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  • 8/14/2019 Artigo Faxinais Novak e Fajardo

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    ISSN: 1980-6116 UNICENTRO - Revista EletrnicaLato Sensu Ed.4 Ano: 2008

    www.unicentro.com.br

    DESINTEGRAO E RESISTNCIA DO SISTEMA FAXINAL EM ITAPAR IRATI PR

    RESUMO

    O presente trabalho tem como

    objetivo central discutir adesintegrao que vem ocorrendo nosistema faxinal na localidade deItapar, municpio de Irati. Os faxinaisconstituem pequenos povoados ruraisque utilizam reas comuns paraatividades silvo-pastoris. Esse sistema herdado de antigas prticas jexistentes em Portugal e Espanha eque, desde o sculo XVIII, encontrado no Estado do Paran,

    principalmente em regies decolonizao tradicional em reas deMata de Araucrias, onde foiimplantado primeiramente peloscaboclos e posteriormente absorvidopor imigrantes. Nos ltimos anos ofaxinal de Itapar vem perdendo suascaractersticas, sendo a principal,utilizar as terras para criarcomunitariamente animais solta. Osistema faxinal uma das poucas

    experincias comunitrias no campo eest entrando em declnio. Trata-se deuma forma peculiar de uso do solo queapresenta uma notvel adaptaoecolgica e integrao social. Mas apresso da introduo damodernizao no campo, odesconhecimento e a desvalorizaodo sistema pela sociedade em geral,ameaam a existncia dos faxinais.Palavras-chave: Sistema faxinal;criadouro comunitrio; agriculturafamiliar.

    ABSTRACT

    The present work has as objective

    office to argue the disintegration thatcomes occurring in the faxinalsystem in the locality of Itapar, cityof Irati (Paran State, Brazil). Thefaxinals constitute small townagricultural that use common areas forwhistle-pastoral activities. This systemis inherited of practical existing inPortugal and Spain and since centuryXVIII is found in the State of theParan, mainly in regions of traditional

    settling in areas of Araucaria Forest,where it was implanted first by thebumpkin and later absorbed byimmigrants. In the last years thefaxinal of Itapar comes losing itscharacteristics, being the main one, touse lands to create communitariananimal to the untied one. The faxinalsystem is one of the fewcommunitarian experiences in the fieldand is entering in decline. One is about

    a peculiar form of use of the groundthat presents a notable ecologicaladaptation social integration. But thepressure of the introduction of themodernization in the field, theunfamiliarity and the depreciation ofthe system for the society in general,threatens the existence of the faxinais.Key words: Faxinal system,communitarian pasture, familiaragriculture.

    Rosenilda Novak

    Sergio Fajardo

    REA

    Cincias Humanas

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    DESINTEGRAO E RESISTNCIA DO SISTEMA FAXINAL EM ITAPAR IRATI PR

    ISSN: 1980-6116UNICENTRO- Revista eletrnicaLato Sensu

    INTRODUO

    O sistema faxinal, uma prtica utilizada no meio rural h muitos anos para criar animais comunitariamente,est entrando em declnio. O trabalho aborda o processo de desestruturao dos chamados faxinais, no Estado

    do Paran, a partir da discusso terico-conceitual e de um estudo de caso, resultado da pesquisa realizada nofaxinal da localidade de Itapar, municpio de Irati. Destaca-se, aqui, a apresentao de relatos dos moradorescomo forma de perceber as transformaes ocorridas no sistema faxinal a partir do ponto de vista dos prpriosfaxinalenses. Estes expem: a organizao do sistema; a desintegrao que vem ocorrendo; a atividadeagrcola, lembranas e costumes.

    A anlise crtica do processo de desestruturao do sistema faxinal permite conhecer as razes do mesmoe apontar os caminhos alternativos encontrados quando se percebe a resistncia e/ou persistncia do sistemaque ainda sobrevive.

    REVISO DE LITERATURA

    O SISTEMA FAXINAL E A SUA DINMICA NO USO E OCUPAO DESTE ESPAODe acordo com Nerone (2000), o Sistema Faxinal uma forma de uso comum da terra no Brasil, porm

    no um modelo original brasileiro. As razes do Sistema so encontradas na Pennsula Ibrica e principalmentenas Redues Jesuticas espanholas.

    Este uso coletivo da terra existe no Paran e um modelo de organizao exclusivamente camponesa quesurgiu na metade do sculo XX. Os faxinais representavam um quinto do territrio paranaense, porm atualmenterestam poucas localidades na regio Centro-Sul do Paran com a denominao Faxinal. Trata-se de umsistema agrossilvopastoril e possui caractersticas prprias de uso da terra.

    Segundo Chang (1988), os faxinais mais antigos possuem quase um sculo de existncia. Em reportagemveiculada pela Gazeta do Povo (27/06/04, p.06) o Sistema Faxinal apresentado como uma forma deorganizao do espao em que uma comunidade utiliza uma determinada rea para a criao de animais (eqinos,

    bovinos, caprinos, etc.) solta. Albuquerque (2000) cita o Dirio Oficial do Paran (1994/97) onde se entende oSistema Faxinal como uma forma de produo camponesa tradicional, caracterstica da regio Centro-Sul doParan, que tem como trao o uso coletivo da terra para a produo animal e a conservao ambiental. Para oautor, trata-se de uma experincia auto-sustentada de grande importncia, ecolgica, scio-cultural e histricada regio.

    Segundo Francesconi (2000), Faxinal significa mata rala, com vrios tipos de vegetao ou campos comrvores esguias. O uso coloquial da palavra Faxinal originou-se dos caboclos nativos, que assim descreviamesse tipo de vegetao ou sistema.

    Para Chang (1998), nas reas de mata pouco densa formaram-se os criadouros comunitrios, que soconsiderados pelos colonos como faxinais. O termo Faxinal amplo e refere-se vegetao, enquantocriadouro comum, refere-se ao uso dessa vegetao (principalmente para a criao animal). Para o autor,

    apesar do Sistema Faxinal constituir parte expressiva da realidade agrcola e ambiental do estado paranaenseem termos histrico, social e de produo, pouco conhecido pela sociedade em geral.

    Vale ressaltar que as terras utilizadas para o plantio pelos moradores dos faxinais, geralmente localizam-seem relevo ngreme e ficam relativamente afastadas dos faxinais, cuja vegetao denominada capoeira.Estas terras so ricas em matrias orgnicas, sendo propcias agricultura.

    Para Gevaerd Filho (1986, p.45), o Sistema Faxinal tambm denominado de compscuo que serefere ao uso comunal da explorao de terra. (...) Os pastos comunais existentes ancestralmente e que seconstituram, desde sempre, como sistema agrossilvopastoril so capazes de abrigar, sob aspecto de sobrevivncia,inmeras famlias de modestos trabalhadores rurais.

    Segundo Francesconi (2000), a Fundao Instituto Agronmico do Paran (IAPAR, 1998) conclui que o

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    Sistema Faxinal uma forma particular de se aproveitar a mata, tendo o uso comum das terras para a criaode animais e para extrativismo da erva-mate. Este sistema uma forma de organizao camponesa, caractersticada regio centro-sul paranaense.

    E Gubert Filho (1987), referenciado por Albuquerque (2000), diz que o Sistema Faxinal a nica experinciana histria do Brasil onde se cria animais comunitariamente.

    Francesconi (2000), da mesma forma que Nerone (2000), diz que est havendo um processo de ruptura naorganizao do sistema denominado Faxinal e isso um fato que est bastante evidente nos dias de hoje. Emmuitas comunidades (ex-faxinais) perdeu-se a identificao de Faxinal, porque no possuem mais as caractersticasdo sistema (animais soltos comunitariamente no existem, reas que eram ocupadas pelo criadouro esto cercadaspara uso particular individual). Os faxinais remanescentes encontram-se em estado de desintegrao, a diferena que uns esto em estgios mais avanados que outros. Dificilmente encontra-se um Faxinal, que se mantevena sua forma original.

    Segundo Gevaerd Filho (1986), o Faxinal ou compscuo est se degradando gradativamente, mas aextino est sendo concretizada a partir de uma postura governamental de consciente abandono e descaso.Deveria ser valorizada a experincia, ou seja, essa forma de desenvolvimento comunitrio que o Faxinal, pois,

    na sua viso, beneficiaria muitas pessoas e serviria como modelo de uso da terra para muitas outras comunidadesda rea rural.

    Para mostrar que realmente o sistema est fragilizado, Nerone (2000) argumenta que se constata adesarticulao do Sistema Faxinal, principalmente atravs de testemunhos das pessoas que viveram as mudanasocorridas no sistema de vida coletiva em reas rurais paranaenses. Desconhecedores do sistema passaram acomprar terras pertencentes ao criadouro comum (atrados pelo bom preo). A maioria dessas pessoas condenouo sistema, visualizando uma forma atrasada de explorao da terra.

    Estes indivduos no tm interesse pelo uso comum destas terras, ou melhor, no se identificam com essesistema, que mantm a preservao da mata nativa, alm das vantagens j citadas.

    Nota-se que est havendo significativa transformao desse modo de vida e uso da pastagem e do espaoque, mesmo sendo de propriedade de diferentes pessoas, usado por todos os moradores para a criao de seus

    animais. A autora afirma quediante de um processo evidente de desarticulao do sistema, que

    inevitavelmente culmina com xodo rural como o ocorrido no criadouro

    do Marmeleiro dos Beltro e Barra dos Andrades cujo criadouro comum

    acabou em 1984 e os moradores migraram para Rebouas onde

    transformaram-se em bias-frias (NERONE, 2000, p.181).

    A autora coloca que no Sistema Faxinal os sem-terra, e outros moradores que possuem uma casinhae um mnimo de terra para plantar, tm o direito de criar animais como os demais moradores. Quando o criadouroacaba, o indivduo se torna obrigado a vender, ou melhor, a acabar com os animais, pois no possui lugar paraabrig-los. A vida dessas pessoas que no possuem terra acaba ficando mais difcil, pois atravs do criadouro

    possvel ter vrias complementaes alimentares como: leite, carne, ovos e possvel obter at uma pequenarenda na venda de animais. Nestas condies, o xodo rural se torna inevitvel, pois as famlias saem em buscade uma vida melhor. A autora ainda afirma que h uma transformao na identidade social e cultural dosfaxinalenses. um sistema passado de pai para filho.

    De acordo com Haesbaert (1999, p.178):

    (...) A identidade social tambm uma identidade territorial quando o

    referente simblico central para a construo dessa identidade parte do

    ou transpassa o territrio. Este territrio pode ser visto como aquele da

    paisagem do cotidiano, que simboliza uma comunidade... Na viso mais

    conservadora a identidade refere-se a algo estvel, atemporal e a-

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    espacial, eterno figuras particulares (...) encarnadas na histria e na

    Geografia.

    Segundo Gevaerd Filho (1986), com o desenvolvimento do capitalismo a partir do sculo XVIII no mundo,

    conseqentemente est havendo extino das formas comunais de uso da terra, todavia estas no esto totalmenteeliminadas. O autor afirma que nada to poderoso que possa retirar de dentro do homem os traos desolidariedade e o instinto social que inerente (GEVAERD FILHO, 1986, p.55).

    A RELAO DOS FAXINAIS COM AS FASES ECONMICAS: A ERVA-MATE

    A fase histrica de predomnio econmico da erva-mate no Paran representou para os faxinais um papelsignificativo dessa cultura na induo de uma definio de uso da terra motivado pela necessidade de subsistncia(SILVA, 2005, p. 36). Gevaerd Filho (1986) aponta Chang (1985) que enfatiza os principais traos que marcarama origem e o desenvolvimento do Compscuo ou Faxinais na regio Centro-Sul do Paran. O Perodo em queteve incio a formao dos faxinais foi entre os sculos XIX e XX, com a dependncia da pecuria e a ascensoda erva-mate. Abriu-se para o Paran um mercado muito lucrativo. Era necessrio mo-de-obra em abundncia,

    j que o mercado do mate estava em alta. Houve colonizao das terras inexploradas no Centro-Sul paranaense.Nos anos de 1900-1920 chegaram os imigrantes europeus na regio, estes passaram a assegurar sua

    subsistncia com a agricultura e com a atividade ervateira (3 a 4 meses por ano). Nos perodos entre safrastrabalhavam com moinhos de farinha, etc.

    Na dcada de 30 o ciclo da economia ervateira entra em decadncia, afetando os Compscuos no setoreconmico, que era sua base. O fenmeno da explorao da madeira fortaleceu o mercado interno paranaense.Esse incremento do mercado interno beneficiou diretamente o Faxinal ou Compscuo que no mais dependiada atividade ervateira pastoril e de criao destinada subsistncia de seus habitantes que, j agora, dedicavam-se a outras culturas em faixas de terras adjacentes ao Faxinal ocupadas atravs de contratos de arredamento,parceria ou exerccio de posse (GEVAERD FILHO, 1989, p.59).

    Em resumo, Sponhols (1971) citado por Albuquerque (2000), diz que a fundao de povoados e a fixao

    de colonos na ocupao dessas reas (territrio paranaense que se constituem faxinais) se deu devido importnciada erva-mate na poca e ao fator climtico favorvel aos grupos europeus. Entre os grupos tnicos colonizadoresdo Paran destacam-se os poloneses e ucranianos.

    Desde os anos de 1892 a 1910, cerca de 35.000 imigrantes destas nacionalidades vieram ocupar a regiodo Paran e a micro-regio de Irati foi a mais ocupada. Alm desses grupos tnicos, ocorreram colonizaespor: italianos, holandeses, alemes, suos e outros. O caboclo, da mesma forma, teve grande importncia naatividade de extrao da erva-mate e da madeira.

    Chang (1968, p.15) afirma que:

    a anlise dos ciclos econmicos ocorridos no Paran ao longo dos sculos,

    seus auges e declnios, muito nos auxiliou na interpretao do processo

    evolutivo dos faxinais: suas primeiras conformaes, seus estgios de

    desenvolvimento e de sua eventual desagregao em decorrncia daadoo de uma nova estratgia de desenvolvimento rural a partir de

    meados dos anos 60.

    Os faxinais situam-se na sub-regio das matas mistas com campos (Centro-Sul) com total abrangncia domunicpio de Irati.

    Foi nas matas limpas, onde se desenvolvia a erva-mate, as frutferas silvestres, os pinheiros, algumasmadeiras de lei, e as gramneas, sendo timo meio natural, denominado pela populao de cava que sedesenvolveu o criadouro comum (Faxinal). A criao andava em meio a essa vegetao pouco densa semdificuldade. O pastejo dos animais dentro dos ervais diminua o servio de limpeza (roada). O meio era farto dealimentos silvestres (razes, frutos, insetos, etc.) e poupava os criadores no custo do trato da alimentao.

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    abrangessem as terras de cava contgua de todos da mesma localidade.Dentro do acercamento ficou definido como terra de criao (uso comum) e fora das cercas ficavam as

    terras de lavoura ou capoeira.

    O SISTEMA FAXINAL UM EXEMPLO DO USO COLETIVO DA TERRA

    Nerone (2000) fala que as propriedades, dentro do Sistema Faxinal, abrangem vrias hierarquias sociais;a propriedade da terra dividida em terras de plantar e terras de criar; a propriedade das benfeitorias, a propriedadedas lavouras; a propriedade da criao; a propriedade da floresta.

    O criadouro comum um espao fsico que tem como objetivo cumprir uma funo social na comunidade,abrange as florestas e os animais. um espao onde moram pessoas que possuem terras e pessoas que nopossuem terras, englobando vrias questes sociais dentro e fora do sistema.

    A forma dos faxinalenses se relacionarem com a terra organizando o espao coletivo e particular, o modode criar os animais, seus costumes, so elementos prprios da cultura dos faxinais.

    Nerone (2000) afirma que no comportamento dos faxinalenses que est a pea chave para entender oSistema Faxinal, da floresta e no plantao, ou melhor dizendo, suas lavouras. As moradias formam umaespcie da vila dentro da reserva da floresta por onde os animais circulam livremente. Esse espao delimitadopelas cercas denomina-se criadouro comum. A paisagem do criadouro especial, as moradias possuem cercaque delimita a morada, o quintal, pomar, jardim, mangueires e vrios outros espaos.

    Para Bertrand (1973, p.99), a

    forma de colonizao de tipo aldeia nucleada a mais importante do

    mundo. A principal caracterstica a de que as casas dos agricultores

    esto aglomeradas, enquanto sua terra se acha longe da aldeia. No

    raro os animais e aves partilharem dos alojamentos do proprietrio ou

    serem abrigados prximos. As aldeias possuem vrias formas, umas

    circulares outras retangulares, etc.

    Essas aldeias possuem fortes ligaes sociais. Segundo o referido autor em vrios lugares dos EstadosUnidos encontram-se exemplos de comunidades agrcolas do tipo aldeia nucleada: Nova Inglaterra, Sudoeste eem Utah.

    Para Chang (1988), h um conjunto de normas de organizao dentro do Sistema Faxinal. Esse conjuntode normas pode ser chamado de sociologia das cercas, que se baseia nos princpios comunitrios de direitos ede obrigaes. Dentro do Sistema, todos os moradores tm os mesmos direitos, desde que participem de algumasobrigaes. Segundo o autor, h alguns pontos de grande importncia nesta sociologia como:

    a. Cercas que possuem vo cheio com sete palmos de altura, com tranqueiras ou palanquesamarrados com arame;b. Cercas com paus verticais com 8 palmos de altura;

    c. Valos com dois metros de largura e dois metros de profundidade (lugares onde esto osmata-burros);d. Cerca possuindo meio vo, com dois fios de arame no mnimo;e. Cerca com oito fios de arame.

    importante observar que para manter as normalidades do sistema, as cercas devem estar bem conservadaspara que os animais de pequeno e grande porta no invadam as lavouras, pois de pequenos conflitos quesurgem os grandes problemas na comunidade faxinalense.

    O termo Comunidade, pode ser assim entendido como limites de um terreno sujeito a regras de exploraocomunal, regulamento sobre as culturas temporrias, sobre o pasto comunal, pocas de colheita e, sobretudosobre as servides coletivas em proveito do grupo de moradores (BLOCH, 1931, apudGEVAERD FILHO,

    CHANG (1988, p.37) afirma que essa racionalidade levou a construo das cercas coletivas que

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    1986, p.53).Segundo Chang (1988), todos os moradores da localidade tm direito de criar os animais, independente de

    serem proprietrios ou no, desde que participem de alguma forma na construo ou manuteno do criadouro.Aos agregados, ao se beneficiarem do criadouro, a cooperao passa a ser obrigatria. Toda a extenso docriadouro separada das reas de lavoura por cercas ou por algum acidente geogrfico como vrzeas, rios ouvales profundos. O traado das cercas passa por onde a maioria dos moradores achar conveniente.

    Nerone (2000) relata que as estradas vicinais da zona rural da regio so freqentemente interrompidaspor porteiras e mata-burros, que indicam a diviso das lavouras, dos criadouros. Atravessada a porteira encontram-se criaes soltas pelos pastos naturais, pela mata e ao longo das casas e estradas. No fim do criadouro passa-se por outra porteira e iniciam-se as terras de lavoura.

    Dentro do criadouro no h plantaes. H pequenas hortas e pomares anexados s casas por cercasfechadas. As casas se situam ao longo das estradas.

    Segundo Chang (1988), no Sistema Faxinal so nomeadas duas pessoas (so moradores que nomeiamessas pessoas, consideradas de crdito), para manter a ordem:

    1 O inspetor municipal, intermedirio entre a prefeitura e a comunidade;

    2 O inspetor de quarteiro o agente que intermediaria a delegacia e a comunidade emcasos de crimes e desavenas (roubos, matanas de animais e pessoas, etc.);3 Muitas vezes as duas funes so representadas pela mesma pessoa.

    FAUNA E FLORA DO FAXINAL

    A forma de organizao familiar do Sistema Faxinal abrange as atividades de subsistncia familiar,agrossilvopastoril e a conservao ambiental. AAraucriaangustifolia, popular Pinheiro do Paran, a popularerva-mate e a floresta ombrfila mista so espcies vegetais caractersticas do sistema.

    Segundo Albuquerque (2000), as terras de criao so, geralmente, vales ou reas mais deprimidas, relevosuavemente ondulado, solos vermelhos cidos e profundos predominam. Estes solos so favorveis aodesenvolvimento de espcies de grande porte, como popularmente falando: pinheiro, imbuia, cedro, etc. Tambm

    so comuns as frutferas silvestres: guabiroba, pitanga, cereja, etc. que servem de sustento aos animais e moradoreslocais.

    Gubert Filho (1987), apudAlbuquerque (2000), relata que alm de todas as espcies vegetais de grandeporte, deve-se dar destaque s pastagens nativas que so de grande importncia sustentao do sistema decriao.

    A paisagem nativa composta de flores silvestres como o ip, as orqudeas, as aleluias que abrem, asabelhas silvestres que produzem mel.

    A flora dos faxinais bastante rica em plantas medicinais como: quina, pau-de-Andrade, cip-milome,maria-mole, pata-de-vaca e outras popularmente conhecidas. So utilizadas pela populao para chs e curativoscaseiros.

    Na organizao do espao coletivo nos faxinais, a floresta muito importante para a criao dos animais.

    Esse sistema se constitui em reservas de florestas nativas e matas ralas e conseqentemente modificadas pelopastoreio extensivo.Em se tratando da flora existente, no Faxinal encontramos a gralha-azul (Cyanocorx caeruleres), ave

    smbolo do Paran. O Faxinal o habitat natural da gralha-azul, devido a presena de pinheiros. A ave sealimenta do pinho, ela enterra o fruto (para comer depois). Pode-se dizer que alguns pinheiros so frutos doesquecimento da gralha azul, pois ocorrido este fato nasce o pinheiro. Sendo assim, essa ave muito importantepara a natureza, principalmente na preservao das rvores smbolos paranaenses a Araucria augustifolia.O pinheiro abriga grande biodiversidade. Existem pssaros conhecidos popularmente, bem-te-vi, joo-de-barro,curucaca, chupim, quero-quero, dentre muitos outros.

    Esse habitat natural est sofrendo profundas transformaes, provocadas pelo homem que no estdando o valor devido ao Faxinal. So poucos os que esto conservados, incluindo-se a fauna e a flora que fazem

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    parte do sistema.O Jornal Gazeta do povo (27/06/04, p.06) trouxe uma reportagem intitulada faxinais comunitrios que,

    segundo ambientalistas, esto sendo ameaados. No Faxinal a criao deixada solta nas matas secundrias enormalmente as rvores perto dos rios e fontes de guas so deixadas em p. Segundo depoimento do Sr. RafaelZacalhauchen (descendente de ucraniano e vive no sistema) aos 61 anos ele se lembra com saudade da pocaem que a regio era coberta de pinheirais, mas aos poucos foram derrubados (principalmente pelas serrarias). OSr. Rafael mostra com orgulho um dos pinheiros que restou, a rvore possui um dimetro muito grande e paraabra-la, so necessrias quatro pessoas. O mesmo reside no Faxinal de Papanduva, no municpio dePrudentpolis, que abriga cem famlias. Segundo o jornal, Prudentpolis tem 22 faxinais, mas segundo a ONGING, do referido municpio, s nove deles funcionam bem, ou melhor, so bem administrados.

    Como os faxinais tipicamente aparecem no interior das Matas de Araucrias e em meio a ervais nativos,a [...] reduo dos ervais nativos ocorre concomitantemente reduo das comunidades de Faxinais [...](BARRETO e SAHR, 2006, p. 2). A descaracterizao da flora original, desse modo, fator que tambmpressiona para a desintegrao dos faxinais.

    METODOLOGIAInicialmente, para o desenvolvimento do presente estudo, foi realizado um levantamento bibliogrfico por

    diferentes textos que falavam sobre o sistema faxinal, assim analisei os pontos de vista de vrios autores, sobreo referido sistema.

    As dificuldades foram grandes em relao bibliografia, pois como disse Chang (1988) (...) o sistemafaxinal pouco conhecido pela sociedade cientfica e pelos tcnicos do setor, existem poucos escritos sobreo assunto.

    Uma grande contribuio para a concretizao do trabalho foram conversas formais e informais compessoas que vivem no sistema faxinal em Itapar. Foram selecionadas pessoas experientes, com mais vivnciada comunidade. Ouvindo vrios relatos sobre a organizao do faxinal, a reduo que vem ocorrendo, as regrasdo sistema, a convivncia; o funcionamento; costumes; lembranas, dentre outros, permitiu-se uma caracterizaodo sistema e avaliao das condies atuais do mesmo.

    DESENVOLVIMENTO

    ORIGEM DOS FAXINAIS

    Segundo depoimento do Sr. Francisco Marochi, um estudioso na rea da agricultura no municpio de Irati,os faxinais, principalmente os da nossa microrregio (centro-sul), tiveram origens de dois modos diferenciados.O sistema faxinal que est implantado em Itapar provavelmente teve origem pela segunda forma descrita.

    Historicamente, denominao de faxinal comea a partir de 1860-1870. Faxinais so grandes reas deterras, que podem ser de domnio legal de um nico proprietrio ou de muitos, onde residem famlias que exercem

    o direito de construir suas casas, criar seus animais, uma vez que o pasto de domnio coletivo. As criaes degrande, mdio e pequeno porte so de propriedade privada, mas o pastoreio comunitrio.Em pesquisa realizada entre 1983 e 1987, pudemos obter informaes que na Regio Centro-Sul do Estado

    do Paran, pudemos identificar que os faxinais se organizaram a partir de duas vertentes.A primeira hiptese nos leva a concluir a existncia de faxinais com um nico proprietrio, em que uma

    famlia recebeu, em doao, uma grande rea de terra e que passou a ser denominado pelo seu nome. Exemplo:Faxinal dos Andrades, Faxinal dos Antnios, Faxinal dos Ferreiras, etc.

    Nestes casos, os proprietrios, para garantir o domnio da rea, permitiam que outras famlias se instalassemna propriedade dando a estes o direito de morar, ter suas criaes, fazendo que o pasto fosse de uso coletivo, emcontrapartida utilizava a sua mo de obra na roada da cava, ou seja, dos arbustos baixos, facilitando apastagem dos animais e a colheita de erva-mate. Num faxinal como este podiam morar at 200 famlias.

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    O uso da mo de obra, nas roadas, foi se intensificando de acordo com o desenvolvimento da indstria daerva-mate e a valorizao do produto no mercado. Com isso, os moradores recebiam a concesso do proprietriopara ter alguns animais como: galinhas, sunos, gado e eqinos dentro da zona de pastagem coletiva. As condiessociais, econmicas, religiosa e poltica que so submetidos um povo ou uma frao deste povo leva as pessoasa forjar um tipo de organizao social. o que ns pudemos ver nestes faxinais de um nico proprietrio. Pelascondies de dificuldades quanto ao acesso a estes locais e pelo carente atendimento sade, os moradoresdestes faxinais formados por uma ou duas centenas de famlias desenvolveram um sistema de ajuda mtua euma grande solidariedade entre si. O proprietrio de terra, como patro, normalmente era autorizado pelospolticos a exercer as funes de policial, representante do clero e dos prprios polticos locais. Desta forma,estas populaes mantinham uma relao de grande dependncia aos senhores da terra, que contavam commo de obra barata e abundante para a limpeza das terras, colheita da erva-mate e transporte para os locais decomercializao. Neste perodo temos que levar em considerao que a maioria das comunidades viviam emsistema de faxinais. A produo de gros sempre ocorreu fora dos faxinais, em reas apropriadas para o cultivode lavouras anuais. Os faxinais em geral possuam uma rea de terra entre 150 e 500 alqueires (lembrando queum alqueire possui 2,42 hectares).

    A segunda forma de organizao dos faxinais aquela cujos caboclos, e mais tarde os imigrantes do lesteeuropeu, tomavam posse de uma rea de terra semelhante a do modelo acima descrito. Neste sistema, vriosproprietrios eram detentores da posse da terra. Estes proprietrios nem sempre detinham a posse legal da terrana sua totalidade. Aqui tambm mantinham o costume de construir as suas casas debaixo da mata, bem como ouso das pastagens em comum. Nestes casos o nmero de famlias era bem maior que o nmero de proprietrios.A diferena era que a autoridade poltica, nestes casos, era bem mais diluda entre os moradores. A IgrejaOficial tinha pouco acesso a estes locais, pelo menos at 1940. Portanto, neste sistema de faxinais, a autoridademaior da comunidade no era exercida pelos donos de terra, mas por aqueles que exerciam alguma atividadereligiosa ou de cura dentro da comunidade. Quanto autoridade policial, os chamados representantes de delegadoseram muito raros e quando ocorria algum caso de desentendimento, briga ou at mesmo algum crime, eraresolvido por ali mesmo, sem muita interferncia externa. As relaes entre as pessoas e o julgamento era feito

    geralmente a partir de normas religiosas e morais. Neste modelo de faxinal a erva-mate no tinha a mesmaimportncia econmica como no modelo anterior, pois a produo em geral era distribuda entre os moradores epor isso sobrava pouco para o comrcio. Outro elemento que distinguia do outro sistema de faxinal, era a formade denominar a comunidade, pois sempre eram chamados por aquilo que mais se sobressaa no ambiente.Alguns recebiam o nome de uma planta, de um costume, etc. Exemplos: Marmeleiro, Taquaral, Guamirim ou Riodo Couro, no caso deste ltimo simplesmente porque ali era o local onde as famlias curtiam os couros dosanimais. As funes religiosas eram exercidas por pessoas da prpria comunidade e as festas, quando realizadas,no tinham finalidade de lucro. Este modelo ao longo do tempo influenciou todo o sistema de faxinal, tirando emalguns lugares a importncia do proprietrio de terra. Neste modelo, como no anterior, o faxinal era todo cercadocom ripes ou por uma grande vala, impedindo desta forma que os animais que ficavam soltos na pastagemavanassem s terras de lavouras. Cada morador era responsvel por um trecho desta cerca. Ainda hoje este

    costume mantido em diversos faxinais que resistem ao avano da agricultura.Infelizmente, at hoje pouco se pesquisou sobre a cultura faxinalense, pois os ensaios existentes analisamo sistema sob o ponto de vista puramente econmico. s pensar que no Estado do Paran a agricultura teve,nas ltimas dcadas, um avano muito grande, principalmente sob a batuta da revoluo verde e, mesmo assim,podemos ver o sistema de faxinal se manter com uma certa eficincia. Outros alegam que o sistema faxinal sexistiu devido ao avano do setor ervateiro, o que no se confirma, pois se fosse desta forma tudo teria acabado.Tambm temos que salientar outro aspecto, o cultural, mesmo onde o faxinal se extinguiu a vrias dcadas,como sistema produtivo, o jeito de viver da comunidade continua tendo um sistema comunitrio de ocupao doespao e das moradias como era na poca dos faxinais.

    HISTRICO DE ITAPAR

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    NOVAK; Rosenilda; FAJARDO, Sergio

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    Os primeiros moradores chegaram em Itapar no incio do sculo XX, vindos de Prudentpolis, um municpiolimtrofe de Irati. O servio de colonizao fixou na localidade de Itapar imigrantes ucranianos, polacos galicianose poloneses do antigo domnio russo. No incio esses imigrantes passaram por srias dificuldades, tendo que abrirpicadas (estradas) facilitar o acesso e tambm desbravar densas matas para iniciar as atividades agrcolas.

    A agricultura era desenvolvida de uma forma rstica, com muitas dificuldades, o terreno na maioria dasvezes era acidentado, utilizavam a prtica da queimada. Para transportar a produo da lavoura ou roa (termomais utilizado), os imigrantes agricultores utilizavam o cargueiro (cavalo que carrega nas laterais dois cestosfeitos de taquara).

    Posteriormente foi implantada a carroa eslava, coberta com toldo e puxada por 4 a 6 cavalos, o quefacilitou o transporte dos produtos. Tambm a abertura de estradas para Irati e Prudentpolis ajudou no comrciode excedentes agrcolas e de sunos, bovinos, etc. (ORREDA, 1974).

    Atualmente vivem na localidade aproximadamente 60 famlias, as condies de vida melhoraram secomparadas a antigamente, embora a localidade no tenha evoludo economicamente por falta de investimentos,pois completar nos prximos anos um sculo.

    A ORGANIZAO DO FAXINAL EM ITAPARA organizao do faxinalense traz uma certa complexibilidade, dado que o sistema organiza-se em espaos

    privados (moradias, quintais ou hortas, jardins, mangueires) e de uso coletivo, que so espaos entre as propriedadese a mata mista, que de uso comunitrio para a criao de animais, sunos, bovinos, eqinos, caprinos e ovinos.

    Para o uso do sistema faxinal o morador precisa respeitar algumas regras que foram criadas para mantere disciplinar o sistema.

    Na entrada e sada da comunidade onde funciona o faxinal so construdos portes de acesso, onde osfaxinalenses transitam com suas carroas ou montarias. Os portes devem permanecer sempre fechados,evitando que os animais do criadouro saiam e causem prejuzos nas lavouras de milho, feijo, fumo, etc.

    Ao lado dos portes fica o mata-burro (ponte construda com barras de ferro ou madeira na diagonal) queevita a travessia de animais e facilita a locomoo de automveis. Tambm existem as cercas que separam o

    faxinal das lavouras e cada famlia responsvel por um trecho. Os moradores que no possuem terras nosistema podem usufruir deste espao, desde que respeitem as regras de manuteno e de disciplina no criadouro.Essa cerca deve ser bem feita, para que os animais, principalmente os sunos, no passem para as lavouras,pois a plantao separada do criadouro, de alguns moradores chega a ter de 6 a 10 km de distncia.

    Quando acontece de um agricultor encontrar alguma criao na lavoura, que tenha causado estragos, elefecha a cerca e avisa para os vizinhos, que se espalham a procura do dono. Se o proprietrio da mesma no semanifestar, ele fica com o animal como pagamento pelo dano.

    O responsvel pela cerca danificada logo avisado para corrigir os estragos (trocar madeiras que ficampodres com o passar do tempo ou colocar novos grampos nos arames, etc) caso contrrio ele tambm responsabilizado pelos danos que as criaes causarem.

    Esse servio de fiscalizar as cercas, fazer reunies sobre o faxinal feito por uma pessoa de bem

    escolhida pelo povo, denominada inspetor. Tambm nomeado pelos faxinalenses um delegado que temcomo principal objetivo apaziguar qualquer tumulto.A comunidade possui uma modesta organizao social, escola de ensino fundamental (Escola So Miguel

    de Itapar) que atende os lugares ao redor; posto de sade (mdico e dentista uma vez por semana); cemitrioe duas igrejas catlicas, sendo uma do rito latino e outra do rito ucraniano.

    Segundo os moradores, para viver no sistema faxinal (criadouro comunitrio) deve-se respeitar o que dooutro. Porque usa-se o espao para criar animais coletivamente, porm os animais possuem donos, estes procuramas casas ao amanhecer e entardecer para receber um complemento alimentar, geralmente milho, abbora eoutros produtos de poca.

    Para ficar de bem com o povo, sem intrigas, preciso ser compreensivo e desenvolver o esprito comunitrio.

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    DESINTEGRAO E RESISTNCIA DO SISTEMA FAXINAL EM ITAPAR IRATI PR

    ISSN: 1980-6116UNICENTRO- Revista eletrnicaLato Sensu

    A DESINTEGRAO DO SISTEMA FAXINAL NA COMUNIDADE

    Nos ltimos dez anos o faxinal de Itapar vem passando por um processo de desestabilizao e perda devalores, assim como vem sofrendo significativa diminuio territorial na rea que foi destinada h anos para

    pastoreios comunitrio.Segundo os moradores, mais da metade da rea foi desarticulada, praticamente restam os corredores

    em torno das propriedades e uma pequena rea de mata beirando rios e crregos.A desvalorizao do sistema vem sendo motivada e fortalecida por novos moradores, e por pessoas que

    tm um certo status, ambos fecham suas terras compradas ou herdadas para uso privado. Apoiados por algunsjovens, eles argumentam que com os animais criados soltos, na comunidade, impossvel pensar em asfalto dasestradas dentro da vila, o que para eles prioridade. Tambm afirmam que principalmente os sunos deixam apaisagem desagradvel, pois eles viram a terra e esto por todos os lugares.

    Embora este faxinal no seja registrado em cartrio e amparado por leis, est muito degradado territorialmentee ainda resistindo, porque os moradores mais antigos defendem o sistema, afirmando que desde seus antepassadoscriavam animais soltos, no vem mal algum, pois traz muitos benefcios, como venda de animais entre-safras,

    carne, leite e trao animal (cavalo) para o trabalho na agricultura. Segundo os moradores, seria difcil manterum grande nmero de animais fechados em terrenos considerados pequenos. Portanto, deixam suas terras semcercar e as utilizam comunitariamente.

    A ATIVIDADE AGRCOLA LOCAL

    No sistema faxinal as reas de lavouras so separadas do criadouro. Devido longa distncia, osfaxinalenses utilizam como principal meio de transporte a carroa ou montaria.

    Alguns moradores possuem uma segunda moradia, denominada paiol, e devido grande distncia,permanecem durante a semana toda trabalhando na agricultura, voltando somente aos sbados para o encontrocom o restante da famlia.

    A atividade agrcola desenvolvida geralmente em terrenos ngremes e muitas vezes pobres de substncias

    orgnicas, devido ao uso intensivo da terra. Alguns agricultores, para melhorarem o solo e terem uma colheitamelhor, aplicam produtos qumicos que acabam trazendo conseqncias sade e ao bolso, pois estes produtostm um custo alto.

    A tcnica de pousio (deixar a terra descansar por alguns anos), uma alternativa, pouco praticada peloagricultor familiar faxinalense, pois no dispe de muitos alqueires de terras, fazendo com que essa prtica derecuperao do solo muitas vezes torne-se invivel.

    Os meios de produo agrcolas utilizados so os arados, plantadeiras, carpideiras de trao animal e acarroa que importante para o escoamento da produo.

    O excedente da produo vendido no comrcio local, na maioria das vezes, com exceo do fumo.Estes agricultores utilizam em todo o processo produtivo a mo-de-obra familiar, podendo haver trocas de

    dias com os vizinhos ou parentes. Essa troca de dias significa dar uma ajuda a um vizinho ou parente,especialmente no auge da safra.

    LEMBRANAS E COSTUMES

    Alm do aspecto territorial do sistema faxinal estar passando por mudanas, tambm est havendotransformao na cultural local. Os moradores mais antigos recordam com saudades da poca em que asfamlias se reuniam ao entardecer, depois dos afazeres, para contar lendas, escutar msicas boas e conversarsobre as lavouras e outros assuntos corriqueiros do dia-a-dia, visitavam parentes e vizinhos com freqncia, etc.Eles afirmam que atualmente, com o aparecimento da TV, estes costumes foram abolidos. Os filhos s queremsaber de novelas, jogos, etc.

    Anos atrs, quando se matava um porco (geralmente grande e gordo), o mesmo era distribudo em pequenaspartes de carne (1 a 2 kg) para os vizinhos prximos. Era uma maneira de sempre ter carne fresca. Ainda

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    usava-se fritar a carne e guardar em latas com banha para no estragar. Na hora de servir, a carne era aquecidae ficava muito saborosa. Esse mtodo conservava a carne por vrios meses, pois na poca no tinha luz eltricana rea rural, nem geladeira ou freezer. Nas famlias faxinalenses conservou-se o hbito de engordar o porco,quando carneiam, derretem o toucinho que se transforma em banha e utilizado para fazer comida (como oleo). Segundo os moradores, a banha mais forte e sustenta mais quem trabalha no servio pesado da lavoura.Atualmente as famlias possuem geladeira ou freezer e este gesto de distribuir a carne pouco se repete, aspessoas esto saindo desse crculo social.

    Os faxinalenses possuem vrios hbitos, dentre eles destaca-se o de levantar antes de clarear o dia,quando os pssaros comeam a cantar j esto tomando chimarro, geralmente ao redor do fogo a lenha, emseguida vo oferecer complementos alimentares criao que vem do criadouro para os mangueires. Depoisde seus afazeres, tomam o caf e ainda cedinho se deslocam s lavouras.

    A bebida mate (chimarro) tomada antes de todas as refeies e oferecido aos domingos junto combolo, pipoca para as visitas. Algumas famlias ainda produzem a erva-mate para o consumo (crioula). Colhem aerva, depois quebra-se a mesma em galhos midos, coloca-se em forno de barro, quente, o mesmo utilizado paraassar o po. Depois da erva ficar no ponto socada no pilo (manual) onde se torna fina e pronta para o

    chimarro.Na comunidade, as pessoas conhecidas como benzedores ocupam destaque tanto para curar pessoas

    quanto animais. A flora do faxinal rica e utilizada medicinalmente por grande nmero de pessoas.A organizao cultural dos faxinalenses, embora em transformao, ainda diferenciada das outras

    comunidades. Atualmente, a forma de criao e plantao tpica dos sistemas de faxinais considerada atrasadae prejudicial ao progresso econmico (PRIETO e CUNHA, 2006). Essa mentalidade, quando parte do poderpblico, acaba por interferir diretamente no enfraquecimento do sistema.

    CONSIDERAES FINAIS

    O estudo sobre o faxinal, em Itapar, mostra principalmente o processo de desestabilizao no sistema.Qualquer pessoa ao chegar a comunidade faxinalense notar a degradao que vem ocorrendo em vrias reascercadas para uso prprio e, conseqentemente, a diminuio do criadouro. Por ser uma prtica implantada porcolonizadores, vista como atrasada, a nova gerao de faxilnalenses no aceitam muito bem a continuidadeda mesma.

    Entretanto, apesar das transformaes o sistema faxinal continua resistindo. E por meio de interpretaode fotos areas e imagens de satlite, e trabalho de campo, possvel aprofundar as reflexes sobre faxinaisespecficos (SCHUSTER e SAHR, 2006). Essa experincia comunitria deve ser valorizada, pois muito rica(socialmente, culturalmente), porm nota-se descaso, e por pessoas que vivem no sistema e desconhecimentopor governantes e sociedade em geral.

    A importncia que tem sido dada revitalizao da agricultura familiar poderia proporcionar ao sistemafaxinal um ambiente propcio para sua preservao por parte das aes pblicas. Atualmente, a participao deONGs (Organizaes No-Governamentais) com trabalhos que visam o desenvolvimento da agricultura famil-

    iar a partir do fomento de tecnologias agroecolgicas j ocorre nas regies prximas ao faxinal estudado (ASSIS;ROMEIRO, 2005, p. 157). Entretanto preciso em primeiro lugar conhecer e reconhecer o sistema por meio deestudos apoiados pelos poderes pblicos e envolvendo a pesquisa acadmica.

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    DESINTEGRAO E RESISTNCIA DO SISTEMA FAXINAL EM ITAPAR IRATI PR

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