apostila da aula de catecúmenos

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2ª Igreja Presbiteriana de Carapicuíba Série: Descobertas Catecúmenos - Rev. Ricardo Moura Lopes Coelho, Th.M. As Primeiras coisas da Fé Uma visão bíblico-sistemática das primeiras coisas 1. Falando de Deus: Estabelecendo o fundamento de toda existência (entendendo Deus e as coisas): Falar sobre Deus parece ser um assunto básico e tão amplamente debatido que não traria muitas novidades. Contudo, a maioria dos ensinos sobre Deus e seus atributos se detém em questões básicas e muito evidentes. Isso deixa de lado aqueles fatos implícitos em alguns textos bíblicos, bem como suas implicações, que muito nos ajudariam a entender nosso Senhor e sua obra. O que é feito no primeiro texto bíblico é um exemplo dessa atitude. Ainda que todos possam entender que Gênesis 1 apresenta Deus como sendo o criador de todas as coisas, as implicações desse fato são deixadas de lado. Há muito mais para entender em Gênesis 1 além da origem de todas as coisas. Podemos nos deter mais tempo nessa realidade e identificarmos uma série de implicações. A primeira implicação que poderíamos mencionar é que se Deus é o criador de todas as coisas, então, ele é independente de todas elas. Enquanto todas as criaturas dependem de outro ser para sustentar sua existência, Deus é auto-existente. Isso, em princípio, parece muito óbvio, mas, se Deus é auto- existente, então, aquilo que é externo a ele não pode causar- lhe nenhum tipo de mudança. Enquanto Deus é causador, pois é criador e auto-existente, suas criaturas são causadas, o que nos leva a uma segunda implicação. Se Deus é a causa de todas as coisas, então ele é quem define a razão da existência de todas elas. Nada do que existe pode ser independente de seu criador, tendo sempre de atender os motivos pelos quais se foi criado. Como nos diz Provérbios 16.4: “O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade.” Ou como nos escreveu Paulo em Romanos 9.20-23: Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? 21 Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? 22 Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, 23 a fim de que também desse 1

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2ª Igreja Presbiteriana de Carapicuíba Série: DescobertasCatecúmenos - Rev. Ricardo Moura Lopes Coelho, Th.M.

As Primeiras coisas da Fé

Uma visão bíblico-sistemática das primeiras coisas

1. Falando de Deus: Estabelecendo o fundamento de toda existência (entendendo Deus e as coisas):

Falar sobre Deus parece ser um assunto básico e tão amplamente debatido que não traria muitas novidades. Contudo, a maioria dos ensinos sobre Deus e seus atributos se detém em questões básicas e muito evidentes. Isso deixa de lado aqueles fatos implícitos em alguns textos bíblicos, bem como suas implicações, que muito nos ajudariam a entender nosso Senhor e sua obra.

O que é feito no primeiro texto bíblico é um exemplo dessa atitude. Ainda que todos possam entender que Gênesis 1 apresenta Deus como sendo o criador de todas as coisas, as implicações desse fato são deixadas de lado. Há muito mais para entender em Gênesis 1 além da origem de todas as coisas. Podemos nos deter mais tempo nessa realidade e identificarmos uma série de implicações.

A primeira implicação que poderíamos mencionar é que se Deus é o criador de todas as coisas, então, ele é independente de todas elas. Enquanto todas as criaturas dependem de outro ser para sustentar sua existência, Deus é auto-existente. Isso, em princípio, parece muito óbvio, mas, se Deus é auto-existente, então, aquilo que é externo a ele não pode causar-lhe nenhum tipo de mudança. Enquanto Deus é causador, pois é criador e auto-existente, suas criaturas são causadas, o que nos leva a uma segunda implicação.

Se Deus é a causa de todas as coisas, então ele é quem define a razão da existência de todas elas. Nada do que existe pode ser independente de seu criador, tendo sempre de atender os motivos pelos quais se foi criado. Como nos diz Provérbios 16.4: “O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade.” Ou como nos escreveu Paulo em Romanos 9.20-23:

Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? 21 Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? 22 Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, 23 a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão

A Bíblia dizer que Deus é criador, portanto, é muito mais do que simplesmente dizer a origem das coisas. Isso significa dizer que Deus é quem define a razão e o papel para a existência de todas as coisas. Desta forma, vemos uma terceira implicação que poderíamos abordar: todas as coisas existem voltadas para seu Criador.

O salmo 19, por exemplo, mostra que a criação revela o seu Criador. Tendo em vista a forma como ato de criação é descrito, vê-se que a intenção de Deus ao criar era de revelar-se, mostrar a outros o que estava em seus planos, em sua mente. Isso nos faz entender que a verdade mais básica de todas as coisas é que elas foram criadas e que o foram para cumprir a vontade daquele que as criou.

Uma quarta implicação de tudo que estamos vendo até aqui, é que existem duas formas de existência: Criada e não criada. Obviamente, Deus pertence a segunda forma. Ele é auto-existente, portanto, não criado. Já o restante dos seres existentes são todos criados. Poderíamos tentar dividir a existência entre seres racionais e irracionais, corpóreos e espirituais, dentre outras, mas em todas essas formas de divisão Deus estaria lado a lado com sua criação. Mas, como ele é totalmente independente de tudo que existe fora dele, uma correta categorização deve separá-lo do resto, portanto, os seres são criados ou não criado.

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Deste fato podemos depreender uma quinta implicação. Quando falamos sobre algo de Deus, algum atributo, obra ou característica, não podemos entender que suas equivalentes nos seres criados tenham os mesmo termos. Uma coisa é falarmos da vontade de Deus, outra é falarmos da vontade do homem, ou mesmo dos anjos. Descrever o poder de Deus e sua soberania é distinto do poder e da soberania alcançáveis pelo homem. Isso significa dizer que a criação apenas é parecida com seu Criador, mas não igual. Qualquer equalização ou tentativa de colocar alguma característica da criatura em pé de igualdade com a de seu criador é cometer um erro proveniente da falta de compreensão de que a forma de existência da criatura é distinta da de seu criador.

Quando falamos diretamente do homem, vemos que Deus nos deu muitos atributos dos quais ele compartilha. Em Gênesis 1.26-28, vemos a narrativa de nossa criação. Nesse trecho está descrito que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e que isso lhe conferiu características e capacidades que o diferencia do restante da criação. O homem passou a ter domínio sobre toda a criação e também se mostrou diferenciado em seu raciocínio e obrigações morais. Não vemos os animais respondendo diante de Deus por seus atos, mas vemos os homens fazendo-o, ou seja, além do domínio, temos a moral e o raciocínio necessário para entendermos as questões morais da vida.

É interessante, porém, que mesmo o homem tendo domínio, moral e raciocínio, Deus está acima dele. Contudo, não pensemos que Deus está acima do homem somente pela quantidade de conhecimento, capacidade e santidade – isso seria absurdo. A forma de conhecimento, a moral e o poder de Deus são superiores aos do homem, pois são originais. Enquanto o homem tem conhecimento sobre as coisas porque lhe foi revelado, Deus conhece todas as coisas porque as criou. Toda a criação está patente diante de dele. Se o homem tem algum poder ou domínio sobre as coisas, esses também provêm de Deus e são sustentados por ele, pois todo o poder está em suas mãos. Isso pode se visto no fato de que, após ter dado o domínio sobre a criação ao homem, Deus mostrou-se superior e colocou um limite para ele (Gn 2.15-17): a árvore do conhecimento do bem e do mal.

Por ser criatura, o homem recebe todas as coisas. Por ser Deus, ele é a fonte de todas as coisas e precisa dá-las para que suas criaturas possam tê-las. Não há amor, santidade, justiça, inteligência, conhecimento, ou qualquer outra virtude da qual Deus não seja a direta fonte. Até mesmo o ódio, o mal, o pecado, ou qualquer outra coisa desprezível, tem em Deus o seu criador, ainda que não a fonte direta. Por essa razão, vemos que aquilo que temos de Deus não pode ser tido como igual ao de Deus, mas apenas semelhante. Essa semelhança, veremos posteriormente, coloca o homem como sendo um ser análogo a Deus. Mas esse fato será mais bem abordado adiante.

2. Falando do homem:

Ao falarmos de Deus, tratando dele como o fundamento de todas as coisas, já falamos muito sobre o homem. A primeira coisa que logo fica clara é que o homem é uma criatura, portanto, tem sua existência voltada para aquele que o criou. Além disso, vimos que Deus criou o homem de um modo distinto do restante das coisas; ele o fez à sua imagem e semelhança.

Esse fato é algo amplamente discutido e conhecido de todos, porém, assim como alguns fatos sobre o ser de Deus, não atentamos para algumas implicações. Como foi visto, Deus é a fonte da existência humana e de tudo o que o faz funcionar e ser como é. Além disso, por ser feito à imagem de Deus, o homem é a criatura que mais revela seu criador dentro de todo o cosmos. Isso significa que todos nós fomos criados para sermos mais do um ser que revela a Deus, mas uma criação que revela a Deus como que por um espelho, um verdadeiro representante de Deus na terra.

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Foi para sermos representantes de Deus que fomos criados da forma como fomos. Todos os nossos atributos virtuosos, capacidades úteis e possibilidades funcionais existem para que sejamos vice-regentes de Deus na terra. Estamos aqui não para atender a nossos interesses ou para construir um mundo à nossa imagem, mas, sim, para espalharmos a imagem de Deus por onde quer que fôssemos. É interessante observarmos que na narrativa de nossa criação vemos Deus não só nos dando sua imagem como também uma bênção, a de sermos fecundos, e uma ordem, a de espalharmos nossos descendentes pelo mundo.

O que Deus desejava ao criar o homem à sua imagem era que ele espalhasse por todo o mundo essa revelação. Animais, plantas e seres inanimados são todos utilizados para revelar a Deus, conforme pode ser visto no Salmo 19 e em Romanos 1. Contudo, nenhum destes de modo tão profundo como o homem pode e deve fazê-lo. Isso nos leva a pensar que o homem não é um ser como os outros, ainda que não possa ser igualado a Deus. De fato, como vimos, igual a Deus ninguém pode ser, no entanto, não somos totalmente diferentes, pois nossa existência é a que melhor revela o Criador dentre as criaturas. Isso leva a crer que o homem foi feito para ser análogo a Deus, ou seja, um exemplo que mostra em menor escala aquele que é maior.

Por definição, analogia é uma relação de semelhança entre coisas que têm traços comuns. Essa é a melhor definição para a existência do homem, pois, ele não sendo igual a Deus, tão pouco sendo totalmente diferente, só lhe resta a posição de ser aquele para quem todos podem olhar e associar diretamente ao seu Criador. Essa associação é feita através daqueles atributos que são vistos tanto nos homens quanto em Deus. Contudo, como já foi visto, o homem não tem os atributos de Deus no mesmo sentido e profundidade, é apenas semelhante, daí entendemos que o homem é análogo a Deus.

Essa existência análoga nos coloca numa relação de funcionalidade a parte de todos os outros seres. Enquanto os seres da natureza e até mesmo os anjos foram criados para que Deus se sirva deles e para que eles o revelem, o homem foi feito não só para revelar e servir a Deus, mas para gozar a criação ao lado de seu Criador. Foi por isso que o Senhor deu o domínio e a possibilidade para o homem de desfrutar de tudo que havia no paraíso. Porém, havia uma determinada árvore que seria o símbolo de que tem coisas que só pertencem a Deus. Tentar transpor essa barreira seria afronta direta a Deus e digno de morte.

Como já sabemos, o homem tentou transpor essa barreira, ao comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Isso nos leva a outro ponto sobre o homem: ele está caído em pecado e deficiente em seu papel de refletir a imagem de Deus. Essa é uma realidade de todos nós e que interessa a cada crente. Portanto, devemos olhar mais atentamente para nossa realidade caída.

3. Falando do pecado e suas conseqüências (a quebra do pacto):

A realidade do pecado é dura e cruel. Todos nós somos afetados pelo desejo e pela realização do desejo de fazer o que é errado. Tal situação de vida deve-se a já mencionada tentativa do homem de transpor os limites impostos por Deus. Conforme Gênesis 3 nos informa, mesmo após ter recebido a ordem de não comer da árvore do conhecimento, Adão desobedeceu e foi expulso do paraíso, passando a experimentar uma nova realidade de vida.

Lembrando bem da narrativa, vemos fatos muito interessantes e pertinentes para o entendimento de nossa situação diante de Deus e das coisas. Adão fora criado por Deus para servi-lo sendo seu representante na terra. Sua tarefa era obedecer a Deus em seu mandato de como deveria ser seu relacionamento com as coisas (dominar, cultivar e guardar: Gn 1.28, 2.15), com o próximo (multiplicar, deixar pai e mãe e formar uma só carne: Gn 1.28, 2.24) e com o próprio Deus (obedecendo aos outros mandatos e não comendo da árvore do conhecimento do bem e do mal: Gn 2.17).

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Agindo desta forma Adão sempre teria vida e a gozaria na presença e companhia de seu Criador. Agindo de modo contrário receberia a justa pena pela ofensa cometida, a morte (Gn 2.17). Perceba que Adão era o único homem existente quando Deus lhe deu as ordens, cabendo, obviamente, a ele transmitir aos seus descendentes, bem como a sua mulher, Eva. Essa veio a ser feita de sua costela, de modo que Deus deu ao homem a primazia, fazendo da mulher aquela que auxilia o homem na tarefa que lhe foi imposta.

Na verdade, Deus estabeleceu uma aliança, um pacto, ou, simplificando, um acordo, no qual somente um impôs as condições. Havia tarefas as quais Adão deveria cumprir, caso contrário, receberia a morte. Havia também a promessa de vida para o cumprimento. Isso significa que havia uma relação de benção e responsabilidade, bem como de maldição e pena. Adão não tinha escolha e não poderia mudar os termos daquilo que Deus estabelecera. Sua atitude seria apenas de gratamente obedecer àquele que lhe deu a vida.

Como bem sabemos isso não aconteceu. Em Gênesis 3 vemos o encontro entre Eva e a serpente. Essa, mais sagaz dentre todos os animais, confrontou Eva com uma distorção e negação da Palavra dada por Deus. Eva, diferentemente do que muitos pensam, não foi ingênua, ou inocente no sentido de que não sabia o que era certo e errado a ponto de não poder julgar a oferta da serpente. De fato, quando comparamos o que Deus disse e o que a serpente e Eva vieram a dizer, vemos que Eva já começara a distorcer por si mesma as ordens de Deus, mas demonstrando entender que há certo e errado. Se não, vejamos:

Deus: “mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gn 2.17);Serpente: “Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1);Eva: “mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.” (Gn 3.3);

Veja que cada um apresentou sua versão da verdade. A de Deus, certamente, é a correta, já que ele é quem estabelece o que é e o que não é verdade. A serpente, no entanto, tentou sumir com a restrição imposta por Deus de que não se deveria comer da árvore do conhecimento. Eva, por sua vez, tentou ir mais longe do que Deus havia dito. Tanto a serpente quanto Eva apresentaram distorções da verdade o que, em si, já é uma forma de se afastar de Deus. O passo seguinte foi Eva ter um desejo distorcido, de modo que, na possibilidade de desfrutar de tudo que havia no jardim ela preferiu comer o que o Senhor havia proibido.

Tal cobiça foi apenas consumada na ação de Eva, mas já era realidade em seu coração. A oferta da serpente soou muito boa para os ouvidos de Eva que acreditou em suas palavras. Eva, então, compartilhou de seu ato com Adão. Até esse momento, não havia problemas para os descendentes de Adão, pois ele, como representante da humanidade, não havia pecado. Contudo, tal situação mudou quando ele aceitou a oferta de Eva. Ambos abriram os olhos para a maldade e passaram a enxergar o mundo de uma forma diferente.

A nudez de ambos, que era benção e símbolo da comunhão, passou a ser assombrada pelo desejo pecaminoso. De alguma forma o casal passou a olhar-se através de uma realidade distorcida daquilo que Deus havia passado para eles. Veja que desde o início a questão foi que a verdade de Deus foi deixada de lado, e isso se tornou visível pela forma como ambos passaram a se comportar diante da intimidade um do outro. A forma de ver o mundo mudou para ambos. Eles se afastaram da verdade divina e deixaram de gozar a criação de Deus como antes.

A forma de ver a presença de Deus também mudou. Essa presença significava vida, comunhão, benção e prazer, visto que o Senhor era encarado como o grande mantenedor do jardim do Éden. Na nova realidade trazida pelo pecado, o Santo Deus tornou-se objeto de temor do casal, de forma que ele correu da presença de Deus (Gn 3.8-10). A primeira grande

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conseqüência do pecado passa a ser sentida pelo casal que, a partir de então, deixa de desfrutar prazerosamente da presença e do farto sustento de seu Criador.

Diante da nova realidade, o casal recebeu de Deus sua nova condição de vida. Além da clara perda da comunhão com o Senhor, eles receberam maldições como resultado de sua rebeldia. Conforme Deus havia dito, o comer da árvore trouxe morte, sendo a primeira a espiritual. Agora, há guerra entre Deus e o homem. Antes era o ser criado à imagem do Criador relacionando-se e seguindo a razão de sua existência, agora, é a mesma criatura vivendo uma relação de dívida para com seu Mantenedor.

Gênesis 3 nos mostra que o homem terá de comer pelo suor de seu rosto (v.19). A fartura do jardim foi substituída pela penúria de se ter de lavrar a terra e sentir dores multiplicadas. É óbvio que Deus continua sendo seu Mantenedor, contudo, a situação dessa manutenção mudou drasticamente. A beleza, facilidade, perfeição e toda aquela situação propícia encontrada no Éden, agora são substituídas pela dificuldade, incerteza e tempos de escassez e fartura sem que se possa garantir nada. Ainda hoje, mesmo com toda a tecnologia e conhecimento de agricultura que temos, experimentamos as intempéries de uma criação caída e que “geme e suporta angústias”, aguardando o dia de nossa redenção (Rm 8.21,22).

Nisso vemos que não só o homem sofreu as conseqüências de seu pecado, mas toda a criação. Aquele ambiente que fora criado para a comunhão, foi alterado para reservar ao homem toda a dificuldade e incerteza que a separação de seu Criador provocou. Isso significa que o mundo catastrófico no qual vivemos é um reflexo da catástrofe ocorrida com o ser humano. Aquela realidade do Éden, bendita e cheia de comunhão com Deus, foi substituída pela separação entre o Criador-provedor e sua criatura.

Deste modo, então, vemos que o pecado, ou o mal não é a ausência de Deus, mas, sim, a distorção de sua criação e de sua verdade aplicada na existência de cada coisa. O mal não existe por si só, mas se fez pela distorção e mudança daquilo que era bom e abençoado. Desta forma, o mal não é auto-existente, mas depende do que existe, portanto, de Deus para ter sua própria existência.

Dentro do ser humano, o efeito foi devastador. Para começar, nos afastamos da verdade divina e não conhecemos as coisas como de fato são. Isso acontece porque não buscamos a Deus para entender o cosmos. Isso significa dizer que o homem enfrenta um problema de conhecimento, pois se afastou da fonte de toda a verdade. Ele não sabe a verdade sobre as coisas, sobre Deus nem sobre si mesmo (Jr 17.9). Nossos olhos estão fechados à verdade, pois nos afastamos da luz. Não temos condições de reconhecer a Deus em sua revelação através das coisas, tão pouco em sua revelação especial, registrada nas Escrituras, já que as coisas espirituais se discernem espiritualmente (1Co 2.14).

Além disso, nossa natureza, criada boa e santa, agora é descrita como sendo desesperadamente corrupta (Jr 17.9).1 Estamos mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2.1), com nossos desejos nos tentando todo o tempo (Tg 1.14). Davi poetizou muito bem nosso estado de miséria ao descrevê-lo como sendo de nascença (Sl 51.5). De fato, recebemos em nossa concepção a herança pecaminosa de Adão.

Diferentemente do que muitos pensam, a criança não é inocente. Antes de nascer, todos nós recebemos a culpa do pecado de Adão. Conforme Paulo nos ensina em Romanos 5.12-21, tendo Adão como seu representante, toda a humanidade recebeu por imputação tudo o que se referia a ele. Isso significa dizer que somos pecadores não porque pecamos, mas pecamos porque somos pecadores. O entendimento bíblico é que o homem age segundo sua natureza.

1 Nesse texto de Jeremias vemos a descrição do coração do homem, no entanto, temos de entender a passagem nos termos que um hebreu entenderia. Coração para o judeu não se refere ao órgão ou ao centro das emoções, mas à mente, entranhas, também ao músculo que bombeia o sangue, bem como as emoções, ou seja, falar do coração para o judeu é falar da base da existência; daí entender que Jeremias se refere à natureza humana.

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Repare, por exemplo, no texto de Efésios 2.1-10. O texto inicia com a descrição de Paulo de como nós éramos antes da obra de Cristo. Para o autor inspirado, “éramos”, “por natureza”, “filhos da ira”. Duas palavras destas últimas apontam para o nosso estado: éramos e natureza. Além disso, o texto prossegue ensinando que não só somos assim por natureza, como também agimos segundo essa natureza, andando “segundo o curso deste mundo”, “segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que atua nos filhos da desobediência” e segundo as “inclinações de nossa carne”. Conforme é nossa natureza, assim nascemos e assim agimos.

O outro lado desse fato, é que nossas atitudes mudam junto com a mudança de natureza. Paulo não só descreveu nosso estado de miséria, como também descreveu nossa regeneração. Assim como em nosso estado de pecado agimos erroneamente, ao sermos regenerado, andamos em boas obras, as quais Deus “preparou de antemão para que andássemos nelas” (vv. 5-10). Isso significa que nossas ações mudaram de acordo com a restauração que ocorreu em nossa natureza. Contudo, antes de tratarmos de nosso estado restaurado, vamos ver um pouco mais as conseqüências do pecado em nossa vida.

3.1. Vivendo em pecado

Em Gênesis 4 vemos uma interessante descrição de como o pecado afetou a relação do homem com seu criador. O que no Éden era comunhão e fartura, agora é dívida e cobrança. É claro que havia a promessa de que o descendente da mulher pisaria na cabeça da serpente, contudo, isso ainda era uma promessa. No nascimento de Caim, Eva demonstrou confiança na palavra de Deus e permaneceu esperando nele, como pode ser visto no significado do nome de seu primogênito.

Entender que tudo ainda era dado por Deus é uma demonstração de submissão a ele. O casal estava dando claras demonstrações de que esperavam ansiosamente a vinda daquele que pisaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Enquanto isso não acontecia, o casal ensinou a seus filhos que deveriam ir diante de Deus com suas ofertas. Tais ofertas revelavam a relação quebrada entre Deus e suas criaturas, ao ponto de que essa não poderia ir diante daquele sem ter algo para ofertar no lugar de sua santidade perdida.

No entanto, o que vemos, é que Deus desejava que o homem andasse em seus caminhos. Esse fato é evidenciado pela reprovação de Caim. Se observarmos bem o texto, veremos que a oferta de Caim foi indevida porque seu procedimento no dia a dia era errado. O que Deus veio a dizer por meio de Oséias – “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” (Os 6.6) – já era uma verdade. O desejo de Deus era que sua lei entregue no Éden a Adão fosse obedecida, ou seja, o Senhor quer que o homem o obedeça e que não tenha motivos pelos quais tenha de ofertar algo.

Ao criar o homem à sua imagem e semelhança, Deus desejava ter alguém que o representasse na terra. Sendo pecador o homem não poderia cumprir tal dever devidamente, por isso as ofertas foram criadas como um meio de Deus ensinar ao homem. Antes de tudo, ensinar que o pecado traz morte e afastamento de seu criador. Além disso, ensinar que, em sua condição de pecador, o homem não pode achegar-se a Deus sem temor e algo que o substitua. Contudo, esse substituto, conforme vemos em Gênesis 4, não pode ser qualquer coisa, ou de qualquer jeito.

Enquanto Abel trouxe do melhor do que ele tinha, Caim trouxe algo que o texto sequer classificou. Abel trouxe de suas primícias, dando a entender que Deus tem de ter o melhor, como uma forma de representar sua santidade e o fato de ser ele o provedor e dono de todas as coisas. Por outro lado, a vida de Caim, descrita como um mau procedimento, resultou numa oferta indevida, não digna de ser entregue ao Criador e provedor de todas as coisas.

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Desde esse ponto, ficou muito clara a situação do homem. Assim como Caim e Abel – este último veio a ser substituído por Sete –, toda a humanidade passou a ser divida por aqueles que vão a Deus devidamente e aqueles que se afastam ainda mais. Se olharmos para Gênesis 6, veremos que Noé e sua família serviam a Deus e o restante da humanidade não. O final dessa história nós já sabemos, de modo que ficou claro que Deus sempre separou para si aqueles a quem ele deseja.

Da história de Noé a Bíblia dá um salto grande e chega à narrativa do chamado de Abrão. Mais uma vez vemos a humanidade sendo divida entre aquele que ouve a Deus e aquele que não ouve. Gênesis 12 nos mostra claramente Deus separando seu escolhido do restante de seu próprio povo, os habitantes da cidade de Ur.

É a partir da história de Abrão que temos, mais especificamente, a história do povo de Deus. A partir deste ponto, todos aqueles que se dizem servos de Deus são filhos de Abrão. Nosso patriarca na fé saiu, então, de sua cidade para poder habitar a terra que lhe seria mostrada, confiando unicamente na direção de Deus. Abrão tinha apenas a ordem de Deus para que fosse para outra terra e a promessa de que sua descendência seria como a areia do mar.

No desenvolvimento dessa história vemos elementos que estavam se tornando recorrentes. Além de ter sido separado por Deus, Abrão também tinha de apresentar ofertas diante de Deus e também tinha de obedecer suas ordens. O Senhor estava estabelecendo um povo para si: com leis, objetivos e costumes muito próprios, os quais refletiam o próprio Deus. A função deste povo, portanto, era a de representar a seu Senhor na terra, cumprindo o propósito da existência do homem, coisa que os outros homens não faziam. A nação filha de Abrão deveria ser luz no meio de todo o pecado que seguia sem constrangimento entre os outros povos.

Abrão, que teve seu nome mudado para Abraão, mesmo depois de sua incredulidade, foi abençoado com seu filho prometido, Isaque. Deste, nasceu Jacó, que teve seu nome mudado para Israel, de onde se originou o nome do povo de Deus. Através do pecado de seus filhos, o Senhor fez com que a venda de José aos egípcios servisse de meio para que o povo de Israel fosse preservado da grande fome que abateu a terra durante sete anos. Contudo, esse contato com o Egito levou o povo à escravidão e à idolatria, ao ponto deles se esquecerem que eram o povo de Deus.

Após 450 anos no Egito, Deus levantou Moisés para libertar seu povo. Após as sete pragas, o Faraó deixa Israel ir embora. Durante dois anos o povo caminha pelo deserto até que finalmente chegam à terra prometida. Cauteloso, Moisés envia 12 espias para observarem o que o povo encontrará a frente. Dez destes espias trazem más notícias e dois, Josué e Calebe, preferem confiar em Deus e confirmar que sua promessa de que daria a seu povo uma terra abundante era verdadeira.

O povo preferiu atentar para o relatório dos dez espias e não confiar no cuidado de Deus. Por essa incredulidade, o povo foi condenado a andar pelo deserto até que toda aquela geração que saiu do Egito morresse. Essa nova caminhada no deserto durou outros 38 nos, durante os quais Moisés registrou a revelação que Deus lhe entregou. A essa revelação chamamos de Pentateuco (Gêneses, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), e nela está descrita a origem de todas as coisas, do povo de Deus e das leis que deveriam reger a vida daqueles que seguem a Deus, a começar de Israel.

Tais leis, como regras para Israel, regiam as questões civis, morais e cerimoniais. Isso significa dizer que a forma de convívio e as leis de propriedade, segurança e todos os outros aspectos que fazem parte da vida civil do povo foram determinadas por Deus. A lei também regia a vida moral do povo. Todos tinham de andar conforme a vontade de Deus e comportar-se em seus relacionamentos com Deus, com o próximo e com as coisas, de acordo com o caráter de Deus. Um bom resumo desta lei pode ser encontrado nos dez mandamentos. A

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forma de culto, o local do mesmo, os utensílios e os envolvidos no exercício religioso do povo também foram prescritos na lei chamada cerimonial.

Todo esse complexo código foi escrito tendo em vista a situação de pecado do homem. Em seu estado decaído, o homem precisa de algo que o faça achegar-se a Deus sem que isso lhe custe a vida. A lei tem justamente esse propósito, contudo, não no sentido que o homem consiga cumpri-la, mas no sentido de que na lei revela o caminho a Deus.

Não só na lei, mas nos livros históricos (Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas, Esdras, Neemias e Ester), poéticos (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos) e proféticos (Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias), podemos ver Deus traçando o caminho de restauração para o homem. Textos, como o de Isaías 53, nos mostram claramente que a esperança de restauração para o homem nunca esteve em suas mãos. O descendente da mulher que viria para desfazer a obra da serpente ainda viria para trazer a prometida restauração.

4. Falando de restauração:

Logo após o homem ter quebrado o pacto que havia firmado com Deus, o próprio Senhor providenciou o concerto da situação. O Criador não havia desistido de ter suas ordens cumpridas. As leis dadas por ele, as quais estabeleciam a forma correta de relacionamento do homem com as coisas, com o próximo e com Deus, tinham de ser satisfeitas. Para que tal ocorresse, assim que a maldição foi anunciada, a benção foi prometida.

Em Gênesis 3.15 vemos o gérmen do evangelho sendo pregado: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. A obra da serpente seria desfeita, conforme nos relata a narrativa. Nascido de mulher, viria um descendente de Eva que, ao invés de ceder à obra da serpente, iria pisar em sua cabeça.

Nesse momento ainda não se teve muita informação. Adão e Eva receberam a palavra de Deus, mas sem o entendimento exato do que viria pela frente. A revelação de Deus sobre o que viria ainda estava no princípio. Nossos pais não sabiam, mas Deus havia traçado um plano na eternidade. Antes mesmo da queda, Deus já havia estabelecido um salvador para a humanidade caída. Paulo afirmou claramente isso quando escreveu:

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, 4 assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; (Ef. 1.3,4)

Isso deixa claro que o pecado não foi uma surpresa para Deus. Se houve uma escolha antes da fundação do mundo, é porque haveria uma queda. Dentro do que vimos sobre o ser de Deus, percebemos que sua intenção de se revelar por meio e para sua criação incluía o pecado. Por mais estranho que isso possa parecer, não é difícil de vermos o papel do mal em tudo isso.

Sendo o intuito de Deus o de revelar-se, obviamente, sua ira, graça, misericórdia e justiça também estão incluídos nessa intenção, pois fazem parte dos atributos divinos. Sendo assim, tente imaginar um meio do Senhor revelar todas essas coisas sem que houvesse o pecado. Somente num contexto de queda é que Deus poderia mostrar ira devido a ofensa cometida, graça para abençoar o pecador merecedor da morte e misericórdia para não fazer com o pecador o que ele merece. Mas ai perguntaríamos: - “e a justiça?”; essa é vista no fato do Pai enviar o Filho, para não só morrer pagando dívidas, mas obedecer alcançando méritos que são aplicados aos que crêem.

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Cristo é a grande restauração da humanidade. Ele obedeceu todas as leis dadas por Deus ao homem desde o Éden. Ele relacionou-se com o Pai do modo correto. Tinha acesso direto e o exaltou conforme o homem deveria fazer. Além disso, ele amou e zelou pelo próximo, curando e matando a fome de muitos. E quanto às coisas, Jesus dominou a criação, não sendo dependente em nada dela para ser o que era. Ele não foi acometido de nenhum tipo de vício ou avareza. Usou todas as coisas para que servissem ao homem e a Deus, sem se deixar dominar por nenhuma delas.

Na pessoa do redentor temos a restauração necessária. Tudo o que Adão deveria ter feito, Jesus o fez. Assim como fomos representados por Adão em seu pecado, também fomos representados por Cristo em sua obra. Vivemos hoje em um tempo no qual podemos ver com clareza o resultado da promessa feita ao casal por ocasião de sua expulsão do paraíso. Nossa esperança de restauração é baseada na promessa do Deus-homem que disse que voltaria. Temos o Espírito Santo testificando com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.16). Não precisamos temer, pois a obra que Deus iniciou, será terminada (Fl 1.6).

Poderíamos dar uma boa olhada em Romanos 8.26-39. Acompanhe esta análise com sua Bíblia. Repare que nos versos anteriores Paulo vinha explicando a obra do Espírito em aplicar a obra de salvação, de modo a alimentar a esperança pela mesma. A partir do verso 26, Paulo passa a demonstrar razões para que tenhamos segurança e plena certeza de nossa salvação. Depois de afirmar que o Espírito testifica com o nosso espírito sobre nosso estado diante de Deus, Paulo passa a falar de mais uma obra dessa pessoa da trindade em nossa vida, a intercessão.

O pecado que há em nós é algo tão devastador, que nem mesmo sabemos como falar com Deus:

Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. (v.26)

No entanto, mesmo nesse estado contamos com a obra de Deus para nos auxiliar, como pode ser visto no verso. No verso 27 vemos que a intercessão do Espírito não é apenas uma questão funcional, como se a forma fosse o problema, mas, antes de tudo, é uma questão de conhecimento. O Espírito e Deus Pai trabalhando juntos, de modo que o Espírito intercede segundo a vontade do Pai. A partir desse incentivo e segurança, Paulo passou a demonstrar a profundidade de da obra do Pai, mostrando que a intercessão segundo a vontade do Pai é motivo de grande conforto.

No verso 28 lemos: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Para Paulo, ainda que não saibamos como orar, sabemos que todas as coisas cooperam para o nosso bem, se de fato amamos a Deus. Essa consciência nos leva a confiar na obra do Espírito, e foi explicada nos versos seguintes.

A partir do verso 29, Paulo passa a descrever de que modo todas as coisas cooperam para o nosso bem. O verso é claro ao dizer que somos predestinados, ou seja, temos nosso destino assegurado por Deus, definido anteriormente. Alguns querem dizer que esse verso apenas mostra que Deus viu o que iria acontecer e escolheu de antemão aqueles que viriam a crer. Contudo, essa interpretação não leva em consideração muitos detalhes presentes no texto.

O primeiro detalhe é que conhecer de antemão, para um hebreu, ou judeu, não significa ver antes ou saber da existência antes. Tomemos como exemplo Mateus 1.25: “Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus”. Obviamente, esse “a conheceu” se refere ao relacionamento entre José e Maria. Segundo o texto, se seguirmos a interpretação daqueles que dizem que conhecer é ver, então, Mateus disse em seu evangelho que José e Maria não conheceram antes do nascimento de Jesus. Sabemos que isso

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seria absurdo, já que antes mesmo de Maria estar grávida, ela já estava comprometida com José. Desta forma, vemos que o texto não poderia dizer tal coisa, nos levando a entender que conhecer na mente de um judeu é ter um relacionamento profundo, no caso de José e Maria trata-se da relação sexual. Se entendermos isso, veremos que Romanos 8.29 está dizendo que aqueles com quem Deus relacionou-se profundamente de antemão, ou seja, amou, a esses predestinou.

Entendendo o objetivo de tal predestinação, entenderemos que não há como interpretar “conhecer de antemão” como se referindo ao fato de Deus ter visto na eternidade o que aconteceria no futuro. Se for assim, teremos um problema muito sério. Veja que o mesmo grupo que é dito ser conhecido de antemão é também predestinado para ser conforme à imagem do Filho. Isso significa que aqueles que Deus conheceu na eternidade serão conformes à imagem do Filho – a menos que pensemos que Deus pode não alcançar seus objetivos. Tal raciocínio nos leva a pensar, então, que todo mundo será à imagem do Filho, tendo em vista que Deus conhece a todos de antemão, já que ele é onisciente.

Essa interpretação, portanto, não ficou muito boa, pois sabemos que muitos serão condenados. Deste modo, não podemos interpretar “conhecer de antemão” como sendo saber antes, pois Deus conhece a todos. Sendo assim, “conhecer de antemão” é mais bem interpretado como se referindo ao amor de Deus por aqueles que ele ainda criaria e salvaria. Agora, a razão pela qual Deus amou alguns salvadoramente e não a outros não nos foi revelada, mas que ele predestinou uns para serem seus filhos (Sl 139.16; Rm 9.15-21; Ef 1.3-6) e outros para serem condenados (Pv 16.4; Rm 9.15-21), quanto a isso não há dúvidas.

O amor de Deus, portanto, é a causa de sermos salvos. Por sua própria escolha, o Senhor traz para si a todos quantos deseja, o que nos leva a ter segurança na obra de restauração. Nada pode impedir que Deus faça o que ele deseja, tendo em vista ser ele o Criador de todas as coisas. O próprio Senhor Jesus nos ensinou isso ao dizer: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37, ver também o v.35). Além disso, voltando a Romanos 8, a partir do verso 30, vemos Paulo desenvolvendo a doutrina da segurança da salvação.

Depois de dizer que o Pai predestinou aqueles a quem ele ama, Paulo ensinou que esse chegarão a esse objetivo, com certeza. Romanos 8.30 nos diz: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”. Repare que o mesmo grupo que foi predestinado recebe a certeza de que será glorificado. Portanto, além de termos sido predestinados por Deus, somos por ele guiados até a consumação da salvação.

Isso significa que não só não perdemos a salvação, como a mesma não depende de nós. Em nenhum momento a Bíblia mostra a salvação apoiada, dependente ou contando com a ajuda do homem para se tornar realidade. A salvação é totalmente pela graça de Deus. Aliás, em Efésios, o apóstolo Paulo nos informa que nossa salvação está firmada em dois fundamentos: a predestinação e Cristo. Em Efésios 1.3-6, vemos o ensino paulino de que Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, antes mesmo que existíssemos. Mas isso se refere à predestinação de Deus, o que ocorreu antes que houvesse tempo.

A outra parte da obra de salvação, que adentra a dimensão do espaço e tempo, está firmada em Cristo. De fato, ele se envolve na obra de salvação desde a eternidade, contudo, sua obra é efetivamente realizada no tempo. Quando Paulo escreveu que fomos predestinados em Cristo (v.4), ele estava afirmando que aquilo que o Pai fez na eternidade, ou seja, predestinar, foi realizado pela obra de Cristo no tempo e no espaço. Deus nos escolheu para que fôssemos salvos pela ação de seu Filho. Isso nos leva a entender que a salvação não se trata de que algo de bom aconteça a nós, mas de que a glória de Deus seja manifesta em seu Filho (Fl 2.5-11).

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As Primeiras coisas da Fé

Desde o início, o que Deus desejava, era mostrar ao mundo sua dependência de seu Criador. A restauração da humanidade e de toda a criação é, na verdade, a ação de Deus de revelar seu amor, graça, ira, justiça, misericórdia, sabedoria, inteligência, fidelidade, soberania, providência, enfim, todo o seu ser. Estamos, portanto, sendo restaurados para retornarmos àquela relação de comunhão com Deus, pela qual tínhamos a visão correta das coisas, de nós mesmos e de nosso Criador. Estamos sendo restaurados àquele estado no qual a verdade nos era revelada através da relação direta e perfeita com Deus. Quando isso for realizado plenamente, não haverá mais as distorções do pecado e nem de agentes imperfeitos, como eram os profetas e os sacerdotes, e como são os pastores. Estaremos mais uma vez e plenamente unidos ao Pai, gozando de sua glória enquanto ele a revela a nós.

5. Falando das coisas do Espírito

É interessante que até aqui vimos a participação do Pai e do Filho em nossa salvação, mas pouco falamos do Espírito. Isso não significa que ele tenha pouca participação na obra, ou que esta seja imperceptível. Na verdade, quando olhamos para o ensino bíblico sobre a obra do Espírito Santo, vemos sua contínua atuação no povo de Deus.

Desde o Antigo Testamento vemos que o Senhor age e manifesta-se por meio de seu Espírito. Em Gênesis 1.2 vemos a primeira referência ao Espírito Santo na Bíblia. Ali temos sua participação na obra de criação descrita e de modo muito interessante. Em nossa tradução, revista e atualizada, vemos que o Espírito pairava sobre a face das águas, no entanto, a palavra hebraica tem um significado mais profundo. A palavra ali utilizada não tem apenas a idéia de pairar, mas também de chocar, como uma galinha que está sobre seus ovos a fim de que eclodam. Isso significa dizer que o Espírito foi o agente da trindade que deu forma ou fez acontecer tudo o que fora dito por Deus.

Em Gênesis 6.3 vemos outro tipo de ação do Espírito Santo. Além de ter participado e dado forma à criação, o Espírito age sobre a mesma, refreando-a em sua maldade. Após a queda, o homem sofreu mudanças em sua natureza, pois, afastado de Deus, não estava mais em comunhão coma fonte de todo bem. Sua natureza caída o conduz ao pecado e todo tipo de perversidão. Contudo, para que tal condição não levasse a humanidade ao seu fim, o Senhor age sobre o homem, por meio de seu Espírito, a fim de refreá-lo. Quando o texto diz “agirá”, o termo hebraico ali utilizado tem o sentido de contender. Isso significa que o Espírito de Deus contendia com a natureza pecaminosa humana, refreando e impedindo-a de ser tão má quanto poderia ser.

Desde Gênesis 31 vemos que, além do que já foi abordado, o Espírito de Deus dá dons ao seu povo. Nesse texto está descrito que Deus deu a Bezalel todas as capacidades necessárias para que ele trabalhasse na elaboração dos utensílios de culto. Vemos essa mesma atividade do Espírito descrita por Paulo em Romanos 12, 1 Coríntios 12 e Efésios 4. Como é bem claro em cada um desses textos, o Espírito é aquele que conduz o povo de Deus a fazer o que é necessário e desejado por Deus.

Acrescentando a tudo isso, vemos a ação do Espírito também ligada a efetivação da salvação. Vemos por todo o livro de Atos a presença do Espírito Santo ligada à conversão dos primeiros cristãos. Em 1 Coríntios 2.13,14 vemos uma clara declaração de que não existem meios de alguém entender o evangelho sem o Espírito Santo. O fato de termos ouvido a pregação do evangelho, entendido e crido infere a presença e ação do Espírito, pois todas essas coisas espirituais só são discernidas espiritualmente. Isso significa que chegar ao conhecimento da verdade é obra do Espírito.

Além disso, o Espírito age sobre o crente fazendo-o desfrutar da salvação. Em primeiro lugar, podemos vê-lo dando segurança e testificando o crente de sua salvação. Em Romanos 8.16, Paulo ensina essa verdade, dizendo que o Espírito de Deus testifica com o nosso espírito

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que somos filhos de Deus. A palavra usada para “testificar” significa dar testemunho, mostrar que é verdade ou provar que é verdade. Isso significa que nos vemos como filhos de Deus pela ação do Espírito, quanto a qual não pode haver dúvidas.

Em segundo lugar, o Espírito assiste os crentes em suas debilidades. Em Romanos 8.26, vemos Paulo ensinando que em nossa debilidade de orar o Espírito Santo toma o papel de intercessor. Além disso, o Espírito supre os crentes em sua debilidade de ver a seu Senhor. Em João 16 vemos o ensino de Jesus sobre a necessidade da vinda do Espírito a fim de direcionar todas as coisas ao Filho. Isso nos leva a entender que o foco da obra da terceira Pessoa da trindade não é ele mesmo, o que nos leva a entender que nem deve ser esse o foco da igreja. Antes, o Espírito tem o papel de fazer convergir a Cristo todas as atenções. Veja algumas afirmações do Senhor Jesus presentes em João 16, que nos conduzem a esse entendimento:

7 Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei. 8 Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: 9 do pecado, porque não crêem em mim; 10 da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; 11 do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado. 12 Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; 13 quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. 14 Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. 15 Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar.

Repare que em todas essas afirmativas o foco é colocado em Jesus. Portanto, o foco, objetivo e o centro da obra do Espírito é Cristo. Por este fato é que devemos dedicar nossa adoração e reconhecimento pela obra do Espírito de Cristo conhecendo, louvando, focalizando, objetivando, amando e caminhando em direção a Jesus.

Desta forma, portanto, vimos que o Espírito tem indispensável importância em nossa vida. Sua ação vai desde a transformação de nossa natureza, que nos torna homens espirituais a fim de entendermos as coisas espirituais, até nos conduzir na verdade. Isso significa que o Espírito é quem nos conduz pelo caminho que é Cristo.

Rev. Ricardo Moura Lopes Coelho, Th.M.

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Histórico da Igreja Presbiteriana do Brasil

Rev. Alderi Souza de Matos

Atualmente existem no Brasil várias denominações de origem reformada ou calvinista. Entre elas incluem-se a Igreja Presbiteriana Independente, a Igreja Presbiteriana Conservadora e algumas igrejas criadas por imigrantes vindos da Europa continental, tais como suíços, holandeses e húngaros. No entanto, a maior e mais antiga denominação reformada do país é a Igreja Presbiteriana do Brasil. Ao mesmo tempo, convém lembrar que já nos primeiros séculos da história do Brasil houve a presença de calvinistas em nosso país.

I. Primórdios do Movimento Reformado no Brasil

1. A França Antártica

Os primeiros calvinistas chegaram ao Brasil ainda no começo da sua história. No final de 1555, um grupo de franceses liderados por Nicolas Durand de Villegaignon instalou-se em uma das ilhas da baía de Guanabara. Um ano e meio mais tarde, chegou à "França Antártica" um grupo de colonos e pastores reformados enviados pelo próprio João Calvino, em resposta a um pedido de Villegaignon. No dia 10 de março de 1557 esses evangélicos realizaram o primeiro culto protestante do Brasil e possivelmente do Novo Mundo. Eventualmente, surgiram desavenças teológicas entre Villegaignon e os calvinistas. Cinco deles foram presos e forçados a escrever uma declaração de suas convicções. O resultado foi a bela "Confissão de Fé da Guanabara." Com base nessa declaração, três dos calvinistas foram executados e outro foi poupado por ser o único alfaiate da colônia. O quinto autor da confissão de fé, Jacques le Baleur, conseguiu fugir, mas eventualmente foi preso e mais tarde enforcado. Dentre os que conseguiram retornar para a França estava o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde tornou-se pastor e escreveu a célebre obra Viagem à Terra do Brasil (1578).

2. O Brasil Holandês

A próxima tentativa de introdução do calvinismo no Brasil ocorreu em meados do século XVII através dos holandeses. No contexto da guerra contra a Espanha, a Companhia das Índias Ocidentais ocupou o nordeste brasileiro por vinte e quatro anos (1630-1654). O mais famoso governante do Brasil holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau-Siegen, que aqui esteve apenas sete anos (1637-1644). Embora os residentes católicos e judeus tenham gozado de tolerância religiosa, a igreja oficial da colônia era a Igreja Reformada da Holanda, que realizou uma grande obra pastoral e missionária. Ao longo dos anos foram criadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paraíba) e até mesmo um sínodo, o Sínodo do Brasil (1642-1646). Além da assistência aos colonos europeus, a igreja reformada fez um notável trabalho missionário junto aos indígenas. Ao lado da pregação e ensino, houve a preparação de um catecismo na língua nativa. Outros projetos incluíam a tradução das Escrituras e a ordenação de pastores indígenas, o que não chegou a efetivar-se. Com a expulsão dos holandeses, as igrejas nativas vieram a extinguir-se e por um século e meio desapareceram os vestígios do calvinismo no Brasil.

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3. O Protestantismo de Imigração O protestantismo em geral e o presbiterianismo em particular só puderam estabelecer-se

definitivamente no Brasil após a chegada da família real, em 1808. Em 1810, Portugal e a Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação cujo artigo XII pela primeira vez em nossa história concedeu liberdade religiosa aos imigrantes protestantes. Logo, muitos deles começaram a chegar de diversas regiões da Europa, inclusive reformados franceses, suíços e alemães. Em 1827, por iniciativa do cônsul da Prússia, foi fundada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, que congregava luteranos e calvinistas. Durante várias décadas, o calvinismo ficou restrito às comunidades imigrantes, sem atingir os brasileiros. Os poucos pastores reformados ou presbiterianos que por aqui passaram restringiram suas atividades religiosas aos estrangeiros. Tal foi o caso do Rev. James Cooley Fletcher, um pastor presbiteriano norte-americano que teve uma longa e frutífera ligação com o Brasil a partir de 1851. Ele deu assistência religiosa a marinheiros e imigrantes europeus, procurou aproximar o Brasil e os Estados Unidos nas áreas diplomática, comercial e cultural e escreveu o livro O Brasil e os Brasileiros, publicado em 1857.

Através de seus contatos com políticos e intelectuais brasileiros, Fletcher contribuiu indiretamente para a introdução do protestantismo no Brasil. Foi por sua sugestão que o missionário congregacional inglês Robert Reid Kalley veio para o Brasil em 1855. Finalmente, o presbiterianismo foi implantado entre os brasileiros pelo Rev. Ashbel Green Simonton, que aqui chegou em 1859.

II. História da Igreja Presbiteriana do Brasil

A história da Igreja Presbiteriana do Brasil divide-se em alguns períodos bem definidos:

1. Implantação (1859-1869)

O surgimento do presbiterianismo no Brasil resultou do pioneirismo e desprendimento do Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867). Nascido em West Hanover, na Pensilvânia, Simonton estudou no Colégio de Nova Jersey e inicialmente pensou em ser professor ou advogado. Alcançado por um reavivamento em 1855, fez a sua profissão de fé e pouco depois ingressou no Seminário de Princeton. Um sermão pregado por seu professor, o famoso teólogo Charles Hodge, levou-o a considerar o trabalho missionário no estrangeiro. Três anos depois, candidatou-se perante a Junta de Missões da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, citando o Brasil como campo de sua preferência. Dois meses após a sua ordenação, embarcou para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859, aos 26 anos de idade.

Em abril de 1860, Simonton dirigiu o seu primeiro culto em português. Em janeiro de 1862, recebeu os primeiros conversos, sendo fundada a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. No breve período em que viveu no Brasil, Simonton, auxiliado por alguns colegas, fundou o primeiro periódico evangélico do país (Imprensa Evangélica, 1864), criou o Presbitério do Rio de Janeiro (1865) e organizou um seminário (1867). O Rev. Ashbel Simonton morreu vitimado pela febre amarela aos 34 anos, em 1867 (sua esposa, Helen Murdoch, havia falecido três anos antes).

Os principais colaboradores de Simonton nesse período foram seu cunhado Alexander L. Blackford, que em 1865 organizou as Igrejas de São Paulo e Brotas; Francis J. C. Schneider, que trabalhou entre os imigrantes alemães em Rio Claro, lecionou no seminário do Rio e foi missionário na Bahia; e George W. Chamberlain, grande evangelista e operoso pastor da Igreja de São Paulo. Os quatro únicos estudantes do "seminário primitivo" foram

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eficientes pastores: Antonio Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa e Antonio Pedro de Cerqueira Leite.

Outras poucas igrejas organizadas no primeiro decênio foram as de Lorena, Borda da Mata (Pouso Alegre) e Sorocaba. O homem que mais contribuiu para a criação dessas e outras igrejas foi o notável Rev. José Manoel da Conceição (1822-1873), um ex-sacerdote que tornou-se o primeiro brasileiro a ser ordenado ministro do evangelho (1865). Conceição visitou incansavelmente dezenas de vilas e cidades no interior de São Paulo, Vale do Paraíba e sul de Minas, pregando o evangelho da graça.

2. Consolidação (1869-1888)

Simonton e seus companheiros eram todos da Igreja Presbiteriana do norte dos Estados Unidos (PCUSA). Em 1869 chegaram os primeiros missionários da igreja do sul (PCUS): George Nash Morton e Edward Lane. Eles fixaram-se em Campinas, região onde residiam muitas famílias norte-americanas que vieram para o Brasil após a Guerra Civil no seu país (1861-1865). Em 1870, Morton e Lane fundaram a igreja de Campinas e em 1873 o famoso, porém efêmero, Colégio Internacional. Os missionários da PCUS evangelizaram a região da Mogiana, o oeste de Minas, o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás. O pioneiro em várias dessas regiões foi o incansável Rev. John Boyle, falecido em 1892.

Os obreiros da PCUS também foram os pioneiros presbiterianos no nordeste e norte do Brasil (de Alagoas até a Amazônia). Os principais foram John Rockwell Smith, fundador da igreja do Recife (1878); DeLacey Wardlaw, pioneiro em Fortaleza; e o Dr. George W. Butler, o "médico amado" de Pernambuco. O mais conhecido dentre os primeiros pastores brasileiros do nordeste foi o Rev. Belmiro de Araújo César, patriarca de uma grande família presbiteriana.

Enquanto isso, os missionários da Igreja do norte dos Estados Unidos, auxiliados por novos colegas, davam continuidade ao seu trabalho. Seus principais campos eram Bahia e Sergipe, onde atuou, além de Schneider e Blackford, o Rev. John Benjamin Kolb; Rio de Janeiro, que inaugurou seu templo em 1874, e Nova Friburgo, onde trabalhou o Rev. John M. Kyle; Paraná, cujos pioneiros foram Robert Lenington e George A. Landes; e especialmente São Paulo. Na capital paulista, o casal Chamberlain fundou em 1870 a Escola Americana, que mais tarde veio a ser o Mackenzie College, dirigido pelo educador Horace Manley Lane. No interior da província destacou-se o Rev. João Fernandes Dagama, português da Ilha da Madeira. No Rio Grande do Sul, trabalhou por algum tempo o Rev. Emanuel Vanorden, um judeu holandês.

Entre os novos pastores "nacionais" desse período estavam Eduardo Carlos Pereira, José Zacarias de Miranda, Manuel Antônio de Menezes, Delfino dos Anjos Teixeira, João Ribeiro de Carvalho Braga e Caetano Nogueira Júnior. As duas igrejas norte-americanas também enviaram ao Brasil algumas notáveis missionárias educadoras como Mary Parker Dascomb, Elmira Kuhl, Nannie Henderson e Charlotte Kemper.

3. Dissensão (1888-1903)

Em setembro de 1888 foi organizado o Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, que assim tornou-se autônoma, desligando-se das igrejas-mães norte-americanas. O Sínodo compunha-se de três presbitérios (Rio de Janeiro, Campinas-Oeste de Minas e Pernambuco) e tinha vinte missionários, doze pastores nacionais e cerca de 60 igrejas. O primeiro moderador foi o veterano Rev. Blackford. O Sínodo criou o Seminário Presbiteriano, elegeu seus dois primeiros professores e dividiu o Presbitério de Campinas e Oeste de Minas em dois: São Paulo e Minas.

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Nesse período a denominação expandiu-se grandemente, com muitos novos missionários, pastores brasileiros e igrejas locais. O Seminário começou a funcionar em Nova Friburgo no final de 1892 e no início de 1895 transferiu-se para São Paulo, tendo à frente o Rev. John Rockwell Smith. O Mackenzie College ou Colégio Protestante foi criado em 1891, sendo seu primeiro presidente o Dr. Horace Manley Lane. Por causa da febre amarela, o Colégio Internacional foi transferido de Campinas para Lavras, e mais tarde veio a chamar-se Instituto Gammon, numa homenagem ao seu grande líder, o Rev. Samuel R. Gammon (1865-1928).

A primeira escola evangélica do nordeste foi o Colégio Americano de Natal (1895), fundado por Katherine H. Porter, esposa do Rev. William C. Porter. Na mesma época, a cidade de Garanhuns começou a tornar-se um grande centro da obra presbiteriana. Além do trabalho evangelístico, foram lançadas as bases de duas importantes instituições educacionais: o Colégio Quinze de Novembro e o Seminário do Norte, hoje sediado em Recife. No final desse período, além de estar presente em todos os estados do nordeste, a Igreja Presbiteriana chegou ao Pará e ao Amazonas.

No sul, foi iniciada a obra presbiteriana em Santa Catarina (São Francisco do Sul e Florianópolis). A igreja também iniciou a sua marcha vitoriosa no leste de Minas. O primeiro obreiro a residir em Alto Jequitibá foi o Rev. Matatias Gomes dos Santos (1901). As igrejas de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram a ser pastoreadas por dois grandes líderes, respectivamente Eduardo Carlos Pereira (1888) e Álvaro Emídio G. dos Reis (1897).

Infelizmente, os progressos desse período foram em parte ofuscados por uma grave crise que se abateu sobre a vida da igreja. Inicialmente, surgiu uma diferença de prioridades entre o Sínodo e a Junta de Missões de Nova York. O Sínodo queria apoio para a obra evangelística e para instalar o Seminário, ao passo que a Junta preferiu dar ênfase à obra educacional, principalmente através do Mackenzie College. Paralelamente, surgiram desentendimentos entre o pastor da Igreja Presbiteriana de São Paulo, Rev. Eduardo Carlos Pereira, e os líderes do Mackenzie, Horace M. Lane e William A. Waddell.

Com o passar do tempo, o Rev. Eduardo C. Pereira passou a tornar-se mais radical em suas posições, perdendo o apoio até mesmo de muitos dos seus colegas brasileiros. Como uma alternativa ao jornal do Rev. Eduardo, O Estandarte, o Rev. Álvaro Reis criou O Puritano em 1899. Em 1900 foi organizada a Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, que resultou da fusão de duas igrejas formadas por pessoas que haviam saído da igreja do Rev. Eduardo. Na mesma época, um novo problema veio complicar ainda mais a situação: o debate acerca da maçonaria.

Em março de 1902, Eduardo C. Pereira e seus partidários começaram a divulgar a sua Plataforma, com cinco tópicos sobre as questões missionária, educativa e maçônica. Após pouco mais de um ano de debates acalorados, a crise chegou ao seu lamentável desfecho em 31 de julho de 1903, durante a reunião do Sínodo. Após serem derrotados em suas propostas, Eduardo Carlos Pereira e seus colegas desligaram-se do Sínodo e formaram a Igreja Presbiteriana Independente.

4. Reconstituição (1903-1917)

No início de agosto de 1903, os independentes organizaram o seu presbitério, com quinze presbíteros e sete pastores (Eduardo C. Pereira, Caetano Nogueira Jr., Bento Ferraz, Ernesto Luiz de Oliveira, Otoniel Mota, Alfredo Borges Teixeira e Vicente Temudo Lessa). Seguiu-se um triste período de divisões de comunidades, luta pela posse de propriedades, litígios judiciais. Uma pastoral do Presbitério Independente chegou a vedar aos sinodais a Ceia do Senhor. O período mais conflitivo estendeu-se até 1906. Nessa época, o Sínodo

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contava com 77 igrejas e cerca de 6500 membros; em 1907, os independentes tinham 56 igrejas e 4200 comungantes.

O prédio do seminário, no bairro Higienópolis, foi ocupado sem solenidade em setembro de 1899. Os principais professores eram os Revs. John R. Smith e Erasmo Braga (este a partir de 1901); o membro mais destacado da diretoria era o Rev. Álvaro Reis. Em fevereiro de 1907, o seminário foi transferido para Campinas, ocupando a antiga propriedade do Colégio Internacional. A primeira turma de Campinas só se formou em 1912. Entre os formandos estavam Tancredo Costa, Herculano de Gouvêa Jr., Miguel Rizzo Jr. e Paschoal Luiz Pitta. Mais tarde viriam Guilherme Kerr, Jorge T. Goulart, Galdino Moreira e José Carlos Nogueira.

A obra presbiteriana crescia em muitos lugares. A primeira cidade atingida no Leste de Minas foi Alto Jequitibá (Manhuaçu) e no Espírito Santo, São José do Calçado. Os primeiros pastores daqueles campos foram Matatias Gomes dos Santos, Aníbal Nora, Constâncio Omero Omegna e Samuel Barbosa. No Vale do Ribeira, o dinâmico evangelista Willes Roberto Banks continuava em atividade. A família Vassão daria grandes contribuições à igreja. Em 1907, o Sínodo dividiu-se em dois (Norte e Sul) e em 1910 foi organizada a Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil. O moderador do último sínodo e instalador da Assembléia Geral foi o veterano Modesto Carvalhosa, ordenado 40 anos antes. A Assembléia Geral foi instalada na Igreja do Rio de Janeiro e o Rev. Álvaro Reis foi eleito seu primeiro moderador. Os conciliares visitaram a Ilha de Villegaignon para lembrar os mártires calvinistas e comemorar o quarto centenário do nascimento de Calvino. Na época, a Igreja Presbiteriana do Brasil tinha 10 mil membros comungantes, outro tanto de menores e cerca de 150 igrejas em sete presbitérios. As demais denominações tinham os seguintes números – metodistas: 6 mil membros; independentes: 5 mil; batistas: 5 mil; e episcopais: cerca de mil. Em 1911, a IPB enviou a Portugal o seu primeiro missionário, Rev. João da Mota Sobrinho, que lá permaneceu até 1922.

Os missionários americanos continuavam em plena atividade. Devido a divergências quanto ao lugar da educação na obra missionária, a Missão Sul da PCUS dividiu-se em duas: Missão Leste (Lavras) e Missão Oeste (Campinas). O Rev. William Waddell fundou uma influente escola em Ponte Nova, Bahia. Pierce, um filho de Chamberlain, trabalhou na Bahia de 1899 a 1909. A obra presbiteriana no Mato Grosso começou nesse período: os pioneiros foram os missionários Franklin Graham (1913) e Filipe Landes (1915).

Em 1917, foi aprovado o Modus Operandi, um acordo entre a igreja brasileira e as missões norte-americanas pelo qual os missionários desligaram-se dos concílios da IPB, separando-se os campos nacionais (presbitérios) dos campos das missões. Em 1924, a Assembléia Geral reuniu-se pela primeira sem qualquer missionário como delegado de presbitério.

5. Cooperação (1917-1932)

O maior líder presbiteriano desse período foi o Rev. Erasmo de Carvalho Braga (1877-1932), professor do Seminário e secretário da Assembléia Geral. Em 1916, participou com dois colegas do Congresso de Ação Cristã na América Latina, no Panamá. Poucos anos depois, tornou-se o dinâmico secretário da Comissão Brasileira de Cooperação, entidade que liderou um grande esforço cooperativo entre as igrejas evangélicas do Brasil na década de 1920. As principais áreas de cooperação foram literatura, educação cristã e educação teológica. Foi fundado no Rio de Janeiro o Seminário Unido, que existiu até 1932.

Outros esforços cooperativos desse período foram: (1) Instituto José Manoel da Conceição, fundado pelo Rev. William A. Waddell na cidade de Jandira, perto de São Paulo (1928); visava preparar os jovens que depois seguiriam para o seminário. (2) Associação

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Evangélica de Catequese dos Índios (1928), depois Missão Evangélica Caiuá: idealizada pelo Rev. Albert S. Maxwell e instalada em Dourados, Mato Grosso, num esforço cooperativo das igrejas presbiteriana, independente, metodista e episcopal.

O Seminário de Campinas correu o risco de ser extinto por causa do Seminário Unido, mas finalmente superou a crise. Em 1921, o Seminário do Norte foi transferido para o Recife. As principais instituições educacionais das missões eram o Colégio Agnes Erskine, em Recife; Colégio 15 de Novembro (Garanhuns); Escola de Ponte Nova (Bahia); Colégio 2 de Julho (Salvador); Instituto Gammon (Lavras); Instituto Cristão (Castro) e principalmente o Mackenzie College. Os principais periódicos presbiterianos eram O Puritano e o Norte Evangélico.

Em 1924, a Assembléia Geral encerrou o trabalho missionário em Lisboa. No mesmo ano, Erasmo Braga e alguns amigos fundaram a Sociedade Missionária Brasileira de Evangelização em Portugal, que enviou para aquele país o Rev. Paschoal Luiz Pitta e sua esposa Odete. O casal ali esteve por quinze anos (1925-1940), regressando ao Brasil devido à constante falta de recursos.

Em 1921, morreu o Rev. Antonio Bandeira Trajano. Com ele desapareceu a primeira geração de obreiros presbiterianos no Brasil, os da década de 1860. Outros obreiros falecidos nesse período foram: Eduardo Carlos Pereira (1923), Álvaro Reis (1925), Carlota Kemper (1927), Samuel Gammon (1928) e Erasmo Braga (1932). Além do seu trabalho na área religiosa, vários dos pioneiros presbiterianos deram valiosa contribuição de ordem intelectual e literária. Alguns autores e os livros que os celebrizaram são os seguintes: Modesto Carvalhosa (Escrituração Mercantil), Antonio Trajano (Álgebra Elementar), Eduardo C. Pereira (Gramática Expositiva), Otoniel Motta (O Meu Idioma) e Erasmo Braga (Série Braga).

6. Organização (1932-1959)

Nas décadas de 1930 a 1950, a IPB continuou a crescer e a aperfeiçoar a sua estrutura, criando entidades voltadas para o trabalho feminino, mocidade, missões nacionais e estrangeiras, literatura e ação social. O período terminou com a comemoração do centenário do presbiterianismo no Brasil.

Nessa época, a igreja era constituída dos seguintes sínodos: (1) Setentrional: estendia-se de Alagoas até a Amazônia, estando o maior número de igrejas no Estado de Pernambuco; (2) Bahia-Sergipe: criado em 1950, quando o Presbitério Bahia-Sergipe, antigo campo da Missão Central, dividiu-se nos presbitérios de Salvador, Campo Formoso e Itabuna; (3) Minas-Espírito Santo: surgiu em 1946, abrangendo o leste de Minas e o Espírito Santo, a região de maior crescimento da igreja; (4) Central: formado em 1928, incluía o Estado do Rio de Janeiro, bem como o sul e o oeste de Minas Gerais; (5) Meridional: sínodo histórico (1910-47), abrangia São Paulo, Paraná e Santa Catarina; (6) Oeste do Brasil: foi formado em 1947, abrangendo todo o norte e oeste de São Paulo. No final da década de 50, foram entregues pelas missões os Presbitérios do Triângulo Mineiro, Goiás e Cuiabá.

Nesse período, as missões norte-americanas continuaram o seu trabalho: (1) PCUS: (a) Missão Norte: atuou no nordeste, onde o principal obreiro foi o Rev. William Calvin Porter (†1939); o campo mais importante era o de Garanhuns, onde estavam o Colégio 15 de Novembro e o jornal Norte Evangélico; (b) Missão Leste: atuou no oeste de Minas e depois em Dourados, Mato Grosso, cuja igreja foi organizada em 1951. (c) Missão Oeste: concentrou-se mais no Triângulo Mineiro, onde o casal Edward e Mary Lane fundou em 1933 o Instituto Bíblico de Patrocínio. (2) PCUSA: (a) Missão Central: seus principais campos eram Ponte Nova/Itacira, a bacia do Rio São Francisco, o sul da Bahia e o norte de Minas.; (b) Missão Sul: atuou no Paraná e Santa Catariana, fundindo-se com a Missão Central por volta

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de 1937. O Rev. Filipe Landes foi grande evangelista no Mato Grosso (norte e sul). Em Rio Verde, Goiás, atuou o Rev. Dr. Donald Gordon, que fundou um importante hospital.

Trabalho feminino: as primeiras sociedades de senhoras surgiram em 1884-85 e as primeiras federações, na década de 1920. Os primeiros secretários gerais do trabalho feminino foram o Rev. Jorge T. Goulart e as sras. Genoveva Marchant, Blanche Lício, Cecília Siqueira e Nady Werner. O primeiro congresso nacional reuniu-se na I. P. Riachuelo, no Rio de Janeiro, em 1941; o segundo congresso realizou-se também no Rio em 1954. A SAF em Revista foi criada em 1954.

Mocidade: algumas entidades precursoras foram a Associação Cristã de Moços (Myron Clark), o Esforço Cristão (Clara Hough) e a União Cristã de Estudantes do Brasil (Eduardo P. Magalhães). Benjamim Moraes Filho foi o primeiro secretário do trabalho da mocidade, em 1938. O primeiro congresso nacional reuniu-se em Jacarepaguá em 1946, quando foi criada a confederação. Entre os líderes da época estavam Francisco Alves, Jorge César Mota, Paulo César, Waldo César, Tércio Emerique, Gutemberg de Campos, Paulo Rizzo e Billy Gammon.

Missões Nacionais: em 1940 foi organizada na I. P. Unida a Junta Mista de Missões Nacionais, com representantes da IPB e das missões norte-americanas. Entre os primeiros líderes estavam Coriolano de Assunção, Guilherme Kerr, Filipe Landes, Eduardo Lane, José Carlos Nogueira e Wilson N. Lício. Até 1958, a Junta ocupou quinze regiões em todo o Brasil, com cerca de 150 locais de pregação. Em 1950 foi criada a Missão Presbiteriana da Amazônia.

Missão em Portugal: os primeiros obreiros foram João da Mota Sobrinho (1911-1922) e Paschoal Luiz Pitta (1925-1940). Em 1944 a IPB assumiu o trabalho e foi criada a Junta de Missões Estrangeiras, com o apoio das igrejas norte-americanas. Os primeiros missionários foram Natanael Emerique, Aureliano Lino Pires, Natanael Beuttenmuller e Teófilo Carnier.

Outras organizações: (a) Casa Editora: começou a ser organizada em 1945, no início da Campanha do Centenário, sob a liderança do Rev. Boanerges Ribeiro. A primeira sede foi instalada em dependências cedidas pela I. P. Unida, na Rua Helvetia. (b) Orfanatos: em 1910, a Assembléia Geral planejou um orfanato para Lavras; em 1919, passou a funcionar em Valença, e em 1929 veio a ocupar uma propriedade da I. P. de Copacabana em Jacarepaguá. O orfanato foi denominado Instituto Álvaro Reis. (c) Conselho Interpresbiteriano (CIP): foi criado em 1955 para superintender as relações da IPB com as missões e as juntas missionárias dos Estados Unidos. Tinha mais autoridade que o "modus operandi" de 1917.

Outras igrejas: (a) Igreja Presbiteriana Independente: em 1957, foi criado o Supremo Concílio, com três sínodos, dez presbitérios, 189 igrejas, 105 pastores e cerca de 30 mil membros comungantes; O Estandarte continuou a ser o jornal oficial. No final dos anos 30 houve um conflito teológico. Em 1942, um grupo de intelectuais liberais (entre os quais o Rev. Eduardo P. Magalhães) retirou-se da IPI e formou a Igreja Cristã de São Paulo. (b) Igreja Presbiteriana Conservadora: foi fundada em 1940 pelos membros da Liga Conservadora da IPI. Em 1957, contava com mais de vinte igrejas em quatro estados e tinha um seminário. Seu órgão oficial é O Presbiteriano Conservador. (c) Igreja Presbiteriana Fundamentalista: foi fundada em 1956 pelo Rev. Israel Gueiros, pastor da 1ª I. P. de Recife e ligado ao Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (do líder fundamentalista norte-americano Carl McIntire).

Neste período, a IPB participou de vários movimentos cooperativos: Associação Evangélica Beneficente (fundada por Otoniel Mota em 1928), Associação Cristã de Beneficência Ebenézer (dirigida pelo Dr. Benjamin Hunnicutt), Missão Evangélica Caiuá, Instituto José Manoel da Conceição, Confederação Evangélica do Brasil (fundada em 1934), Sociedade Bíblica do Brasil, Centro Áudio-Visual Evangélico (CAVE, fundado em 1951) e Universidade Mackenzie, que seria transferida à IPB no início dos anos 60.

Constituição da IPB: em 1924, foram aprovadas pequenas modificações no antigo Livro de Ordem adotado quando da criação do Sínodo, em 1888. Em 1937, entrou em vigor a nova

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Constituição da Igreja (os independentes haviam aprovado a sua três anos antes), sendo criado o Supremo Concílio. Houve protestos do norte contra alguns pontos: diaconato para ambos os sexos, "confirmação" em vez de "profissão de fé" e o nome "Igreja Cristã Presbiteriana." Em 1950, foi promulgada um nova Constituição e no ano seguinte o Código de Disciplina e os Princípios de Liturgia.

Estatística: em 1957, a IPB contava com seis sínodos, 41 presbitérios, 489 igrejas, 883 congregações, 369 ministros, 127 candidatos ao ministério, 89.741 membros comungantes e 71.650 não-comungantes. Os primeiros presidentes do Supremo Concílio foram os Revs. Guilherme Kerr, José Carlos Nogueira, Natanael Cortez, Benjamim Moraes Filho e José Borges dos Santos Júnior.

A Campanha do Centenário foi lançada em 1946, tendo como objetivos: avivamento espiritual, expansão numérica, consolidação das instituições da igreja, afirmação da fé reformada e homenagem aos pioneiros. A Comissão Central do Centenário, organizada em 1948, enfrentou muitas dificuldades.

Após 1950, a campanha ganhou ímpeto. A Comissão Unida do Centenário (IPB, IPI e Igreja Reformada Húngara) planejou uma grande campanha evangelística com a participação de Edwyn Orr e William Dunlap, que estendeu-se por todo o país em 1952. Outras medidas foram a criação do Museu Presbiteriano, do Seminário do Centenário e do jornal Brasil Presbiteriano, resultante da fusão de O Puritano e Norte Evangélico (1958). A 18ª Assembléia da Aliança Presbiteriana Mundial reuniu-se em São Paulo de 27 de julho a 6 de agosto de 1959. O lema do centenário foi: "Um ano de gratidão por um século de bênçãos."

A organização da Igreja Presbiteriana do Brasil

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O nome de nossa igreja vem de sua forma de governo. Ainda que a teologia calvinista tenha sido adotada por John Knox, escocês fundador do presbiterianismo, esta não é regra para todas as denominações presbiterianas, como é o caso da presbiteriana renovada. É do governo da igreja, que se dá por meio de presbíteros, de onde vem nome de nossa denominação.

Toda a organização de nossa IPB inicia-se na igreja local. Os membros da igreja local elegem entre si seus representantes, chamados de presbíteros. Essa reunião para eleição é chamada de assembléia geral da igreja e é ela quem dá poderes aos presbíteros que, reunidos, formam o conselho da igreja. Esse conselho é responsável por cuidar dos assuntos de ensino, disciplina, financeiros e de oração da igreja.

Juntamente com os presbíteros no conselho está o pastor, ou pastores da igreja. Esse pastor não é membro da igreja, mas do presbitério. Sua presença na igreja pode se dar por meio de eleição pela assembléia geral, por designação do presbitério, ou por convite do pastor titular no interesse de ter um pastor auxiliar, isso para uma igreja com mais de um pastor.

A reunião de igrejas locais formam o presbitério. Esse presbitério tem de ter, no mínimo, quatro igrejas e três pastores. As igrejas locais enviam seus representantes, que são presbíteros escolhidos pelo conselho. Junto com os pastores que, naturalmente são membros do presbitério, estes decidem sobre os atos e as atas dos conselhos, a distribuição de campos, a legalidade de fatos das igrejas e a disciplina dos pastores.

Acima dos presbitérios está o Sínodo, que é a reunião de, no mínimo, três presbitérios. Neste concílio se delibera sobre os atos dos presbitérios. Por sua vez, acima de todos esses concílios, está o supremo concílio que julga todos os documentos desses outros concílios.

Todos esses concílios são regidos pelo Manual da IPB. Neste manual está a Constituição da IPB, Código de disciplina, estatutos da IPB, princípios de liturgia, regimentos e modelos de atas. Em seu primeiro artigo, a Constituição da IPB mostra-nos a natureza, governo e fins da IPB:

Art.1 - A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de Igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e exerce o seu governo por meio de Concílios e indivíduos, regularmente instalados.

Entendendo bem o artigo, podemos ver a base de nossa igreja. A primeira coisa que é dita é que somos uma federação de igrejas. Isso significa que somos diversas igrejas locais que são todas regidas pelas mesmas regras; seguimos um mesmo padrão.

Depois é dito que temos as Escrituras Sagradas do AT e do NT como única regra de fé e prática. A IPB tem como parâmetro para seu funcionamento e para sua prática, bem como para seus membros, aquilo que está revelado por Deus em toda a Bíblia. Contudo, o modo de interpretar as Escrituras também é definido e tem na Confissão de fé e nos catecismos Maior e Breve a exposição deste modo.

Seguindo, vemos que a IPB é regida por sua constituição. Tal constituição tem por objetivo padronizar as ações de todas as igrejas, de modo que todas cumpram seu dever dentro da federação de igrejas a qual fazemos parte. Tudo isso, porém, dentro das leis de nosso país, tendo a Comissão Executiva do Supremo Concílio como representante legal.

A última parte do artigo nós já abordamos. Ela se refere à forma de governo e inclui todos aqueles concílios que vimos anteriormente: conselho, presbitério, sínodo e supremo concílio.

Adiante temos um breve histórico dos concílios da IPB.

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Concílios Superiores e Seus Líderes

Rev. Dr. Alderi Souza de Matos

Incontestavelmente, o primeiro líder do presbiterianismo brasileiro foi o Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867), missionário fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil e, a partir de 1862, pastor da sua primeira comunidade local, a Igreja do Rio de Janeiro.

Com a organização das três primeiras igrejas (Rio, São Paulo e Brotas), tornou-se possível a criação do primeiro concílio, o Presbitério do Rio de Janeiro. Isso ocorreu em São Paulo, no dia 16-12-1865, sendo membros fundadores apenas três missionários: A. G. Simonton, Alexander L. Blackford e Francis J. C. Schneider. No dia seguinte, 17 de dezembro, foi ordenado o Rev. José Manoel da Conceição. O novo presbitério ficou filiado ao Sínodo de Baltimore, da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (Igreja do Norte).

Passaram-se mais de vinte anos até que fossem organizados novos presbitérios: o de Campinas e Oeste de Minas (14-04-1887) e o de Pernambuco (17-08-1888), ambos ligados à Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (Igreja do Sul). Em 6 de setembro de 1888, os três presbitérios filiados às igrejas-mães norte-americanas uniram-se para formar um concílio autônomo, o Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil. O Sínodo era composto de vinte missionários, doze pastores nacionais e mais de 50 igrejas.

Em 1907, o Sínodo aprovou a sua própria dissolução e a criação de dois novos sínodos, o do Norte e o do Sul, que reuniram-se pela primeira vez em janeiro de 1909, respectivamente em Salvador e Campinas. No dia 7 de janeiro de 1910, a Assembléia Geral foi solenemente instalada no templo na Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, sendo o Rev. Álvaro Reis, pastor daquela igreja histórica, eleito moderador. Na época, a Igreja Presbiteriana do Brasil tinha cerca de dez mil membros comungantes, outro tanto de não comungantes e por volta de 150 igrejas em sete presbitérios.

Finalmente, a Assembléia Geral de 1936, reunida em Caxambu, Minas Gerais, convocou uma Assembléia Constituinte, que reuniu-se em dezembro do ano seguinte, no Rio de Janeiro. Essa Assembléia aprovou uma nova Constituição para a igreja, pela qual a Assembléia Geral passou a denominar-se Supremo Concílio. Apresentamos a seguir uma relação completa de todas as reuniões desses concílios maiores da IPB, bem como os nomes dos seus moderadores ou presidentes.

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