arte como destino
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Pintor e crítico de arte, César Romero se destaca como um criador baiano que mostra sua pintura em exposições no Brasil e em museus do mundoTRANSCRIPT
pOR. CLAUDIA pEDREIRAFOTOS. SOLAnGE ROSSInI
Entrevista Cesar Romero
arTe como
o trabalho de césar romero é marcado pela cor, com importância até maior do que a escolha do tema
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arTe comopintor e crítico de arte,
césar romero se destaca
como Um criador Baiano
qUe mostra sUa pintUra em
exposições no Brasil e em mUseUs do mUndo
o artista plástico césar romero defende, na prática, a
máxima de que do regional se atinge o universal. suas
pinturas estão em 45 museus nacionais e internacionais.
vinte e cinco novelas e especiais da tv Globo já
utilizaram telas do autor em projetos de decoração.
“ultrapassei as fronteiras de salvador e conquistei meu
espaço no brasil”, diz o baiano de feira de santana, que
ao longo de 42 anos de carreira assegurou 37 prêmios
de pintura, quatro de fotografia e quatro salas especiais.
césar romero, 61 anos, reúne mais de 108 textos
de críticos sobre o seu trabalho, número maior de
apreciações do que o de artistas que atuaram na bahia
com destaque, como carybé e floriano teixeira. o
também membro da abca - associação brasileira de
críticos de arte - e da aica- associação internacional de
críticos de arte - é médico formado pela universidade
federal da bahia e dá plantão no consultório
diariamente. ele conta, nesta entrevista, como é sua
rotina de trabalho e inspiração.
deSTino
Let’s Go - você diz que constrói, de forma
erudita, o gosto popular, os sinais do povo.
comente a respeito dos símbolos culturais
que utiliza no seu trabalho.
César Romero - O mito folclórico e a criatividade
espontânea compõem a matéria do meu trabalho.
Outra coisa que me interessa também é o processo
de reciclagem. Faço isso quando reciclo elementos
afros, elementos dos mercados populares,
transformando-os e revitalizando antigas imagens.
Busco dar forma a símbolos já muito vistos, como
sereias, galinhas, elementos da cultura afro,
recuperando seus significados.
Let’s Go - desta forma a brasilidade é
enfatizada com seu trabalho...
CR - Minha pintura tem essa essência de
coletividade. É um estudo antropológico da cultura
nordestina e brasileira. Mas os artistas, de uma
forma geral, têm pavor do regionalismo achando
que isso é um demérito. Muitos querem parecer
artistas ingleses, alemães, americanos, como se
isso fosse um valor, junto com pinturas na moda,
pinturas atuais, pinturas contemporâneas.
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Let’s Go - O que analisa da produção
artística contemporânea?
CR - Ser artista contemporâneo é uma atitude que veio a
partir dos anos 60, a partir da Pop Art, da Minimal Art, do
Pós-modernismo, que dava ao artista plena liberdade de
expressão, de mistura de técnicas. Marcel Duchamp foi um
teórico deste movimento. Mas a responsabilidade de muita
coisa que é feita hoje, sem critério, não é de Marcel. É de
quem não sabe pintar, esculpir, desenhar, gravar, não tem
uma iconografia pessoal e intransferível e começa a fazer um
amontoado de objetos e coisas. E dizer que isso é arte. Hoje
o pessoal não lê, não estuda e se diz artista contemporâneo.
Duchamp era um pensador.
Let’s Go - como enxerga a produção de arte e a
disseminação de técnicas auxiliadas pela alta
tecnologia?
CR –A internet, que se popularizou muito, traz mais
informação e cultura para o povo de forma geral. Mas isso é
ruim porque perde muito a espontaneidade. A pessoa desenha
no próprio aparelho. Eu acho isso uma coisa fria, distante,
postiça, embora possa até ter invenção.
Let’s Go - cite algumas de suas
exposições mais recentes.
CR – O projeto Reciclagem na Arte, Museu Itinerante
Ultragaz, com curadoria de Jacob Klintowitz, passou por 12
cidades em nove estados brasileiros. Também fiz exposição na
UNB – Universidade Nacional de Brasília. No Espaço Citi, na
Avenida Paulista, em São Paulo, a mostra Quando a Palheta é
a Alma do Artista fica montada até 4 de janeiro de 2013, com
17 pinturas e 10 esculturas.
Let’s Go - a Bahia tem noção do alcance da sua obra?
CR - A Bahia tem informação disso, de que eu sou o artista
baiano que hoje tem mais penetração no circuito nacional.
Além disso, eu sou um artista que escreve em jornal (NR: César
Romero tem coluna de artes plásticas no jornal Correio).
Let’s Go - você gosta de divulgar estas
informações a seu respeito?
CR - Eu sou uma pessoa que não faço marketing do
escândalo. Eu sou um artista do ateliê, de pesquisa organizada,
sistemática, eu criei para o Brasil uma estampa extremamente
original. Eu identifiquei o acervo único e essencial da
iconografia brasileira.
Entrevista Cesar Romero
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símbolos como sereias, galinhas e elementos relacionados com a fé com origens afro aparecem na obra
Let’s Go - você tem um número grande de avaliações do seu trabalho. como analisa este feito?
CR - Talvez eu seja o artista brasileiro mais avaliado em seu trabalho, com 108 textos de crítica de arte. Avaliação é uma coisa difícil. Mas pra falar disso, falo com certo pudor, para soar sutil, e não esnobe. Eu sou um artista baiano que hoje sai do estado.
Let’s Go - como considera que conseguiu este trânsito fluente no cenário nacional das artes?
CR - Nos anos 80 eu participei de quase todos os salões nacionais, salões do interior de São Paulo a Belém do Pará. Isso me tornou conhecido da crítica de arte. Assim saí das fronteiras de Salvador. Hoje eu sou convidado pra expor individualmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Recife e capitais do Nordeste.
Let’s Go - Quando completou 40 anos de carreira, você realizou o projeto Bramente,que percorreu várias cidades do país. O que comemorou?
CR – Esta exposição começou antes da data comemorativa, em Lisboa, em 12 de outubro de 2006. Foi uma grande mostra, significativa. Em nenhum destes 40 anos deixei de expor, no mínimo uma vez por ano. Em individual e coletivas. Mas minha produção é resultado do trabalho diário no ateliê. A minha pintura é vagarosa. É quase um pontilhismo. Não sou um
artista de borbotões, minhas exposições são pensadas. Coloco uma série de elementos novos a cada etapa.
Let’s Go - O que definiria como marcas da trajetória?
CR - Hoje o meu maior interesse é a cor (NR: acrílica sobre tela). O meu trabalho de colorista aparece em todas as avaliações. Mas não tenho uma cor de eleição.Pinto todas as cores. E todas as cores combinam, o importante é ajustá-las, aproximá-las, torná-las inquietas, para fazer vibrar a massa corante. E que esta cor possa ter um valor autônomo e dispensar o tema.
Let’s Go – O início da sua vida como pintor foi de forma curiosa. conta esta história?
CR – Na verdade, acho que nasci artista. Quando o circo se apresentava em Feira de Santana, ficava fascinado pelas cores, pelas formas, pelos sons, pela poesia, pelas luzes do picadeiro. Com 16 anos, já morando em Salvador e estudante do Maristas, ganhei o primeiro prêmio da Exposição Intercolegial de Artes Plásticas – EICAP. Não sabia pintar, segui as orientações de um colega. Pintei uma igreja com tinta vermelha e depois cobri com branco. Embalei a tela e levei para o concurso. Mas a pintura ainda fresca da igreja foi removida em parte, aparecendo a cor vermelha embaixo. Vieram me perguntar como era a técnica que havia inventado (risos). Por isso tudo que já vivi digo que a arte é um destino, que você não tem como evitar. E, no fundo, a gente é muito mais servo da arte do que senhor dela.
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