profissional que não

    apenas conheça a tecnologia,mas também seja capaz de

    transformar o espaço escolar,

    modificar e inovar o processo

    de ensino e aprendizagem.

    Esses são os principais

    pontos do pensamento de

     José Manuel Moran, doutor

    em Comunicação pela USP,

    avaliador de cursos a distância

    no MEC e coordenador de

    EAD da Faculdade Sumaré de São

    Paulo. Em entrevista exclusiva, oprofessor Moran faz uma detalhada

    análise da importância da tecnologia

    na educação e do papel do professor

    nessa nova realidade.

     Atividades & Experiências – Quais

    transformações as novas tecnologias

    trouxeram para a educação? O que

    se pode esperar para os próximos

    anos?

     José Manuel Moran – As tecnologias

    começam separadas (computador,

    celular, Internet, MP3, câmera

    digital) e caminham na direção da

    convergência, da integração, dos

    equipamentos multifuncionais que

    agregam valor. O telefone celular éa tecnologia que atualmente mais

    agrega valor: é móvel e rapidamente

    incorporou o acesso à Internet, a foto

    digital, os programas de comunicação

    (voz, TV), o entretenimento (jogos,

    música, MP3) e outros serviços.

    Essas tecnologias convergentes e

    combinadas modificam profunda-

    mente todas as dimensões de nossa

     vida. As tecnologias, principalmente

    a Internet, estão trazendo fundamen-

    talmente, nesses últimos 20 anos,

    muito mais mobilidade, ou seja, a

    possibilidade de realizar atividades

    ou tarefas sem necessariamente ir

    a um lugar determinado. As redes,

    principalmente a Internet, estão

    começando a provocar mudanças

    profundas na educação presencial e a

    distância. Na presencial, desenraízam

    o conceito de ensino-aprendizagem

    localizado e temporalizado. Podemos

    aprender desde vários lugares, ao

    mesmo tempo, on-line e

    off-line, juntos e separados.

    Como nos bancos, temos

    nossa agência, a escola, que é

    nosso ponto de referência, só

    que agora não precisamos ir

    até lá o tempo todo para poder

    aprender. As redes também

    estão provocando mudanças

    profundas na educação adistância. Antes, a EAD era

    uma atividade muito solitária

    e exigia muita autodisciplina.

     Agora, com as redes, a EAD

    continua como uma atividade

    individual, mas combinada

    com a possibilidade da comu-

    nicação instantânea, de criar

    grupos de aprendizagem,

    integrando a aprendizagem

    pessoal com a grupal.

     A&E – O quadro e o giz estão com

    os dias contados?

    Moran – Infelizmente, não, porque

    muitas escolas oferecem o mínimo de

    infra-estrutura tecnológica de apoio

    a professores e alunos e, também,

    porque muitos professores ainda se

    consideram o centro, focando mais

    o ensinar do que o aprender, o “dar

    aula” do que o gerenciar atividades de

    pesquisa e projetos. A sala de aula

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    O novo profissional

    da educação integrará

    melhor as tecnologiascom a afetividade, o

    humanismo e a ética.

    Será um professor mais

    criativo, experimentador,

    orientador de processos

    de aprendizagem

    presencial e a distância.

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      pode ser o espaço de múltiplasformas de aprender. Espaço parainformar, pesquisar e divulgaratividades de aprendizagem. Paraisso, além do quadro e do giz, precisaser confortável, com boa acústicae tecnologias, das simples até as

    sofisticadas. Uma sala de aula hojeprecisa ter acesso fácil ao vídeo, DVD,projetor multimídia e, no mínimo,um ponto de Internet, para acessoa sites em tempo real pelo professorou pelos alunos, quando necessário.Infelizmente, a maioria das escolas euniversidades pensa que giz, quadro,mesa, cadeiras, um professor e muitosalunos é suficiente para garantiraprendizagem de qualidade.

     A&E – Os professores estão prepa-rados para trabalhar com toda essatecnologia ?Moran  – Hoje, temos um núme-ro significativo de professoresdesenvolvendo projetos e atividadesmediados por tecnologias. Mas agrande maioria das escolas e dosprofessores ainda está tateando sobrecomo utilizá-las adequadamente.

     A ap ropr ia ção da s tecnol og ia s

    pelas escolas passa por três etapasaté o momento. Na primeira, astecnologias são utilizadas paramelhorar o que já se vinha fazendo(melhorar o desempenho e a gestão,

    automatizar processos, diminuircustos). Na segunda etapa, a escolainsere parcialmente as tecnologias noprojeto educacional. Cria uma páginana Web com algumas ferramentas depesquisa e comunicação, divulga textose endereços interessantes, desenvolvealguns projetos, há atividades nolaboratório de informática, masmantém intocados estrutura deaulas, disciplinas e horários. Naterceira, que começa atualmente, com o

    amadurecimento de sua implantação eo avanço da integração das tecnologias,as universidades e escolas repensamseu projeto pedagógico, seu plano

    estratégico, e introduzem mudançassignificativas como a flexibilizaçãoparcial do currículo, com atividadesa distância combinadas com as presen-ciais. Os professores, em geral, aindaestão utilizando as tecnologiaspara ilustrar aquilo que já vinhamfazendo, para tornar as aulas maisinteressantes, mas ainda falta odomínio técnico-pedagógico quelhes permitirá, nos próximos anos,

    modificar e inovar os processos deensino e aprendizagem.

     A&E – Qual é, ou qual será, o perfildo novo profissional da educação ?Moran  – O novo profissionalda educação integrará melhor astecnologias com a afetividade, ohumanismo e a ética. Será um pro-fessor mais criativo, experimentador,orientador de processos de aprendi-zagem presencial e a distância. Seráum profissional menos falante, menosinformador e mais gestor de atividadesde pesquisa, experimentação eprojetos. Será um professor quedesenvolve situações instigantes,

    desafios, solução de problemas ejogos, combinando a flexibilidadedos espaços e tempos individuaiscom os colaborativos grupais.Quanto mais avança a tecnologia,mais se torna importante termoseducadores maduros intelectual eemocionalmente, pessoas curiosas,entusiasmadas, abertas, que saibammotivar e dialogar. Pessoas com asquais valha a pena entrar em contato,porque dele saímos enriquecidos.

    Tendo isso, a tecnologia entra comoapoio, facilitação da aprendizagemhumanizadora. O professor estácomeçando a aprender a trabalharem situações muito diferentes: compoucos e muitos alunos, com maisou menos encontros presenciais, comum processo personalizado (professorautor-gestor) ou mais despersonalizado(separação entre o autor e o gestor deaprendizagem). Vejo o professor dofuturo como alguém que poderá

    estar vinculado a uma instituiçãopredominantemente, mas não exclusi-

     vamente. Ele participará de inúmerosmomentos de atividades de ensino emoutras organizações, de orientaçãode pesquisas em diferentes lugares eníveis. Desde qualquer lugar, poderáconectar-se com seus alunos, vê-lose falar com eles. O professor serámultitarefa, orientará muitos gruposde alunos, dará consultoria a empresas,

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    capacitações on-line, alternando essesmomentos com aulas, orientações degrupos, desenvolvimento de pesquisascom colegas de outras instituições.

     A ci ência se rá cada vez ma is

    compartilhada e desterritorializada.Os professores-pesquisadores não pre-cisarão morar perto, o importanteé que saibam trabalhar juntos

     virtualmente, que saibam cooperarà distância, que tenham espíritode colaboração mais do que decompetição.

      A&E – Há alunos que possuem emcasa muito mais recursos do que osdisponíveis na escola. Como a escola

    conseguirá manter o interesse dealunos cada vez mais conectados?Moran  – A grande maioria dosalunos brasileiros não possui recursostecnológicos avançados nem em casanem na escola, principalmente naescola pública. A Internet chegaatualmente a 15% dos brasileiros.É um crescimento notável, mas,por outro lado, mostra que 85%ainda estão fora. Para os alunos quetêm acesso a novas tecnologias, aescola pode estimular ao máximo apesquisa ligada ao cotidiano deles, aosseus interesses, à sua vida. A escolaprecisa fazer a ponte continuamenteentre teoria e prática, entre realidadelocal, nacional e internacional.Qualquer tema mais amplo podeser trabalhado também na dimensãolocal, próxima do aluno. A escolaprecisa avançar mais na incorporaçãode atividades a distância como partedo processo de aprendizagem. Nãopodemos hoje resolver tudo dentrode salas de aula. No ensino superior,isso já se percebe como umatendência que será cada vez maisforte, mas também precisa chegarao Ensino Médio, em primeirolugar, e depois ao Fundamental.Confinar 40 alunos de educaçãobásica todas as manhãs ou tardescom aulas de 50 minutos sucessivasé anacrônico, contraproducente e

    mostra de extrema incompetênciainstitucional.

      A&E – O computador trabalha alógica, muitas vezes em detrimento

    dos relacionamentos. O que fazernesses casos ?Moran  – Os computadores, comomáquinas isoladas, até agora têmdesenvolvido mais procedimentoslógicos, programas de organizaçãode atividades que funcionam comregras, padrões e previsibilidade. Autilização intensiva desses programasreforça a organização lógica do pensare do agir. Mas os computadores hojeestão ligados em redes e cada vez

    mais cheios de imagens, sons emovimento. O perigo, com as criançase jovens, é justamente diminuir ocomportamento lógico, a dispersão,o encantamento pela multiplicidadeincessante de imagens e sons, oconsumo acrítico de tantas sensaçõesinformacionais. A multimídia émuito rica, mas se é consumidarapidamente, sem tempo de reflexãoe aprofundamento, pode contribuirpara transformar o computador em

    um forte meio de sedução informativae de interação emocional com osoutros sem avançar significativamentena organização do conhecimento, nacontextualização da informação. Oimportante é desenvolver o sensocrítico no processo de construçãoe de organização da aprendizagem,mantendo o equilíbrio entre o contatofísico e o virtual, entre as atividadesintelectuais (predominantementelógicas) e as socioafetivas que se

    dão por meio das redes, do rela-cionamento, da interação presenciale da conexão a distância, do estarjuntos virtualmente. Tudo o que éem excesso prejudica.

      A&E – Como as pessoas devem lidarcom a tecnologia e a velocidade dasmudanças ?Moran – Educar é ajudar a construircaminhos para que nos tornemos mais

    livres, para poder fazer as melhoresescolhas em cada momento. Se atecnologia nos domina, caminhamosna direção contrária, da dependênciadela. A tecnologia é importante, mas

    sempre é um meio, um apoio, nãopode converter-se numa finalidadeem si.

     A tecnologia nos ajuda a realizaro que desejamos, o que temos emmente, os modelos de educaçãoque queremos implantar. Se somosgestores preocupados mais com olucro, ela nos propicia formas detrabalhar com escala, de diminuircustos.Se somos centralizadores, existem

    inúmeros softwares de registroe controle, que ajudam a tornara escola mais autoritária. Sesomos pessoas com uma visão degestão democrática, utilizaremosa tecnologia para incentivar aparticipação, a troca de informações,as decisões compartilhadas. Atecnologia está em tudo, a toda hora,em qualquer lugar. Ela nos ajuda ecomplica como pessoas e comosociedade. É importante estarmos

    atentos, individual e coletivamente,para utilizá-la de forma sensata,equilibrada e inovadora. Na edu-cação, creio que já superamos afase da desconfiança radical datecnologia, mas o deslumbramento,o encantamento e a expectativa deque ela possa resolver magicamentenossos problemas é uma outraforma simplista de alimentar novase perigosas dependências.Hoje, é desafiador aprender a equi-

    librar a demanda de incessan-te informação instantânea ecomunicação virtual com aconvivência afetiva e carinhosacom as pessoas com as quais nosrelacionamos no espaço familiar,profissional e de lazer, aprendendotambém a encontrar tempo parameditar, refletir e descansar deforma simples e desconectada datecnologia.

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