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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MSICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
MESTRADO E DOUTORADO
Memorial de composio
ETERNA CIKLO:
INTER-RELAES ENTRE CONCEPES ESTTICAS
E PROCESSOS COMPOSICIONAIS NA CONSTRUO DE
UM CONJUNTO DE COMPOSIES
Felipe Kirst Adami
PORTO ALEGRE
2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MSICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
MESTRADO E DOUTORADO
Memorial de composio
ETERNA CIKLO: INTER-RELAES ENTRE CONCEPES
ESTTICAS E PROCESSOS COMPOSICIONAIS NA CONSTRUO
DE UM CONJUNTO DE COMPOSIES
Felipe Kirst Adami
Memorial submetido como requisito parcialpara obteno do ttulo de Mestre emMsica; rea de concentrao: Composio.
OrientadorProf. Dr. Celso Loureiro Chaves
Porto Alegre2004
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iii
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Celso Loureiro Chaves por suas orientaes desde o curso de
graduao em composio musical at a concluso do curso de mestrado.
Aos msicos Ana Paula Freire, Andr Loss, Camilo Simes, Gean Veiga, Iuri
Corra, Jlia Simes, Luciane Cuervo, Paulo Inda, Rodrigo Alquati, Rodrigo Bustamante,
Rodrigo Silveira e Rmulo Chimeli, por dedicarem seu tempo e talento ao estudo e
apresentao das obras deste memorial.
Aos msicos Andr Loss, pela contribuio na orquestrao do Concerto Grosso, e
Rodrigo Alquati, pela contribuio na orquestrao de Ambigidades II.
A Rafael Oliveira, pela gravao do recital, e Jorge Meletti, pela colaborao
tcnica durante a defesa deste memorial.
A minha me, pelo auxlio em alguns momentos essenciais.
A meu irmo, Angelo, pela reviso do texto.
Especialmente minha esposa, Luciane, e meu filho, Lorenzo, por me colocarem
frente a frente com a concepo dos ciclos vitais, levando o meu esprito a renascer sempre
em nveis cada vez mais elevados de conscincia.
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iv
O sbio, que procura a verdade por si e para o bemgeral, contempla as coisas do Alto. Aplica-se a reduzi-las ssuas verdadeiras propores, considerando a imensidade doTempo e do Espao. (...) Sabe, enfim, que no passa de uma dasclulas solidrias desta grande personalidade coletiva que sechama humanidade; e por ela que luta e sofre, sendo preciso,sem preocupao de recompensa.
Paul Gibier
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vRESUMO
Este memorial tem como principal objetivo apontar as inter-relaes existentes
entre a concepo esttica dos ciclos vitais e os processos tcnico-composicionais
utilizados em um conjunto de composies. A concepo esttica dos ciclos vitais foi
obtida atravs de uma pesquisa baseada na anlise de obras compostas anteriormente a este
conjunto, e em dois referenciais tericos principais, "Fenomenologia do Esprito" de Hegel
e "O Tao da Fsica: um paralelo entre a fsica moderna e o misticismo oriental" de Capra.
Tambm encontra fundamentos na utilizao de estruturas simtricas, da proporo urea e
da srie de Fibonacci, a partir de sua ligao com a natureza. As inter-relaes entre as
concepes estticas e os processos tcnico-composicionais so demonstradas atravs da
anlise das obras como um conjunto e individualmente. As semelhanas estruturais e dos
materiais musicais unificam estas obras, caracterizando-as como um ciclo de composies,
o qual reflete na macroestrutura os elementos individuais de cada composio.
Palavras Chave: composio musical, esttica, ciclos vitais, anlise musical.
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vi
ABSTRACT
The purpose of this work is to demonstrate the interrelations between a aesthetic
principle based on the notion of life cycles and the compositional procedures in a set of
individual works. The notion of life cycles is based on two main sources: the
"Phenomenology of Spirit" of Hegel and "The Tao of Physics" by Capra. The
compositional procedures include the use of the golden mean, the Fibonnacci series and
symmetrical structures. The interrelations between aesthetic principle and compositional
procedures are analyzed through the individual works and their function as a unified group.
The similarity of form and materials reflect in a larger scale structure the individual
elements of each composition.
Key-words: musical composition, aesthetic, life cycles, musical analyses.
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vii
SUMRIO
INTRODUO.................................................................................................................... 1
1. A CONCEPO ESTTICA DOS CICLOS VITAIS................................................ 6
1.1. Hegel: a dialtica e os ciclos vitais............................................................................10
1.2. Capra: os ciclos no misticismo oriental e na fsica moderna.................................. 13
1.3. As simetrias, a proporo urea e a srie de Fibonacci.......................................... 16
1.4. As concepes finais dos ciclos vitais ........................................................................ 17
1.5. Ciclos vitais e ciclos musicais.....................................................................................19
2. RELAES ESTTICO-COMPOSICIONAIS E ASPECTOS TCNICOS DAS
COMPOSIES............................................................................................................... 22
2.1. O conjunto de composies como um todo o macrocosmo.................................. 22
2.2. Aspectos especficos das composies o microcosmo........................................... 28
2.2.1 Estudos para piano......................................................................................................28
2.2.1.1. Estudo n 1........................................................................................................29
Partitura do Estudo n 1........................................................................................... 34
2.2.1.2. Estudo n 2........................................................................................................41
Partitura do Estudo n 2........................................................................................... 47
2.2.2. Eterna Ciklo, para Violo, Violino e Violoncelo...................................................... 52
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viii
Partitura de Eterna Ciklo......................................................................................... 58
2.2.3. Ambigidades II, para Violoncelo Solo.................................................................... 66
Partitura de Ambigidades II................................................................................... 76
2.2.4. Concerto Grosso, para Flauta Doce, Flauta Transversa, Obo, Dois Pianos e
Quinteto de Cordas.............................................................................................................. 81
Partitura do Concerto Grosso.................................................................................. 98
CONCLUSO.................................................................................................................. 141
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................... 145
ANEXO............................................................................................................................. 147
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1INTRODUO
Quando iniciei o mestrado em composio achei necessrio, primeiramente, refletir
sobre o que compusera nos ltimos anos, encontrando elementos que servissem como
ponto de partida para minhas concepes estticas. Uma idia importante, que se originara
na poca em que comecei a estudar msica, ressurgiu quando me concentrava na anlise de
algumas obras, principalmente no Concerto para piano (1999), nos Sonetos de Amor
(1999), em Ensemble 33 (2000), e nas Variaes Simbiticas (2000): o pensamento de que
a msica funciona como um organismo vivo. A leitura de alguns textos de anlise,
principalmente de Janet Schmalfeldt (1995) e Scott Burnham (1995), que mencionam a
relao entre a estrutura musical de obras de Beethoven e o pensamento de alguns
escritores e filsofos alemes do sculo XVIII e XIX, especialmente Hegel, serviram para
cristalizar o principal aspecto esttico das composies deste memorial, a "concepo dos
ciclos vitais".
A concepo dos ciclos vitais utiliza a idia dos ciclos da natureza como
organizadora da estrutura musical de larga escala e consiste na representao musical dos
ciclos de nascimento, desenvolvimento, morte e renascimento. Muitos pontos em comum
concepo dos ciclos vitais foram encontrados tambm no misticismo oriental e na fsica
moderna, levando utilizao do livro "O Tao da fsica: um paralelo entre a fsica
moderna e o misticismo oriental" de Fritjof Capra (2000) como um outro referencial
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2terico deste memorial. A ligao da concepo esttica dos ciclos vitais com a natureza
indicou a utilizao de elementos estruturais ligados a ela: as simetrias, a proporo urea e
a srie de Fibonacci. Estas idias se originaram da leitura de textos sobre os princpios
composicionais de Bla Bartk1 e da anlise de algumas de suas obras.
Esta investigao esttica resultou nas cinco composies que constituem este
memorial: os dois Estudos para piano; Eterna Ciklo, para violo, violino e violoncelo;
Ambigidades II, para violoncelo solo; e Concerto Grosso, para flauta doce, flauta
transversa, obo, 2 pianos e quinteto de cordas. A partir destas obras pretendo apontar a
aplicao da concepo dos ciclos vitais aos processos composicionais.
O memorial est dividido em duas partes: 1) A concepo esttica dos ciclos vitais;
e 2) Relaes esttico-composicionais e aspectos tcnicos das composies.
A primeira parte inicialmente apresenta a concepo dos ciclos vitais, seguindo-se
uma argumentao a partir dos referenciais tericos de Hegel, (seo 1.1. "Hegel: a
dialtica e os ciclos vitais") e Capra (seo 1.2. "Capra: os ciclos no misticismo oriental e
na fsica moderna"), e da utilizao das simetrias, da proporo urea e da srie de
Fibonacci (seo 1.3). A seo 1.4, "Concepes finais dos ciclos vitais", sintetizar os
principais conceitos alcanados atravs da argumentao dos referenciais tericos; a seo
1.5, "Ciclos vitais e ciclos musicais", apresenta os elementos estruturais gerados pela
representao musical dos ciclos vitais.
Na segunda parte feita uma anlise das obras, primeiramente de forma geral,
como um conjunto unificado (seo 2.1. "O conjunto de composies como um todo o
macrocosmo") e em seguida individualmente (seo 2.2. "Aspectos especficos das
composies o microcosmo").
1 TACUCHIAN (1994/1995) e ANTOKOLETZ (1992, p. 106-140, 338-339, 426-433).
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3A anlise individual segue a ordem cronolgica de composio das obras,
complementada pela respectiva partitura. A escolha da ordem cronolgica na organizao
das anlises individuais se deve cristalizao progressiva dos aspectos estticos ao longo
do perodo de composio das obras. Em cada seo so demonstradas as relaes
existentes entre os recursos tcnico-composicionais utilizados na construo da obra e as
concepes estticas expostas na primeira parte do memorial. Eventualmente so
apresentados novos conceitos estticos, quando estes conceitos tiverem uma forte ligao
com a obra especfica em anlise, mas no com o conjunto de composies. Uma vez que
muitos dos elementos estruturais das obras foram constatados aps sua composio, cada
anlise concluda com reflexes ps-composicionais.
Segue-se a definio operacional de termos utilizados:
Conjunto de notas Grupo de notas utilizado na composio, eliminando-se as diferenas
de oitavas, as repeties das alturas e as enarmonias (FORTE, 1973, p. 1-3).
Eventualmente podero ser utilizados na "ordem normal" (FORTE, 1973, p. 3-5), ou seja,
abrangendo o menor intervalo entre a primeira e a ltima nota do conjunto e agrupando os
intervalos menores na parte mais grave. Os conjuntos no sero grafados na forma de
numerais, mas sim em notao musical (partitura ou representao por letras).
Escala Grupo de notas disposto em seqncia ascendente, tendo um incio e um fim
definidos pelo compositor e podendo ultrapassar o mbito de uma oitava sem que haja
repetio de notas2. As notas de uma escala podero ser utilizadas livremente na
composio, diferenciando-a de uma conformao serial.
2 Persichetti fala na construo de escalas "multi-oitava",onde se utiliza mais de uma oitava com notasdiferentes em cada oitava, embora algumas notas possam ser repetidas (PERSICHETTI, 1985, p.46-47).
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4Proporo urea Diviso de uma estrutura em duas partes onde a menor parte se
relaciona com a maior da mesma forma com que a maior se relaciona com a estrutura
completa. A proporo urea equivale a aproximadamente 0,618 de 1. O termo "proporo
urea" foi preferido aqui ao termo mais usual "seo urea", para evitar a idia de que o
termo se refira apenas a uma seo ou subdiviso composicional.
Proporo urea retrgrada A proporo urea vista do fim para o incio da obra ou
seo. Equivale aproximadamente a 0,382 de 1.
Ponto ureo Momento aproximado onde ocorre a proporo urea na msica, sendo
necessrio que tenha importncia estrutural para a composio musical , seja no todo ou
dentro de sees.
Srie de Fibonacci Srie aditiva onde cada nmero a soma dos dois nmeros que o
precedem, resultando na seguinte progresso: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55 ... A
proporo existente entre dois nmeros consecutivos da srie se aproxima cada vez mais
da proporo urea conforme os nmeros aumentam, por exemplo: 2/3 = 0,6666...; 3/5 =
0,6; 5/8 = 0,625; 34/55 = 0,61818...
Pulso Equivale ao termo "pulse", a articulao do tempo na msica, diferenciando-se de
"beat", a contagem dos tempos divididos em duraes regulares (Epstein, 1995, p.29-30,
151-152 e 549).
Gesto Musical Qualquer elemento ou conjunto de elementos musicais que forma uma
unidade reconhecvel. Pode ser desde uma pausa ou uma articulao especfica, at um
grupo de notas com diferentes timbres, dinmicas etc.
Materiais musicais Conjunto de gestos musicais de importncia estrutural em uma
composio.
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5Este memorial tem como principal objetivo apontar as inter-relaes existentes
entre as concepes estticas e os processos tcnico-composicionais utilizados no conjunto
de obras compostas durante o curso de mestrado em composio musical, demonstrando
como funciona o pensamento do compositor e como este se traduz em msica. Eterna
Ciklo, a terceira obra composta durante o curso, incorpora a maior parte dos procedimentos
composicionais gerados pelos referenciais estticos; seu ttulo o que melhor transmite a
idia dos ciclos vitais. Por isso, ele foi adotado tambm como ttulo deste memorial.
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61 A CONCEPO ESTTICA DOS CICLOS VITAIS
Nos comentrios sobre o Concerto para piano e orquestra de cmara (1999)3, est
registrada pela primeira vez a preocupao com a organizao de minha msica
analogamente representao de um ciclo vital. Esta compreenso existia apenas em
germe quando o concerto foi composto. O primeiro movimento do concerto traz a idia do
nascimento, pois alcana sua definio rtmica e meldica gradualmente durante a
exposio orquestral, como algo em processo de criao e desenvolvimento. O segundo
movimento representa a morte, refletindo conscientemente um trecho com extrema carga
emocional do livro "Operao Cavalo de Tria", de J. J. Benittez (1987), sobre a
crucificao de Cristo, a ponto de ser quase um movimento programtico. Assim est
sintetizada a maneira como a idia aparece na macroestrutura do Concerto para Piano:
Considerando este [segundo] movimento como a morte, pode-secriar uma relao com o primeiro, que pode representar a criao, ounascimento (a partir do primeiro tema, que vai ganhando corpo, de formacumulativa, culminando num segundo tema robusto e de grande forartmica), e com o terceiro, que pode representar a ressurreio ourenascimento do esprito, com toda a bagagem adquirida durante aexistncia (o tema inicial, criado a partir da fuso de elementos doprimeiro e do segundo movimento) e novos conhecimentos (os temasnovos e as novas formas de desenvolver e transfigurar temas jexistentes). (ADAMI, 2001).
3 ADAMI, 2001.
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7Uma reflexo sobre obras compostas aps o Concerto revelou suas relaes com a
idia dos ciclos vitais. As obras que mais se aproximam desta concepo so os Sonetos de
Amor, para flauta doce e piano (1999), as Variaes Simbiticas (2000), para violo solo,
e Ensemble 33, para flauta doce, violino, viola, violo e cravo (2000).
Em Ensemble 33, o processo de crescimento do incio do primeiro movimento
muito semelhante ao do Concerto, levando, atravs da densificao dos parmetros
sonoros, a um tema "robusto e de grande fora rtmica". As etapas de nascimento,
desenvolvimento, morte e renascimento (com seu respectivo novo desenvolvimento e
morte) ocorrem dentro deste mesmo movimento. O segundo movimento tambm se
aproxima deste processo, mas exclui a etapa do renascimento, a qual surge no terceiro,
atravs da reutilizao de materiais do primeiro movimento.
Na terceira pea dos Sonetos de Amor, o processo de adensamento de parmetros
sonoros e de textura se torna mais importante do que os prprios materiais musicais, j que
estes so extremamente restritos. A obra parte de linhas meldicas em ostinatos mantidas
do incio ao fim, no piano e na flauta doce. Sobre estes padres so sobrepostos trs
diferentes gestos musicais, nos dois instrumentos, intensificando-se gradualmente em
quantidade e intensidade at um ponto mximo, a partir do qual comeam a retroceder at
sua extino. A existem as idias de nascimento, desenvolvimento e morte. Apesar de no
ocorrer nesta pea a etapa do renascimento, as linhas meldicas em ostinato,
simultaneamente aos outros gestos que se intensificam e depois se abrandam, trazem uma
noo de eternidade pea. O poema de Neruda que inspirou esta pea representa a
crescente interferncia (ou nascimento) do dio no amor: o dio que "entrou pela janela"
at que seu "rosto ameaante (...) se apagou no crepsculo apagado." (NERUDA, 1999, p.
73). A permanncia dos ostinatos, ento, representa a eternidade do amor.
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8To importante quanto o processo de crescimento da terceira pea dos Sonetos de
Amor o processo de transformao de materiais existente nas Variaes Simbiticas. Em
cada uma das variaes (assim como no tema, que no se distingue das demais variaes)
surge um novo material, de forma embrionria, mas que no parece algo externo ela, que
faz parte dela. Este material cresce e se torna o principal material da variao seguinte,
fazendo com que duas variaes subseqentes estejam numa relao de simbiose. Como a
segunda variao deste par vai ter o mesmo tipo de relao com a que a segue, o que
ocorre a unio de trs variaes. Este grupo ouvido como uma unidade em mutao. No
resultado final da obra, existem quatro grupos um pouco mais distintos, cada um com trs
variaes4. Os quatro grupos, entretanto, tambm esto de alguma forma unidos, atravs da
recorrncia de materiais de outros grupos dentro de uma variao ou entre duas variaes.
As Variaes Simbiticas so, portanto, um conjunto de variaes que formam um todo
dinmico, em constante e gradual transformao.
As idias extradas desta auto-anlise composicional ficaram mais claras aps a
leitura de dois textos de anlise (SCHMALFELDT, 1995; BURNHAM, 1995), que
mencionam a relao entre a estrutura musical de obras de Beethoven e o pensamento de
alguns escritores e filsofos alemes do final do sculo XVIII e do sculo XIX,
especialmente Hegel. Desses textos, dois trechos relativos conscincia humana tm
relevncia para a presente reflexo. No texto de Schmalfeldt existe a seguinte citao de
Hegel: "a prpria matria 'ainda no ' em seu princpio, mas seu princpio no
meramente o seu 'nada': ao contrrio, seu 'ser' tambm j est ali. O comeo em si mesmo
est tambm vindo a ser, mas ele expressa j a referncia ao posterior desenvolvimento."
(SCHMALFELDT, 1995, p. 39). Burnham se refere "Fenomenologia do Esprito",
dizendo que aps a busca do conhecimento de si mesmo, a existncia do esprito seria, para
4 O primeiro grupo formado pelo tema e duas variaes.
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9Hegel, "renascida em um almejado estado de conhecimento absoluto (de si mesmo), do
qual teria que atravessar novamente os estgios de sua histria, mas agora em um estado
elevado de conscincia." (1995, p. 117).
A concepo dos ciclos vitais tem muito em comum com estes pensamentos. Os
ciclos vitais tero aqui o seguinte percurso: algo nasce (ou criado), se desenvolve, morre
e renasce. O nascimento em geral vm de algo ainda "no concreto". O no concreto ganha
contedo at se transformar em uma estrutura reconhecvel que ser chamada de "ser". A
partir da, o ser comea a se desenvolver com os elementos que o formaram at chegar a
um ponto mximo, do qual no possvel passar. Chega ento a etapa da morte, que pode
ocorrer de forma ou gradual ou sbita. Aps a morte, vem o renascimento, diferindo do
nascimento pois o ser j adquiriu as informaes de uma existncia, que agora se fundem
com as aquisies da nova existncia. A idia de renascimento faz com que os ciclos vitais
entrem em um processo infinito. Deve-se pensar neste infinito no como algo que se repete
exaustivamente, de maneira uniforme, ou como algo que se cria, se destri e comea a re-
construir-se a partir do nada, mas como algo que se transforma e ao mesmo tempo mantm
sua identidade.
Os ciclos vitais no se referem necessariamente a um ciclo de um ser vivo, como
um vegetal ou um animal, mas podem tambm referir-se a outros ciclos da natureza, como
ao ciclo da matria, ao do ecossistema, ao prprio universo e, como ocorre no pensamento
de Hegel, conscincia humana.
Alm das semelhanas entre a concepo dos ciclos vitais e o pensamento de
Hegel, existem muitos pontos em comum entre esta concepo e a relao estabelecida por
Capra (2000) entre o misticismo oriental e a fsica moderna, o que conduziu sua
utilizao como uma das bases para as idias dos ciclos vitais.
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10
Por fim, as concepes estticas completam-se com a utilizao de alguns
princpios de organizao de estruturas encontrados na natureza: as simetrias, a proporo
urea e a srie de Fibonacci.
Assim, a argumentao se desenvolver aqui em cinco sees: 1.1. Hegel: a
dialtica e os ciclos vitais tendo como principal referencial o livro "Fenomenologia do
esprito" (HEGEL, 1992 e 1993) e restringindo-se aos pensamentos filosficos de Hegel
apenas no que diz respeito ao desenvolvimento do esprito, mostrando o que estes
pensamentos acrescentam aos conceitos estticos dos ciclos vitais; 1.2. Capra: os ciclos no
misticismo oriental e na fsica moderna onde as concepes estticas expostas na seo
sobre Hegel sero revistas e ampliadas; 1.3 As simetrias, a proporo urea e a srie de
Fibonacci; 1.4. As concepes finais dos ciclos vitais onde sero delineadas as principais
concluses sobre os pontos discutidos at ento; e 1.5. Ciclos vitais e ciclos musicais
onde sero apresentados os principais elementos musicais gerados a partir da concepo
esttica dos ciclos vitais.
1.1. Hegel: a dialtica e os ciclos vitais
A idia do desenvolvimento do ser contida nos ciclos vitais est sintetizada no
trecho a seguir, que mostra como ela formulada no pensamento de Hegel:
Enquanto sua perfeio consiste em saber perfeitamente o que ele [oesprito] sua substncia esse saber ento seu adentrar-se em si (...).No seu adentrar-se-em-si, o esprito submergiu na noite de suaconscincia-de-si; mas nela se conserva seu ser-a que desvaneceu; e esseser-a suprassumido o [mesmo] de antes, mas recm-nascido [agora] dosaber- o novo ser-a, um novo mundo e uma nova figura do esprito.Nessa figura o esprito tem de recomear igualmente, com espontaneidadeem sua imediatez; e dela tornar-se grande de novo,- como se todo o
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11
anterior estivesse perdido para ele, e nada houvesse aprendido daexperincia dos espritos precedentes. Mas a re-cordao [Er-inerung] osconservou; a recordao o interior, e de fato, a forma mais elevada dasubstncia. Portanto, embora esse esprito recomece desde o princpio suaformao, parecendo partir somente de si, ao mesmo tempo de um nvelmais alto que [re]comea. (HEGEL, 1993, p. 219-220).
A fenomenologia do esprito consiste neste movimento perptuo, onde o esprito,
atravs de um processo dialtico, alcana um determinado nvel de conscincia e recomea
o seu desenvolvimento num nvel mais alto, passando novamente pelo mesmo processo. O
processo dialtico de Hegel consiste em trs etapas: 1) proposio a tese; 2) negao - a
anttese; 3) reconciliao ou superao das diferenas entre a proposio e sua negao a
sntese. Segundo Bowmann, "a tenso entre tese e anttese leva sntese que as reconcilia,
mas que por sua vez torna-se a tese em outra trade dialtica" (BOWMANN, 1998, p. 96).
Dessa mesma forma, os captulos da Fenomenologia do Esprito so processos dialticos
que em sua sntese criam o ponto de partida para o captulo seguinte. A macroestrutura do
livro tambm reflete este pensamento dialtico, sendo dividida, segundo Garaudy, em trs
grandes partes: o esprito subjetivo, o esprito objetivo e o esprito absoluto (GARAUDY,
1983). Cada parte passa pelo processo dialtico, e as trs juntas constituem igualmente
uma trade dialtica. Deste modo, a estrutura desta obra reflete a idealizao esttica de
Hegel de unidade orgnica de forma e contedo5.
Algumas concepes estticas fundamentais podem ser extradas destes
pensamentos: o movimento cclico de eterno retorno, mas em constante mudana e
evoluo; a ambigidade dos conceitos (tese e anttese) e sua unificao (sntese); a
unidade orgnica do todo, atravs das inter-relaes entre as diversas partes que o compe.
Estes conceitos refletem algumas das mais profundas realidades da natureza. Alis, o
5 Cf. BOWMANN, 1998, p. 94-112.
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12
prprio Hegel freqentemente utiliza exemplos extrados da natureza. Ele resume os
conceitos relacionadas acima comparando-os ao desenvolvimento de uma planta:
O boto desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor orefuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-a daplanta, pondo-se como sua verdade no lugar da flor: essas formas no sse distinguem, mas tambm se repelem como incompatveis entre si.Porm, ao mesmo tempo, sua natureza fluda faz delas momentos daunidade orgnica, na qual, longe de se contradizerem, todos soigualmente necessrios. (HEGEL, 1992, p. 22).
Uma questo importante que surge em decorrncia do processo dialtico a de que
algo j inclui o vir-a-ser em seu germe. Segundo Garaudy, " somente ao conhecer o fim
que se pode compreender a histria do desenvolvimento. Todo o desenvolvimento j est
contido no germe. Porque o comeo j a totalidade", e o que existe nele como
"contradio motriz", sua impossibilidade de "bastar a si mesmo" (GARAUDY, 1983, p.
29-30). Na Fenomenologia de Esprito esta idia encontra-se exemplificada novamente
atravs da comparao com a natureza: "Quando queremos ver um carvalho na robustez de
seu tronco, na expanso de seus ramos, na massa de sua folhagem, no nos damos por
satisfeitos se nos mostram uma bolota". Entretanto, "a primeira apario de um mundo
novo" "o todo envolto em sua simplicidade", mas "a riqueza do ser-a anterior ainda est
presente na rememorao". A bolota de carvalho teria ento o germe de seu
desenvolvimento, porm ainda "falta-lhe o aprimoramento da forma, mediante a qual as
diferenas so determinadas com segurana e ordenadas segundo suas slidas relaes"
(HEGEL, 1992, p. 27).
Estas comparaes entre o desenvolvimento do esprito e a natureza trazem tona
um dos pontos chave da concepo esttica dos ciclos vitais: uma busca de aproximao
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13
entre composio musical e natureza, tanto na estrutura do conjunto de composies,
quanto na macroestrutura e na microestrutura das obras.
1.2. Capra: os ciclos no misticismo oriental e na fsica moderna
Garaudy observa que a fsica quntica traz "uma ilustrao surpreendente, no
prprio nvel da matria", de certos aspectos da dialtica hegeliana, e que o
desenvolvimento das cincias confirma o ponto de vista de Hegel sobre o vir-a-ser (devir),
sobre o movimento, que real, e o repouso, que uma abstrao (GARAUDY, 1983, p.
36-37). CAPRA (2000) apresenta esta nova viso do mundo da fsica (ps-newtoniana) e
traa seus paralelos com o misticismo oriental, os quais se assemelham muito e se
acrescentam aos pensamentos de Hegel.
A argumentao desta seo ter como base as concepes estticas alcanadas na
subseo anterior, mostrando como elas so vistas e ampliadas a partir do livro de Capra.
Estas concepes so: 1) o movimento cclico de eterno retorno, em constante mudana e
evoluo; 2) a ambigidade dos conceitos e sua unificao ou superao; 3) o vir-a-ser
contido no germe do ser; e 4) a unidade orgnica do todo. Apesar de utilizar aqui exemplos
de uma ou outra filosofia oriental, as idias bsicas destas concepes existem em todas as
filosofias orientais referidas por Capra6.
O movimento e a transformao incessantes so caractersticas essenciais das
filosofias orientais. Na filosofia hindusta existe a idia de um universo "fluido e em
permanente mudana, em que todas as foras estticas so maya, ou seja, existindo apenas
6 As filosofias esto objetivamente colocadas na seo "O Caminho do Misticismo Oriental", como captulosindependentes sendo: Hindusmo; Budismo; O Pensamento Chins; Taosmo; e Zen.
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14
como conceitos ilusrios" (CAPRA, 2000, p. 147). Nesta filosofia, a vida considerada
parte de "um processo rtmico de criao e destruio, de morte e renascimento (...) que se
desdobra em ciclos interminveis" (CAPRA, 2000, p. 183). Os ciclos de mudana tambm
fazem parte do pensamento taosta, que fala na idia de afastamento e retorno. Segundo
Capra, "essa idia a de que todos os desenvolvimentos ocorridos na natureza, quer no
mundo fsico, quer nas situaes humanas, apresentam padres cclicos de ida e vinda, de
expanso e contrao" (2000, p. 86).
Na fsica moderna o movimento considerado inerente matria, pois todas as
partculas vibram incessantemente. O conceito de "campo quantizado" um exemplo ainda
mais claro desta natureza dinmica das partculas:
O campo quantizado concebido como uma entidade fsica fundamental,um meio contnuo que est contido em todos os pontos do espao. Aspartculas no passam de condensaes locais do campo, concentraesde energia que vm e vo, perdendo dessa forma seu carter individual ese dissolvendo no campo subjacente. (CAPRA, 2000, p. 160).
A concepo dos ciclos vitais gera na msica um processo de crescimento anlogo ao
campo quantizado: uma condensao, ou densificao, dos parmetros sonoros que parte
do "vcuo" (silncio) at alcanar um ponto mximo de densidade e depois se rarefaz,
voltando ao "vcuo". Este processo continua a se repetir ciclicamente. A noo de vcuo
utilizada aqui a de vcuo fsico da teoria dos campos da fsica quntica, que "no um
estado de um simples nada, mas contm a potencialidade para todas as formas" (CAPRA,
2000, p. 169).
A teoria dos campos apresenta tambm uma importante questo: a ambigidade.
Por um lado, percebem-se partculas como pontos materiais. Por outro lado, estas
partculas no passam de condensaes do "vcuo fsico", no sendo substncias materiais.
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Apesar de contraditrios, os dois conceitos so aspectos diferentes de uma mesma
realidade: "o campo um continuum que est presente em todos os pontos do espao e,
contudo, em seu aspecto de partcula, apresenta uma estrutura 'granular', descontnua"
(CAPRA, 2000 p.163). A unificao destes conceitos tambm ocorre de forma dinmica,
pois "os dois aspectos da matria se transformam incessantemente um no outro". Esta
ambigidade e sua unificao esto presentes em diversos outros pontos da fsica moderna,
como espao e tempo, a viso da matria ora como ondas ora como partculas, a existncia
e a no-existncia (CAPRA, 2000, p. 120). Observa-se aqui que todas as composies do
ciclo que integra o presente memorial apresentam justamente uma oposio entre notas
longas (mais "contnuas") e notas curtas ou em pizzicato (mais "granulares"), e utilizam
sees7 onde predominam figuraes ora de um tipo ora de outro.
A unidade orgnica do todo, bem como a interpenetrao de suas partes, tm um
paralelo surpreendente na hiptese "bootstrap", a qual tem como iniciador e principal
defensor o fsico Geoffrey Chew (CAPRA, 2000, p. 213-214). Esta teoria nos diz que no
existem entidades fundamentais, ou seja: se dividirmos as partculas nos componentes que
as constituem, encontraremos outras partculas que novamente sero divisveis e assim por
diante, no podendo ser consideradas como "entidades inacessveis analise ulterior".
Conforme Capra,
na nova viso de mundo, o universo concebido como uma teia deeventos inter-relacionados. Nenhuma das propriedades de qualquer partedessa teia fundamental; todas decorrem das propriedades das outraspartes, e a consistncia global de suas relaes mtuas determina aestrutura de toda a teia. (CAPRA, 2000, p. 214).
7 Nas obras analisadas aqui, as sees ocorrem geralmente dentro de um fluxo contnuo de transformao,sendo quase sempre atingidas gradualmente e, portanto, no so claramente delimitadas auditivamente.
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Nas composies que integram este memorial, a unidade do todo encontra-se na
relao e na interao entre as diversas partes que o compe, seja este todo uma obra
individual ou um conjunto de composies.
1.3. As simetrias, a proporo urea e a srie de Fibonacci
A leitura de alguns textos sobre os princpios composicionais utilizados por Bla
Bartk8, comprovados em sua "Msica para cordas, percusso e celesta", levaram
associao de alguns destes princpios aos gestos gerados pela concepo dos ciclos vitais.
Em suas pesquisas folclricas na Europa Central e Oriental, norte da frica e
Turquia (ANTOKOLETZ, 1992, p. 106-140), Bartk constatou que, apesar das diferenas
culturais, existiam muitos traos comuns entre estas msicas. Sendo obtidos atravs do
estudo de manifestaes culturais coletivas e espontneas dos povos, como se os
princpios composicionais utilizados por ele viessem da prpria natureza. Estes princpios
incluem, como elementos fundamentais, a utilizao de padres simtricos, da proporo
urea e da srie de Fibonacci, os quais so encontrados com freqncia na natureza
(HUNTLEY, 1970). Bartk utiliza estes recursos tanto na organizao da macroestrutura
de uma obra estruturando suas sees simetricamente ou atingindo um clmax em seu
ponto ureo - quanto em elementos da microestrutura - na formao de escalas simtricas,
que polarizam seu eixo de simetria, na utilizao de figuraes rtmicas formadas a partir
da srie de Fibonacci, etc.
Foram estas as idias que levaram associao desses princpios com os conceitos
dos ciclos vitais.
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1.4. As concepes finais dos ciclos vitais
A partir das idias expostas nas sees anteriores foram obtidas as cinco
concepes finais sintetizadas a seguir:
1) o movimento cclico de eterno retorno corresponde repetio de etapas do que
pode ser considerado uma volta do ciclo, ou uma nova existncia ou seja, cada seqncia
de nascimento, desenvolvimento, auge e morte, existindo em funo de um re-nascimento
do ser. Cada existncia tem sua prpria dinmica interna, que consiste na passagem,
geralmente gradual, de uma etapa outra. O retorno das etapas na nova volta do ciclo
tambm dinmico, pois a repetio destas etapas se d em um novo nvel de
desenvolvimento, sob nova tica e adquirindo nova compleio. Portanto, existem
evoluo e mudana constantes em cada etapa e em cada existncia;
2) a ambigidade dos conceitos existe na natureza interna dos ciclos vitais na
oposio dos conceitos de vida e morte, de desenvolvimento e decadncia. Esta
ambigidade superada pela movimentao contnua do ciclo pois, na verdade, um
conceito se transforma no seu oposto para mais tarde retornar sua forma anterior. Sendo
assim, os opostos se unificam como parte de uma mesma realidade, do mesmo "corpo" do
ser;
3) o vir-a-ser contido no germe consiste na existncia dos elementos que se
desenvolvero durante a vida do ser desde a etapa do nascimento. Esses elementos podem
no ser claros nesta fase, ganhando uma forma mais definitiva no decorrer de seu
desenvolvimento. Este germe tambm se relaciona com os conceitos opostos - na morte
existe a semente de uma nova vida, pois necessrio morrer para renascer; igualmente, o
8 Tacuchian (1994/1995); Antokoletz (1992).
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auge da vida contm a semente da morte, pois a partir deste auge que comea o
retrocesso no desenvolvimento do ser;
4) as concepes anteriores esto agrupadas em um conjunto de caractersticas que
fazem parte de um corpo contnuo onde todas elas se relacionam. O movimento cclico,
com seus padres de mudana, percorrem todas as etapas de desenvolvimento do ser. Estas
etapas se relacionam por oposio ou negao, mas contendo em germe o seu oposto.
Tambm a cada volta do ciclo o ser renasce com uma nova figurao, "mas no seu novo
elemento, e no sentido que resultou do processo" (HEGEL, 1992, p. 27). Apesar de
modificar a compleio do ser, a transformao de seus elementos serve como um elo entre
existncias subseqentes, ao mesmo tempo em que permitem que o universo siga com o
seu fluxo de mudanas. Lembrando a teoria do bootstrap, assim como as etapas de
desenvolvimento do ser, que atravs de seu retorno do origem aos ciclos vitais, diferentes
ciclos tambm se inter-relacionam, dando origem a uma nova cadeia de relaes em uma
escala mais ampla. Assim, poderamos seguir com os agrupamentos, quando olhamos para
o exterior, ou as divises, quando olhamos para o interior. Toda esta diversidade infinita,
ento, se inter-relaciona em um todo orgnico, em uma teia ininterrupta de relaes;
5) as simetrias, a proporo urea e a srie de Fibonacci ocorrem dentro destas
quatro concepes, muitas vezes resultando delas. A proporo urea e a srie de
Fibonacci aparecem na diviso das etapas dos ciclos vitais, como ocorre no
desenvolvimento de alguns seres vivos. Freqentemente estas propores faro com que as
simetrias estejam adaptadas a elas, sendo utilizadas partes semelhantes, mas com
propores desiguais, em torno de um eixo central. Tanto as simetrias quanto a proporo
urea e a srie de Fibonacci aparecem na microestrutura e na macroestrutura das obras,
fazendo parte da cadeia de relaes que unificam o todo.
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1.5. Ciclos vitais e ciclos musicais
Alguns gestos foram sistematizados para a representao musical da concepo dos
ciclos vitais dentro das composies, principalmente no que se refere a sua macroestrutura.
As transformaes entre uma etapa e outra dos ciclos vitais so representadas atravs da
densificao e rarefao dos parmetros sonoros como, por exemplo, a ampliao ou
retrao das dinmicas e a diminuio ou aumentao das figuras rtmicas e da
construo gradual de materiais musicais e sua fragmentao. O nascimento representado
por um elemento musical simples que deve ganhar corpo atravs do adensamento, do
acrscimo de materiais ou de ambos, que representariam o desenvolvimento do ser. Ao
chegar a um ponto mximo de tenso, representando o auge deste desenvolvimento, o
processo se inverte: ocorre uma rarefao dos parmetros sonoros e/ou uma fragmentao
dos materiais musicais, retornando ao ponto inicial e representando a morte do ser. Este
ponto tambm representa o ponto de partida para uma nova existncia, ou seja, o
renascimento do ser. Este processo de crescimento implica a utilizao de repetio de
gestos musicais, para que se sintam neles as variaes na densidade dos parmetros e se
percebam as transformaes graduais pelas quais eles passam.
Na representao da nova existncia, a composio musical contar com os
mesmos materiais utilizados na existncia anterior. Porm estes materiais tero uma nova
figurao, sendo alterados em maior ou menor grau e eventualmente fundindo-se dois
materiais diferentes em um nico material. Tambm podem ser acrescentados novos
materiais, representando a aquisio de novos conhecimentos. A nova existncia pode
adquirir um carter de oposio em relao existncia anterior. Neste caso, as duas
existncias superariam suas diferenas atravs de uma terceira existncia que as
reconciliaria, unificando seus materiais. As diferentes existncias do ser podem ser
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representadas em diferentes peas ou em uma nica pea, implicando diferentes sees
musicais.
As sees de uma determinada obra analisada neste memorial esto sempre inter-
relacionadas e, num patamar mais elevado, as diversas obras tambm se inter-relacionam,
tanto por materiais em comum quanto por suas semelhanas estruturais. Elas tambm
seguem, na ordem em que foram compostas, um certo padro de mudana e retorno. Esta
percepo surgiu durante a criao da ltima obra do conjunto de composies, o que
indicou todo o conjunto como um ciclo de composies que reflete na sua macroestrutura
muitos dos elementos das composies individuais.
Nestas composies, a proporo urea e a srie de Fibonacci so utilizadas
temporalmente, a partir do nmero de tempos de uma composio, da durao de sua
verso sintetizada ou do tempo de sua performance ao vivo. Elas podem aparecer tanto na
macroestrutura de uma obra quanto na diviso interna das sees, demarcando importantes
pontos estruturais, como mudanas de sees, clmax ou a utilizao de gestos que sejam
relevantes dentro do contexto da composio.
As simetrias aparecem na formao de conjuntos de notas e escalas, levando-se em
conta a disposio de seus intervalos (por exemplo: 2m, 4J, 2 m), e na macroestrutura de
uma obra, atravs da constatao de elementos recorrentes seguindo uma certa ordem em
torno de um ponto central. Assim como a utilizao da seo urea, estas simetrias podem
ser aproximadas: duas sees que utilizam um mesmo gesto musical sero consideradas
correspondentes, mesmo que esse gesto tenha pequenas variaes em sua estrutura ou que
as sees tenham diferentes duraes.
As simetrias e a proporo urea foram utilizadas no s conscientemente como
tambm de forma inconsciente nas composies, constatadas neste caso somente atravs da
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anlise posterior. Isto veio reforar, conjuntamente constatao da recorrncia de
materiais e dos padres cclicos de mudana e retorno no conjunto de composies, a
possibilidade de que a intuio e o inconsciente tm grande participao no processo de
criao musical. A isto se referem as sees de reflexes ps-composicionais nas anlises
das obras.
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2. RELAES ESTTICO-COMPOSICIONAIS E ASPECTOS
TCNICOS DAS COMPOSIES
2.1. O conjunto de composies como um todo o macrocosmo
As concepes estticas e sua representao musical se cristalizaram
progressivamente durante a composio do conjunto de obras e s se completaram
totalmente com a concluso da ltima obra (Concerto Grosso). A representao dos ciclos
j tomara forma desde o incio da composio dos Estudos para piano, fazendo com que
todas as obras do conjunto apresentem aspectos estruturais em comum. Na composio de
Eterna Ciklo surgiu a idia de organizar a estrutura utilizando os padres simtricos, a
proporo urea e a srie de Fibonacci9, o que se expandiu tambm organizao de
alturas em conjuntos e escalas simtricas em Ambigidades II e no Concerto Grosso.
Existem, assim, idias especficas a cada obra na representao dos ciclos vitais e,
igualmente, h elementos recorrentes entre todas elas. O conjunto de composies reflete
na sua macroestrutura a concepo dos ciclos vitais, atravs do movimento cclico de
retorno dos materiais em evoluo e transformaes constantes.
9 A ocorrncia das propores ureas nos Estudos foi constatada aps a composio de Eterna Ciklo.
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O conjunto, assim como as composies individuais, alterna trechos de
adensamento e rarefao (ou expanso e retrao) dos parmetros sonoros, no s atravs
das sees internas das obras, mas tambm, em um nvel mais amplo, nas instrumentaes
utilizadas e na intensidade sonora das obras.
As instrumentaes so as seguintes: Estudos para piano n 1 e n 2 - piano solo;
Eterna Ciklo - violino, violo e violoncelo; Ambigidades II - violoncelo solo; Concerto
Grosso - flauta doce, flauta transversa, obo, 2 pianos, 2 violinos, viola, violoncelo e
contrabaixo. A complexidade dos timbres se alterna entre instrumento solo e grupo
instrumental, expandindo-se, retraindo-se e voltando a expandir-se. A cada retorno
comea-se a partir de um patamar mais elevado. Nas peas solo, Ambigidades II utiliza
maiores possibilidades de timbre do que os Estudos para piano e, nas peas para grupo
instrumental, o Concerto Grosso, que termina o ciclo, possui a maior complexidade de
timbres, com um grupo de dez instrumentos de famlias variadas. Assim, Ambigidades II
e o Concerto Grosso correspondem respectivamente ao renascimento em "um nvel mais
alto" (HEGEL, 1993, p. 220) dos Estudos e de Eterna ciklo.
Existem semelhanas na oscilao das intensidades10 entre os Estudos e Eterna
Ciklo e entre Ambigidades II e o Concerto Grosso, conforme pode ser visto no grfico
abaixo11 (fig. 2.1.1).
10 De forma geral os nveis intensidade so tambm uma aproximao do nvel de densidade dos parmetrossonoros, pois normalmente todos os parmetros oscilam de forma semelhante.11 O grfico foi obtido atravs da anlise grfica do programa de edio musical Sound Forge verso 4.5sobre os arquivos de som da gravao do recital de composio.
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Estudos (n1) (n2) Eterna Ciklo Ambigidades II Concerto Grosso
Figura 2.1.1 Anlise grfica do nvel de intensidade das composies.
Agrupando-se os dois Estudos em uma unidade, existem dois pontos de mxima
intensidade sonora atingidos gradualmente, com uma parte intermediria separando-os.
Aps atingir um auge, a queda de intensidade mais rpida. O mesmo acontece em Eterna
Ciklo, embora exista uma pequena retomada no crescimento da intensidade aps o segundo
auge. Entre Ambigidades II e o Concerto Grosso a semelhana mais sutil e reside nos
maiores auges de intensidade, que ocorrem na primeira e ltima seo de cada pea12, com
o ltimo auge praticamente concluindo Ambigidades II e concluindo o Concerto Grosso.
Na parte central a intensidade das duas peas se mantm em um nvel menos elevado,
embora existam maiores oscilaes no Concerto Grosso, onde ocorre tambm um auge
intermedirio.
No contexto geral, o nvel de intensidade mais alto nas peas externas do ciclo
(Estudos e Concerto Grosso) e se mantm em um nvel mais baixo e aproximado nas duas
peas intermedirias (Eterna Ciklo e Ambigidades II), gerando a representao simtrica
A B B A.
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Esta mesma simetria ocorre na utilizao de materiais musicais. Em todas as obras
existe a oposio de gestos de notas longas e notas curtas. Em Eterna Ciklo e
Ambigidades II a oposio se d pela intercalao entre timbre de arco e pizzicato, e nas
outras obras pela sobreposio e intercalao de notas de diferente durao.
Existem tambm semelhanas entre gestos meldicos dos Estudos e do Concerto
Grosso, e de Eterna Ciklo e Ambigidades II (ex. 2.1.2 ).
a) Estudo n 1 Concerto Grosso
Estudo n 2 Concerto Grosso
12 Ver anlises individuais, nas sees 2.2.3 e 2.2.4
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b) Eterna Ciklo Ambigidades II
Eterna Ciklo Ambigidades II
Exemplo 2.1.2 Comparao entre gestos dos Estudos para piano e do Concerto Grosso(a) e de Eterna Ciklo e Ambigidades II (b).
A figura abaixo sintetiza as diversas relaes do conjunto de composies.
Estudos Eterna Ciklo Ambigidades II Concerto Grosso
relaes entre as instrumentaes
semelhana entre oscilaes internas de intensidade das obras
reaproveitamento de gestos e materiais musicais, e oscilao de intensidade no plano geral
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Fig. 2.1.2 Inter-relao entre as obras do conjunto de composies.
Toda esta rede de relaes unifica o conjunto, caracterizando-o como um ciclo de
composies. Este ciclo se divide em obras com caractersticas individuais semelhantes s
do conjunto, na unidade e na transformao de seus materiais. Tambm faz parte de um
grupo maior de composies, tendo suas concepes estticas e seus processos
composicionais sido atingidos gradualmente, atravs das composies que o precederam e
durante o seu processo de criao. Assim, pode ser feita uma analogia com a teoria do
bootstrap onde "o universo concebido como uma teia de eventos inter-relacionados" e no
qual "nenhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia fundamental" mas
"decorrem das propriedades das outras partes" (CAPRA, 2000, p. 214). A teia de relaes
do conjunto de composies e sua relao com as obras que o precederam representam a
eterna continuidade dos ciclos vitais.
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2.2. Aspectos especficos das composies o microcosmo
2.2.1 Estudos para piano
Concepo inicial
O planejamento inicial previa a composio de um grupo de trs estudos para piano
durante o Mestrado, integrando um grupo maior de doze estudos. A idia dos ciclos vitais
deveria adaptar-se a este conjunto e duas solues foram propostas: 1) a representao em
cada estudo de uma etapa diferente dos ciclos; ou 2) a aplicao da idia dos ciclos de
forma incompleta em cada um deles, deixando a etapa do renascimento sempre para o
estudo seguinte. Optou-se pela segunda soluo, pois assim cada estudo poderia ser
executado independentemente da execuo do conjunto. O Estudo n 2 representa o
renascimento do Estudo n 1 atravs da reutilizao de elementos, representando os
conhecimentos adquiridos na primeira existncia, de uma nova forma e com o acrscimo
de novas idias, caracterizando uma nova existncia. O mesmo aconteceria com o Estudo
n 3 em relao ao segundo estudo. Desta forma, cada estudo simbolizaria uma diferente
existncia do mesmo ser.
O Estudo n 3 ainda no foi composto, mas sua ausncia no inviabilizou o grupo,
pois todas as etapas esto presentes quando os dois estudos j compostos so utilizados em
conjunto.
Em geral, um estudo tem a finalidade de resolver de forma musical alguma
dificuldade tcnica do instrumento. O principal princpio da tcnica pianstica trabalhado
nos dois estudos, inspirados pelos exerccios tcnicos sugeridos por Cortot (1991), a
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independncia digital atravs da movimentao de alguns dedos enquanto outros ficam
presos13. Um novo problema tcnico surgiu durante a composio do primeiro estudo, a
utilizao de acordes que exigem grande abertura das mos. Este problema tambm
trabalhado no segundo estudo. No Estudo n 1 trabalha-se ainda a utilizao do pedal tonal,
o qual empregado em diferentes graus de dificuldade, entre acordes inicialmente mais
espaados temporalmente (ca. 6,5 segundos) at acordes muito prximos (ca. 1 segundo).
2.2.1.1 Estudo n 1
O Estudo n 1 apresenta as concepes estticas dos ciclos vitais da seguinte forma:
o acorde inicial a matria abstrata a partir da qual a pea se estrutura; novos acordes e
notas curtas vo surgindo aos poucos, ampliando o contedo da pea; aps todos os
elementos terem sido adquiridos, eles comeam a desenvolver-se em [59]14, chegando ao
ponto mximo em [93]; a partir de ento, a fase da morte chega de forma rpida.
A tcnica de dedos presos contra dedos soltos trabalhada atravs do contraste
entre notas longas presas e notas curtas repetidas, na mesma mo. Esta idia gerou um
trecho que parecia ter surgido repentinamente ([59]-[74]), pois um nmero razoavelmente
grande de elementos aparecia quase ao mesmo tempo e logo no que seria o incio da pea.
Para a representao da etapa do nascimento do ser, seria mais coerente atingir este trecho
gradualmente, adquirindo e desenvolvendo estes elementos ao longo de um perodo maior.
13 O termo dedos presos utilizado aqui para os dedos que mantm as teclas pressionadas, mantendo a notacorrespondente soando. O termo dedos soltos ser utilizado para os dedos que se mantm livres, sendoutilizados em notas de curta durao. O objetivo tcnico da utilizao dos dedos presos contra dedos soltos a conscientizao do mecanismo motor necessrio para a movimentao de cada dedo, eliminando ascontraes musculares desnecessrias e promovendo a dissociao muscular (KAPLAN, 1987, p. 20-49).14 Neste trabalho os compassos sero indicados da seguinte forma: [xx].
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Por isso, decidiu-se complementar este trecho tanto em direo sua concluso quanto em
direo ao seu incio.
A primeira tentativa em direo ao princpio levou utilizao de acordes esparsos
de cinco sons na regio grave do piano, derivados de junes das alturas de gestos musicais
do trecho previamente composto ([59], 1 e 2 t. e [62], 1t) (ex. 2.2.1.1.1), na dinmica pp,
para que este acorde soasse como se partisse do silncio. Isto trouxe novas dificuldades de
tcnica pianstica obra: a abertura de mo e o controle de som nesses acordes.
Gestos Acordes derivados
Exemplo 2.2.1.1.1 Gestos do trecho previamente composto e seus acordes derivados naseo inicial.
Esta nova seo parecia no ter a durao necessria para preceder a seo seguinte,
e os dois acordes iniciais soavam apenas como uma introduo. Por isso toda a seo foi
ampliada. O gesto de nota curta foi utilizado aps o segundo acorde, e o terceiro acorde15,
que surgia antes deste gesto, aparece agora s em [17]. Nos compassos que precedem o
gesto de nota curta ouvem-se novamente os acordes iniciais, encerrando o primeiro
segmento desta seo e caracterizando-o como um grande gesto inicial ([1]-[8]) e no
15 Os nmeros ordinais se referem a diferentes acordes, no levando em conta acordes repetidos.
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como um gesto meramente introdutrio. Dentro das concepes dos ciclos vitais, o "ser"
comea a ser gerado: a primeira seo ([1]-[58]) aos poucos ganha densidade, tanto
ritmicamente quanto em sua tessitura e intensidade e acrescenta acordes tridicos ao seu
contedo, aproximando gradualmente a sua sonoridade da segunda seo ([59]-[98]), na
qual os acordes utilizados aparecem divididos em uma tera e uma trade, at obter a
unidade necessria para que ela seja alcanada. As pausas tm um importante papel neste
contexto, criando interrupes que fazem com que o processo de crescimento recomece,
mas sempre em um nvel mais elevado, mantendo a sua continuidade. A ltima pausa
ocorre em [28] e a partir deste ponto o processo se torna mais contnuo, direcionando
segunda seo.
Um acorde grave sustentado na mudana de sees ([58]-[60]), conectando-as e
amenizando o contraste gerado pela no utilizao da regio grave do piano nos primeiros
compassos da segunda seo (ex. 2.2.1.1.2).
Exemplo 2.2.1.1.2 Conexo entre as sees atravs de acorde sustentado.
Na segunda seo h um pulso mais contnuo, apenas esboado anteriormente,
criando uma maior definio rtmica a esta seo, como se o ser que est sendo gerado
alcanasse a sua maturidade.
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As duas dificuldades tcnicas se fundem em direo ao final da pea, com acordes
que exigem abertura das duas mos e notas curtas atacadas enquanto outras so
sustentadas. Este gesto utilizado no clmax da obra ([93]), no seu ponto de maior
espaamento entre mo esquerda e direita, e se retrai rapidamente para a sua concluso.
Neste momento, o ser chegou ao ponto mximo de aquisio de elementos e se direciona
para a morte. Os acordes do incio reaparecem, embora o primeiro acorde seja
desmembrado em dois, como uma fuso de suas aparies nas duas sees. Aps o ataque
do ltimo acorde, o gesto de notas repetidas ouvido como uma ltima lembrana da vida,
aps alcanada a etapa da morte, indicando a continuidade do ciclo.
Ps-composio
Aps a composio do Estudo n 1, o tempo das sees foi medido com o objetivo
de verificar se a mudana de sees correspondia proporo urea. O resultado foi
negativo. Ento foi calculado o ponto onde a proporo ocorria no plano geral da obra e
em cada seo. O resultado trouxe alguns dados adicionais sobre a sua estrutura.
O ponto ureo ocorre exatamente em [54], no ltimo grande gesto da primeira
seo, que comea com o acorde do incio da obra e conduz at a seo seguinte (ex.
2.2.1.1.3). O ponto ureo da segunda seo, coincidentemente, no ocorre no clmax, mas
sim no ltimo gesto de notas longas seguido de notas curtas que originou o acorde que
inicia a pea ([90]), dirigindo a seo para o clmax (ex. 2.2.1.1.4). A proporo urea
retrgrada no plano geral da obra recai sobre o ltimo compasso de pausa da obra ([28]).
Portanto, a proporo urea nesta pea no delimita um clmax ou a mudana de sees,
mas serve de prenncio ao que est por vir, o "vir-a-ser".
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Exemplo 2.2.1.1.3 Ponto ureo da pea.
Exemplo 2.2.1.1.4 Ponto ureo da segunda seo.
As principais concepes dos ciclos vitais esto contidas nesta composio, exceto
a etapa do renascimento, que ocorre no Estudo n 2. A pea inicia com o gesto de notas
longas e introduz espaadamente o gesto de notas curtas. Assim os conceitos opostos esto
presentes, sendo o gesto de notas curtas no incio da pea apenas um germe. No entanto, ao
longo da obra, o gestos de nota longa se torna cada vez mais curto e o gesto de notas curtas
passa a ser dominante. Desta forma, o vir-a-ser est contido em germe na etapa do
nascimento. Aps o clmax existe um retorno ao gesto de notas longas, indicando a
circularidade do ciclo. Todos os elementos ocorrem num movimento contnuo e gradual e
percorrem a obra em toda a sua extenso, mantendo a unidade do todo.
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2.2.1.2. Estudo n 2
O Estudo n 2 trabalha a oposio entre dedos presos e dedos soltos atravs do
arpejo de acordes extrados do primeiro estudo. As notas j tocadas so sustentadas
mantendo-se os dedos pressionados, criando um efeito semelhante ao do pedal de
sustentao. Como estes acordes exigem grande abertura das mos, os dois princpios
tcnicos do primeiro estudo so trabalhados sob uma nova tica.
Tambm so acrescentadas novas idias musicais: a mutao dos padres
meldicos dos arpejos e um trinado executado por dedos de ambas as mos alternadas (ex.
2.2.1.2.1).
Exemplo 2.2.1.2.1 Gesto de trinado executado por mos alternadas.
A idia da mutao dos padres meldicos criados pelos arpejos ocorre atravs da
utilizao de regies compartilhadas entre os dois acordes, que desta forma se fundem.
Assim, mesmo utilizando um padro meldico constante em cada uma das mos, o efeito
sonoro sempre um pouco diferente (ex. 2.2.1.2.2).
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Execuo Efeito
Exemplo 2.2.1.2.2 Mutao dos padres meldicos atravs de regies compartilhadasentre dois acordes.
O trinado um elemento de oposio (anttese) ao gesto de acordes arpejados,
criando uma perturbao na continuidade de seu desenvolvimento.
A pea est divida em duas sees, embora a utilizao de elementos de gestos que
se assemelham, prximos mudana de sees, crie uma transio entre elas.
A primeira seo ([1]-[31]) se caracteriza pela fuso gradual dos acordes da mo
esquerda com os acordes da mo direita e h, conseqentemente, uma condensao do
registro do piano. Desta forma, os primeiros acordes da pea esto claramente dispostos
como dois blocos distintos ([1]-[3]) (ex. 2.2.1.2.3 a), enquanto os ltimos acordes da
primeira seo esto fundidos ([28]-[29]). Nestes compassos, a nota mais aguda aparece na
mo esquerda e a nota mais grave , pela primeira vez, uma nota do acorde da mo direita
(ex. 2.2.1.2.3 b).
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a)
b)
Exemplo 2.2.1.2.3 Disposio de acordes em dois blocos distintos no incio da pea (a) efuso dos acordes no final da primeira seo (b).
Dentro da primeira seo aparece, a intervalos cada vez menores, o gesto de trinado
entre notas das duas mos alternadas, utilizando sempre notas das regies de interseco
entre os dois acordes. Ocorre assim uma condensao gradual da microestrutura da
primeira seo, que se divide, em funo da utilizao dos trinados, em trs partes,
conforme o esquema abaixo:
[1]-[11] acordes (11 c.) [13]-[20] acordes (8 c.) [23]-[29] acordes (7 c.)
[12] trinado [21]-[22] trinados [30]-[31] trinados
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O trinado em mos alternadas serve de prenncio para uma nova seo, onde as
duas mos se alternam nota a nota do incio ao fim.
A transio entre as duas sees pode ser assinalada a partir de [28], j que este
compasso apresenta os acordes iniciais da segunda seo e a polirritmia antecipa a
intercalao entre as notas dos acordes da mo esquerda e direita que ser utilizada na
segunda seo [32]-[39]. Esta intercalao de notas dos acordes, aliada utilizao da
mesma regio do teclado, faz com que parea existir na realidade um nico acorde para as
duas mos. Este gesto predomina na segunda seo e passa por uma acelerao at um
andamento presto, no qual se mantm. A dinmica cresce de pp at fff e, neste ponto, o
gesto do trinado reaparece [33]. O ltimo trinado, na regio grave, serve de pontuao para
a pea [38], surgindo de dentro de sua reverberao o gesto inicial do estudo, em ppp [39].
A primeira seo representa o renascimento, utilizando elementos do estudo
anterior, e o desenvolvimento do ser at atingir a maturidade, atravs das novas formas de
utilizao dos elementos pr-existentes e da utilizao de novos elementos, os novos
conhecimentos desta segunda existncia. Relembrando Hegel, o ser estaria atravessando
"novamente os estgios de sua histria, mas agora em um estado elevado de conscincia"
(BURNHAM, 1995, p. 117). Na segunda seo, todos os elementos foram adquiridos, e
aps chegar a um ponto mximo de tenso, os gestos se intercalam e se rarefazem at sua
concluso. A pea finaliza com os gestos que a iniciaram em ppp, como um espectro,
representando a ltima lembrana desta existncia do ser e, desta maneira, a morte.
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Ps-Composio
A escrita sem diviso de compassos e sem determinao metronmica da segunda
seo, bem como a escrita em accelerando dos trinados, faz com que a durao da obra
seja varivel. Por este motivo, as propores sero analisadas, em um mbito geral,
tomando por base a interpretao do pianista Andr Loss (ver Anexo). O tempo total da
pea ser considerado desde a primeira nota at o final da reverberao do ltimo acorde, o
que corresponde realidade da composio.
O ponto ureo da pea (2'16") ocorre no momento em que se alcana o andamento
presto na segunda seo, demarcando o ponto onde ela estabiliza seu andamento e segue
obstinadamente para o clmax, em [33]. O ponto ureo retrgrado (1'31") ocorre em [22],
sobre um gesto de trinado, precedendo a ltima subseo da primeira seo. Esta subseo
serve de transio para a segunda seo, antecipando, atravs do gesto de trinado, a
alternncia contnua de mos da segunda seo. Pode-se ento fazer aqui uma comparao
com o estudo n 1, pois os pontos ureos no delimitam algum clmax, mas ocorrem em
pontos importantes, servindo de prenncio ao que est por vir.
Analisando separadamente as duas sees, verifica-se algo semelhante: o ponto
ureo da segunda seo (3'18") ocorre em [35], no gesto de acordes arpejados
polirritmicamente entre as duas mos, similarmente utilizao dos acordes na primeira
seo. Este o nico ponto, excetuando-se o ltimo compasso da pea, onde este gesto
utilizado nessa seo. Ele tem uma sonoridade ambgua que fica entre o gesto de mos
intercaladas do trecho final do presto (utiliza os mesmos acordes, na mesma inverso) e o
gesto mencionado da primeira seo.
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Na primeira seo o ponto ureo retrgrado e o ponto ureo ocorrem
respectivamente aps o primeiro trinado [10] e antes do segundo trinado [21], destacando a
diviso de suas subsees.
O Estudo n 2 reutiliza materiais do Estudo n 1 representando o seu renascimento,
criando uma unidade entre os dois. Assim como as notas curtas eram o germe do posterior
desenvolvimento do Estudo n1, no Estudo n 2 os trinados tm esta funo. A oposio
entre os acordes arpejados (tese) e os trinados entre mos alternadas (anttese) do Estudo
n 2 superada atravs da unificao dos gestos (sntese) na segunda seo da pea. Os
materiais retornam constantemente, mas sempre modificados, mostrando um padro de
mudana dinmico. Neste contexto, o gesto final do estudo, embora seja idntico ao gesto
do segundo compasso, tem um significado diferente, antes de lembrana do que de retorno,
simbolizando a morte e no um renascimento. Este efeito gerado pela utilizao deste
gesto aps todo o desenvolvimento da segunda seo, e ampliado pela ausncia de
resoluo do gesto em um compasso posterior, como ocorre na primeira seo da pea.
Porm a morte serve de ponto de partida para uma nova existncia, e o gesto que inicia a
obra se encaixa perfeitamente como um gesto conclusivo.
Alm da semelhana entre materiais e tcnica pianstica, a unidade entre os estudos
tambm existe na relao de suas propores ureas. Em ambos elas aparecem em pontos
de importncia estrutural que, embora no ocorram sobre um clmax, levam a ele.
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2.2.2. Eterna Ciklo, para Violo, Violino e Violoncelo
Os materiais bsicos desta obra surgiram de forma intuitiva atravs de dois
improvisos. O primeiro material (ex. 2.2.2.1) veio de um improviso ao violo, onde a
utilizao das cordas soltas extremas repetidas levaram idia de uma pea inteira que se
originasse de uma nica nota e ganhasse aos poucos maior complexidade.
Exemplo 2.2.2.1 Material originado de improviso ao violo
O segundo material veio de um improviso ao piano baseado na milonga lenta, da
qual foi extrado o padro meldico caracterstico do baixo deste gnero sulriograndense
(ex. 2.2.2.2).
Exemplo 2.2.2.2 Baixo caracterstico da milonga lenta.
A pea est estruturada em seis sees, agrupadas em duas partes de trs sees
cada. As sees de cada parte correspondem s etapas dos ciclos, sendo as sees 1 ([1]-
[27]) e 4 ([76]2t. - [90]) o nascimento (renascimento no caso da seo 4), as sees 2
([28]-[60]) e 5 ([91]-[102]) o desenvolvimento do ser e as sees 3 ([61]-[76] 1t.) e 6
([103]-[120]) a morte. A mudana da terceira para a quarta seo ocorre exatamente no
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ponto ureo da obra ([76] 2 t). Portanto, a seo urea representa aqui a passagem da
morte para o renascimento, ou seja, a eternidade.
A primeira seo comea com um "gesto gerador", a repetio obstinada da nota mi
no violo em um padro rtmico de colcheia mais semnima. O violino introduzido em
pizzicato em unssono rtmico e meldico com o violo ([2]). O violoncelo inicia em
seguida ([3]), tambm em pizzicato e na mesma altura do violino, mas com o ataque
rtmico separado dos outros instrumentos. Desta forma, o timbre do pizzicato, por se
assemelhar ao timbre do violo, parece estar se emancipando dele. A partir da, existe
tambm uma ampliao gradual de contedo rtmico e meldico. As alturas foram
escolhidas de forma a polarizar a nota mi, sendo introduzidas notas apolares16 no final
desta seo com o objetivo de conduzir seo seguinte, que inicia com o centro l. A
etapa do nascimento est representada pela idia de emancipao gradual dos elementos
musicais e pelo fato de os materiais desta seo gerarem os materiais de toda a obra.
O principal elemento meldico da segunda seo o padro extrado da milonga, o
qual j havia aparecido em germe na primeira seo (ex. 2.2.2.3 a). Este padro meldico
utilizado basicamente de duas formas: com notas repetidas, em um grupo rtmico de seis
semicolcheias; ou sem notas as repetidas, em um grupo rtmico de trs semicolcheias (ex.
2.2.2.3 b). Os dois grupos so primeiramente expostos e depois desenvolvidos atravs de
sobreposio ou intercalao. Esta seo corresponde etapa de desenvolvimento do ser,
atingindo o ponto mximo em [60], que conduz para a seo seguinte.
16 O termo "notas apolares" utilizado aqui se refere teoria exposta por Edmond Costre no livro"Mort outransfigurations de lharmonie (1962). Segundo o autor, os intervalos de unssono, 8J, 2m, 7M, 4J e 5J sopolares, e os intervalos de trtono, 2M e 7m so apolares, os intervalos restantes so considerados neutros.Portanto as notas polares de mi so mi, r#, f, si e l e as apolares sib, r e f#.
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a)
b)
Exemplo 2.2.2.3 Utilizao do padro meldico da milonga na seo 1 (a) e naseo 2 (b).
A terceira seo serve de coda para a primeira parte, utilizando o gesto da milonga
com o grupo de trs semicolcheias no violo junto ao gesto gerador no violoncelo em
pizzicato. O violino aparece a partir de [62] em pizzicato, em ritmos e notas
complementares ao violo, transformando-se gradualmente no gesto gerador. A partir de
[67], o violo passa por um processo de aumentao rtmica e uma reduo do nmero de
notas, representando a "morte" na primeira parte da obra.
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As sees seguintes seguem o mesmo processo das anteriores com algumas
modificaes. A quarta seo retoma a idia inicial da obra nos trs instrumentos, que
voltam ao unssono da nota mi em [76]. Como este unssono representa a transio entre a
etapa da morte e do renascimento, ele foi concebido para ser o ponto ureo da pea.
A quinta seo corresponde segunda com relao aos ciclos, sendo um novo
desenvolvimento do ser. O ponto de maior intensidade da obra (ff) ocorre nos dois ltimos
compassos desta seo ([101]-[102]), levando ltima seo.
A sexta seo serve de coda para toda a obra, apresentando resumidamente todas as
idias expostas. Esta seo passa por um processo de adensamento rtmico e tmbrico entre
[105] e [115] e pelo processo oposto em seguida, representando a etapa da morte. A pea
termina com o timbre mais puro de um harmnico natural da nota mi no violo,
representando um espectro do gesto gerador.
Ps-composio
A anlise desta composio trouxe dois aspectos importantes. O primeiro diz
respeito proporo urea, e o segundo s estruturas simtricas.
O retorno ao unssono na nota mi em [76] foi pensado como o ponto ureo da obra,
j que a pea retornava a seu ponto de origem. A obra deveria ter ento um total de 122
compassos. Ao atingir o ltimo compasso haviam sido compostos dois compassos a mais
do que o pr-estabelecido. No entanto, a audio parecia indicar que existiam alguns
compassos excessivos na segunda parte, principalmente na etapa do renascimento. Aps
eliminar os elementos que pareciam excedentes, restaram 120 compassos, dois a menos do
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que o pr-estabelecido. Porm, na primeira parte foram utilizados alguns compassos com
menor nmero de tempos do que na segunda parte, fazendo com que o momento do ataque
do unssono casse exatamente no ponto ureo, de acordo com a durao da obra17, na
seguinte proporo:
Durao total da obra - 601 seg.
Primeiro tempo da quarta seo aos 371,5 seg.
371,5------------------601
x------------------1
x = 0,61813...
O outro aspecto constatado foi a existncia de simetria na estrutura rtmica da obra,
tanto dentro de cada uma das partes em que se divide, quanto no plano geral, conforme a
figura abaixo:
Parte 1 Parte 2
Seo 1 | Seo 2 | Seo 3 | Seo 4 | Seo 5 | Seo 6
L
L L
Figura 2.2.2.1 Simetria na estrutura rtmica de Eterna Ciklo.
17 Conforme a sntese eletrnica.
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Esta simetria um reflexo da forma com que foram representadas as etapas do ciclo
vital, sendo a etapa do nascimento do ser representada por um processo de diminuio
rtmica, a etapa do desenvolvimento pela utilizao de um ritmo constante e a etapa da
morte por um processo de aumentao rtmica. A simetria tambm ocorre nos parmetros
de densidade e quantidade de alturas e de complexidade tmbrica, embora de forma menos
evidente.
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2.2.3. Ambigidades II, para Violoncelo Solo
O ttulo Ambigidades tambm utilizado em uma obra para violino composta
anteriormente a esta pea se deve utilizao de elementos contrastantes que ora esto
fundidos, como uma unidade, e ora se apresentam intercalados, podendo ter diferentes
significados.
A composio foi inspirada pela leitura do livro "Anlise das Coisas", do cientista
francs Paul Gibier (1947), o qual faz uma anlise cientfica do macrocosmo (universo) e
do microcosmo (homem), e prope a existncia de um "terceiro elemento do universo e do
homem", independente dos outros dois (matria e energia): a inteligncia (esprito)
(GIBIER, 1947, p. 70 96).
Ambigidades II representa a ambigidade da existncia humana, polarizada entre o
esprito e a matria. Com base na teoria de Gibier, ambos podem existir separados ou,
durante o perodo de vida material de um ser vivo, unidos atravs da "energia anmica",
como algo aparentemente indivisvel (GIBIER, 1947, p. 91). Assim, matria, esprito e
energia podem ser trs elementos distintos, ou estar associados em um corpo nico. Existe
uma estreita relao entre estes pensamentos e a concepo esttica dos ciclos vitais.
Segundo estes pensamentos, o esprito, atravs da energia, faz com que a matria seja
animada, ocasionando o nascimento (material) do ser. O perodo de vida material do ser
altera o esprito de forma que aps a morte da matria o esprito esteja impregnado do
conhecimento adquirido na existncia material. Esprito e matria so, portanto, dois
elementos opostos mas complementares e necessrios um ao outro, ligando-se atravs da
energia anmica para que o movimento da vida prossiga em seu desenvolvimento.
A partir destas idias foram gerados diversos materiais musicais. O quadro abaixo
traz as principais associaes entre os elementos musicais e extra-musicais:
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Elementos musicais Elementos extra-musicais
Timbre de arco e ritmo flexvel Esprito
Timbre de pizzicatto e ritmo fluente Matria
Movimentao rtmica Energia Anmica
Srie de Fibonacci(n de tempos a cada grupo de
notas em timbre de arco)
animao da matria(ligao matria-esprito atravs da energia)
Progresso geomtrica(quantidade de notas em pizzicato)
quantidade de matria animada
Quadro 2.2.3 Associaes entre elementos musicais e elementos extra-musicais emAmbigidades II.
A escolha dos timbres de arco associados ao esprito e de pizzicato associados
matria relaciona-se conceituao do esprito como algo mais abstrato, mais indistinto do
que a matria; o timbre de arco mais flexvel do que o de pizzicato, que mais pontual
ou concreto.
A representao da transio entre a existncia espiritual e a existncia material do
ser na primeira seo da pea ([1]-[50]) d-se de maneira semelhante: a animao da
matria uma ao do esprito, portanto aparece na msica como uma progresso mais
irregular18, a srie de Fibonacci (1/2, 2/3, 3/5, 5/8 etc); a quantidade de matria animada
uma conseqncia material desta ao do esprito e representa o nascimento material do
ser, sendo simbolizada por uma progresso regular (1/2 = 2/4 = 4/8 etc.), a progresso
geomtrica. A srie de Fibonacci utilizada em unidades de tempo, de forma decrescente,
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nas figuraes que utilizam timbre de arco (esprito), enquanto a progresso geomtrica
utilizada em quantidade crescente de notas utilizadas nas figuraes em pizzicato (matria).
A energia anmica o elemento de ligao entre esprito e matria; para ela a composio
utiliza um elemento musical que se adapta a ambos, a movimentao rtmica. Quanto
maior a quantidade de matria animada, maior a energia utilizada e, portanto, maior a
movimentao rtmica.
As alturas foram escolhidas a partir de uma escala de nove sons composta com a
finalidade de retratar a ambigidade do ttulo. Para isto as notas foram dispostas
simetricamente, conforme o Ex. 2.2.3.1.
Exemplo 2.2.3.1 Disposio simtrica de notas na escala utilizada em Ambigidades II.
O centro tonal da escala ambguo, podendo ter diferentes notas como plo de
atrao, pois a disposio de suas notas comea com uma nota diferente da nota que a
termina (D e R), obscurecendo o sentido tradicional de tnica. O eixo de simetria da
escala ocorre sobre as notas F# e Sol#, podendo ser considerado sob este aspecto, assim
como as notas inicial e final da escala, um duplo plo de atrao.
18 O termo irregular utilizado no sentido de no ser to constante quanto a progresso geomtrica, emboraexista uma certa regularidade na srie de Fibonacci, principalmente quando nos direcionamos aos nmerosmais altos (8/13, 13/21, 21/34 etc.), onde as divises sempre esto muito prximas da proporo urea.
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A obra est dividida em trs sees, representando o nascimento, ou animao da
matria pelo esprito, o desenvolvimento do ser no plano material e a morte fsica do ser,
que retorna a seu estado espiritual.
A primeira seo ([1]-[50]), representa a animao da matria pelo esprito atravs
da intercalao de timbres de arco e pizzicato. Partindo da escala em d, representando o
auge do estado espiritual, so utilizadas vrias outras transposies da escala de nove sons.
Isto confere seo um aspecto mais difuso e mutvel quanto utilizao de alturas,
simbolizando assim a aparncia mais indefinida do esprito. As seqncias de notas em
timbre de arco se reduzem em nmero de tempos, a cada reapresentao, conforme a srie
de Fibonacci. A escolha de uma srie de valores de tempo decrescente veio da idia de que
o esprito, na existncia material, passa a habitar a matria e, portanto, necessita adquirir,
pouco a pouco, dimenses que se adaptem a ela. As seqncias em arco tambm utilizam
figuras rtmicas cada vez mais rpidas, pois simbolicamente existe em cada novo trecho
maior quantidade de matria animada, sendo necessria maior quantidade de energia para
anim-la. Os grupos de notas em timbre de pizzicato, representando a matria animada,
aumentam, em quantidade de notas utilizadas, por progresso geomtrica. As notas em
pizzicato so utilizadas aps cada trecho em timbre de arco, e tambm dentro destes
trechos (subdivididos, aproximadamente, pela srie de Fibonacci), na mesma quantidade
em que apareceram no final do trecho anterior, como se o esprito estivesse observando o
resultado da animao da matria aps a transferncia de energia (ex. 2.2.3.2). Assim,
existe nesta primeira seo uma transio gradual do timbre de arco (esprito) para o timbre
de pizzicato (matria).
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Exemplo 2.2.3.2 Utilizao da srie de Fibonacci e da progresso geomtrica natransio entre os timbre de arco e pizzicato na primeira seo da pea.
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Embora tenha sido uma deciso pr-composicional, o emprego da srie de
Fibonacci e da progresso geomtrica na primeira seo de Ambigidades II trouxe
algumas dificuldades, j que as idias musicais deveriam ser adaptadas de tal maneira que
coubessem dentro de um espao de tempo pr-determinado pela srie de Fibonacci ou de
um nmero de notas pr-determinado pela progresso geomtrica. A progresso
geomtrica, por se referir quantidade de notas, admitia a utilizao livre de tempos. As
diversas possibilidades de textura (cordas simples, duplas etc..) tornam tambm possvel a
utilizao de um nmero variado de ataques com um mesmo nmero de notas. Esta
liberdade tornou a utilizao da progresso geomtrica mais simples. A srie de Fibonacci
seria relativa ao nmero de tempos utilizados, gerando uma dificuldade maior, pois os
gestos musicais corriam o risco de ser seccionados para se adaptarem a ela. Decidiu-se
compor livremente cada trecho, tentando submeter cada gesto, de forma intuitiva, srie
de Fibonacci. Este procedimento acabou gerando quase sempre propores muito prximas
s pr-estabelecidas, sem que a fluncia do pensamento composicional fosse interrompida
pelo formalismo. As pequenas variaes de tempo em relao srie de Fibonacci original
no obstruram o objetivo principal de sua utilizao conjunta com a progresso
geomtrica.
Aps adquirir contedo material suficiente, ou seja, aps toda a transio entre o
timbre de arco e pizzicato, o ser est completamente formado. Na msica isto ocorre
quando o timbre de pizzicato atinge o nmero de 32 notas ininterruptas (ltimo valor da
progresso geomtrica a ser utilizado), entre [48] e [49]. Aps um aparecimento do timbre
de arco representando ainda o esprito dissociado da matria ([50]), inicia a segunda seo
([51]-[85]), representando a existncia material do ser. Uma nica transposio da escala
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utilizada nesta seo, simbolizando a maior "concreo" da matria19. Inicialmente a seo
utilizava apenas o timbre de pizzicato, mas o efeito causado foi de uma grande cesura. Isto
corresponderia a uma dissociao repentina entre matria e esprito, o oposto do que fora
pretendido no processo de transio entre os timbres de arco e pizzicato na primeira seo.
Como soluo, os dois timbres foram intercalados ainda por alguns compassos ([51]-[57]).
O timbre de arco utilizado dentro das figuraes rtmicas fluentes que representam a
matria. Desta forma, este gesto passa a simbolizar a fuso entre o esprito e a matria em
um corpo nico.
A partir de [57] o pizzicato utilizado at o fim da seo. Deste ponto em diante
existe um direcionamento regio aguda. O trecho de movimentao rtmica mais
contnua da seo ([71]-[74]) leva sua nota mais aguda (d) em [75], representando o
desenvolvimento mximo do ser. Nesta regio aguda, o timbre de pizzicato do violoncelo
tem uma sonoridade com pouca reverberao, como se algo detivesse o desenvolvimento
do ser. Este o "sinal" de que no existe possibilidade de prosseguimento. A partir de
ento h um retorno regio mdia e grave.
Entre [75] e [82], a fragmentao dos gestos musicais representa a morte gradual da
matria. A partir de [83] o esprito do ser j se prepara para desligar-se da matria e
retornar a seu estado puro ([86]). Esta preparao se d pela modificao gradual do timbre
de pizzicato e de arco atravs da dinmica e do timbre sul tasto (ex. 2.2.3.3).
19 A escala est transposta para L. Em alguns pontos acrescida a nota sol da corda solta, que no faz partedesta transposio, mas que j havia sido bastante utilizada como nota pedal em outras transposies.
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Exemplo 2.2.3.3 Modificao gradual do timbre de pizzicato e arco atravs da dinmicae do timbre sul tasto.
A ltima seo ([86]-[108]) representa a volta ao estado espiritual do ser e,
portanto, a morte da matria. Aps algumas transposies, atingida a transposio inicial
da escala (D)20 em [94], com baixo em d, representando o retorno ao estado espiritual
inicial, que se torna definitivo com a utilizao do pedal na nota d no baixo em [98], aps
dois compassos de baixo em f #. Nesta seo, utilizado o timbre de arco, simbolizando
o esprito, mas com os gestos meldicos e rtmicos da seo em pizzicato, simbolizando as
alteraes causadas pelo conhecimento adquirido pelo ser em sua vida material. A grande
fluncia rtmica representa o desprendimento da energia acumulada pela matria ao longo
da existncia fsica do ser. A pea termina com o timbre de pizzicato, indicando um
possvel retorno ao estado material do ser, representando assim a eternidade do ciclo.
20 Assim como na seo anterior, so utilizadas a corda solta sol e sua oitava superior, porm sempre comoapojatura da nota sol#.
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Ps-composio
A existncia das propores ureas na obra foi constatada aps o trmino da
composio. As trs sees possuem importantes pontos ureos. O ponto ureo da primeira
seo recai no incio de [28], aps sua ltima pausa significativa e justamente no ponto
onde existe uma repetio transposta do motivo inicial da pea. Na segunda seo, o ponto
ureo ocorre em [71], no incio do trecho de movimentao rtmica mais contnua que leva
nota mais aguda da seo, e que pode ser considerado o seu auge. Este ponto tambm
aproximadamente o ponto ureo do plano geral da obra (0,632 do total de tempo da obra).
Na terceira seo, o ponto u