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ARP23 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIII, nº 92, pág. 23-30, Out.-Dez., 2011 Recebido a 29/09/2010 Aceite a 22/01/2011 Patologia Anexial Não-Neoplásica: O Valor Diagnóstico da Ecografia e Eco-Doppler Non-Neoplastic Adnexal Pathology: Diagnostic Value of Ultrasonography and Doppler-Us Rosana dos Santos 1 , Ângela Marques 1 , Pedro Condeço 2 , Duarte Rosa 2 1 Serviço de Radiologia, Hospital de Santo António dos Capuchos, Centro Hospitalar de Lisboa Central. 2 Unidade de Ecografia Ginecológica, Maternidade Dr. Alfredo da Costa Resumo Introdução: A abordagem diagnóstica da patologia anexial representa um desafio na prática clínica actual, pela variabilidade da morfologia anexial associada a alterações funcionais, que por vezes coloca dificuldade no diagnóstico diferencial com patologia benigna e maligna, e alterações iatrogénicas, quer medicamentosas, quer sequelares pós-cirúrgicas. Métodos: Revisão da literatura actual, seleccionada em bases de dados médicas informatizadas, sobre a abordagem ecográfica da patologia anexial não-neoplásica. Também foi realizada uma selecção iconográfica do espectro de patologia anexial não neoplásica diagnosticada na instituição de referência. Resultados: A patologia anexial não neoplásica tem elevada prevalência na população e apresenta a necessidade do diagnóstico diferencial com as alterações funcionais que ocorrem na idade fértil. A ecografia é o método imagiológico de eleição na avaliação diagnóstica inicial e de controlo da patologia anexial, permitindo avaliar com elevado detalhe morfológico as estruturas anexiais. Os autores salientam a importância da correlação clínico-imagiológica e revêm de forma sistematizada, com base em exemplos iconográficos da sua prática clínica, os principais aspectos a ter em conta no diagnóstico diferencial da patologia anexial não- neoplásica. Conclusões: O conhecimento das alterações morfológicas e funcionais das estruturas anexiais e a adequada integração clínico- laboratorial, permite muitas vezes o diagnóstico definitivo, dispensando estudos adicionais ou procedimentos invasivos, onerosos e causadores de ansiedade. Palavras-chave Ecografia Endovaginal; Ecografia Pélvica; Órgãos Anexiais; Ovários; Patologia Anexial Benigna. Abstract Introduction: Diagnosing adnexal pathology remains quite challeging because of the wide spectrum of adnexal functional-related morphologic changes, which make differential diagnosis with benign and malignant pathology, and with iatrogenic changes, either pharmacological or post-surgical. Methods: A literature review was done, selected from computerized medical data bases on ultrasonographic management of non- neoplastic adnexal pathology. An iconographic selection of the spectrum of non-neoplastic pathology diagnosed at the reference institution was made. Results: Non-neoplastic adnexal pathology is highly prevalent and is mostly represented by functional changes occurring in the fertile years. Ultrasound is the best diagnostic tool for the initial evaluation and follow-up of adnexal pathology, allowing a highly detailed evaluation of the adnexa. The authors emphasize the importance of the clinico-imagiologic correlation and review in a systematic fashion, basing on iconographic examples from their clinical practice, the major features that should be taken into account in the differential diagnosis of non-neoplastic adnexal pathology. Conclusion: Awareness of the morphologic and functional changes of the adnexa along with a clinico-laboratorial correlation frequently allows a specific diagnosis, eliminating the need for further investigations, which are often invasive, onerous and a major cause of anxiety. Key-words Adnexal Organs; Endovaginal Ultrasound; Pelvic Ultrasound; Ovaries. Artigo de Revisão / Review Article

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ARP23

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIII, nº 92, pág. 23-30, Out.-Dez., 2011

Recebido a 29/09/2010Aceite a 22/01/2011

Patologia Anexial Não-Neoplásica: O Valor Diagnósticoda Ecografia e Eco-Doppler

Non-Neoplastic Adnexal Pathology: Diagnostic Value ofUltrasonography and Doppler-Us

Rosana dos Santos1, Ângela Marques1, Pedro Condeço2, Duarte Rosa2

1Serviço de Radiologia, Hospital de Santo António dos Capuchos, Centro Hospitalar de Lisboa Central.2Unidade de Ecografia Ginecológica, Maternidade Dr. Alfredo da Costa

Resumo

Introdução: A abordagem diagnóstica da patologia anexial representa um desafio na prática clínica actual, pela variabilidade damorfologia anexial associada a alterações funcionais, que por vezes coloca dificuldade no diagnóstico diferencial com patologiabenigna e maligna, e alterações iatrogénicas, quer medicamentosas, quer sequelares pós-cirúrgicas.Métodos: Revisão da literatura actual, seleccionada em bases de dados médicas informatizadas, sobre a abordagem ecográfica dapatologia anexial não-neoplásica. Também foi realizada uma selecção iconográfica do espectro de patologia anexial não neoplásicadiagnosticada na instituição de referência.Resultados: A patologia anexial não neoplásica tem elevada prevalência na população e apresenta a necessidade do diagnósticodiferencial com as alterações funcionais que ocorrem na idade fértil. A ecografia é o método imagiológico de eleição na avaliaçãodiagnóstica inicial e de controlo da patologia anexial, permitindo avaliar com elevado detalhe morfológico as estruturas anexiais.Os autores salientam a importância da correlação clínico-imagiológica e revêm de forma sistematizada, com base em exemplosiconográficos da sua prática clínica, os principais aspectos a ter em conta no diagnóstico diferencial da patologia anexial não-neoplásica.Conclusões: O conhecimento das alterações morfológicas e funcionais das estruturas anexiais e a adequada integração clínico-laboratorial, permite muitas vezes o diagnóstico definitivo, dispensando estudos adicionais ou procedimentos invasivos, onerosose causadores de ansiedade.

Palavras-chave

Ecografia Endovaginal; Ecografia Pélvica; Órgãos Anexiais; Ovários; Patologia Anexial Benigna.

Abstract

Introduction: Diagnosing adnexal pathology remains quite challeging because of the wide spectrum of adnexal functional-relatedmorphologic changes, which make differential diagnosis with benign and malignant pathology, and with iatrogenic changes,either pharmacological or post-surgical.Methods: A literature review was done, selected from computerized medical data bases on ultrasonographic management of non-neoplastic adnexal pathology. An iconographic selection of the spectrum of non-neoplastic pathology diagnosed at the referenceinstitution was made.Results: Non-neoplastic adnexal pathology is highly prevalent and is mostly represented by functional changes occurring in thefertile years. Ultrasound is the best diagnostic tool for the initial evaluation and follow-up of adnexal pathology, allowing a highlydetailed evaluation of the adnexa. The authors emphasize the importance of the clinico-imagiologic correlation and review in asystematic fashion, basing on iconographic examples from their clinical practice, the major features that should be taken intoaccount in the differential diagnosis of non-neoplastic adnexal pathology.Conclusion: Awareness of the morphologic and functional changes of the adnexa along with a clinico-laboratorial correlationfrequently allows a specific diagnosis, eliminating the need for further investigations, which are often invasive, onerous and amajor cause of anxiety.

Key-words

Adnexal Organs; Endovaginal Ultrasound; Pelvic Ultrasound; Ovaries.

Artigo de Revisão / Review Article

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IntroduçãoDurante a idade fértil (climatério), os órgãos ginecológicossofrem transformações cíclicas, fisiológicas, que variamao longo do ciclo menstrual e se reflectem num largoespectro de apresentações ecográficas [1-5]. Na presençade uma lesão anexial, o conhecimento destas variaçõesmorfo-funcionais e a integração com dados clínicos elaboratoriais - idade da doente, perfil hormonal, fase dociclo menstrual e realização de terapêutica hormonal(contraceptiva ou de compensação), vai permitir odiagnóstico diferencial entre alterações funcionais(normais) e alterações potencialmente patológicas [1,5].O conhecimento detalhado destes aspectos, permite muitasvezes o diagnóstico definitivo, dispensando estudos ouprocedimentos adicionais, causadores de ansiedade,onerosos e muitas vezes invasivos. Isto assume particularimportância em mulheres em idade fértil, pela relevânciada preservação da função ovárica, e tendo em conta que aprevalência das alterações anexiais benignas ou funcionaisé muito superior à das malignas (apenas cerca de 20% daslesões anexiais são neoplásicas, das quais 15% sãoprimitivas) [1-5].Os autores salientam a importância desta correlaçãoclínico-imagiológica, revendo de forma sistematizada opapel da ecografia no estudo da pélvis feminina, ascaracterísticas morfo-funcionais das estruturas anexiais, oespectro de patologia anexial não-neoplásica e respectivatradução ecográfica, com base em exemplos iconográficosda sua prática clínica.

MétodosFoi efectuada uma pesquisa informática das bases de dadosMEDSCAPE e MEDLINE, identificando os artigospublicados até ao final de 2009, abordando os tema“abordagem ecográfica da patologia anexial benigna/funcional”, e tendo sido utilizadas para a pesquisa aspalavras-chave “ecografia ginecológica”, “patologiaanexial benigna/funcional” e “quisto anexial”. Tambémforam analisados livros de referência e listas de referênciasde artigos seleccionados.

ResultadosI. A ecografia no estudo da pélvis femininaA ecografia pélvica é considerada o método imagiológicode eleição na avaliação diagnóstica inicial e de controloda patologia anexial, permitindo o diagnóstico confiantede um largo espectro de patologia benigna e contribuindopara a triagem de doentes com indicação cirúrgica [1,3].A abordagem transabdominal oferece uma delineaçãoglobal dos órgãos pélvicos, permitindo acesso a lesõesvolumosas, fora do campo de visão da sonda endocavitária.A ecografia endovaginal, de maior frequência e resolução,proporciona maior detalhe anatómico e tem maiorsensibilidade ao fluxo sanguíneo, melhorando também aavaliação com eco-Doppler [3-5]. Na presença de contra-indicações para ecografia endovaginal, a ecografia porvia trans-rectal permite um estudo igualmente detalhado[1].

A ecografia pélvica por via transabdominal associada aabordagem endovaginal no estudo de massas anexiaisatinge sensibilidades de 88 a 100% e especificidades de62 a 96% [2,3]. A avaliação morfológica por ecografia nadeterminação de malignidade em tumores do ovário temsensibilidade e especificidade cerca de 85-97% e 56-95%,respectivamente [2,3]. O uso adicional do Eco-Doppleraumenta a especificidade para 82-97% [2,3].A ecografia tri-dimensional (3D) ainda não tem umaaplicação ginecológica consensual, sendo já utilizada emalgumas situações, como por exemplo a avaliação damorfologia endometrial[2].As características ecográficas sugestivas de malignidadeincluem: quistos com parede ou septos espessos (> 3mm)ou irregulares, projecções papilares e nódulos sólidos [1,3,6-8]. No eco-doppler, um índice de resistência (IR) inferiora 0,4 e um índice de pulsatilidade (IP) inferior a 1 podemser suspeitos de malignidade [6-9]. No entanto, algumasalterações fisiológicas no ovário apresentam fluxos debaixa resistência, assim como doenças inflamatóriasanexiais, que podem apresentar IP baixo, simulandomalignidade [1,4].

II. Revisão morfo-funcional e correlação ecográficaO conhecimento do padrão menstrual cíclico permite umamelhor compreensão das alterações fisiológicas queafectam os ovários [10,11].- Infância

Até à puberdade, os ovários não são estimulados pelashormonas gonadotróficas (FSH e LH), permanecendoinactivos [10,11]. Nos primeiros dois anos de vida, ovolume médio dos ovários é 1 cc. A partir dos 5 anos,vão aumentando de volume, atingindo 8 cc por altura damenarca[1].

- ClimatérioNa idade fértil, o volume médio dos ovários é 12 cc,sofrendo transformaçoes cíclicas sob influência hormonal[10,11]. Na primeira fase do ciclo menstrual, fase folicularou proliferativa (estrogénica), a FSH e LH estimulam odesenvolvimento folicular. A partir do 9º dia, o folículoprimordial é o único que prossegue o seudesenvolvimento, atingindo 2-2,5 cm de diâmetro poraltura da ovulação (14º dia) - folículo de Graaf [10,11].Na segunda fase do ciclo, fase lútea ou secretora,predomina a progesterona produzida no corpo amarelo,que geralmente involui antes da menstruação, mas quepode ocasionalmente persistir durante cerca de 4 meses[10,11].

- Efeito da contracepção e terapêutica hormonal decompensação [10,11]Pílula combinada (estrogénios e progesterona): Ocorresupressão da actividade folicular, podendo identificar-se pequenos folículos (que não implicam ineficáciacontraceptiva).Contracepção com progestativos:Pílula progestativa ( Cerazette®); DIU com progestativo(Mirena®); Implante intradérmico (Implanon®);Injecção trimestral (Depo-Provera®): Não inibe aactividade folicular, mas pode inibir a ovulação, sendofrequente identificarem-se quistos foliculares de maioresdimensões, por vezes com diâmetro >4 cm.

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DIU com cobre: Sem efeitos na actividade folicular.Terapêutica Hormonal de Substituição (THS): Semefeitos na actividade folicular .Tamoxifeno®: pode induzir actividade folicular.

- Após a menopausaApós a menopausa, os ovários sofrem atrofia progressiva(volume médio, ±3 cc) e eventuais folículos residuaispodem persistir, quase sempre com menos de 10 mm.Um volume >8 cc é considerado patológico [10,11].

III. Espectro de patologia1. Quistos funcionais

São quistos transitórios que resultam de alteraçõesfuncionais ováricas normais. Representam a causa maisfrequente de aumento do volume ovárico emjovens[1,2,10,11].Quistos foliculares: Resultam de folículos que nãoregridem devido a ciclos anovulatórios, sendohabitualmente solitários e unilaterais [1-4]. O folículodominante pode atingir 2-2,5 cm, pelo que o diagnósticode quisto folicular reserva-se para quistos >2,5 cm [10].Podem ser palpáveis e causar dor pélvica, e a traduçãoecográfica é maioritariamente a de um quisto simples(Fig. 1) [2,5,10,11]. A evolução natural é a regressãoespontânea, [10,11] geralmente em dois ciclos, pelo queo controlo evolutivo, de preferência na primeira fase do

ciclo menstrual, permite confirmar o diagnóstico(regressão do quisto), dispensando outras atitudes[5,10,11].Nas recém-nascidas, a presença de folículos (<1-2 cm)está associada à influênciahormonal materna, verificando-se regressão nosprimeiros meses de vida [3, 10,11].Após a menopausa, pequenos quistos simples (< 3 cm)são comuns (presentes em até 15% das mulheres) [1,4] equando uniloculados são quase invariavelmente benignos[4,5,10,12,13]. Quistos simples até 3-5 cm podem sercontrolados ecograficamente às 6 e 12 semanas e,posteriormente, anualmente[1,5,10].Quistos hemorrágicos: Aquando da involução folicular,pode ocorrer ruptura de vasos na teca interna do folículoe hemorragia para o seu interior [1,2,10,11].Ecograficamente, o aspecto depende do tempo deevolução: pode apresentar-se como um quisto com ecosreticulados (fibrina), com um nível fluído-fluído(interface líquido seroso-sangue) ou com um coágulointraquístico , estando geralmente presente reforçoacústico posterior [1-5,10,11,14] (Fig 2). Umacaracterística importante para o diagnóstico é a evoluçãoda estrutura interna, no controlo ecográfico evolutivo[1-5,12-15].

Fig. 1 - Ecografia endovaginal. Folículos e quistos foliculares. a) 11º dia do ciclo mestrual- ovário normal, com folículos simples e folículodominante com 2,3 cm de diâmetro (*). b) Quisto folicular simples com 3,5 cm de diâmetro; regressão comprovada em controlo ecográfico 6semanas mais tarde.

Fig. 2 - Ecografia endovaginal. Quistos hemorrágicos, confirmados histologicamente. a) Quisto complexo, hipoecogénico, com ecos reticuladose reforço posterior. b) Quisto complexo, ecogénico, com áreas quísticas.

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Quistos da teca luteínica: Associam-se a níveis elevadosde gonadotrofina coriónica humana (hCG), geralmenteno contexto de doença trofoblástica gestacional [10,11].Ecograficamente, observa-se aumento bilateralsignificativo do volume ovárico, com exuberantes quistosbilaterais, de parede fina. Representam os maiores dosquistos funcionais, regredindo geralmente em 2 a 4 mesesapós tratamento do distúrbio de base [5,10,11].Corpo amarelo: O corpo amarelo regride habitualmentepor volta do 24º dia do ciclo menstrual. Ocasionalmente,atinge dimensões superiores a 4 cm (podendo causar dorlocal) e pode regredir tardiamente, mas geralmente emmenos de 2 meses. A apresentação ecográfica é muitovariável: pode traduzir-se como um quisto complexo,isoecogénico ao ovário, com parede espessa,vascularização periférica em “anel de fogo”, com baixaimpedância (fluxo diastólico proeminente) [1,2,5] (Fig3). Para o reconhecimento do corpo amarelo, deve ter-seem conta a fase do ciclo menstrual (fase secretora) ecomprovação de regressão. Em até um terço dasgestações, permanece até à 18ª-20ª semana [1,5,10].

2. Quistos para-ováricos e para-tubáricosTêm origem no mesotélio pélvico, em remanescentesmesonéfricos (Wolffianos) ou paramesonéfricos(Mullerianos). Localizam-se no ligamento largo, quer nomeso-ovário (quisto para-ovárico), quer no meso-salpinge(quisto para-tubárico). Uma manobra que auxilia ao seureconhecimento consiste na mobilização suave com asonda endovaginal, evidenciando o movimento de deslizedo quisto ao lado do ovário, separado do mesmo (Fig 4).As suas dimensões não variam com os ciclos menstruais[1,2,10].

Fig. 3 - Ecografia endovaginal (a, b), power-doppler (c, d) e dopplerespectral (e,f). Corpo amarelo - vasto espectro de apresentaçãoecográfica. a, b) Quistos complexos. c-d) Power doppler - vascularizaçãoperiférica em “anel de fogo”. e,f) Fluxo de baixa impedância e fluxodiastólico proeminente. a, b, e, f- confirmados histologicamente. c, d,e- resolução comprovada em controlo ecográfico posterior.

Fig. 4 - Ecografia endovaginal e power-doppler. Quisto para-ováricoem mulher de 27 anos, com quisto conhecido há 3 anos, com dimensõese características inalteradas. A mobilização com a sonda endovaginalevidenciou deslizamento do quisto ao lado do ovário.

3. Quistos de inclusão peritonealTambém conhecidos como pseudoquistos peritoneais,consistem na acumulação de líquido em locas delimitadaspor bridas ou aderências peritoneais. Ocorrem em doentescom história de doença inflamatória pélvica (DIP),cirurgia ou endometriose. O diagnóstico é sugerido pelahistória e pela demonstração de uma colecção líquidaadaptada à cavidade peritoneal por entre septos, por vezescircundando o ovário (Fig 5). Podem simularhidrosalpinge, quistos para-ováricos e tumores ováricos.A excisão cirúrgica é controversa, pelo elevado risco derecorrência (30-50%) [1]

Fig. 5 - Ecografia endovaginal. Quisto de inclusão peritoneal, emmulher de 45 anos com história de cirurgia abdomino-pélvica, porcomplicações de doença inflamatória intestinal. Identifica-se acumulaçãode líquido que se molda à cavidade peritoneal entre bridas.

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4. Seroma e hematoma pélvicoOcorrem geralmente após cirurgia pélvica. Os hematomastambém estão associados a traumatismo pélvico oucoagulopatia grave (iatrogénica ou não).Ecograficamente, traduzem-se pela presença de líquidopélvico livre ou colectado, com ecogenicidade variável[1,2].

5. EndometriomaEndometriomas ou quistos endometriais são quistosrevestidos por epitélio glandular, funcionante, emtopografia ectópica (extra-uterina). Têm uma incidênciade cerca de 10% nas mulheres em idade fértil [15,16].Macroscopicamente, são acastanhados, devido ahemorragias cíclicas, sendo também conhecidos comoquistos de chocolate [1,2,10]. Localizam-se maisfrequentemente nos ovários (80%) e, com menorfrequência, nos ligamentos uterinos, fundo-de-saco deDouglas, superfície do útero, trompas de Falópio, recto-sigmóide, bexiga e pleura [1-4,10,15,16]. A sua etiologiaé controversa, podendo ter origem na migração de célulasendometriais (por via retrógada, através das trompas deFalópio, ou por disseminação hematogénea), ou pormetaplasia do epitélio peritoneal em endométriofuncionante [15,16].Manifestam-se clinicamente por dismenorreia,dispareunia, dor pélvica e, em 30-40% dos casos, porinfertilidade, por fenómenos mecânicos/aderenciais[2,15,16]. Têm uma apresentação ecográficacaracterística: quistos com ecos de baixo nível, difusos,geralmente homogéneos, que representam sangue, semcomponentes sólidos [1,16]. Podem ser multiloculados,com níveis fluído-fluído ou sedimento-fluído, dediferentes ecogenicidades, que correspondem ahemorragia de diferentes ciclos [1,3,4,10,17].Caracteristicamente, existe hipomobilidade do ovário àmobilização com a sonda, por alterações inflamatórias eaderências às estruturas adjacentes. Por este motivo, orisco de torsão do ovário associado a endometriomas éreduzido [1,17] (Fig.6). O diagnóstico/terapêutica gold-standard é a cirurgia laparoscópica [15]. Uma alternativaválida, conservadora, consiste na supressão dehemorragias cíclicas, através de pílula em toma contínua.

6. Hidrossalpinge e hematossalpingeA patologia das trompas de Falópio é responsável por50% dos casos de infertilidade feminina [1,5]. Napresença de obstrução, pode ocorrer preenchimento dolúmen tubárico por pús (piossalpinge), líquido seroso(hidrossalpinge), que traduz processo de esterilização doconteúdopurulento, ou sangue (hematossalpinge), estasituação geralmente associada a coagulopatia,traumatismo ou gravidez ectópica. Ecograficamente,identifica-se uma estrutura tubular tortuosa anexial,preenchida por líquido de ecogenicidade variável. Porvezes, visualizam-se estruturas ecogénicas intra-tubáricasque correspondem a pregas da mucosa, podendomimetizar tumores quísticos do ovário com componentesprojecções papilares [1,2,18,19]. A topografia,morfologia, presença de um ovário normal adjacente emobilização com a sonda sugerem o diagnóstico correcto(Fig 7).

7. Doença Inflamatória pélvica (DIP), abcesso tubo-ovárico

Afecta geralmente mulheres em idade fértil e associa-sefrequentemente à presença de DIU. A queixa mais comumé dor abdomino-pélvica, habitualmente acompanhada porfebre e elevação dos parâmetros laboratoriaisinflamatórios [1,5,20]. Inicialmente, pode não tertradução ecográfica. [1,5]. Numa fase posterior, podeidentificar-se líquido pélvico livre, espessamento oudistensão endometrial por líquido ou gás, má definiçãodos limites do útero e ovários e aumento da ecogenicidadeda gordura envolvente [1,2,5,14,21,22]. A ascensão dainfecção às trompas e ovários (por refluxo de sanguemenstrual infectado) pode causar salpingite, comespessamento parietal e proeminência das pregas damucosa piossalpinge, com preenchimento luminalpurulento ou um abcesso/complexo tubo-ovárico, que setraduz ecograficamente por aumento do volume anexial,com aspecto quístico, parede espessa,hipervascularização e gás (“dirty shadowing”), comlimites mal definidos [1,22]. A ecografia assume um valoracrescido, ao permitir a drenagem guiada destas lesões[1,2,5,8,14,21,22].

Fig. 6 - Ecografia endovaginal e power-doppler. Endometriomas. a-b) Tradução ecográfica característica, com ecos difusos e homogéneos. Em a),é evidente a vascularização em “anel-de-fogo”. c) Recidiva de endometriomas pélvicos após cirurgia por endometriose e sob terapêutica com pílulaem toma contínua. Endometriomas menos característicos, confirmados histologicamente. Níveis fluído-fluído de diferentes ecogenicidades,correspondentes a hemorragias de diferentes ciclos.

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8. Gravidez ectópicaA gravidez ectópica acarreta risco de morte materna,estando a incidência aumentada na presença dedispositivo intra-uterino, antecedentes de DIP ou gravidezectópica 5. Deve ser considerada quando o diagnósticoimunológico de gravidez é positivo perante a ausênciade gravidez in utero. A localização mais frequente étubárica (95% dos casos). Outras localizações são oovário (muito raro, 0,2%), colo do útero (cervical),interstício (cornual) e a cavidade peritoneal[19,21,22].O achado ecográfico patognomónico é a presença de sacogestacional com embrião com batimentos cardíacos emtopografia anexial, visualizado em 8-26% dos casos [22].Traduz-se maioritariamente como uma lesão anexialsólida, complexa (podendo simular um hematoma -hematossalpinge), independente mas adjacente ao ovário(que tem geralmente corpo amarelo visível) (Fig. 8)[5,22]. Outra forma de apresentação é o “Anel Tubárico”,que corresponde à presença do saco gestacional na trompa[22].

9. Torsão do ovárioDecorre da rotação do pedículo do ovário, comcompromisso linfático e venoso (congestão) e,posteriormente, arterial (isquémia e necrose) [2,11,22].Representa 3% das emergências ginecológicas, sendomais frequente em crianças e adolescentes e na presençade tumores do ovário superiores a 5 cm de diâmetro[2,5,11,22]. O diagnóstico assenta na apresentaçãoclínica, que é geralmente dor pélvica intensa e persistente,com semiologia de abdómen agudo, associada a achadosecográficos de aumento volumétrico e heterogeneidadedifusa do ovário (>5cm). Podem existir áreas

Fig. 7 - Ecografia endovaginal. Hidrossalpinge, confirmada histologicamente. a-c) Preenchimento tubárico por líquido puro, com pregas damucosa. c) Ovário normal adjacente a hidrossalpinge.

Fig. 8 - Ecografia endovaginal. Gravidez ectópica, confirmada histologicamente. a, b) “Anel tubárico”. c) Gravidez ectópica ovárica, traduzidapor lesão anexial sólida, complexa.

Fig. 9 - Ecografia endovaginal.Torsão do ovário em adolescente,confirmada histologicamente. Identifica-se aumento volumétrico doovário, com heterogeneidade difusa e áreas hiperecogénicas dehemorragia.

hiperecogénicas de hemorragia, áreas quísticas de necrosee líquido livre na pélvis. A ausência de fluxo arterial épreditiva de não-viabilidade do ovário [22] (Fig 9).

10. Doença do ovário poliquísticoÉ um distúrbio endocrinológico associado a anovulaçãocrónica e hiperandrogenismo [23]. Afecta 7% dapopulação, com um espectro de manifestações muitovariável, desde doença do ovário poliquístico (DOP)infra-clínica, até ao síndrome de Stein-Leventhal[9,10,23]. O diagnóstico deste síndrome depende daclínica: obesidade, oligoamenorreia, hirsutismo, acne einfertilidade, e achados ecográficos sugestivos de DOP

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Fig. 10 - Ecografia endovaginal. Doença do ovário poliquístico (DOP). a, b) DOP infra-clínica. c, d) S. Stein-Leventhal.

[2,23]. Ambos os ovários têm volume normal ouaumentado, com proeminência do estroma central emúltiplos (> 10 por secção) e pequenos (< 10 mm dediâmetro) folículos dispostos à periferia - sinal do “colarde pérolas” [1,5,10,11] (Fig.10).

11. Síndrome de hiperestimulação do ovárioEste síndrome é uma complicação iatrogénica da induçãoda ovulação, que ocorre de forma idiopática ou apósaumento da dosagem da terapêutica de infertilidade [10].Ecograficamente, ambos os ovários têm volume muitoaumentado, com múltiplos quistos (foliculares, serosos,de parede fina e regular) de grandes dimensões.

Fig. 11 - Ecografia endovaginal. Síndrome de hiperestimulação do ovário. a, b) Ambos os ovários têm volume muito aumentado (17 e 18 cm dediâmetro bipolar), com vários quistos volumosos (8 cm). c, d) Na mesma doente, 2 semanas mais tarde, verifica-se redução volumétrica dos ovários(8 e 9 cm de diâmetro bipolar) e dos quistos.

Conclusão

Uma adequada integração clínico-laboratorial, associadaao conhecimento do vasto espectro de apresentaçõesmorfológicas e funcionais das estruturas anexiais erespectiva tradução ecográfica, permite o diagnósticoconfiante de diversas alterações benignas/funcionais,evitando-se investigações ou procedimentos diagnósticosadicionais, causadores de ansiedade, onerosos e muitasvezes invasivos.

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Frequentemente identifica-se apenas uma ínfimaquantidade de estroma ovárico (Fig. 11). Pode coexistirascite e derrame pleural (por hipoproteinémia e aumentoda permeabilidade capilar), com risco de desequilíbriohidro-electrolítico grave.

12. Síndrome do ovário remanescenteApós ooforectomia bilateral, habitualmente no decorrerde uma cirurgia tecnicamente difícil, pode permanecerinadvertidamente algum tecido ovárico residual. Oparênquima ovárico residual pode procurarvascularização em órgãos sensíveis e, sob estimulaçãohormonal, tornar-se funcionante e ser sede de patologia.

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CorrespondênciaRosana SantosCalçada do Moinho de Vento, 18, 3ºA1150-236 Lisboae-mail: [email protected]