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Série RELATOS HISTÓRICOS – vol. II As derrotas de Joaquim Francisco Lopes

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Série RELATOS HISTÓRICOS – vol. II

As derrotas deJoaquim Francisco Lopes

As derrotas deJoaquim Francisco Lopes

Atualização e introdução de

Hildebrando Campestrini

Dezembro de 2007Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul

Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul79002-365 – Rua Rui Barbosa, 2.624 – Centro

Campo Grande – MSwww.ihgms.com.br – end. eletr.: [email protected]

Conselho Editorial do IHGMS:

Valmir Batista Corrêa (presidente)F. Leal de QueirozCelso HigaPaulo Eduardo CabralCarlos Eduardo Contar

Derrotas de Joaquim Francisco Lopes

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As derrotas do SertanejoHildebrando Campestrini

Todo estudo sobre Mato Grosso do Sul torna obrigatória aconsulta às derrotas do Sertanejo, apelido de Joaquim FranciscoLopes, que realizou diversas viagens de exploração no sul de MatoGrosso, registradas em relatórios, conhecidos como derrotas.

A primeira exploração, a partir de 1829, foi no sertão deSantana do Paranaíba. Em 1836, recebeu do governo provinciala incumbência de abrir um caminho de Paranaíba a Miranda e,no ano seguinte, de transpor o rio Paraná no lugar que julgasse maisconveniente, começando uma picada por onde pudesse passar um car-gueiro, até à vila de Piracicaba. Em 1837, Lopes locou, na barra docórrego Água Limpa, o porto; iniciou a picada, concluída no finaldo ano seguinte, trabalho que lhe valeu duzentos mil réis em moedae cem cabeças de gado, pagos pelo governo.

Em seguida, segundo Mário Monteiro de Almeida (EPISÓ-DIOS DA FORMAÇÃO GEOGRÁFICA DO BRASIL, Rio, Irmãos Pongetti,1951, p. 250 e s.), Lopes trabalhou na abertura de caminhos emarcação de posses em São Paulo e no Paraná. Por volta de 1843,colocou-se a serviço do barão de Antonina, então influente po-lítico e latifundiário, que também desenvolvia uma política deaculturação de indígenas.

A segunda exploração, compreendendo várias entradas, ti-nha por objetivo (como queriam o barão e o governo imperial)abrir uma comunicação fluvial do Paraná até o baixo Paraguai.Assim, em 1847, Lopes e comitiva entraram pelo rio Ivinhema echegaram a Albuquerque, anotando o percurso, com detalhes ri-quíssimos, principalmente os referentes aos primeiros povoadorese aos índios. A terceira derrota, em 1848-49, seguiu o mesmoitinerário, definindo o varadouro de Nioaque. Esta, sem dúvida,

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embora nada transpareça nas anotações, teve também o intuitode conhecer e adquirir terras para o barão, que desejava expandirseus latifúndios com áreas no sul de Mato Grosso. A quarta der-rota, em 1857, teve como escopo o reconhecimento principal-mente dos rios Amambaí e Iguatemi e seus afluentes.

Entre 1850 e 1853, o Sertanejo estivera, segundo MárioMonteiro de Almeida (p. 274) auxiliando o major Gomes na a-bertura do varadouro de Nioaque e da estrada de Nioaque a Miran-da. Depois da quarta derrota, a do Iguatemi, Joaquim FranciscoLopes voltou ao Paraná, sempre a serviço do barão. Aí trabalhoujunto aos índios, chegando a ser diretor da Colônia Indígena deSão Jerônimo, onde faleceu, segundo alguns memorialistas, em1868. Notícia publicada na Revista do IHGB (1888, p. 95) dá adata de 1874, acrescentando: João Francisco Lopes foi o sertanejo,que no tempo do finado barão de Antonina abriu, acompanhado doengenheiro João Henrique Elliot, este sertão (do Paraná), e fez a exploraçãode todo este terreno até Mato Grosso. Prestou, durante a vida, relevantesserviços à pátria. Vivia ultimamente entregue aos seus minguados recursose esquecido de todos, morrendo em extrema pobreza. Nasceu a 7 de setembrode 1805. Era filho de Piumhi em Minas Gerais..

Anote-se que a primeira derrota foi escrita por Lopes; asoutras, por seu ajudante João Henrique Elliot.

Com a publicação desta obra em sua biblioteca eletrônica(www.ihgms.com.br), na Série Relatos Históricos, tem o InstitutoHistórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul o objetivo de co-locar ao alcance do pesquisador e do estudante fontes primáriasaté agora de difícil acesso.

Campo Grande, dezembro de 2007.

Sumário

Primeira derrota – p. 9.Para reconhecer o sertão de Santana doParanaíba, abrir um caminho daquela povoaçãoaté Miranda e introduzir melhoramentosno Picadão (do Tabuado até Piracicaba).

Segunda derrota – p. 63.Nos anos de 1844 a 1847, para descobriruma via de comunicação fluvial do Paranáao Baixo Paraguai, na província de Mato Grosso.

Terceira derrota – p. 91.Nos anos de 1848 a 1849, para explorar amelhor via de comunicação entre a provínciade São Paulo (desde o Paraná) e a deMato Grosso pelo Baixo Paraguai.

Quarta derrota – p. 115.Para explorar os rios Iguatemi, Amambaíe parte do Ivinhema, com os terrenos adjacentes,de agosto a novembro de 1857.

Primeira derrota

Para reconhecer o sertão de Santana doParanaíba, abrir um caminho daquelapovoação até o forte de Miranda eintroduzir melhoramentos noPicadão (do Tabuado até Piracicaba).

Este texto foi transcrito de Boletim doDepartamento do Arquivo do Estadode São Paulo (1943, São Paulo, Tip. do Globo),que, ao final, informa que o originalestá no maço 50, pasta 1.

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A bandeira de Joaquim Francisco Lopes1829

O Presidente da Província tem já vocalmente decla-rado ao Sr. Joaquim Francisco Lopes a importante diligên-cia do que o incumbe, e o quanto espera do seu zelo vê-lacompletamente desempenhada; julga, porém, convenientedeclarar-lhe de novo o seguinte:

1.° Logo que chegue à fazenda do delegado deste Go-verno José Garcia Leal, apresentar-se-á ao mesmo, a quem co-municará a diligência de que está incumbido, e de quem re-quisitará os necessários camaradas, mantimentos, e todos osmais auxílios precisos, apresentando-lhe esta ordem.

2.° Levantada que seja a bandeira, irá passar o rio Pa-raná no lugar em que julgue mais conveniente, começandoa picada por onde possa passar um cargueiro, até que varena vila de Piracicaba, que também se chama da Constitui-ção, na província de São Paulo.

3.° Se as primeiras entradas forem perdidas, deverávir refazer-se de mantimentos no lugar mais próximo, para oque o dito delegado do governo dará as necessárias provi-dências, e empreenderá de novo a picada, de sorte que senão recolha sem tê-la verificado.

4.° Chegando à vila de Piracicaba, entregará o ofíciojunto no respectivo juiz de paz, para que o auxilie, devendotrazer a competente resposta; na sua volta aproveitará o co-nhecimento do sertão para ir endireitando a picada.

5.° No seu regresso deverá vir apresentar-se a estegoverno, a quem informará do rumo da picada, a naturezado terreno, e o mais que convier.

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6.° Este Governo ministrar-lhe-á a gratificação de du-zentos mil réis em moeda, e cem cabeças de gado; e se sua pi-cada for a preferida ministrar-lhe-á mais uma compensaçãoproporcionada ao trabalho e utilidade dela.

7.° Ao delegado do governo José Garcia Leal se fazemnesta data as necessárias recomendações, para que não hajafalta de auxílio algum.

Todas as despesas que se fizerem serão pagas por contadeste Governo.

Palácio do Governo em Cuiabá, 22 de março de1837 – José Antônio Pimenta Bueno.

Secretaria do Governo de São Paulo, 10 de janeirode 1838.

Ilmo. Sr. Juiz de Paz

Diz Joaquim Francisco Lopes, morador deste termo,que para certos requerimentos que tem a fazer em abonode seu direito e justiça, precisa que o escrivão deste juízorevendo o rol dos culpados, fale ao suplicante a folha cor-rida com culpas que tiver ou sem elas; e como se não falaa mesma sem o despacho de V. S.ª, portanto é que

Pagou um préstimo a quantia dequinhentos e quarenta réis.Vila Franca do Imperador, 29 defevereiro de 1836. J. S. Rego

N. 1115Pg. Selo .... 40 rsRocha – Mendes

Assine a parte ou seu procura-dor e volte para se lhe deferir.

Vila Franca, 29 de fevereirode 1836. Fradique.

P. a V. S.ª se digne mandarpassar ao suplicante alvará de folhacorrida na forma que requerida tem.

R. J.

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Pagos os velhos e novosdireitos, volte para se lhe deferir.Vila Franca, 29 de fevereiro de1836. Fradique.

P. do que constar não haven-do inconveniente.

Vila Franca, 29 de fevereirode 1836. Fradique.

Em direito de lei a quemcompete assinatura, assino comoPai.

Antônio Francisco Lopes.

O alferes Luís José Fradique, cidadão brasileiro nato,juiz de paz do 1.° Distrito da Vila Franca do Imperador,nele juiz policial com alçada no cível, e crime na formada lei,

Pelo presente meu alvará de folha corrida indo primei-ramente por mim assinado em seu cumprimento e ob-servância, ordeno ao escrivão deste juízo, que revendoseu Livro de Culpados dele fale a folhas ao suplicante Joa-quim Francisco Lopes, com crimes ou sem ele, ainda queobrigatório lhe seja a prisão e o livramento; assim o cum-pra. Dado e passado nesta dita Vila Franca do Impera-dor, aos 29 de fevereiro de 1836. Eu, Florêncio José deOliveira, escrivão do juízo de paz que o escrevi. Fradique.

O suplicante Joaquim Francisco Lopes não se achaem meu Livro de Culpados, e nem com pronúncia porcrime algum neste juízo té hoje, ao qual livro me repor-to e dou fé. Vila Franca, vinte e nove de fevereiro de miloitocentos e trinta e seis.

O escrivão de pazFlorêncio José de Oliveira.

D. – 120A. – 80 200

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1829Roteiro de uma picada levada a efeito por JoaquimFrancisco Lopes, por determinação do presidente da

província de Mato Grosso, José Antônio Pimenta Bueno.

MAPA

Entrada para o Sertão da Paranaíba – fui convidado pelosr. Sousa, seguimos em fins de julho, entrei com dois animais equatro cães veadeiros, alcancemos os srs. Garcias, na Paranaíba,fazendo canoas a nossa espera, pois nos convidou para a dita en-trada; descobriu o sertão no ano de 28, perdendo os ditos Garciasdois anos de entrada sem poderem descobrir; saltamos a dita Pa-ranaíba em lugar largo, e manso mato, cerradões e pântanos; sa-indo nos campos de Santa Ana, apartamo-nos em três bandeiras,a do Sousa constava de onze pessoas, e vinte e quatro animais, naqual eu me achei. Entremos por cima a ganhar águas do Sucuriúe voltemos das águas do dito nas cabeceiras denominado Pantano,e fundou-se duas fazendas, uma para Inácio Furtado, e outra paraDomingos Rodrigues, por não termos conhecimento do sertão,apatranhemos e voltemos para nossas casas. Fez despesa nesta viagem37$000 rs.

Ano de 1830

MAPA 2.°

Em o 1.° de maio, saí para o sertão, com dois animais e umescravo de meu pai por nome Sebastião e seis cães veadeiros. Che-gando eu no sr. Joaquim José Ferreira, fui convidado pelo sr. Ma-nuel Bernardes da Silva, para entrar nas matas do rio Grande adescobrir campos devolutos e propriedade de estrada para São Bentod’Araraquara debaixo, voltei a Farinha Podre à casa do sr. major

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Eustaque, a ver certos arranjos, e deu-me uma portaria para queem alguma parte onde eu encontrasse com povoados me socorres-sem do que eu necessitasse; eu e Manuel Bernardes fizemos duas ca-noas, embarquemos por baixo do salto do Marimbondo três léguas.Eu, Manuel Bernardes, camarada Vicente, Beraldo, Manuel Pe-reira, rodemos rio Grande abaixo a procurar um riacho de canoa,e não pudemos subir por muitas cachoeiras e por terra, saindo damargem do rio Grande topamos cerradões grandes, sapés, veludi-nho de espinhos, não achamos campos, e nem propriedade para adita estrada. Voltemos e matemos muita caça no rio. Embiquemosem fim de agosto.

1.° de setembro. Segui escoteiro para Paranaíba e chegueino Monte Alto à casa do sr. capitão José Garcia Leal, o qual hápouco tinha chegado do sertão, e me fez ver boas fazendas que a-chou, e o sertão que seguia, e demarcou de olho uma fazenda pa-ra mim nas margens do rio Paraná, e me ofereceu mantimentos ea sua fazenda para morar, té cultivar a minha. Voltei a casa, chegueiem fins de outubro com despesa de .... 97$500.

Ano de 1831MAPA 3.°

Aviei-me com o necessário e mudei-me para o sertão. Oque muito me custou, por causa das grandes pestes do carrapato,que me foi preciso comprar milho para os bois, e azeite para untá-los, e pentear com pente fino para extinguir a grande imundíciee mesmo a peste de urinar sangue as quais aturaram quatro anose destroçou as criações de Minas Gerais; advirto que saí em abrilda Vila Franca do Imperador e cheguei a 20 de junho ao MonteAlto, na fazenda do sr. capitão José Garcia Leal. No dia 24 em-barquemos no fundo da roça do dito no mencionado rio Grandede Minas, eu e o dito Garcia, com camaradas: Alexandre, Inácio,Antônio e Barbosa, com nove trelas de cães veadeiros e três canoas.Rodemos, e subimos Paranaíba acima té novo porto que se abriu

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em um lugar estreito, firme e bom; (a 10 de julho cheguemos nodito porto) com muitos couros que se tirou, e também de uma on-ça que acuou em terra com dezoito cães contra, já atirada, porémpouco ofendida; fiz-lhe fogo no avançar nos cães que mal roçouo chumbo pelo cabelo; fazendo que tinha caído puxei por um fa-cão para defender os cães, a dita cuidou em se meter em um ba-tume mui fechado; lancei a mão na cauda e pelejemos té eu vencê-la.Neste tempo chegou o Garcia e ambos acabamos de tirar a vidado inimigo; pelas onze horas do dito dia 10 chegaram os entrantesque nós esperávamos por terra, e todos neste mesmo ano seafazendaram etc. E muito satisfeito ficamos. Advirto que fizemosroça em Santa Ana para se formar a nova situação do dito Garcia.Voltando para o Monte Alto encontrei meu pai no porto, des-tinado ao fazer canoas e rodar a descobrir rio Verde; fui acom-panhá-lo e levemos três canoas, e quatorze índios caiapós. Che-gando na barra da dita com o rio Grande topamos os índios daaldeia do Tietê; pousemos por baixo da ilha Grande; fugiram osditos quatorze índios e ajuntaram-se com os da aldeia. Enfim,continuamos a viagem com nove pessoas a saber: eu, meu pai, etrês manos, dois escravos, e dois camaradas; subimos pelo ribeirãode Santa Quitéria a ver uma fazenda que o dito Garcia deu a meupai; fizemos roça e voltemos; rodamos; no Arapungá vi a meupai, dois irmãos, dois escravos, dois camaradas morto na bocados canais, por não sabermos do varador, porém, por milagreescaparam da morte, e seguimos; abaixo do Sucuriú no lado di-reito demos princípio a fazer posses. Chegando na ilha Comprida,topamos canoas de Francisco Goiano, e chegando no rio Verde,subimos por este, aposseando de um e outro lado três dias emeio; largamos as canoas na boca de um riacho que lhe demos onome de Espera, e aí ficou meu mano José, por ter cortado umpé, e um camarada José Gonçalves; eu, meu mano Manuel, e oescravo Vicente, seguimos rio Verde acima pela parte direita, pon-do posses, e meu pai, meu mano João e Francisco Escravo sapatei-ro, e o camarada Manuel Pião, fazendo posses da parte esquerda,

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e chegaram té o ribeiro Santa Rita, como consta do livrinho, evoltaram. Eu cheguei té um riacho de canoa que lhe pus o nomeSanta Bárbara; voltei e ajuntamo-nos na Espera e seguimos paracasa onde chegamos com felicidade e nos acabou o mantimento;nesta jornada comíamos o que encontrávamos. Valeu-nos havermuitas frutas de jatobá, e muito mel de abelhas; em todo o de-curso de viagem gastamos quatro meses. Em dezembro passei omeu carro para Santana, carregado de mantimento e plantaçõespara se fundar a nova situação de Santa Ana; passou-se gados eporcos do dito Garcia. No ano de 32 fiz uma canoa no MonteAlto, na roça do referido Garcia; fui maleitado que acompanhou-me seis meses; rodei eu, meu mano Gabriel (este ainda desen-sarado de sezões) e o meu escravo Lourenço. Fiz roças nas margensdo rio Paraná, retirado três quartos de légua, e plantamos; meumano ficou em termos já de morte por recair das ditas sezões;voltei por caminho de terra a Santa Ana com sete dias de viageme aí ficou meu mano. Eu e o escravo fomos ao Monte Alto em qua-tro dias etc. A 10 de novembro aprontei-me com o necessário emudei-me conduzindo trinta porcos para a roça que eu havia feito ena minha marcha adoeceram quatro filhinhos meus de maleitas,que por este motivo cheguei a 20 de janeiro de 33. Os meninostiveram melhoras; em o 1.° de fevereiro chegaram na minha mo-rada doze famílias de índios caiapós, destes, um ladino por nomecabo Jo-sé; justei com os ditos para ajudarem-me tirar um rego-d’água, levantar casas no mencionado lugar demarcado de olhopelo dito Garcia; pus o nome – Fazenda do Monte Alegre. Fa-zendo estes serviços, faleceu uma filha minha, inda pequena, eminha mulher adoeceu de maleitas e muitas febres, de maneiraque lhe alterou muito as veias e não quis sangrar-se por estar pe-jada de pouco; das mesmas febres lhe sobreveio uma impigemno nariz e passou-se pelo rosto de um e outro lado e foi se espa-lhando. Sarando das maleitas na vazante das grandes enchentes, a-doeceram de sezões os quatro filhos e uma escrava, porém sararam.Chegando o tempo do parto, a mulher lançou a criança, eu

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mesmo assistindo, servindo de parteira – Deus louvado! – tudose arranjou com felicidade. Passados quinze dias mais ou menos,rebentou umas sarnas nos peitos da mulher, de maneira que im-pediu o inocentinho mamar; tais foram as ditas sarnas que alvo-roçando tomou todo o corpo na espécie de queimaduras de fogoe estando assim logo entrevou. Crescia a criança quatro meses amingau de raspa de mandioca, farinha de milho, e mel. Em finsde setembro apareceu-me o capitão Pereira, e seus companheirosíndios, que subiam Paraná a riba aos Garcias; mandei uma canoapara o porto, e participei ao dito Garcia o estado em que me a-chava. Em novembro chegou meu mano Gabriel, e três índioscaiapós, embarcados, enviados pelo referido Garcia, trazer-me fa-rinha e ver o estado em que eu me achava; e com efeito me vianos maiores apertos possível; o escravo Lourenço, doente, crescen-do muito a barriga e não podia andar, participei ao dito e entregueio escravo a meu mano e conduziu para o Monte Alto. E nestetempo enfraqueceu o inocentinho de tal maneira que lhe sobre-veio uma indigestão da qual veio a morrer; a mulher pediu-meque eu no sepultar o cadáver do nosso filhinho deixasse um vãoentre as sepulturas dos dois filhos para ela ser sepultada quandoexalasse; eu, animando-a, dizia-lhe que enfermidades de feridasnão matava a gente repentinamente, e que seria melhor fôssemospara Santa Ana, fazendo-lhe ver que eu poderia também adoecere virmos a acabar todos à míngua. Em janeiro de 1834, apronteio carro e quatro bois, e largando porcos, roças e tudo o maisque me era pesado, segui a marcha e chegando em Santa Quitériafiz uma canoa de um pau de mamão do mato (que o chamam ja-catiá), passei a bagagem ficando o carro, por não poder passar;matei um boi, sequei a carne, deixei a mulher e filhos e a escravaentregues ao tempo e fui buscar socorro (rompendo campos doisdias), cheguei em Santa Ana caminhando dezesseis léguas; encon-trei mudado de novo o dito Garcia; o qual me deu um escravo,três bois e um cavalo, para coadjuvar-me; reverti-me para o lugaronde havia deixado as partes do meu corpo; os encontrei da

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maneira que os havia deixado, sem serem ofendidos de cousa al-guma, graças à Divina Providência que nunca desampara seus fi-lhos, etc. Passei o carro e não podendo seguir por a mulher ter umgrande ataque, mandei o preto que se recolhesse a apresentar-se aseu senhor, e passados oito dias continuei a minha marcha indosempre com muito vagar, e sempre cheguei em Santa Ana comfelicidade etc. Em abril o dito Garcia enviou-me a fazer-lhe fazendasno Sucuriú, que fiz cinco para o dito e duas para dois companhei-ros; gastei nesta viagem de ida e volta quarenta e três dias; em a-gosto deste mesmo ano fui à Vila Franca, à casa de meu pai, vermeios para conduzir a minha família. Em setembro aprontei-mede todo o preciso, etc. Comprei seis animais cavalar, a saber: trêscuritibanos arreados com cangalha, os quais foram de meu manoManuel, por 90$000 rs., um ruço capão do compadre Jacinto,por 42$000, um ponche, sela, e mais aviamentos 60$000; umcavalo ruço queimado capão grande, do sr. José de Sousa, por60$000; um ruço pedrês, de João Rodrigues por 36$000, e assimmais conduzi alguns cavalos emprestados; pus em roça de milho eabóboras e logo engordaram, e voltei para o Garcia, eu, meu manoRemualdo, meu cunhado Alcino e o escravo Vicente, de meupai. Em outubro cheguei no Garcia; em fins do dito outubro fizum bangüê para a doente e conduzi a minha família para a casade meu pai, com muita felicidade, a qual viagem concluí em finsde novembro; logo que chegamos adoeceu minha filha Custódia,de maleitas e meu mano Remualdo, de sezões, e meu cunhado Al-cino, de maleitas. Advirto mais que para a referida viagem compreiuma égua castanha de meu tio Francisco de Paula, por 40$000.

Ano de 1835

Entrei para o sertão do rio Verde em o 1.° de junho, eu, meumano José com sua família, de mudança para a fazenda do cunha-do Vieira, meu cunhado Alcino e o escravo de meu pai, Vicente,dez animais e seis cães; já em marcha comprei um cavalo do sr.

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José Vieira por 40$000. Comprei mais outro cavalo castanho, curi-tibano do compadre Jacinto por 42$000. Cheguei na fazendado sr. Januário Garcia, o qual senhor supriu-me de farinha e ar-roz, etc. Segui a minha derrota deixando a meu cunhado Al- (napublicação falta uma linha) providas das maleitas, na casa do sr. Antô-nio Barbosa; em 4 de agosto embarquei-me em batelão, no rio daParanaíba a retificar posses do rio Verde, postas no ano de 1831e tomar conta de uma fazenda que comprei, constante de papéisque se acham em meu poder, etc. Pessoas que me acompanharamforam: meu mano José, o escravo Vicente e Joaquim José Pedroso,que homem o encontrei no porto do embarque, gravemente mo-lesto de um antraz nas costas e rodemos pelo rio abaixo, passandovárias corredeiras e saltos com felicidade; no dia 26 chegamosem um córrego abaixo do Sucuriú, por nome Taquaruçu, reti-fique-mos para meu mano José, que té aí estava por conta do sr.Januário Garcia Leal, o qual havia cedido-me e fiz dádiva ao ditomeu irmão; mais abaixo retifiquemos um ribeiro que faz barrafronteando a uma praia grande de areia, entra parte de suas águasa roda da praia pela parte de cima, ficando a maior parte de suaságuas que deságua pela parte debaixo, no qual riacho lhe pus onome – Duas Barras. No dia seguinte a pouca distância chegamosa outro ribeiro por nome Cascalho e aí cuidei em fazer uma roci-nha a qual ficou plantada e retificada as suas posses, etc. Nestelugar passou três canoas de cuiabanos prequitos, que subirampara Porto Feliz; eu não as vi, porque andava no campo; chegueiao pôr-do-sol e encontrei um cuiabano que estava à minha espera,o qual disse-me que andava desnorteado, tendo vindo na compa-nhia dos ditos prequitos; o dito contou-me a sua vida, que porproximidade o recebi em minha companhia té salvá-lo do sertão.A 7 de setembro subi pelo rio Verde retificando posses, roças, ecasas; gastei vinte e nove dias de subida e descida, té sua foz e re-vertendo pelo Paraná acima, pousamos no primeiro dia fronteiroa umas ilhas; matei uma mateira e pesquei muito peixe; ao pôr-do-sol avistamos quatro canoas de cuiabanos, as quais fizeram seu

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pouso defronte a nós. À noite veio o guia e o contrapiloto, ondeeu estava, em procura de mantimento, oferecendo-me prata, ouro,poaia, tamarinos ou outra qualquer coisa; mostrei-lhe o meu ba-telão, que era sertanejo, e o mantimento que havia; logo mandei fa-zer comida para matar a fome daqueles dois homens, o qual contou-me que há cinco meses não comiam a propósito; que estiveramesbarrado em Camapuã e não tendo esperanças de melhoramentode mantimento, resolveram seguir sua viagem (como aconteceu),com seis alqueires de farinha e nove de feijão comprados a 7$200rs. por alqueire; vendo eu tudo isto tive pena, peguei em um an-zol, isto sobre a madrugada, pus-me a pescar, fiz donativos a elesde peixe, carne, fumo, anzol, pólvora e chumbo – tudo à propor-ção das minhas forças, e apartamos muito cedo; eu segui a minhaviagem adiante, para pescar para socorro aos ditos; no dia seguintepelo meio-dia alcançou-me no dito ribeiro Cascalho onde fiz aprimeira roça. Obsequiei ao sr. Eleutério Nunes com comidas, epeixes que eu havia arranjado, e continuemos nossas viagens, an-damos juntos três dias, fez-me ver todo o negócio e o bom arranjode Cuiabá, e ficamos camaradas por mimos naquele sertão; eunão temia passar fome para socorrer a eles; apartamos no portodos caiapós, fronteiro à barra do Tietê. O dito Eleutério fez todoexcesso de levar-me, obrigando-se pôr-me em minha casa sem eudespender um só vintém; animando-me muito, denunciou-meuma fazenda no rio Pardo, em uma paragem chamada Caijuru, té osalto Curau, em que os antigos plantaram cinco covas de bananas,estando no mato com grande viço; então contou-me os negóciode Miranda, a distância de Camapuã a Miranda, que é dez dias demarcha, o preço dos animais – gado de criar a 1200 – os gênerosque se podia levar; fiquei certo, e tenho tenção de aproveitaralguma coisa que o dito me fez ver, com facilidade, por ter roça norio Verde, que fica perto dessas alturas, para meu socorro, etc. Apar-tamos segunda-feira a cinco de outubro e prendou-me com seusmimos; e uma moça que ele trazia prendou-me com uma lindaboneca. Para encurtar o verso, segui a minha viagem passando a

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fruta e peixe, até sem sal, para podermos chegar ao Povoado, quechegamos com felicidade de um a um, por virmos meios molestos;achei a meu cunhado Alcino inda pior do que eu o havia deixado,hoje. Fazenda do Barreiro, 19 de outubro de 1835; fiz um bangüêe conduzi meu cunhado até a Vila Franca, à casa de seus pais, gas-tando nesta viagem 200$000 rs., a saber: entra na soma acima 24$000que dei por um cavalo zaino, velho, que comprei de Teodoro Mo-reira de Carvalho.

Ano de 1836Comprei um jogo de pistolas fulminantes por 20$500, um

recutelão 8$800, duas armas fulminantes 26$000, um cavalo cas-tanho cabeleira, 55$000, que foi de Manuel Adriano, um ruço quei-mado igualado, de João José Ferreira por 40$000, uma panelade ferro e um caldeirão pequeno por 7$040, entrando despesasmiúdas com as já referidas, 250$000.

N. B. As despesas que fiz de 1831 té 34, montou em 800$000.Junta-se as despesas todas, desde o ano de 1829 té 1836, tenho gas-to o que mostro – 1:424$000.

Mapa de minha entradaCópia.

Mapa de minha entrada para o sertão.

Comarca de Cuiabá. Eu, Joaquim Francisco Lopes, meucunhado Antônio Vieira Moço, meu mano Gabriel Francisco Lo-pes e um escravo do dito meu cunhado, por nome Domingos, eseis animais cargueiros, quatro de sela e dois cachorros, um pornome Violento e outro Nhoembré, no dia segunda-feira, a 27 dejunho de 1836, saímos da casa do sr. Januário Garcia Leal e pou-semos no ribeiro por nome Ariranha, perto de um barreiro; 3.a –28, falhemos para picar uma mata de facão, a ver subida na serrapara romperem rumo do atalho para a estrada de Cuiabá.

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4.a – 29, abrimos de cargueiro. 5.a – 30, subimos a serra, des-carreguemos no primeiro tope, e viemos pousar na cabeceira doAriranha, e matemos um queixada no pouso. 6.a, 1.° de julho, pou-semos em uma cabeceira de Santa Ana e piquemos o cerrado queera alguma coisa coberto. Sábado, a 2, andemos quatro léguas, pou-semos em uma vertente do rio do Peixe para dar tempo a queimarum fogo que pusemos em uma macega. Domingo, a 3, pousemosnas últimas cabeceiras de Santa Ana. 2.a – 4, dobremos em rumodo poente, descemos a serra em águas do rio do Peixe, em um lu-gar disfarçado, e procuremos a direita de um baú. Saímos nas ca-beceiras do Indaiazinho, e pousemos em outro braço que buscaao rio do Peixe, e viemos certo aonde fiz tenção sem topar empe-cilho algum. 3.a – 5, andemos em rumo do noroeste, e pousemosem águas do rio do Peixe. 4.a – 6, pousemos em vertente do rio doPeixe, em rumo do noroeste; fizemos uma ponte em um córregodo meio, e os fogos dos companheiros que subiram pelo Correntedobraram pelo rio do Peixe. 5.a – 7, andemos em rumo do poentee pousemos em águas do rio do Peixe vertentes, em serrotes; cam-pos limpos, fizemos a conta desta dita cabeceira ao sr. JanuárioGarcia, vinte léguas. 6.a – 8, marchemos em rumo do poente e logona saída do pouso saltemos uma vertente e demos em um espigãogrande coberto e composto de uma cambaúva chata, que mal es-barrava na estribeira, e dobrando topemos uma moita de outra fi-na, em toça, a folha comprida imitante a grama que cobria os animaise eles não comiam a dita cambaúva; mastiguei a folha, era muitodura, a resto emendou-se uma campanha arrenegada e viemos pou-sar em uma vertente empantanada; a dita corre para o rio do Pei-xe. Marchemos três léguas.

Sábado, a 9, saímos acompanhando a dita vertente em ru-mo do poente; andemos distância de uma légua, larguemos a dita àesquerda e entremos em um campo coberto, composto de algumamoita de cambaúva baixa; depois procurei ao rumo do sudoeste,pousemos em vertentes do Indaiá Grande. Verte de uns serrotes,os campos cobertos da cambaúva rasteira, e subindo os ditos serrotes

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pega cambaúva fina, que mostra ser uma grande campanha, o que seavista, verde e bonito ao longe, de perto triste feia, e indigna; estasvertentes correm em rumo do sul; depois de pousar e arrumar oscavalos, subi o serrote em rumo do poente e varei um pedaço dacambaúva fina, saí em campos limpos, atrepei em uma sucupira,avistei campanha em um chapadão; cortei os galhos da dita, volteipara o pouso fiz caminho no serrote, para no outro dia subirmosos cargueiros, e fizemos marcha de três léguas. Domingo, a 10, pou-semos em um chapadão que se avista céu e campo em qualquerparte que se está; está-se mais baixo que os montes; de tão plainocansa os olhos de se mirar para a dita campanha. Andemos em rumodo poente, pousemos em vertentes do rio do Peixe. 2.a – 11 –saímos da dita vertente por muita lebrina; fizemos nossa dúvida,descarreguemos na chapada; acendemos fogo; depois que saiu osol, pelo meio-dia, endireitemos o rumo e passemos na cabeceirade uma furna e viemos pousar em uma cabeceira. À tarde matemosum tamanduá-bandeira e duas emas, e descobri passagem em doisbraços de um córrego na cabeceira de furnas, e tem muito bompouso, até fechado em rumo do poente; marchemos duas léguas,águas que correm ao Sucuriú. 3.a – 12 – fizemos uma entrada emuma vertente tão plaina que não se podia endireitar. Os campos co-bertos de cupins e murundus e a dita vertente emendou-se comáguas do rio do Peixe em brejões; voltemos a ganhar águas do Su-curiú e avistamos onze bandeiras em distância de uma légua. 4.ª –13 – marchemos em rumo do noroeste, fizemos passagem em umcórrego, e boa, descemos a serra em cabeceira do Sucuriú em umatromba admirável; pousemos em um ribeiro que sobe a dita serraem rumo do nascente, e de certa distância procura ao norte emchapadão grande. Declaro que a tantos de abril no ano de 1834fiz uma entrada pelas margens do Sucuriú acima, a fazer posses,mandado pelo sr. capitão José Garcia Leal, assinalei cinco fazendaspara o dito senhor e duas para dois companheiros. Por vir só comum cargueiro não segui para diante; na volta passei a carne de ga-lheiro. Declaro, que esta dita fazendola das águas claras, é de meu

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mano e companheiro Gabriel, o qual veio tomar conta dela, pornegócio que fez com o dito Garcia, e marchemos três léguas, e mar-quei o rumo para o sr. Januário Garcia vir abrir de carro a estrada,procurar uma passagem no dito ribeiro que pusemos o nome – oAlegre – em cima da serra; me disse um companheiro da primeiraentrada por nome Domingos, que mandei subir a serra seguir aodito ribeiro deu-me notícia de boa passagem e pouca volta faz,ou nem uma, a buscar o pique que abriu o sr. Carvalho. 5.a – 14– falhemos para retificar a dita fazenda. 6.a – 15 – falhemos. Sá-bado, 16, marchemos duas léguas em rumo do poente; ao meio-dia, para tarde avistarmos fogos em cima da serra no chapadão,fiz ser dos companheiros que subiam pelo Corrente; não respondi,por o campo estar baixo. Domingo, 17, paremos para dar tempoa meu mano retificar umas barras; pelo meio-dia saímos em rumodo noroeste, pousemos em uma cabeceira em cima da serra, pertode uns matos de furnas, nas últimas cabeceiras do Sucuriú e consul-temos para marchar em rumo do noroeste a procurar rio do Ta-quari. Marchemos uma légua. 2.a – 18, marchemos em rumo donorte, e marquei em uns paus do campo o rumo do sudoeste, paraguia do pique da estrada do atalho de Cuiabá. Depois de marchardistância de duas léguas em um chapadão, em rumo do norte, en-contremos águas que correm ao noroeste, em umas grandes furnasde matos, morros, campestes, agudos, escalvados, vermelhos e ama-relos, que me pareceu ter grandes grandezas de ouro, que nunca viumas brenhas semelhantes; voltemos em rumo do sudoeste abei-ando as ditas furnas que já nos cercavam; os campos cobertos eruins pastos acompanhado de cambaúva fina e ruim, nos pareceuser águas que vão a Araguaia. 3.a – 19, voltemos a procurar o espigãodo Sucuriú, pela parte do sul andemos distância de três léguas emrumo do sudoeste; pousemos em águas que correm ao noroeste; éque as ditas brenhas nos deu descida, não tem serventia senão paratirar ouro, pelos pastos serem ruins, representa ser lavras do Pilar.

4.a – 20, marchemos em rumo do sul, encostado em umaserra bem por baixo, distância de duas léguas, e pousemos em ver-

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tentes que correm ao sudoeste; à tarde atrepei a serra, avistei doisfogos em Taquari ou Piquiri. Voltou do dito lugar um compa-nheiro, meu mano Gabriel, que veio ver uma fazenda no Sucuriú.Os animais do dito estavam sentindo, e não lhe agradou o queavistava; assentou em voltar e cuidar nos seus serviços e dei parteao dito Garcia do meu destino. 5.a – 21, saímos em rumo do su-doeste, marchemos duas léguas e meia e nos custou achar água pornão poder descer um talhado que acompanhava a dita vertente,que é braço de Jauru, descemos em um focinho e pousemos emuma vertente do Buritis, em campos cobertos – areia e ruins pastos.

6.a – 22, saímos em rumo do sudoeste, em campos cobertos,e melhores pastos. Busquei o morro bojudo de pedras meio aver-melhado muito alto apontado, atrepei no segundo degrau e nãopude atrepar no terceiro pique da torre: é o que representa ser –e busquemos um pontal de espigão, destorci pela esquerda, bus-quei um riacho que o chamam Jauru, fizemos passagem, passamosas cargas no ombro com água aos peitos, acabamos ao fechar danoite, e pousemos de outro lado, e marchemos três léguas. Sába-do, 23, passamos os animais muito cedo, marchemos ao sudoesteem campos fechado e ruins pastos e procurei um tabuleiro. Topeia trilha e pique que abriu o sr. Carvalho, e cortei paus ao atravessarpara sinal, e procurei uma vertente de um ribeirão e avistei fogos,respondido aos meus que tinha posto muito perto de mim; griteie me responderam; busquei ao ribeiro a escapar do fogo e pousei;ao depois atrás do fogo me apareceu um meu patrício conhecidoda Vila Franca do Imperador, Manuel Pereira; nos fez ver que ti-nha vindo com o cabo Fagundes pela trilha do Carvalho e nãodeu boa informação do que avistou até a fazenda do cadete Je-rônimo, que tudo era inferior, e mesmo Jauru abaixo distânciade doze a quatorze léguas que era muito cerradão, assentei pro-curar Camapuã em rumo do sul, e o dito sr. Pereira ajuntou-seem nossa companhia com dois animais, um cargueiro, um de sela, emandou dois índios seus camaradas para o Piquiri ao destacamentodonde tinha saído, um por nome Joaquim e outro Maximiano; eu

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escrevi ao dito cabo do mando regente José Gonçalves, dando-lhe parte dos meus giros. Hoje, domingo, 24, saímos do ribeirãodo Barreiro, da aldeia velha, em rumo do sul, e pousemos em ver-tentes do dito, adiante uma légua. 2.a – 25, marchemos em rumodo sul e pousemos em o ribeiro que busca ao poente, e vai a Jau-ru; fizemos passagem em um mato entre meio de um córrego;marchemos três léguas em campos charravascal, gravatás, areias,sapés e pouco capim. 3.a – 26, marchemos em rumo do sul emmelhores pastos, subimos a serra em matos e pousemos no fimda furna, em campos cobertos, e muito ruim pasto e mar-chemosuma légua e meia. 4.a – 27, marchei em rumo do sul, em camposcobertos, areia, capim-chatinho e pousemos em vertentes que buscaa Jauru; nasce em serrotes baixos e bom pasto de capim-branco;marchemos três léguas. 5.a – 28, marchemos em rumo do sul epousemos em águas que vão a Jauru em campos de capim-branco,marchemos uma légua. 6.a – 29, marchemos em rumo do sul emcampos cobertos bom pasto, o capim branco e pousemos emum ribeiro que pusemos o nome Prapotangas por um companheiromatar duas, e pintou seus matos, e serrotes cobertos, e pedras eseus coqueiros ariribás; marchemos três léguas e meia. Sábado, 30,marchemos em rumo do sul em campos cobertos compostos deserrotes, os pastos bom capim branco, e fizemos passagem emum córrego em mato, logo adiante fizemos ponte em outro emcampo, pusemos o nome – os Macucos – que vão ao poente, emarchemos duas léguas. Domingo, a 31, marchemos em rumo dosul em campos cobertos de areia e ruins pastos, meio charravascal;distância de três léguas em um chapadão, passemos por perto deum baú selado, atrepei em uma sucupira e descobri uma vertenteem rumo do sudoeste; abeirei a dita; pousemos na cabeça de u-ma furna, em pastos bons de capim branco e marchemos quatroléguas. Depois fui descobrir caminho na serra. A descer, avisteicampos limpos, morros, e monstruosos; capões pequenos, e mui-tos, e o palmito agarirova desde a cabeceira do Sucuriú aqui oviemos topar; pus o nome no vão em que avistei fazendola da

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fronteira dos montes monstruosos; águas que correm ao poente.2.a feira, 1.° de agosto, falhemos. 3.a – 2, descemos a serra em umfacão e procuremos um pontal de espigão, fizemos passagem emuma vertente, em mato à esquerda, apossemos uma barra direita.São iguais, e apareceu muito peixe; fomos arrodeando alguns morrose vertentes pelo dito abaixo em muito bons campos de criar, epousemos em um buriti, na beirada de um capão na margem dodito: e marchemos três léguas em rumo do poente. 4.a – 3, apos-seemos uma barra que lhe pus o nome – Socó – e passamos o ri-beiro para outro lado e aposseemos o ribeiro maior que vem dosul pelo nome Gameleira Grande, e passamos o dito primeiropara o outro, pousemos no barranco, pesquemos muitos peixes,e marchemos duas léguas ao poente. 5.a – 4, marchemos em rumodo poente acompanhando o dito ribeiro; entrou em um riacho ta-ludo que corre do sudoeste a noroeste, a procurar Jauru, e marchemosuma légua; ficou aposseada a sua barra. Derribou-se alguns pausde um e outro lado; no pontal faz uma pedra e se fez duas cruzesem um pau de aroeira e em um óleo, e para baixo pegou camposcobertos o que se avistava pela parte do noroeste, a poente, emuitos morros. 6.a – 5, saímos do ribeiro por nome as Arraias,por vermos duas, e abeiremos o riacho maior em rumo do sul,distância de uma légua. Saltemos o dito em um mato que acompa-nha em água ligeira; logo acima apossei uma barra de um ribeiroque lhe pus o nome Tarumã, e tem seus matos bons, e seguimoso dito acima em rumo do sudoeste distância de meia légua. Saltemose pousemos. Eu segui acima pondo fogos no campo distância demeia légua; aposseei uma barrinha à direita, e marchemos umalégua e meia. Sábado, a 6, marchemos em rumo do sul, em cam-pos bons, e passamos um córrego pequeno que dá água para mon-jolo e pus o nome – córrego Fundo – avistamos uma brecha debarra que entrava de outro lado. Endireitemos para a dita, pas-samos em uma várzea de baía seca, e seus monchões de capim-mimoso; entremos no mato, seus balsemos grandes e pequenos,e topemos uma vazante seca, coberta de um capim que imita o

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da princesa, mais largo alguma coisa, ervas-de-bicho pela beirada,e os animais não queriam sair dele, estava que nem salada, e pou-semos na beirada do dito riacho, que pusemos o nome – São Fran-cisco dos Morros Altos. Logo abaixo entra a dita barra defronteum barranco, passei o rio mais para cima e fui apossear o ditoque lhe pus o nome – Barreiro; e marchemos uma légua e meia.Domingo, 7, saímos em rumo do sul, distância de meia légua en-contremos uma batida de estrada na cabeceira de um brejo, acom-panhei pensando ser de anta, logo topei esterco muito velho, apeei-me e reconheci que era de animal cavalar, e fomos trilhando; adita estava desleixada mas se conhecia que era dos índios que na-vegavam da aldeia velha, para Camapuã, o que nos parecia; e pi-quei alguns paus do campo pela batida, e mandei fazer pousoem uma vertente à esquerda; eu segui a batida distância de umalégua, e topei ossadas de um cavalo em uns buritis, dobrando oespigão fiz uma cruz em um pau do gomarábia e voltei, dependureia cabeça do cavalo pelo oclo de um olho em um galho de goiabeira-do-campo; cheguei no pouso ao entrar do sol. Declaro que a ba-tida segue ao noroeste; marchemos uma légua. 2.a – 8, procure-mos ao riacho ao sul em distância de meia légua; encontremos odito, nos cercava pela parte do poente; descarregou-se os animaisem um mato e descemos pelo dito abaixo a reconhecer se entravabarra em uma baixada que fazia; fomos sair aonde os índios pas-sam o dito para o outro lado. Dois acompanharam o trilho parao pouso, eu voltei rastro atrás; avistei cedros, aroeiras, taquaruçus,quase todo secos e os companheiros acharam estercos de gadona batida dos índios. 3.a – 9, saímos do riacho, voltemos pela bati-da dos índios, por ter entrado o dito riacho em furnas de serra,em cerradões, ao poente. Seguimos a batida; em alguns lugaresperdíamos e nos custava achar, e pousemos em cabeceira do ditoTarumã embaixo da serra, e marchemos três léguas.

4.a – 10, falhamos no dito córrego que pusemos o nome –os Pitos. À tarde trepei a serra a avistar, descobri umas vertentesà direita procuram ao dito riacho e tem seus matos; os campos

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meios cobertos pus o nome – a Lagoa. 5.a – 11, marchemos ao po-ente na trilha, subimos a serra em um matinho, e saímos em pas-tos muito bons e seus capões pelas vertentes que subiram o altoda serra, e saímos em um campo grande limpo; pousemos em unsburitis à direita. Marchemos quatro léguas. 6.a – 12, marchamosem rumo do sudoeste em uma vertente acima do chapadão Co-piy; terra vermelhada, campos baixos e fechados, ficando de vistavertentes à direita; depois, descemos em furnas, morros, pedrase aparados; na descida encontramos uma estada da cambaúva fi-na; achamos a ossada de um cavalo na batida e descendo a serra,a cabeça de uma rês. Dependurei em um pau, e pousemos em u-ma vertente que atravessa a batida, em buritis, em uma barrinha,e achamos outra cabeça no pouso, e moquém, onde assaram. Tam-bém dependuremos e marchamos cinco léguas. Sábado a 13, mar-chemos em caracol grandes e maiores, em rumo do sudoeste; en-tramos em umas cafurnas, por baixo de uns rochedos de pedras,arrodeando grotas e saltando outras, e nos acompanhava um a-parado de serra à direita, e busquemos outra serra que estava adi-ante; descemos entre meio de serrotes e saímos em uma cabeceirade pindaívas e pousemos em um galho da dita; andamos três lé-guas. Domingo, a 14, marchamos em rumo do poente. Saltemosum ribeiro que corre ao sudoeste, acompanhemos uma vertenteà direita, e dobramos serrotes de pedra; pousemos na segundavertente, na beirada de matos de baguaçu, acima buritis. Achamostrês tendas de quebrar cocos, marchamos duas léguas e meia. 2.a

– 15, marchemos em campos cobertos e muitas bibocas de cabe-ceiras e pedras e descemos em uma cacunda de uma serra que vemdo norte a sul, e chegando no alto avistemos embaixo da serra umgrande chapadão que representava ser brejão, com seus monchõesde cerrado. Descemos a serra em um facão muito comprido emuito alto ao solás, que mete medo; depois de descer entra-seem moitas de tabocas baixas, sapés, bacuris no campo, e citadasde craíbas florescidas e muitas qualidades de pastos, e terra brancae dura; tem lugares que encharca com as águas e pousemos em um

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riacho de canoa, as águas turvas empantanado, e não tem matose corre para o poente. Marchemos três léguas e meia. 3.a – 16, mar-chamos ao poente, distância de uma légua, pela trilha dos índios;embicou no dito riacho, nadei para outro lado ver o caminho;derrubamos quatro paus, dois de um lado e dois de outro, encru-zaram os galhos e fizemos pinguela com guardas, e passemos nossascargas com felicidade, e deixemos os animais de lá por bom pasto;pesquemos muitos peixes e matamos muitos pássaros, patos, mu-tuns, jacutingas, jacus, jaozes, e urrava muita guariba; os macacosmuito mansos nas fruteiras da sapucaia, e tivemos boa ceia; pousa-mos em matos de bacuris que acompanha o dito riacho; o cunha-do Vieira a vida dele era comer cocos de bacuris. 4.a – 17, falhe-mos para lavar e remendar, e procurar a trilha em um varjão decapim alto e ferpudo. Nos custou a romper. Saímos em uma baíacomprida; peixes e jacarés logo na beira de umas tabocas; achamosa dita trilha, acompanhamos e pusemos fogo nos campos. À tardepassamos os animais muito a salvo, depois de estar dormindopelas nove ou dez horas da noite, apartou-se um cavalo, atirou-se noriacho, perdeu o porto, nadou o rio acima; atirei-me na água, pe-guei e puxei-o para uma prainha, amarrei seguro; no outro dia fizcava e tirei-o, e também achou-se uma panela de barro fino, furadinhapela beirada, com suspiro, atrombetada, feitio de capelo de alam-bique. 5.a – 18, marchemos em rumo do sudoeste em um chapa-dão baixo e pousemos em uma baía comprida, perto de um ca-pãozinho, com bacuris, baguaçus e tabocas, jacarés, araras, garças,biguás, patos, papagaios, maracanãs e pescamos trinta e quatropiranhas e um pintado, parece cousa invisível porque não avistamosrio e marchemos três léguas. Advirto mais que em cima da serratêm muitos rastos de antas, e de onças, descendo a serra, cervos egalheiros, muitos paus do campo ranhado de onças; na dita lagoa,ao fechar da noite, atirei nos pássaros, que eram muitos nas árvores,e todos cantavam e gritavam, com o eco do tiro deu dois gemidos,fiz ser jacarés (?) ou peixe pintado. Depois de cearmos fomos prepararos peixes na lagoa que estava arretirada do fogão vinte passos; os

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jacarés ajuntaram-se para perto, peguei a dar gritos brincando comeles peguei na espingarda dei três tiros; com isto gemeu. Sentamosestar algum morrendo, diferençou-se que era onça debaixo de u-mas árvores sombrias, e continuou mais alto e grosso. Corremospara o fogo carregar as armas; dei dois tiros no dito lugar: a poucoroncou mais baixo, assentamos que foi-se embora; amolamos osfacões, sempre receosos, e recomendei que se pusessem pronto edormimos. Eu fiquei um tanto cismado e gritava; estando passan-do por uma madorna ouvi rosnar e avisei aos companheiros e adita estava perto do fogo; levantava-se o rapaz com a coberta namão, caiu em riba do sr. Pereira e o prendeu debaixo da coberta.Com o urro da onça que estava perto, o fogo apagado, custamos adiferençar e o cunhado Vieira assentou-se com a faca na mão a gri-tar: O bicho! Passei adiante, fiz frente te se levantarem; ela nãoquis se retirar. Peguei na arma que tinha deixado na cama e atireiao rumo onde urrava; atirei fogo, então se retirou e gemeu maisadiante pouco, atirei cascas de baguaçus – roncou mais adiante –e gritei ao Pereira que atirasse. Com isto se retirou e não dormimosmais. 6.a – 19, de agosto. Fica defronte uma serra grande que a-companha ao sul, à esquerda; a dita onça comeu três peixes que ti-nha ficado na beira da lagoa. – Sábado, a 20, marchamos pela partedo sul, em chapadão, e seus matos de baguaçus, à esquerda e pas-semos um charco grande e abeiremos para cima em chapadão ú-mido. Saímos no mais duro, pousemos ao fechar da noite, emumas poças de taboas, agora grossa e ruim. Marchamos cinco lé-guas a par com a serra. Domingo, 21, marchemos procurando aosul chapadão chato, pousemos em umas poças grandes que vemda serra, mal corre água; muito bom pouso, pescamos muito peixe– traíras, piranhas, piaus, lambaris; marchamos três léguas. 2.a –22, marchemos a par com a serra, ao sudoeste, em chapadão baixo,marchamos três léguas. Advirto que pousemos em uma baixa en-charcada de água, capim perto de três moitas de tabocas e bacurisfechado, e também topemos um cágado redondo grande, a ca-cunda do feitio de dado de damas; em Goiases chamam jabuti.

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3.a – 23, marchemos, chapadão monstruoso e dobremos, tope-mos uma várzea arcada em algumas partes. Matei dois galheiros,abeiramos para baixo, pousemos na beira de um riacho que vemda serra. Divide-se a dita serra, e se avista chapadão, e alguns bra-ços entranha em morros, ao que avistei e apanhamos muitos doira-dos; com a lavagem da carne, amarelava o rio e levou três anzóis,e pusemos fogo no campo que arrasou e matei uma capivara muitogorda com cinco filhos na barriga; achou-se três pés de algodão eum pezinho de urucu. Marchemos duas léguas; advirto que o ditoriacho nasce do sueste e corre ao poente. 4.a – 24, passamos oriacho em bom vau com os animais carregados. Saímos em umasvárzeas de capim rasteiro, areia fina de fundição e branca e unscoqueiros, ao longe parece buritis, da folha e a cabeça pequena,espinhos acompanhando o talo. Saímos em lingüetas de campoentre meio de cerrado e pousemos em uma água morta que vemde um cortado de serra. Apanhemos muitos peixes e marchemosduas léguas em rumo sudoeste; à noite vimos fogo em rumo dosudoeste. Eu gritei aos camapuanos; logo rosnou uma onça perto.Não dormimos fazendo serão. O luar claro. À meia-noite tornoua roncar no mesmo lugar e não veio. 5.a – 25, abeiremos a dita á-gua para baixo, passamos em um charco grande, marchemos emchapadão grande, topemos uma batida de gado que diferençou-se orasto, depois topemos outras mais novas, adiante uma trilha seguida,e marquei em uns paus do campo, e fomos esbarrar em um riachode canoa. Taludo, e a trilha saltou para o outro lado. Voltemos paratrás a seguir o rasto das criações nos verdes que avistávamos a parcom a serra e logo adiante avistamos um pouso, defronte uma la-goa, pousemos e marchemos três léguas e marcaram emum pau dois ferros (desenho ao lado) ao sudoeste. 6.a – 26, se-guimos pela batida rio acima e avistemos gados, adiante uns pésde pitas, mamonas, fumo, algodão, esteios, lugar de tapera, adi-ante umas casinhas, um curral de varões de taquaruçu, uns índios,porcos, cachorros, galinhas, animal cavalar. Preguntei a eles a naçãoresponderam guaxi, e preguntei por Camapuã; apontaram pela

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serra ao sueste. E o forte de Miranda? Responderam perto, e apon-taram ao sudoeste, e me disseram que o Santos português estava fa-zendo sal, e me convidaram e me deram uma égua rosilha anda-deira, e o dito amontou-se em um potro baio, e fomos à salina;quando apeou-se é que vi o moldre do selim inglês que muitobem embutia; topemos o sr. Salvador Luís dos Santos e seus ca-maradas fabricando sal em sacas de coiro, estilando e apurandoem tachos, e nos deu os nomes dos rios que passamos: o primeiroriacho, Coxim; o segundo, rio Negrinho, que é cabeceira do ter-ceiro riacho de canoa, rio Negro, acompanhando a dita trilha, a-beirando a serra; o quarto que topamos, Naboco Niogo; o quinto,maior, Aquidauane, feito na salina do falecido Isidoro. Retratodo ferro do fazendeiro Chiquinho (desenho embaixo) e os ditos índiosandam vestidos de uma pano dobrado, linhas torci-das com suas pintas de várias qualidades e um ponchi-nho do mesmo pano. Vacas de leite pequenas, gordas, muito boasde leite, e marroazes à proporção, e nos tratou com leite cozido ebatatas; e também eles têm um leque de assoprar fogo e abanarmosquitos. Sábado, 27, falhemos e o sr. Santos veio nos pagar avisita. Domingo, 28, passamos Aquidauane, eu o sr. Pereira, pordar manifesto ao comandante do forte de Miranda, e marchemosem chapadão, em algumas partes monstruosos. Não pudemoschegar, perdemos a batida. Com a noite, pousemos em uma cercaem mato de tabocas; advirto os nomes que me deram das passa-gens até o forte: primeiro, Pirizal; o segundo, Ipegue; o terceiro,Naxadaxe; o quarto, Uagaxi; o quinto, Morraria Forte.

2.a – 29, cheguemos e fizemos ver aos de Miranda as nossasinvestigações; advirto que o dito forte tem quatro frentes de casas,duas arruadas, cercas de taquaruçus e as outras só a frente. O forte,no meio, cercado de madeira em pé, apontadas de quatro quinas,aterrado alto por dentro, e tem sentinela viva de dia e de noite;tem os índios aldeados ao pé do forte com suas lavouras, engenhode bois e fazem rapaduras e melado e fabricam a farinha de man-dioca; as nações são estas: uaicurus, guanás, guaxis (estes são alia-

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dos) há outras nações que existem arretirados assim como ipag-mas, caiubás e outras mais, etc. Consta-me pelos habitantes de Mi-randa que do forte té sua foz em Paraguai terá quatorze léguas, ea Coimbra nossa fortaleza, vinte. Advirto que do Aquidauane aMiranda tem dez léguas. 3.a – 30, saímos por tarde e pousemos ar-redados três quartos de légua. 4.a – 31, fomos à salina. 5.a – 1.° a2 de setembro falhemos. Sábado, 3, passamos o Aquidauane,viemos ao Ipegue. Domingo, a 4, cheguemos. 2.a – 5, falhemos.3.a – 6, falhemos. 4.a – 7, falhemos. Neste mesmo dia comi mi-lho verde na casa do sr. Salvador Luís dos Santos, e o mesmo noscontou que tem muita jabuticaba das grandes e grumixás. 5.a –8, depois de meio-dia saímos do forte, a buscar novo caminhopara Camapuã, apatrocinado do sr. comandante João José Gomes,suprido de mantimento e guia um uaicuru por nome Neuane,um guaxi, por nome Lascabite e quatro cavalos para reveso (a sa-ber) dois do sr. comandante e dois do sr. João de Faria Velho, epousemos arretirado do forte uma légua, defronte ao morro doMoreira. 6.a – 9, saímos e pousemos em um cabeceira à direita,perto do Ipegue; marchemos quatro léguas e meia. Sábado, 10,cheguemos na salina do falecido Isidoro, e marchemos quatroléguas e meia. Domingo, 11, pousemos na fábrica da salina do fa-lecido; marchemos uma légua; à noite apareceu-nos uma luzernacor de fogo resplandecente como uma grande estrela. O índioNeuane nos disse que era bicha no cupim, eu o convidei para irlá, e ele disse-me – “Olha Joaquim você vai lá, ocê morre”. Eu operguntei se conhecia, disse-me que não, pois que sua gente temmedo; assentimos ser um bicho que ouço dizer tem uma pedrana cabeça que é a maior luz possível que lhe dão o título, Caincro– fica encostado de outro lado da várzea em um mato de tabocas.Pousemos adiante do rancho da fábrica e a bica-d’água. 2.a – 12,saímos na trilha de Camapuã em uma passagem por nome Pirai-nha e pousemos no Daboco, e matamos campeiros, capivaras eum jacaré e muitos doirados. Marchemos quatro léguas ao nordes-te. 3.a – 13, larguemos o trilho de Miranda para Camapuã, na

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margem do Daboco, em um várzea salitrada perto de uma paineirado campo, a qual ficou marcada de um e outro lado; adiante u-ma légua fizemos passagem em um córrego empedregulhado; a-diante outra légua fizemos outra passagem enlajeada, boa, e fize-mos picada em um mato de tabocas, e logo adiante arrodeandoum buritizal abriu-se outro mato de bacuris a arrodear um brejo.Marchemos duas léguas ao nascente; não se dormiu a fazer serãoem uma onça que urrou defronte do pouso. 4.a – 14, logo que saí-mos no campo busca-se à direita, para baixo passa-se em uma ver-tente que fizemos uma ponte; carrega-se à esquerda a procurar acabeceira de um brejo; busca-se para baixo, passa-se em uma ver-tente; passa-se areada e boa, buscando o espigão, passando pelacabeceira de um buriti, a procurar outra vertente grande de buri-tizais; passa-se uma passagem lajeada, boa; fica de vista outro bra-ço seguindo por uma chapada acima, passando brejo compridoque pouco atola. Adiante, passa-se outro braço, em outro lajea-do, que admite boa ponte, pequena, e dobrando por um carrei-ro de antas a procurar passagem no Daboco, pela esquerda de u-ma vertente de outro lado, que entesta com o morro do Chapéu;marchemos quatro léguas e pousemos em outro córrego, logo a-diante, que admite boa passagem, rumo ao nascente. 15 – 5.a,falhemos. 6.a – 16, falhemos. Sábado, 17, falhemos. 3.a – 20,falhemos, todas estas falhas motivadas das grandes chuvas. Advirtoque o Daboco busca o rio Negro e a passagem é em mato. 4.a –21, marchemos ao nascente, e pousemos em um braço do Daboco;fizemos passagem em mato de tabocas e marchemos uma légua.5.a – 22, falhemos para procurara caminho em um fecho de serra;eu e os dois índios saímos e achemos subida e descida com suaspassagens de córregos com boas propriedades. 6.a – 23, seguimosa marcha, subimos a serra, insensivelmente, pousemos em um brejonas margens do Aquidauana; marchemos quatro léguas. Sábado,24, logo que saímos do pouso passemos um ribeiro em caminhode anta areado; de certa distância passamos outro, ambos vêm daserra, da parte do Daboco, adiante passamos o Aquidauana (que

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nos cercou pela parte do norte) com os animais carregados, e pou-semos na beira de um brejo por toparmos uma macega a dar tempopara se queimar; marchemos quatro léguas, regulando ao norte.Domingo, 25, marchemos ao nascente, dobremos em cerradão,saímos em campo de frechas, topemos um braço do Aquidauanaque buscava ao nascente. Pousemos e marchemos três léguas. 2.a

– 26, logo que saímos do pouso avistamos fogos ao nascente erespondemos e topamos uma vertente empantanada; busquemospara baixo. Saltemos o dito braço, e abeiremos para cima; pouse-mos na última cabeceira. Marchemos quatro léguas ao nascente.3.a – 27, piquemos uma mata, e dobremos em outra vertente. Logoembaixo topemos um ribeiro com muitas prapotangas, que é braçode Coxim, que entesta com Sambixuga; marchemos duas léguase pousemos em braço do dito. 4.a – 28, marchemos ao nascentedistância de três léguas em morros, campos e matas, e topemos cha-padão coberto que nos representou que estávamos em espigão-mestrede Coxim, e Sambixuga, e voltemos ao noroeste distância de umalégua. Pousemos em vertentes do Coxim; topemos a cambaúva fi-na; marchemos quatro léguas.

5.a – 29, marchamos ao norte em grotas da cambaúva fina,vertentes de Coxim e procuremos o espigão mestre em camposcoberto. Saltemos dois córregos empantanados em verte ao nas-cente, fiz ser Sambixuga e dobremos a procurar espigão fugindodos atoleiros. Topemos furnas do Coxim, e macegão grande e pu-semos fogo, pousemos no mato; marchemos três léguas com todavolta. 6.a – 30, saímos do pouso com o dia turvo de lebrina; varie-mos o rumo, entremos em um cerrado e topemos uma grota demato; abrimos caminho, descemos os animais, e saltemos um cór-rego, paramos no meio do cerrado em um croado do campo, eseguimos quatro pessoas a ver caminho. Saímos em mata encostadaaonde Coxim entranha na serra, e descobri morros, meus conhe-cidos, e estávamos muito abaixo de Camapuã. Voltemos, e pou-semos no dito croado sem água e marchamos uma légua ao norte.

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Sábado, 1.° de outubro, voltemos para trás; logo que subimos omorro, pousemos e neste mesmo dia saímos com os dois índios aver caminho e pôr fogo no macegão que era grande, e descobrimoscaminho na cabeça de uma furna de matos, em um ribeiro queos de Camapuã tratam de Taquaruçu, cujo deságua em o rio deCamapuã – este é o dito que nos enganou ser Sambixuga. Do-mingo, 2 de outubro, saímos em rumo do sudoeste em campocoberto, serrotes, capim branco e na chapada o flecha; subimosem um serrote e avistamos uma capoeira em um capão pequenoao norte, e pousemos em uma vertente, logo defronte, e marche-mos três léguas. 2.a – 3, logo que saímos do pouso salemos umribeiro enfurnado sem mata, que o chamam – Matamata; deságuapor baixo da fazenda de Camapuã e seguimos em campo limpo;saímos no varador de canoas, defronte à cabeceira de uma lagoaseca, e marquei uns paus do campo. Chegando em Camapuã en-contremos nossos patrícios que vieram da povoação dos Garciaspela estrada de Antônio Barbosa da Soledade, que abriu, saltandoSucuriú, rio Verde, a buscar as margens do rio Pardo com o Paraná,aonde o dito Barbosa tem feito sua fazenda.

Os ditos largaram a referida estrada nos espigões do rioVerde, e dobraram o rio Pardo. Encontraram as monções do sr.Eleutério e vieram juntos a Camapuã, por terra. 3.a – 4, falhemos.4.a – 5 – falhemos. 5.a – 6 – idem. 6.a – 7 – idem. Sábado, 8, i-dem. Domingo, 9, seguiram os meus companheiros para a po-voação com os ditos patrícios, pela batida em que vieram do rioPardo. O sr. José Leocádio me surtiu com um par de roupa e man-timento preciso, e também me mostrou todos os seus serviços ecriações. 2.a – 10 – o sr. Eleutério me surtiu com duas camisasde riscado xadrez, que me via já desprevenido, e saí com cartaspara Miranda, a ver socorro de mantimento para o dito Eleutério;e veio em minha companhia um enviado, o sr. Jacinto, fazendo amarcha pela estrada velha; e pousemos no barranco do Coxim.3.a – 11 – pousemos no Capim Branco. 4.a – 12 – logo que saí noCampo Grande larguei o caminho a buscar novo rumo por den-

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tro do Aquidauane que dá melhor caminho sem empecilho decerrados, córregos e morros, e avistemos nossas queimadas que fi-cavam de outro lado do Aquidauane, buscando a direita, receandotopar braço do Aquidauane no chapadão, fui ensacar-me embraços do rio Negro que também sobe no chapadão, e ladeadassuas vertentes de brejos, os quais nos atirou encostado pela estradavelha; os índios conhecendo os lugares me fizeram ver os empe-cilhos; assentei procurar a estrada velha para adiantar o socorro echeguei a Miranda em 22, sábado. – Falha de dois dias. 4.a – 1.°de novembro – saí de Miranda com ordem do sr. capitão coman-dante João José Gomes, a levar socorro de mantimentos em Ca-mapuã, para Eleutério Nunes de Arruda, e levei em minha compa-nhia três camaradas do dito sr. comandante a saber: Paulo Xavierdos Santos, Vítor Antônio de Oliveira e Inácio Laiana com suamulher Maria Valentim; foram encostados na comitiva o furrielManuel Benedito, e o enviado do referido sr. Eleutério, JacintoAntônio Moreira. Levei trinta e três animais do presídio té o rioAquidauane a saber: um macho castanho, uma mula ruça, umparelho de cavalo escuros ambos gázeos, estrelas, um pombo,clem.te um dito Teodoro, um ruço Cândido, um castanho Paz,um castanho Saloba, um ruço Frecha, um rosilho bordado, umrosilho grande, um rosilho Olho de Prata, um ruço Cipó, ummouro pequeno, um castanho malacara torto, um baio Vito,um baio velho mascarado, um baio grande, um rosado, um es-curo gázeo, um ruço Montruoso, um baio D. Manuel, um lazãEstrela; cavalos do Jacinto, um saino, alugado, um castanho mas-carado, próprio; pertencentes ao furriel Manuel Benedito – umsaino estrela, e um baio inceirado; de Salvador Luís dos Santos,um lazã que me encarregou com mantimento para dispor emCamapuã; de Vítor Antônio: um ruço pedrês; meus, um ruçopedrês de nome Rodrigues e outro rucinho. Depois que passei orio Aquidauane entrou na tropa mais um cavalo meu chamadoCabeleira, uma cangalha, um par de bruacas; e seguindo pela mi-nha estrada nova a descobrir subida, em endireitura ao Campo

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Grande do Tarumã encontrei talhado grande de serra cercandopela parte do rio Ne-gro e gastei quatro dias abeirando Aquidauaneacima; destorci para baixo saltando o Aquidauane pela parte deCamapuã; ao nas-cente encontrei segundo braço menor, no qualpus o nome – ribeirão dos Patos – e saltando este seguia por eleacima, ganhei a minha batida de dias de setembro gastando quatrodias de marcha com prejuízo de cinco dias, à vista da dita batidade setembro e seguindo por esta batida té os altos do dito ribeirãoPatos, larguei a batida pela parte do norte, e segui ao nascente a en-direitar o rumo, dobrando o espigão entre duas vertentes, e des-cendo por um chapadão em campos cobertos, encontrei o ribei-rão Sambixuga ao lado esquerdo. Correndo ao nascente, fiz ponteem uma cachoeira e passei o dito ribeiro; a poucos passos saí nascabeceiras de Matamata e seguindo encontrei-me na lagoa seca,onde saí em dia 3 de outubro e segui para Camapuã. Finalmente,dei fim à comissão no dia 29; fiz entrega do mantimento ao ditoEleutério e cobrei recibo, conforme a ordem.

Recebi do Jacinto Antônio Moreira três cargas de sal paraentregar em Miranda ao sr. capitão comandante, assim mais seismedidas de sal para João de Faria Velho, como há-de constar pelorecibo que passei ao referido Jacinto; enfardei o dito sal em courospara seguir viagem.

Recebi mais do administrador de Camapuã José Leocádiode Carvalho vinte e seis medidas de sal para entregar em Mirandaa João de Faria Velho... ao dito sal mais dez oitavas em dinheiro cor-rente para entregar ao dito Velho. Do mesmo administrador rece-bi mais uma oitava em dinheiro corrente para entregar ao sr. co-mandante, bem assim mais várias encomendas que conduzi, etc.

2.a – 5, dezembro, devolvi-me para Miranda. Levei em mi-nha companhia o mesmo número de companheiros mirandeiros,acrescendo um menino por nome Manuel, ficando em Camapuãgravemente enfermo o companheiro Jacinto, que também ten-cionava reverter em minha companhia. Conduziram-se os mesmos

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animais que trouxemos de Miranda, ficando somente em Cama-puã um que é o cavalo alugado em que o referido Jacinto haviaido montado. Advirto que neste regresso achei melhores cami-nhos, fazendo alguns atalhos sem encontrar empecilhos alguns echeguei em Miranda no dia 4.a feira, 21 de dezembro.

Mudança que faz dos climas do terreno deste sertão. Advir-to que divide-se de uma serra que vem de norte a sul; descendoesta serra pelas águas que deságuam ao Paraguai, formam grandesplanos. As águas baixas, razão por onde alaga toda esta marja, ospastos bons que se contam no lugar, tem suas lagoas, e muitos fir-mes compostos de alguns capões, e cordieiras de matos de tabo-ques, e muitas caças do campo, e do mato, e muitas onças, e emqualquer águas muitos peixes; advirto mais nas vages de pratudais,que nós chamamos cruílas, ou nos carandazais muito sal da terratrigueiro, e alvo, e muito salitre se pode formar grandes fazendasde criar, e se formar grande terra, imediato os matos baixos dábem mantimentos, até nas tabocas. Nos campos me parece dartrigos; enfim, pode-se contar este sertão por Patrimônio do Brasiletc. Terça-feira, 21 de fevereiro de 1837.

Segui embarcado no rio de Miranda para a província deMato Grosso, cidade do Cuiabá, à presença do sr. dr. José Antô-nio Pimenta Bueno, presidente da província, e mesmo aos maissenhores do lugar, representar minhas entradas de sertão, e mapasde rios, e comonidades de estradas para S. Paulo e Minas Gerais,para endireitura do Cuiabá, e mesmo de Miranda. Segui apatro-cinado, e enviado do sr. capitão comandante João José Gomes, eencarregado de uma canoa, e dinheiros para certas encomendas,e mesmo dos mais habitantes do lugar; as pessoas foram estas: caboJosé da Silva Leme, soldado do corpo de ligeiros encarregado dedois presos soldados, um por nome Manuel João de Oliveira e An-tônio Bruno Gonçalves, piloto Francisco de Almeida, e cinco índiosterenos, e uma índia; contrapiloto Pedro, e Antônio e sua mulherCatarina, e Joaquim José Gamela, rodamos. Passamos por um riacho

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de canoa à esquerda, por nome Saloba; vem de uma morraria.No dito tem tabatinga que parece alvaiade, da qual trago amostra;logo abaixo pousemos na roça do sr. comandante; pela meia-noiteembarquemos. Faltou o índio Antônio que se escondeu para nãoseguir viagem, entreguei a mulher ao sr. Apolinário Duro, camara-da do dito sr. capitão para os remetê-los. Seguimos e embiquemosem um firme de nome Caramujo, à direita, fez-se almoço.

4.a – 22, passou-se à vista de uma serra, ou morros SeteLados à esquerda; logo abaixo fez-se janta em um firme chamadoRodrigo; às direitas, ao fechar da noite, passou-se por um barrancovermelho e rodamos com a noite abaixo; passou-se por um firmede nome Três Pedras, à esquerda; abaixo um firme barranco àesquerda; abaixo Tição de Fogo à direita; abaixo rio Negro unidoAquidauane; à direita faz sua foz a Miranda em pantanais, e abaixotrês voltas rompeu a aurora.

5.a – 23, fez-se almoço em um firme abaixo de Rebojo daOnça. À esquerda, depois do meio-dia, passou-se pelo morro doAzeite, à esquerda, rodeado de pantanais e logo abaixo entra umaboca chamada rio Vermelho; à direita, pelas três horas da tardepassou-se por uma boca chamada Capivari; à direita tudo panta-nais; abaixo fez-se janta em um firme pequeno à esquerda. Roda-mos toda a noite. 6.a – 24, pelas dez horas saímos em Paraguai –fez Miranda sua foz defronte uns morros cobertos ao noroeste,abaixo duas voltas de Paraguai, meia légua arretirado da margema povoação de Albuquerque. Dizem-me que do Paraguai por terraà nossa fortaleza tem doze léguas; por terra, dois dias e meio demarcha. Forte de Bourbon castelhanos, etc. Subimos do Paraguaio primeiro estirão comprido, ao nascente e embiquemos em umreduto pequeno; à esquerda fez-se comida e seguimos ao norte,acima tem uma vargem de arrozal bonita. Encosta nos morrosdos Periquitos; logo acima pousemos na água em uns paus decambará à esquerda. Sábado, 25, seguimos. Passamos pelo rio Ta-quari: vem de nordeste em pantanais. Passou-se pela direita, en-

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tremos no campo frondoso, atravessamos um braço do Taquarichamado rio Negro; logo distante passamos outro braço chamadoFormigueiro, por onde navegam as canoas para Porto Feliz. Saí-mos pelas três horas da tarde, em muitas bocas de baía e saímos namadre. Logo acima pousemos em um reduto pequeno, à esquer-da, e tivemos grande tempestade mas escapemos. Domingo, 26,logo que saímos entremos à esquerda em um braço por nomePorquinho; à direita, fica um braço de nome Paraguaimirim; fez-se almoço defronte em um monchão pequeno à esquerda. Logoadiante o Paraguai encosta em um morro por nome Rabicho; àesquerda, fez-se passagem á direita e entremos em uma baía e saí-mos no campo; seguimos ao poente, fronteando com o morrodo Ladário que defronta com o morro da Conceição e a povoaçãode Corumbá de Albuquerque; de vista à direita o morro da Mer-gueira pantanal. Pousemos na dita povoação. Fica em cima deum morro encostado a Paraguai; os ditos habitantes não podemcriar criações algumas por muitos morcegos. 2.a – 27, voltamosà direita, pelo campo; ao nordeste tivemos uma tempestade; valeuacharmos umas moitas de capim que imparou. Saímos no rio nu-ma paragem chamada a Folha, guiado por um crioulo de nome Ci-priano e um filho, os quais ajustamos em Corumbá pelas três horasda tarde e pousemos na água. 3.ª – 28, marchamos e pousemos emum monchão de nome Carandu, à esquerda. 4.a – 1.° de março,madrugou-se. Às onze horas do dia passou-se troteando, com osmorros à esquerda; adiante passou-se entre dois morros de nomeCastela; às cinco da tarde apanhou-se laranjas no pouso dos an-dantes; à esquerda, defronte uma ilha alimpei e cortei alguns pausque estorvavam e fez-se a passagem pelo braço direito; pousemosna água nos galhos dos paus. 5.a – 2, madrugou-se. Pelas dez ho-ras passou-se a boca de Paraguaimirim, a mesma água de Paraguai;lagoa acima, direita, fez-se passagem em um furado que muitoatalha, de nome Sucuri; uma hora de-pois de meio-dia passamosperto de uns morros de matos, encostados ao Paraguai; à esquerda,logo acima, entra uma baía grande – pousemos em um monchão

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à esquerda. 6.a – 3. Logo que saímos fez-se passagem à direita emum braço que atalha; pelas dez horas saímos nas três barras, frontacom o morro à esquerda e tem um de campo limpo. Fiz passagempelo braço esquerdo, fez o rio um 8 , logo acima fez-se alto de al-moço em um firme alto de pedra, à esquerda. Pelas três horas datarde passou-se perto de uma cordieira de morros e dois mais altosà esquerda. Na segunda volta à direita entra um braço de baíagrande, de nome Chaneca; ao pôr-do-sol, cheguemos na povoaçãodos Dourados; terceiro morro de campo limpo ao noroeste, Pa-raguai encosta no dito; topamos os índios guatoes, moradores dolugar e um português destacado, de nome Francisco Fernandes.Sábado, a 4, seguimos a par com os morros. Saiu o sol com omorro das Caveiras; fez-se alto de almoço na ponta de um morrode nome Pedra Branca de Amolar. Acima entra uma baía grande.Passa à direita. Acima, à esquerda, fica uma boca de baía. Logo a-cima entra-se à esquerda e entrando que seja, toma-se a direita.Adiante tem uma boca, toma-se a direita defronte da ponta de u-ma serra entra-se num braço; toma-se a direita. O S. Lourenço,acima faz sua foz no Paraguai a sudoeste. O Paraguai acompanhaa serra ao noroeste; pousemos no morro do Caracará, ao fecharda noite. Domingo, a 5, seguimos e entremos em um braço à es-querda, bracinho do Caracará; às cinco da tarde saímos em S.Lourenço, ao nascente e subimos a noroeste, digo, ao norte; pouse-mos na água. Por não ter terra fizemos ..... cozinhar. 2.a – a 6,seguimos cedo e pousemos defronte ao Bananal, à esquerda, emum monchão. 3.a – 7, fiz passagem à direita. Entrou-se no campo;logo adiante fez almoço dentro de um bananal, dentro de umcapão plantado pelos antigos paulistas. Cortou-se dois cachos desão-tomé, e ajustou-se dois índios guatoes para guiar os campos;pousemos em um capão firme. 4.a – 8, seguimos pelo dito campo.Saímos em um braço de S. Lourenço de nome rio Negro; rodemosduas voltas pequenas; saímos em São Lourenço, subimos, pouse-mos no reduto pequeno à esquerda. 5.a – 9, seguimos pelas dezhoras e entramos no rio do Cuiabá à esquerda; logo adiante pou-

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samos na água. 6.a – 10, seguimos cedo; à direita faz uma furquia.Toma-se a esquerda; acima outra furquia; toma-se a esquerda ade nome braço do Bananal; adiante outra; toma-se a esquerda.Pousemos à direita em um aterrado que fizeram os antigos paulistase plantaram um grande bananal, no qual têm crescido paus gran-des. Cortou-se um cacho de banana-da-terra. Sábado, a 11, segui-mos pelo campo e pousemos na água. Domingo – 12, seguimos.Tivemos uma errada em grande cipoada e pousemos. 2.a – 13,seguimos e passamos alguns matos e cipós de arraia; saímos emum braço acima; fez três bocas: entramos pela do meio, largamoso dito e entramos à esquerda em um charravascal e pousemosem uns alverudos no meio da água, ao norte. 3.a – a 14, seguimosao norte, saímos em larga grande que parecia um mar de Espanhae topamos gados ilhados, em um capão firme, e pousemos acimada fazenda do sr. capitão Antônio José da Silva. Saímos em um bra-ço, de nome a Curutuba, saímos em pouso à esquerda, firme. 4.a

– 15, fez-se passagem em uma furquia, à direita; logo acima entrouum braço, à direita; tomamos a esquerda, passamos por um braçopequeno à direita, de nome Cuiabá-Mirim, pousemos em águas a-baixo dos moradores do rio abaixo. 5.a – 16, seguimos pelos mo-radores, e passamos por uma boca pequena à esquerda, de nomePiraim; acima, à direita uma fazenda e uma capela, encostado omorro do Mergaço e pousemos na ponta do dito; 6.a – 17, saímospelo meio-dia por causa da chuva; logo acima ajustei um camaradaa ver um guia dos campos, que nos levou por um mato atravessan-do uma baía, nas casas de um morador na ponta de um morro; eajustei outro por nome Antônio Francisco. Voltemos atrás cincovoltas, a ganhar entrada para o campo; entremos às três da tardee pousemos no braço da cachoeira de barro. Sábado, dia 18, seguimose saímos na madre e viemos pousar no engenho do sr. alferes Fe-liciano Peres de Miranda. Domingo, 19, seguimos da parte da di-reita, capela de Santo Antônio e pousemos defronte a um morro dapraia grande. 2.a – 20, seguimos já perto da cidade, à direita, rio doCoxipó-Mirim; embiquemos no porto geral em uma carcada; ad-

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virto que estes rios dão muitas voltas e o Paraguai alaga fora de suasmargens vinte léguas de Miranda; a Cuiabá está em rumo ao norte.

Redação dos gêneros para se negociar em couros, de guari-bas, ariranhas, lontras, onças, com os índios guatós moradores nolargo dos pantanais, abaixo de Paraguai – gêneros – enxós, goivas,machados pequenos, zagaias, facas, grandes e pequenas, anzóis,surtidos, arames, carapuças, baetas encarnadas, contas brancas, everde, pano de algodão, fumos, cachaças, corais, e granadas, etc.Advirto que se há-de entrar do mês de abril até julho que se a-cham muitos couros. Gêneros para se negociar em animais, abai-xo de Paraguai com os índios inimas – pólvora e chumbo, armasde pedra baludas, gados, espadas, folhas-de-flandres, anzóis e ara-mes, machados, facas e foices, enxadas, pano de algodão, baetas,carapuças, contas, didais, casquinhas, fazenda seca, fumo, e cacha-ça, zagaia pequenas – para o presídio de Miranda, negócio demora-do e bom; neste prazo pode-se fazer muitos couros do campo.

Assim mais anéis, fitas vermelhas, rosários, brincos, miçangasvermelhas, agulhas, tesourinhas, didais, pentes atrepa-muleques.

Feita em fins de marçoaté 5 de abril de 1837 em diante.

Relação de dinheiros que recebi por ordem do Exmo. Sr.Presidente José Antônio Pimenta Bueno, para a despesa da novaabertura de picada, faltando rio Paraná a sair em Piracicaba. Recebida mão do sr. capitão Antônio José da Silva, a quantia de trinta milréis em moedas de cobre de quarentinha – arrecebi mais do mes-mo senhor dezoito mil e oitocentos, para oito libras de pólvoracom seu competente chumbo – arrecebi mais do mesmo senhorquatro foices e quatro facões e dois machados, os quais arrecebidia trinta de março, e de tudo passei recibo ao dito sr. capitão An-tônio José da Silva. Comprei de chumbo e pólvora, na loja do sr.Eleutério Nunes da Arruda, ficando deste dinheiro oitava e meia,

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para a lata para o agasalho da pólvora, cuja lata foi comprada naloja do sr. capitão Joaquim Alves. – Despesa de aviamentos na lojado sr. Joaquim Alves, cinco oitavas; em mantimentos cinco, digouma, a r.ce de toicinho oito oitavas, dois alqueires de farinha cincooitavas, quatro medidas de sal três oitavas e oito sacos feitos deduas varas quatro oitavas.

Quarta-feira, dia 5 de abril, pelas dez horas do dia arrecebiquatro soldados com suas guias, que me entregou o sr. cabo Joséda Silva Leme, por ordem do sr. presidente, que os pedi, a saber:dois para entregar no destacamento do Piquiri ao sr. José PedroGarcia, que também é encarregado. Seguimos embarcados emcanoa de Miranda, do sr. capitão comandante João José Gomes;dia 6 comprei uma canoa para aliviar a dita que ia muito carregada,cuja custou dezesseis oitavas com dois remos. Daí 7 comprei maistrês remos de um índio, por meia oitava. Rodamos com a noitee tivemos uma tempestade e perdemos da canoa de Miranda; dia11, entremos na barra de São Lourenço. Daí 14, largamos dito àesquerda água vermelha e topamos muitos batalhões de peixes bri-gando; seguimos Piquiri à direita passando por muitas bocas debaías, de um e outro lado, ficando à esquerda a fazenda do Pin-daivá. Dia 21, subimos pelo Tiquira errados. A 22, voltamos, cujaperca foi por causa de muitas baías. Seguimos Piquiri à direita, águamenor, advirto que vem uma serra a par à esquerda e os ditos ria-chos entranham-se por ela. A 26, largamos Correntes, à esquerdaágua maior, seguimos Piquiri água vermelha. A 31, chegamos nafazenda do sr. José Miz’ de Carvalho, de nome Piquiri, do barrancoalto, e aí achamos tão-somente uma índia ladina tomando contada casa; nos tratou com comidas, e perguntando se não havia animaisna fazenda disse-me que havia da nação. Se achou dois com oferro da nação e uma cangalha; por falta de mantimentos largamosa canoa e fomos por terra ao destacamento. Advirto que entregueiao sr. José Pedro dois soldados que lhe pertenciam, para ajudá-lo, que por falta de mantimentos deixara sua canoa atrasada.

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Daí quarta-feira, a 3, chegamos no quartel do Piquiri; apre-sentei a ordem do Exmo. Sr. ao cabo José Gonçalves, dando-lheparte de tudo.

Relação das despesas que fiz à minha custa: uma lata depólvora fina landesa, oitava e meia; em mantimentos: dois courosde boi importe de dez varas de pano de algodão grosso, que pagueiao dito cabo. Despesa com os índios, de mantimentos, dez varasde pano que paguei aos ditos – mais em galinhas – mais duas varasde pano – um couro de.... que comprei do sr. tenente Barbosa,meia oitava – aviamentos de vestuários para os camaradas, solda-dos Francisco Correia Mateus, dez varas de pano de algodão – trêscôvados de baeta para Francisco Alz’ de Lima – dezoito varas dodito ano – três côvados e quarta de baeta para suador de duas selas– vara e quarta suador de quatro cangalhas – cinco varas. Quarta-feira, dia 10, saímos do Piquiri para os Garcias auxiliado com cincoanimais da nação – duas selas – uma cangalha. Disto passei reciboao cabo e seguimos viagem no dito dia dez.

Dia 15, largamos a estrada à direita, em águas de Jauru, to-mamos a esquerda, para atalhar e procurar melhor caminho. Sá-bado, a 2, saímos nas cabeceiras do Sucuriú, na minha batida paraMiranda, de dias de julho de 1836.

Me alcançaram no ribeirão do Meio, na fazenda de meu manoGabriel, o sr. tenente Barbosa e seus companheiros que seguirama minha batida; advirto que achei muito boa propriedade, de ca-minho livre de serra, morros, córregos e atoleiros. Dia 24, cansouum cavalo castanho velho, fronteira aberta; ficou num cemitério,nas cabeceiras do Indaiá Grande.

Daí 30, ficou cansado um cavalo escuro, velho, no terreirodo sr. Manuel Antônio, na fazenda do sr. João Pedro Garcia. Che-gamos com felicidade em Santa Ana. Dia 4 de junho, apresenteia ordem do Exmo. Sr. o delegado do governo, o sr. José GarciaLeal, junto a relação pedindo os necessários auxílios – cinco ca-maradas e cinco animais, uma cangalha e um par de bruacas –

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seis alqueires de arroz pilado, um capado bom – uma quarta desal, uma enxó goiva – uma enxada – sustento para os dias de estada– milho para os animais, duas dúzias de rapaduras – seis libras desabão, uma canoa para o lugar do porto de nome São José, nabarra da Água Limpa, no Paraná, na fazenda de meu pai AntônioFrancisco Lopes. Arrecebi no dia 4 de junho meia quarta de fei-jão e meia de farinha, até o dia de terça-feira, 27; a 8 arrecebi al-queire e meio de milho – um alqueire de farinha – quatro librasde sabão. Domingo, a 11, recebi um capado de meia seva – umaquarta de sal. A 18, recebi dois e meio alqueires de milho, e meio defarinha – quatro varas de fumo, que compraram os soldados. A20 do corrente fui com ordem do sr. Garcia, para o lugar a comprartrês animais do sr. Francisco de Paulo Messias, para conduzir man-timentos na nova abertura: se fez preço em uma mula pequena,por cento e vinte mil réis, um cavalo ruço queimado, quarenta milréis – uma égua ruça quarenta mil réis. A 22, cheguei com eles no sr.Garcia que me os entregou e conduzi para o lugar aonde me achavabarracado. Recebi mais no dia 23 um capado de meia seva. A 27recebi quatro alqueires de farinha – um alqueire de arroz pilado– meio alqueire de feijão – seis libras de sabão – meia quarta desal – doze rapaduras; no dito dia 27 recebi dois camaradas para otrabalho da picada – um por nome Geraldo da Silva e outro Ma-nuel Ribeiro. Dia 28, seguimos para o Paraná. A 31, dia de sábado,chegamos em casa de meu cunhado Antônio Vieira Moço, emSanta Quitéria, na fazenda do sr. Patrício e derrubou-se um paupara se fazer canoas para o dito porto novo. Domingo, 1.° de julho– segunda, 2, demos princípio à obra. Sábado, a 15 de corrente, a-cabamos duas canoas – quatro remos – e se pôs na água. Domingoa 16 – segunda a 17, embarquemos no dito ribeiro a levar as ca-noas ao porto, passando quarenta corredeiras. Quarta, 19, saímosna margem do Paraná. Quinta, 20, chegamos no lugar do porto edemos princípio a descortinar. Sexta, 22, ficou bem descampadode um e outro lado; muito bom porto, pouco corre até o meio– parte é parado a razão de ter uma praia de pedras que vem ao

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meio do rio por cima do porto. Na dita barra da Água Limpa podese assentar moinho e monjolo no lugar do porto – dá boa alturae modo de se tirar a água com facilidade; advirto que não é muitolargo o porto, ouve-se bem conversar de um lado a outro. Domin-go, a 24, acabamos o caminho e ficou bem descortinado e do portomeio quarto de légua sai-se em um varjão grande e firme – entra-se em um cerrado composto de capins; passa-se um capão de boasculturas e sai-se no campo. Segunda, 25, voltei um camarada Ma-nuel, buscar os animais cargueiros em casa do dito meu cunhado.

* * *Assento de mantimentos que recebi do dito: – 3 alqueires

de farinha – 1 alqueire de canjica grossa, – 1 capado de meia seva– sustentos dos dias de serviço da canoa – meia libra de fio dealgodão – um couro de boi – 56 mãos e meia de milho – e umabácula para matulagem – e conduzi dois cavalos emprestados, trêscangalhas, um caldeirão que me facultou o sr. Antônio Bernardesde Barcelos; assim mais uma cangalha, um machado do meu manoJosé, assim mais uma foice, quatro varas de fumo que fez-memercê o sr. José Machado da Silveira. (N.B. que este mantimentofoi grátis). Dia 29, seguimos para o porto. Segunda, 1.° de agosto,chegamos; a 2, a 3, a 4 falhemos por causas de chuvas e se fez seistábuas de cedro a machado e se formou uma barca com suas pran-chas necessárias, e portos. Dia 5, passamos os animais e cargasem quatro barcadas e acabamos pelo meio-dia; declaro mais: avia-mentos para dois camaradas; Geraldo, seis varas de pano de algo-dão e quatro côvados de baeta; para outro companheiro, Manuel,uma calça e uma camisa. Sábado, a 6, o sr. Januário Garcia pousouconosco, que vinha de Piracicaba e trouxe em sua companhia osr. Inácio de Vasconcelos Cunha Caldeira; e os ditos me contaramque havia moradores no ribeirão Sujo. A 7, e 8, e a 9 saímos doporto e fomos atacados de uma onça que pegou um cavalo, masescapou. Pousemos adiante légua e meia em um córrego que dáágua para monjolo e boas matas de culturas, que lhe demos o

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nome de Mirim; advirto mais que o porto tem suas lagoas secas,bom pasto barreiros – jabuticabas – grumixás – e tem boa proprie-dade para pasto fechado etc. etc. Dia 10 a 11 e a 12 seguimos epousemos em uma cabeceira à direita, fica o pouso fora da Picada,tem seu campestre, papuazais e boas culturas. Marchemos duasléguas até as Antas.

Dia 13 – 14, pousemos adiante numa cabeceira à direitaabandada de campestres que pusemos o nome de córrego Fundo.Tem boas culturas papuã, tabocas pra esteiras e jacarés. Marchemosmeia légua. Dia 15, pousemos adiante em uma vertente bandadade campeste, de cujo dei o nome Poção; há muitas caças, mel,papuãs e boas culturas nos espigões. No dia 16 pousemos emum córrego bandado de campestes, e serrotes, de cujo dei o nomede córrego da Canga. Fizemos uma ponte e uma porteira de varas;tem muito papuãs, e boa cultura nos espigões, e marchemos umalégua. No dia 17 e 18, pousemos em outro córrego composto decerrados e campeste, tabocas papuãs e boa cultura; bom barropara olaria e fábricas desta natureza e fizemos uma ponte de entu-lho e uma porteira de varas e pusemos o nome de Santa Cruz.Marchamos uma légua. Dia 19 a 20 pousemos em outro córregode lajes, encachoeirado, de um lado cerrado, campeste, sapés eoutras qualidades de capim; de outro lado, bons capões de ma-deiras de lei; dá boa morada do dito até S. José, pusemos o no-me as Lajes, e marchemos uma légua. Dia 21 a 22 passamos S.José pequeno e pousemos no barranco; marchemos meia léguaem campos cobertos. A 23 e 24 pousemos em um córrego ondese fez uma ponte. Marchemos meia légua em campeste mais limpoe pus o nome de Ponte Alta. No dia 25, 26, 27, 28 e 29, marche-mos duas léguas e meia, passando cambauvais, vertentes de cam-peste, papuãs e boas culturas, e pousemos em uma vertente banda-da de campestre; à direita da estrada achemos um bebedor unidoa um barreiro, em um matinho da vertente, e demos o nome de Be-bedor, e marchemos duas léguas e meia. Advirto que tem muitasantas, mateiros e catingueiros, muitas pombos e periquitos e ma-

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temos duas antas e cinco veados. No dia 30 marchemos meia léguae passamos por uma cabeceira de campestre e pousemos em umcórrego bandado de cerrados e campestres, e fizemos uma ponte,aguada para os animais, uma porteira de varas; dei o nome – ÁguaParada – advirto que falhemos para assar as carnes das caças, e se-guindo a abertura do caminho para diante, que foi o dia 31. Dia1.° de setembro, 2, 3, 4, 5 e 6, continuemos a marcha passando porpapuãs, boas culturas, cerrados e campestres, té a vertente que pus onome – o Potreiro – e marchamos; ficou feita uma porteira devaras. A 7 marchamos meia légua em papuãs, pousemos em umacabeceira de boa aguada, barreiros e boas culturas. Na cabeceira háum campestre pequeno a que demos o nome de invernada Vacu-riza. A 8 e 9, a 10, 11, marchamos em matas de papuãs e boas cul-turas, passando por duas cabeceiras de cerrados e capins. Pousemosna dita; embaixo muitos coqueiros, cerrados e campestres e se fezuma ponte e marchamos légua e meia. No dia 12 fomos atacadosde uma onça, que pegou um cão entre nós, no pouso; eu fiz fogo ea dita morreu e lhe dei o nome córrego da Onça. Se fez porteirasde varas e aguadas para os animais. No 13 e 14 marchamos meia lé-gua; tem muito boas culturas – pousemos entre meio de duas ver-tentes de campestre e papuãs e dei o nome o Cachimbo da Nação.

No dia 15 marchamos uma légua: bons matos papuãs. Pou-semos em uma cabeceira, em campestre de boas aguadas e lhe de-mos o nome – Caracol – e marchemos uma légua.

Nos dias 16, 17, 18, 19, 20 e 21, marchamos em matas deculturas, papuãs, passando por cabeceiras de vertentes campestres,e pousemos em outro córrego pequeno, composto de campestres,serrotes, bons pastos e dei-lhe o nome de Boa Vista, e marchemosduas léguas e meia.

A 22, 23, 24, 25, 26 e 27, marchamos em matas de papuãs,culturas, passemos uma cabeceira bandada de campestre, dobre-mos em um espigão de matos bons – ganhemos um carreiro dean-tas – pousemos em um ribeiro acompanhado de cerrados e

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cam-pestres, coqueiros; – pousemos com marcha feita de duasléguas e meia. O dito córrego deu boa passagem; adiante, um quartode légua, topamos um ribeiro grande; deu boa passagem e boapropriedade para ponte – bons barrancos, estreita mais acima dábom vau e baixo e pousemos do outro lado; muito bom pousoe lhe dei o nome Pouso Alto. Ficou bem descortinado e pescamosmuitos peixes; advirto que o dito vem acompanhado de cerrados ecampestres, coqueiros, antas, mateiras e barreiros, e achemos mui-tos macacos, jacus, jaós, macucos, muito mel. E até lá ficou a es-trada bem picada e descortinada, com todas as aguadas que eu jáapon-tei, e por nos faltar o mantimento fizemos parada eu e doiscama-radas Francisco e Manuel, e seguimos picando de facão doisdias, saltando e passando por cabeceiras cerradas e campestres –bons matos limpos, papuãs, jaborandis, gameleiras barrigudas –muito mel e alguns paus de buritis e aí ficaram os dois camaradase eu, aqui adiante uma légua, picando de facão – atrepei um ser-rote em um pau de ipê e avistei todas as vertentes do dito ribeirão(N. B. Advirto que as águas do córrego da Onça correm para orio Tietê) e contravertentes para o rio Tietê ao sueste; marquei evoltei e seguimos para trás, e nos ajuntemos no pouso aonde fi-caram os camaradas Mateus e Geraldo. Chegamos no 1.° de ou-tubro. No dia 2, voltamos para trás. No dia 5 chegamos no portopelo meio-dia; aprontou-se o barco e passamos em quatro barcadase se guardaram as canoas na barra de Água Limpa; os manti-mentos, tábuas e remos, em um jirau no porto. No dia 6 a 7, chega-mos na fazenda do sr. Patrício, na casa do cunhado Vieira; estavameu mano José tomando conta da fazenda. A 8 falhemos para a-prontar mantimentos. Saímos sortido de tudo grátis. Partimoso dia 9; a 10 e 11, chegamos no arraial de Santa Ana do novosul. Participei ao delegado do governo, José Garcia Leal e alturaaonde havia deixado a picada; pedi-lhe guia para Piracicaba a fimde tomar conhecimento das alturas para me encontrar com aminhaestrada. A 12 e 13 passamos a Paranaíba. O dia 14 cheguemos naviúva do falecido Germano. A 15 falhemos. Surtimos de doze

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queijos, três rapaduras, duas libras de sabão, milho para os animais– tudo isto grátis. A 16 chegamos no Monte Alto. A 17 falhemospara lavar roupa. A 18 seguimos. A 21 chegamos ao Paraíso. A22 na Dona Eleonora. A 23 falhemos por causa da chuva e rece-bemos uma mão de milho grátis. A 26 chegamos na fazenda docunhado Antônio Vieira, abaixo da barra de São Francisco; fa-lhemos para amilhar os animais surtidos de mantimentos, tudográtis. No dia 2 de novembro seguimos e cheguemos na Vila Francaa 10 e recolhemos para casa de meu pai Antônio Francisco Lopes,para descansar e amilhar os animais e recebemos em cobres dozemil e oitocentos réis, mais mil quatrocentos e quarenta réis, maisduas camisas de riscado azul, um par de sapatos de sola e vira para ocamarada soldado Francisco Alves de Lima. Mais uma camisa ecalças. Um par de sapatos de sola e vira para o camarada soldadoFrancisco Correia Mateus. Recebi cinco varas de americano paramim, mais uma ceroula e uma camisa de algodão e o conserto deum pé de botas; mais quatro libras de chumbo, duas libras e meiade pólvora, cinco cadernos de papel, uma faca, um machado,mantimentos precisos para a viagem, um capado e sal e as despesasdiárias e isto tudo grátis. Advirto mais que breganhei uma éguaruça que se comprou para a nação, por estar chegada a parir porum cavalo lazão calçado, fronte aberta, idade de sete a oito anos.

No dia 8 de dezembro quis me largar o camarada soldadoFrancisco Alves de Lima, tendo feito ensaios por vezes. Muitome tem custado a acomodá-lo. A 9 do corrente recebi um ofícioda mão do sr. prefeito José Joaquim de Santa Ana, para entregarao Exmo. Sr. presidente da cidade de São Paulo. Fica na fazendado Morro Redondo do Pontal, em casa de meu pai Antônio Fran-cisco Lopes um cavalo escuro, da nação, descaído por causa da ve-lhice, e uma sela velha arreada, com estribos de pau.

No dia 13 de dezembro recebi da mão de meu pai AntônioFrancisco Lopes 4$000 rs. em moeda corrente e no dito dia saí-mos para S. Paulo. Veio em minha companhia meu cunhado Jo-

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sé Martins Rodrigues, o qual veio ajudar a nova abertura da pica-da, a bem de apossear uma fazenda na beira da estrada, e quandoa não faça se lhe pagará o preço de que ganharem os mais cama-radas que se ajustar para a dita diligência. A 16 estivemos de pousona boca da mata do Cubatão. A 17 passamos o rio Pardo com mar-cha de vinte e duas léguas. A 20, cheguemos na vila de Mojimirim,tendo marchado vinte léguas. A 21, 22 e 23 falhamos para lavarroupa e por causa da chuva. A 24 saímos e pousamos na boca damata, no rio dos Couros. A 21 passamos Jaguariaçu, adiante u-ma légua de Tibaia, chegando em vila de Campinas e temos mar-chado dez léguas que se contam da Vila Franca até Campinas cin-qüenta e duas léguas. No mesmo dia 25, apresentei as ordens aosr. capitão Lesiário que mora na Rua Direita, o qual ocupava ocargo de subprefeito e nos deu cômodo em sua chacra. Tambémfiz ver os meus assentos e mapas de rios e o rumo em que passa anova estrada, aonde encontrei o sr..... Manso, que também mos-trara-me os seus planos e ficamos muito certos nas nossas opiniões.A 26 falhemos. A 27 seguimos para São Paulo, ficando três ani-mais e dois camaradas soldados na mesma chacra e por falta dedinheiro vi-me em necessidade de deixar a minha arma de fogoempenhada por pouca valia, em alimentos, para poder seguir. Che-guei em S. Paulo a 28, não encontrando o Exmo. Sr. Presidente.Encontrei-me na Rua do Ouvidor do lado direito com o sr. Quei-rós que me disse seria melhor ir a Santos, o que fizemos, no dia 29.Chegamos na dita vila e fiz entrega do dito ofício das 7 para 8 ho-rasda noite, em casa do sr. dr. Vergueiro, na Rua da Praia, na esquinado mar. A 30, voltamos para a ponte do Cubatão e pousemos. A31, saímos com o sr. Presidente pela estrada nova, na subida da serrada vila de Santos, que dá melhor subida à vista da estrada velha.Cheguemos à cidade de S. Paulo pelas oito horas e meia da noite,ficando em caminho dois cavalos da nação, cansados.

Despesas que fizemos na estalagem do Bexiga: dia 28, alu-guéis do quarto quatro noites, 320 réis; de lavagem, 160; de pas-

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to, 80 réis; de comida, 160 réis, até dia 1.° de janeiro de 1838. Fizentrega dos documentos juntos ao Exmo. Sr. Presidente Bernar-do José Pinto Gavião Peixoto. À vista dos documentos me deucem mil réis para a despesa do encontro da nova picada. Vendoque não me chegava requeri à Assembléia provincial e dela saiu orequerimento para a comissão dar o parecer, a qual deu para re-ceber da caixa geral. A Assembléia despachou que recorresse aopresidente, e com efeito a requeri pedindo uma quantia que jul-gasse chegar para o dito encontro da picada, como consta dos docu-mentos que ficaram na Secretaria do Governo, que à vista distomandou dar-me mais duzentos e cinqüenta mil réis a 5 de feverei-ro, e se comprou aviamentos como consta da relação junta e maisdespesas de estalagem e viagem. A 8 de fevereiro saímos da cidadepara Campinas. Cheguemos a 11 e nos reunimos com os compa-nheiros soldados que tinham deixado na chacra do sr. capitão Lesiá-rio, e saímos a 15 para a Vila da Constituição; entreguei as ordensde que vinha munido ao sr. juiz de paz, pedindo auxílios precisos.

A 19 demos princípio à picada com trabalhadores jorna-leiros, dando princípio defronte à ponte em praça larga de vistaà Vila, em ventos a noroeste, ficando fronteando em linha e ventoda estrada que vem da cidade de S. Paulo, e continuemos o pi-cadão por onde pode-se passar cargueiros, no teor do mandadoda minha portaria; a 24 arrecebi 3 g. p. que me entregou o sr.juiz de paz para ser empregado no serviço da picada, os quais fo-ram: Ofrásio, Joaquim, Inocêncio e outro que ajustei particular,com ordem do sr. juiz de paz, por nome José Furtado. Continue-mos o caminho e saímos na estrada por cima do engenho do sr.capitão João Francisco; seguimos a dita, passando o a Mium, pro-curando uma boa propriedade no rio Curuimbataí, na cachoeirado Meio, nos fundos dos cultivados do sr. alferes Joaquim Leite,e ficou bem descortinado o porto, e aí saiu o camarada Inocêncio,com escusa que lhe deu o sr. juiz de paz. Continuemos a picada tra-vessando os cultivados do dito Leite, ganhando os espigões-mestres

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em águas de Curuimbataí, de Piracicaba. A 21 recebi um ofíciodo sr. capitão da g. p. Joaquim Floriano Leite, por um g. p. Joãode Brito, para ser empregado no serviço da picada. No 1.° de a-bril saímos na estrada dos moradores de Araraquamirim, no altoda casa do sr. Romão, e se falhou para se aprontar alguns mantimentosnos moradores. No dia 5 do corrente ajustei dois camaradas para apicada, um por nome Bento Dias e outro Joaquim do Carmo; ad-virto que se fez algumas passagens e pontes pequenas – seguimosa estrada do sr. Manuel de Almeida. A 6 fomos examinar a melhorpropriedade da subida da serra de Araraquamirim, em águas damorada do dito. Dia 7, fomos re-vistar outra por onde sobem osmantimentos do paiol de Domingos Ferreira, e se abriu um pe-daço de mato a sair no cultivado do dito; segui pela sua estrada,achando muito boa propriedade por não ter pedras: é toda firmee pedregulhada, livre de rolador, bem disfarçada, com pouca cava;pode subir carros. Dia 8 subimos com os animais carregados.Do alto da serra avistam-se os canaviais de Piracicaba e as monta-nhas de Itu e Sorocaba; os terrenos são compostos de boas agricul-turas; – distância da serra a Piracicaba sete léguas; encontrando asestradas dos moradores do distrito de S. Bento, segui para adiantara minha derrota, a buscar os fundos da fazenda de Camboí aondefazia sair com o meu rumo, e como se acha este terreno povoado,cortado de estradas, portanto advirto, a melhor endireitura a sairnos campos é procurando a ponta da serra da Boa Esperança, dei-xando Francisco dos Santos à direita, e procurar uma passagemno Jacaré Grande, aonde moram os Freitas, a sair na estrada, nosfundos de Camboí, em uma capoeira de nome S. João, que regulater do alto da serra à dita onze léguas. Seguir a estrada de AntônioFerreira de Sousa morador em S. Lourenço, passar por cima damorada em rumo ou ventos a noroeste, atalhar uma volta que temna picada que abriu o sr. Manuel José Hornelas, a sair em suafazenda nos campos de Gonhandava. Advirto faltara o ribeirão dosporcos a sair na estrada nas cabeceiras do córrego dos Fugidos; se-guira a estrada em bom rumo até os altos da Barra Mansa, aonde

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pega os primeiros campos; advirto que este pedaço de terreno écomposto e manchado e tem diferença nas madeiras: plano firme,boas pastagens, papuãs, taquarizais e boas culturas; advirto queexaminei a morada do dito Hornelas, ficando toda a sua estradaaté Barra Mansa, limpa de foice. Dia 6 de maio larguei a estradado dito à esquerda; em campos, na entrada do mato, segue o meupicadão em ventos a noroeste a sair no ribeirão da Fartura; acom-panhando suas margens de campos. Deu boa pastagem. Faço terda Constituição a este lugar trinta e quatro léguas, e juntaram-se emminha companhia o sr. Matias, sr. Ricardo, e seus companheiros,destinados a se arrancharem na beira da estrada. Continuemos anossa diligência até o ribeirão de Antônio Cardoso; faz sua barrapor cima do salto de Gonhandava; advirto que tem bonito lugarpara capela em um campeste de campos de flecha com sua largaterra amarelada. Fica arretirado do rio Tietê três léguas e meia.Seguimos o mesmo rumo, passando matos cerrados, córregos,campos, até o ribeirão Santa Bárbara que faz sua barra defrontedo salto de Tapanema; passa a estrada fora do rio três léguas. Osterrenos são compostos de boas culturas nos espigões, muitasfruteiras, jabuticabas grandes e grumixás – um barreiro de caça ebom barro de telha. Deste dito lugar saíram dois camaradas vo-luntários: Bento Dias e Joaquim do Carmo, com dois meses deserviços vencidos. Segui o caminho em ventos a noroeste, passan-do vertentes, campos cerrados, e matos, até o ribeirão que lhe dei onome Mato Grosso, composto de boas culturas, frutais, cerrados,campestres e muitas perdizes; do dito lugar me desertaram os g.p. Ofrásio, Joaquim, João Brito e José Furtado, que ajustei comconsentimento do sr. juiz de paz; a eles apresentei a ordem do quevinha munido; não atenderam e nem os meus peditórios, ficandoeu e meu cunhado e dois soldados, continuando a nossa diligência,tendo para este fim recebido por vezes socorro de mantimentos,entregues pelos escravos do dito Hornelas, em ausência de seussenhores; advirto que se desertaram a 28 de agosto; tendo-nosacabado os sortimentos voltemos à Fartura. Dia 4 de setembro

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cheguemos; a 13 chegou o sr. Manuel José Hornelas com sua mu-dança embarcado pelo rio conduzindo carro em canoas, e as cria-ções por terra.

A 20 saímos surtidos de mantimentos; foram em nossa com-panhia o sr. João Roiz’ Lima e um camarada, José Joaquim, desti-nado a fazer posses e ajudaram-me na picada e paguei os ditos emserviço de suas posses. Havendo falta de mantimentos e atacadosde uma onça que nos avançou na picada, voltaram, ficando eu eos da minha companhia, seguindo a nossa diligência. A dita feranos perseguiu muito, a ponto de tirar um cão entre nós. A gritose tiros e atiçoadas de fogo, tomemos; ainda nos incomodou al-guns dias, a ponto de queimada com fogo; aí então se arretirou.Tendo-nos faltado os mantimentos voltamos. Dia 31 chegamosno Hornelas, o qual nos convidou para ajudar a adiantar os seusserviços, que ia com seus escravos ajudar a encontrar a picada. As-sim o fizemos, que foi de mês de setembro té meado de outubro.Dei um cavalo baio da nação por um boi de carro para sortimentoe saímos prontos de todo o perciso, para a picada. A 18 saímoscom sete animais de cargas e quatro de sela; as pessoas que nos a-companharam foram: o sr. Hornelas, dois camaradas, AntônioCardoso e Manuel Roiz’ e dois escravos; a 25 continuemos a pi-cada, passando por muitos campestres cerrados e matos; se pôsfogo que arrasou tudo, plantemos milho nas queimadas, pela beirada estrada, em muitos lugares, além de algumas roças dos possei-ros; a 18 de novembro encontramos a picada no ribeirão dos Dou-rados, o qual admite canoa; acompanhando suas margens e ver-tentes de campos, boas aguadas, cerrados, boas culturas nos espi-gões, onde se acharam alguns barreiros de caça, na margem; veados,antas e cervos. No dito ribeirão denuncio terrenos de campos cer-rados e matos, boa pastagem onde se pode formar uma fazendapara a nação, a bem do estabelecimento da estrada e mesmo supri-mento da negociação e comércio do Rio para esta província e deCuiabá. Advirto que o ao encontrar a picada com a do Paraná, fezvolta, para o que vai imediato o sr. Manuel José Hornelas, endireitá-

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la, pois assim tratemos; advirto que tenho dado algumas partes dosterrenos e propriedades da estrada ao sr. juiz de paz. A 19 voltamos;a 28 chegamos com marcha de vinte e quatro léguas. Dia 3 de de-zembro saiu o soldado Francisco Alz’ de Lima com as partes pa-ra Piracicaba; a 11 chegou a canoa do sr. Hornelas, que descia de Pi-racicaba, a qual eu esperava por ela; advirto mais que os terrenossão divididos em três partes: campos, cerrados e mato. Boa pastagem,plana, firme, todo o terreno. Advirto mais que se acham quarentafogões estabelecendo-se na beira da estrada, com casas alevantadase roças. Estes todos são do distrito de S. Bento. Dia 12, fiz entregado tráfico e ferramentas, cangalhas, barracas, panelas e algumas miu-dezas, ao sr. Manuel José Hornelas, em atenção e remuneração desocorros e mantimentos e sortimentos que dele recebi. Dia 16, saí-mos para Piracicaba e chegamos a 25 à presença do sr. juiz de paz.

Avulsamento das léguas da vila da Constituição até os cam-pos de Gonhandava, no ribeirão da Fartura – 34. Da Fartura aosDourados – 24. Dos Dourados ao Paraná – 20.

Advirto mais que há oito pontes a se fazer, da Vila da Cons-tituição até o rio Paraná: a primeira, Curuimbataí, que admite três acinco lanços; a segunda, Jacaré Grande, regula o mesmo; terceira,os Porcos, dois lanços; quarta – Barra Mansa, dois lanços; a quinta,Fartura – dois lanços; a sexta – Ferreira – dois lanços; a sétima,Santa Bárbara, 2 lanços; a oitava – Dourados, três lanços.

Findo aos 28 de janeiro de 1839 – de manhã.

(Maço 50, pasta 1 – Franca, tempo do Imperador).

Segunda derrota

Nos anos de 1844 a 1847, para des-cobrir uma via de comunicação flu-vial do Paraná ao Baixo Paraguai, naprovíncia de Mato Grosso.

O manuscrito desta derrota, inédito, foi oferecido aoInstituto Histórico e Geográfico Brasileiropelo Barão de Antonina (seu sócio correspondente).

O texto aqui utilizado foi transcrito da Revistado IHGB, ref. 10, ano 1848, p. 153-177.

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ItinerárioDas viagens exploradoras empreendidas pelo

sr. Barão de Antonina para descobrir uma via decomunicação entre o porto da vila de Antonina e oBaixo Paraguai na província de Mato Grosso – feitas

nos anos de 1844 a 1847 pelo sertanista osr. Joaquim Francisco Lopes, e descritas

pelo sr. João Henrique Elliott.

1.a EntradaAs dificuldades e demoras que os viajores encontram na

longínqua viagem de Porto Feliz para Cuiabá têm sido conhecidase lamentadas desde que esta via de comunicação foi descoberta;e conquanto várias tentativas se houvessem feito para achar outrotrânsito melhor, tinham sido inteiramente sem felizes resultadosaté o ano passado.

O Sr. Barão de Antonina concebeu a idéia de descobriroutra via de comunicação da comarca de Curitiba, na província deSão Paulo, com o Baixo Paraguai, na de Mato Grosso, e, em con-seqüência, a 21 de agosto de 1845, fez seguir uma bandeira cons-tando de dezenove pessoas, a qual embarcou no rio Verde e fez ogiro de mais de duzentas léguas, como consta do itinerário apre-sentado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 4 demarço de 1847, que foi publicado na Revista Trimensal do mesmoano, à qual me reporto para a descrição da primeira entrada.

2.a EntradaNovo plano foi posto em execução pelo empreendedor o

sr. barão de Antonina, que, em agosto de 1846, fez seguir outrabandeira, a cuja frente foi o sertanista sr. Joaquim Francisco Lopes,e eu o acompanhei, ocupando o lugar de piloto e mapista.

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Entramos pela fazenda de Monte Alegre do sr. Manuel Iná-cio do Canto e Silva, que nos penhorou com sua franqueza ehospitalidade, dando todo o peso à antiga amizade que tem como sr. barão; e dali demandamos o rio Tibagi com o fim de ir à ser-ra de Apucarana, que azulando à grande distância, calculou o sr.barão ser uma suficiente atalaia (e não se enganou) para reconhecer-se todo o sertão circunvizinho. Do fim do campo da mencionadafazenda a uma légua de mato chegamos ao rio Tibagi, o qual atra-vessamos seguindo sempre o rumo ONO. Três léguas distantedo Tibagi, passando sempre por matos de pinhais, encontramosum ribeirão considerável, que corria ENE, e se lhe deu o nome dePederneiras por causa da abundância que nele havia; daqui subin-do uma alta serra seguimos pelo cume atravessando pinhais e al-gum mato de palmital, até que descemos para o ribeirão da Fartu-ra, distante do Tibagi seis léguas; daqui para diante é uma conti-nuação de serranias e as matas serradas de criciúma, de tal maneiraque são quase impenetráveis; descendo uma serra coberta com matode capoeirão, avistamos pela primeira vez (depois da nossa entrada)à distância de três léguas ONO a célebre Apucarana, tão decantadanos aranzéis dos antigos paulistas do décimo sétimo século, cujoalto cume defendido por enrugados e escarpados rochedos pareciaser inacessível. (Deste lugar tirei uma vista da serra.) Dali para di-ante encontrávamos menos pinhais, terreno sempre montuoso,e matos muito cerrados.

No dia 15 de setembro chegamos ao ribeirão de Apucarana,que banha a falda da serra e corre ENE, unindo-se com outrosarroios que tínhamos passado, e vai se entregar ao Tibagi logo a-cima da serra dos Agudos.

O mantimento que tínhamos já era pouco e, divulgando-se que a determinação de S. Ex.ª era de seguirmos adiante aindaquando algum obstáculo estorvasse as nossas indagações, dois doscamaradas desanimaram, ficando a nossa escolta reduzida a setepessoas. No dia seguinte subimos parte da serra, achando uma

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pequena e cristalina fonte que manava do rochedo; deixamos agente fazendo pouso enquanto eu e o sr. Lopes procurávamosuma vereda para subir ao cume; quanto mais nos aproximávamosdo penedo, mais o mato ia desaparecendo, até que terminou emrasteiro faxinal. A rocha, que de longe apresentava uma cor cin-zenta e uniforme, chegando perto viu-se que em parte era cobertacom musgo tão macio como veludo, e matizado de mil coresbrilhantes; uns pequenos arbustos, que nasceram em umas fendasda rocha, serviram-nos de escada, e passando de uns aos outroscom dificuldade e risco ganhamos o cume.

A serra em cima é um tabuleiro de trezentos e tantos passosde comprido, e quase outros tantos de largura; tem pouca vege-tação, e aqui e ali se viam grandes e isoladas pedras de todos ostamanhos e formas. Por causa de se estarem queimando os cam-pos, tanto em Curitiba como em Guarapuava, a atmosfera estavaesfumaçada de tal maneira, que não foi possível distinguir cousaalguma na distância de duas léguas em torno. Vendo perto denós, no lado do ocidente, um pinhal, determinou o sr. Lopes ircom quatro camaradas àquele lugar, ficando eu com uma pessoapara tornar a subir a serra quando se desassombrasse da fumaceira.A gente encontrou uma vara de porcos no pinhal, e do alto daserra eu apreciei a bela caçada: o alarido dos cães, os gritos doscaçadores, os tiros que de vez em quando estrondavam aqui e ali,respondidos por mil ecos das concavidades do sertão, era umespetáculo selvagem sim, mas interessante e sublime na altura emque eu me achava! Quatro dias consecutivos subimos aquele lugar,mas sempre com os mesmos desapontamentos: vimos então queera preciso esperar a chuva, e por não estar parados determinamosde subir a ponta de uma cordilheira que ficava a oeste distanteduas léguas, a qual estorvava nossas vistas para aquele lado. Se-guimos por pinhais e terras montuosas de mato bom; no terceirodia chegamos ao lugar determinado, donde vimos a aberta dorio Ivaí, distante seis ou sete léguas a oeste; porém a chuva que

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logo caiu em grande abundância vedou-nos de fazer mais obser-vações. Voltamos e chegamos ao nosso arranchamento depois deuma ausência de cinco dias. O tempo melhorou; eu e o sr. Lopestornamos pela quinta vez a subir a serra, não havendo nem cama-rada, nem índio que quizesse acompanhar-nos. O dia estava belo,a atmosfera limpa, e fomos amplamente compensados de todasas nossas fadigas no instante em que chegamos ao cume. Que lindoe majestoso quadro! O mais belo céu do universo brilhava sobrenossas cabeças, e estendidos como um mapa a nossos pés víamosrolar caudalosos rios, atravessando as mais pitorescas e magníficasflorestas do Brasil. Eminência encantadora, eu daqui mesmo ain-da te saúdo! Perto de nós, concavidades saturnais e montanhas ati-radas sobre montanhas mostravam que alguma erupção vulcânicativera lugar ali, e no meio de todo este caos a Apucarana levantavasua alta e descalvada cabeça, olhando com tranqüilidade as formasfantásticas que as convulsões da natureza tinham acumulado emderredor de si. O Tibagi depois de passar a serra dos Agudos ser-peava por vargedos a rumo NNO; mais longe via-se o brechão doParanapanema cortando o sertão de leste a oeste, e lá no extremodo horizonte uma linha apenas visível, que se estendia de NE aSO mostrava o curso do gigante Paraná: a ESE aparecia partedos campos gerais, e a NE sobre a margem ocidental do Tibagi apequena campina do Inhohõ distante oito ou nove léguas. Adian-te desta distinguia-se com dificuldades as pontas de algumas outrascampinas, que eram inteiramente desconhecidas; destas indagaçõesconcluímos que o Tibagi devia ser navegável logo para baixo da cam-pina Inhohõ; que era necessário explorar tais campinas que tínha-mos visto, a fim de ver se eram suficientes para estabelecer um depó-sito, acomodar algum gado, e servir de pastagem para as tropas quetivessem de conduzir mantimentos. Como este era o objeto principalda nossa viagem, voltamos depois de ter gravado em uma pedra aera e as iniciais dos nossos nomes J. F. L. – J. H. E. – 1846.

No dia 8 de outubro chegamos à fazenda de Monte Alegre,e a 13 à fazenda de Perituva, depois de uma ausência de cinqüenta

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e quatro dias; ali demos exata informação ao Sr. Barão, que determi-nou continuar as explorações até conseguir o que havia projetado,ou ter um desengano total da comunicação que queria abrir da co-marca de Curitiba com o Baixo Paraguai da província de Mato Grosso.

3.a EntradaO campo do Inhohõ ou (pelo nome mais moderno) de

Santa Bárbara, situado sobre a margem ocidental do rio Tibagi,vinte e sete léguas NO da vila de Castro, foi descoberto há muitosanos pelo falecido tenente-coronel João Félix da Silva, pai da pro-prietária atual da fazenda da Fortaleza, sra. D. Ana Luísa da Silva,que se contentava de mandar de anos a anos fazer um ligeiro pi-que de facão para queimar unicamente. Oito anos antes da nossaentrada o sr. Manuel Inácio do Canto Silva, neto do sobreditotenente-coronel, tinha mandado abrir um pique que admitia car-gueiros, e nesta ocasião tornaram a queimar o campo, mas porcausa de ser pequeno (tendo apenas uma légua de comprido emenos de uma de largura, dependente de atravessar nove léguasde sertão inculto), deu-lhe pouca importância. O sr. Barão, vendoo mapa e o itinerário que lhe apresentei, determinou fazer nestelugar o ponto das operações que tinha encetado para descobriruma via de comunicação com a cidade de Cuiabá, e para este fimmandou uma expedição, à testa da qual foi o sr. Luís Vergueiro,acompanhado do sr. Lopes e da minha pessoa.

Esta bandeira, composta de trinta pessoas e do trem neces-sário, começou a 21 de outubro de 1846 a abrir um picadão; em20 de novembro saímos no campo de Inhohõ, e enquanto omais da gente aprontava uma roça, o sr. Lopes e eu com quatro ca-maradas e dous índios fomos explorar as campinas que tínhamosvisto do alto da serra de Apucarana. Na ocasião de queimar o cam-po do Inhohõ, os índios responderam com fogos em três lugaresdiferentes, dous a norte na distância de seis a oito léguas, e maisa NNE, que parecia ser retirado de nós quatro léguas. Como cir-

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cunstâncias tornaram necessária a presença do sr. Vergueiro emPerituva, não podemos nos demorar nesta exploração mais doque dez dias; e portanto não tivemos tempo de chegar aos lugaresaonde os índios tinham queimado campo.

No dia 24 passando uma restinga de mato de uma léguade largura saímos nas primeiras campinas, seguímos a norte, e al-gumas vezes nordeste, passando sempre por campinas e pequenasrestingas de mato, e duas a três léguas avistando mais campinas efaxinais ao norte, voltamos dali queimando algumas delas. Nodia 4 de dezembro chegamos no Inhohõ convencidos de que es-tas campinas (às quais demos o nome de S. Jerônimo) eram sufi-cientes para o depósito que o sr. Barão projetava a fim de conti-nuar o seu plano de explorações até esgotar as idéias que tinhaconcebido. Voltamos com a escolta a dar-lhe conta exata de tudo,e aguardar as suas ordens, por estarmos convencidos de que obs-táculos o não fariam recuar e abandonar sua calculada empresa.

4.a EntradaNo dia 9 de dezembro o sr. Vergueiro voltou para a fazenda

de Perituva. O sr. Barão tinha determinado mandar fazer outraentrada, que desde a campina do Inhohõ seguisse a rumo denorte até perto do rio Paranapanema, descendo paralelo com oTibagi na distância de uma a duas léguas, e voltando examinasseas propriedades que tinha este terreno para fatura de uma estradadesde as campinas de S. Jerônimo até a confluência do Tibagicom o Paranapanema. Em conformidade com estas instruçõesescritas, aprontamos uma escolta de doze pessoas, e no dia 16 dedezembro entramos no sertão. Seguimos primeiro ao NNE paraaproveitar as campinas queimadas até o ribeirão de Santa Bárbara,três léguas e meia distante do Inhohõ; daqui fizemos rumo anorte, e acabando-se logo os pinhais, entramos em chapadões depalmital até o ribeirão das Congonhas, que é cercado por umapequena cordilheira. Este ribeirão nasce cinco léguas ENE do I-

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nhohõ, e faz contravertentes com as águas que vão para o rio daCinza; corre pelo espaço de cinco léguas acima da sua junção com oParanapanema. Da ponta mais alta desta cordilheira avistamos oParanapanema correndo de este ao oeste, distante pouco mais deduas léguas, e o Tibagi distante quatro ou cinco serpeava por var-gedos de palmital; daqui virando a rumo do sul acompanhamoseste rio retirados dele duas léguas pouco mais ou menos. Todo oterreno de mato compreendido entre campinas de São Jerônimoe a foz do Tibagi (que terá dez léguas) é o melhor possível para afatura de uma estrada permanente, que nunca precisará aterradosnem estivas, e (com exceção da pequena cordilheira das Congo-nhas) é uma continuada planície. No dia 13 de janeiro chegamosde volta ao Inhohõ, gastando nesta expedição vinte e cinco dias.

5.a EntradaA descoberta das campinas de São Jerônimo tinha desper-

tado a ambição de algumas pessoas que moravam vizinhas a estesertão, as quais entrando pelo lado de Caxambu (treze léguasENO da vila de Castro) fizeram algumas explorações em direçãoàs ditas campinas; nestas indagações descobriram alguns faxinais,mas encontrando adiante com mato forte voltaram.

Com estas notícias determinou o sr. Barão mandar umaescolta, que procurando o lugar dos fogos que tínhamos visto quei-mar ao NNE, examinasse o terreno adiante para ver se estes faxi-nais continuavam em rumo para os faxinais de Caxambu; e seassim fosse botar um pique, que passando a maior parte por cam-pestres desde Caxambu até São Jerônimo, evitasse o mato grosso,que se atravessava para chegar à campina do Inhohõ. As fadigas,privações e perigos inseparáveis da vida do sertanista tinhamintimidado de tal maneira a gente que nos havia acompanhado,que não foi possível arranjar camaradas suficientes para esta quintaentrada; com dificuldade achamos dous companheiros, e comesta pequena comitiva, constando de quatro pessoas, no dia 15

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de março saímos da campina do Inhohõ, e entramos no sertão.Seguimos pelas campinas de São Jerônimo até a distância de duasléguas e meia, e daqui caminhando ao nascente passamos umascampinas, que não tínhamos visto, e subimos um espigão alto commatos de pinhal e palmital; daí para adiante era uma continuaçãode serrania, e os matos muito cerrados de criciuma e carahá. Pas-samos novamente o ribeirão das Congonhas (chamamos assim porcausa da abundância de erva-mate que ali tem) a menos de umalégua adiante, e seis léguas NNE do Inhohõ saímos na queimada;era um avencal cercado por cerradões de pinhal. Subimos a umaserra alta, e vimos que na direção de Caxambu era uma continua-ção de terreno montuoso e coberto de grosso mato. Convencidosque por este rumo não havia propriedade para uma estrada, vol-tamos, e no dia 10 de abril chegamos à fazenda de Perituva, moradado sr. Barão de Antonina, dando parte de tudo.

6.a Entradapara descobrir um trânsito fluvial (embarcando

no rio Tibagi) para a província de Mato Grosso.

À vista dos resultados destas explorações, determinou osr. Barão que o porto do embarque fosse no rio Tibagi, logo a-baixo dos montes Agudos e campinas do Inhohõ, e mandou cons-truir uma canoa onde se acomodou a gente e municiamento. Em14 de junho de 1847 embarcamos o sr. Lopes, eu e três camaradas,uma légua para baixo da campina do Inhohõ, e demos princípioà viagem, jogando a vida em uma empresa desaprovada por todos;pois que jamais alguém se persuadia que se pudesse conseguir avia de comunicação que o sr. Barão tinha premeditado: porémele, firme no plano que havia concebido, não recuava a obstáculose despesas, e desta maneira que remédio senão avançar?

15 e 16. – Choveu copiosamente, o rio encheu muito,tendo subido em vinte e quatro horas quatorze palmos perpendi-culares. Na manhã de 16 começou a baixar, mas a correnteza sen-

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do muito violenta tivemos receio de seguir, e falhamos. Neste lu-gar os matos são magníficos, palmital entravado com gigantescasperobas, pau-d’alho, figueiras e outras árvores soberanas das flo-restas; via-se também muitas jabuticabeiras, umas com flor e outrascom frutas maduras.

17 e 18. – Seguimos viagem, passando muitas corredeiraspequenas por entre terreno montuoso e coberto de mato bom; eavistamos as primeiras árvores de laranjeiras silvestres. No dia 18chegamos a uma grande enseada com três ilhotas, atravessadapor uma itaipava forte, defronte da qual entra pelo lado direitoo ribeirão de São Jerônimo, que vem das campinas do mesmo no-me. Aqui foi preciso descarregar a canoa.

19. – Passamos umas corredeirinhas, e meia légua para baixoda enseada chegamos à frente de outra itaipava forte; mato bomde palmital e muitas laranjeiras silvestres.

20, 21 e 22. – Examinamos a cachoeira: era uma continua-ção de corredeiras, que se estenderam para mais de meia légua, eem conseqüência foi necessário passar a canoa descarregada.

23. – Acabamos de conduzir as cargas, e ao meio-dia segui-mos viagem; logo para baixo começou uma série de corredeiras,que continuaram com pouca interrupção.

24. – Tocando em terra demos com três ranchos de índios,abandonados (com toda a aparência) havia um ano; e fizemospouso em uma ilha grande com corredeira forte; o rio serpeavapor vargedos de palmital.

25 e 26. – Embarcamos logo abaixo da corredeira umalégua, saímos em uma enseada com três ilhas, e abaixo destas asitaipavas e baixios eram emendados uns aos outros; tem ali muitosbarreiros, e havia vestígios de muita caça; no dia 26 chegando auma itaipava forte fizemos pouso.

27 e 28. – Falhamos por causa do mau tempo.29. – Seguimos viagem, passamos algumas corredeiras, e

as margens do rio eram bordadas com mato de palmital e laran-

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jeiras silvestres. Pouco mais de uma légua do pouso chegamos auma pequena e romântica ilha com um barreiro na ponta superior,aonde afluía um bando imenso de pássaros, e aí pousamos; dolugar onde nós embarcamos até esta ilha (que chamamos ilha dosPássaros) terá nove ou dez léguas, e é de muito difícil navegação.

30. – Saímos da ilha dos Pássaros, o rio serpeava mansamen-te por vargeados de palmital.

1.o de julho. – Seis léguas para baixo da ilha passamos trêscorredeiras; logo adiante da segunda entra pelo lado direito o ribei-rão das Congonhas, e menos de meia légua para baixo deste começamos baixios das Sete Ilhas, que continuam até a ilha das Ararasquase uma légua; mas estes baixios pouco estorvam a navegação.

2. – Passamos as ilhas de São Francisco Xavier, que conhe-cíamos da viagem de 1845, e às quatro horas da tarde do mesmodia saímos no rio Paranapanema, e fizemos pouso na ilha dos ín-dios fugitivos defronte da barra. Daqui nos haviam fugido dousíndios na viagem exploradora em 1845.

O rio Tibagi desde a campina do Inhohõ até a ilha dosPássaros não é próprio para navegação; daí para baixo é bom; assuas margens são bordadas de matos adequados para qualquercultura; abundam em caça, peixe e frutas silvestres; calculei a dis-tância do porto Inhohõ até a foz do ribeirão das Congonhas noTibagi em quinze léguas por causa das muitas voltas, e dali maiscinco até a junção deste sinuoso rio com o Paranapanema; seurumo geral é N¼NO.

3 e 4. – Por causa do mau tempo falhamos na ilha dosFugitivos, que fica defronte da junção destes dous caudalosos rios,dos quais é acometida nos seus trasbordamentos.

5. – Saímos da ilha dos Fugitivos, passando algumas pequenascorredeiras, que apenas merecem o nome; cinco léguas para baixochegamos à cachoeira da Capivara, onde fizemos pouso; estacachoeira é repartida por uma ilha e forma dous canais, dos quaiso do lado esquerdo é melhor, sem que o outro seja perigoso.

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6 e 7. – Saímos da cachoeira da Capivara; o rio volteia mansae majestosamente por vargeados de mato bom. Muito cedo nodia 7 passamos a cachoeira das Laranjeiras, que fica quatro léguasabaixo da Capivara; o canal do lado direito é forte, o do lado es-querdo é baixio despraiado, que oferece boa paisagem. Depois pas-samos as ilhas dos Jatibás donde começam baixios até perto dorio Pirapó; mas estes baixios são de nenhuma importância; esterio entra no Paranapanema pelo lado esquerdo, doze ou treze lé-guas distante da foz do Tibagi (ali houve em outro tempo a reduçãode Nossa Senhora do Loreto, que foi abandonada em 1631): nabarra terá quatorze braças de largura; pousamos logo para baixo.

8 e 9. – Seguimos, e o possante Paranapanema serpeavapor vargeados de mato bom. No dia 9, a seis léguas para baixodo Pirapó, passamos uma corredeira de pouca monta.

10. – A aparição de gaivotas, colhereiros e outros pássarosaquáticos nos anunciou a aproximação do Paraná; daqui os matossão de uma qualidade inferior, acha-se o palmito bacuri, e come-çam a aparecer as anhumas e mutuns.

11. – Antes do meio-dia saímos no Paraná, e subindo umpouco pousamos na ponta superior da ilha da Meia Lua.

O Paranapanema desde a barra do Tibagi é de muito fácilnavegação, tendo fracas corredeiras, e estas de pouca importância;calculei a distância desde a foz do sobredito rio até o Paraná emvinte e quatro léguas: o seu rumo geral é O¼SO. Não sabendo se orio que vinha dos campos de Xerez ou Vacaria desaguava no Paranápara cima ou para baixo do Paranapanema, determinamos subiro Paraná, e não encontrando rio algum considerável até o rio Pardo,ficamos desenganados por este lado, e convencidos de que o rio queprocurávamos existia para baixo da sobredita barro do Paranapanema.

12. – Saímos da ilha da Meia Lua; o Paraná aqui é semeadode ilhas pitorescas, e tem perto de uma légua de largura; a margemoriental é enfeitada por alguns espigões, na ocidental são vargedosmonótonos. Cinco léguas acima da ilha da Meia Lua entra pelo

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lado direito um ribeirão considerável trazendo água cor de café; daquipara cima o rio tem poucas ilhas, é muito mais estreito, e os ma-tos baixos de cor cinzenta, muito inferiores às escuras e majestosasflorestas que bordam as margens do Paranapanema, Tibagi e Ivaí.

16. – Passamos outro ribeirão mais pequeno que entra pelomesmo lado com água da mesma cor. Vinte e duas léguas poucomais ou menos para cima da barra do Paranapanema chegamos àfoz de um rio considerável sem saber que rio era; porém no dia19, uma légua acima, topamos com os arranchamentos e pousodas monções de Porto Feliz e Cuiabá, e então conhecemos ser orio Pardo, e em conseqüência voltamos.

26. – Chegamos em frente da ilha da Meia Lua, donde tí-nhamos tomado aquela direção; e no dia seguinte, duas léguaspara baixo, encontramos a barra de um rio, que tinha dezesseisou dezoito braças de largura; e supondo que este era o rio Samam-baia, fizemos pouso sobre a barra.

29. – Matamos um tigre, que nos ia seguindo pela margemdo rio; era fêmea, e tinha três pequenos no ventre inteiramente per-feitos e já pintados; menciono esta circunstância porque parece-me que raríssimas são as vezes que elas têm mais do que duas crias deum parto. Oito ou dez léguas acima da barra começa a aparecermuitos palmitos buriti; logo adiante o rio, pendendo para NO, a-fasta-se do Paraná, e a aparição de muitos cervos assegurava-nosque o campo não estava longe; daqui para cima ficava cada vez maisestreito e mais tortuoso o rio, e a corrente mais rápida.

4 de agosto. – Saímos em grande campos, parte limpos eparte cobertos com árvores pequenas de casca grossa, como ca-riúva, barbatimão, &c. Subimos até onde era navegável, e dali sain-do campo fora procurávamos o trilho (que nos constava haver) dacapela de Santa Ana nas vizinhanças do rio Paranaíba para os cam-pos da Vacaria.

7. – Demos com um arranchamento de índios sobre um pe-queno arroio no meio do campo; os ranchos eram baixos, do fei-

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tio de uma tolda de carreta, arranjados em semicírculo, e abando-nados havia três ou quatro meses. Caminhamos sempre pelo campoaté chegar a um capão de mato situado sobre o rio, entramos nelepara procurar mel, que pouco achamos, e ali fizemos o pouso e fa-lhamos um dia, no qual vimos fogos a rumo OSO, e supondo se-rem dos moradores da Vacaria determinamos seguir aquele rumo.

9. – Saímos do capão por campos cobertos e arenosos commuitos formigueiros; vimos alguns veados e avestruzes muito espan-tadiças, às quais não foi possível chegar em distância de tiro; pas-samos estes dias comendo cabeças de macumã, que é uma quali-dade de palmito pequeno que há por aqueles campos; encontra-mos muitos vestígios de índios.

13. – Saímos em um trilho muito batido, e a OSO vimoslevantar fumaça na distância de uma légua. Seguimos o trilho, epassando um pequeno córrego, demos de súbito com eles dentrode uns ranchos perto de uma restinga de mato. “Adeus, cama-radas” (disse o sr. Lopes); isto foi bastante para pôr tudo em con-fusão, e dando gritos de terror correram todos, e as índias comos filhinhos nos braços faziam diligência de se evadir para o matovizinho. Quais magros galgos, a quem a fome havia tirado as for-ças, partimos contudo no momento, e o sr. Lopes conseguiu al-cançar e segurar uma china que levava um pequeno no braço, e nósapanhamos mais três piais, que também fugiam para se escapar.A pobre índia, pensando que de certo a morte ou o cativeiro a a-guardava, ficou em um estado de aflição que é difícil descrever: bal-buciava com dificuldade algumas palavras, que infelizmente nós nãoentendíamos, e assim a fomos conduzindo para os seus ranchos,onde lhe demos a entender por acenos que não queríamos fazer-lhe mal. Deu-se-lhe alguns lenços, um mosquiteiro, e outras baga-telas, com que os pequenos filhos, que podíamos tomar conformeo uso e costume dos sertanistas se não fora nossas convicções, eo cumprimento das terminantes ordens do sr. Barão, que semprenos recomenda toda a brandura com esta gente a fim de pôr emprática seu plano de catequese, o que já em parte tem conseguido.

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14. – Tendo nós entrado num capão para procurar mel,fomos alcançados por uma porção de índios da mesma tribo dachina aprisionada; eles não traziam armas de qualidade alguma,eram coroados, trigueiros e inteiramente nus, e alguns tinham acara pintada da boca para cima com tinta vermelha e outros comtinta preta. Esta visita nos pôs em sérios embaraços, porém por seusmodos e gestos coligimos que o bom trato e presentes que se de-ra à índia os induzira a procurar-nos para obterem alguma cousamais. Pediam por acenos os nossos machados e facões, admirandonossas armas de fogo, das quais inteiramente ignoravam o uso.

Presenteamos estes infelizes brasileiros com ferramentas,roupa, barretes e missangas, acautelando somente as armas de fo-go para no caso de qualquer tentativa hostil, e assim os despedi-mos; porém nossos presentes não tinham satisfeito sua cobiça, ealguns nos foram acompanhando até que um camarada tendo aimprudência de ficar um pouco atrás, foi-lhe a clavina arrebatadapor um índio, que deu às gâmbias com toda a velocidade, nãotanto quanto voaria uma das nossas balas, se as quiséssemos em-pregar, segundo o costume dos bandeiristas; mas o que fizemosfoi dar muitas gargalhadas, e apupar o camarada, que ficou bemdescontente com a falta da escopeta que o sr. Barão lhe tinha da-do para a viagem. Continuamos nossa marcha com algum receioque nos viessem outra vez alcançar, visto que tinham conhecido nos-so pequeno número, e por isso fizemos rumo a NO. Caminhamossempre por campo em parte limpo, em parte coberto, e neste dia ti-vemos a fortuna de matar um veado; este recurso chegou em tempomuito oportuno tanto para nós como para os nossos cães, que se ti-nham sustentado os últimos doze dias unicamente com água, vistoque não comiam o macumã de que já falei.

19. – Seis léguas distante do lugar aonde nos tinham alcan-çado os índios saímos em um trilho, que seguia a rumo de oeste,passando sempre pelo coxilhão que reparte as águas do Anhanduíe as do rio de São Bento, que faz barra no Ivinhema pouco acima

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de sua foz. Os campos eram quase sempre cobertos, mas melhora-vam em qualidade quanto mais se avançava para o oeste.

23. – Vimos os vestígios de dous cavaleiros, e supusemos quefossem moradores em um campo limpo que ficava ao sul do trilho.

24. – Passando uma pequena restinga de mato, saímos emterreno inteiramente diferente: campos dilatados e limpos de chãoroxo, e enfeitados com capões; tinham muitas semelhanças comos campos de Guarapuava.

25. – Dezoito léguas do lugar onde tínhamos saído notrilho, e dezenove dias de jornada depois que largamos a canoa, che-gamos à fazenda do sr. Francisco Gonçalves Barbosa, aonde fomosrecebidos com a mais franca hospitalidade.

26. – Seguimos para a fazenda do sr. Antônio Gonçalves Bar-bosa, três léguas distante da precedente, passando o rio da Vacaria,que aqui corre a SE por campo e terá dezoito braças de largura; duasléguas adiante do dito rio chegamos à sobredita fazenda, onde fo-mos recebidos com urbanidade, e tratados com todo o desvelo pe-lo digno proprietário, que se condoeu do nosso estado de fraque-za. Como tínhamos levado por cautela um ofício de recomendaçãodo sr. Barão de Antonina para o sr. major João José Gomes, coman-dante-geral do Baixo Paraguai, demoramo-nos somente o temponecessário de aprontar animais para a viagem, dos quais franca-mente fomos supridos com generosidade pelo dito sr. Barbosa, aquem seremos sempre reconhecidos por estes e outros favores quenos prodigalizou.

O sr. Barbosa é morador aqui há seis anos; foi o primeiropovoador depois da retirada dos espanhóis, que antigamentehabitavam uma cidade que se denominava Xerez e mais reduções,como fossem Santo Inácio, Vila Rica e outras, das quais se temachado fracos vestígios em alguns lugares, sem contudo se poderverificar onde a tal cidade, o que de ora em diante será provável,pois que o sr. Barão já está tratando disso, e mesmo pela afluênciade moradores que irão residir e povoar aqueles bonitos campos.

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Quando os srs. Barbosas entraram neles, encontraram mais de du-zentas cabeças de gado vacum bravio, desse que deixaram os espa-nhóis no ano de 1648 quando abandonaram tais lugares. Destafazenda segue uma estrada até a morada do sr. Gabriel Lopes, que égenro do sr. Antônio Barbosa, situada para baixo da serra de Ma-racaju sobre o rio Apá, não longe do forte arruinado de São Jo-sé, onde os paraguaios ainda têm de vez em quando um destaca-mento por causa das invasões dos guaicurus, que por mais vezestêm talado aquele território, e cometido barbaridades a que sãopropensos. Deixamos dous camaradas aqui aprontando uma ca-noa para em nossa volta descer pelo rio da Vacaria, que desde lo-go supusemos ser um braço do Avinheima ou Três Barras.

30. – O sr. Lopes, eu e um camarada bem montados, se-guimos para o forte de Miranda. Todo o terreno desde aqui atéa serra de Maracaju na distância de vinte e quatro léguas é umacontinuada planície de campo limpo, e poucos capões de mato;tem quantidade imensa de veados e avestruzes, mas por ora poucosmoradores. Descendo a serra, que é por um declive quase imper-ceptível, tudo se muda; o clima é muito mais cálido, os camposcobertos, chão arenoso, e pouca água, mas excelente pastagempor toda a parte. Nove ou dez léguas adiante chegamos à fazendada Forquilha, situada perto da confluência dos rios Anhuac eMondego, pertencentes ao sr. major João José Gomes. Aqui sou-bemos que o dito senhor estava em Albuquerque, e não tendonotícias de quando voltaria, vimos que era necessário procurá-lolá mesmo para entregar-lhe o ofício do sr. Barão. Saímos daqui,passando sempre por campos cobertos, com algumas fazendasde criar. A estrada acompanha o rio Mondego retirada dele umaa duas lé-guas pouco mais ou menos.

6 de setembro. – Chegamos a Miranda. O forte é cercadopor uma estacada já bastante deteriorada, tem uma pequena guar-nição de tropa regular, e muitas casas na povoação estão deixadas:parece que este lugar está em decadência. Aqui achamos uma ca-

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noa pronta a partir para Albuquerque, a qual nos foi franqueadapelo sr. tenente Bueno, mui digno comandante do presídio, quenos prestou todo o agasalho e hospitalidade; mas como tivesse de iranimais até a fazenda de S. João da Barra (pertencentes ao sr. major),situada sobre o rio Mondego, e distante sete léguas de Miranda,determinamos ir por terra até à dita fazenda, e ali esperar a canoa.

7. – Duas léguas abaixo de Miranda atravessamos o Monde-go, que terá dezoito a vinte braças de largura. Dali, atravessandocampos cobertos e uma restinga de mato de duas léguas, saímosnos campos da fazenda de S. João da Barra; estes campos em par-te firmes, em parte sujeitos às inundações do Paraguai, são enfei-tados com palmito de carandá, e tem abundante pastaria. Chega-mos à fazenda, onde esperamos a canoa.

No dia 9 embarcamos. O rio Mondego, muito sinuoso,serpeava mansamente por campos desertos.

No dia 11 passamos o rio Negro ou Aquiduano, que é domesmo tamanho do Mondego; logo para baixo entra também pelolado direito o pequeno rio Negrinho, e no dia 12 saímos no rioParaguai, que aqui terá trezentas braças de largura, e corre ao SO.No lado ocidental tem umas altas serras cobertas de mato, sobreas quais, uma légua distante da barra do Mondego e meia ditaretirada do Paraguai, está aprazivelmente situada a povoação de Al-buquerque. Neste dia mesmo chegamos, e achando ali o sr. majorJoão José Gomes, comandante-geral do Baixo Paraguai, fomos re-cebidos por ele com toda aquela franqueza e urbanidade que o ca-racteriza, pois na verdade é um militar que merece todos os elogios:ele mostrou-se muito satisfeito com a nossa aparição e notíciasque lhe demos, e com recebimento do ofício de que éramos por-tadores. Da fazenda do sr. Antônio Gonçalves Barbosa até o fortede Miranda calculei em quarenta e quatro léguas; o terreno éplano, podendo transitar carros por todo ele, não excetuando aserra de Maracaju. De Miranda a Albuquerque, descendo pelorio Mondego, há trinta e seis a quarenta léguas. Durante a nossa

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demora em Albuquerque chegaram uns vinte índios da tribo ca-diau, pertencente à família guaicuru, e entre eles quatro mulheresde uma figura e fisionomia horrenda; vinham montados em pêloem soberbos cavalos, e traziam maior número soltos; seu vestuárioera chiripá (*); traziam os cabelos compri-dos amarrados para trás, e as caras pinta-das com tinta de urucu e jenipapo; suas armas eram lanças compri-das e espadas a tiracolo; os homens pela maior parte eram altos,magros, e tinham um olhar arrogante e desdenhoso, afetandocerto ar de superioridade. Um índio velho montado em lindo ca-valo baio, ao qual dirigia com toda a destreza e garbo, com chapéude palha enfeitado com penas de avestruz, era seu chefe. Procurouo sr. major, o qual fez vir um intérprete para saber o que o índioqueria. Ele disse no seu idioma: – Eu soube que o sr. comandanteestava aqui em Albuquerque, e como eu também sou coman-dante, venho visitá-lo. – Onde está a vossa gente? lhe perguntouo sr. major. – Detrás da serra de Abodoquena, respondeu o índio.– Então vem somente visitar-me? – Venho também vender algunscavalos para comprar aguardente; estamos para fazer uma grandefesta logo que eu voltar daqui. – Quem sabe (tornou-lhe o sr. major)se vós tendes batido os Enimas (**). –O índio respondeu: Não. Mas algunsque conhecem esta gente de perto disseram-me que quando elesfaziam tais festas era por terem batido aos inimigos e lhes arrebatadoalguma cavalhada. Estes índios habitam a campanha que se estendedesde o Mondego até ao rio Apá, e desde a serra de Maracaju atéo rio do Paraguai; tem pouca indústria, algumas vezes apuram poucosal nas salinas sobre o rio Apá, mas a maior parte do tempo pas-sam uma vida errante, vagando de lugar em lugar (sempre a cavalo)para onde a abundância de peixe e caça os convida. Fazem conti-nuada guerra aos índios Enimas, que habitam o Grão-Chaco, edirigem também suas correrias além do rio Apá, conforme acimafiz ver. Os campos que eles dominam são muito extensos e própriospara fazenda de criar; mas como formar estabelecimentos nestes

* Pano de diversos tecidosque atam na cintura.

** Índios que habitam o Grão-Chaco além do rio Paraguai.

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belos lugares onde o feroz guaicuru anda de rédea solta, quais filhosde Agar, que têm todos por inimigos, e são inimigos de todos?

15. – Fui visitar a aldeia dos guanás, situada a pouca dis-tância de Albuquerque; esta se compõe da grande família dos xa-nés, dividida em várias tribos, sendo das mais notáveis a guaná pro-priamente dita, osquiniquinaus, os terenas e os laianas. Estes ín-dios são industriosos, tecem panos de algodão de várias qualidadese padrões, e aplicam-se à agricultura. São (geralmente falando)alvos, bem feitos e muito tratáveis; a sua fisionomia aproxima-seda raça caucásica, muito diferente dos guaicurus, xamococas e ou-tros, que tem mais semelhança com a mongólica. A água aqui emtempo de seca é longe, e várias vezes encontrei com jovens índiasconduzindo cântaros, alguns de formas extravagantes e ornadoscom uma espécie de baixo relevo, vestidas unicamente com suasjulatas (*), que sempre deixam parte do seio descoberto; seus com-pridos cabelos (pretos como ébano), arran-jados com gosto e ornados com flores eoutros enfeites, me fez recordar os tempos clássicos da antigaGrécia. Imaginei por um momento que estava na ilha de Chipreencontrando as ninfas de Vênus quando iam buscar água às fontesda Idália. Tudo aqui respira languidez e a voluptuosidade do cli-ma; o mesmo rio Paraguai parece que participa de tais sentimentos,rolando lentamente suas águas pacíficas por entremeio de camposcobertos de uma terna verdura. A povoação de Albuquerque es-tá situada no mato que serve de divisa deste Império com a provín-cia de Chiquitos, pertencente à república de Bolívia. Os guaicu-rus antigamente atravessavam este mato, gastando cinco dias porterreno que não tem uma gota de água; quem me deu esta notíciafoi um índio muito velho, que acompanhou-os em tais correrias.Constou-me que os bolivianos têm querido atacar a povoação deAlbuquerque por este lado, mas até agora têm sido impedidos tal-vez por estas serras e matos sem água; porém apesar disso não éprudência facilitar, e haver uma invasão e a dispersão dos índiosque pacificamente estão ali vivendo debaixo da proteção do governo.

* Uma espécie de lençol.

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Tendo o sr. major de enviar umas pessoas por terra até aoforte de Miranda, aproveitamos esta ocasião de acompanhá-las.

20. – Saímos de Albuquerque, passando ao Paraguai logoabaixo da baía dos guanás, e entramos nos pantanais. Estes cam-pos até ao forte de Miranda (na distância de vinte e quatro léguas)são um continuado vargedo, em parte limpo, em parte cobertocom árvores de caraíva e carandá, e sujeitos às inundações do rioParaguai; por isso só se transitam no tempo seco; no dia 26 che-gamos a Miranda. Falhamos dous dias, e aproveitei este tempopara visitar algumas aldeias dos índios, que pertencem pela maiorparte à família dos guanás. Os quiniquinaus estão aldeados pertodo forte, e os terenas, que são mais numerosos, estão aldeadosna Ipega, duas léguas distante. Os laianas vivem como agregadosou camaradas nas fazendas vizinhas; e além destes há alguns guai-curus e guaxins. Os terenas eram mais numerosos, porém a au-sência do sr. major João José Gomes, que era seu principal ben-feitor, fez com que muitos emigrassem, e é provável que agora vol-tem a reunir-se, o que é de interesse vital para aumentar a popula-ção desta bela província. No dia 29 saímos de Miranda, e no dia5 de outubro chegamos à fazenda do sr. Antônio Gonçalves Bar-bosa, nos campos da Vacaria.

Pronto tudo quanto era necessário para nossa volta, no dia18 o sr. Lopes, eu e dous camaradas embarcamos no rio da Vacariaperto da fazenda do sr. Francisco Gonçalves Barbosa; no mesmodia o dito senhor com mais quatro pessoas seguiram para embar-car no rio Samambaia, onde tínhamos deixado a canoa, ficandodestinada a barra deste rio no Paraná para nossa reunião. O rio daVacaria terá dezoito braças de largura neste lugar, e corre por cam-pos e matos até a distância de seis ou oito léguas do lugar ondeembarcamos; daí começa por brejos cobertos de capim-guaçu.No dia 20 (dezesseis léguas abaixo do nosso porto) saímos norio Brilhante (ou Ivinheima propriamente dito), que é três vezesmaior do que o da Vacaria e depois de unidos têm mais de sessenta

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braças de largura. Este rio serpeia majestosamente por grandesvargens, em parte firmes, em parte brejais; os matos poucos e bai-xos, retirados do rio meia légua mais ou menos.

No dia 23, oito léguas abaixo da barra do Vacaria com oAvinheima, encontramos muitos vestígios de índios na margemdireita; neste mesmo dia, dobrando uma volta, os avistamos derepente lavando-se no rio; seriam cinqüenta, e correram para omato da barranca, ficando alguns mais corajosos por verem so-mente uma canoa com quatro pessoas dentro. Confiados na for-tuna que nos tem seguido passo a passo em todas estas explora-ções, nos aproximamos à praia, e saltando em terra os abraçamos,e os brindamos com mantimentos, muitos anzóis, facas, e algumasroupa que trazíamos de resto. Eram caiuás, da mesma famíliadaqueles que encontramos nas margens do rio Ivaí em 1845 (oque consta do itinerário dessa viagem, que se acha impresso naRevista do Instituto Histórico Brasileiro); tinham o lábio inferiorfurado, e traziam dentro do orifício um batoque de resina, que àprimeira vista parecia alambre; cobriam as partes que o pudormanda esconder com pano de algodão grosso; os cabelos eramcompridos e amarrados para trás; tinham arcos e frechas; as farpaseram de pau e também possuíam cães. Suponho que eles têm re-lação com a gente do Estado do Paraguai porque, tendo eles nopescoço e nos braços alguns fios de missangas e pegando eu nelas,responderam-me – castelhano – e apontaram para o rumo de SO;falei algumas palavras da língua guarani, e entenderam-me perfeita-mente; com eles estivemos perto de duas horas, e depois seguimosnossa viagem. Estes índios pareciam de boa índole, fáceis de re-duzir, e podem ser muito úteis aos navegantes; resta que o governodê boas providências a respeito, para que os não hostilizem, ma-tando uns, cativando outros, e afugentando o resto. Quinze léguaspara baixo da barra da Vacaria entra pelo lado esquerdo o rio deSão Bento; terá doze ou quatorze braças de largura, e logo adiantedeste no lado direito tem uma baía, que talvez seja a lagoa Mônica,

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apesar de ser a situação e tamanho muito menor do que se achadescrita nos mapas. Meia légua para baixo desta baía o rio reparte-se em dous braços, dos quais o maior é o do lado direito; descemospelo canal da esquerda, e depois de rodar cerca de uma légua,saímos no Paraná, que aqui é semeado de ilhas e muito largo.

Subimos este rio três léguas, e no dia 25 chegamos à barrado rio da Samambaia, onde esperamos seis dias os nossos com-panheiros que desciam por ele. O rio Ivinheima (ou Três Barras)tem sua origem nas serras de Maracaju nos campos de Xerez ouVacaria, onde as suas vertentes principais são conhecidas pelosnomes de Vacaria, Brilhante, Santa Maria, e Dourados, e fazemcontravertentes com os rios Branco, Mondego, Anhuac e Aqui-dauano. Desde o lugar onde nós embarcamos até o Paraná, nadistância de trinta e duas a trinta e quatro léguas, é navegável sem omenor obstáculo, e segundo as informações que os moradoresme deram, podem subir canoas francamente pelo rio Santa Mariaaté um lugar, onde com cinco léguas de varação pelo campo passa-separa o rio Mondego, o que contudo é preciso examinar com in-dividuação para bem marcar-se o varadouro. Este rio Ivinheima,largando os campos da Vacaria, corre quase sempre por vargedoscobertos de capim-guaçu, e tem pouco mato forte; é abundantede peixe e caça, e o seu rumo geral é SE. No dia 31 de outubrochegou o sr. Francisco Gonçalves Barbosa e companheiros, e nodia seguinte subimos o Paraná e entramos no leito do Paranapa-nema, no dia 10 de novembro no Tibagi, e no dia 11 chegamosà barra do ribeirão das Congonhas, que escolhemos para o portode embarque do comércio da vila de Antonina com Cuiabá, ten-do gasto dezoito dias de marcha desde os campos da Vacaria atéali. Em conseqüência de acharmos que este pequeno rio era o me-lhor lugar para fazer-se o mencionado porto do embarque, por causado abrigo que prestará às canoas, a fim de não serem arrebatadaspelas enchentes do Tibagi, seguimos por terra a sair nas campinas deSão Jerônimo, pertencentes ao sr. barão de Antonina. Este trajeto

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terá de mato dez léguas, e doze o outro sertão (incluindo as campi-nas) que atravessamos para sair nos campos da Fortaleza, gastandoquarenta e seis dias por causa de adoecerem dous camaradas,que foi preciso esperar se restabelecessem; de maneira que a 27de dezembro cheguei à fazenda de Perituva com seis meses e trezedias desde que embarcamos; e tendo encontrado o sr. barão deAntonina na outra sua fazenda de Tacunduva, onde lhe apresenteio mapa e o itinerário desta viagem, ele me determinou que ostirasse a limpo para remeter; o que cumpri com custo por escreverfora do meu idioma inglês, mas a indulgência do sr. Barão relevaráas imperfeições do seu criado e piloto mapista – João HenriqueElliott.

Fazenda de Perituva, 18 de abril de 1848.

Roteiro comparativo das distâncias (léguas)

Da vila de Antonina à vila de Castro por um novo trilho –26; da vila de Castro ao fim do campo da Fortaleza, na entrada dosertão –18; dali às campinas de São Jerônimo (mato) –10; atraves-sando as ditas campinas e cerrados – 2; ao ribeirão das Congonhas,na confluência com o rio Tibagi (mato) – 10; descendo o dito rioaté a junção com o rio Paranapanema – 5; descendo este até a mar-gem esquerda do grande Paraná – 24; largura que se atravessa pa-ra a margem direita – 1. Total – 96. N.B. Com esta distância esta-mos na província de Mato Grosso.

Costeando-o até a barra do rio Avinheima – 6; subindoeste, o rio Brilhante, o rio dos Dourados, e ultimamente o rioSanta Maria até o lugar onde se deverá fazer o porto do desembar-que em campo, e o varadouro para o rio Mondego (Miranda) –40; do lugar do desembarque ao forte de Miranda, caminho deterra por campo – 46. N.B. Também se pode ir embarcado.

Do forte de Miranda à povoação de Albuquerque, caminhode terra por campo – 40; da foz do rio Mondego no rio Paraguaiaté à cidade de Cuiabá – 146. Total – 374.

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Pelo roteiro do dr. Francisco José de Lacerda e Almeida,descrevendo a navegação da cidade de Cuiabá à cidade de Santos,se vê o seguinte: De Santos a S. Paulo – 10; de São Paulo a Ara-ritaguava (Porto Feliz) – 23; descendo o rio Tietê até o rio Grande(Paraná) – 152; do rio Grande à foz do rio Pardo – 29; subindoo rio Pardo até o Camapuã – 75; descendo pelo rio Camapuã –17; idem pelo rio Coxim – 40; idem pelo rio Taquari – 90; su-bindo pelo rio Paraguai – 39; idem pelo rio São Lourenço – 25;idem pelo rio Cuiabá até à cidade – 64. Total – 564. N. B. O dr.Lacerda dá neste trajeto cento e treze cachoeiras.

O roteiro supra de minhas novas descobertas vem a ser davila de Antonina ao forte de Albuquerque – 228; da foz do rioMondego pouco acima do forte de Albuquerque até a cidade deCuiabá – 146. Total – 374.

Ganha-se pelas novas descobertas –190.N. B. O roteiro do dr. Lacerda dá, na navegação de Porto

Feliz à cidade de Cuiabá, cachoeiras – 113. Na minha navegaçãohá somente cachoeiras pequenas – 3. Ganha-se – 110.

O roteiro do dr. Lacerda dá de Santos à foz do rio Taquarino Paraguai – 436. Descendo este até o forte de Albuquerque –19. Total – 455.

Pelo roteiro de minhas novas descobertas se vê que da vilade Antonina ao mencionado forte de Albuquerque há – 228.Ganha-se – 227.

Querendo ir ao Estado do Paraguai, o caminho é o seguinte:Da vila de Antonina ao desembarque no rio Santa Maria, comose vê descrito no roteiro supra – 142; do mencionado desembar-que ao rego-d’água – 4; dali à barra – 2; da barra aos Mutuns –2; dos Mutuns abaixo da serra de Maracaju, nas vertentes do rioParaguai – 3; dali ao rio Apá, divisa de que o dito Estado se temapossado contra a letra expressa da convenção de limites de 1777,segundo a explicação da mencionada convenção a que me reporto– 4. Total – 157.

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Passando o rio Apá ao forte arrasado de S. José – 6; daqueleforte ao de S. Carlos – 6.

N. B. Dali há um caminho por terra para a cidade de Assun-ção, do qual eu poderia dar notícia se tivesse entrado a minhaoutra escolta pelos Estados de Corrientes e Paraguai, pois era oponto marcado para se encontrarem.

Fazenda de Perituva, 18 de abril de 1848.

Barão d’Antonina.

Terceira derrota

Nos anos de 1848 a 1849, para explo-rar a melhor via de comunicação en-tre a província de São Paulo (desde oParaná) e a de Mato Grosso pelo Bai-xo Paraguai.

O manuscrito, inédito, foi oferecido aoInstituto Histórico e Geográfico Brasileiropelo Barão de Antonina (seu sócio correspondente).

O texto aqui utilizado foi transcrito da Revistado IHGB, vol. 13, ano 1850, p. 315-335.

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Itinerário de Joaquim Francisco LopesEncarregado de explorar a melhor via de

comunicação entre a província de São Pauloe a de Mato Grosso pelo Baixo Paraguai.

Exmo. sr. Barão de Antonina. – Havendo-se V. Ex.ª dignadode encarregar-me de ir fazer a sétima exploração por conta do go-verno para verificar a possibilidade de abertura de uma via de co-municação entre o porto de Antonina e a província de MatoGrosso pelo Baixo Paraguai, tenho a honra e a satisfação de podercertificar a V. Ex.ª que esta gigantesca empresa se acha realizadacom incalculáveis vantagens para o comércio e para a civilizaçãodos indígenas. Congratulando a V. Ex.ª por ver coroados os seusempenhos e os seus generosos esforços com esta magnífica desco-berta, peço licença para lhe fazer uma rápida e sucinta expediçãoda minha viagem, para que dela se depreenda o pouco que aindaresta a fazer a fim de consolidar o muito que se realizou.

Depois de haver recebido de V. Ex.ª as instruções que a esterespeito se dignou dar-me a 3 de agosto de 1848, parti a embarcar-me, o que efetuei a 27 de outubro do mesmo ano no ribeirãodas Congonhas.

Esta expedição cujo comando me estava confiado compunha-se de nove pessoas e de um intérprete ou linguará, que havia idodo aldeamento de São João Batista. Acompanhavam-me FranciscoGonçalves Barbosa, Paulo Rodrigues Soares e José Maria de Miran-da, moradores daquela província de Mato Grosso e que na minhaantecedente exploração me haviam seguido para esta província emais o negociante Antônio Felipe com seus camaradas ou ho-mens de comitiva, o que perfazia ao todo dezenove pessoas embar-cadas em quatro canoas.

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Debaixo de um céu benigno e ao aspecto de uma naturezamagnífica e encantadora, começamos a nossa viagem, fazendodeslizar as canoas no remanso das águas do ribeirão das Congo-nhas até irmos dar ao rio Tibagi; e depois de seguir este até a suafoz, saímos no Paranapanema, demorando-nos nesta viagem fluvialcerca de três dias, por estarem os rios um tanto esgotados, e ter-nos sido preciso abrir alguns canais, dos quais os mais baixos sãoos das Sete Ilhas e baixios da ilha de São Francisco Xavier, ondeexistiu a antiga Redenção deste nome, fundada pelos jesuítas, eabandonada no ano de 1631.

Neste mesmo dia percebemos que além do Paranapanema,cousa de duas léguas, se estava lançando fogo, e que folhas esvoa-çando vinham cair nas águas que abríamos, e mostravam ser detaquaris e árvores, e não de campos. Conjecturo que este fogo foralançado pelos índios selvagens da nação xavantes.

No seguinte dia prosseguimos a viagem, passando felizmen-te por canais, travessões e baixios, até chegarmos à cachoeira dasLaranjeiras, em cujo canal grande apenas passava toda a água, epor isso tivemos de descarregar as canoas, e passá-las com algumcusto pelas ondas que as águas faziam por se acharem represadasneste lugar. Depois de transportadas as canoas para um lugar maisdistante, e havermos tornado a arrumar as respectivas cargas, fize-mos pouso no mesmo lugar em que havíamos antecedentementepernoitado com o sr. Luís Pereira de Campos Vergueiro, ondeentão suportamos alguns dias de tempestade.

Poucos instantes depois de ali estarmos percorrendo aqueleslugares, uma pessoa da comitiva achou uma colossal panela de barrocozido, com dez e meio palmos de circunferência e sete e meio deboca, bem trabalhada em roda ao que parece, por ser muito desem-penada e regular no diâmetro; tinha apenas o fundo arruinado.

Ao amanhecer do imediato dia continuamos viagem, pas-sando nos rebojos de água, e passando pelos baixios de Pirapó,fui abarracar-me defronte à sua embocadura no Paranapanema,

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com a resolução de aí fazer estanciar as cargas, a fim de ir dar prin-cípio às explorações que me haviam sido recomendadas nas instru-ções de V. Ex.ª.

Como eu teria de demorar-me, os companheiros de viagemFrancisco Gonçalves Barbosa, Paulo Rodrigues Soares e José Mariade Miranda teimaram a prosseguir neste mesmo dia a sua viagem,mostrando-se bastante desejosos de chegarem a suas moradas, queainda assim distavam daqui cinqüenta e sete léguas no rio da Vacaria.

Desembarcado, foi meu primeiro cuidado procurar os ves-tígios donde foi a redenção de Nossa Senhora do Loreto abando-nada pelos jesuítas em 1631; e subindo pelo rio Pirapó, e encon-trando com baixios e corredeiras, saltei em terra a examinar apropriedade do terreno e margens do rio, em que só achei matosfirmes próprios para cultura, boas madeiras, e abundância de frutassilvestres como laranjas azedas; sem verificar onde foi a tal reden-ção, o que só com o tempo e vagar se poderá descobrir; pois se-gundo algumas memórias deve estar situada neste rio, meia léguaacima da sua embocadura no Paranapanema.

Este rio de Pirapó é correntoso, e o seu leito é de pedra,tendo boas proporções para ponte e passagem a vau.

No dia 12 regressei com chuva e continuei minha viagem;e encontrando alguns baixios, cheguei a 16 ao rio Paraná, atra-vessei-o com vela aberta, entrando à direita na foz do rio Samam-baia, que subi até fazer pouso no bracinho dos Cágados. Daquicontinuei a examiná-lo até desaguar no Ivinhema, por onde fuisubindo até dia 22, em que deparei com uma pequena canoa a-marrada em frente a uma ilha, onde estava um rancho e palhasde milho verde, pelo que julguei ser pouso de índios, que por aliandavam pescando, como indicavam os pesqueiros e canoas quedepois fui encontrando.

Chegado a um porto mais freqüentado, e onde eu na ante-cedente viagem havia encontrado muitos índios caiuás, de naçãoguarani, saltei em terra com o linguará, levando algumas ferramen-

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tas e bijuterias. Pouco depois encontrei-me com o cacique Libânio,que vinha acompanhado de mais quatro índios, aos quais cumpri-mentei em língua guarani e ofereci as ferramentas que levava. Emalegre recepção comemos alguma carne de paca assada, até quechegaram as canoas da minha comitiva, o que percebi pelo estrondodos tiros; bem como chegaram outros muitos índios que por meupedido o cacique havia mandado chamar para eu os presentear.

Compenetrado da eficácia de um bom tratamento prodiga-lizado a estes pacíficos filhos das florestas, eu me empenhei pôrpor obras as salutares e constantes recomendações, que V. Ex.ªnos tem feito, de empregar sempre o meio da persuasão e da bran-dura para com eles, por ser esse o único meio de os chamar a co-munhão social. Aos abraços que com afeto lhes dava, eles me cor-respondiam com confiança, buscando beijar-me a mão, o que a-tribuí a costume herdado dos jesuítas, porque é muito provávelfossem instruídos seus antecessores, até que a extinção daquelaordem e as violências que posteriormente contra eles se perpetra-ram os tornou a lançar nessa vida de uma abnegação selvagem, deque urge ao governo de S. M. I. remi-los.

Por via do meu linguará me dirigi especialmente ao caciqueLibânio. Este índio é de proporções atléticas, alto, reforçado ede uma fisionomia insinuante, respirando nas maneiras franquezae magnanimidade, bem como em suas conversações muito tinoe raciocínio. Pedi-lhe que mandasse formar a sua gente em cordãoe que estendessem as mãos direitas, sobre as quais eu fui repartidoos presentes que V. Ex.ª lhes mandava, sendo muito para notarque eles sem se atropelarem uns aos outros, e mostrando a maiorcircunspecção, agradeciam à sua moda, e se mostravam muito con-tentes. Ao cacique coloquei eu na cabeça um barrete vermelho,e cingi-lhe a tiracolo a caneta que serviu a V. Ex.ª quando coman-dante superior da guarda nacional, e com cujos presentes ele mos-trou muito satisfeito, a ponto de fazer com o corpo retirado al-gumas marchas de um para outro lado. Depois de se lhe acalmarem

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um pouco estas impressões, disse-lhe, por via do linguará, que haviaum grubixá que era tão protetor e amigo dos índios, que o cha-mavam Paí-Guaçu, e que à gente da sua nação ele tinha aldeado edado vestimentas, com que eles estavam satisfeitos e reunidos.Que era ele quem lhes mandava aqueles presentes, e que aquelasinsígnias tinham sido do seu uso e que por isso as estimasse.

Pelas subseqüentes perguntas que lhe fui fazendo, depreendique este cacique, de cujas boas disposições e pela categoria queparece ocupar entre os mais caciques, de que é major, se podemcolher grandes vantagens para a catequese; ele tinha vindo muitocriança do lado do Paraguai, confundindo-se assim naquelas hor-das, até que a sua valentia e prudência o elevou àquele posto. Écasado, e à sua mulher ele chamava em mau português mescladode espanhol D. Maria Rosa do Rosário. Segundo as próprias in-formações por ele dadas computo em quatro mil índios os porali aldeados. Há debaixo das suas ordens mais sete caciques, e eleme disse que a sua gente era tanta como terra, o que dizia tomandopunhados de terra entre as mãos e atirando-a.

Nisto veio a noite, e nos dispusemos para pernoitar aqui.Uma rede de embira me foi oferecida para descansar; bem comoera presenteado a cada passo por eles com milho assado, cará, tin-gas, etc. A noite passei-a aqui em claro pelas impressões que haviarecebido, e mesmo por cautela, e ao amanhecer do dia 23 soubepor intermédio do linguará com o cacique que Francisco Gonçal-ves Barbosa e seus companheiros haviam levado três índios de suanação que se achavam pescando, e os lavaram para ajudar a pescarna canoa, por cujo trabalho lhe dariam roupa e ferramenta, mos-trando-me um tronco de árvore onde vi escrito o seguinte: – Sr.Lopes – Daqui levo três índios. – F. Barbosa.

Nisto chegou o cacique acompanhado de outras muitasíndias, que eu recebi com presentes, com o que elas se mostrarammuito satisfeitas. Caminhando depois disto para a aldeia, ficandoaqui as índias, pelo caminho, em distância de duas léguas encon-

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trava famílias, que sabendo da minha chegada vinham apressadassatisfazer a sua curiosidade de ver gente estranha e receber presen-tes, que com efeito fui repartindo. Chegamos enfim ao aldeamen-to, impropriamente assim chamado, porque as casas acham-se dis-seminadas e como por bairros. Entramos em um rancho cobertode folhas de caeté, sendo outros cobertos de folhas de jerivá.

A aldeia é colocada entre as suas roças ou lavouras, que a-bundam especialmente em milho, mandioca, abóboras, batatas,amendoins, jucutupé, carás, tingas, fumo, algodão, o que tudo éplantado em ordem; e toda a época é própria para a sementeira,porque vi milho a nascer, a emborrachar e a colher-se. É porémesta paragem falta de água corrente, e servem-se das produzidaspelas cacimbas.

Incessantemente concorriam índios a visitar-me, aos quaiseu presenteava; e não obstante as distâncias, em menos de vintequatro horas afluíram mais de cinqüenta arcos, não contando omulherio, os moços e crianças, que tudo orçava para mais de du-zentas cabeças.

O vestuário e traje destes índios caiuás, é o mesmo que u-savam e ainda usam os índios de São João Batista no aldeamentodo rio Verde no município da Faxina. Armados de virotes, flechase porretes, trazem em geral o beiço inferior furado, onde metemum botoque de resina, que pela sua cristalização imita o alambre.São todos de boa presença e bem talhadas proporções físicas. Asmulheres ocupam-se em fiar algodão para os vestuários, torcemcordas de embira para o uso da pesca e cordas dos arcos; e deseus cabelos fazem umas tranças com que adornam a cintura deseus maridos ou irmãos, e o punho do braço onde bate a cordado arco; fazem também redes de embiruçu. As mulheres enfeitam-se de uns caramujos imitantes a missangas, e de ossos e de outrasbijuterias, que elas lançam ao pescoço e a que dão muito apreço.

As informações mais que pude colher foram que além doIvinheima não havia hordas de coroados; que os terrenos que ha-

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bitam vão até o Iguatemi junto à serra de Maracaju; que tem da-qui um caminho por terra que vai ao Paraná, ao qual se deve se-guir sempre pela terra firme e boa, desviando os pântanos; pelamargem do Ivinheima tem muitos capinzais, e que daqui em quatrodias se sai numa grande água, mas que encontrando por aí os índioscavaleiros, de quem se temem e com quem têm guerra aberta, nãotem ido lá mais vezes.

Estes índios não criam nem cães, nem galinhas; perguntan-do o motivo responderam que o latido daqueles e o canto do galoguiariam os inimigos para os atacar: criam bichos de pêlo e avessilvestres.

Neste dia fiz que os homens de minha comitiva com os pia-zes ou índios pequenos dançassem um sapateado à moda de Curi-tiba, que os índios muito apreciaram. Durante todo o tempo daminha estada entre estes bons índios não houve obséquio que àsua moda eles não prodigalizassem, e não foi sem muita emoção,e com promessa de nos tornarmos a ver que deles me despedi, oque verifiquei no dia 27, havendo-lhe dado todos os presentesde que eu podia dispor, mesmo de minhas provisões e utensílios,como machados, enxós, goivas, etc., e não convinha expor-me amais demora por não ter com que brindasse os que depois con-corressem, pois sei quanto se ofende a sua susceptibilidade, quan-do não são tratados e brindados igualmente.

Caçando, pescando e melando (*) pros-seguimos a viagem até pousarmos no dia28 à esquerda do rio onde chega o campo

firme, no qual vimos perdizes; e a 20 chegamos à foz do rio Vacaria.Desde a margem do Paraná até a foz deste rio os matos são

por vargedos e pântanos estragados pelos fogos, que por um eoutro lado eles têm lançado.

No dia 20 subimos pela Vacaria, e estando a almoçar, per-cebemos à esquerda uns corvos que esvoaçavam. Curioso de vero que era, para ali me dirigi, e um espetáculo de tremenda angústia

* Chamam os sertane-jos melar o ir ao matocolher mel. (O R.).

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se me antolhou; os cadáveres de meus companheiros FranciscoGonçalves Barbosa, Paulo Rodrigues Soares e José Maria de Mi-randa aí estavam mutilados e já em estado de putrefação. O terrore a mágoa que senti em presença desta cena não a posso descrever.Alguma roupa de cama de pouca monta era o que aí se divisavajunto aos cadáveres; tudo o mais tinha sido roubado pelos trêsíndios autores deste cruel assassinato, à exceção de quatorze sacasde sal, que tinham deitado para o fundo do rio.

Tomei as cabeças destes infelizes assassinados, e o resto deseus corpos sepultei, colocando-lhes em cima uma cruz.

No 1.o de dezembro seguimos pelo Vacaria que ia mui bai-xo. No dia 6 cheguei à casa do falecido Barbosa, a cuja desven-turada viúva dei a fatal nova da morte de seu marido, que a dei-xou na consternação que pode imaginar-se.

No dia 7 seguiram as canoas para o porto do sr. AntônioGonçalves Barbosa, e daí fui para casa do sr. Inácio GonçalvesBarbosa, que se esmerou em obsequiar-me; e depois disso partiem direção a Miranda, tendo alugado suficientes animais de mon-taria, em virtude das cartas de crédito que V. Ex.ª me deu, as quaismuito me serviram para isto, e para compra do preciso municioque gastava com a minha escolta, conforme consta da conta pormim assinada, que com esta entrego nas mãos de V. Ex.ª.

Nisto entrou o presente ano de 1849. A 2 de janeiro con-tinuei a viagem, e a 3 encontrei dous índios, um de nação laianae outro terena, que vinham de fazer uma correria nas matas doIguatemi, nas margens do Paraná. O fim destas correrias é ca-tivar outros, que sujeitam ou vendem, como antigamente se pra-ticava com os infelizes índios, dando-lhes o nome de administra-dos. Um destes índios com quem entrei em conversação portu-guesa me ministrou dados e informações que me pareceram exatassobre o lugar da existência da antiga redenção de Santo Inácio,da qual há ainda vestígios nas vizinhanças dos rios Amambaí-Guaçu e Escupil.

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No dia 6 cheguei a Miranda, e foi meu primeiro cuidadoir entregar as cartas e ofícios de V. Ex.ª, bem como requerer atode corpo de delito nas cabeças dos infelizes assassinados, depoisdo que tiveram decente enterro com um acompanhamento omais solene que era possível fazer-se em tal lugar.

A 12 voltei para o Vacaria; falhei a 13 na fazenda da For-quilha; a 17 cheguei na fazenda do Taquaruçu, e a 20 na Boa Vis-ta, residência do Sr. Barbosa, aonde também chegaram a 21 osmeus cargueiros e comitivas; sendo preciso demorar-me aqui emaprestos para ir suficientemente sortido, visto que ia fazer de-moradas explorações em diversos pontos.

No dia 12 de fevereiro parti da casa do sr. Antônio Gon-çalves Barbosa na diligência de explorar os rios que da serra deMaracaju vertem ao Paraná, e passando o rio Brilhante fiz por eletodas as indagações até as faldas da serra, e depois passei a fazer i-guais exames no rio Santa Maria até a mencionada serra, pois éeste o que faz contravertentes com o Mbotethehu, hoje conhecidopor Mondego ou Miranda, e por isso que foi preciso navegá-lo; eultimamente passei a fazer iguais indagações no rio dos Dourados,e então conheci que este rio, conquanto tenha bastante água egrande espaço de navegação, vai fazer contravertentes com o rioApa, que deságua no rio Paraguai, onde há dous fortes dos para-guaios, São José e São Carlos.

Como tivesse obtido as notícias que me deu o velho índiode Miranda, que entre as vertentes do Amambaí-Guaçu, Escupil,Iguatemi e Ivinheima havia ainda vestígios da redenção de SantoInácio, estabelecida no tempo dos jesuítas quando fundaram tam-bém Vila Rica e a cidade de Xerez, desci por terra com minha co-mitiva, atravessando uma grande camada de campo; porém estepara os fundos na direção do rio Paraná tornou-se intransitávelpor causa de um mangão de muitos anos, que da altura de um cava-leiro se havia trançado de tal maneira que não havia cavalo, por maisrobusto que fosse, capaz de o romper; e em tal caso não podia con-

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tinuar a exploração para aquele lado sem primeiro queimar essescampos e esperar que dessem pasto para os animais de meu transporte,o que dependia de quinze a vinte dias de demora, e então me fal-tavam os mantimentos, que já nesta ocasião estavam bem diminuídos.

Devo notar que os rios Escupil e Iguatemi têm poucos ga-lhos com origem nos campos por onde passei, e logo se perdemno vasto sertão de mato que borda este último desde a serra deMaracaju até as Sete Quedas. Neste giro que fiz, não me esqueceude observar tudo quanto V. Ex.ª me havia recomendado nas ins-truções de 3 de agosto de 1848 e ofícios posteriores; e em conse-qüência caminhei muitas léguas, em diversos ramos, até achar u-ma antiqüíssima estrada de carretas, que se conhecia pelo terrenoque havia afundado aquele trilho, que com custo fui seguindo,passo a passo, até entrar em uma mata para as cabeceiras do rioIguatemi em direção da serra de Maracaju, e então ficou intransi-tável este caminho, por causa das tranqueiras e mato cerrado; po-rém pude de alguma maneira verificar que esta é aquela estrada queda redenção de Santo Inácio e Vila Rica seguia para a vila de Curu-guaty, pertencente ao Estado Paraguaio; pois confrontando esserumo com o descrito na memória que V. Ex.ª me havia dado do es-panhol D. Manuel Antônio de Flores ao marquês de Val de Líriosem 14 de agosto de 1756, confere em tudo com o que observei.

Continuei minha digressão por campos desertos, atraves-sando algumas vertentes com águas para os rios Escupil e Iguatemiaté a serra de Maracaju, que mansamente me ofereceu suficientesubida e nas contravertentes, caminhando algumas léguas, certifi-quei-me serem águas do rio Apa tributário do Paraguai, e em con-seqüência pendi a rumo da nascente pelo costão da serra de Ma-racaju, vertentes do Paraguai a procurar as cabeceiras do rio Mbo-tethehu ou Guaxihy, hoje conhecido por Mondego ou Miranda,e ao mesmo tempo procurar esse sítio onde demorou a cidadede Xerez abandonada em 1648. Não achei vestígios que me orien-tassem para dizer com segurança – foi aqui – pois a campanha é

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espaçosa naquele lugar, e seria preciso cruzá-la toda uma e maisvezes; porém há aí uma lombada mui grande e aprazível e entre-cortada com diversos galhos de arroios tributários do Mondego,onde necessariamente foi edificada essa povoação, de que só sepoderá conhecer o lugar quando aqueles campos se queimarem, eem seguida se fizer neles uma indagação minuciosa, o que eu nãopodia conseguir por ser outro o objeto principal da minha diligên-cia, qual o de marcar a navegação e varadouro das águas do Paranápara as águas do Paraguai.

Verificando-me que estava nas vertentes do Mondego, passeia examinar o maior braço dele e reconhecer sua possança, e comefeito achei que ele tem suficiente água para navegação; porémobstruído de muitas pedras e travessões que a tornariam dificílima;e depois verifiquei melhor a insuficiência deste rio, quando subiude Miranda uma canoa exploradora, que não pôde senão com custovencer muitos tropeços, até que voltou sem concluir a subida. Tendofeito quanto era possível para bem examinar o mencionado rioMondego, determinei fazer as competentes indagações no rio A-nhuac, e para isso era necessário chegar a Miranda, a fim de for-necer-me de tanta cousa que precisava; e dirigindo-me para aquelepresídio cheguei a 15 de março, tendo gasto nesta exploração 32dias de contínuas marchas e contramarchas; porque atravessavaem muitas partes campos desertos, e por conseqüência era forçosoencontrar lugares onde não podia passar com o minha comitivaa cavalo, e bagagem de cargueiros com municio.

Cheguei com efeito a Miranda onde tive o prazer de acharo sr. major João José Gomes, que estando fazendo o serviço nacidade de Cuiabá, veio com três meses de licença a estes lugaresonde há pouco era meu digno comandante-geral, e então mu-daram-se as cenas a meu respeito, a bem da espinhosa comissãoem que me achava; porque coadjuvado com toda a espontanei-dade por este militar enérgico e dedicado a que se franqueie estavia de comunicação, tão recomendada por V. Ex.ª nas cartas que

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lhe dirigiu e de que eu fui portador, e então nada mais me faltoudaquilo que estava ao seu alcance arranjar; visto a bem merecidainfluência que goza em todo o baixo Paraguai, seja ou não dalicomandante. Pedi ao sr. major uma canoa e alguns remeiros, oque ele fez aprontar com a brevidade que era possível; de maneiraque a 31 segui para a fazenda da Forquilha, subindo o Mondegodezesseis léguas que em tanto calculei essa boa navegação; estafazenda é do mencionado sr. major, e por conseqüência ele man-dou franquear-me tudo quanto eu dela precisasse; e até mandouque seu capataz, José de Campos, e dois camaradas subissem tambémna canoa, por serem muito aptos nesse serviço, e eu subi por ter-ra, costeando o rio pela margem direita, visto ser tudo por campo,apesar de coberto, como são quase todos da serra de Maracajupara o lado do rio Paraguai. No dia 8 de abril verifiquei o lugardo embarque e desembarque no rio Anhuac, em um ponto ondese lhe ajunta um arroio que pus o nome de Urumbeva, e ali fin-quei dois padrões de cerne piúva, um na barranca do rio, outrono campo; onde gravei a era de 1849, e as letras iniciais do nomede V. Ex.ª – B. de A.

Da fazenda da Forquilha ao mencionado lugar marcadopara o desembarque haverá doze léguas, e para que fique a nave-gação franca em todo o tempo, é preciso desobstruir algumas testasque fazem muitos, porém pequenos baixos, no tempo seco; massão formados por pedra de pouca consistência, quase tabatinga,e mesmo com alguns pedregulhos e pedras soltas que é fácil empur-rar para os lugares profundos do mesmo rio, e ao mesmo tempodestroncar o leito de muitas madeiras que ali têm caído, porqueeste rio corre mansamente e não as faz rodar na ocasião das enchentes.

Deste aprazível lugar com proporções para uma povoaçãocolocada na forqueta de Anhuac com Urumbeva, fiz voltar a canoae gente do sr. major, e eu com minha escolta segui a atravessar a serrade Maracaju deixando as águas de Anhuac e procurando as do Bri-lhante, tributário de Paraná. Devo mencionar que enquanto caminhei

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no domínio das águas da Paraguai atravessei campos cobertos demui boa pastagem; porém logo que estive nas vertentes para o Pa-raná eles são limpos e de uma vista encantadora, um céu benigno,um clima regular, bem próprio ao Perituva onde V. Ex.ª reside; sen-do todo este aprazível terreno regado de cristalinas águas. Nestacoxilha que faz divisa das águas dos dous gigantes Paraná e Paraguai,passa o trilho dos índios mirandeiros, que de tempo a tempo vãofazer suas correrias contra os pacíficos caiuás, cuja causa eu advoga-ria senão tivesse consciência de nada valer; porém V. Ex.ª, que setem dedicado a favor destes infelizes brasileiros, que vagando er-rantes pelas florestas, tem procurando trazer alguns à civilização,não poupando fadigas e nem despesas, de que sou testemunha;pois que por diversas vezes tenho repartido o que com a mão pró-diga lhes tem V. Ex.ª mandado para ser entregue, quando porven-tura os tenho abordado, como ainda agora aconteceu, conformeacima tenho descrito.

Seria muito louvável que por intermédio de V. Ex.ª sou-besse o governo de S. Majestade Imperial as malversações e hos-tilidades que por vezes têm praticado os índios domesticados deMiranda, indo à caça dos caiuás que habitam a margem direitade Ivinheima até a esquerda de Escupil e Iguatemi, com o únicofim de fazer prisioneiros os pequenos e algumas mulheres, emcujas ocasiões o estrago e a morte se derrama nos bosques que servemde miserável abrigo a estes infelizes, dignos de melhor sorte e daproteção do governo, a quem não podem chegar suas débeis vozes.

Voltando a prosseguir na exposição das explorações quefazem o objeto da minha viagem, direi a V. Ex.ª que passando es-se trilho dos índios fui descendo mansamente a serra de Maracaju,atravessando pitorescos campos, enfeitados com capões sortidosde boas madeiras, e entrecortados com águas límpidas que formamas cabeceiras do rio Brilhante.

No empenho de procurar um lugar azado para desembar-que dos objetos que forem conduzidos desta província de São Paulo,

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achei uma forqueta que faz no Brilhante um ribeirão grande aque dei o nome de Santo Antônio; as águas deste braço com o doBrilhante, fazem uma largura de oito braças e um fundo de trêspalmos, no tempo seco.

Este sítio na forqueta dos dous mencionados ribeirões é omais apropriado que é possível para se formar uma povoação, demaneira que em ambas as cabeceiras, digo, cabeça de varadoruropodem formar-se duas colônias ou prédios, com a diferença unica-mente do clima; porque em descendo a serra de Maracaju para olado do Paraguai os campos são monótonos, e na maior partecobertos, as águas algum tanto salobras, e faz bastante calor, masem compensação produz ali com vantagem a cana-de-açúcar, queplantando uma vez não precisa replantar todos os anos, porqueda soqueira ela dá melhor resultado por espaço de vinte e maisanos, e em conseqüência do clima dá também muito algodão ecafé; porém deste há unicamente um pequeno princípio de plan-tação transportada por alguns mineiros que de próximo têm idohabitar aqueles despovoados terrenos.

O gado vacum, cavalar e lanígero produz muito sem de-pendência de se lhes dar sal, o que não acontece nesta bela campa-nha, que da mencionada serra procura a margem direita do granderio Paraná; esse rio encantador, por causa das muitas ilhas de di-versos comprimentos que por ele estão semeadas; de maneira talque da nossa navegação, quando atravessamos para baixo na distân-cia de doze léguas, só num lugar eu pude ver com certeza de umlado a barranca do outro.

Marcado o lugar do varadouro tive de fazer novas apron-tações que era mister para a navegação e sustento de minha escoltae das praças de pré de que era acompanhado por ordem do Exmo.Sr. Presidente de Mato Grosso, que apesar da distância em que estáa sua residência em Cuiabá, deu todas as providências para que nadame faltasse a fim de eu desempenhar esta árdua comissão, e poreste motivo aceitará benignamente deste fraco sertanista os mais

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sinceros agradecimentos que é possível dirigir-lhe, pois não tenhooutros meios de reconhecimento.

Forçoso foi outra vez valer-me das franquezas do sr. majorJoão José Gomes, que estando ainda em Miranda ouviu minha sú-plica, e me mandou uma canoa de sessenta e um palmos de com-primento, quatro de boca e três de fundo, que fiz atravessar o va-radouro e que acomodou a minha escolta e dez praças de pré, emais um linguará que me deu o sr. furriel Antônio Dias Lemos,comandante do destacamento que me acompanhava.

O novo varadouro terá oito a nove léguas; atravessei nestepequeno trajeto umas pequenas restingas de mata carrascal, a quechamam tavoca, que se encontra muitas vezes nos campos cober-tos da serra de Maracaju para o lado do rio Paraguai.

No 28 de junho apartou-se de mim o sr. furriel com o res-to de sua gente para ir embarcar no rio da Vacaria, no porto dosr. Barbosa, com meu companheiro de viagem Antônio Felipe emais gente, inclusive uma família enferma que quis passar do baixoParaguai para esta província; e eu com minha escolta, soldados elinguará embarquei no Brilhante para fazer minha viagem, e nosencontrarmos na junção que faz o Vacaria com o Ivinheima, o queverificamos no dia 12 de julho, como adiante farei menção.

Neste lugar que marquei, e que ficou suficientemente assi-nalado para o desembarque indo desta província, tem suficientescapões com madeira e abundância de alvenaria para se construiro caserio de uma grande vila entre esses dous esgalhos de arroiosque mencionei, e por isso que é mui abundante de água (até parafábricas) o mencionado lugar. Finalmente embarquei no dia 29de julho, e comecei a descer o Brilhante, que no tempo seco ofe-rece uma porção de baixios até o ribeirão da Cachoeira, que temcinco braças de largo e três palmos de fundo, porém com um re-pigente que de mais dous palmos de água desaparecem todos es-ses baixios; mas por prevenção devem-se preparar os canais, porquea mor parte das pedras são movediças, e quebrar com alavancas

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alguns travessõezinhos para ficar franco; isto tudo não se tornacustoso se for encarregado deste serviço o sr. major João José Go-mes, que tem uma bem merecida ascendência nos índios terenase laianas do presídio de Miranda, a quem pode fazer vir aqueleslugares para desobstruir o Brilhante, enquanto demanda menoságua, e também o Anhuac; e ficar franca a navegação nas cabeceirasdos mencionados rios; e eu me ofereço a coadjuvá-lo, por ter bas-tante prática da maneira com que fazem estes canais. Do embarqueaté este lugar gastamos cinco dias, e haverá seis léguas por causadas sinuosidades do rio.

Continuamos a descer encontrando sempre diversos ri-beirões de um e outro lado que vinham engrossar as águas doBrilhante, até que chegamos no dia 5 ao arroio das Sete Voltas,e no dia 7 ao rio de Santa Maria, bastante correntoso, com dezbraças de largo e quatro palmos de fundo, e de maneira que o Bri-lhante neste lugar tem vinte e cinco braças de largura, e daqui pa-ra baixo perde o nome pelo de Ivinheima.

Da foz do ribeirão da Cachoeira à do rio Santa Maria, queambos entram pela margem direita, tem oito léguas, e por terracinco.

No dia 11 chegamos à foz dos Dourados, que entra no Bri-lhante pela margem direita, com vinte braças de largura e oitopalmos de fundo, mui correntoso, de maneira que todos estesribeiros e rios fazem aqui a largura de quarenta e cinco braças.

Da foz do Santa Maria à dos Dourados haverá por causa dasvoltas do rio quatorze léguas, e por terra oito, o que calculei quandodescia com minha escolta por terra, conforme fica descrito.

Continuamos nossa viagem, e a 12 com cinco léguas denavegação chegamos à junção do rio Vacaria que entra pela mar-gem esquerda do Ivinheima, com vinte braças de largura; e aliachamos a escolta que desceu pelo mencionado rio Vacaria, quereunida à que me acompanhava fez o número de quarenta e setepessoas, inclusive vinte praças de pré.

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A 14 seguimos em seis canoas que conduziam a mencionadagente, e a 17 chegamos ao porto dos índios caiuás, que dista dorio Vacaria doze léguas; e me admirei de achar ali uma cruz prepa-rada e fincada por estes selvagens, que cada vez mais me convencede sua propensão a nosso respeito, e que com jeito, maneiras emuitos presentes do que necessitam se domesticarão e aldearãodefinitivamente neste porto, que tem para isso as melhores pro-porções por causa de ser situado em terreno alto e arejado; coma vantagem de estar na confluência de um ribeirão de muito boaágua que entra no Ivinheima pela margem direita.

Descarreguei as canoas e fiz abarracamento neste lugar. Partidepois em direção ao seu aldeamento, levando em minha compa-nhia sete pessoas e o linguará. Pelo caminho ia eu encontrandomais alguns ranchos que não tinha quando por ali passei, e algunsíndios que eu não tinha visto, e que quando me avistavam deita-vam a correr; sendo necessário eu mandar-lhes gritar pelo linguaráe anunciar-lhes quem eu era; o que os fez apaziguar. Então umvelho cego trajado com um cinto de penas amarelas circundando-lhe a testa, com um instrumento feito de porongo em uma mão,e um penacho de penas de avestruz na outra; e uma velha comuma espécie de bandó na testa, e um bumbo feito de taquaruçu,tocaram e cantaram a sua moda quanto lhes pareceu. A estes sonsapresentou-se no terreiro outro velho, que manejando, com o arcoempunhado na mão esquerda e uma porção de flechas na direita,e me fez uma espécie de continência respeitosa e de alegria confor-me me explicou o linguará. Ao cabo disto, abracei-os e comecei arepartir com eles tijolos de rapadura, de que levava uma grandeporção. Havia aqui uma espécie de pia com uma cruz, e pergun-tando por via do linguará para o que aquilo servia, responderamque para batizar as crianças. Indaguei logo pelo cacique Libanoe soube que já o haviam mandado chamar; e pelas quatro horasda tarde efetivamente chegou cansado de correr e alegre por esteencontro. Recebi-o com tiros de alegria e vivas, com o que ele se

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mostrou penhorado, dizendo-me que lhe havia prometido seisluas para voltar e que gastara oito, e que lhe parecia que eu mehouvesse esquecido dele. Certifiquei-o de minha amizade, e per-guntei-lhe por sua mulher. Amanhã ela virá, me respondeu ele.Fui repartindo os presentes, reservando para o imediato dia algu-ma porção, a fim de obsequiar as mulheres e crianças. Ajuntou-se lenha e ao calor de uma extensa fogueira nos deitamos, conver-sando e banqueteando grandes assados de charque, que havia ti-rado de minhas provisões, e que eles devoravam com grande ape-tite, restando para nós outros os presentes que eles me faziam decará, mandioca, milho, etc.

Dispostos assim os ânimos, entrei eu, com as necessáriasprecauções, a indagar do assassinato perpetrado pelos três índiosnas pessoas dos meus infelizes companheiros.

Disse-lhe que desejava saber quem eram os índios que ha-viam acompanhado a canoa de Barbosa, porquanto parece queela havia afundado, e que não sabendo os meus companheirosnadar, e os homens deles muito bem, desejava eu saber, onde eque se tinham perdido, etc.

De todas estas indagações depreendi que os assassinos es-tavam entre eles, e julguei prudente disfarçar e declinar para outrahora os projetos de capturá-los, o que especialmente ali me tinhalevado, porque urgia dar uma exemplo de punição.

Danças de homens e mulheres ao som de instrumentos desua invenção, e de uma rebeca encordoada de tucum, a qual me dis-seram que possuíam eles de herança havia muito tempo, formaramo alegre entretenimento daquela noite. O cacique cada vez me pren-dia mais com suas maneiras, e nenhum momento saiu do pé demim, dando-me em mau português o nome afetuoso de camarada.

Ao amanhecer do imediato dia fui ao encontro da cacique,a quem recebi com muitos vivas e tiros de alegria, trazendo elana sua companhia sessenta a setenta pessoas, com quem repartialguns presentes.

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Ficando alguns na aldeia, fiz encaminhar os outros para oporto numa alegre romaria ao som de músicas, onde chegamos,sendo recebida a cacique e mulheres por uma família de Mato Grossoque comigo vinha para esta província. Vestida a cacique com roupasque lhe ofereceu esta família, dispus a gente da comitiva, e tratandotanto a cacique como seu marido com particular distinção, fiz-lheas devidas continências; depois do que nos pusemos a gozar umgrande jantar que eu de antemão havia disposto. Este dia passou-senuma geral alegria, e eles com as suas danças, e nós com cantarolasà moda de Curitiba e Cuiabá acompanhadas por violas.

No dia 19, depois de um grande almoço, mandei puxar ascanastras da barraca, e trazê-las para o terreiro, pedindo ao caciquepor intermédio do linguará, que mandasse dispor a sua gente adous de fundo, o que ele fez. Formei os soldados da mesma sor-te em frente a eles, o que tudo formava um paralelogramo, a cujacabeceira ficou o cacique à minha direita; todo o restante dos ín-dios e de minha comitiva fechavam o fundo.

Tomando então um ar grave, como o caso pedia, fiz ver aocacique que os índios que haviam acompanhado Barbosa e seuscompanheiros os haviam assassinado, roubado e estragado o queeles conduziam em sua canoa. Disse-lhe que o nosso governo man-dava castigar a nós outros quando fazíamos mal à sua gente, e queassim ele devia entregar os assassinos, para exemplo, e para queeles todos não ficassem com a nota de matadores.

Quando eu havia acabado de expor este fato, seis de entreos índios saíram à frente, e dirigindo-se ao cacique lhe disseramno seu idioma, quem eram os assassinos e onde estavam, acres-centando que o terceiro, chamado Sandu, havia descido o rio nacanoa roubada, com sua família, e que é provável que se fosse ar-ranchar para o lado do rio Samambaia, confluente no Paraná.

Ordenou então o cacique que uma grande escolta da suagente fosse em busca dos dous delinqüentes e os trouxesse ali, oque eles fizeram voltando à noute e trazendo os assassinos presos.

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Um chama-se Mani, Mariano, e é sobrinho da cacique, e outrochama-se Taringoá, Estêvão. Foram entregues ao comandante danossa escolta, o sr. furriel Antônio Dias Lemos, que dali os levoupara seu destino até o forte de Miranda, ficando-me apenas quatropraças de pré para a minha guarda.

Penhorando com este testemunho de confiança e docilidadeda parte do cacique Libano, dei-lhe muitos conselhos para queadmoestasse a sua gente, a fim de não fazerem mal a nós outros,que o mesmo lhe sucederia. Aconselhei-lhe igualmente que se al-deassem em lugar mais conveniente, e que contassem com a pro-teção do governo e com os favores do Paí-Guaçu, conforme já tempraticado com outros da sua mesma tribo, ao que ele mostrouvivos desejos de assim o fazer, pois que a sua gente era muita, eque ele tem subordinados na sua vizinhança mais sete caciques.

A noite que precedeu a nossa despedida foi passada comsolenidade e tristeza de duas pessoas amigas que vão dar-se umadeus, e talvez eterno. Ele entrou na barraca onde estavam os pre-sos, e consolou-os, dizendo-lhes que não iam a morrer, mas sim queiam ser soldados.

Depois de um dia de falha para oficiar às autoridares estacaptura e para fazer um rancho, onde deixei muitos víveres sob aguarda deste cacique, e fazer diferentes sementeiras de legumes,partimos com saudações de amizade.

Depois de três dias de viagem abarraquei-me num bracinhodo Paraná, que deságua no Ivinheima, e daqui mandei uma di-ligência com o fim de capturar o terceiro assassino, cujos sinais einformações me havia dado o próprio cacique.

No entanto que se fazia esta tentativa eu fui examinar no Ivi-nheima a melhor passagem para o melhor caminho de terra, quese projeta do porto de embarque no Tibagi a atravessar o Paraná.

Caminhando por espaço de dez a doze léguas pelo braço di-reito do Ivinheima, lançando fogo nos varjões, encontrei de sur-presa neste trânsito uma família caiuá que andava pescando, a qual

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não podendo evadir-se no momento, aproveitei o linguará paralhes gritar e dizer que não procuramos fazer-lhe mal, e que eu eraaquele que já antes havia estado no seu alojamento com o caciqueLibano, o que eles compreenderam muito bem por ter sabido domeu encontro com o mencionado cacique quando há oito mesessubia o Ivinheima.

A mulher deste índio era uma tagarela espirituosa que nãocessava de falar com o meu linguará, para que me persuadisse deseu contentamento por encontrar brancos que lhes não faziammal, e que os tratavam muito bem; depois de demorar-me duashoras com esta família, presentei-os com os fracos restos que ain-da tinha; dando-lhes porção de anzóis que muito estimaram pa-ra pescar com menos custo os peixes, de que fazem seu maior sus-tento; e então despedi-me deles, que me ficaram observando atédobrar um estirão de rio.

Nesta paragem existe uma gruta natural, formando umaespécie de casa, que tem comodidades para se abrigarem seis ouoito pessoas.

Nesta ocasião verifiquei não ser possível tal caminho porterra; porque o braço do Ivinheima faz sua descarga no Paraná de-fronte à foz do rio Ivaí doze léguas abaixo da foz do Paranapanema.

A 29 chegamos ao abarracamento, onde encontrei a genteda diligência, que não havia podido capturar o delinqüente, queesta vez ainda me escapou; e assim reunidos atravessamos no dia31 o rio Paraná, e embarcamos no rio Paranapanema, e a 15 deagosto chegamos ao ribeirão das Congonhas, onde desembarca-mos; e mandei à fazenda do sr. Jerônimo pedir animais de monta-ria e de carga para nosso transporte, e dali fui suprido com outrospara sair do sertão, atravessando esta estrada de dez léguas, queV. Ex.ª já mandou fazer em minha ausência de maneira que a 3de setembro já me achava na fazenda da Fortaleza a salvo de tantosperigos que sempre oferece um sertão bravio e uma navegaçãofeita a maior parte pela primeira vez; a qual passo a mencionar

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para conhecimento de V. Ex.ª e do governo, em nome do qual V.Ex.ª me mandou, e a quem servi como pude, senão como devia.

Do presídio de Miranda, subindo o rio Mondego até a fa-zenda da Forquilha – 14 (léguas); dessa fazenda, subindo o rioAnhuac até onde marquei o lugar do desembarque – 12. N. B.O varadouro terá oito a nove léguas por campo. Do porto de em-barque que marquei no rio Brilhante, descendo até o ribeirão daCachoeira – 6; dali ao rio Santa Maria – 8. N. B. Nesta junção oBrilhante perde este nome pelo de Ivinheima. Do Santa Maria aorio dos Dourados – 14; dos Dourados à foz do rio Vacaria – 5;Desta junção ao porto dos índios caiuás – 12; dali descendo sempreo Ivinheima até o ferrado dos Cágados – 8; distância do ferradoa sair no Paraná – 4; subindo o Paraná e atravessando-o até a con-fluência do rio Paranapanema – 3; subindo este até a confluênciado rio Tibagi – 24; subindo o Tibagi até o ribeirão das Congo-nhas – 4; dali ao nosso porto de embarque, na confluência queo arroio Jataí faz no rio Tibagi pela sua margem direita – 6. Total– 120.

Ilmo. e Exmo. Sr. Barão de Antonina.

Joaquim Francisco Lopes, encarregado das explorações.

Itinerário de uma viagem explorado-ra pelos rios Iguatemi, Amambaí, eparte do Ivinhema, com os terrenosadjacentes começado no dia 3 deagosto de 1857, por Joaquim Francis-co Lopes e João Henrique Elliott.

Quarta derrota

Este texto foi transcrito do documento, manuscrito,existente no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro– lata 92, pasta 10 (documentos – f. 22 a 44).

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Itinerário de uma viagem exploradora pelos riosIguatemi, Amambaí, e parte do Ivinhema, com os terre-nos adjacentes começado no dia 3 de agosto de 1857,por Joaquim Francisco Lopes e João Henrique Elliott.

Tendo o Governo Imperial determinado mandar exploraros rios do Iguatemi e Amambaí, foi incumbido desta comissãoo sertanista Joaquim Francisco Lopes e eu nela encarregado comopiloto e desenhador.

O governo destinou para esta expedição o pessoal seguinte,além do comandante e piloto, os camaradas para pilotos e proei-ros das canoas, doze índios e quatro africanos para remeiros tira-dos das aldeias de S. Pedro de Alcântara do Jataí, e de N. S. doLoreto do Pirapó e mais oito praças da primeira linha, e um infe-rior para manter a ordem e servirem de proteção à expedição. Fo-mos muito infelizes com os camaradas desde o intróito, um porcausa de uma rixa assassinou o outro, dois acampanharam o cri-minoso, em sua fuga, outro em uma caçada morreu afogado noTibagi e um ficou por doente no Jataí, de maneira que de oito ca-maradas ficaram reduzidos a dois e não foi possível preencher avaga no Jataí dos doze índios, somente sete, incluindo o caciqueLibânio, que nos acompanhou.

3 agosto 57. A nossa comitiva constando de comandante,piloto, dois camaradas, sete índios, três africanos, oito praças deprimeira linha, e um cadete, embarcado em cinco canoas, saímosdo porto do Jataí, às três horas da tarde foi unicamente para darprincípio à viagem, passamos o baixo do Jacutinga, que apenas me-rece este nome, e fizemos pouso num lugar denominado Figueirano lado esquerdo do Tibagi às quatro horas da tarde. Rumo ge-ral do rio N. ¼ N. Este 1 légua.

4 agosto 57. Às sete horas seguimos viagem, o rio cheio, emuito correntoso, passamos a corredeira do Cerne sem estorvo,

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esta corredeira é forte mas tem canal franco, e pousamos na cabe-ceira da cachoeira das Sete Ilhas, às três horas da tarde. Rumo ge-ral Norte 6 léguas.

5 agosto 57. Às sete horas e meia saímos, a cachoeira dasSete Ilhas estava furiosa, mas passamos sem novidade; às três ho-ras da tarde entramos no leito do rio Paranapanema, e fizemospouso no lado direito, quase defronte da barra do Tibagi. N. B.Esta cachoeira das Sete Ilhas é em minha opinião a pior que se en-contra desde o porto do Jataí até o Paraná, não é por certo muitoforte nem perigosa, mas é muito comprida e trabalhosa, as mais(como as Laranjeiras, por exemplo, que é a mais perigosa de to-das) sempre têm desvios para aqueles que não queiram facilitar,mas as Sete Ilhas em todo tempo é a maior transe que se encon-tra nestes rios.

Descrição do rio Tibagi. Este caudaloso rio começa a sernavegável do porto do Jataí para baixo dez a doze léguas acima desua foz, assim mesmo tem muitos baixios e corredeiras mais tra-balhosas que perigosas; em tempo de seca tem pouca profundi-dade nestes lugares, e as canoas passam com dificuldade; em tem-po das chuvas crescem suas águas a grande altura, tornando a na-vegação mais fácil mas ao mesmo tempo mais perigosa; é diaman-tino mas pouco aurífero e ladeado dos mais magníficos matosdo mundo próprios para todos os gêneros de cultura, além de ali-mentícios propriamente ditos, o café, a cana, o algodão e o arroz,florescem no mais subido grão; os seus matos abundam em frutoe caça, e tem uma rica e variada fitologia; suas águas são piscosas,e o seu clima saudável. Do Jataí para baixo, a sua largura varia desessenta a cem braças; o seu curso total é de mais de oitenta lé-guas, e o seu rumo geral é do N. N. Oeste.

6 agosto 57. Seguimos viagem às sete horas e meia, passamosa cachoeira das Capivaras sem trabalho algum e pousamos umalégua abaixo no lado direito. Esta cachoeira, tirando algumas pedras,dá passagem franca todo o tempo. Rumo geral Oeste 7 léguas.

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7 agosto 57. Às sete horas saímos; às nove e meia encontra-mos uma canoa pertencente ao aldeamento de N. S. do Loretodo Pirapó, com destino para Jataí; às duas horas da tarde entra-mos na cachoeira das Laranjeiras, o rio estava cheio e o canal poronde se costuma passar estava medonho; entretanto passou-sesem outro incômodo do que embarcar alguma água nas canoas;logo abaixo há um lugar bastante perigoso chamado o Rebojo, éuma continuação da mesma cachoeira e forma uns poucos de ro-damoinhos ou funis, e não é necessário passar por eles senão naocasião de estar o rio muito baixo, e então não tem perigo. Opiloto da minha canoa desprezou esta circunstância, e facilmenteo perigo endireitou-a para um canal furioso, as ondas eram altas,a canoa pequena e muito carregada, os dois índios remeiros emlugar de redobrarem os seus esforços, amedrontaram-se, e cessa-ram de remar; a conseqüência foi que o forte do Rebojo fez elavoltar para trás, ficou sem governo e encheu de água, mas entre-tanto conservou-se direito, mas os dois índios, atirando-se na á-gua virou-a de crena, e deu comigo e o piloto no Rebojo e abando-nando-nos procuravam a terra; conseguimos tornar a endireitá-lae conservá-la assim, até a aproximação de uma outra canoa querecebemos a bordo, e conduzirmos a mesma a reboque até umapraia vizinha. Os mantimentos e as minhas canastras salvaram-secom alguma avaria, mas todo o trem solto como armamento, roupade cama, utensílios de cozinha, uma carga de sal, uma dita de ar-roz, e uma de farinha, etc. perdeu-se por causa deste aconteci-mento. Fizemos pouso logo abaixo do Rebojo no lado direito –Rumo geral Oeste 4 léguas.

8 agosto 57. Saímos cedo e chegamos no aldeamento deN. S. do Loreto do Pirapó às dez horas da manhã, depois de termospassado os baixios do mesmo nome. Rumo geral Oeste 3 léguas.

Descrição do aldeamento de N. S. do Loreto do rio Pirapó(salto do pula peixe). 9 de agosto 57. Este aldeamento situadosobre as ruínas da redução jesuítica de N. S. do Loreto, abando-

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nada há mais de dois séculos, está vantajosamente colocado nolado esquerdo do rio Paranapanema, trezentas braças pouco maisou menos acima da barra do pequeno rio Pirapó. Estas ruínas des-cobertas por mim quando conduzi cento e sessenta e nove índioscaiuás para o Jataí no ano de 1852, ainda eram bem visíveis,constava de muitos montes de telhas, sinais de valas e taipas tudofeito com muita simetria e um forno ainda em bom estado quepertencia à olaria. Limoeiros, etc. O atual estabelecimento tempoucas casas mas tem muitas plantações. O Exmo. Sr. Barão deAntonina, sob cuja direção fui buscar os sobreditos índios, nãose descuidou desta primeira necessidade, e mandou mudas e se-mentes de todas as qualidades, hoje em dia acha-se este aldeamen-to provido com tudo que é necessário de alimento, além distotem canaviais, bananais, etc. e serve como (linha apagada) transitampor estes rios; um caminho por terra que ligasse ao Pirapó, como aldeamento de S. Pedro de Alcântara seria uma vantagem in-calculável, livrava os viajantes da necessidade de fazerem um trân-sito fluvial em estações impróprias, podendo escolher a seu beloprazer o caminho que lhe fizesse mais conta, que não é tão peque-na vantagem, estou certo; porém que ninguém podendo ir pelorio desejaria caminhar por terra, mas os rios secos é ruim e depen-dem muito da escolha do tempo, e isto nem sempre se pode fa-zer um caminho, cortando o ângulo que faz os dois rios Tibagi eParanapanema encurtava muita distância, por terra pode ter dequatorze a dezesseis léguas, pelo rio é quase o duplo.

10, 11 de agosto 57. Falhamos para enxugar os mantimen-tos e o trem. Na madrugada de 11, o piloto de minha canoa recebeuumas bordoadas na cabeça, e uma facada na boca do estômago;acusou dois negros do aldeamento do delito, os quais foram presose remetidos para o subdelegado do Jataí, e assim ficamos com umcamarada e um africano de menos. Que infelicidade!

12 de agosto 57. Às sete horas saímos do Pirapó, deixandoo camarada com poucas esperanças de vida. O cacique Libânio

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ocupou o seu lugar e fizemos pouso logo abaixo da ilha Tuiá, naboca de um arroio do lado direito, pouco abaixo da corredeirados Apertados.

13 de agosto 57. Seguimos viagem às seis horas e meiapassando os baixios da serra do Diabo, chegando à ilha das Antas,que é duas lé-guas abaixo do Tuiuú, fizemos alto para o almoço,defronte desta ilha, do lado direito, tem duas pequenas hordasde índios caiuás, a mulher e dois filhos de um dos nossos índios,tendo seus pais aí ficou até nossa volta. O sr. Lopes brindou-oscom alguma ferramenta e fazendas, etc. e seguimos viagem fazendopouso muito cedo logo abaixo da ilha da Raposa. Rumo geralOeste ¼ S. Oeste 4 léguas.

14 de agosto 57. Às sete horas e meia seguimos viagem epouco depois do meio-dia saímos no Paraná; como prometeu umforte temporal, abrigamos numa baía na ilha da Meia Lua, quasedefronte da barra do rio Paranapanema à uma hora da tarde. OParaná aí tem uma ilha grande defronte da embocadura do Parana-panema, que se chama ilha da Meia Lua e tem perto de uma léguade comprimento. Rumo geral do Paranapanema Oeste S. Oeste4 léguas.

Descrição do rio Paranapanema – chamado Pacuti pelosíndios caiuás. Este rio nasce na cordilheira do Mar, atravessa a es-trada geral que vai de S. Paulo à província do Paraná, entre asvilas de Itapetininga e Faxina; é uma continuação de cachoeiras(além de um grande salto) até duas léguas acima da embocadurado rio Tibagi, onde começa a ser navegável, desta barra até o Pi-rapó doze a quatorze léguas de distância encontra-se ainda duas ca-choeiras, e algumas corredeiras, de pouco monta, a primeira destaschamada Capivaras, seis léguas abaixo do Tibagi, é de fácil passa-gem e melhor ficara se removesse algumas pedras; a segunda, cincoléguas abaixo desta, é o único obstáculo formidável que se encon-tra, desde a barra do Tibagi até o Paraná; com o rio cheio tembons desvios, mas em tempo de seca é necessário passar por um

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canal furioso que de pouco melhoramento é suceptível; daí atéo Pirapó encontra-se com baixios, mas estes pouco ou nada estor-vam a navegação; do Pirapó até o Paraná (quatorze léguas poucomais ou menos), passando os Apertados, e os baixios da serra doDiabo, é franco; sempre se acha com seis a nove palmos de águaexcetuando no tempo de grandes secas. Este belo rio é ladeadode bom mato, com madeiras próprias para construção naval, eduráveis para ferro; a sua largura do Tibagi para baixo, vazio, decento e cinqüenta a duzentas braças com rumo geral de Oeste, eo seu curso total é de mais de cem léguas.

15 de agosto 57. Às cinco horas e meia seguimos viagem,atravessamos o Paraná no lugar costumado, e na ponta inferiorda ilha da Meia Lua, procurando a ilha do Mel no lado oposto;neste lugar tem porto de meia légua de largura; defronte da barrado Paranapanema é muito mais larga, é um dos três lugares quese avista este rio de barranco a barranco, desde o Paranapanemaaté as Sete Quedas; em todos os mais, as numerosas ilhas intercep-tam a vista; pouco depois do meio-dia passamos a barra do Amam-baí, ou Samambaia, lugar em que passam as canoas pelo regatodos Cágados do rio Ivinhema e às três horas da tarde fizemos pousono regato de Iputã (água vermelha), que é um braço do Paranáque vai para o Ivinhema. Rumo geral do Paraná S. Oeste 8 léguas.

16 de agosto 57. Saímos às cinco horas e meia, e às sete en-tramos no Ivinhema; passamos o pequeno rio de Curupaná, queentra pelo lado direito; nas cabeceiras deste tem um aldeamentode caiuás. O Ivinhema neste lugar tem oitenta braças de largura,com doze a dezesseis palmos de fundo, corre por brejos, e pan-tanal, ou monchões firmes com pouco mato bom; à uma hora pas-samos o seu primeiro braço e pousemos logo acima do pequenorio Nanaí (rio das laranjas); neste rio também tem uma aldeamentode índios caiuás. Rumo do Ivinhema Oeste S. Oeste 6 léguas.

17 de agosto 57. Seguimos viagem às cinco horas e meia;logo abaixo passamos a baía das Capivaras e o ribeirão do Nanaí;

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às dez horas e um quarto passamos o segundo braço do Ivinhemae meia hora depois entramos no Paraná, que aí tem légua e meiade largura, e semeado de pitorescas ilhas; logo abaixo do últimobraço do Ivinhema (no lado oposto) entra o rio Ivaí. As terras dolado oriental são altas e cobertas com bons matos; no lado ociden-tal são baixos e em grandes brejos; fizemos pouso na margem di-reita às três horas da tarde. Rumo geral do Ivinhema O. Este S.Oeste do Paraná S. S. Oeste 3 léguas e ½.

Descrição do rio Ivinhema – chamado pelos índios Iragui(rio de muitas ondas). Este rio é o mais navegável que entra nolado ocidental do Paraná; nasce na serra de Maracaju nos camposdos Xerez ou Vacaria, onde é conhecido pelo nome de Brilhante;além de muitos afluentes menos consideráveis, recolhe pelo ladodireito o rio de Santa Maria e oito léguas abaixo do mesmo ladoo caudaloso rio dos Dourados (no rio de S. João, afluente desteúltimo, há muitos sítios aprazíveis e vantajosos para a coloniza-ção); seis léguas mais abaixo recebe pelo lado esquerdo o conside-rável rio da Vacaria, que é navegável por espaço de vinte léguas,encontrando alguns baixios; de aí até o Paraná (vinte léguas poucomais ou menos), recolhe somente três ribeirões consideráveis, ode S. Bento pelo lado esquerdo, e o Tibagi onde habita uma tri-bo de índios coroados que, em 1847, eu e o sr. Lopes, na expedi-ção do Exmo. Sr. Barão de Antonina, os tocamos, e o Uruí, pe-la margem direita; desde o rio da Vacaria até o Paraná serpeiampor entre brejos, encontrando dos lados alguns terrenos firmes,e sujeito a febres intermitentes; para cima o clima é saudável; atépara baixo de Santa Maria corre lindos campos com excelentepastagem para o gado tanto vacum, como cavalar; é enfeitado decapões de mato bom, entra no Paraná por três bocas, a setentrio-nal, que é a maior, cinco léguas acima das outras duas, que desá-guam quase juntas. Este rio, com seus numerosos afluentes, regaquase toda a grande campanha da Vacaria; converte com águasdo Anhanduí-Guaçu, um dos afluentes do rio Pardo, com as do

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Aquidauana, um dos maiores afluentes e igual ao rio de Miranda,com as do Nioaque, com as do Mondego, que deságuam no Pa-raguai, e com os rios Iguatemi, Escopil, Amambaí-Guaçu, que vãopara o Paraná; desde o Ivinhema até os Dourados, a sua larguravaria de sessenta a oitenta braças, e de oito a doze palmos de fun-do; daí para cima diminui muito mas é navegável sem interrupçãoaté a barra do rio Cachoeira; uma distância até o porto do Barbosatem seus baixios, onde atualmente se está descarregando o trembélico, daí a seis léguas o varadouro de São José do Monte Alegre,colocado na barra do arroio Santo Antônio, onde o rio é muitosinuoso com baixios e corredeiras, tem mais de setenta léguas decurso e o seu rumo geral é S. Este.

18 de agosto 57. Às cinco horas e meia seguimos; por cau-sa de uma densa cerração, rodamos devagar, assim mesmo encalha-mos num banco de areia e demoramos mais de uma hora parapassar; às oito horas entramos na barra do Amambaí ou Samam-baí-Guaçu. Este rio entra no Paraná cercado de brejos com duasbraças e meia de boca e nesta ocasião, que estava com bastante á-gua, tinha vinte e quatro palmos de fundo; acompanha por grandeespaço o Paraná, do qual é separado em alguns lugares unicamentepela barranca; saímos uma légua quando, começando a chuva eencontrando-se um pouco de mato de terra firme fizemos pouso.Rumo do Paraná S. Oeste 1 légua e meia do Amambaí subindoN. Este 1 légua.

19 de agosto 57. Saímos às seis horas; o rio serpeando porbrejos cobertos de aguapé e capim-guaçu; na margem esquerdaavistamos as matas que vem do Nanaí; raríssimas vezes alguma partedeste mato chegava ao rio, a água pouco correntosa e até aquinada diminuiu em volume. Rumo Norte 3 léguas e ½.

20 de agosto 57. Seguimos viagem às cinco horas e meia;começou a aparecer muitos vestígios de índios e mais mato alto,o rio estava enchendo, e a correnteza cada vez mais rápida. RumoOeste N. Oeste 3 léguas.

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21 de agosto 57. Descobrimos um trilho bem freqüentadoperto do pouso; os nossos índios disseram-nos que conduzia até aaldeia do cacique Paí-Guaçu. Mudamos o pouso, apenas cem bra-ças rio acima, na barra de um pequeno córrego; como o sr. Lopes ti-nha determinado explorar este rio com duas canoas somente, descarre-gamos e condicionamos as cargas, enquanto os nossos índios seaprontavam para irem buscar o capitão Paí e a sua gente. Ficaramde voltar em dois dias e determinamos esperar a sua chegada.

22 de agosto 57. Hoje os índios foram convidar o Paí; ou-tros da nossa comitiva subiram rio acima procurando zingas, caças emel; medi a largura do rio e sua profundidade: tem vinte braças emeia de largo, e vinte e quatro palmos no lugar mais fundo. Note-seque o rio estava bas-tante cheio.

23 de agosto 57. A gente foram caçar e mataram uma anta;três horas depois do meio-dia apareceram dois índios, disseramque, tendo ouvido o latido de cães, a maior parte de sua gente co-braram medos e entranharam-se para o mato e que os nossos ti-nham ido buscá-los; e só amanhã ou depois poderiam voltar. Es-tes dois pernoitaram conosco.

24 de agosto 57. Os índios que chegaram ontem levandouma das nossas canoas subiram rio acima para buscar suas mu-lheres e famílias, conduzido por um índio dos nossos. O sr. Lopesprometeu dar-lhes alguns mimos; voltaram já tarde trazendo maisum homem, cinco mulheres, um rapazinho, e sete pequenos, per-fazendo ao todo dezesseis pessoas; trouxeram-nos algumas man-dioca, amendoim; passaram a maior parte da noite aproveitandoa carne da anta.

25 de agosto 57. Parte de nossa comitiva foram caçar paraar-ranjar carne para os hóspedes que hoje deviam chegar. Antesdo meio-dia chegou o capitão Paí, e parte de sua horda, os maisestavam ausentes tendo ido passear para outra aldeia situada sobreo rio Bacaraí. O cacique era um homem já velho e bastante feio,trouxe consigo sua mulher, e três filhos; tanto o Paí com sua fa-

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mília, suponho para dar a conhecer a sua alta hierarquia, tinhampintado as caras, com tinta vermelha de urucu; além destes vi-nham mais quinze homens, seis mulheres, oito rapazinhos, uma ra-pariga e oito crianças, perfazendo ao todo quarenta e três. O sr.Lopes distribuiu entre eles machados, facões, foices, fazendas. Osr. Lopes tinha caçado um veado, que com o resto da carne da anta,e ajudado com alguma farinha e feijões, fizeram um lauto banqueteà sua moda; conversaram e cantaram toda a noite. Os nossos ín-dios ficaram embelezados com as pintadas belas das florestas, e foicom alguma dificuldade, e à custa de alguns mimos, que eles nãoos acompanhou no seu regresso para o alojamento. O Paí, e a suafamília, com a maior parte de sua gente, retiraram-se antes do ama-nhecer, talvez para livrar-se da importunação dos namorados dassuas filhas. Choveu sem interrupção toda a noite.

26 de agosto 57. O tempo melhor, o sr. Lopes, eu, um ca-marada, três soldados, cinco índios, três africanos, seguimos paraexplorar o rio Amambaí, até onde fosse navegável, ficando o sr.cadete com cinco praças, e o capitão Libânio por intérprete e oíndio Manuel abarrocado no lugar até a nossa volta. Os índios a-companhou-nos com muita má vontade preferindo sem dúvidaa aldeia do capitão Paí; logo que saímos formou-se uma grandetempestade acompanhado com copiosas chuvas; fizemos pousono lado esquerdo, tendo caminhado apenas meia légua.

27 de agosto 57. Saímos cedo com belo tempo; encontra-mos alguns lugares com correnteza rápida; no lado esquerdo muitomato alto mas não de melhor qualidade para cultura, mas contu-do tem muitas madeiras de construção naval, como cabriúvas, enão vi perobas; no lado direito vimos uma canoa de índios e ou-tros vestígios; às quatro horas da tarde fizemos pouso neste lado.Rumo geral ¼ N. Oeste 3 léguas.

28 de agosto 57. Por causa da cerração saímos tarde; si-nuoso, e corrente rápida, variando de dez a doze palmos de fundono canal, e de vinte a vinte e cinco braças de largura, mato alto

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no lado esquerdo, no direito cerrado e campestes de sapé. Conti-nuou a aparecer vestígios de índios em ambas as margens; o rioaí dá uma grande volta, com muitos caracóis, serpeando em todosos rumos; às quatro horas da tarde fizemos pouso num pesqueirode índios no lado direito. Rumo geral O ¼.

29 de agosto 57. Às sete horas seguimos viagem; meia léguadepois do pouso vimos uma canoa de índios, amarrada do ladodireito, e logo adiante no mesmo lado um pesqueiro e rancho,com vestígios frescos; fizemos alto de almoço, aí não tardou de a-parecer três índios, um deles, homem de trinta anos pouco maisou menos, com cara pintada com tinta de urucu, e pulseiras fei-tas com penas de tucano, figurava como o chefe. Por intermédiodos nossos índios soubemos que o seu pai, antigo cacique, tinhamorrido há pouco tempo e que o filho, que era este, ocupava oseu lugar, que se chamava Paí-Mirim; tinha pouca gente aí, osmais andavam à caça para o lado do Campo Grande, que distavadaí três dias de viagem; um deles foi chamar as suas mulheres;voltou logo acompanhado por três índias e seis pequenos; deu-se-lhes alguns mimos e seguimos viagem; caminhamos pouco maisde meia légua e fizemos pouso, com tenção de caçar; os cães levan-taram um veado, mas este foi-se para o interior e escapou. Rumogeral Oeste S. Oeste 1 légua.

30 de agosto 57. Saímos cedo e o rio muito sinuoso, acorrente rápida, conservando a mesma largura e fundo e as suasmargens o mesmo aspecto, em parte cerrado e campestes, e emparte mato alto, que algumas vezes aproximava e outra afastavado rio; às quatro horas da tarde fizemos pouso no lado direitoda barra de um lindo córrego, que chamamos ribeirão da Sardi-nha. Rumo geral Oeste ¼ N. Oeste 3 léguas.

31 de agosto 57. Fizemos viagem às seis horas, o rio, serpe-ando por cerrados e campestes, entra um belo ribeirão, pelo lado es-querdo, o qual nomeamos o ribeirão da Areia Branca. Ouvia-se piarperdizes; no lado direito vimos um rancho e outros vestígios de ín-

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dios; e num capão de mato alto, logo acima, fizemos pouso. Osnossos índios seguiram o trilho que procurava a direção do rio Baca-raí; voltaram sem encontrar com eles. Tudo que se avistou em der-redor eram cerrados, com muitas palmeiras jerivás, e aqui e acolá al-gum capão de mato bom. Rumo geral Oeste N. Oeste, 1 légua e ½.

1.o setembro 57. Saímos às cinco horas e meia, o rio cadavez mais sinuoso; vimos uma canoa e porto de índios muito fre-qüentado, no lado direito, e fizemos pouso aí; mandamos os nos-sos índios adiante em busca de moradores, e o sr. Lopes e eu se-guimos logo atrás; o trilho passou um capão de mato bom, eum quarto de légua adiante, afastando-se do rio, entrou em cerra-do de cambará, e grandes campinas de sapé, misturado com capim-vassoura, que é boa pastagem; foi queimado há pouco tempo eestava em pastagem verde; de um alto coxilhão avistamos porgrande distância o curso do rio e as terras de ambas as margenseram compostas quer de um quer de outro lado de grandes cer-rados e campestes. Os matos, que algumas vezes chegavam aorio, vimos que era unicamente pequenas capoeiras. Esperamosaí o resultado da diligência dos nossos índios; voltaram tarde,tendo já saído no alojamento, contava unicamente de um granderancho com cômodos para doze a quatorze famílias, apesar deter tido a precaução de deixar a sua roupa atrás para não assustá-los e nem eu nem o sr. Lopes, porém eles correram para um ma-to vizinho; os que estavam no rancho eram dois índios velhos,com algumas mulheres e crianças; a nossa gente convidou-os paraque os acompanhassem até o pouso, prometendo-lhes mimos,mas toda a sua retórica ficou sem efeito; os velhos não tinham féem suas promessas, e conservaram-se no mato. Acharam aí milho,mandioca, galinhas, machados e chitas, certamente obtidos dosparaguaios. Estes índios caiuás acham-se espalhados por estes ma-tos em pequenas hordas de dez a trinta famílias; cada aldeamentotem somente um rancho grande onde todos se acomodam; têmrelações amigáveis entre si e mantêm relações com os paraguaios.Rumo geral Oeste 3 léguas.

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2 de setembro 57. Saímos cedo; o rio tão tortuoso que davavoltas quase inteiras; o sr. Lopes passou ao lado esquerdo, e dei-xou alguns brindes dentro da canoa dos índios; às quatro horas datarde fizemos (pouso) no largo esquerdo. Caiu uma forte tempesta-de mas durou pouco. Rumo geral Oeste ¼ N. Oeste 3 ½ léguas.

3 de setembro 57. Às seis horas seguimos viagem; o rioaqui é mais estreito, variando de dezesseis a vinte braças de largura,e de oito a dez palmos de fundo; à direita encontra-se um arroiode três braças de largura, e demos o nome Tapechengui; largandodos cerrados e campestes, começa a ser ladeado por excelentesmatos de cultura; às três horas da tarde fizemos pouso no ladodireito em um porto de índios, com picada aberta. Os nossosíndios foram convidar aos outros para se apresentarem; em me-nos de uma hora voltaram acompanhados por três homens e umrapazinho que eles tinham achado em uma roça não longe daí;disseram-nos que sua morada era distante uma légua daí e que oseu cacique chamava-se capitão Inácio, que ele e a maior parte desua gente estavam ausentes, tendo ido para outro aldeamento dis-tante daí três dias de viagem mas que esperava a sua volta no diaseguinte e que aí tinha sete famílias somente; logo depois apresen-tou-se mais quatro homens, quatro mulheres, três rapazinhos eduas crianças; distribuiu-se entre eles vários presentes e exprimimosum desejo de ir até o seu aldeamento; prometeram que no dia se-guinte haviam de vir buscar-nos e retiraram-se. Rumo geral OesteN. Oeste 3 léguas.

4 de setembro 57. Muito cedo apareceram os índios quedevem servir-nos de guia; depois de caminharmos cem braçaspouco mais ou menos por belos matos saímos em uma roça demeio alqueire de planta de milho, e muito viçoso, tendo no meioum paiol cheio de milho da colheita passada; seguimos adiantee, continuando o caminho, encontramos mais dois paióis de milhoe duas roças plantadas; pouco adiante uma tigüera que estava ro-çando; daí em diante encontra-se mato bom, madeiras de constru-

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ção, grandes perobas, mais adiante encontra-se mato catanduva,e muitos trilhos por onde puxam madeira para seus toldos; saímosem uma linda campina onde era sua morada. Era um grande ran-cho que tinha duzentos e noventa e sete palmos de cumprimento,setenta e dois de largura e trinta de alto (do qual forma-se umaidéia melhor pelo desenho que acompanha a este); no interiorduas carreiras de esteios e que distantes sustentavam as travessasonde se encostavam os caibros, os quais serviam para suspenderas suas redes de dormir, de maneira que se pode saber o númerodas famílias contando estes esteios. O chefe e os homens somenteocupam rede, as mulheres dormem no chão; este rancho tinhalugar para vinte e quatro famílias; achamos aí mais três mulheres;tinham panelas de ferro, machados ingleses, machetões, facas efacões ingleses obtidos dos paraguaios, e teciam panos de algodão.Contaram-me estes índios que todo o terreno entre o Ivinhemae o Iguatemi, e mesmo além deste último, estava povoado de caiuásque comunicavam entre si por picadas, e que tinham trilho desdeo Paraná até os campos da Vacaria; disseram mais que o rio Amam-baí cessava de ser navegável logo adiante por causa do Ituguaçu(salto grande), que atravessava o rio; acima deste tinha cachoeirasaté o Ituperapó (salto do pula-peixe); depois de estarmos maisde duas horas com esta gente, voltamos para o nosso pouso e àsonze horas seguimos viagem, alguns dos índios acompanharam-nos nas canoas, e outros foram por terra, ficando de encontrarmosno salto; três quartos de légua acima do pouso, passamos umacachoeira forte (a primeira que se encontra neste rio) e logo adianteavistamos o salto, e aí encontramos com os índios. Este salto a-travessa o rio e tem doze pés de queda; tirei uma vista do lugar (aqual acompanha este itinerário); daí para cima toda a navegaçãoé impraticável; pousamos aí. Rumo geral Oeste N. Oeste 1 légua.

5 de setembro 57. Hoje, para vermos se matávamos umaanta para os índios, soltamos os cães para caçar; levantaram duasantas mas escaparam ambas; voltamos de aí e pousamos no lugar

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onde tínhamos saído ontem; aí achamos o cacique Iguaçu commais alguns da sua gente, era um homem de cinqüenta anos poucomais ou menos, de uma fisionomia inteligente e pacífica, não ti-nha ornamento algum distintivo, mostrou-se cortês, mas nem umaadmiração teve de ver-nos em seu território. O sr. Lopes deu-lhe al-guns presentes, além de outros que lhe tinha deixado. Os nossos ín-dios disseram-nos que este era o mais poderoso cacique dos caiuás,que além da sua horda todas as aldeias de mato grande prestavam-lhe obediência; apesar de ter muito de sua gente ausente, contei en-tre grandes e pequenos de ambos os sexos setenta e duas pessoas.

6 de setembro 57. Seguimos viagem às cinco horas, e pu-semos pouso no ribeirão da Sardinha, descendo em um dia o quetinha nos custado quatro para subir.

7 de setembro 57. Saímos às cinco horas e às quatro datarde chegamos ao abarracamento do capitão Paí, onde tinhamficado o sr. cadete e as praças; durante a nossa ausência foi visitadopor vinte e uma famílias de índios cujo chefe se chamava capitãoMirim; tinham defoleado bastante os mantimentos, e esta notíciacausou-nos bastante desgosto. Tudo o mais estava em stado quo.

8 de setembro 57. Falhamos hoje para consertar uma canoa,deixamos outra para o capitão Paí para o Jataí, tendo ele assim pedido.

9 de setembro 57. Hoje na hora da saída achamos falta deum dos nossos índios chamado Antônio; contavam os mais queembelezado por uma das filhas do Paí saíra de madrugada paraseu alojamento determinando a ser seu genro a todo custo; dei-xando o índio, seguimos viagem às cinco horas e meia, gastandoseis horas para sair no Paraná; caminhamos mais duas léguas nes-te rio, e fizemos pouso na barra do rio Baracaí. O Paraná nestelugar tem duas léguas de largura e é um arquipélago de ilhas detodos os tamanhos e formas; a margem oriental é elevada, a oci-dental, baixa e coberta com grandes brejos; logo abaixo do Bacaraícomeça a ilha Grande das Sete Quedas. Depois do pôr-do-sol,caiu uma forte tempestade de S. Oeste; fomos obrigados a mudar

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as canoas mais acima no Bacaraí para evitar as ondas do Paraná,que levantaram como as ondas do oceano. Rumo do Paraná des-cendo S. Oeste 2 léguas.

Descrição do rio Amambaí – rio da Samambaia. Este rio,chamado assim por causa da muita samambaia que tem nas suasmargens, nasce nos campos da Vacaria, contravertente com o riodos Dourados (afluente do Ivinhema) e com o rio Escopil ou Ju-lhi (rio Claro), afluente do Iguatemi, corre por espaço de seis aoito léguas por lindos campos e depois, atravessando matos de res-tingão grande cinco a seis léguas, serpeia por camadas campestesde sapé e brejos até sua junção com o Paraná; três a quatro léguasdepois de entrar no restingão grande, encontrou-se o salto de Itu-perapó e mais duas léguas abaixo o do Ituguaçu com doze pés dequeda, daí para baixo é navegável até a sua foz, uma distância detrinta léguas. Depois que se afasta dos brejos do Paraná a sualargura varia de vinte e três braças e meia, com fundo de oito adoze palmos; é muito sinuoso, e corrente rápida e seu curso pelasvoltas é de quarenta a quarenta e cinco léguas e o seu rumo geralé Este S. Este. Nas vizinhanças deste rio habitam muitas pequenashordas de índios caiuás, gente social, de boa índole e bons princí-pios de agricultura; será fácil ajuntá-los em uma ou dois grandes;o rio Amambaí oferece muitas vantagens para este fim, começandotrês a quatro léguas abaixo do salto do Ituguaçu e daí para cimao rio é navegável até o salto, tem águas altas e excelentes matas decultura, com campestes para criação; além disso a campanha daVacaria não dista mais do que quatro a cinco léguas. Os índiosmesmos têm muita variedade de plantas, como milho, feijão, man-dioca, amendoim, cana, algodão e bananeiras.

Descrição do rio Baracaí. Este rio nasce em campinas, mastem muito mato bom, perto das cabeceiras, onde tem algumas al-deias de caiuás; daí para baixo é ladeado de brejos até o Paraná, énavegável por canoas oito a dez léguas; na sua foz tem doze braçasde largura, e quatro palmos de fundo, e o seu rumo geral é Este.

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10 de setembro 57. Passou a chuva mas o vento continuavae não atrevemo-nos aventurar os nossos fragéis batéis aos caprichosdas ondas do Paraná; em conseqüência deste falhamos; apanhou-se muito peixe, surubis, dourados e outros.

11 de setembro 57. Ventou forte toda a noite de S. Oeste;o Paraná assemelhava-se ao oceano, as suas águas turvas ficaramcobertas com uma espuma branca; às onze horas moderou e se-guimos viagem; do Baracaí para baixo o Paraná é ladeado de matobom com barrancos altos de pedras colorado; aí muda de rumode S. Oeste, para o sul; depois de caminhar légua e meia fizemospouso em uma pequena ilha para calafetar uma canoa e por estacausa tomou o nome de ilha do Calafatar. Rumo geral do ParanáSul 1 légua e ½.

12 de setembro 57. Saímos às cinco horas e quarenta mi-nutos na parte inferior da ilha entre o ribeirão do Itapicaba (peixede pedra negra) e logo mais abaixo o pequeno rio Pirajuí (rio dosdourados) com quatro braças de boca. O Paraná aí é semeado deilhas, com barrancos altos de pedra colorado cobertos de matosbons; às duas horas da tarde fizemos pouso na barra do rio Mu-tum-i (rio dos mutuns), com cinco braças de boca; ouviu-se dis-tintamente deste lugar a bulha do salto das Sete Quedas, distanteseis léguas, pouco mais ou menos; parecia azoada de uma cacho-eira, e não o estrondo de um salto. Rumo geral Sul 6 léguas.

13 de setembro 57. Saímos às cinco horas e cinqüenta mi-nutos; o Paraná sempre semeado de ilhas, e as margens baixas ealagadiças; pouco antes de chegar na barra de Iguatemi, tem umgrupo de seis ilhas, de vários tamanhos. Este rio entra no Paranádefronte de uma delas, deságua por entre grandes brejos; e correnterápida. Entramos no Iguatemi às sete horas e meia, passando sem-pre por brejos; retirado meia légua do rio tem mato alto de ambasas margens, do lado meridional chega mais perto; às quatro horasfizemos pouso no lado esquerdo; ouviu-se daí a bulha das SeteQuedas, parece ser cachoeira, e não salto. Rumo do Paraná des-

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cendo S. ¼ S. Oeste 2 léguas. Do Iguatemi subindo Oeste ¼ N.Oeste 2 léguas e ½.

14 de setembro 57. Medi a largura do rio neste lugar, temtrinta e três braças e meia de largura com quatorze palmos de fundo;e às seis horas seguimos viagem. Com matos de ambos os ladosacompanhando, em alguns lugares chegando até o barranco, o matobom de cultura com perobas, cabriúvas, cedros e outras madeirasde serventia, no lado setentrional tem muitas árvores de congonhade qualidade superior; apanhamos alguma para fazer erva-mate efizemos pouso no lado esquerdo às duas horas da tarde. Rumogeral Oeste 2 léguas.

15 de setembro 57. Seguimos viagem às oito horas depoisde almoçar; o rio muito sinuoso e as margens oferecendo o mesmoaspecto, passamos duas pequenas corredeiras e logo adiante umporto de índios e uma canoa do lado direito; disseram-nos queo cacique desta gente se chamava capitão Matias e que moravaduas léguas retirado daqui; fizemos pouso no mesmo lado. Ru-mo geral Oeste ¼ N. Oeste 3 léguas e ½.

16 de setembro 57. Amanheceu chovendo e continuoutodo o dia; falhamos.

17 de setembro 57. Às cinco horas e meia seguimos viagem;os terrenos adjacentes mudaram de figura, cerrados e campinasde ambos os lados, o rio com a mesma largura, de oito a dez pal-mos de fundo, e a corrente mais rápida, vimos uma canoa e por-to dos índios no lado meridional, e na margem oposta entravauma barra com meia braça de boca a qual demos o nome de ri-beirão de Sucuri; mais adiante entra também pelo mesmo ladoum lindo córrego com águas cristalinas, e demos-lhe o nome deribeirão Claro; às três e meia da tarde fizemos pouso no lado es-querdo, matou-se aí um sucuri com vinte e nove palmos de com-primento; o réptil estava com a barriga cheia, abrimos para ver oque continha, era outro sucuri com dezesseis palmos de compri-mento. Que vivacidade! Rumo geral Oeste ¼ N. Oeste 3 léguas.

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18 de setembro 57. Saímos às cinco horas; logo acima dopouso apareceu campo do lado esquerdo, e onde saiu o sr. Lopes,e viu que tinha lugar no barranco firme do rio para um destaca-mento, ficando a cultura longe; no da direita era mato catanduva;passamos um pequeno córrego, que entra pelo mesmo lado, quechamamos Pé de Areia, e uma légua mais acima outro que deno-minamos ribeirão Verde por causa da corrente de suas águas, eque tem três braças de boca; logo adiante tem um lugar estreitoque serve de passagem aos índios, a qual eles chamam Itapó (pedrade pular); fizemos pouso no campo do lado esquerdo logo acimade um pequeno córrego. O sr. Lopes, eu e alguns camaradas fo-mos reconhecer o campo, na campanha dilatada estendendo donorte ao nordeste, até onde alcançava a vista, e mesmo desce muitopara o Este procurando o Paraná; para o lado de NO parece-meque une-se com o campo da Vacaria; o chão é arenoso, em partecoberto com arbustos cascudos, e com outros inteiramente lim-po, e enfeitado com capões de mato. Todos os ribeirões que tí-nhamos passado do ribeirão Sucuri para cima vinha do campo;tem muito boas localidades para estabelecer fazenda de criar. Vi-mos vestígios de veados-do-campo, cervos e avestruzes. Rumo ge-ral Oeste 2 léguas e ½.

19 de setembro 57. Seguimos viagem às cinco horas e umquarto, sempre avistando campo na margem esquerda, e váriosmatos no lado direito; às oito horas encontramos com dois índiospescando neste lado, travamos fala com eles, disseram que mora-vam perto e que seu cacique se chamava capitão Perón. Estes a-companhou-nos sem a menor reserva até a barra do Escupil, cha-mado pelos índios Ijaí (rio Claro). Este rio entra pelo lado esquer-do no Iguatemi por duas bocas, a debaixo é maior; abarracamosna ilha formada por eles. Os dois índios foram convidar o caciquePerón para vir até nosso abarracamento; de tarde chegou ele acom-panhado por oito índios dos seus, trouxeram-nos alguns milho;o cacique era um homem de trinta e tantos anos de idade e bem

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apessoado, trazia na cabeça uma grinalda feita de penas de tucanoe canindé com pulseiras do mesmo. O sr. Lopes brindou-os comalguns mimos, contou-nos que tinha muitas aldeias de sua genteno lado meridional do Iguatemi e que todos moravam em matosde cultura; conservava relações com os paraguaios, adjudando-os nos ervais e recebendo em troca de seus serviços machados in-gleses, machetões, facas e facões ingleses e pano de algodãozinho.Disseram mais que faziam cinco luas que uma canoa desta gentetinha descido até o Paraná, e tornando a subir, porém nós nãoencontramos vestígios deles. Rumo geral O ¼ N. Oeste 2 léguas.

20 de setembro 57. Hoje saiu o sr. Lopes com mais duaspessoas para explorar o campo que avizinhava o rio Escopil, e eucom outros quatro fomos examinar o rio. A margem esquerda éladeado de belíssimos campos, no lado oposto são matos catandu-vas impróprios para cultura; o fundo do rio é laje coberta com areiabranca, e as águas são muito cristalinas; às três horas da tarde fi-zemos pouso no lado esquerdo do campo; logo depois que che-gamos, um africano, que tinha ido buscar água no rio, escapoude ser devorado por um sucuri, que estava de cilada num bebedorde caça na beira do rio; o preto percebeu antes de ser percebido,e isto foi que o salvou; com seu grito de espanto acudimos, omonstruoso reptil pouco caso fez de nós, somente escondeu acabeça na água onde os olhos brilhavam como dois fachos, ocorpo estava estendido em caracóis sobre o brejo, pronto paraatirar a fatal laçada; aprontamos as armas, mas como a cabeçadeste reptil é a única vulnerável, foi preciso esperar que ele desco-brisse; não demorou, e neste instante encontrou com dois tirosque deixou a cabeça e pescoço em migalhas, e estendeu-se mortono lugar; tinha vinte e oito palmos de comprimento.

21 de setembro 57. Depois disto eu saí com dois camaradaspara explorar o campo, vimos fumaça ao norte, supus que era osr. Lopes. A maior parte é limpa, a pastagem bem como o capãode mato de cultura, tem muitas ervas medicinais como ruibarba

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canapias, douradinha, cipó-chumbo e outras. O chão é uma mis-tura de terra amarela e areia, e platenacidade de liga dos cupinsmostrou ser próprio para taipas; além disto tem muita pedra ita-panhocanga, que serve para o mesmo fim. Estes campos são emrincões por cristalinas águas com altura suficiente para qualquermaquinismo; cervos, emas, veados, e antas vagam por estes luga-res; o maior inimigo que se encontra aí é o terrível sucuri; queima-mos o campo e voltamos para o pouso já à noite. Rumo de Es-copil subindo N. N. Oeste 3 léguas.

22 de setembro 57. Falhamos por causa de um grande tem-poral de chuva e vento.

23 de setembro 57. Amanheceu ainda chovendo; às seishoras seguimos viagem, o rio variando de quatorze a dezesseis bra-ças de largura com seis a oito palmos de fundo, as águas cristalinas,sempre campo no lado esquerdo, cerrado, e faxinais na margemdireita; de um coxilhão alto avistamos o curso do Escopil até aforquilha, onde se separa em dois, a da esquerda no campo, e adireita por cerrado; ouvi tiros, aí encontrei com um africano eum índio, que me disseram que o sr. Lopes tinha seguido rio aci-ma por terra para explorar. Não sabendo o destino do sr. Lopes,determinei esperá-lo aí, até a sua volta; ele tinha explorado ocampo que era o mesmo; quis mostrar-me um lugar que achava pró-prio para uma povoação ou aldeamento, desde a barra do Escopil,em linha reta terá uma légua e meia; há muitas vantagens paraeste fim. A par de um grande restingão de excelente mato, com umbelo boqueirão de cem braças, tem uma cordilheira grande de pedraitapanhocanga, de águas altas que entra no Escopil um quartodepois que acaba o mato, e o sul deste está uma planície de campo,que vem desde a cordilheira até a barranca do rio; outras pequenaságuas formam imensos rincões ou potreiros; a terra é própria parataipa; por esta mesma coxilha pode ir-se aos Dourados no passodo Iguaicuru; forma-se uma idéia melhor deste lugar consultandoa planta que vai anexo a este itinerário. Voltamos daí e chegamos

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no abarracamento depois do pôr-do-sol. Durante a nossa ausênciatinham chegado cinqüenta e três índios, de ambos os sexos, gentedo capitão Perón; na sua volta dois dos nossos os tinham acom-panhado até o seu alojamento ficando de voltar no outro dia. N.B.O rio do Iguatemi logo acima da barra do Escopil tem dezenovebraças de largura, e quatorze palmos de fundo no canal.

24 de setembro 57. Caiu uma terrível tempestade de noitecom copiosa chuva, e o rio encheu muito; chegaram alguns índiostrazendo papagaios e peixes, os quais trocavam por miçangas; nãotardou também que viessem os nossos com o capitão Perón, este úl-timo vinha com algumas mulheres em uma canoa grande de sua fá-brica, muito malfeita; trouxeram-nos milho, mandioca e bananas;estiveram conosco até o pôr-do-sol, quando passaram para o ladooposto. O rio encheu de tal maneira que foi necessário mudar delugar. Depois do almoço seguimos viagem, dois dos índios do ca-pitão Perón acompanhou-nos, às duas horas da tarde fizemos pousono lado esquerdo, num porto de índios. Os dois índios do Peróntinham-nos convidado para irmos a um aldeamento, que disseram-nos que não era longe, cujo cacique chamava-se Cangaçu (cabeçagrande); em conseqüência deste convite o sr. Lopes, eu, o capitãoLibânio, um camarada, e quatro praças, saímos, e dois índios ser-vindo-nos de guia; pensando que voltávamos no mesmo dia nemcobertas levamos, mas fomos enganados, era mais longe do quenós esperávamos. Depois de caminharmos meia légua por brejos,cerrados, passamos um ribeirão que os índios chamavam Cangaçuí(ribeirão de cabeça grande), tem três braças de largura e águas muitoclaras; de aí saímos em campinas e cerrados por mais de uma lé-gua e meia por estes matos, saímos em uma campina de sapé, ti-nha sido roça tão trabalhada que reduziram-na em campo; nestacampina está um rancho velho abandonado há muito tempo;logo adiante saímos numa aldeia. Constava esta de duas grandescasas, uma já abandonada e outra ocupada, construídas na maneirauniforme desta gente, isto é, duas carreiras de esteios por todo o

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comprimento do rancho, com travessas em cima, varapões com-pridos encostados nestas travessas e afincados no chão, encontra-vam-se e firmavam a cumeeira da casa; tudo isto era coberto decapim desde a cumeeira até o chão; um aberto no meio, de cincopalmos de alto e de quatro de largo, servia de porta, janela e cha-miné; quem entra acha-se no escuro, e só depois de permanecerpor algum tempo é que se pode distinguir os objetos. Toda a mo-bília se encerra em redes de dormir, panelas, porongos e o indispen-sável mavacom (qualidade de porongo, com semente de caitédentro e que serve de matraca para suas danças); tinham tambémaves e frutas, machados ingleses, e machetões paraguaios. Como oalojamento do Cangaçu era ainda distante uma légua e já era quasenoite, determinamos a pousar aí, e um dos índios foi avisar este che-fe, e mais outro que se intitulava capitão Ramos, da nossa chegada.Achamos aí somente um rapazinho de doze a quatorze anos, seismulheres, e algumas crianças. Os homens tinham ido para o ladodo Paraguai; esta não era aldeia propriamente dita, era unicamenteagregados do capitão Ramos. As pobres índias hospedaram-nos comalegria, e da melhor maneira que puderam, suprindo-nos commilho e mandioca, aprontaram também uma panela de feijão maspor falta de sal ninguém quis comer; como tínhamos deixado asnossas cobertas fizemos uma fogueira para suprir esta falta. O capimseco servia de cama, e desta maneira passamos a noite.

25 de setembro 57. Voltamos para o nosso pouso e segui-mos viagem; logo acima da barra do Cangaçuí estava a nossa gente àespera em um grande laranjal silvestre, o Cangaçu, com dezenovede sua gente, era um velho quase centenário com uma formidávelcabeça que decerto lhe tem granjeado o nome de Cangaçu; trou-xeram-nos milho, mandioca e amendoim, para ao qual em trocaalguma roupa, ferramenta, etc.; pernoitou conosco. Rumo geralOeste 1 légua.

26 de setembro 57. Saímos às seis horas, o rio muito sinuo-so; duas léguas acima do pouso passamos um barranco alto de

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terra arenosa e branquicenta com campestes em cima e enfeitadocom jerivás; este lugar aliviava um pouco a monotonia deste rio,forma uma vista pitoresca, tirei um esboço daí; passando este eraoutra vez os eternos cerrados que de um quer de outro lado, e devez em quando algum mato alto; às três horas e meia fizemospouso no lado esquerdo, aí lançando fogo em umas campinas desapezais; estes queimou bastante erva-mate, que deu lugar a nosfazermos uma porção. Rumo geral S. O. 3½ léguas.

27 de setembro 57. Seguimos viagem depois do almoço;meia légua acima passamos o pequeno rio Iputã, com cinco braçasde boca, perto deste está a primeira corredeira que se encontraneste rio; logo acima chegamos na primeira das vinte e uma ca-choeiras ou escada do Iguatemi; logo na volta outra, a primeirapassou-se com canoas carregada, na segunda foi preciso descarregar,fizemos pouso aí. Avistando outra cachoeira na volta, o sr. Lopesfoi com alguma gente examinar o rio mais acima; voltou já tardeachando uma continuação de cachoeiras; em conseqüência deter-minou fazer o abarracamento aí; que eu explorasse o rio em umacanoa pequena, e que ele e alguns camaradas fizesse um reconhe-cimento por terra, ficando inteligenciado de encontrarmo-nosnuma casa velha que, segundo diziam os índios, ficava perto daúltima cachoeira. O sr. cadete com cinco praças e o mais da genteficando no abarracamento para tomar conta das canoas e baga-gem; neste mesmo dia o sr. Lopes fez varar a canoa exploradora nasprimeiras sete cachoeiras. Rumo geral O. S. Oeste ¾ de légua.

28 de setembro 57. O sr. Lopes com o cabo da escolta,dos nossos índios, e mais um morador de uma aldeia vizinha porguia seguiram por terra, e eu, um camarada, duas praças, dois a-fricanos, tivemos a tarefa de subir as quatorze cachoeiras ou escadado Iguatemi. Embarcamos nas sete cachoeiras, logo acima encon-tramos com uma corredeira forte, e continuava sem interrupçãoaté uma cachoeira furiosa onde foi preciso descarregar a canoa elevá-la a sirga; pousamos aí no lado esquerdo avistando outra

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cachoeira logo acima. As margens do rio, baixas, cerradões, commuitos jerivás e algumas pontas de mato de laranjeiras silvestres.Rumo geral O. S. Oeste ½ légua.

29 de setembro 57. Seguimos viagem cedo, as margens dorio apresentando o mesmo aspecto; passamos muitas corredeiras,e duas cachoeiras, e fizemos pouso em uma campina de sapé; ti-nha muito boa erva-mate; aí ouvimos tiros de gente do sr. Lopes.Rumo geral O. S. Oeste 3 léguas.

30 de setembro 57. Saímos às cinco horas e meia, passamosuma cachoeira forte, e logo acima vimos um sinal do sr. Lopes emuma árvore; ouvindo tiros e não tardamos a encontrá-lo, tendo jásaído na tapera; na sua exploração passou por três aldeias de índios,sendo a última do capitão Felipe; trouxe consigo dois índios, prá-ticos da dita tapera; embarcamos todos e, passando outra cachoei-ra, saímos em um porto de índios; eu e o sr. Lopes saímos emterra, os mais subiram na canoa, para entrarmos mais em cima; naboca inferior da cachoeira encontramos moitas de taquaras-do-reino; eu e o sr. Lopes fomos visitar as ruínas da tapera. Esta for-ma um quadro largo de oitenta palmos de frente acompanhandoo rio; a direção das paredes, dois montes de telhas e uma escavaçãoeram os únicos vestígios que restavam. Suponho que este foi o lugarde um pequeno destacamento posto aí a fim de auxiliar a passagemde canoas e trem para terra, porém foi mal fundado por causa dagrande bulha da cachoeira; os matos foram bem trabalhados. Acha-mos três casas de índios temporariamente arranchados aí; tinhamvindo de outro lado do rio; encontramos com a canoa logo acimae fizemos pouso aí numa campina de sapé sobre uma baía. N. B.Aí nesse lugar há laranjas-doces. Rumo N. N. Oeste 3½ léguas.

1 de outubro 57. Na baía onde fizemos pouso, o sr. Lopesdespachou os índios, para acompanhamento do Itupã, por faltade cômodo na canoa; eu o sr. Lopes e o cabo embarcamos e logoque saímos encontramos uma corredeira forte. As margens baixas,muitos brejos, cerrados de jerivás, pouco mato bom; muita laranja

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silvestre, variando o rio de doze a dezesseis braças de largura comcinco a seis palmos de largura, digo, de fundo; às três horas datarde vimos um porto de índios muito freqüentado e outros ves-tígios que não eram de índios em pique aberto cortado rente osramos do chão e o rasto de dois cavalos, onde tinha uma canoacom dois remos feitos por oficiais de carapina. O pique ia procu-rando rio abaixo, seguimos até tarde, voltamos e pousamos aí; a-chou-se também o lugar de dois fogões, com uma trempe de ganchoà maneira dos tropeiros paulistas, e outra à moda dos curitibanos,que é de duas forquilhas e uma travessa, e ossos de gado. Choveusem interrupção toda a noite, obrigando-nos a enchente a mudaro pouso mais para cima. Rumo geral N. N. Oeste 3½ léguas.

2 de outubro 57. Continuava a chuva; falhamos.

3 de outubro 57. O sr. Lopes mandou três pessoas para se-guir os rastos dos cavalos; saíram em uma aldeia que os índios es-tavam abandonando; os vestígios acabam em uma capoeira, ondetinham ainda uma tranqueira, onde tinham os cavalos fechados.Os camaradas acharam ali quatro índios conduzindo milho para asua nova morada, voltaram daí trazendo dois índios consigo emilho. Por falta de um melhor intérprete, eu indaguei dos índiossobre os cavalos e o que pude colher foi que eram desertores deuma guarda paraguaia, distante daí seis a oito léguas, provavel-mente dos ervais da serra de Maracaju; um dia de viagem adianteda guarda tem um erval chamado Inhandarocaí (ovo de avestruzqueimado) e não muito longe até as povoações de Terrequenheime Carguaty. Estes índios trabalham de vez em quando nestas ervas,e recebem em troco machados e outras ferramentas e algodão-zinho; e eles tinham em sua aldeia patos, galinhas, e o seu chefe sechamava capitão Coati; além deste há outro que é o capitão Luís.

4 de outubro 57. Seguimos viagem cedo, o rio muito cheioe as margens, brejos e cerrados de jerivás; às quatro horas da tar-de passamos a barra do pequeno rio Bogas (chamado pelos índiosIguateraí-mirim); tem cinco a seis braças de boca e entra por bre-

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jos; acima deste o Iguatemi tem de oito a doze braças de largura.Fizemos pouso numa campina de sapé, logo acima do rio Bogas.Rumo geral N. Oeste 3 léguas.

5 de outubro 57. Saímos cedo procurando o lugar do fo-rte abandonado de N. S. dos Prazeres do Iguatemi, que demolidopelos espanhóis em 1777, duas léguas acima do Bogas, vendo ummato bom, bom barranco alto, saltamos em terra e o sr. Lopes, edois camaradas e o cabo foram procurar o local do forte destruído;voltaram já tarde tendo achado o lugar, e saído no campo, pou-samos aí. Rumo geral O. S. Oeste duas léguas.

6 de outubro 57. Amanhecendo, o sr. Lopes e uma praçase-guiram por terra; eu e os mais pelo rio, para encontrarmos nolugar mais próximo as ruínas, que eram logo acima. Subimos umterreno de laranjeira silvestre e bem no cume da eminência estavamos primeiros vestígios: constava de uma vala ou poço quase en-tupido que embicava em um brejo, seguindo por este as valas, con-tinuamos sempre formando ângulos, alguns bem salientes, algunsdestes ângulos tinham trinta passos de comprimento, ou-troscom mais de duzentos; depois de passar este entramos num quetinha pelo menos cinqüenta palmos de largura com vinte e cincoa trinta de fundo; tem outros paralelos de distância de vinte passose do mesmo tamanho, tão bem conservados que alguns lugaresainda se destinguem os sinais de enxadas; neste lugar parece-meque estava o portão, porque tendo o sr. Lopes queimado o campona véspera apareceu vestígios de um caminho que partia daí e se-guia pelo campo, depois de passar um pequeno cerrado de cembraças pouco mais ou menos; um quarto de légua adiante se par-tia em dois, um procurava o mato pelo lado direito, e o outro se-guia campo fora. O campo é alto e aprazível, de chão amarelomisturado com areia; neste lugar tem perto de meia légua de lar-gura, fechado de ambos os lados por matos de cultura, que gra-dualmente se aproxima até três quartos de légua, adiante formaum boqueirão de campo estreito, passado este os matos afastam-

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se, e do lado SO, procurando o rio e a serra do Amambaí, o riode S. João (afluente do Ivinhema); do boqueirão por diante écampanha aberta unindo-se com os campos da Vacaria. Do fortedo Iguatemi até os primeiros moradores vacarianos terá de trintaa trinta e cinco léguas, e até o primeiro forte paraguaio (a BelaVista) do lado meridional do Apa a mesma distância pouco maisou menos. O local dos Prazeres é muito aprazível avistando-se ocurso do rio Iguatemi, bem longe, serpeando por matos, especial-mente pelo meridional onde até alcança a vista tudo é mato. Es-te lugar deve ser saudável colocado como está na rama temperadacom terreno bastante elevado, e vantajoso tanto como para umponto de estratégia, como para colonização, tem excelentes matosde cultura e campos para criação, a comunicação como os mora-dores da Vacaria é fácil e destes se pode tirar muitos recursos.Como todo o terreno daí para diante já era conhecido, tendo jásido explorado pelo sr. Lopes nas explorações do Exmo. Sr. Barãode Antonina, em 1847, e eu já tendo explorado o Ivinhema, atéo seu mais pequeno afluente, da planta da qual caíste em meupoder, ele deu a exploração por concluída; depois de tirar umaplanta do lugar (a qual acompanha o itinerário), voltamos paraas canoas, e seguimos viagem, rio abaixo com bastante trabalho eperigo; a força d’água, na volta do rio, levava-nos para baixo das ma-deiras; na nossa passagem no passo dos cavalos estando o riomuito alagado do lado direito tocaram-se duas buzinas entoadase o sr. Lopes respondeu com o mesmo instrumento, e com umasalva de arcabuz, não podendo conhecermos se eram índios ouforças paraguaias, que nos vinham cortar a nossa comunicação.

7 de outubro 57. Saímos cedo, choveu sem interrupção,o rio estava transbordando com uma corrente furiosa e algumas dascachoeiras que, quando nós saímos eram atravessadas por paredõesde pedras, estavam inteiramente submergidas, e em alguns lugareslevantavam altas ondas que ameaçava a cada passo a engolir a nossapequena canoa, e por segurança disto o sr. Lopes, eu subimos

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para terra para não se perder nas furiosas cachoeiras os papéis ten-dentes à expedição; as corredeiras mais fortes eram conhecidaspela maior rapidez da corrente; chegamos ao abarracamento semoutro avario de que tanto nós como nossa bagagem inteiramenteensopadas, tudo estava em paz. Achamos aí um índio que se in-titulava capitão Pedro Ivo, era um velhinho de seus sessenta anos,trazia uma farda paraguaia de alferes, e uma qualidade de barretinaazul com divisa encarnada, muito jovial, e eu senti muito a faltade um bom intérprete; os nossos índios falavam pouco português,e eu ainda menos guarani; o que eu pude entender foi que os pa-raguaios, tendo vindo explorar o rio, embarcaram a canoa nestascachoeiras, e voltaram e que havia pouco tempo. O capitão PedroIvo tinha vindo dos ervais do Paraguai, onde, como ele se expri-miu em meio guarani, meio espanhol, que o “serviço mucho, ca-rapuchi tinero”, o que quer dizer em bom português que o serviçoera muito, dinheiro nada. Indaguei sobre os cavalos cujos rastostínhamos visto rio acima, ele me respondeu que os trabalhos que osparaguaios os tinham dado em troca de serviço mas, apesar desua elevada gerabéia, eu suponho que o capitão Pedro Ivo mentiudescaradamente, porque além de sinais de fogo, como os ossosde gado, os outros nos disseram que não eram só dois cavalos, co-mo também dois cavaleiros, os quais tinham seguido para os cam-pos da Vacaria. Além deste figurão achamos ali mais quinze índiosdaqueles que o sr. Lopes encontrou na primeira aldeia do vara-douro, pedindo-lhes passagem para o Jataí e estes, estando bas-tantes dias conosco, não deixou de diminuir o nosso mantimento.

8 de outubro 57. Falhamos hoje enxugando o trem, o rioenchendo cada vez mais.

9 de outubro 57. Saímos daí, rio muito cheio, e correntefuriosa, fizemos pouso no campo abaixo da barra do Escopil.Choveu toda a noite.

10 de outubro 57. Amanheceu chovendo, falhamos efizemos erva-mate por haver aí muita.

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11 de outubro 57. Continuou a chuva, rio enchendo; man-dou-se buscar uma família do capitão Libânio que morava na al-deia do capitão Perón.

12 de outubro 57. O tempo melhorou mas o rio crescen-do, voltaram os índios com a filha do capitão Libânio e mais oitoíndios, três dos nossos índios trazendo consigo mulheres novase velhas, uma índia e dois filhos.

13 de outubro 57. O rio continuava a crescer. Falhamos.14 de outubro 57. Amanheceu chovendo e continuou todo

o dia; de tarde passou, e se matou antinha, o sr. Lopes não tendomais brindes a dar até os próprios sacos em que tinham ido os man-timentos distribuiu pelos índios, e não sendo suficiente, até umabarraca desmanchou para dar.

15 de outubro 57. Saímos às seis horas e meia. A canoaem que iam os índios tinha gente demais que deu motivo a passar-se para a canoa do cadete, para dar cômodo aos índios na minha;contudo ambas iam muito carregadas, logo abaixo alguns índiossaíram em terra, e duas famílias perto de uma aldeia, de uma dasfamílias das pintadas belas da floresta, namorando-se de um dosnossos índios, abandonou seus pais e nos acompanhou ao Jataí,ficando conosco dezoito somente; às duas horas da tarde saímosno Paraná e fizemos pouso numa ilha defronte da barra.

Descrição do Iguatemi e seus afluentes. O rio Iguateminasce na serra do Maracaju, contraverte com os rios Aquidauana,Ipané, e Chuchi, deságuam no Paraguai, e com os rios Amambaíe Ivinhema, que procuram o Paraná; com quinze a dezoito léguasquase ao sul, e com pouca correnteza até o passo dos Guaicurussempre acompanhando a serra, daí tanto o rio como a serra mu-dam de rumo, ambos procurando o Paraná. Do passo dos Guai-curus para baixo o seu rumo geral é o mesmo, serpeia para matosaté o forte abandonado dos Prazeres, daí começam cerrados dejerivás e campestres de sapé, tanto de um como de outro ladoaté a barra do rio Escopil ou Ijaí; deste lugar até o ribeirão Claro,

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é campanha do lado esquerdo, e no direito são cerrados nasmargens do rio, e nas coxilhas bom mato de cultura; daí para baixosão brejos e cerrados com pouco mato bom, até a sua afluênciacom o Paraná, doze léguas (por águas); abaixo do passo dos Guai-curus recolhe pelo lado esquerdo o pequeno rio das Bogas ouIguatemimirim com cinco a seis braças de boca, e na mesma dis-tância mais abaixo o Iputã pouco inferior, de cinco a seis léguas;mais adiante entra pelo mesmo lado esquerdo o considerável rioEscopil ou Iguaí. Entre este e o Paraná, além de outros, entra doislindos ribeirões de cristalinas águas, com três braças de boca cadaum, ambos de campestre. Do Escopil ao Paraná tem dezessete lé-guas por água, e dez por terra. Este rio logo que se afasta dosbrejos do Paraná varia de trinta a trinta e cinco braças de largura,com oito a doze palmos de fundo até a barra do Escopil; daí atéIputã de quinze a vinte com o mesmo fundo do Iputã até o riodas Bogas de doze a quatorze. Este rio é navegável sem interrupçãoaté o rio Iputã, vinte e duas léguas por água; daí começa as vintee uma cachoeiras ou escadas de Iguatemi, ocupa um espaço de cincoa seis léguas; passando estas, torna a ser navegável com trabalhoaté o forte dos Prazeres mais dezesseis léguas; é muito sinuoso, comfundo de lajes, em parte coberto de areia, e não dá vau; o seu cursototal é de perto de sessenta léguas, com rumo geral de Oeste eentra no Paraná na latitude de 24gr. 40m sul.

Descrição do rio Escopil – chamado pelos índios Ijaí (rioclaro). Este rio nasce nos campos de Xerez ou Vacaria, contravertecom o rio S. João (afluente do Ivinhema) e com o Amambaí; daforquilha para baixo é navegável até a sua junção com o Iguatemioito a dez léguas, e a sua largura varia de doze a dezesseis braçascom cinco a oito palmos de fundo; suas águas são muito cristalinas,e o fundo laje coberta de areia; no lado direito tem cerrados ecampestres, na coxilha mato bom, pelo lado esquerdo é campa-nha, e sinuoso, corrente rápida, entra no Iguatemi por duas bra-ças, a debaixo é a maior e o seu rumo geral é de S. S. Este.

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16 de outubro 57. Às cinco horas e meia, seguimos viagem;às onze começou a ventar forte; abrigamos em uma enseada, e pou-samos aí; pescou-se muito.

17 de outubro 57. Amanheceu ventando forte, às onze ho-ras aplacou e seguimos; tornou a crescer o vento, e fizemos pouso.

18 de outubro 57. Saímos às cinco horas e dez minutos,tempo bom e frio; pousamos na ilha do Calafate.

19 de outubro 57. Saímos às quatro horas e cinqüentaminutos, fizemos almoço na barra do Bacaraí; vento forte e bar-rancos perigosos; à uma hora e um quarto passamos o Amambaíe fizemos pouso às três horas e meia.

20 de outubro 57. Às quatro horas e cinqüenta minutosseguimos viagem e fizemos pouso logo abaixo do braço meridionaldo Ivinhema, às três horas da tarde; logo depois começou um ventoforte que ia crescendo até ficar em temporal desfeito. O Paranálevantava ondas como o oceano; conservamos as canoas commuita dificuldade, apesar de serem bem abrigadas e descarregadas.

21 de outubro 57. Aplacou o vento e às sete horas e meiasegui-mos, passamos as duas bocas meridionais do Ivinhema, efizemos pouso uma légua e meia abaixo da boca setentrional àstrês horas e meia da tarde; vento forte, conservou-se as canoastambém com dificuldade apesar de estarem bem abrigadas.

22 de outubro 57. Às cinco horas e meia saímos e às onzeen-tramos na boca setentrional do Ivinhema; para evitar as ondasdo Paraná, pousamos logo acima para caçar e pescar; nada rendeu.

23 de outubro 57. Choveu toda a noite, saímos tarde efizemos pouso na barra do regato do Iputã, no Paraná.

24 de outubro 57. Às cinco horas e meia seguimos viageme pousamos na barra do Samambaia; tempo bom, mas muitomosquito; pescou-se muito.

25 de outubro 57. Saímos às quatro horas e meia e fizemospouso na baía da ilha da Meia Lua, quase defronte da barra dorio Paranapanema.

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Descrição de parte do rio Paraná. Este majestoso e pito-resco rio desce o rio Pardo para baixo até a cachoeira das SeteQuedas; é um grande arquipélago de ilhas de todas as formas etamanhos; defronte da barra do rio Paranapanema tem perto deuma légua de largura, na ponta inferior da ilha da Meia Lua, onde sefaz passagem para o lado oposto, é mais estreito; daí para baixovai se alargando nas bocas meridionais do Ivinhema, tem légua emeia; e defronte o rio Bacaraí tem duas léguas que suponho sera sua maior largura; nesta altura começa a ilha Grande das SeteQuedas, que tem doze léguas de comprimento e não vinte comodisse o célebre padre Aires do Casal. Quatro léguas abaixo da barrado Paranapanema, recolhe pelo lado direito o Samambaia comdoze braças de boca e mais quatro adiante está o regato do Itupãque sai no Ivinhema, quando o Paraná está mais cheio do queaquele e vice-versa. Três léguas abaixo do Itupã entra a boca se-tentrional do Ivinhema, com vinte braças de boca, e mais cincoléguas, adiante as duas bocas meridionais do mesmo, pouco in-feriores, e então quase juntas; cinco léguas abaixo destas deságuao rio Amambaí com vinte e três braças e meia de boca; e maisduas léguas adiante o Bacaraí com doze; quatro léguas abaixo en-tra o pequeno rio Pirajuí com quatro braças e quatro mais adianteo Mutum-i com cinco; deste lugar ouviu-se distintamente a bulhado salto das Sete Quedas, seis léguas distante; parece azoada deuma grande cachoeira e não o estarido de um salto; disseram-meos índios que, por muitas vezes, tinham ido até lá, que o ladodireito desta cachoeira tem paredes de pedra com corrente furiosa,mas no lado oposto era um despraiado de pedra coberta de capime fácil de descer; duas léguas abaixo do Mutum-i, entra o célebreIguatemi com trinta e três braças e meia calculadas de boca, corren-teza rápida; e mais três adiante o pequeno Iguaré; uma légua a-baixo deste começa a cachoeira. Este rio é navegável desde as SeteQuedas até perto do salto do Urubupungá, uma distância de se-tenta léguas. Desde o Bacaraí até o Mutum-i tem barrancas altas depedra colorada; com vento forte é perigosíssimo; se continuarem

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a navegar estas paragens é perciso embarcações melhor, que possamir a vela, e sair no lugar; as pequenas e péssimas canoas em que a-tualmente se navegam corre perigo, com qualquer vento não po-dem arredar-se da margem. A corrente deste rio é pouco apressadamas com o vento forte levanta ondas como oceano. O seu rumodesde o Paranapanema até o Baracaí é S. Oeste, daí até SeteQuedas é Sul.

26 de outubro 57. Às cinco e meia no leito do Paranapa-nema esta-va com bastante água; fizemos pouso uma légua acimada ilha do Tigre.

27 de outubro 57. Seguimos viagem às cinco horas e meia,pousamos cedo para caçar; matou-se uma anta, a qual foi ao fun-do, perdeu-se por não surgir.

28 de outubro 57. Seguimos às seis horas e cinqüentaminutos, fizemos pouso à uma hora da tarde logo acima da ilhada Raposa; matou-se uma anta e que se deu aos índios.

29 de outubro 57. De madrugada chegaram os índios,tendo ficado uma família procurando mel, enquanto esperávamosestes soltamos os cães; e matou-se uma anta; não apareceram; àsonze horas seguimos viagem, uma légua acima encontramos comum pequeno grupo de caiuás, aí o sr. Lopes brindou-os com asferramentas da viagem e deu-se a car-ne da anta a eles, que estavammortos de fome; alguns de entre eles tinham já ido ao Jataí, edois nos acompanharam perfazendo o número de vinte; disseram-nos que perto daí moravam duas pequenas hordas e seus chefeschamavam-se Carapé e Mirim; às três horas fizemos pouso logoabaixo dos Apertados; chegou a família que tinha ficado nasAntas, e como aí houvesse ficado uma mulher de nossos índiose dois filhos com seus pais esperando a nossa volta, e o maridodesta mulher se tivesse namorado de uma das belas pintadas dasflorestas, havia se casado a modo deles e não a quisesse ir buscar,o sr. Lopes indagando do seu toldo, disseram que eram dois diasde viagem; por essa razão não a procurou para levá-la para o Jataí.

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31 de outubro 57. Saímos cedo, passamos os Apertados,e a ilha de Tuiaju, e fizemos pouso logo acima. As canoas dos ín-dios ficaram atrás.

1 de novembro 57. Às seis horas seguimos viagem, tempochuvoso, pousamos duas léguas abaixo do Pirapó; o rio estavaenchendo, e correnteza rápida, os índios não apareceram.

2 de novembro 57. Saímos cedo e chegamos ao Pirapó à umahora e meia da tarde. Rio muito correntoso e os índios até agora.

3 de novembro 57. Falhamos esperando os índios e pron-tando mantimentos; tempo chuvoso e rio enchendo.

4 de novembro 57. Chegaram os índios.

5 de novembro 57. Saímos do Pirapó, e pousamos na ilhadas Baunilhas.

6 de novembro 57. Apenas mudamos de lugar fazendopouso logo abaixo do Rebojo para procurar varejões.

7 de novembro 57. Passamos o Rebojo, e as Laranjeiras,pelo lado esquerdo, muito boa passagem; com o rio cheio evita-se toda a água forte, podendo levar as canoas a mão; pousamosperto da ilha que os camaradas deram o nome de Melança.

8 de novembro 57. Saímos daí às quatro horas e meia e àstrês horas da tarde pousamos defronte da ilha das Anhumas.

9 de novembro 57. Saímos às quatro horas e meia e às oito emeia passamos a cachoeira das Capivaras, encostado em mato aolado direito; com o rio cheio é esta a melhor passagem, fácil e semperigo; fizemos pouso no lado esquerdo do porto dos Coroados.

10 de novembro 57. Saímos às quatro horas e meia e fize-mos pouso logo abaixo da barra do Tibagi às três horas da tarde.

11 de novembro 57. Às cinco horas e meia seguimos via-gem; às sete horas entramos no Tibagi e pousamos logo abaixodas ilhas de S. Francisco Xavier.

12 de novembro 57. Saímos daí às cinco horas e fizemospouso logo acima da cachoeira das Sete Ilhas.

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13 de novembro 57. Às quatro horas e meia seguimos epousamos na parte inferior da ilha do Cágado.

14 de novembro 57. Saímos daí às quatro horas e meia echegamos ao Jataí às cinco horas da tarde.

N. B. Chegou também neste dia um dos nossos índios que setinha namorado da pintada bela da floresta, filha do capitão Paí,já casado à sua moda, trazendo a canoa que o sr. Lopes tinha dei-xado para a condução do dito capitão, trazendo mais dois cunha-dos; na sua passagem na ilha das Antas conduziu com a índia osdois filhos que o seu marido aí havia deixado com seus pais, fi-cando até servindo com duas mulheres; diz este índio que o ca-pitão Paí ficou para vir no ano seguinte.