anistia politica e justica de transicao no 2 dezembro de 2009

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Justiça de Transiçao em Brazil

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    Governo Federal

    Ministrio da Justia

    Comisso de Anistia

    REVISTA ANISTIA POLTICA E JUSTIA

    DE TRANSIO

    Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro da JustiaTarso Genro

    Secretrio-ExecutivoLuiz Paulo Teles Barreto

    Presidente da Comisso de AnistiaPaulo Abro Pires Junior

    Vice-presidente da Comissso de AnistiaSueli Aparecida Bellato

    Secretria Executiva da Comisso de AnistiaRoberta Vieira Alvarenga

    Coordenador Geral da RevistaMarcelo D. Torelly

    As opinies contidas nos textos desta revistaso de responsabilidade exclusiva de seus autores,no caracterizando posies oficiais do Ministrioda Justia, salvo se expresso em contrrio.

    As fotos contidas nesta edio foram cedidas pelo ArquivoNacional, bem como por Gilney Amorim Viana e PauloRoberto Jabur, para a exposio fotogrfica 30 Anos deLuta pela Anistia no Brasil: Greve de Fome de 1979, tendosido previamente publicadas na obra Fome de Liberdadede Gilney Viana e Perly Cipriano e no Catlogo da referidaexposio fotogrfica.

    A Comisso de Anistia agradece a todos.Os cartazes alusivos a diversas campanhas pela anistia,ocorridas no Brasil e no exterior, que esto contidos nestaedio integram o acervo do Centro de Documentao eMemria da Universidade Estadual Paulista (Cedem/Unesp).

    Os nomes contidos na capa desta edio sode anistiados polticos pela Comisso de Anistiae constituem uma justa homenagem a todosque lutaram pela democracia no Brasil

    Nesta edio, trabalharam como revisores dos textos

    aprovados para publicao os Conselheiros Tcnicose Editoriais abaixo colacionados:

    Conselho Editorial

    Antnio Manuel Hespanha (Universidade Novade Lisboa Portugal), Boaventura de Sousa Santos(Universidade de Coimbra Portugal), Bruna Peyrot

    (Consulado Geral Itlia), Carlos Crcova (Universidade deBuenos Aires Argentina), Cristiano Otvio Paixo ArajoPinto (Universidade de Braslia), Dani Rudinick(Universidade Ritter dos Reis), Daniel Aaro Reis Filho(Universidade Federal Fluminense), Deisy de Freitas LimaVentura (Universidade de So Paulo), Eduardo CarlosBianca Bittar (Universidade de So Paulo), Edson CludioPistori (Memorial da Anistia Poltica no Brasil), Ena deStutz e Almeida (Universidade de Braslia), Flvia Carlet(Projeto Educativo Comisso de Anistia), Flavia Piovesan(Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo), JaimeAntunes da Silva (Arquivo Nacional), Jessie Jane Vieira de

    Sousa (Universidade Federal do Rio de Janeiro), JoaquinHerrera Flores (in memorian), Jos Reinaldo de Lima Lopes(Universidade de So Paulo), Jos Ribas Vieira (PontificaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro), Marcelo DalmsTorelly (Coordenador-Geral), Maria Aparecido Aquino(Universidade de So Paulo), Paulo Abro Pires Junior(Presidente), Phil Clark (Universidade de Oxford Inglaterra), Ramon Alberch Fugueras (Arquivo Geral daCatalua Espanha), Rodrigo Gonalves dos Santos(Comisso de Anistia), Sandro Alex Simes (CentroUniversitrio do Estado do Par), Sean OBrien(Universidade de Notre Dame Estados Unidos), Sueli

    Aparecida Bellato (Comisso de Anistia)

    Conselho Tcnico

    Aline Sueli de Salles Santos, Ana Maria Guedes,Ana Maria Lima de Oliveira, Andr Amud Botelho, DanielaFrantz, Eduardo Miranda Siufi, Egmar Jos de Oliveira, ElzaCarolina de Oliveira Martini, Henrique de Almeida Cardoso,Joaquim Soares de Lima Neto, Jos Carlos M. Silva Filho,Juvelino Jos Strozake, Kelen Meregali Model Ferreira,Luana Andrade Bencio, Luciana Silva Garcia, Marcia Elayne

    Berbich de Moraes, Mrcio Gontijo, Mrcio Rodrigo P.B.Nunes Cambraia, Maria Emlia Guerra Ferreira, Marina SilvaSteinbruch, Mrio Miranda de Albuquerque, MarleideFerreira Rocha, Muller Luiz Borges, Narciso FernandesBarbosa, Paula Danielli Rocha Nogueira, Paulo Abro PiresJunior, Prudente Jos Silveira Mello, Rita Maria de MirandaSipahi, Roberta Camineiro Baggio, Roberta Vieira Alvarenga,Roberto Flores Reis, Rodrigo Gonalves dos Santos,Tatiana Tannus Grama, Vanderlei de Oliveira, VinciusMarcelus Rodrigues Nunes, Virginius Jos Lianza daFranca, Vanda Davi Fernandes de Oliveira.

    Projeto Grfico

    Ribamar Fonseca

    Editorao eletrnicaSupernova Design

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    Sueli Aparecida BellatoConselheira desde 06 de maro de 2003Nascida em So Paulo/SP, em 1o de julho de 1953, religiosada Congregao Nossa Senhora Cnegas de Santo Agostinhoe advogada graduada pela Universidade Presbiteriana

    Mackenzie de So Paulo, com intensa atividade nas causassociais. J trabalhou junto ao Ministrio Pblico Federal narea de Direitos Humanos, foi assistente parlamentar e atuouno processo contra os assassinos do ambientalista ChicoMendes. membro da Comisso Brasileira de Justia e Paz daConferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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    Aline Sueli de Salles SantosConselheira desde 26 de fevereiro de 2008Nascida em Caapava/SP, em 04 de fevereiro de 1975, graduada em Direito pela Universidade de So Paulo,mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos

    em Servio Social pela Universidade Catlica de Salvador.Atualmente membro do Grupo Tortura Nunca Mais daBahia e membro da Coordenao do Projeto Memorial daAnistia e Direitos Humanos da Bahia.

    Edson Claudio Pistori

    Conselheiro desde 13 de janeiro de 2009Nascido em Rondonpolis/MT, em 15 de maro de 1977, graduado em Direito pela Universidade Federal deUberlndia e mestrando na mesma instituio. Foi Assessorda Subsecretaria de Planejamento e Oramento doMinistrio da Educao e da Secretaria-Geral da Presidnciada Repblica. Atualmente professor da Escola Nacional deAdministrao Pblica (ENAP).

    Egmar Jos de OliveiraConselheiro desde 26 de abril de 2004Nascido em Jaragu/GO, em 02 de agosto de 1958, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Anpolis.Atualmente advogado militante em So Paulo e Gois,atuando em causas trabalhistas e de direitos humanos.

    Ene de Stutz e AlmeidaConselheira desde 22 de outubro de 2009Nascida no Rio de Janeiro/RJ, em 10 de junho de 1965, graduada e mestre em Direito pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro e doutora em Direito pelaUniversidade Federal de Santa Catarina. Professora daUniversidade de Braslia, onde atualmente coordenadora

    do curso de graduao em Direito. vice-presidente doConselho Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Direito(CONPEDI), na gesto 2009-2011.

    Henrique de Almeida CardosoConselheiro desde 31 de maio de 2007Nascido no Rio de Janeiro/RJ, em 23 de maro de 1951, o representante do Ministrio da Defesa junto Comissode Anistia. Oficial de artilharia do Exrcito pela AcademiaMilitar de Agulhas Negras (AMAN), bacharel em CinciasEconmicas e em Cincias Jurdicas, pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro.

    Jos Carlos Moreira da Silva FilhoC lh i d d 25 d i d 2007

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    Luciana Silva GarciaConselheira desde 25 de maio de 2007Nascida em Salvador/BA,em 11 de maio de 1977, graduada em Direito pela Universidade Federal daBahia e mestre em Direito Pblico pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro. Advoga para a organizaono-governamental Justia Global que atua junto CorteInteramericana de Direitos Humanos da Organizao dosEstados Americanos (OEA).

    Mrcia Elayne Berbich de MoraesConselheira desde 23 de julho de 2008Nascida em Cianorte/PR, em 17 de novembro de 1972, advogada graduada em Direito pela Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio Grande do Sul (PUCRS). especialista,mestre e doutoranda em Cincias Criminais, todos pelamesma instituio. integrante do Conselho Penitenciriodo Estado do Rio Grande do Sul desde 2002. professora

    da Faculdade de Direito de Porto Alegre (FADIPA).

    Mrcio GontijoConselheiro desde 21 de agosto de 2001Nascido em Belo Horizonte/MG, em 02 de julho de 1951, advogado pblico de carreira e pertencente aos quadrosda Consultoria Jurdica do Ministrio da Justia desde 1976. representante dos anistiados polticos na Comisso deAnistia. Graduado em Direito pela Universidade Federal deMinas Gerais, o decano da Comisso de Anistia, tendo aindaacompanhado a criao da Comisso Especial de indenizaodos familiares dos mortos e desaparecidos polticos.

    Marina da Silva SteinbruchConselheira desde 25 de maio de 2007Nascida em So Paulo/SP, em 12 de abr il de 1954, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de SoBernardo do Campo/SP. Atuou como Defensora Pblica daUnio por 22 anos.

    Maria Emilia Guerra FerreiraConselheira desde 22 de outubro de 2009Nascida em Manaus/AM, em 22 de outubro de 1944, religiosa da Congregao de Nossa Senhora cnegasde Santo Agostinho. Psicloga graduada pela Faculdadede Filosofia, Cincias e Letras Sedes Sapientiae de So

    Alagoas e possui especializao em Direitos Humanos pelaUniversidade Federal da Paraba. advogado militante nasreas de direitos humanos e de segurana pblica.

    Prudente Jos da Silva MelloConselheiro desde 25 de maio de 2007

    Nascido em Curitiba/PR, em 13 de abril de 1959, graduado em Direito pela Universidade Catlica do Parane doutor em Direito pela Universidade Pablo de Olavide(Espanha). Advogado trabalhista de entidades sindicais detrabalhadores desde 1984, atualmente leciona no Cursode Ps-Graduao em Direitos Humanos do Centro deEstudos Universitrios de Santa Catarina (CESUSC).

    Rita Maria de Miranda SipahiConselheira desde 22 de outubro de 2009Nascida em Fortaleza/CE, em 23 de fevereiro de 1938, graduada em Direito pela Faculdade de Direito daUniversidade do Recife. servidora pblica aposentada pelaPrefeitura do Municpio de So Paulo. Possui experinciaem Planejamento Estratgico Situacional e j desenvolveutrabalhos na rea de gesto como supervisora geral dedesenvolvimento de pessoal da Secretaria do Bem EstarSocial da Prefeitura de So Paulo.

    Roberta Camineiro BaggioConselheira desde 25 de maio de 2007Nascida em Penpolis/SP, em 16 de dezembro de 1977, graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlndia,

    mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinose doutora em Direito pela Universidade Federal de SantaCatarina. Atualmente professora adjunta na Faculdade deDireito da Universidade Federal de Uberlndia/MG.

    Rodrigo Gonalves dos SantosConselheiro desde 25 de maio de 2007Nascido em Santa Maria/RS, em 11 de julho de 1975, advogado graduado e mestre em Direito Pblico pelaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos. professor daFaculdade de Direito UNIEURO/DF.

    Vanda Davi Fernandes de OliveiraConselheira desde 26 de fevereiro de 2008N id E t l d S l/MG 31 d j h d 1968

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    OS 14 PRESOS POLTICOS DO RIO DE JANEIRO NO PTIO DO PRESDIO FREI CANECA NO 32 ODIA DE GREVE DE FOME.EM P: PAULO ROBERTO JABUR, GILNEY VIANA, CARLOS ALBERTO SALES, JESUS PAREDE SOTO, JORGE SANTOS ODRIA,

    JORGE RAYMUNDO, ANTONIO MATTOS E PERLY CIPRIANO. SENTADOS: PAULO HENRIQUE LINS, ALEX POLARI,NELSON RODRIGUES, MANOEL HENRIQUE PEREIRA, JOS REZENDE E HELIO DA SILVA

    CRDITO: PAULO JABUR

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    INTELECTUAIS CONVERSAM COM OS PRESOS POLTICOS NO PTIO DA PRISO: JORGE RAYMUNDO, MANOEL HENRIQUE FERREIRA,PERLY CIPRIANO, DARCY RIBEIRO, ANTONIO HOUAISS E OSCAR NIEMEYER

    CRDITO: PAULO JABUR

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    DOCUMENTOS

    18 ENTREVISTA

    20 QUANDO A DEMOCRACIA RETORNA, A JUSTIA REPENSAOS DIREITOS DAS VTIMAS: LOUIS JOINET RESPONDE

    24 A LEI DE ANISTIA, A CONSTITUIO E OS DIREITOSHUMANOS NO BRASIL: LENIO STRECK RESPONDE

    30 DOSSI: MEMRIA

    32 MEMRIA HISTRICA: O PAPEL DA CULTURANAS TRANSIES

    FLIX RETEGUI

    50 A DOR DOS RECOMEOS: LUTA PELO RECONHECIMENTOE PELO DEVIR HISTRICO NO BRASIL

    PAULO ENDO

    64 A REPRESENTIFICAO DO AUSENTE:MEMRIA E HISTORIOGRAFIAFERNANDO CATROGA

    90 BLOW UP DEPOIS DAQUELE GOLPE: A FOTOGRAFIANA RECONSTRUO DA MEMRIA DA DITADURADOUGLAS ANTNIO ROCHA PINHEIRO

    110 ESPECIAL: AS CARAVANAS DA ANISTIA

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    190 JUSTIA TRANSICIONAL EM RUANDA: A BUSCAPELA RECONCILIAO SOCIAL

    SIMONE RODRIGUES PINTO

    218 WALTER BENJAMIN E NSGIACOMO MARRAMAO

    234 JUSTIA TRANSICIONAL, DIREITOS HUMANOS E

    A SELETIVIDADE DO ATIVISMO JUDICIAL NO BRASILALEXANDRE GARRIDO DA SILVA E JOS RIBAS VIEIRA

    268 A ANISTIA NO PROCESSO DE TRANSIO EM SERRA LEOAGIOVANNA MARIA FRISSO

    292 ENTRE AS JUSTIAS RETRIBUTIVA E RESTAURATIVA:

    FRAGMENTOS EM TORNO DO DEBATESOBRE A JUSTIA DE TRANSIO LUIZ MAGNO PINTO BASTOS JUNIOR E THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS

    322 POSITIVISMO, REALISMO E MORALISMO JURDICOS NO DEBATE SOBRE A RESPONSABILIZAO PENAL PARA

    OS CRIMES DA DITADURA MILITAR LAURO JOPPERT SWENSSON JUNIOR

    344 DOCUMENTOS

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    Essa reunio que ocorreu no teatro Ruth

    Escobar no era autorizada, tivemos

    de suspender um espetculo e pedir

    a solidariedade dos espectadores pelo

    cancelamento da apresentao para que

    se pudesse realizar o meu colquio,

    e assim foi feito.

    para que no se repitam mais os fatos do

    passado. isso.

    CEO Como membro da Comisso

    de Anistia do Brasil, gostaria de saber

    como o senhor v a questo da anistia

    especificamente em nosso pas?

    LJ A Comisso de Anistia em seu pas

    algo de grande importncia, mas no encerra

    a questo, pois no se trata de simplesmente

    conceder a anistia, o que fundamental

    abertura dos arquivos.Cest fundamental!

    E desse ponto de vista, a Comisso

    da Anistia do Brasil teve uma deciso

    governamental muito corajosa, de apresentar

    publicamente a verdade. isso que permite

    virar a pgina. fazer uma justia da verdade,

    colocar a justia junto histria.

    Por isso, estou muito satisfeito com a

    Justia e com a importncia que adquiriu

    essa Comisso, pois uma caminhada

    muito difcil, principalmente em funo de

    muitas pessoas terem desaparecido so

    tantos amigos e companheiros brasileiros,

    argentinos e chilenos que desapareceram!

    A lh ti

    CRDITO: EGMAR OLIVEIRA

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    CEO Porm, mesmo com a verdade,

    resta a questo dos desaparecidos...

    LJ Sim, resta a necessidade de encontrar

    os corpos dos desaparecidos e isso o

    mais difcil. No sei como feito no Brasil,

    mas a maneira mais eficaz de encontrar os

    corpos ou vestgios com a cooperao

    dos agentes da polcia poltica, porque os

    chefes no cooperam nunca, normal.

    Mas no me parece uma questo para ser

    respondida agora, talvez seja respondida

    muitos anos depois ou ao longo da histria.

    Sem a cooperao deles a questo fica

    mais difcil ainda.

    CEO Outra questo que est sendo

    discutida no Brasil a responsabilizao

    dos torturadores do perodo da Ditadura

    Militar, pois h um entendimento de que

    a Lei de Anistia de 1979 no anistiou os

    torturadores e o Supremo Tribunal Federal

    brasileiro ter que se posicionar, pois

    a Ordem dos Advogados do Brasil est

    questionando essa matria desde o ponto

    de vista constitucional.

    LJ Eu penso que a situao igualmente

    complexa. Nas transies, primeiro

    preciso ateno com a democracia, com

    as eleies. A minha opinio que essa

    questo da responsabilizao algo que

    vir com o tempo, mais isso ainda est

    muito longe. Essa questo tipicamente

    um dos grandes problemas da histria

    para toda a humanidade, mas sabe-se que

    um dia ou outro a Justia saber o que

    se passou. Saber tudo, passo a passo,

    importante. Eu preferiria que a justia

    fosse feita naquele momento, como na

    Argentina, depois desse perodo no

    necessariamente. O problema bsico

    como fazer a Justia se j se passou a

    ili M i i t i i l

    FONTE: PRESOS POLTICOS RECEBEM VISITA DE ORGANIZADORES DO PARTIDODOS TRABALHADORES (PT). DA ESQUERDA PARA DIREITA: HEITOR DE SOUZASANTOS (PRESIDENTE DO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE RIO

    BONITO), DEP. EDSON KHAIR (MDB-RJ), LUIZ INCIO LULA DA SILVA (PRESIDENTEDO SINDICATO DOS METALRGICOS DE SO BERNARDO DO CAMPO), MANOEL

    HENRIQUE FERREIRA, GILNEY VIANA, YARA PONTES, WAGNER BENEVIDES(PRESIDENTE DO SINDICATO DOS PETROLEIROS DE MINAS GERAIS).

    CRDITO: PAULO JABUR

    DOSSI ARTIGOSENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIAL

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    DOSSIMEMRIA

    ARTIGOSACADMICOS

    ENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIALCARAVANAS DA ANISTIA

    ENTREVISTA

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    LENIO STRECK

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    esquerda e direta do direito). Mas

    no deve ser assim. Por isso tem razo

    Ronald Dworkin, jurista norte-americano,

    cujas posies se aproximam das de

    Gadamer com as quais concordo , para

    quem os argumentos no direito devem ser

    de princpio e no de poltica (ou de moral).

    No importa a concepo moral que o

    juiz tem sobre determinada matria; pode

    i t l ( t i t )

    mesmo ps-iluminista), o direito deve ser

    utilizado apenas para proteger o dbil

    contra um Estado mau. Alm disso, os

    tratados internacionais, para a corrente

    contrria punio da tortura (nos termos

    da discusso posta), no se aplicariam

    ao caso brasileiro. possvel at que

    alguns juristas, no ntimo, sejam a favor

    da punio. Entretanto, um eventual apoio

    tese da reavaliao da lei de anistia

    para punir torturadores poderia coloc-los

    em contradio, exatamente em face da

    predominncia, no Brasil, das teses que

    fundamentam ainda um classicismo

    penal. Adianto, aqui, minha posio, no

    sentido de que tais concepes esto

    equivocadas e desfocadas do Estado

    Democrtico de Direito, em que at

    mesmo o direito penal deve ser utilizado

    para a transformao da sociedade.

    IHU A Lei da Anistia, no que concerne

    absolvio de torturadores, pode ser

    considerada legitima?

    LS Penso que nenhuma lei poderia

    considerar a tortura como crime poltico,

    i l it li it t A L i 6 683/79

    CRDITO: ACERVO DE FOTOS DO PROGRAMA DIREITO& LITERATURA VEICULADO PELA TV JUSTIA E TVE/RS

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    26/483

    do que isso, nenhuma lei pode proteger

    de forma deficiente ou insuficiente os

    direitos humanos fundamentais. O Estado

    Democrtico de Direito tem o dever de

    proteger os direitos dos cidados, tanto

    contra os ataques do Estado como dos

    ataques dos demais cidados. No direito

    constitucional do segundo ps-guerra

    denominamos isso de Schutzpflicht. No

    caso, a Lei da Anistia, se interpretada no

    sentido de que poderia englobar a tortura,

    violaria o princpio da proibio de proteo

    deficiente, que os alemes chamam de

    Untermassverbot. Sendo mais claro: o

    Estado deve proteger os direitos humanos

    de forma adequada. Assim, mesmo um

    acordo ou um pacto no podem acarretar/

    ratificar essa deficincia na proteo.

    Em termos hermenuticos, uma lei pode

    ser nula, ilegal ou inconstitucional por

    vrias razes. Se ela for excessivamente

    rigorosa, pode estar violando o princpio da

    proteo de excesso (bermassverbot ).

    Por exemplo, se o Brasil aprovasse uma

    lei prevendo uma pena mnima de 10

    anos para quem furta. Essa lei seria

    i tit i l J l i f d fi i t

    Lei da Anistia e as leis subsequentes o que

    estas no previam.

    Mesmo que a Constituio atual seja

    posterior Lei de Anistia, isso no significa

    que o Parlamento brasileiro poderia ter

    aprovado qualquer tipo de lei que protegesse

    deficientemente ou insuficientemente os

    direitos humanos das vtimas do regime

    militar. Os limites j estavam l, conforme

    se pode ver nos tratados internacionais

    dos quais o Brasil era firmatrio naquela

    poca. Logo, se o Brasil se comprometeu

    a punir com rigor a tortura, seria incoerente

    que aprovasse uma lei inocentando

    aqueles que praticaram esse tipo de crime

    (que, insista-se, no crime poltico). To

    importante essa questo relativa fora

    dos tratados internacionais na ordem interna

    que o Supremo Tribunal Federal utilizou-

    se das regras da Organizao das Naes

    Unidas de tratamento de prisioneiros para a

    regulamentao do uso de algemas, inclusive

    com a edio de Smula Vinculante. Assim,

    a interpretao que acabou vencedora

    durante todos esses anos de que a

    i ti b t b t t f

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    MEMRIA ACADMICOSCARAVANAS DA ANISTIA

    fatalmente, ser inconstitucional, por

    proteger insuficientemente bens jurdicos

    fundamentais, como a vida, no caso do

    homicdio, ou a dignidade da mulher, no

    caso do estupro. Assim, a lei, por si s, j

    seria inconstitucional; mas uma eventual

    aplicao dessa lei (por exemplo, se ela

    fosse considerada legtima por alguns

    tribunais) seria inconstitucional do mesmo

    modo. A lei pode ser inconstitucional, e a sua

    interpretao tambm o pode.

    No caso da Lei da Anistia, ser ilegal,

    nula, qualquer interpretao que estenda

    os seus efeitos para alm daquilo que

    nela est previsto: a anistia aos crimes

    polticos. Portanto insisto , nem

    necessrio bulir com a lei; o problema

    est na sua generosa interpretao,

    que deu azo a que se considerassem,

    indevidamente, anistiadas todas as pessoas

    que participaram das aes contra e favor

    do regime.

    IHU O que significa e qual a importncia

    de reabrir a discusso em torno da Lei da

    A i ti 30 d i ?

    Se que ser reavaliada passar

    pelo Poder Judicirio, como ocorreu na

    Argentina, onde foi declarada a nulidade

    da Lei da Obedincia Devida, exatamente

    porque esta havia anistiado aqueles que

    praticaram a tortura. A Suprema Corte

    contraps Lei da Obedincia Devida

    os tratados internacionais firmados pela

    Repblica Argentina. E veja-se que um dos

    componentes do Tribunal um dos mais

    importantes penalistas do mundo, Eugnio

    Ral Zaffaroni. Portanto, para aqueles que

    acham que uma eventual punio aos que

    praticaram tortura no Brasil fere o princpio

    da anterioridade da lei penal ou outro princpio

    tit i l b t i t

    =" '(," .( E)& .(

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    28/483

    IHU O senhor disse que a Lei da Anistia

    comprometeu os direitos humanos

    quando permitiu a aplicao da tbula

    rasa, no separando o joio do trigo. Se a

    lei fosse revista, como seria possvel essa

    separao? Torturadores e guerrilheiros

    seriam julgados de maneiras diferentes?

    LS A Lei da Anistia e as subsequentes

    no falaram em anistiar qualquer ato de

    tortura; apenas abrangiam crimes polticos.

    O que falei, em outra entrevista, que

    o problema se deu na aplicao tbula

    rasa, a sim misturando o joio e o trigo.

    Consequentemente, em muitos casos,

    beneficiamos o joio. Veja-se que a questo

    das reparaes veio apenas anos depois da

    Lei de 1979 (ressalvo aqui minhas crticas

    a alguns exageros ocorridos nos valores de

    algumas indenizaes).

    Com relao segunda parte da pergunta

    (punio aos guerrilheiros), a Lei 9.140

    deixa claro que o Regime Militar no era

    um Estado de Direito. Esse o ponto fulcral

    da discusso.

    C t t l it l t t

    Vivemos hoje, no Brasil, os reflexos da

    impunidade desse perodo?

    LS Talvez inconscientemente estejamos

    sendo refns desse olhar generoso que

    fizemos com a Lei da Anistia, permitindo

    isso que chamo de interpretao tbula

    rasa. Por que refns? Porque no estamos

    conseguindo punir os crimes que colocam

    em xeque os objetivos da Repblica.

    visvel que no estamos querendo usar

    o direito penal para jogar duro com a

    delinquncia assptica (colarinho branco

    etc.). Vejam as leis aprovadas nos ltimos

    anos: alamos o crime de fraude licitao

    a crime de menor potencial ofensivo

    (paga-se cesta bsica); na mesma linha,

    consideramos mais grave o ato de subtrair

    galinhas (quando praticado por duas pessoas)

    do que as condutas consubstanciadoras de

    crimes como a lavagem de dinheiro e de

    delitos contra as relaes de consumo e o

    sistema financeiro; tambm construmos

    uma benesse para os sonegadores de

    tributos que, de certa forma, transforma a

    sonegao fiscal em uma rentvel aposta

    sem riscos penais , bastando o pagamento

    d l d i d i

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    estabelecer-se como o nico jogo possvel na

    vida poltica do pas. A consolidao da

    democracia, como se denomina esse segundo

    momento, constitui um processo mais amplo

    e complexo que se orienta para a implantao

    da democracia como o nico regime vlido

    para administrar o poder e resolver os

    antagonismos consubstanciais para toda a

    sociedade livre1.

    Os termos transio e consolidao designam,

    assim, fundamentalmente, uma evoluo

    institucional e dirigem o olhar para as condutas

    dos atores sociais e polticos organizados e

    para o contexto de possibilidades e restries

    normativas e pragmticas que guiam essas

    condutas. Em muitos casos, o fennemo assim

    descrito tem um ar de restaurao: haveria uma democracia perdida para recuperar, haveria regras

    que foram violentadas e cujo imprio necessrio restabelecer e, sobretudo, como premissatcita, haveria um contexto sociocultural que foi pervertido pela ordem autoritria e que, esta uma

    vez desaparecida, depura-se e reativa-se em uma criativa confluncia com as transformaes

    institucionais e jurdicas da sociedade.

    relevante perceber, no obstante, que em muitos dos pases que experimentam transies

    para a democracia a partir de situaes de autoritarismo ou de violncia, este ltimo fator o da

    trama cultural e o das relaes sociais que tal trama sustenta sumamente dbil. Isso certo,b t d i d d l it i d di id d fl di lt d

    4, %)/N", %/(0,&-1") '"0,"#&.(-1".),&P0(NS (,,&NS

    X+0.(N)0%(#N)0%)S +N()2"#+-1" &0,%&%+'&"0(#) .&/&P)N " "#[(/!(/( (, '"0.+%(,.", (%"/), ,"'&(&, )!"#$%&'", "/P(0&\(.",) !(/( " '"0%)a%".) !",,&Y&.(.), )/),%/&-d), 0"/N(%&2(, )!/(PNe%&'(, W+) P+&(N),,(, '"0.+%(,

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    polticas. No obstante, h que se entender o cultural, nessa ordem de reflexes, antes como

    uma dimenso da arquitetura sociopoltica da construo da democracia do que como um domnio

    autnomo ou como um reino a parte. Um simples exemplo pode bastar para sustentar esse

    ponto. Desde um ponto de vista jurdico e poltico, a cidadania uma condio de titularidade

    efetiva de direitos aparece como o resultado da implantao de certas regras de jogo no plano

    normativo e institucional. Desde um olhar sociocultural que entenda a democracia como um

    regime de relaes sociais de certa espcie, a cidadania constitui a estrutura molecular de tal

    regime e no est definida somente pela titularidade de direitos seno tambm pela vigncia de

    um conjunto de representaes, de imagens e de ideias na imaginao pblica e, portanto, na

    vida cotidiana.

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    Como dimenso da organizao de uma sociedade, o territrio da cultura est distante de ser

    plano e uniforme. Pelo contrrio, o desenho simblico da sociedade abarca diversos estratos. So

    parte desse desenho simblico os valores e as imagens oficialmente declaradas e rotineiramente

    proclamadas como socialmente aceitveis. A se encontram, por exemplo, a normatividade legal

    positiva, assim como as narrativas da histria peruana transmitidas e repetidas no sistema educativo

    pblico e privado. Entretanto, em estratos mais profundos, aparecem outras camadas desse desenho

    simblico: as ideologias, enquanto ideias manifestas e de carter interpretativo e propositivo sobre

    o bem coletivo; os discursos, entendidos como um conjunto bsico de representaes articuladas

    que contribuem para uma certa gramtica social e que delimitam o territrio do dizvel; e, nos planos

    mais profundos, as identidades constitudas como uma certa forma de estar frente ao mundo

    social, frente ao mundo dos objetos e frente ao mundo intersubjetivo da relao com as pessoas.

    Em uma sociedade em que o exerccio dos direitos fundamentais precrio, a consolidao de

    uma democracia em longo prazo depende, entre outras coisas, das representaes sociais e da

    adequao destas a um regime de vida cidado. Se a cultura um dos espaos mais importantes

    da reproduo social, a mobilizao dos recursos simblicos que compem essa cultura sempre

    gravitar sobre o tipo de ordem poltica produzido e reproduzido. Que classes de modificaes

    no plano da organizao simblica de uma sociedade resultam indispensveis para esse fim? E

    identificadas essas mudanas, em que medida e por que meios podem produzir-se?

    nesse plano de anlise que convm situar o papel da memria como ingrediente de processos

    de democratizao, isto , experincias sociais que vo mais alm da substituio de atores no

    exerccio do poder. A memria da violncia aparece como um recurso simblico que se pe em

    ao para a elaborao de resultados polticos de longo prazo.

    Para abordar essa questo, convm deter-se sobre o lugar o locus da memria da violncia. Isto h b i t i d f l i f di

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    os crimes cometidos no contexto da luta contra o apartheid; a da Guatemala, que, depois de

    seus acordos de paz, estudou os crimes acumulados durante trs dcadas de guerra civil; e a

    de El Salvador, que se ocupou de esclarecer as violaes de direitos humanos durante o conflito

    armado interno que ocorreu nesse pas durante a dcada de 1980.

    A esse conjunto de experincias, e de certo modo herdando o conhecimento acumulado por elas,

    se somou, no incio da dcada de 2000, a Comisso da Verdade e Reconciliao de Peru. Durante

    26 meses, tal comisso investigou os crimes e violaes de direitos humanos cometidos no Peru

    entre 1980 e 2000, tanto pelas organizaes subversivas o PCP - Sendero Luminoso e o MRTA

    quanto pelas organizaes estatais encarregadas de combat-las as foras armadas, a polcia

    e, favorecidas pelo Estado, as organizaes de autodefesa.

    Originalmente, essas organizaes foram entendidas como um precedente, um complemento

    ou, no pior dos casos, como um substituto da ao judicial que ali, por restries polticas

    e materiais, no era possvel ser realizada plenamente ou resultava invivel. Nesse esprito,

    as comisses e a verdade que elas se encarregavam de buscar foram compreendidas como

    uma via para esclarecer os fatos ocorridos durante um passado de violncia ou de represso

    autoritria. Seu domnio era o da realidade ftica. Sua contribuio, primeira vista, era a de

    sentar as bases para o funcionamento de uma poltica democrtica institucional depois de umaguerra ou de uma ditadura sangrenta. Pouco a pouco, porm com firmeza, foi-se estendendo

    a natureza e a concepo das comisses da verdade e elas puderam ultrapassar o territrio da

    investigao forense.

    A atividade das comisses da verdade, o produto de seu trabalho e a perspectiva que elas abrem

    tm sido reconhecidas cada vez mais como processos de produo cultural. Se, todavia,

    possvel debater acerca do quo objetiva ou quo plena a verdade que uma organizao desseti t t l d h l it d t d i d t d

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    portador de um significado que se apoia em fatos organizados para ir mais alm deles. Foi apontado

    muitas vezes que uma diferena crucial e insupervel entre os gneros da forma narrativa conto

    e romance, dentro dos limites do cnone literrio tradicional e os fatos reais da sociedade

    reside no carter fechado, completo, organizado e significativo do narrado frente inevitvel

    inconsistncia e vacuidade do sucedido. Entre narrativa e experincia existiria, assim, um claroelemento diferencial que poderia ser entendido como muralha, mas, tambm, preferivelmente,

    como nexo. Com efeito, entre os fatos e sua verso narrativa se encontra a ineludvel e constante

    produo de sentido por parte das pessoas, sejam elas um criador literrio ou qualquer sujeito,

    individual ou coletivo, de uma experincia social. A vida em sociedade descansa, assim, para

    efeitos prticos, sobre uma atividade interpretativa permanente e generalizada da a pertinncia

    e a necessidade de uma hermenutica do socialmente sucedido e narrado. A partir dessa

    hermenutica, o texto narrativo compreendido por sua diferena, sua oposio e tambm suaorigem em fatos episdicos, ao mesmo tempo em que percebido como um fornecedor de

    forma e sentido organicidade e significado: densidade simblica para a experincia coletiva.

    a, finalmente, onde reside a promessa de uma sociologia do fato narrativo e o interesse de

    uma narratologia dos fatos sociais2.

    Certamente, os usos da narrativa literria no so originais no sentido de carecer de uma fonte

    anterior; eles so, melhor, um reflexo codificado, racionalizado, sujeito a certas tcnicashistoricamente mutveis, incorporado a um sistema de prestgio institudo de estratgias

    culturais alheias ou preexistentes institucionalidade literria. A produo mitolgica, as lendas

    que fundam linhagens e comunidades nacionais3, as histrias sagradas e as doutrinas de

    salvao pertencem, todas elas, mesma famlia. Tambm formam parte dela, sem dvida,

    as verses narrativas que produzem ou utilizam os Estados ou os setores poderosos para dar

    sustentao simblica a um regime poltico ou a certa forma de administrar dita sociedade.

    E, por conseguinte, a produo narrativa resulta, por definio, numa forma de competncialti t i t t id t l i d lib l i l ti bili

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    que est em jogo em uma eleio e os temas e problemas pelos quais a sociedade se mobiliza

    e apresenta demandas ao regime poltico.

    Que tipo de produo cultural uma comisso da verdade pe em ao quando elabora uma

    narrativa da violncia? Tal narrativa , desse ponto de vista, uma derivao e uma superaoda rendio cientfica em relao aos fatos que pretendem objetividade. Na verdade, o relato

    da violncia que ela produz possui diferentes estratos. Em alguns deles, se pretende cumprir

    com o princpio da objetividade desde uma concepo ilustrada e positivista da verdade: aqui, a

    organizao que leva adiante um processo de

    busca da verdade pretende fazer proposies

    contrastveis ou falseveis, no sentido que

    Karl Popper deu lgica da investigaocientfica. Isso ocorre, por exemplo, no intento

    de oferecer mediante procedimentos de

    anlise e inferncia estatstica uma estimativa

    certeira da quantidade total de vtimas tal

    como, notoriamente, o fizeram a Comisso da

    Verdade e Reconciliao do Peru e a Comisso

    de Esclarecimento Histrico da Guatemala.Noutro estrato, que no pretende situar-se

    no plano da demostrao cientfica positiva, a

    busca oficial da verdade apela a outras formas

    de objetividade ou, mais bem, da verossimilitude4: aqui se encontra o discurso jurdico de uma

    comisso sustentado, por um lado, nas evidncias encontradas e, por outro, em um pensamento

    categorial e sujeito a regras de inferncia muito rigorosas mediante as quais se outorga um

    significado e reivindica-se consequncias para tais evidncias: a descrio de uma conduta comod i d t ti d i d d i l d di it h t i t

    ? &0%)/),,(0%)

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    ltimo estrato, o mais distante das pretenses de objetividade cientfica, mas que nem por isso

    supe uma concesso arbitrariedade: o plano da interpretao poltico-moral dos fatos, que se

    realiza a partir de uma tomada de partido a favor de certos valores que so as posices de princpio

    a partir da qual se realiza a busca oficial da verdade: respeito aos diretos humanos, democracia,

    paz, igualitarismo, equidade, humanitarismo. Nesse ltimo plano, a narrativa da violncia chegaa ser no somente portadora de uma proposio sobre as responsabilidades e sobre o sentido

    social da tragdia como tambm incorpora a reivindicao de certa moralidade pblica, cujo

    centro normativo so as noes de democracia, de reconheciminto e de dignidade.

    interessante notar que no relato final, abrangente, que termina por confeccionar uma comisso

    da verdade, todos esses estratos se encontram inter-relacionados. As verdades apresentadas em

    um deles se apoiam na verdade apontada nos outros. Por exemplo, a qualificao de certa condutacomo sendo um crime de lesa-humanidade violaes de direitos humanos cometidas de maneira

    sistemtica ou generalizada depende da reconstruo da violncia em termos quantitativos.

    E a asseverao de que o processo de violncia se sustenta em relaes sociais discriminatrias,

    incluindo racistas, pode ser sustentada em uma anlise clara das condutas distintas dos atores

    armados frente a suas vtimas, condutas analisadas contraluz das categorias da tipificao penal.

    Assim, as circunstncias em que a guerra suja de um ou de outro lado, expressa em assassinatos

    e desaparecimentos seletivos em alguns casos, ou em massacres ou mesmo em genocdio emoutros casos, do motivo para uma argumentao mais slida sobre as premissas discriminatrias

    com as que operam tais atores de acordo com a populao contra a qual vo atuar.

    Essas narrativas tm, como toda narrativa, certos ncleos de sentido particularmente relevantes.

    Apesar de uma narrativa da violncia discorrer sobre muitos aspectos distintos do processo, sua

    significao maior seu ncleo argumental encontra-se em alguns temas centrais. razoavel

    afirmar que no caso do Peru, como no caso da Guatemala, esse tema, complexo e amplo em si d bilid d A i i i d f t l i d i l i

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    de no estar completa em apenas uma faceta no um discurso forense especializado, nem

    tampouco uma demonstrao de percia etnogrfica ou uma expresso abstrata de moralidade ,

    mas de estar constituda por temas e motivos concorrentes.

    certo, contudo, que esse objeto narrativa que aqui se define como estritamente textual j levaem si mesmo as marcas de certas prticas sociais. um axioma das experincias de busca oficial da

    verdade: a tecnologia da verdade que se estabeleceu como prtica habitual sempre performativa,

    na medida em que a verdade se constri sobre a base dos testemunhos das vtimas. A tomada de

    depoimentos no somente um ato de produo textual, mas tambm uma relao social particular:

    dar voz s vtimas equivale, em geral, em virtude da tradicional demografa da violncia6, a dar voz

    aos excludos, aos desprovidos de voz inclusive em tempos de normalidade. Assim, a produo da

    narrativa da violncia implica uma relao social de reconhecimento e, do ponto de vista das vtimas,de constituio ou fortalecimento enquanto sujeitos polticos e sociais.

    Existem, no obstante, problemas de outra natureza implcitos na tecnologia da verdade que, por

    no ser o tema central deste trabalho, so simplemente registrados. Se a narrativa da violncia

    se constri sobre a base dos testemunhos das vtimas, resta determinar quem que classe de

    sujeito social organiza a narrativa, com que categorias analticas, com que propsitos e at

    com que sintaxe. Por ser elucidado pela anlise textual dessas narrativas, o problema seguirsendo qual espcie de relao social que diviso de trabalho se personifica no texto que

    contm a narrativa produzida. O encontro entre quem aporta a matria-prima da verdade e quem

    a organiza em unidades de sentido com o arsenal metodolgico prprio do mundo acadmico:

    marcos tericos, hipteses, regras de evidncia e aparatos demonstrativos que podem ser

    um compromisso equitativo ou um arranjo hierrquico no qual as exigncias da eficcia dado

    que a verdade produzida deve ser capaz de produzir efeitos jurdicos superam as exigncias

    da representatividade do relato: esse relato, portanto, passa a falar no lugar das vtimas em vezd f l f l l S d id i bl d lti

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    Colocadas de lado essas importantes

    questes relativas produo do

    texto que chamamos de narrativa da

    violncia, convm fixar-se em outro

    problema to ou mais importantepara as relaes entre cultura e

    consolidao da democracia. Se

    a narrativa pertence ao mundo do

    textual, ela requer outro tipo de

    existncia social para converter-se

    em um recurso ativo da reproduo

    ou da transformao cultural de umasociedade. O objeto textual que

    denominamos narrativa se v complementado, expandido e ativado por um objeto social uma

    prtica a qual chamamos memria.

    As relaes entre narrativa e memria apresentam um tema de reflexo crucial para as polticas

    culturais em uma sociedade que tenta construir democracia depois de haver atravessado um

    perodo de violncia com massivas violaes de direitos humanos.

    O problema pode ser apresentado resumidamente assim: uma narrativa da violncia fiel aos fatos

    e que, ao mesmo tempo, concorde com certos valores tico-polticos, dentre os quais a democracia

    e os direitos humanos so os principais, pode ser produzida como parte dos arranjos institucionais

    prprios da transio poltica, quando tais arranjos preveem a constituio de uma comisso da

    verdade ou de algum outro mecanismo orientado correo do registro histrico da violncia. Assim,

    por exemplo, na Guatemala e em El Salvador, a criao de comisses da verdade foi estabelecidad d 8 t P i d i d d d f i t d d

    BN( 2)\ )a&,%)0%) " %)a%"S( %(/)X( N(&, e/.+( Z'"0W+&,%(/ !(/( )#) ')/%()X&'e'&( ,"'&(#S &,%" ZS'"02)/%cI#" )N N)Nh/&(G/)!/),)0%(-1" ,"'&(#'"N!(/%[(.( W+) 01"Z ,"N)0%) +N '"0*+0%".) '"0%)b.",

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    42/483

    isto , convert-lo em memria: representao social compartilhada que no somente um conjunto

    de contedos de enunciados com pretenses de verdade sobre o passado violento ou repressivo

    , seno tambm, e fundamentalmente, uma fonte de crtica e deslegitimao de certas prticas

    sociais precedentes certo tipo de relaes entre Estado e sociedade; certa forma de encarar a luta

    poltica; certos hbitos e retricas que determinam a relao entre as diversas classes sociais e osconglomerados tnicos da nao e, naturalmente, uma demanda de transformao de tais prticas.

    Em seus aspectos mais formais e mais apegados linguagem poltico-institucional, essas demandas

    cobram a forma de recomendaes atinentes ao nunca mais: reparaes, processamento penal dos

    crimes, garantias de no repetio, reformas institucionais. Em seus aspectos menos formais, mas de

    maior consequncia para uma transformao cultural da sociedade para a democracia, essa memria

    quer trabalhar e pressionar sobre a dimenso simblica das relaes entre as pessoas: orienta-se a

    retardar as fronteiras do dizvel e do pensvel, estigmatizar a retrica e o lxico do autoritarismo eda discriminao, induzir uma nova e distinta articulao do discurso pblico. Em suma, a memria

    enquanto elemento para a produo cultural da sociedade trabalha na ampla dimenso do que, desde

    a sociologia das prticas sociais de Pierre Bourdieu, se conhece como habitus, princpios de gerao

    e de estruturao de prticas e representaes que podem ser objetivamente reguladas e regulares

    sem ser em absoluto o resultado da obedincia a regras, adaptadas objetivamente a seus fins sem

    que isso suponha uma percepo consciente dos fins e um domnio manifesto das operaes

    necessrias para alcan-los e, em vista disso tudo, serem coletivamente orquestradas sem ser oproduto da ao organizadora de um diretor de orquestra9.

    Nessa apreciao dos poderes da narrativa e da memria da violncia, no deve ser omitido, por

    ltimo, o seguinte fato: a organizao textual do passado violento produzido por uma comisso

    da verdade entra em relao competitiva ou de complemento e ampliao com esse potente

    produtor de cultura que o trabalho historiogrfico acadmico e sua projeo no acadmica, em

    forma de vulgata histrica, sobre as pessoas e seus sentidos comuns10. Os tpicos que compemt l tid tit i t t lh l t d i l i d

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    e tambm dos protagonistas do conflito, ao mostrar as metamorfoses dos

    elementos em disputa, ao construir a diferena entre o que tem a ver com

    estratgias deliberadas e o que tem a ver com consequncias inesperadas de

    interaes complexas, ao imputar responsabilidades, permitiria romper com a

    memria mtica e seria um ponto de apoio para a conformao de uma memriareconhecida e compartilhada.

    As comisses da verdade tm por funo produzir um relato histrico desse tipo.

    Essas comisses do muita importncia memria, mas ajudam a estrutur-la

    arraigando-a na temporalidade concreta []11

    O fragmento citado postula, ademais, uma posio duplamente problemtica para o relato histricoelaborado por uma comisso da verdade. Possui uma relao contenciosa no somente com as

    memrias oficiais postuladas por uma institucionalidade poderosa, como tambm com o que

    Pcaut denomina de memria mtica, que seria a praticada pelos atores e as vtimas do processo de

    violncia. Trata-se de uma memria que no atende a diferenas cronolgicas, que no discrimina

    entre o imediato e os fatos que deram origem violncia, e na qual os acontecimentos especficos

    que poderiam servir de referncias temporais apenas ocupam um lugar reduzido, mesmo quando no

    momento parecerem reproduzir uma modificao importante no curso das coisas. Conclui Pcautque essa memria popular, pautada pelo imediato, tambm est feita de esquecimento12.

    Frente a ela, como resulta claro, a narrativa organizada que produz uma comisso da verdade

    no cumpre apenas a funo de dar sentido, mas tambm de dar sentido poltico e, para mais

    informao, sentido democrtico rememorao do passado. Esse um elemento que convm

    ter presente quando se faz o cotejo entre memrias surgidas imediatamente da voz das vtimas e

    memrias intermediadas no substitudas nem sequestradas por outras estratgias culturaisd d t t l i bli i l d i tit i lid d d i

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    somente uma gramtica da deferncia, no sentido de regras que do lugar a infinitos jogos de

    linguagem, se no algo mais concreto: convices manifestas e socialmente legtimas sobre a

    superioridade e a inferioridade dos sujeitos13. Em outro plano, mais profundo, essa desigualdade

    sustentada por uma memria eficaz parte de nossa linguagem pblica. Ela , nesse caso, um

    ingrediente central das formaes discursivas dominantes, isto , de uma matriz de significado ousistema de relaes lingusticas na qual se geram processos discursivos reais 14. A desigualdade ,

    assim, uma regra de nossa comunicao coletiva, uma premissa em virtude da qual nos entendemos.

    E, por fim, no cabe descartar sua eficcia em um ltimo nvel, ali onde o social e o idiossincrsico

    se unem, o da constituio das identidades, isto , da autocompreenso e da autopercepo das

    pessoas e de suas percepes mais ntimas e difceis de alterar acerca de seu lugar seu status no

    mundo social. Desse modo, uma poltica cultural que referenda o princpio da desigualdade, ou que

    no o combata, resulta sumamente nociva na medida em que tais polticas podem ser pensadascomo tecnologias da identidade, isto , como uma srie de discursos e prticas que determinam os

    parmetros culturais de validao do sujeito na sociedade15.

    Desse ponto de vista, o problema da subalternidade uma condio de subordinao to radical que

    abarca a privao de voz e conduta ou que se define por tal privao 16como forma perversa de

    configurar identidades em sociedades ps-coloniais resulta em uma questo crtica tanto na explicao

    dos processos de violncia atroz quanto nas possibilidades de passar da cessao das aes armadasa uma sociedade que possa ser denominada democrtica em algum sentido relevante17.

    5;5y@6

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    espcie da poltica pblica. J foi dito que essa no a nica acepo possvel: cabe meditar,

    tambm, sobre uma poltica da cultura entendida como o processo de competncias e conflitos

    que ocorrem em torno do desenho simblico da sociedade.

    Uma poltica cultural, no sentido de poltica pblica, consiste basicamente na mobilizaodeliberada e planejada de recursos simblicos por parte de um agente com capacidade de ao

    poltica principalmente o Estado para conseguir um resultado previsto que, ainda que ocorra

    primeiramente no plano simblico, chamado a repercutir sobre outros planos ou dimenses da

    organizao social, como a poltica ou a economia.

    Exposto dessa forma o problema, no fcil apontar apenas um lugar para a memria da

    violncia. Ela pode ser insumo ou recurso da poltica cultural, bem como pode ser parte do seuresultado. preciso questionar se essa poltica cultural feita servindo-se de uma narrativa

    da violncia que j se converteu em memria, ou se feita com a finalidade de converter a

    narrativa em memria.

    Tomando como exemplo a situao peruana atual, ambas hipteses so apreciveis, pois uma

    questo importante quanto difcil construo da democracia no Peru refere-se ao bloqueio

    da memria da violncia e ao perigo de que a narrativa reconstruda no logre transcendersua condio textual. Ao mesmo tempo, cabe se perguntar de que maneira, no caso de ser

    instaurada uma memria social da violncia, esta poderia alimentar uma poltica cultural

    com fins especficos, tais como processos de ampliao da cidadania, luta contra a pobreza,

    educao para a paz e para a democracia, projetos de desenvolvimento humano ou outros. A

    questo nesse caso seria, em suma, de que maneira os contedos simblicos da memria

    passam a ser um insumo para a elaborao de polticas pblicas ou polticas de Estado em

    geral no pas. Entre elas, no se pode desconhecer a importncia essencial das polticas ded d i t i E t d t t i i l i

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    autoritrio de Fujimori19. Essa expresso refere-se aos relatos que do aos militares um papel

    salvador frente ameaa () e ao caos criado por aqueles que intencionam subverter a nao,

    os mesmos que em etapas posteriores colocam a nfase sobre os xitos pacificadores () ou

    sobre o progresso econmico20. Carlos Ivn Degregori sintetiza assim o contedo da memria

    salvadora no Peru durante o governo de Fujimori:

    Anuncia-se por um lado que o Peru um pas pacificado e com futuro, mas como se o

    regime estivesse inseguro de poder conquistar limpamente esse futuro, nos adverte,

    ao mesmo tempo, que a violncia poltica continua ou que seu reincio uma ameaa

    sempre iminente. Outra forma de nos dizer que segue sendo indispensvel 21.

    O papel destacado das foras armadas e do regime um aspecto fundamental dessa memriaque sustenta imaginrios sociais e prticas polticas. Outro aspecto importante reside em suas

    omisses: essa memria unilateral oculta a existncia de vtimas e de sequelas, ao mesmo

    tempo em que anula a percepo da violncia como um processo que, ainda que composto de

    fatos e atos com responsveis particulares, ilustra tambm a falncia da sociedade como tal. Ao

    reduzir o problema a apenas um episdio a derrota estratgica do PCP-Sendero Luminoso e

    ofuscar responsabilidades e sequelas, essa memria permite equiparar a cessao das aes

    armadas ideia de paz. Assim, ao confinar o problema aos seus aspectos mais episdicos,anula tambm as possibilidades de aprendizagem social a partir da tragdia e permite que a

    transio poltica seja vista e abordada somente em termos de revezamento no poder e respeito

    bsico s instituies oficiais. O dispositivo cultural produzido durante o regime autoritrio

    essa memria salvadora constitui-se em um instrumento de desarme ideolgico da transio

    ou priva-a de um poderoso recurso simblico que poderia imprimir-lhe um impulso de reforma

    mais ambicioso.

    F t i l d l t t ti d id l C i d

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    se apresenta como um recurso com chances de competir com xito com a memria ainda

    vigente. A produo dessa narrativa , j, uma pea germinal de uma poltica a desenvolver-se

    mais amplamente; mas para que isto ocorra preciso que tal narrativa tranforme-se de objeto

    textual a objeto social, isto , memria.

    Em que sentido seria essa narrativa um recurso para polticas culturais a servio da consolidao

    democrtica? Para perceber isto, convm mostrar os contedos dessa narrativa. O ex-presidente

    da CVR, Salomn Lerner Febres, sintetizou estes contedos em algumas proposies centrais:

    Em uma sntese extrema, cabe dizer que a CVR apurou:

    Que o nmero de vtimas fatais mortos e desaparecidos duplicavam a cifra mais1 -pessimista prevista antes de seu trabalho. Falava-se, no pior dos casos, em 35 mil vtimas

    fatais, mas segundo as estimativas foram quase 70 mil.

    Que o principal mas no nico responsvel por essa tragdia foi o Partido Comunista2 -

    do Peru Sendero Luminoso (PCP-SL), por ter iniciado a violncia contra o Estado e a

    sociedade peruanos; por haver concebido a assim chamada guerra popular com uma

    metodologia terrorista e por vezes genocida, que negava todo valor intrnseco vidahumana; e por ter ocasionado, como resultado dessa metodologia, a maior quantidade de

    mortos reportada CVR.

    Que as violaes de direitos humanos cometidas pelas organizaes subversivas 3 -

    principalmente o PCP-SL e pelas foras de segurana do Estado no foram isoladas.

    Tais violaes execues extrajudiciais, desaparecimentos, torturas, violaes sexuais

    e outras foram massivas e se perpetraram, em certos lugares e momentos, de maneirai t ti / li d fi i d lit d l h id d

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    hbitos de excluso, discriminao e racismo na sociedade peruana. Esses hbitos se

    manifestaram na opinio pblica sob a forma de certa indiferena tragdia vivida pelos

    peruanos das regies rurais dos Andes e inclusive se expressaram em decises de

    governo. A Comisso entendeu que a deciso de pagar um certo custo social com a vida

    de peruanos humildes para combater o PCP-SL, assumida pelo arquiteto Belaunde Terry, uma clara expresso desse racismo.

    Que a verdadeira paz e a democracia sero enraizadas no pas somente se se colocar6 -

    em prtica um vasto processo de transformao mudana institucional e de cultura

    cvica que deixe para trs o padro de excluso e discriminao antes assinalado. Assim,

    a reconciliao no Peru h de ser o resultado da exposio plena da verdade, o exerccio

    da justia na forma de reparaes s vtimas e punio aos culpados e a concretizao deprofundas reformas institucionais.22

    Esta narrativa tenta amarrar assim, em apenas um argumento, as responsabilidades concretas e

    as responsabilidades gerais, a existncia de vtimas e os padres de relao social subjacentes

    s tragdias e a noo de que a experincia da violncia um desafio fundamental realmente

    existente da sociedade peruana.

    4 76Ex=364 3454 @;3B@74

    A poltica da cultura em torno do tema da violncia gira ao redor dessa batalha entre, pelo

    menos, duas memrias. Uma delas um recurso eficaz para a manuteno do status quo

    tanto no que se refere s polticas de Estado quanto no que diz respeito s relaes bsicas

    entre a populao. A outra poderia ser prevalecer um adequado dispositivo para mobilizari bli t f d li d ti t t i i i

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    a implantao do modelo liberal, aquele segundo o qual a cidadania se constitui mediante

    o acesso ao mercado e a afirmao efetiva como sujeito econmico em tal mercado. Em

    ambos casos estamos diante de estratgias polticas e econmicas de construo da cidadania

    inteiramente diferentes das chamadas estratgias culturais dirigidas ao mesmo fim23.

    Toda estratgia cultural baseada na memria necessita lidar com o fato rotundo do silncio

    como dispositivo retrico bsico. Em sociedades que experimentam transies e exerccios

    institucionais de memria, a linguagem pblica mais influente estatal e no estatal pode

    resistir a incorporar os elementos de uma nova narrativa e, desse modo, a dar-lhe atestado

    de existncia social. Com efeito, no caso peruano, um dado fundamental a ausncia dos

    legados da violncia e suas lies responsabilidades, situao das vtimas, a problemtica

    da excluso no debate pblico corrente, assim como a impermeabilidade das velhasexplicaes sobre os problemas do pas frente aos elementos que poderiam contribuir para

    uma nova memria.

    Do ponto de vista de uma poltica cultural e de seus possveis efeitos sobre o regime poltico e

    econmico de uma sociedade como a peruana e como muitas outras que tm tido experincias

    histricas comparveis, importante perguntar-se qual a diferena central entre a memria

    oficial persistente e a nova narrativa proposta. As divergncias so muitas e fundamentais, mash uma de valor germinal. A memria herdada e predominante simplifica e d por superado

    o problema da violncia ou do autoritarismo. Como dispositivo cultural, essa memria prope

    um encerramento do passado e uma concentrao das funes do Estado em projetos futuros

    sem conexo perceptvel com o legado da violncia, tais como o crescimento econmico. Ao

    contrrio, a narrativa proposta como base de uma nova memria abre um problema a ser atendido

    pelo Estado: a afirmao de uma continuidade entre um passado de violncia e um presente de

    anomia atua como rudo perturbador que questiona os ganhos da transio democrtica e lhet t f i l

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    sobreviventes , mas que, no raro, soobram no caldo grosso do imperativo do esquecimento

    que nos impe a repetio continuada de tudo o que no pode ser dito, compreendido e revelado

    sobre o terrvel.

    Embora nunca tenha tematizado diretamente o assunto da resistncia ditadura, evidenteque, de algum modo, estamos sempre em sua rbita quando falamos da polcia militarizada, dos

    abusos cometidos contra o corpo do cidado pelas foras do Estado, da impunidade que recai

    sobre dezenas de milhares de homicdios dolosos no Brasil e do atraso brasileiro em relao ao

    acesso aos seus arquivos, testemunhos e devida lembrana e respeito por seus mortos.

    Tanto em Flvio Tavares, cujo interldio entre suas experincias e sua narrativa possvel foi de 30

    anos, como em Graciliano Ramos, cuja escrita encontrou refgio nas pginas virgens aps 10anos, em Memrias do Crcere, e em Ottoni Fernandes, cujo testemunho s foi publicado em

    2004, 27 anos depois de sua libertao do crcere da ditadura, vemos revelado o hiato que se

    abre entre um corpo em dor e o horizonte incerto da palavra e da linguagem.

    So nesses escritos que se evidencia aquilo que persiste como palavra violentada e a urgncia

    em reconhecer, nessa mesma palavra ferida, a vontade de, j tendo sobrevivido, fazer viver o

    que restara, o que sobrevivera. Isso indica, ao mesmo tempo, que o Brasil ainda carece dasmemrias desse perodo, no apenas de anlises ou documentos, mas do relato vivo da memria,

    dos testemunhos fundados na experincia que busca sua vociferao em meio a tudo o que a

    arbitrariedade, a escria e parte da sociedade civil haviam acreditado ter calado de uma vez e para

    sempre. Por isso, a publicao dos testemunhos desse perodo aparece sempre como um sinal

    de vida e esperana e espero que muitos mais ainda sejam escritos e publicados, preenchendo

    vrias estantes das bibliotecas brasileiras.

    D l d h d lt bi id d l t i

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    Lembro-me agora da natureza de um importantssimo movimento social que se organiza e se

    irradia a partir do Jardim ngela em So Paulo, que sempre procuro relembrar. 1

    H ali uma passeata no dia de finados, um culto coletivo e uma celebrao social que renem

    milhares de pessoas todos os anos. Em meio s matanas sumrias que ocorrem nas periferiaspaulistanas todos os dias (homicdios cometidos entre civis, homicdios cometidos pela polcia

    ou pelo trfico), o movimento realiza seu sepultamento coletivo numa caminhada que percorre

    as ruas da zona sul at chegar ao cemitrio So Lus, onde tantos foram enterrados sem nome,

    sem serem velados e como indigentes. A eles foi privado o reconhecimento dos que lhes eram

    caros e queridos e o direito de ritualizar a perda, prantear seu morto e esparramar flores em torno

    de sua lpide. Mortos de morte matada.2

    disso tambm que se fala quando se discute a memria e o esquecimento. A persistncia de

    aspectos perenes da ideologia e o modus operandidos militares no Brasil, que elegem como

    seus inimigos os prprios cidados das cidades brasileiras, inimigos internos perseguidos

    em muitas das prticas do sistema policial e judicirio brasileiro. A suprema perverso do

    poder militar no Brasil, que sempre apontou suas baionetas para seus prprios cidados, seus

    inimigos internos, torna-se paradigmtica em policias militares de prestgio no pas, como

    as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), que criadas para combater a guerrilha urbana,permanecem atuando nos mesmos moldes, ostensivamente armadas e intrusivas, durante o

    perodo ps-ditadura.

    Essa experincia a de ter o estado contra o cidado cala. Tal como um pai que abusa e

    sevicia de seu filho. Autoridade mxima que por sua ao funda e mantm repetidamente

    a experincia do desamparo. Quando isso ocorre, o traumtico se instala em sua mxima

    potncia e se indiscriminam as fronteiras entre o agressor e o agredido, o protetor e o protegido,ti l 3

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    Maurice Blanchot4sugere que a palavra escrita, aps a catstrofe, s pode ser fragmentria,

    indicial, como se o estatuto de verdade da palavra escrita tivesse se desfeito diante dos genocdios

    que o pensamento foi incapaz de prever e, depois, de faz-los dizer.

    Acredito que esse esforo adicional, por vezes fragmentrio, representa a presena de umadefesa inconsciente e de um desejo concomitante que sempre nos acompanha a partir do

    momento em que nos reconhecemos num pas sobejamente violento, que nos impe a

    pergunta: poderemos viver sem a violncia?

    Esse conflito est, inequivocamente, sempre presente em todos ns, mas encontra sua

    maturidade na pena daqueles que decidiram falar, escrever e lutar, sofrendo da prpria luta, do

    prprio imperativo de ter de dizer e de no poder esquecer o insuportvel. Isso transparece naspalavras de Flvio Tavares: lutei com a necessidade de dizer e a impossibilidade de escrever.5

    o impasse frequente na escrita dos testemunhos.

    Tendo tudo para contar, sempre quis esquecer.6 Desejo implcito de que no fosse mais

    necessrio falar sobre isso e apesar disso, ter de falar para no mais ter de falar.

    Ao constatar essa necessidade, hoje, talvez mais do que nunca, no uma euforia que noscomove, mas a perseguio de uma dor que ainda est longe de encontrar seu lenitivo e que nos

    deixa sempre com uma certa inconformidade diante do espelho, do que vemos e no que vemos

    o que somos e o que nos tornamos e o que poderemos vir a ser.

    A distncia temporal entre o terrvel vivido antes e o agora, a presena perene de um complexo

    conjunto de fatos e experincias que provocaram imensa dor e sofrimento em tantos e

    consequncias em todos, mesmo naqueles inconscientes disso, e que geraram a experinciai dit l d t l t t d d h i t d i i

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    como se o filho morto fosse uma alucinao psquica, um estado onrico permanente diante da

    negao insistente do fato por todos sua volta. Um sonho traumtico sem destinatrio e sem

    escuta possvel, uma condenao compulsiva ao seu prprio pesadelo.

    < >@

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    No uma imagem distorcida que se v, mas uma imagem sofrida que foi imposta e que mutila

    e destri o direito de viver o frugal sem culpa ou desmerecimento. A imagem que se v refletida

    no espelho j no mais prpria, mas reveladora do peso imenso da histria de tantos, ao mesmo

    tempo impossvel de ser negada e impossvel de ser dita. No h palavras. Um no s palavras.

    Ento cada um de ns, de algum modo torturados, omissos, testemunhas, familiares, homens

    e mulheres brasileiros, somos domados por uma imagem que nos foi capturada do espelho

    e que determina que uma vida comum, aparente e ingnua ser muito difcil de ser vivida

    desde ento.

    Olhar no espelho agora vasculhar, todos os dias, no s os sinais no corpo que no so mais

    ingnuos e carentes de significao, na busca de uma imagem apresentvel de si a tiracolo;olhar nos faz testemunhas agora de um saber de si, do mundo e dos outros que permanece

    secreto e deliberadamente escondido. O corpo, sua imagem refletida no espelho, passa a ser

    uma prova, uma ltima prova de uma histria que no se pode perder, mas que , ao mesmo

    tempo, imensamente difcil de guardar.

    Permanecem vivos no corpo ainda vivo todos aqueles que um dia se foram e cujos sinais

    inequvocos de sua presena esto nos gestos, em alguma dobra de pele, no olhar profundorefletido que agora fitamos, j que no esto mais em lugar nenhum: desaparecidos, foragidos,

    suicidas. Para o corpo, nunca mais o mundo das veleidades, das futilidades e do simulacro. O

    corpo se tornou o imperativo de uma verdade definitiva e grave. Para esse corpo-enigma, o

    testemunho como tarefa, nunca mais carnaval.

    Possivelmente por isso, talvez, que o carnaval continua sendo nosso principal produto

    de exportao. Expondo um corpo aparentemente liberto, porm, no raro, patrocinado poril lid d t id d Al i i t t i t

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    momento em que outros trabalham para mais uma vez silenciar o grito. Novamente dezenas de

    reunies e eventos que tm lotado auditrios em muitos lugares revelam que talvez estejamos

    prontos para reconhecer o que fizemos, o que no fizemos e o que fizeram de ns e de nossos

    amigos, irmos, filhos, filhas, pais, avs.

    Se for assim, e esperamos que seja, cada um desses encontros ser mais uma celebrao. No

    mais de palavras que se chocam umas contra as outras, mas de falas que encontram escutas

    e produzem sentidos infinitamente livres do silenciamento e do enclausuramento a que foram

    relegadas no Brasil at agora. Palavra livre para um corpo-enigma.

    Para aquelas mdias que no Brasil ainda se esmeram em evitar o incontornvel e criar falsas e

    fracas polmicas em torno do vazio ideolgico que propagam e insuflam, seria instrutivo queconsultassem as pginas e a verso on-lineda mais importante revista alem, a Der Spiegel 7, que

    no cessa de apresentar novas informaes sucessivamente descobertas sobre a calamidade

    nazista. Recentemente, a Der Spiegelnoticiava a possibilidade de responsabilizao dos pases

    parceiros e aliados da Alemanha nazista no extermnio dos judeus. Luta infinita e perptua.

    O compromisso de no deixar em paz o passado de atrocidades tarefa de todo bom jornalismo.

    Ao bom jornalismo seria dada a tarefa de revelar os desejos no confessos do tecido social que

    se esgara para encobrir o que vil. Sem cinismo, nem covardia.

    Porm, no Brasil, no raro a indignao se transmuta em vergonha, a dor em silncio e a verdade

    pblica em assunto privado. Isso porque o indignado, o machucado e a vocao pblica so tratados

    at hoje como veleidades do terrorismo que insistem em tirar as pessoas de sua paz privada,

    comprada a peso de ouro. O indignado, o machucado e a esfera pblica so envolvidos com o

    manto da pobreza, do equvoco e do desprezvel e como tais podem e devem ser degradados.

    Fi f il t t d i i di t i b d li i ti d

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    Corpo sujo corpo aprisionado e indignado.Talvez, o que vemos no espelho ser sempre um

    corpo no completamente limpo, at que a sujeira seja percebida e significada, j que no pode

    ser eliminada com gua e sabo. Corpo sujo que tambm nos mantm mais ou menos imunes

    ao arbtrio e violncia.

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    minhas mos e as teve nas suas, e as contemplou, foi pura tibieza, como se estivera

    acunhando um pssaro no oco das mos. E disse com voz baixa, porm firme: tens

    as mos grandes como minha neta. Ficamos em silencio e logo repetiu: tens as

    mos grandes como a minha neta.

    Eu era um beb de 20 dias quando passou o que se passou. Ele me viu s duas

    vezes. No me soltava. Sustentava minhas mos com o mesmo cuidado e a mesma

    segurana com que se toca um pssaro assustado. O juiz lhe repetiu o mesmo que

    acabara de me dizer: que as anlises genticas davam 99,99% de probabilidade de

    incluso. Porm, o velho no me soltava.

    Depois me disse: Minha netinha tem uma pinta nos quadris em forma de azeitona.E me soltou e ficou me olhando, esperando, talvez, que ali mesmo no despacho do

    secretario abaixasse as calas para que ele pudesse ver essa mancha espantosa

    que sempre odiei. A mulher que me criou dizia que era enjoo. Coisa de gente velha.

    Que quando estava grvida teve enjoos de azeitonas negras e que por isso eu havia

    nascido com essas marcas, a marca do enjoo.

    Eu acreditei.

    Meu av me disse que meu pai adorava minha pinta. Que cada vez que me trocava

    as fraldas, me dava um beijo ali. Meu pai pintava e meu av conta que ele dizia que

    era uma mancha de tinta da China com a qual ele havia me marcado para sempre.

    minha me dava um pouco de pena pensar que talvez eu nunca iria querer colocar

    biquni, por culpa da pinta. Tinha razo, porm meu pai dizia que essa pinta era como

    sua assinatura ao p de seu quadro mais bem sucedido, que era eu.

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    fossem enfim significadas a partir de marcas e inscries j existentes e enigmticas:

    a pinta na forma de uma azeitona nos quadris. Seria essa a marca do enjoo que designava a

    impossvel metabolizao da me postia diante de uma azeitona preta que lhe fora impossvel

    de digerir. Expresso inconsciente da fantasia da negao da origem de seu beb e do

    imperativo de ter de devolv-lo ao seu devir, devir estancado, assim que ele foi sequestradode seus pais.

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    Ester e Jochen Gerz foram contrrios. Ao

    final, o monumento contra o fascismo fora

    enterrado completamente e dele h apenas

    um vestgio e uma plaqueta ao lado que explica

    o que se passou com a obra e o processode seu desaparecimento. O fundamental era

    proceder ao seu apagamento radical e no a

    alguns desenhos ou letras grafadas na obra.

    Esse espetculo que se distendeu no tempo

    (sete anos) entre 1986-1993, que marcou em

    sua superfcie cerca de 70 mil assinaturas, esthoje inteiramente soterrado, desaparecido.

    Aquilo que permanece visvel apenas uma

    prova de sua passagem. Um vestgio do

    acontecimento que o monumento foi capaz

    de gerar.

    Jacques Derrida11

    , numa observao notvel,definira a pulso de morte, na oposio

    binria sugerida por Freud (pulses de vida

    e morte), como a pulso que apaga seus

    prprios traos. Destacava ento que um

    dos efeitos mais devastadores da pulso

    de morte era o esmaecimento da prpria

    histria e com ela do prprio devir. A pulsod d t i f d l d t

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    A coluna de chumbo cravada na terra, junto com as marcas que foi possvel lhe imprimir,

    sobrevive latente como marcas de uma decifrao impossvel abaixo da terra. Sua histria

    ser informada por uma plaquinha ao lado do ex-monumento, do antimonumento, que mal

    informar sobre a experincia de sete anos que acompanhou a sua realizao. Ela refaz o que

    os fascismos assumem como tarefa: apagar os prprios traos e, desse modo, atingir a histriaem seu devir, deixando em seu lugar uma pfia informao de sua passagem.

    Horst Hoheisel outro artista alemo que tem seu trabalho dirigido para o debate sobre o

    esquecimento e a memria. Ele esteve no Brasil em 2003, onde exps desenhos no museu

    Lasar Segall, realizando tambm trabalhos sobre a ditadura militar no Brasil que foram expostos

    no Centro Maria Antnia, na exposio intitulada Janelas da Memria.

    Gostaria de destacar um de seus trabalhos, antimonumentos, que Horst Hoheisel realizou em Kassel,

    na Alemanha. a reproduo de uma fonte doada cidade de Kassel por um negociante judeu

    chamado Sigmund Aschrott, construda em 1908. Em 1939 foi destruda pelas foras nazistas em

    recusa manuteno de um presente doado por um judeu. Apenas a base da fonte permaneceu.

    Em 1983, sobre a mesma base, a mesma runa, Horst Hoheisel props reconstruir uma reproduo

    da fonte, enterr-la de cabea para baixo e depois tamp-la com vidro, colocando sobre ela grades

    de metal. O sistema hidrulico dela foi invertido de modo a no vermos a gua sendo ejetada paracima como numa fonte comum, mas atravs das grades de metal v-se a gua vertendo para baixo,

    continuamente, e se pode ouvi-la. No so as guas triunfantes de uma fonte projetadas ao ar

    alegremente, mas algo que mais se assemelha lgrimas vertendo para o profundo, infinitamente.

    Um debate foi suscitado sobre o porqu da obra no ser reconstruda tal como era, j que,

    embora invertida, a fonte foi reconstruda na ntegra. Hoheisel observou que ela poder sim

    ser reinvertida, no dia em que houver uma nova conscincia entre o povo alemo sobre ost i t t l h l t

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    FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)

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    FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)

    FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)

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    Esses so exemplos que, do meu ponto de vista, recriam a prpria linguagem do traumtico e

    seu estatuto compulsivo. Nessas obras extraordinrias no se trata de reparar o irreparvel, nem

    de reverter o irreversvel, mas de produzir representaes inditas sobre o que no pode ser dito,

    apoiando-se na imagem a representao obtusa e imperfeita sobre o terrvel.

    So inverses, reinvenes e estratgias de significao que reinventam a prpria linguagem

    e propem um novo devir no seio de uma histria que, por sua vez, est sempre prestes a ser

    soterrada. Reproduzir seu soterramento , de certo modo, constranger seu prprio mecanismo

    de apagamento como se, escurecendo a escurido e mergulhando mais fundo no profundo, um

    novo e inusitado cenrio se pusesse mostra iluminando o porvir.

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    recordaes coletivas, objeto, portanto, do socilogo e no do historiador, esse estudioso de

    coisas definitivamente mortas.

    Essa posio reproduz a atitude clssica da escola de Durkheim em relao historiografia,

    neste caso traduzida na defesa de uma radical separao entre a histria e a memria, opoque reenvia aquela para o campo frio da erudio de arquivo. Alm do mais, a histria seria una,

    enquanto existiriam tantas memrias coletivas como os grupos sociais que as geravam. E elas

    caracterizar-se-iam por serem memrias vivas, ao invs do objeto do historiador que ne peut

    faire son uvre qu condition de se placer dlibrment hors du temps vcu par les groupes qui

    ont assist aux vnements, qui en ont eu le contact plus ou moins direct, et qui peuvent se les

    rappeler (M. Halbawchs, 1997; Franois Hartog, 2003).

    Tambm para Lucien Febvre (1953) ou para Marrou (1954), a memria sacralizaria as

    recordaes, enquanto o discurso historiogrfico constituiria uma operao intelectual crtica,

    que desmistificaria e secularizaria as interpretaes, objetivando-as por meio de narraes que

    ordenam causas e efeitos sequenciais, de modo a convencerem que a sua representaodo

    passado verdadeira (Krzysztof Pomian, 1999).

    Num outro registo e sem deixar de as distinguir, Pierre Nora (1984) situou o projeto coletivo, quecoordenou Les Lieux de mmoire(1984-1993) , entre Histoireetmmoire, sinal evidente

    de que, se no as opunha, tambm no as fundia, mas que se servia de ambas. Por outro lado,

    so conhecidas e pertinentes as posies que Ricur tomou na contenda: para ele, a memria

    e a histria (incluindo a historiografia) mantm uma relao que, na perspectiva da inevitvel

    presena de horizontes de pr-compreenso no questionamento historiogrfico, consente pr-se

    la mmoire comme matrice de lhistoire (Paul Ricur, 2000).

    P d d t t t E t h

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    em Niceia), ir alargar essa tecnologia at ao

    hodierno predomnio da visualizao, percebe-

    se por que que, como contrapartida, esse

    processo foi debilitando a capacidade individual

    (e colectiva) de reproduo oral da memorizao,dfice compensado, porm, pela escrita e

    pela imagem. Superabundncia que, porm,

    provocou novos tipos de esquecimento.

    Para T. Todorov, tal aculturamento, de longa durao, foi acelerado pelas sociedades nascidas

    do impacto cientfico-tcnico e da legitimao da sociabilidade poltica, que prescindiram da

    tradio, como se estivessem escoradas no primitivo contrato social. Em sua opinio, noussommes passs, comme disent les philosophes, de la htronomie lautonomie, dune socit

    dont la lgitimit vient de la tradition, donc de quelque chose qui lui est extrieur, une soci