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Page 1: Artigo Behaviorismo

Carlos Eduardo Cameschi

Lorismario Ernesto Simonassi

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Universidade de Brasília

Universidade Católica de Goiás

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Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Colina, Bloco B, ap. 33 CEP 70904-102, Asa Norte, Brasília (DF), e-mail:[email protected]ço: e-mail: . Trabalho realizado com apoio de bolsa do CNPq, processo no. [email protected]

Resumo

Abstract

Para contextualizar o debate entre a visão mentalista tradicional e o behaviorismo radical acercadas concepções de causa e explicação no discurso coloquial e filosófico, o presente artigo revisa ecomenta criticamente a teoria da ação de Peter Strawson, baseada em supostas ligaçõesindissociáveis entre os conceitos de crença, atitude e desejo. Considerando que tais termos sereferem a complexos processos comportamentais, tenta-se mostrar que eles podem ser concebidoscomo fenômenos naturais e que exprimem relações funcionais entre regras, comportamentooperante e operações estabelecedoras. Com isso, busca-se desmontar a distinção de Strawson entreos conceitos de causa e explicação. A ênfase é que, para o behaviorismo radical, o fato crucial é quenas contingências que promovem o conhecimento, não há nada além de estímulos e respostas,posto que não incluem processos mediadores.

Palavras-chave: causa explicação mentalismo behaviorismo radical

To contextualize the disagreement between the traditional mentalistic assumption and radicalbehaviorism about the concepts of causation and explanation, this paper presents a review and acritical analysis of Peter Strawson's action theory, based in supposed links between the concepts ofbelief, attitude, and desire. Such concepts can be seen as complex behavioral processes and asnatural phenomena which involve functional relations between rules, operant behavior andestablishing operations. We try to eliminate the Strawson's distinction between causation andexplanation. Our gist is that for radical behaviorism the important fact is that contingencies whichpromote the knowledge involve nothing more than stimuli and responses, without mediatingprocesses.

Key-words: causation explanation mentalism radical behaviorism

ISSN 1517-5545

2005, Vol. VII, nº 1, 021-037

Revista Brasileira deTerapia Comportamentale Cognitiva

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Causa e explicação: Debate entre o mentalismoe o behaviorismo radical

Causation and Explanation: Controversy Between Mentalismand Radical Behaviorism

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

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Em interessante ensaio recente sobre o queaconteceu com o behaviorismo, motivadopelo centenário do nascimento de B. F. Skin-ner, Roediger (2004) resume a história caricataem que muitos psicólogos cognitivistasparecem acreditar, qual seja que o behavio-rismo representa a Idade das Trevas superadapela Renascença, representada pela revoluçãocognitiva que conduziu a psicologia emdireção à luz. Após especular sobre algumasrazões do suposto declínio do behaviorismo,Roediger sugere que não há nada de erradocom ele e arrisca que a resposta mais radical aoferecer é que o behaviorismo é menosdiscutido hoje em dia porque, na verdade, elevenceu o debate intelectual. O fato curioso éque embora o autor se apresente como psicó-logo cognitivista, justifica seu entusiasmoapontando simplesmente que as análises eintervenções comportamentais funcionam e,para certos transtornos, como no autismo, elasrepresentam a única esperança (Roediger,2004).Chiesa (1994) elaborou um texto mais extensovisando também apontar e corrigir os erros epreconceitos recorrentes na literatura, queinsinuam o behaviorismo como uma visãounificada, além de supostamente superadapor uma nova visão de mundo, mas, naverdade, suas várias versões divergem emmuitas questões substantivas. Como otrabalho de Chiesa, o presente ensaio pre-tende esclarecer as concepções de causa eexplicação do behaviorismo radical, a visãofilosófica original elaborada por B. F. Skinner,que oferece uma alternativa científica aosmétodos que dominam as publicações nostextos e periódicos psicológicos.Na conversação cotidiana, com freqüência,emitimos opiniões sobre as origens doseventos que ocorrem no mundo e, com baseem certas relações óbvias ou sutis entre essesfatos, supomos que os entendemos. Ou seja,nosso discurso inclui muitas referências acausas e explicações dos acontecimentos e, emparte, considera-se que esses relatos e seusefeitos revelam o grau de conhecimento ou

consciência dos falantes e ouvintes. Entre-tanto, embora ocorram com certa facilidade,conceitos como causa, explicação, conheci-mento e consciência envolvem processos ver-bais complexos e sutis que desafiam ainda asanálises filosófica e científica. De fato, Chiesaassim resumiu o problema:

Também parece ser senso comum admitir quedurante a conversação, certos processos quese supõe ocorrerem na mente do falante, taiscomo idéias ou pensamentos, lembranças oumemórias, emoções ou sentimentos, são co-municados ao ouvinte, que passa a possuir, dealgum modo, os conteúdos de experiênciarelatados. Baum assim resume:

Para ilustrar uma visão mentalista em detalhes, selecionamos o trabalho

(Strawson, 1992/2002), cujo conteúdoreflete uma visão teórica geral semelhante àdivulgada por filósofos tais como Comte-Sponville (2000/2002), Hessen (1925/2000),

“O conceito de causa está explícita ou impli-citamente entrelaçado em muitos dos nossosmodos de falar sobre o mundo e no âmago daspráticas de muitas de nossas instituições jurídi-cas, políticas, econômicas, educacionais e cientí-ficas. Mas, a despeito deste uso generalizado, ésurpreendentemente difícil esclarecer o que écausa, como e quando ocorre, mesmo na ciênciaque, rigorosamente, exige provas cuidadosa-mente obtidas para demonstrar suas afirmaçõessobre relações causais” (Chiesa, 1994, p. 95).

“A concepção tradicional sustenta que, na comunicação, há algo que é passado de uma pessoapara outra. Etimologicamente, significa 'tornar comum'. O que se torna comum?Uma idéia, uma mensagem, um significado.Alguns psicólogos enfeitam essa concepçãocotidiana acrescentando que a idéia é codificadapelo remetente, transmitida em código para odestinatário, e depois decodificada por essedestinatário, que passa então a possuir a mensagem... Como todas as noções mentalistas, anoção cotidiana de comunicação nada acrescentaao que observamos, e nos impede umacompreensão melhor” (Baum, 1994, p. 103, itálicodo original).

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comunicação -

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1. Um Exemplo de Análise Conceitual Men-talista em Debate com o Behaviorismo Ra-dical

-Análise e Meta-

física

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

Nagel (1987/2001), entre outros que, emboradifiram nos detalhes da argumentação, man-têm a distinção ontológica dualista entre osprocessos naturais e os racionais (ou intelec-tuais). Strawson (1992/2002) articula as rela-ções entre ontologia, epistemologia e lógica,entre verdade e conhecimento, entre signifi-cado e compreensão, e esboça uma teoriacognitiva em que supõe que uma ação resultade ligações indissociáveis entre crença, atitu-de e desejo. Como esse seu esboço de teoriapsicológica tem grande importância em suaarticulação dos traços fundamentais de nossosistema de idéias, constitui o alvo central dapresente análise e justifica nossa escolha. Emseguida, Strawson avança para a análise dosconceitos de causação e explicação para, en-tão, proceder ao exame das idéias de liberdadee necessidade que, em sua opinião, certamen-te figuram entre os elementos-chave do nossoequipamento conceitual. De acordo com ele,

A distinção traçada por Strawson parece serentre a suposta relação natural de causalidadeentre coisas na natureza (que o behaviorismoradical descreve como contingências de re-forço mantidas pelos sistemas físicos e sociais)e a relação explicativa entre fatos ou verdades(considerada “não-natural”) que, para o beha-viorismo radical, são exemplos naturais decomportamento verbal. Por que a primeirarelação é concebida como natural e a segundanão? Essa distinção e outras a ela relacionadas,embora aparentemente simples, têm sidoobjeto de análises e debates filosóficos aolongo dos últimos séculos que desafiam umresumo eficiente. Um cientista e filósofo que,ao longo de sua carreira, se ocupou com osconceitos de causa e explicação em ciência foiSkinner (1953; 1969; 1974). Zuriff (2002) resu-miu suas contribuições à ciência e filosofia emtrês níveis profundos:“Às vezes presumimos, ou diz-se que presu-

mimos, ser a causalidade uma relação naturalmantida entre eventos ou circunstâncias parti-culares no mundo natural, tal como acontece coma relação de sucessão temporal ou de proxi-midade espacial. Associamos também, correta-mente, causalidade com explicação. Mas se acausalidade é uma relação mantida no mundonatural, a explicação é um caso diferente. Aspessoas explicam coisas para si ou para outras, eisso é algo que acontece na natureza. Mastambém falamos que uma coisa explica (ou que éa explicação de) outra coisa, como se explicarfosse uma relação entre coisas. E é mesmo. Masnão uma relação natural no sentido em queconsideramos a causalidade como uma relaçãonatural. É uma relação intelectual, racional ouintencional . Não é uma relação mantida entrecoisas no mundo natural, às quais podemos atri-buir lugar e tempo na natureza, mas entre fatosou verdades. Os dois níveis de relação sãofreqüente e facilmente confundidos no pensa-mento filosófico porque não estão bem distingui-dos no pensamento corrente ou não-filosófico. Enão são claramente distinguidos pelo pensa-mento corrente, porque fazer a distinção nãoteria muitas vezes um objetivo prático. Todavia,na medida em que nosso objetivo filosófico éentender o pensamento não-filosófico, o melhor é

termos conhecimento da distinção” (Strawson,1992/2002, pp.143-144).

“Primeiro: suas brilhantes interpretações behavioristas do mundo mental. Estas incluem interpretar os conceitos mentais tais como ,

e em termos de contingências e histórias de reforço, sua incorporaçãodos no behaviorismo para explicar os elaborados naprimeira pessoa e sua

. Segundo: sua concepção de teoria eteorização psicológica que inclui, de um lado,oposição às inferências teóricas hipotéticas, asubstituição de (causa) por

, a noção de como um conjuntoparcimonioso de leis e a de como

e ; de outro, temos sua visão deque a prática científica efetiva consiste empermanecer próxima aos dados e observação, suaoposição ao método hipotético-dedutivo, sualiderança na promoção de uma ciência docomportamento autônoma e sua

como o . Terceiro: sua filosofia social e as idéias sobre a aplicação da tecnologia comportamental, com ênfaseno controle comportamental, oposição ao uso dapunição e aos conceitos tradicionais tais como'liberdade' e 'responsabilidade pessoal' que julgava atrapalhar o progresso humano (Zuriff,2002, p. 369, itálicos acrescentados)

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significadopropósito, expectativa -

eventos privados -relatos de episódios internos

epistemologia comporta-mental

determinação relaçãofuncional teoria

explicaçãopredição controle

interpretação daciência comportamento dos cientistas -

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.

3Este conceito, formulado por W. O. Quine, filósofo norte-americano, é um modo econômico de se referir a processos que se supõeocorrerem na mente quando buscamos explicar a distinção entre o natural e o intelectual, empregando de modo bem liberal noções taiscomo pensamentos, significados, propósitos, conhecimento, necessidade lógica ou semântica, etc (Strawson, 1992/2002). Portanto,resume os conceitos do mentalismo.

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Conforme Skinner (1969), as origens do co-nhecimento podem ser resumidas com basena distinção entre comportamento modeladopor contingências, comportamento gover-nado por regras e suas interações, como segue:

Esta distinção permite compreender a dife-rença entre aprender por “entendimento”(modelagem por contingências) e por “descri-ção” (governado por regras) e que, no primei-ro caso, o comportamento é muito mais sutil eefetivo do que no segundo porque as regrasnunca descrevem completamente as contin-gências e, portanto, ambos produzem diferen-tes estados corporais tanto quanto os senti-mentos que esses estados engendram(Skinner, 1989).

Strawson (1992/2002) considera como tarefaprincipal do filósofo (a tarefa metafísica) res-ponder às perguntas: quais são os conceitos ecategorias mais gerais que organizam nossopensamento, nossa experiência, acerca domundo? E como se relacionam entre si dentroda estrutura total do pensamento? O projetode Strawson, que julgamos correto, visa mos-trar que a teoria geral do ser (a ontologia), ateoria geral do conhecimento (a episte-

mologia) e a teoria geral da proposição, do queé verdadeiro ou falso (a lógica) não são senãoapenas três aspectos de uma única inves-tigação unificada (Strawson, 1992/2002).Para os objetivos do presente trabalho, ressal-tamos a relação entre experiência sensível eobjetos materiais e a ênfase de Strawson deque devemos conceber como algo no mundo aexperiência que um sujeito tem do mundo,como uma parte do mundo e da história dessesujeito, mas também como uma experiênciado mundo, e, portanto fonte de juízos obje-tivos a seu respeito (Strawson, 1992/2002). Etambém, que esses objetos que retêm suaidentidade (incluindo as pessoas) com suasmudanças, relações e interações, constituemou fornecem o quadro unitário espaço-tem-poral do nosso mundo, conforme refletidos nalinguagem como referentes primários dosnomes e frases nominais (Strawson,1992/2002).Para sustentar as principais linhas de conexãoe interdependência que, para Strawson, mantêm coesos os conceitos fundamentais de nossa estrutura geral das idéias, ele passa a confrontá-la com uma abordagem, ou família deabordagens, completamente diferente quantoa esta estrutura geral que, segundo o autor,dominava até há pouco a tradição empiristabritânica da filosofia. Conforme Strawson(1992/2002), de acordo com essa tradição, aestrutura geral das nossas idéias deriva deuma pequena região da própria estrutura.Esta parte fundamental da estrutura é concebida como básica e não derivada, como(Strawson, 1992/2002, itálico do original), econsiste numa seqüência temporalmenteordenada de estados mentais subjetivos,incluindo experiências sensórias na mente dosujeito. E, ainda, com base na separação brusca entre experiência sensível e juízo (crenças),os estados mentais são concebidos de modobastante estreito como impressões ou imagensde qualidades sensórias simples, isoladas ouem combinação. Conforme o autor, esta tradição mentalista, subjetivista, ou seja, internalista, iniciada por Descartes, de um modo ououtro dominou o empirismo de Locke, Ber

“( ) certos sistemas mantêm certas contin-gências de reforço: uma parte do ambiente natu-ral, os instrumentos no laboratório de pesquisaou um grupo cultural; ( ) o comportamento for-mado e emitido por ser reforçado nessas intera-ções; ( ) regras derivadas das contingências:ações verbais que descrevem ocasiões, respostase conseqüências; e ( o comportamento evocadopelas regras. Uma ação em quase nunca é igualà de porque as regras em jamais serãodescrições completas das contingências em . Asrelações em e são efêmeras e sobrevivemapenas nossos registros delas que, em geral, estãosob o controle de diferentes estados motiva-cionais, subjetivos só porque são típicos de certaspessoas e suas histórias particulares, enquantoe são objetivos e duráveis. As regras de sãoestímulos verbais e suas relações com ofuscamos efeitos em e , dizendo-se que é aquilosobre o que uma pessoa ' o' eé ' '” (Skinner, 1969, p. 160, itálicosacrescentados).

A

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AB D A

adquire conheciment Cconhecimento

A) Esboço de uma Teoria Cognitiva da Açãoe Análise de sua Natureza Comportamental

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-dada

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keley e Hume, que tentaram, por diferentesmeios, construir, justificar ou explicar a nossaimagem geral do mundo apoiados na estreitabase constituída pela sucessão de estadosmentais subjetivos (Strawson, 1992/2002).Oposto à tradição acima, conforme Strawson,o externalismo defende a idéia de que ascaracterísticas, as relações e o comportamentodos corpos, incluindo os corpos humanos, noespaço, são, ou parecem ser satisfatoriamentedefinidas e observáveis, enquanto a vidamental ou interior parece ser elusiva eindefinida, não disponível para inspeçãopública ou verificação científica. Strawsonequipara o externalismo à abordagem sólidaou científica, mas, para ele, tentar efetuar umaredução externalista da experiência perce-ptiva não é apenas intrinsecamente absurdo;refuta-se a si próprio, pois atinge a própriarazão que torna o externalismo atrativo: isto é,a natureza satisfatória e definitivamente ob-servável da cena física pública. Assim, umareceita corretiva útil para as dúvidas acerca dointerior não é olhar dentro, mas olharexteriormente: “a plena descrição do mundofísico como percebido fornece inciden-talmente e ao mesmo tempo uma completa erica descrição da experiência subjetiva dopercepiente” (Strawson, 1992/2002, p. 103).Strawson (1992/2002) sugere que a distinçãoentre internalismo e externalismo remete auma distinção filosófica tradicional antiga queLeibniz expressou ao distinguir entre ver-dades de razão e verdades de fato, que Russell(s.d./2001) esclarece ao comentar que paraLeibniz, tudo no universo acontece por umarazão suficiente, mas admitia o livre-arbítrio,no sentido em que as razões pelas quais o serhumano age carecem da rígida compulsão danecessidade lógica. Outros filósofos falaramde verdades lógica ou semanticamentenecessárias, em contraste com verdadescontingentes; ou, talvez de modo mais estrito,de verdades analíticas e verdades sintéticas(Kant, 1781/1983). Conforme Strawson(1992/2002), as noções de verdades de razão,lógicas ou semanticamente necessáriasilustram as “noções intencionais” ou “inten-

ções” que, para o externalismo, são suspeitasporque estão encharcadas de mentalismo. En-tretanto, Strawson argumenta que o exter-nalismo não pode reconstruir, com baseapenas em eventos e objetos observáveis defora, a distinção entre o que é lógica ou seman-ticamente necessário e o que é lógica e seman-ticamente contingente. Sustenta que não sepode fugir a uma certa dose de mentalismo,tanto na teoria do significado como na teoriada percepção, embora não esclareça essa im-possibilidade. Mas sugere abandonarmos oque considera como duas perversões filo-sóficas: “o empirismo clássico, ou o que pode-ria ser chamado de mentalismo desenfreado,de um lado, e o externalismo, ou o que poderiaser chamado de fisicalismo desenfreado, deoutro” (Strawson, 1992/2002, p. 104).Tanto quanto Strawson, Skinner (1945/1984,1969, 1974) criticou com eloqüência a própriadistinção entre externalismo e internalismo,tendo em vista que a pele não é assim tãoimportante como fronteira e critério paraseparar diferentes processos, bem como comsua distinção entre comportamento modeladopor contingências e comportamento gover-nado por regras ofereceu um contexto teóricopara superar as distinções entre “verdades defato” e “verdades de razão” (Skinner, 1957;1969). Com respeito aos exageros do exter-nalismo, Skinner (1974) referiu-se ao beha-viorismo metodológico - ou seja, às várias for-mas de psicologia S-R que compartilham anoção de causa como essencialmente antece-dente ao comportamento, inclusive a psicolo-gia cognitiva (ver Day, 1983) - como uma ver-são psicológica do positivismo ou operacio-nismo lógico (fisicalismo, conforme Straw-son), embora reconheça que se preocupamcom questões diferentes. Skinner refuta vigo-rosamente a alegação do positivismo lógico deque, como dois observadores, não podem con-cordar acerca do que ocorre no mundo damente; então, do ponto de vista da ciência dafísica, os acontecimentos mentais são“inobserváveis”. E acrescenta que precisa sermais bem esclarecida a afirmação de que os

Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

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behavioristas negam a existência de sentimen-tos, sensações, idéias e outros traços da vidamental (Skinner, 1974).Conforme Skinner, o behaviorismo metodo-lógico excluiu os acontecimentos privados pornão ser possível um acordo público acerca desua validade, mas o behaviorismo radicaladota uma linha diferente, pois não nega apossibilidade da auto-observação ou doautoconhecimento nem sua possível utilida-de, apenas questiona a natureza daquilo que ésentido ou observado e, portanto, conhecido.Portanto, também restaura a introspecção,mas não aquilo que os filósofos e os psicólogosintrospectivos acreditavam “contatar” e, as-sim, levanta o problema de quanto de nossocorpo e sob quais condições podemos real-mente observar (Skinner, 1974). Ele esclareceque o que é sentido ou introspectivamenteobservado não é nenhum mundo imaterial daconsciência, da mente ou da vida mental, maso próprio corpo do observador, ou mais exata-mente os produtos colaterais das histórias ge-nética e ambiental da pessoa (Skinner, 1974),pois somente sob tipos especiais de contin-gências verbais podemos responder a certascaracterísticas de nosso corpo (Skinner, 1989).E sobre os exageros do internalismo, Skinner(1974) aponta que o mentalismo, ao forneceruma aparente explicação alternativa, man-tinha a atenção afastada dos eventos externosantecedentes que poderiam explicar o com-portamento, enquanto que o behaviorismometodológico fez exatamente o contrário aolidar exclusivamente com os acontecimentosexternos antecedentes: desviou a atenção daauto-observação e autoconhecimento. Paraele, o behaviorismo radical restabelece umcerto tipo de equilíbrio, não insiste na verdadepor consenso e pode, por isso, considerar osacontecimentos que ocorrem no mundoprivado dentro da pele, pois não os considerainobserváveis e nem os descarta comosubjetivos, mas simplesmente questiona anatureza do objeto observado e a fidedig-nidade das observações (Skinner, 1974). Estavisão filosófica sustenta que tanto o mundoexterno quanto o interno são da mesma natu-

reza e a diferença consiste no acesso a essesobjetos de observação. Conforme a brilhanteanálise de Abib (1997), o problema não estásituado na ontologia ou na estrutura da reali-dade, mas sim na epistemologia, ou seja, se oseventos privados existem e são da mesmanatureza dos eventos públicos, o problema éde acesso e, sendo assim, trata-se de encontrarum método para conhecê-los.Baum (1994) esclarece que todas as ciênciasestudam eventos naturais, tais como objetosem movimento, reações químicas, crescimento de um tecido, estrelas que explodem, seleção natural, ou ação corporal. A análise comportamental não é diferente, e os eventos naturais específicos de seu interesse são aquelesatribuídos a organismos vivos e íntegros. Eleassim ilustra: “Se eu disser , essaverbalização (evento) é atribuída a mim; ela é,digamos, meu relato de que . E sepode dizer o mesmo com respeito aos eventosprivados. Se eu pensar

, esse evento é atribuído a mimenquanto organismo como um todo e, ambos,são exemplos do que designamos como

” (Baum, 1994, p. 30, itálicos dooriginal). Portanto, os eventos públicos sãoaqueles que podem ser relatados por mais deuma pessoa, enquanto os privados podem serrelatados apenas pela pessoa que os experimenta, como quando relatamos nossos pensamentos ou sentimentos. Para o behaviorismo radical essa distinção tem pouco significado, sendo a única diferença irrelevante onúmero de pessoas que podem relatá-los. Foraisso, são eventos do mesmo tipo, possuem asmesmas propriedades, e, portanto, para Skinner os eventos privados são naturais e, sobtodos os aspectos, semelhantes aos eventospúblicos (Baum, 1994).O comportamento verbal é, de longe, a avenida mais conveniente para se ter acesso a qualquer coisa que seja considerada um aspectosignificativo do conhecimento humano, incluindo o autoconhecimento (Day, 1969).Conforme Day, a característica mais salientedesta nova epistemologia pode resultar da

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O céu está azul

O céu está azul

O carro está fazendo umbarulho novo

comportamento

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análise psicológica do comportamento, público e privado, de cientistas, professores, eoutras pessoas que razoavelmente se considera que sabem sobre ou conhecem as coisas.De modo mais especifico, ela envolve a análisedas variáveis controladoras do comportamento verbal em quaisquer usos interessantese significativos da palavra e outros conceitos relacionados, e que a preocupação não é se o que o falante diz é ou nãoverdade, mas o que o levou a dizer o que disse.Basicamente, qualquer um é livre para falar oque quiser, que alguém diz o que pode dizer eque disse o que quis dizer. Em princípio, tudoisto é aceitável para o behaviorista radical,uma vez que o que se diz é uma manifestaçãodo complexo funcionamento humano e, porisso, um legítimo objeto de investigaçãocomportamental. Portanto, ao estudá-lo, o behaviorista deve tentar descobrir as variáveisque controlam o que se falou e, neste sentido,mesmo a linguagem mais mentalista pode sercompreensível e valiosa (Day, 1969).O que Day sugere não é simplesmente uma“tradução” do mentalismo para o behaviorismo, mas, visando construir e consolidar aciência do comportamento, a análise deve irbem além de meras inferências sobreconteúdos privados, buscando sistematicamente descobrir e descrever as variáveis controladoras de comportamentos tão complexosquanto o de elaborar teorias e discursos filosóficos. E à medida que análises funcionaisfrutíferas sejam descritas, podem revelar nãoapenas as limitações das interpretações causais do mentalismo, mas também a força dessaanálise no entendimento desses processoscomo avanços na concepção decomo e .Voltando a Strawson (1992/2002), ele con-sidera óbvio que existem muitos traços geraise fundamentais de nosso sistema de idéias,entre eles as noções de agência e sociedade:somos agentes (isto é, seres capazes de ação) eseres sociais. Segundo ele, o que torna inte-ligível o conceito de ação e põe o nosso papelcomo seres cognitivos em relação com o nossopapel como agentes é termos atitudes

favoráveis ou desfavoráveis para com estadosde coisas que acreditamos existirem de fato nopresente ou que achamos possíveis ou pro-váveis no futuro. Assim, para Strawson:

Entretanto, o conceito de comportamento ver-bal como comportamento operante, formu-lado por Skinner (1957), recobre grande partedas distinções e conceitos mencionados, taiscomo: “traços gerais e fundamentais de nossosistema de idéias”, “crenças”, “seres cogni-tivos”, “atitudes favoráveis ou desfavorá-veis”. Ele assim começa:

Portanto, as “atitudes favoráveis” ou “desfa-voráveis” surgem de conseqüências que têm,respectivamente, as mesmas característicasafetivas (isto é, as “favoráveis” são reforça-doras e as “desfavoráveis” são punitivas), e ascrenças podem ser descritas como regras queorientam o que fazer ou deixar de fazer. Emresumo, aprendemos a seguir regras à medidaque tais ações operantes são reforçadas porconseqüências naturais e/ou sociais, ou açõesnão condizentes com elas são punidas e, para-lelamente a esse processo, também aprende-mos a formular regras igualmente sob o con-trole de contingências naturais e sociais de re-forço e punição (Baum, 1994). O compor-tamento verbal é modelado pela comunidadeverbal e, dessas interações sociais, deriva nos-

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conhecimento --

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explicaçãopredição controle

“As ações têm origem na combinação de crença eatitude relevantes: ao originar-se de uma com-binação de crença e atitude que uma ação inten-cional é a ação que é. Elas visam o cessar ou evitarestados de coisas desfavoráveis, presentes oufuturos, e perpetuar ou criar estados de coisasfavoráveis, presentes ou futuros; é dessa maneiraque se direcionam à luz de nossas crenças” (Stra-wson, 1992/2002 p. 105).

“Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez são modificados pelas conse-qüências de sua ação. Alguns processos que osseres humanos compartilham com outras espé-cies alteram o comportamento para que ele obte-nha um intercâmbio mais útil e mais seguro emdeterminado meio ambiente. Uma vez estabe-lecido um comportamento apropriado, suas con-seqüências agem através de processos seme-lhantes, para permanecerem ativas. Se, por acaso,o meio se modifica, formas antigas de compor-tamento desaparecem, enquanto novas conse-qüências produzem novas formas” (Skinner,1957, p. 1).

Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

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sa capacidade de formular regras e agirmoscomo “seres cognitivos”, na medida em quepodemos descrever para nós ou para outraspessoas nosso próprio comportamento (e o deoutras pessoas) e seus motivos, causas ou ra-zões, isto é, o complexo contexto antecedenteimediato e remoto, descritos tecnicamente co-mo estímulos discriminativos e eliciadores,bem como suas conseqüências reforçadoras.Quando exemplos desses comportamentosverbais ocorrem, diz-se que a pessoa tem auto-consciência ou consciência dos outros e suasintenções (Skinner, 1969) ou, em outras pala-vras, certas “contingências práticas levam aspessoas a apresentar, umas às outras, pergun-tas que resultam na auto-observação que de-nominamos consciência; outras perguntas ge-ram o comportamento de autogoverno a quedamos o nome de pensamento. Juntos, elesconduzem à ciência” (Skinner, 1989, p, 53).Strawson (1992/2002) também enfatiza que osconceitos de coisas que ocupam espaço nomundo e o conceito da nossa posição perceptual em relação a eles estão permeados pelaspossibilidades de ação que permitem ouinibem e insiste em que ao aprender a natureza das coisas, aprendemos as possibilidadesde ação e vice-versa. Para ele, as duas aprendizagens são inseparáveis de modo que a consciência de que a situação admite certas possibilidades de ação é a outra face da consciênciada limitação daquelas possibilidades. E nem épreciso salientar o quanto aprendemos sobreo mundo por manipulação, que assim ilustra:“O conceito de uma porta é-me dado na

aquilo que me permite passar paradentro ou para fora de um prédio ou de umasala, e na , que me permite excluira vista ou o som do que está do outro lado”(Strawson, 1992/2002, p. 106). Não parecehaver dúvidas de que o autor está sustentando, como eventos causais, os conseqüentese os antecedentes que controlam o comportamento operante e os subprodutos verbaisque resultam dessas interações.Mas, além da conexão íntima entre o conceitode objetos e o conceito de ação, Strawsonenfatiza uma ligação importante entre o con-

ceito de crença e o de ação, pois considera quea ação deriva de uma combinação de crença edesejo. Então, pergunta “O que é possuir umacrença?”. Para ele, uma crença acerca domundo envolverá freqüentemente uma cons-ciência dos modos possíveis de atuação paraevitar o que queremos evitar e realizar os finsdesejados. Portanto, um primeiro passo para oentendimento do conceito de crença pode serdado dizendo-se que: “acreditar em algo(honestamente) é, pelo menos em parte, estarpreparado, se houver oportunidade, para agirde modo apropriado” (Strawson, 1992/2002,p. 108). Mas, como efetuar corretamente aconexão entre crença, desejo e ação, ou dispo-sição para agir, é um problema que reco-menda e deixa ao cuidado do leitor. Contudo,insiste que nenhum desses três elementospode ser devidamente compreendido, oumesmo identificado, senão em relação aosoutros. Finalmente, todos esses desenvol-vimentos cognitivo, conceitual e comporta-mental ocorrem num contexto social (emparticular, a aquisição da linguagem, sem aqual é inconcebível o pensamento desenvol-vido, que depende do contato interpessoal eda comunicação), de modo que cada um devever a si próprio numa relação social em queseu propósito interage com os de outros.Esses últimos argumentos de Strawsonsituam-se no campo da motivação, especial-mente as referências ao desejo e suas conexõescom crença e ação. Este campo é abordado nobehaviorismo radical por meio do conceitomais técnico e preciso de operações estabe-lecedoras (OE) porque o conceito de “moti-vação”, como um termo da linguagem colo-quial, pode apresentar ambigüidades em suasvárias acepções jurídica, lingüística, semióticae psicológica (Cunha & Isidro-Marinho, 2005).Conforme estes autores, uma OE é uma variá-vel ambiental definida em função de seus doisprincipais efeitos, denominados de efeitoestabelecedor do reforço e efeito evocativo, ouseja: é um evento ambiental que está correla-cionado filogenética ou ontogeneticamentecom a eficiência do reforço ou da punição e

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ação deabrir

ação de fechar

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que evoca ou suprime um tipo de compor-tamento que tenha sido reforçado ou punidopor esse evento, sendo as operações de priva-ção e saciação exemplos do conceito (Cunha &Isidro-Marinho, 2005).Quando uma OE altera o valor reforçador deum evento filogeneticamente importante, trata-se de exemplo de

(eg. privar ou saciar umorganismo de água ou alimento induz comportamentos que conduzem, respectivamente, ao beber e comer ou à rejeição de líquidos ealimentos). As

são de origem ontogenética e, portanto, relacionadas à história de reforçamentode cada pessoa e são classificadas como: 1) OEcondicionada se um estímulopreviamente neutro precede uma OE incondicionada ou condicionada ele adquire a característica motivacional da OE com a qual foiemparelhado; 2) OE condicionada :trata-se de relação um pouco mais complexa,onde um estímulo sistematicamente precede aapresentação de um estímulo aversivo e, se oprimeiro estímulo é removido contingente àemissão de uma resposta, a apresentação doestímulo aversivo é cancelada. Os procedimentos de esquiva sinalizada são exemplosdeste tipo de OE; 3) OE condicionada

: a efetividade de muitas formas de reforçadores positivos condicionados pode depender de uma condição de estímulo antecedente,durante a qual foi estabelecida a eficácia desses reforçadores positivos condicionados (verdetalhes em Cunha e Isidro-Marinho, 2005).Com base nos conceitos de operações estabelecedoras, regras e comportamento operante,podemos sugerir como ocorre a “conexão entre crença, desejo e ação” deixada por Strawson (1992/2002) para o leitor. Uma crençaseria uma regra do tipo “se esta ação ocorrerproduzirá tal resultado”, que exerce funçõesde (quando estabelece ocontexto para uma ação ocorrer ou não) e

(isto é, quando temfunção evocativa). O desejo pode ser entendido como efeito de uma privação natural oucondicionada de modo que, se uma crença

particular descreve uma ação que pode produzir um resultado desejado, a probabilidadeda ação (“atitudes favoráveis ou desfavoráveis”, para Strawson) atinge um máximo e aação tende a ocorrer efetivamente.

Strawson (1992/2002) analisa o conceito deverdade com base na disputa entre duas teo-rias: a teoria da correspondência, segundo aqual uma crença é verdadeira se e somente secorresponde a um fato, a um estado de coisasobjetivamente existente; e a teoria da coerên-cia, segundo a qual uma crença é verdadeirase e somente se é um membro de um sistemade crenças mantidas que seja coerente, consis-tente e compreensivo. Para o teórico da corres-pondência, segue Strawson, um aspecto fun-damental de qualquer sistema ou estruturaindividual de crença é o fato (sic) de ser acercade uma realidade concebida como existindoindependentemente das crenças a seurespeito. Strawson não menciona que esteaspecto remete à tese básica do realismo filo-sófico desde Tales de Mileto no século VI a.C.(Baum, 1994), e sim que o teórico da coerênciainsiste na interdependência das partes da es-trutura porque não se pode corrigir uma cren-ça sem formar outra (Strawson, 1992/2002).O autor considera que ambas têm méritos, nãoestão em conflito e devem ser apoiadas, masalega que a obviedade da correspondênciapode induzir uma imagem confusa e emúltima análise contraditória de acesso

aos fatos, à realidade. Contra essavisão, a teoria da coerência insiste em que nãohá contato cognitivo com a realidade, nem,portanto, conhecimento dela, que não envolvaformar uma crença, fazer um juízo e recorrer aconceitos (Strawson, 1992/2002). Ele sustentaque a noção de verdade serve de ligação entrea teoria do conhecimento e a teoria do significado, que teria máximo interesse e valor explicativo ao mostrar como os significados dassentenças são sistematicamente determinadospelos significados de seus elementos constituintes e pelas formas de sua combinação, mas

-operação estabelecedora

incondicionada--

operações estabelecedoras condi-cionadas -

substituta:--

reflexiva

-

transi-tiva -

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estímulo discriminativo

operação estabelecedora-

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sem-conceito

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B) Verdade e Conhecimento

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também deve explicar como compreendemosos significados assim determinados. Segundoele, a noção de compreensão fornece outraligação se a pensarmos como a apreensão decondições de verdade, de modo que umateoria geral das condições de justificação paraafirmar ou negar proposições vem a serprecisamente o que se entende por teoria doconhecimento. Mas, considera que, emborapouco se possa objetar a essas idéias simples,elas podem conduzir ao engano acerca dosconceitos de verdade e de conhecimento.Certamente, pois o behaviorismo radical sus-tenta que “os significados, conteúdos e refe-rências devem ser procurados entre os deter-minantes, não entre as propriedades, da res-posta” (Skinner, 1984, p. 548). Em sua breveanálise do significado das palavras faladas ouescritas, Nagel (1987/2001) reconhece que omistério do significado é que ele, aparen-temente, não se situa em nenhum lugar - nemna palavra, nem na mente, nem em nenhumconceito ou idéia pairando entre a palavra, amente e as coisas sobre as quais estamosfalando. Mas, corretamente, considera quesem dúvida é importante o fato de que a lin-guagem seja um fenômeno social e que quan-do a aprendemos ingressamos em um sistemajá existente há séculos (Nagel, 1987/2001).Strawson (1992/2002) questiona a noção deverdade como “correspondência semânticaentre palavra e mundo” porque surgem difi-culdades em sustentar a relação quando orefe-rente não pode ser encontrado no mundoconcreto . Esta teoria se defende ao julgar queos juízos morais, as equações matemáticas e astautologias da lógica não são enunciados ouproposições e, portanto, não são verdadeirosou falsos. Embora tenham relação com omundo natural, eles não se relacionam com elecomo enunciados a seu respeito, mas comoinstruções para agir no mundo, fazer cálculosou raciocinar acerca do mundo. A reaçãooposta consiste em adotar o platonismo eaceitar a existência de qualidades “não-natu-

rais” ou de relações na esfera moral. A primei-ra limita o conceito de verdade, enquanto quea segunda estica ou expande o conceito derealidade ou de mundo, mas ambas têm sidoinsatisfatórias porque partilham o questio-nável pressuposto do modelo simples da cor-respondência palavra-mundo. Para Strawson,o modelo deve ser tomado como ponto departida desde os casos primários ou básicos daverdade e, então, avançar para explicar comoé possível e legítimo estender a noção deverdade para além desses limites sem ali-mentar mitos ou ilusões. Desse modo, pode-secompreender e aceitar sem dificuldade anoção de verdade a proposições que não sãosimples registros de fatos naturais, mas de-sempenham um papel diferente e mais com-plicado em nossas vidas (Strawson, 1992/2002). Certamente desempenham: sua funçãocomo regras não deve ser subestimada, con-forme sugere Skinner ao afirmar que:

A análise de Strawson, embora densa e persuasiva, mostra-se pouco parcimoniosa aosupor ligações entre conceitos tais como conhecimento, significado, verdade e compreensão, empregados de um modo bem liberal.Eliminando os pressupostos realistas dacorrespondência e os mentalistas da coerência, reconhecendo que são, sobretudo, exemplos de comportamento verbal, as duas teoriaspodem se revelar complementares, pois aprimeira envolve comportamento verbal sobo controle de um fato público, enquanto a

4

“A lógica e a matemática possivelmente ori-ginaram-se de contingências simples de refor-çamento. A distinção entre e e a relaçãoentre e são características do mundofísico, e os números devem ter aparecido pelaprimeira vez quando as pessoas começaram acontar coisas. Uma vez que as regras foram for-muladas a esse nível, porém, novas regras come-çaram a serem derivadas delas, e as contin-gências práticas logo ficaram para trás. Váriosmatemáticos dizem que o que fazem não temabsolutamente nenhuma referência ao mundoreal, a despeito dos usos práticos dos sistemasmatemáticos” (Skinner, 1989, p. 42).

é não ése então

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4Conforme o behaviorismo radical, os significados estão em algumas das propriedades das contingências e as correspondênciaspalavra-mundo criam a ilusão de que as palavras carregam em si mesmas os significados. Conforme Moore (2000b), as palavras nãosubstituem as coisas. Ou seja, uma mesma palavra pode ocorrer em diferentes contextos que são os determinantes dos seus significados(Skinner, 1957).

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outra envolve comportamento verbal sob ocontrole de outros exemplos de comportamento verbal, isto é, outras “crenças” ou regras que não impliquem em contradições. Emexemplos mais complexos, a correspondênciapode ser ilustrada por meio da descrição deuma que, de acordo com a noção de de Skinner como um conjuntoparcimonioso de leis, ilustra a coerência seestiver de acordo com esse conjunto de leis oua necessidade de corrigir a teoria se revelar alguma contradição lógica ou empírica inaceitável.Em resumo, é trivial que o contato sensorialcom o mundo pode ser o início do conhe-cimento, mas contato não é suficiente. Umapessoa conhece o mundo e como se comportarnele, à medida que adquire o comportamentoque satisfaz as contingências que o mantém, ea distinção entre regras e contingências equi-vale à distinção entre variáveis controladorasdistintas responsáveis pelos diferentes“significados” dos comportamentos. As re-gras [leis] da ciência são públicas, sobrevivemaos cientistas que interagem com sistemas dereforço e, assim, adquirem repertórios discri-minativos cuja descrição as tornam dispo-níveis a outros cientistas que são, por sua vez,guiados por elas (Skinner, 1969). Mas essasregras não descrevem o que se passa nomundo “lá fora”, independentemente da ex-periência do cientista que, no início, as apren-de com a comunidade científica - fatos, leis eteorias (estímulos especificadores de con-tingências) e, depois, as corrige através de suaexperiência sempre em curso (Abib, 1993b).Portanto, as leis da ciência não descrevem arealidade, mas sim a experiência do cientista eele ou outros as empregam fazendo prediçõesacerca do que pode acontecer sob determi-nadas condições iniciais conhecidas. E, assim,quem segue as leis da ciência não é a natureza,mas sim os cientistas ao agirem de acordo comelas para prever e produzir os efeitos práticosde interesse (Skinner, 1969).Strawson (1992/2002) avança na análisecrítica da teoria do conhecimento questionan-do a metáfora dos fundamentos, segundo a

qual uma classe especial de proposições, a sa-ber, as proposições da observação correnteconstituem a evidência última, as razõesderradeiras (os fundamentos ou a justificação)para aceitarmos como verdadeiras outras coi-sas que dizemos conhecer. Após mostrar osequívocos a que muitos filósofos sucumbiramadotando a metáfora, Strawson sustenta queexiste uma verdade mais geral e interessante aser recuperada dessas ruínas:

E de modo muito coerente com o behavio-rismo radical, a despeito da diferença em ter-minologia, para Strawson, o ponto a serenfatizado é a natureza operante e contínua daexposição do indivíduo ao mundo. A todo omomento, nosso sistema de conhecimento (oucrença) tem de acomodar as crenças que aexperiência corrente (ou a observação cor-rente) provoca em nós nesse momento deforma tal, que os estados subseqüentes denosso sistema de crença são o resultado de umprocesso continuado de acomodação àsincessantes pressões da experiência. Por fim,ele acrescenta não uma intuição teórica oufilosófica, mas um preceito estritamente prá-tico, um convite à crítica muito salutar, poisavesso ao dogmatismo e também coerentecom o pragmatismo behaviorista:

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relação funcional -teoria

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“A formação do corpo de crenças do indivíduo -a formação da sua imagem do mundo - é oresultado causal da sua exposição ao mundo e dainteração com ele, incluindo a educação recebidade outros membros da comunidade; e é evidenteque essa exposição envolve observação (ver eouvir). Em algum ponto do processo emerge opoder da reflexão crítica e autoconsciente. Talveznão se possa dizer que o indivíduo possua umcorpo de crenças anterior a esse poder. Mas comcerteza não diremos que esse poder emerge antesdo in-divíduo possuir um corpo de crenças.Wittgens-tein disse muito bem: “Quandocomeçamos a acreditar em algo, aquilo em queacreditamos não é uma proposição isolada, é umsistema in-teiro de proposições. A luz pouco apouco ilumi-na o todo” (Strawson, 1992/2002,pp. 126-127).

“Nem toda crença mantida ou informação pre-tendida pode ser verificada ou testada através dotestemunho de nossos olhos e ouvidos; mas algu-mas podem e devem sê-lo. O ceticismo radical euniversal (isto é, filosófico) é na pior das hipó-teses sem sentido; na melhor, vazio. Mas um ceti-

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cismo prático e seletivo é sábio, particularmentequando o que está em questão são as asserções departes interessadas ou de pessoas com opiniõesfortemente partidárias ou ideológicas, apesar doseu desinteresse no plano pessoal” (Strawson,1992/2002, pp.127-128).

“Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência; do contrário,por meio do que a faculdade de conhecimentodeveria ser despertada para o exercício senãoatravés de objetos que toquem nossos sentidos eem parte produzem por si próprios representações, em parte põem em movimento a atividade do nosso entendimento para compará-las, conectá-las ou separá-las e, desse modo, assimilar amatéria bruta das impressões sensíveis a umconhecimento dos objetos que se chama experiência? Segundo o tempo, portanto, nenhumconhecimento em nós precede a experiência, etodo o conhecimento começa com ela” (Kant,1871/1983, p. 23).

C) Causa e Explicação

Como vimos, Strawson (1992/2002) distingueentre a suposta relação natural de causali-dade, mantida entre coisas na natureza, e arelação explicativa não-natural (racional)entre fatos ou verdades. Para ele, segura-mente, o poder de um fato explicar outro deveter alguma base no mundo natural onde oseventos ocorrem, as condições vigorem e asrelações causais se mantêm. Temos que pen-sar assim sob pena de sustentar que a própriarelação causal não tem existência natural (ouexistência nenhuma) fora de nossas mentes.Em parte, esta posição resume a doutrina deHume, considerada “a opinião aceite” por seumaior crítico que assim a descreve: somenteatravés da percepção e comparação deeventos que sucedem repetidamente de modouniforme a outros fenômenos precedentes éque primeiramente fomos levados a elaborarpara nós o conceito de causa (Kant, 1871/1983). Strawson sustenta que a opinião aceiteestá em parte correta e em parte errada.Conforme Strawson, Hume seguiu a pista deuma fonte subjetiva que considerava ser oaspecto distintivo da concepção de causalida-de como uma relação natural, a que se referiacomo a idéia de conexão necessária e seus“quase”-sinônimos (eficácia, força, agência,poder, energia, necessidade e qualidadeprodutiva). A idéia discernível nos conceitosde “poder”, “força” e “compulsão” parece de-rivar da impressão de força exercida ou sofri-da nas transações mecânicas (empurrar, pu-xar, ser empurrado ou puxado). Portanto, nãoé de se admirar que essas transações forneçamum modelo básico quando efetuamos a buscateórica das causas ou “mecanismos” causais(Strawson, 1992/2002).O modelo permitiu o exame das noções deatração e repulsão, da mecânica dos corpossólidos, do comportamento dos fluidos, da

corrente elétrica, etc. Em geral, então, a buscade teorias causais é uma busca de modos deação e reação que não são observáveis no nívelmais corrente (hipóteses e postulados) e queachamos inteligíveis porque os modelamossobre (ou pensamos neles por analogia com)aqueles vários modos de ação e reação que aexperiência oferece à observação vulgar ounos quais temos consciência de tomar parteativa ou de os suportar. Entretanto, nasfronteiras mais sofisticadas da teoria física osmodelos parecem completamente esgotados.A causação é engolida pela matemática(Strawson, 1992/2002). Admitindo a com-pleta disposicionalidade dos nossos conceitospré-teóricos correntes das coisas e qualidades,isto é, que eles antecedem a experiência, enegando que as meras regularidades desucessão por si próprias nos são suficientespara encontrar as causas, Strawson concluique Kant está fundamentalmente certo contraHume. Segundo ele, Kant possuía uma com-preensão segura do ponto central de que oconceito de eficácia causal não deriva daexperiência de um mundo de objetos, mas épor ela pressuposto; ou, talvez melhor, já estáconosco quando a “experiência” começa. En-tretanto, Kant assim começa sua análise críticada razão pura:

Considerando que as categorias do entendimento (os conceitos “pré-teóricos” ou )são vazias antes de serem aplicados aos objetos do conhecimento, uma interpretação plausível é que não há oposição entre razão eexperiência. Conforme Abib (1993a), sendoessas categorias puras e , isto é, nada

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-a priori

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a priori

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contendo de empírico e sensível, elas por simesmas não representam nenhum conheci-mento, são vazias. Essas formas de pensamen-to, contudo, aplicadas ao objeto de uma intui-ção, produzem conhecimento e sem elas nãohá conhecimento possível. De fato, Abibafirma não haver, na filosofia de Kant, oposi-ção entre os conceitos de razão e experiência,sendo o objeto da sua crítica a ilusão da possi-bilidade de um conhecimento racional sobre aalma, o mundo e Deus, assim como não háoposição entre idealismo e realismo. Isto por-que o idealismo transcendental é uma investi-gação dos objetos como fenômenos ou repre-sentações, não como “coisa-em-si”, númeroou objeto transcendental. Para Kant, um obje-to como coisa existente fora de nós, indepen-dente de nossa sensibilidade, não pode serobjeto de conhecimento. Portanto, parece pos-sível conciliar os conceitos de razão e expe-riência, idealismo e realismo e, assim, superaros equívocos que engendram (Abib, 1993a).Chiesa (1994) esclarece que a filosofia deSkinner segue a ênfase de Ernst Mach, que seopôs ao mecanicismo da física teórica doséculo XIX, baseadas em especulaçõesmetafísicas hipotéticas sobre um éter, força ouagência causal e outras entidades inobser-váveis, bem como à distinção entre descrição eexplicação, e promoveu uma visão de ciênciadescritiva, observacional e integrativa. Acrítica de Hume a essas referências hipotéticaslevou Mach a defender como tarefa da ciênciasomente a descrição das relações constantes(relações funcionais) e combater as interpre-tações que avançavam além das descrições dedependências funcionais. As especulaçõeshipotéticas seriam apenas auxílios provisórios(ou heurísticas) úteis para gerar novas ques-tões e estabelecer novas relações e leis empíri-cas que, depois, deveriam ser dispensadas emvez de transformadas em realidades ontoló-gicas, posto que têm um papel importanteembora intrinsecamente transitório na ciêncianatural, na medida em que não descrevemnada do mundo (Chiesa, 1994). Mach susten-tou que a explicação em ciência natural é adescrição de relações funcionais, por meio de

termos e conceitos que relacionem suas uni-formidades entre classes ou propriedades etornem tais relações familiares e compreensí-veis (Baum, 1994). Assim, combateu a visãomecanicista de que a “coisa-no-meio” inferidaexplique a relação, simplesmente porque “nãoexiste causa e efeito na natureza, exceto se al-guém escolhe chamar relações constantes efunções matemáticas de causas”(Chiesa, 1994,p. 112).Conforme Skinner (1969), o comportamentocomo objeto de estudo não requer o métodohipotético-dedutivo porque é geralmente ob-servável como a maioria das variáveis de queé função, onde as exceções colocam problemasmais técnicos do que metodológicos. As hipó-teses surgem com freqüência somente porqueo pesquisador voltou sua atenção para even-tos inacessíveis - alguns dos quais fictícios eoutros irrelevantes (Skinner, 1969). Antes,Skinner (1953, p. 140) resumiu assim a origemdo conhecimento:

Hineline (1990) aponta que, na linguagemcomum, considera-se uma pessoa ou organis-mo como o agente iniciador do comporta-mento, enquanto na formulação behavioristaradical o papel é atribuído ao ambiente. Entre-tanto, falar do ambiente como agente inicia-dor ou dizer que o ambiente seleciona ocomportamento envolve atribuir muito aoambiente, obscurecendo a ênfase real da for-mulação behaviorista, melhor descrita na for-ma passiva: o comportamento é selecionado

“O controle funcional exercido por um estímulopermite distinguir entre sentir e certas outrasatividades sugeridas por termos como “ver”,“perceber” ou “conhecer”. “Sentir” pode sertomado para se referir à mera recepção doestímulo. “Ver” é o comportamento “interpre-tativo” que um estímulo controla. O termo “ver”caracteriza uma relação especial entre compor-tamento e estímulos. É diferente de “sentir” damesma forma que responder é diferente de serestimulado. Nossa “percepção” do mundo - nos-so “conhecimento” do mundo - é o nosso com-portamento em relação ao mundo. Não deve serconfundido com o mundo propriamente dito oucom outro comportamento em relação ao mundoou com o comportamento de outros em relaçãoao mundo”.

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pelo ambiente (Hineline, 1990). Essa análisedestaca os aspectos ativo e dinâmico do con-ceito de operante como ação no ambiente emvez de sobre o ambiente e resume a concepçãocausal da abordagem: considerar o organismointegral como “anfitrião” de seu comporta-mento, um ponto focal de energia e atividade eum “lugar” onde as variáveis genéticas e onto-genéticas se juntam (Skinner, 1972; Hineline,1980). Com base na noção de causação múlti-pla, articula-se o princípio de seleção de varia-ções como um modelo causal (Skinner, 1981),onde: “(1) a força de uma única resposta poderser, e usualmente é, uma função de mais deuma variável; e (2) uma única variável afetamais do que uma resposta” (Skinner, 1957, p.227). Ela é útil para a análise do comporta-mento verbal, mas também “para ilustrar quemuitas variáveis contribuem para qualquersituação, que as situações podem ser anali-sadas pelo modo como essas variáveis sãodivididas e classificadas” (Chiesa, 1994, p.114), tornando possível esclarecer onde se di-rigem as ciências naturais e as várias subdis-ciplinas da psicologia na busca de relaçõescausais. Conforme Moore (2000a), o beha-viorismo radical enfatiza as fontes pragmá-ticas e as contribuições do comportamentoverbal considerado como explicativo.A análise filosófica e científica esboçada acimasustenta que o comportamento do organismocomo um todo é produto de três tipos devariação e seleção: filogenético, ontogenéticoe cultural (Skinner, 1981), onde as falhas decada nível são corrigidas no seguinte (Skinner,1990). No primeiro, a seleção natural é responsável pela evolução da espécie e seucomportamento específico que é eficaz so

mente em um mundo muito semelhante àquele em que a espécie evoluiu (Skinner, 1990). Oorganismo não nasce como uma “tabula rasa”mas construído para ser afetado por estímuloscruciais de seu contexto (Baum, 1994). Nosegundo, ao longo da vida do indivíduo, sãoformados padrões comportamentais complexos através da imitação e do reforçamentooperante, entre os quais, apenas no nível humano capaz de comportamento verbal, sepode aprender a seguir e formular regras. E,no terceiro, são selecionados padrões comportamentais, principalmente verbais, nas interações com os membros do grupo social, envolvendo a aprendizagem de regras úteis porquedescrevem contingências de longo prazo eorientam as práticas relacionadas à sobrevivência do grupo e sua cultura (Skinner,1971/1987; 1981), e em que a ciência se incluicomo um dos exemplos mais conspícuos.Com base no modelo de falseamento de hipóteses de Karl Popper, Dodwell (1988, p. 241)afirmou que “não há circunstâncias sob asquais uma proposição da teoria skinnerianapudesse ser conclusivamente refutada”. Pararebater e se posicionar sobre a questão daverdade, Skinner assim se pronunciou:

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“O falseamento presumivelmente é o oposto doestabelecimento da verdade, mas não a sustentomesmo em casos simples. Até o ponto em queestou envolvido, a ciência não estabelece averdade ou falsidade;

. Ateoria da evolução não é verdadeira ou falsa; é amelhor interpretação possível de uma vasta sériede fatos à luz de princípios que vêm sendolentamente melhor compreendidos na genética eoutras ciências biológicas. Fui ousado o bastantepara sugerir que uma análise cuidadosa da teoriafísica moderna, usando os termos da análiseexperimental do comportamento, poderia escla-

ela busca o modo maiseficiente para lidar com os seus objetos de estudo

5

6

Esta predisposição talvez possa justificar a absurda teoria das idéias inatas, combatida por Hume tanto quanto a lei da causalidadecomo inerente ao mundo físico, ao sustentar que o próprio raciocínio experimental que compartilhamos com os animais, do qualdepende toda a conduta da vida, é nada mais que uma espécie de instinto ou um poder mecânico que age em nós sem que tenhamosconsciência dele (Hume, 1748/1972). Talvez, como todos os organismos têm ou , incluindo “as respostasadaptadas a acontecimentos iminentes”, o mentalista rotula-as como “expectativas” para sustentar a “expectativa de encontrarregularidades” como “conhecimento inato” e que “nascemos, portanto, com expectativas - com um 'conhecimento' que é anterior aexperiência derivada da observação.” Entretanto, somente quando nos comportamos verbalmente, é que uma regra está envolvida(Skinner, 1989) e exibimos o que é considerado “racional”, quando aprendemos a formular e seguir as regras que descrevem ascontingências, habilidades que se caracterizam como comportamento operante selecionado por contingências de reforço e punição(Baum, 1994).O comportamento operante é imitado porque existe possibilidade de ocorrências das mesmas conseqüências reforçadoras; a imitação é

especialmente importante quando as contingências são escassas e porque “evoca” o comportamento pela primeira vez e, assim, asconseqüências reforçadoras passam a assumir sua função (Skinner, 1989; 1990).

reações respostas inatas

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recer algumas das fontes de suas controvérsiasatuais” (Skinner, 1988a, p. 241-242).

“Por que não fui mais prontamente entendido?Má exposição de minha parte? Tudo que possodizer é que trabalhei duro nesses artigos, mas aposição central, entretanto, não é tradicional etalvez seja este o problema. Mover-se de umadeterminação interna do comportamento parauma determinação ambiental é um passo difícil”.Mas Skinner a seguir pergunta“Por que a discussão nas ciências comporta-mentais tem que ser tão pessoal? Einstein nãoaludiu à 'senilidade' de Newton nem Mendel eoutros acusaram Darwin de 'ignorar totalmente'as bases genéticas da evolução. Por que foi tãotentador dizer que sou 'estranhamente provin-ciano', 'quixotesco' ou que certa outra questão é'uma trágica ironia'? Esses pontos são relevantesnuma discussão científica? Eu tentei manter otom pessoal fora de minhas réplicas, mas atentação foi grande e falhei em alguns pontos. De

qualquer modo, foi inevitável gastar tempo eespaço com a simples correção de confusõessobre os fatos e minha posição, onde daria boavinda às oportunidades para trocas mais pro-dutivas. Qualquer que seja a utilidade destaedição, pelo menos deverá ser de interesse para ofuturo historiador como uma amostra do estilode discussão entre os cientistas comportamentaisdo final do século XX” (Skinner, 1988b, p. 487-488).

"O fato importante é que nas contingências,sociais e não-sociais, que promovem o conhe-cimento (do mundo e de si mesmo) não há nadaalém de estímulos e respostas; elas não incluemprocessos mediadores. O que sentimos duranteas emoções e o que observamos por meio daintrospecção são nada mais que uma mistura deconjuntos de produtos colaterais ou subprodutosdas condições ambientais às quais o comporta-mento está relacionado. Com isso, quero dizerque Platão nunca descobriu a mente? Ou queTomás de Aquino, Descartes, Locke e Kant esta-vam preocupados com subprodutos incidentaisdo comportamento humano e, com freqüência,irrelevantes? Ou que as leis mentais da psicologiade Wundt, o fluxo de consciência de WilliamJames ou o aparelho mental de Sigmund Freudnão ajudam no entendimento do comportamentohumano. Sim, é exatamente o que quero dizer"(Skinner, 1978, p. 51).

A ousadia ilustra sua confiança na possibi-lidade da epistemologia comportamental quebuscou desenvolver, enquanto liderava apromoção de uma ciência do comportamentoautônoma e a interpretação da ciência como ocomportamento dos cientistas.

2

Do debate acima esboçado, pode-se concluirque o ponto central das controvérsias envolvesustentar ou refutar a existência de duassubstâncias, uma natural e a outra não-natu-ral. Enquanto Strawson (1992/2002) e grandeparte dos teóricos da psicologia sustentam asduas, Skinner questiona que os eventoschamados mentais tenham propriedadesespeciais e os reinterpreta como processoscomportamentais. Ele, “na verdade, nãoadmite nem mesmo a idéia de substância. Éum monista. Existem eventos subjetivos, massua condição subjetiva decorre de suaprivacidade e não de sua natureza” (Abib,1997, p. 128). A ênfase de Skinner na possibi-lidade de uma ciência do comportamentohumano, nos mesmos moldes das ciênciasnaturais, recebeu ataques de todos os tipos,mas nem sempre as críticas se revelaram úteisao debate por atingirem a pessoa e não suaposição teórica e filosófica. E assim sepronunciou a esse respeito:

A preocupação de Skinner com a definiçãorigorosa de termos e conceitos para que sejamcientificamente úteis, obrigou-o a debater extensamente com seus críticos como quandoutilizou a famosa estratégia de Émile Zola em

e resumiu seis críticas aos cientistas cognitivos, entre elas “Euacuso os cientistas cognitivos de relaxarem ospadrões de definição e pensamento lógico eformularem enchentes de especulações características da metafísica, literatura e conversação coloquial, talvez adequadas para taispropósitos, mas inimigas da ciência” (Skinner1985, p. 300). Finalmente, para ilustrarmosque o debate-alvo deste ensaio envolve interlocutores respeitáveis, Skinner assim resumiusua posição em palestra proferida em 1972,cujo título foi :

Embora não ofereça qualquer justificativalógica para o livre-arbítrio, Nagel (1987/2001)afirma que se pensasse que seu compor-tamento foi determinado pelas circunstânciase condição psicológica corrente, ele se sentiria

) Comentários Finais

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Dreyfus affair: 'J' accuse...' -

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Humanismo e Behaviorismo

Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

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encurralado; e se pensasse a mesma coisasobre todas as outras pessoas, sentiria que nãosomos mais do que um bando de marionetes.Conforme Skinner (1974), em uma ciência docomportamento ou em sua filosofia não hánada que obrigue alterar sentimentos ouobservações introspectivas e que estas e ossentimentos merecem reconhecimento, mas aênfase é dada às condições ambientais a que

estão ligados e são elas, e não os sentimentos,que nos habilitam a explicar o comporta-mento. Como filosofia de uma ciência do com-portamento, o behaviorismo exige, provavel-mente, a mais dramática mudança jamaisproposta em nossa forma de pensar sobre ohomem, que implica literalmente em virarpelo avesso a explicação do comportamento(Skinner, 1974).

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Psicologia Teoria e Pesquisa, 9

Psicologia Teoria e Pesquisa, 9,Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia

Understanding behaviorism: science, behavior, and culture

Radical behaviorism: the philosophy and the science

Apresentação da filosofia

Análise do comportamento:pesquisa, teoria e aplicaçã

Journal of theExperimental Analysis of Behavior, 12

Behaviorism,11

The selection of behavior. The operant behaviorism of B.FSkinner: comments and consequences

Teoria do conhecimento

The Behavior Analyst, 6Journal of the

Experimental Analysis of Behavior, 53Investigação acerca do entendimento humano

Crítica da razão pura

The Behavior Analyst, 23The Analysis of Verbal Behavior, 17

Uma breve introdução à filosofia

American Psychological Society Observer (APSObserver), Vol. 17

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Science and human behaviorVerbal behavior

Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis

Beyond freedom and dignity

Cumulative record: A

selection of papersAbout behaviorism

Reflections onbehaviorism and society

Science, 213

The Behavioral and Brain Science

British Journal of Psychology, 76

Theselection of behavior. The operant behaviorism of B.F. Skinner: comments and consequences

)The selection

of behavior. The operant behaviorism of B.F. Skinner: comments and consequences

Recent issues in the analysis of behavior

American Psychologist, 45Análise e metafísica: uma introdução à filosofia

Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 77

a

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