analise das politicas publicas

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    Ciencia, Tecnologa y SociedadCiencia, Tecnologa y SociedadInnovacin TecnolgicaInnovacin Tecnolgica

    Est en:OEI-Programacin-CTS+I-Sala de lectura-

    Metodologia de Anlise de Polticas Pblicas(1)

    GAPI UNICAMP2002

    ndice:

    1. Apresentao2. Explorando o conceito de Anlise de Poltica3. Vises do Estado e Anlise Poltica4. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporneo5. Poder e tomada de deciso6. Os modelos de tomada de deciso: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo7. Modelos para o estudo da implementao de polticas8. O estudo das organizaes e a Anlise de Poltica9. Os Momentos da elaborao de polticas pblicas10. Experincias de Planejamento Pblico

    11. Um roteiro para a Anlise de Polticas12. Bibliografia

    1. Apresentao

    Este captulo tem por objetivo apresentar de forma organizada uma viso acerca dos aspectos polticosenvolvidos com a gesto estratgica da inovao. Mais especificamente, ele se orienta a sistematizar acontribuio de autores que buscam melhorar a maneira como o processo de elaborao de polticasse desenvolve no mbito do Estado contemporneo. Desta forma, pretende possibilitar aosprofissionais ali situados, e interessados em construir alternativas aos cursos de ao tradicionais, umconjunto de categorias e mtodos de anlise apropriados gesto da inovao.

    Num certo sentido, ele pode ser entendido como um auxlio metodolgico para a pesquisa de situaes polticas, organizaes, processos etc. relevantes do ponto de vista da gesto estratgica dainovao. Uma ajuda para tratar estas situaes ou sistemas complexos mediante a construo demodelos. Neste sentido, este captulo complementa o contedo de outros dois Anlise de Sistemas eConstruo de Modelos e Anlise Estrutural - que conformam um amplo espectro de metodologiasdisponveis. Estas duas metodologias, de aplicao relativamente fcil e imediata, podem ser usadasem praticamente qualquer situao em que um sistema possa ser descrito por uma lista decaractersticas, seja ele qual for. A metodologia de que trata este captulo, de aplicao muito maiscomplexa e demorada, mas oferece resultados muito mais sofisticados.

    Sua estrutura segue muito de perto a proposta feita por um dos livros mais conhecidos sobre a Anlisede Poltica - HAM, Cristopher; HILL Michael. The policy process in the modern capitalist state. Londres,1993 e pode ser usado para guiar o processo de consulta bibliografia sobre Anlise de Poltica, emespecial a esta obra. Ela foi organizada para profissionais de formao variada (engenheiros, mdicos,administradores, economistas etc.) que atuam no setor pblico ou privado com temas, de natureza

    http://www.oei.es/http://www.oei.es/http://www.oei.es/progra.htmhttp://www.oei.es/progra.htmhttp://www.oei.es/progra.htmhttp://www.oei.es/ctsi9900.htmhttp://www.oei.es/ctsi9900.htmhttp://www.oei.es/salactsi/index.htmlhttp://www.oei.es/salactsi/index.htmlhttp://www.oei.es/salactsi/index.htmlhttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#1a%231ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a1%23a1http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a2%23a2http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a3%23a3http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a4%23a4http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a5%23a5http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a6%23a6http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a7%23a7http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a8%23a8http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a9%23a9http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a10%23a10http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a11%23a11http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a12%23a12http://www.campus-oei.org/guiaciencia/index.htmlhttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#%23http://www.oei.es/salactsi/novedades.htmhttp://www.oei.es/salactsi/contribuciones.htmhttp://www.oei.es/salactsi/presentacion.htmhttp://www.oei.es/ctsi9900.htmhttp://www.oei.es/http://www.oei.es/http://www.oei.es/progra.htmhttp://www.oei.es/ctsi9900.htmhttp://www.oei.es/salactsi/index.htmlhttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#1a%231ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a1%23a1http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a2%23a2http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a3%23a3http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a4%23a4http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a5%23a5http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a6%23a6http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a7%23a7http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a8%23a8http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a9%23a9http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a10%23a10http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a11%23a11http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#a12%23a12
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    tambm muito distinta, relacionados a reas onde importante a presena do Estado na produo (ousua regulao) de bens e servios para a populao (energia, sade, educao, transporte etc.).

    Este captulo trata quase que exclusivamente da anlise, propriamente dita, do processo de elaboraode polticas. Isto porque seu propsito, tal como acima indicado, instrumentalizar o leitor enquantoanalista dedicado ao acompanhamento, avaliao e crtica de polticas cuja responsabilidade deformulao e implementao corresponde a um outro ator. Relativamente pouca nfase dada

    capacitao do leitor enquanto responsvel pela elaborao, propriamente, de polticas pblicas.

    por isto que s na seo 9 abordado o tema da elaborao de polticas enquanto arte e tcnica degoverno. Assim, s nesta seo que se discorre sobre os procedimentos que devem ser realizados,da metodologia que deve ser utilizada, e dos cuidados que devem ser tomados para formular polticasque possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam implementadas de formaa alcanar os objetivos e os impactos visados. Este tema entretanto, no ser abordado em detalhe.Mais do que os demais, ele tem sido tratado de forma exaustiva por muitos autores.

    No obstante, o contedo apresentado nas sees que precedem a 9 constitui-se num subsdio toimportante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar e tambm avaliar) polticaspblicas, que se espera de um profissional situado no interior do aparelho de Estado, que omiti-las seriaalgo assim como esperar que algum que nunca pisou numa cozinha possa fazer um bom bolo apenascom uma receita (por melhor que ela seja). Em outras palavras, seria aceitar a proposio tecnocrticade que a elaborao de poltica pblica pode ser encarada como a simples operacionalizao de umconjunto de normas, procedimentos e passos de um manual.

    A seo 11 uma espcie de resumo das anteriores (com exceo da 9) e pode ser usada como umguia para a Anlise de Polticas.

    A inteno deste captulo , ento, construir uma ponte entre as metodologias de planejamentousualmente adotadas por organizaes pblicas, cuja ineficcia tm sido insistentemente apontada, eesses contedos.

    2. Explorando o conceito de Anlise de Poltica

    Antes de mais nada, um lembrete:

    A Anlise de Polticas no necessariamente implica numa identificao do analista com os objetivosdaqueles que controlam o processo poltico. A subverso do status quo demanda, talvez mais do quesua preservao, o seu correto entendimento.

    Esta extensa seo procura dar conta da complexidade do conceito de Anlise de Poltica introduzindoao leitor, simultaneamente, bibliografia produzida pelos principais autores que se dedicam a estecampo e forma como se vo estabelecendo (e alterando) os demais conceitos com ele relacionados.

    2.1. O conceito de poltica

    EASTON (1953, p. 130) considera uma poltica (policy) uma teia de decises que alocam valor. Maisespecificamente, JENKINS (1978, p. 15) v poltica como um conjunto de decises interrelacionadas,concernindo seleo de metas e aos meios para alcan-las, dentro de uma situao especificada.

    Segundo HECLO (1972, p. 84-85), o conceito de poltica (policy) no auto-evidente. Ele sugere queuma poltica pode ser considerada como um curso de uma ao ou inao (ou no-ao), mais doque decises ou aes especficas.

    WILDAVSKY (1979, p. 387) lembra que o termo poltica usado para referir-se a um processo detomada de decises, mas, tambm, ao produto desse processo.

    HAM e HILL (1993, p. 13) analisam as implicaes do fato de que a poltica envolve antes um curso deao ou uma teia de decises que uma deciso, destacando aspectos como:

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    1. h uma rede de decises de considervel complexidade;2. h uma srie de decises que, tomadas em seu conjunto, encerram mais ou menos o que a poltica;3. polticas mudam com o passar do tempo e, em conseqncia, o trmino de uma poltica uma tarefa difcil;4. o estudo de polticas deve deter-se, tambm, no exame de no-decises.

    Os autores colocam, ainda, que o estudo de no-decises tem adquirido importncia crescente nosltimos anos.

    Uma forma de resumir as caractersticas do conceito dada por estes trs elementos:

    1. uma teia de decises e aes que alocam (implementam) valores;2. uma instncia que, uma vez articulada, vai conformando o contexto no qual umasucesso de decises futuras sero tomadas;3. algo que envolve uma teia de decises ou o desenvolvimento de aes no tempo, maisdo que uma deciso nica localizada no tempo.

    Ao trabalhar com Anlise de Polticas h que lembrar que o termo poltica pode ser empregado demuitas maneiras. Por exemplo, para designar:

    1. campo de atividade ou envolvimento governamental (social, econmica), embora comlimites nem sempre definidos2. objetivo ou situao desejada (estabilidade econmica)3. propsito especfico (inflao zero) em geral relacionado a outros de menor ou maiorordem4. decises do governo frente a situaes emergenciais5. autorizao formal (diploma legal), ainda que sem viabilidade de implementao6. programa (pacote envolvendo leis, organizaes, recursos)7. resultado (o que obtido na realidade e no os propsitos anunciados ou legalmenteautorizados)8. impacto (diferente de resultado esperado)

    9. teoria ou modelo que busca explicar a relao entre aes e resultados10. processo (os nove acima so fotos necessrio um filme: enfoque processual).

    As definies e os cuidados que se deve tomar mostram que na Anlise de Poltica h levar em contaque

    ospolitical aspects (aspectos polticos) so inerentes ao processo de elaborao depolticas (traduo para o termo em inglspolicy process) e que a poltica envolve uma teia de decises e o desenvolvimento de aes no tempo, mais doque uma deciso isolada.

    Para resumir pode-se criar um declogo como o que segue que nos lembra que para entender o

    conceito de poltica necessrio levar em conta:

    1. a distino entre poltica e deciso: a poltica gerada por uma srie de interaes entredecises mais ou menos conscientes de diversos atores sociais (e no somente dos tomadoresde deciso)2. a distino entre poltica e administrao3. que poltica envolve tanto intenes quanto comportamentos4. tanto ao como no-ao5. que pode determinar impactos no esperados6. que os propsitos podem ser definidos ex post: racionalizao7. que ela um processo que se estabelece ao longo do tempo8. que envolve relaes intra e inter organizaes9. que estabelecida no mbito governamental, mas envolve mltiplos atores

    10. que definida subjetivamente segundo as vises conceituais adotadas.

    2.2. O conceito de Anlise de Poltica

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    Embora vrias definies tenham sido cunhadas por autores que se tm dedicado ao tema, pode-seiniciar dizendo que a Anlise de Polticas pode ser considerada como um conjunto de conhecimentosproporcionado por diversas disciplinas das cincias humanas utilizados para buscar resolver ou analisarproblemas concretos em poltica (policy) pblica (BARDACH, 1998).

    Para WILDAVSKY (1979, p. 15), aAnlise de Poltica recorre a contribuies de uma srie dedisciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqncias da ao do governo, em

    particular, ao voltar sua ateno ao processo de formulao de poltica. Ele considera, ademais, queAnlise de Poltica uma sub-rea aplicada, cujo contedo no pode ser determinado por fronteirasdisciplinares, mas sim por uma abordagem que parea apropriada s circunstncias do tempo e natureza do problema. Segundo LASSWELL (1951, p. 3), essa abordagem vai alm dasespecializaes existentes.

    Segundo DYE (1976: p. 1), fazer Anlise de Poltica descobrir o que os governos fazem, porquefazem e que diferena isto faz. Para ele,Anlise de Poltica a descrio e explicao das causas econseqncias da ao do governo (ib.). Numa primeira leitura, essa definio parece descrever oobjeto da cincia poltica, tanto quanto o daAnlise de Poltica. No entanto, ao procurar explicar ascausas e conseqncias da ao governamental, os cientistas polticos tm-se concentrado nasinstituies e nas estruturas de governo, s h pouco se registrando um deslocamento para umenfoque comportamental (HAM e HILL, 1993, p. 4). HAM e HILL (p. 5) ressaltam que recentemente a

    poltica pblica tornou-se um objeto importante para os cientistas polticos. O que distingue a Anlisede Poltica do que se produz em cincia poltica a preocupao com o que o governo faz.

    O escopo da Anlise de Poltica, porm, vai muito alm dos estudos e decises dos analistas, porque apoltica pblica pode influenciar a vida de todos os afetados por problemas das esferas pblica (policy)e poltica (politics), dado que os processos e resultados de polticas sempre envolvem a vrios grupossociais e porque as polticas pblicas se constituem em objeto especfico e qualificado de disputa entreos diferentes agrupamentos polticos com algum grau de interesse pelas questes que tm no aparelhode Estado um locus privilegiado de expresso.

    A Anlise de Poltica engloba um grande espectro de atividades, todas elas envolvidas de uma maneiraou de outra com o exame das causas e conseqncias da ao governamental. Assim, uma definio

    correntemente aceita sugere que a Anlise de Poltica tem como objeto os problemas com que sedefrontam os fazedores de poltica (policy makers) e como objetivo auxiliar o seu equacionamentoatravs do emprego de criatividade, imaginao e habilidade.

    2.3. O surgimento da Anlise de Poltica como campo acadmico

    HAM e HILL (1993) apontam que a preocupao com as polticas pblicas, que d origem aosurgimento da Anlise de Poltica, acentua-se no incio da dcada de 60 e tem origem em duasvertentes de interesse:

    as dificuldades porque passavam os formuladores de poltica frente complexidade cadavez maior dos problemas com que se deparavam, fato que os levou paulatinamente a buscarajuda para construo de alternativas e propostas para solues; e a ateno de pesquisadores acadmicos em cincias sociais (cincia poltica, economia,sociologia) que progressivamente passaram a trabalhar com questes relacionadas s polticaspblicas e procuraram construir e aplicar conhecimentos resoluo de problemas concretosdo setor pblico.

    Foi, assim, a escala dos problemas com que, nos anos 60, deparavam-se os governos das sociedadesocidentais industrializadas o que levou a um crescente interesse pela Anlise de Poltica. Por outrolado, a dificuldade de tratar problemas fez com que pesquisadores acadmicos, sobretudo da rea decincias sociais, se interessassem, progressivamente, por questes relacionadas s polticas pblicas eprocurassem aplicar seus conhecimentos na sua elucidao. Ao longo dos anos, surgiram programas ecursos universitrios, novas disciplinas e publicaes acadmicas sobre o tema. Simultaneamente,agncias de governos dos pases avanados comearam a empregar analistas de polticas e a adotar

    novas prticas, como a anlise de custo e benefcio, o oramento por programa e a anlise de impacto.

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    Em alguns crculos, a Anlise de Poltica nasce como rea de pesquisa, contrapondo-se administrao pblica. No obstante, o formato inicial dos cursos (nos EUA, nos anos 60) a eladedicados (focalizados na anlise organizacional, mtodos quantitativos etc.) no enfatizavam compropriedade a questo dos valores, intrnseca Anlise de Poltica.

    Em outros crculos, a Anlise de Poltica se estabelece por diferenciao/excluso em relao ao decincia poltica, determinando uma inflexo no seu enfoque, concentrado na anlise das organizaes e

    estruturas de governo. Isto , deslocando o foco da anlise do institucional para o comportamental.

    Apesar das contribuies que desde h muito tempo tm sido realizadas por cientistas sociais, o que novo a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos 70, e o ambiente mais receptivo que passaa existir por parte dos governos. De fato, pesquisadores, como Keynes e Marx, j se tinham interessadopor questes inerentes atuao do governo e s polticas pblicas. Esse movimento recente,entretanto, caracterizou-se por oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas atinentesaos cursos de cincia poltica, que tomaram por modelo reas da administrao pblica ou deramexcessiva nfase a mtodos quantitativos combinados anlise organizacional.

    Segundo alguns os pesquisadores que fundam o campo, a policy orientation o que distingue aAnlise de Poltica da administrao pblica. Seu carter normativo (no sentido de explicitamenteportador de valores) revela uma preocupao acerca de como as idias que emergem da anlisepodem ser aplicadas no sentido de alavancar um projeto social alternativo. Neste caso, a melhoria doprocesso poltico atravs das polticas pblicas que promovam a democratizao do processo decisrio assumida como um vis normativo.

    Mas segundo eles a Anlise de Poltica tambmproblem-oriented, o que demanda e suscita ainterdisciplinaridade. A Anlise de Poltica caracteriza-se, assim, pela sua orientao aplicada,socialmente relevante, multidisciplinar, integradora e direcionada soluo de problemas, alm da suanatureza ao mesmo tempo descritiva e normativa.

    Nos anos 80, o debate Estado x mercado, privatizao, e a considerao da incapacidade do Estadopara resolver os problemas sociais, levaram utilizao de tcnicas de administrao desenvolvidas nosetor privado. A subestimao das dificuldades relacionadas implementao de polticas um trao

    marcante da postura da administrao.

    2.4. Uma tipologia da Anlise de Poltica: a tenso entre descritivo e o prescritivo

    Sobre a tenso entre descritivo e o prescritivo, HAM e HILL (1993) classificam os estudos de AnlisePoltica (abordagens, perspectivas) em duas grandes categorias:

    a anlise que tem como objetivo desenvolver conhecimentos sobre o processo deelaborao polticas (formulao, implementao e avaliao) em si mesmo - estudos sobre ascaractersticas das polticas e o processo de elaborao de polticas que revelam, portanto,uma orientao predominantemente descritiva; e a anlise voltada a apoiar os fazedores de poltica, agregando conhecimento ao processo

    de elaborao de polticas, envolvendo-se diretamente na tomada de decises, revelandoassim um carter mais prescritivo ou propositivo.

    J DYE se refere ao tema dizendo que aAnlise de Poltica tem um papel importante na ampliao doconhecimento da ao do governo e pode ajudar os fazedores de poltica(policy makers, no original)a melhorar a qualidade das polticas pblicas. Com isso, ele corrobora a viso de outros autores, comoLASSWELL (1951) e DROR (1971), segundo a qual, aAnlise de Poltica tanto descritiva, quantoprescritiva (HAM e HILL, 1993, p. 6). Na viso de WILDAVSKY (1979, p. 17) o papel da Anlise dePoltica encontrar problemas onde solues podem ser tentadas, ou seja, o analista deve ser capazde redefinir problemas de uma forma que torne possvel alguma melhoria. Portanto, aAnlise dePoltica est preocupada tanto com o planejamento como com a poltica (politics).

    Assim, dois termos que podem ser encontrados reiteradamente na literatura anglo-sax so:

    analysis of policy, referindo atividade acadmica visando, basicamente, ao melhorentendimento do processo poltico;

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    analysis for policy, referindo atividade aplicada voltada soluo de problemas sociais.

    A figura abaixo, que aparece em HOGWOOD e GUN (1981 e 1984), e est baseada, por sua vez, emGORDON, LEWIS e YOUNG (1977), prope uma tipologia daAnlise de Poltica que abrange umamplo espectro. Ele vai desde os estudos descritivos - anlise do contedo da poltica - at osfrancamente normativos - defesa de polticas.

    Essa tipologia distingue sete tipos de Anlise Poltica e esclarece muitos dos termos usadoscorrentemente na rea:

    1. estudo do contedo das polticas (study of policy content), no qual os analistas procuramdescrever e explicar a gnese e o desenvolvimento de polticas, isto , determinar como elassurgiram, como foram implementadas e quais os seus resultados;2. estudo do processo das polticas (study of policy process): nele, os analistas dirigem aateno para os estgios pelos quais passam questes e avaliam a influncia de diferentesfatores, sobretudo na formulao das polticas;3. estudo do resultado das polticas (study of policy output), no qual os analistas procuramexplicar como os gastos e servios variam em diferentes reas, razo por que tomam as

    polticas como variveis dependentes e tentam compreend-las em termos de fatores sociais,econmicos, tecnolgicos e outros(2);4. estudo de avaliao (evaluation study), no qual se procura identificar o impacto que aspolticas tm sobre a populao(3);5. informao para elaborao de polticas (information por policy making): neste caso, ogoverno e os analistas acadmicos organizam os dados para auxiliar a elaborao de polticase a tomada de decises;6. defesa de processos (process advocacy): os analistas procuram melhorar os sistemas deelaborao de polticas e a mquina de governo, mediante a realocao de funes, tarefas eenfoques para avaliao de opes; e7. defesa de polticas (policy advocacy), atividade exercida por intermdio de grupos depresso, em defesa de idias ou opes especficas no processo de polticas.

    2.5. A postura do analista de polticas

    possvel identificar trs tipos de analistas:

    o tcnico: interessado em pesquisapolicy-oriented, um acadmico preocupado com a(ou atuando na) burocracia; o poltico: interessado em Anlise de Poltica na medida em que lhe permite aumentarsua influncia poltica; o empreendedor interessado em usar a Anlise de Poltica para influenciar a poltica.

    O carter depolicy orientation da Anlise de Poltica sugere que a preocupao do analista seja mais

    direcionada anlise da determinao da poltica (postura normativa) do que anlise do contedoda poltica (postura descritiva).

    http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#2a%232ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#2a%232ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#3a%233ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#2a%232ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#3a%233a
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    A posio no-engajada, puramente acadmica, vlida na medida em que a iseno permite umaanlise mais rigorosa. Ela no deve impedir o cumprimento do objetivo maior (normativo), que deve sera melhoria do processo poltico. Esta no necessariamente implica numa identificao com os objetivosdaqueles que controlam o processo poltico. A subverso do status quo demanda, talvez mais do quesua preservao, o seu correto entendimento.

    Anlises neutras, desprovidas de valores, so um mito. A pesquisa sempre influenciada pelos valores

    do analista. difcil, mas necessrio, que ele no se converta num poltico (policy advocate).

    WILDAVSKY (1979, p. 7) destaca que aAnlise de Poltica envolve um certo aprendizado, a partir daexperincia, especialmente da experincia do fracasso e da correo dos erros cometidos. SegundoHAM e HILL (p. 22), os analistas no se deveriam restringir a examinar como polticas podem sermelhoradas, dentro das relaes sociais e polticas j existentes: essas prprias relaes deveriam serparte do campo de investigao. Se a anlise poltica est localizada na estrutura existente de relaessociais e se o escopo limitado a questes j postas na agenda para discusso, ento questessignificativas podem ser ignoradas e as necessidades de grupos particulares podem ser negligenciadas(p. 21).

    Uma postura ctica, que questione os pressupostos dos tomadores de deciso aconselhvel. Nofaz-lo leva a uma posio conservadora. Buscar simplesmente a melhoria das polticas (e no doprocesso poltico) no mbito das relaes sociais e polticas existentes termina levando adoo de umcritrio de qualidade enviesado: a boa poltica aquela que pode ser implementada (vivel).

    Restringir o foco de anlise aos problemas j contemplados pela agenda (de discusso) poltica leva aexcluir questes que interessam a grupos poltica e socialmente desfavorecidos.

    A percepo de que as polticas, mais do que o mercado, so os responsveis pelo progresso social,envolve o questionamento das relaes sociais e polticas existentes; a considerao tanto dasdecises tomadas como das no-decises.

    Mesmo a analysis for policy, que supe um interesse no (apenas) acadmico e aplica o instrumentalda administrao visando sua consecuo, demanda a analysis of policycomo etapa prvia. Caso

    contrrio, se opolicy process (processo de elaborao da poltica) no for entendido como umpoliticalprocess, esse instrumental ser ineficaz (no adaptado ao mundo real).

    A postura do analista deve, em suma, levar em conta que a Anlise de Poltica envolve tanto a melhoriado entendimento acerca da poltica e do processo poltico como prescries visando a melhorespolticas.

    2.6 A Anlise de Poltica e o contexto da poltica

    HAM e HILL (p. 18-19), citando MINOGUE (1983, p. 5), ressaltam que dado que as polticas pblicasproduzem efeitos sobre a economia e a sociedade qualquer teoria que as explique satisfatoriamentedeve tambm explicar as interrelaes entre Estado, poltica e sociedade.

    Para entender o processo de elaborao de polticas, EASTON (1953, 1965) baseia-se num paradigmasemelhante ao sistema biolgico. Ele prope que a atividade poltica seja analisada em termos de umsistema abarcando uma srie de processos que devem permanecer em equilbrio a fim de que aatividade sobreviva. Assim, a teoria dos sistemas proposta por EASTON, considera a vida poltica comoum processo que engloba inputs (entradas ou perguntas), que vm do ambiente externo (econmico,religioso, cultural etc..), que se transformam em outputs (sadas ou respostas) - as decises polticas -os quais, por sua vez, retroagem sobre o ambiente circundante, provocando, assim, sempre novasperguntas (BOBBIO, 1993, p.167).

    A Anlise de Poltica, dado que deve levar em considerao o contexto social, econmico e poltico noqual se inserem os problemas enfocados, tem seu objeto representado por alguns autores peloesquema proposto por EASTON como segue.

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    HAM e HILL (p. 16-22) dizem que uma das vantagens do paradigma adotado por EASTON est em quea teoria dos sistemas oferece uma forma de conceituar complexos fenmenos polticos. Ao enfatizar osprocessos, em oposio a instituies ou estruturas, o enfoque de EASTON representa um avano, emrelao a anlises mais tradicionais, no mbito da cincia poltica e da administrao pblica.

    Esta viso permite que se defina um setor de poltica como um grupo de organizaes complexas,conectadas umas s outras por dependncia de recursos. Ela permite abordar a dependncia de umaorganizao em relao outra atravs do exame do fluxo de recursos financeiros. Ao faz-lo, destacatrs caractersticas da Anlise de Poltica:

    As organizaes so influenciadas pelas sociedades nas quais operam; necessrio assegurar que a anlise do Estado seja baseada na compreenso de suarelao com a sociedade; As atividades do Estado nas sociedades modernas essencialmente uma atividade

    organizacional.

    De fato, aplicada s organizaes, a teoria dos sistemas permite analis-las como conjunto deentidades mais ou menos interdependentes e constitudas de partes, que so variveis mutuamentedependentes. Alm disso, alguns temas so mais ou menos comuns s teorias da organizao e dossistemas: os agregados de indivduos inseridos no sistema, as relaes entre os indivduos e oambiente do sistema organizacional, as interaes dos indivduos dentro do sistema e as condiesnecessrias para garantir a estabilidade do sistema.

    HAM e HILL (p. 15-18), porm, fazem algumas crticas concepo geral do modelo sistmico. Aprimeira destaca que ele faz uma excessiva reduo lgica dos processos, em termos de demandas eapoios convertidos em sadas, o que raramente ocorre de modo to simples, no mundo prtico da

    elaborao de polticas. O reconhecimento de alguns processos (manipulao de linguagem, criao decrises, imposio de agendas para autoridades ou mesmo simulao de polticas, por exemplo) umimportante corretivo de ingnuas hipteses encontradas na teoria dos sistemas. Um segundocomentrio ressalta que o enfoque sistmico enfatiza a importncia do processo central de converso a caixa preta (black box) , isto , da tomada de decises e, no entanto, d-lhe pouca ateno, aocompar-lo s demandas e apoios externos. Isso indica a necessidade de os estudos basearem-se noapenas na anlise de sistemas, mas tambm na dinmica da tomada de decises. Uma terceira crticarefere-se ao fato de o sistema e, em particular, a forma em que os processos ocorrem dentro da caixapreta constiturem o prprio objeto da ao poltica. A relao entre as entidades de governo estsujeita a ajustes contnuos, na medida em que obrigaes e oramentos so alterados.Representaes sistemticas do processo de polticas tendem a dar aos conflitos a aparncia de jogos.Nesse caso, o problema reside na possibilidade de a poltica tratar tanto da garantia de um resultadoespecfico, quanto da mudana nas regras do jogo.

    Para HAM e HILL (p. 16), a prpria nfase da teoria sistmica na idia da black box(caixa peta) ilustrativa: a imagem salienta que os processos implcitos na caixa preta dificilmente so penetrados e

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    pesquisados. Tomando os trs modelos de ALLISON (1971), que ajudam a entender os processos,HILL lembra que h o modelo do ator racional, o modelo do processo organizacional e o modelo depolticas burocrticas. No primeiro, os agentes devem escolher, entre alternativas, as metas e objetivosda ao, de modo que suas conseqncias sejam as maiores possveis. No segundo, a ao vistacomo resultado do comportamento organizacional, estabelecido pelas rotinas e procedimentosoperacionais. O terceiro considera a ao como resultado de acordos entre grupos e indivduos, nosistema poltico.

    Uma outra contribuio importante compreenso dos processos polticos abordados nesta pesquisa a metodologia desenvolvida por MATUS (1996). No seu trabalho Poltica, Planificacin y Gobierno, apreocupao implcita com a anlise para a poltica. Entretanto, algumas das suas crticas dospressupostos bsicos do planejamento sistmico exibem elementos interessantes para a abordagem daanlise de poltica. Como decorrncia da discusso das falcias da teoria sistmica, o autor introduziudois novos conceitos, um dos quais foi adotado no presente estudo, como se abordar a seguir.

    De acordo com MATUS (p. 72), o modelo sistmico tradicional tende a tratar o prprio sistema comoalgo esttico e incontestvel ou, pelo menos, sujeito a raras mudanas fundamentais. Considera, comopressuposto, que, nesse modelo, o ator que planeja est fora ou sobre a realidade que planifica. Oator no coexiste nessa realidade com outros atores, que tambm planejam. Isso leva o planejadorsistmico, ao no aceitar que sua teoria se baseia neste pressuposto bsico, coloque-se diante do

    seguinte dilema: ou aceita o pressuposto mencionado, e tem uma teoria consistente, mas irreal nosseus pressupostos, ou o rechaa por ser irreal, mas ento sua teoria inconsistente.

    Apoiando-se na suposio anterior, MATUS (p. 76-80) deduz, como postulados do modelo sistmico,que:

    1. sujeito diferenvel do objeto;2. no pode haver mais de uma explicao verdadeira;3. explicar descobrir as leis que regem o objeto;4. o poder no um recurso escasso;5. no existe uma incerteza mal definida;6. os problemas a que se refere o plano so bem estruturados e tm soluo conhecida.

    Todos esses pressupostos tm regido as teorias em que se baseia a prtica do planejamento, naAmrica Latina e, exceto nos meios acadmicos, no so questionados. A explicao, que se temprocurado para os irrisrios efeitos alcanados pelos planejadores, passa ao largo da crtica a taispostulados, contentando-se com apontar a precria qualidade dos planos, as deficincias dasestatsticas, o escasso poder dos rgos de planejamento, a inexperincia dos economistas, adeficincia de sua formao e o desinteresse poltico. O trabalho de MATUS vai mais alm, aosustentar que os poucos resultados do planejamento tradicional latino-americano devem ser procuradosnaqueles pressupostos, que conduzem a um conceito restrito de planejamento e de planejador e a umaprtica economicista e tecnocrtica, que se isola do planejamento poltico e do processo de governo.

    MATUS (p. 76-80) rejeita, de incio, a suposio de que o ator que planeja est fora da realidade e quea realidade planejada um objeto planificvel, que no contm outros sujeitos criativos, que tambm

    planejam. Com isso, abrem-se novas portas para reformular, teoricamente, o planejamento, a funo doplanejador e aAnlise de Polticas. Ao assumir que o ator est inserido numa realidade, em quecoexiste com outros, que tambm planejam, MATUS prope alguns postulados:

    sujeito no distinto do objeto

    1. h mais de uma explicao verdadeira;2. os atores sociais geram possibilidades, em um sistema social criativo que, s em parte,segue leis;3. o poder um recurso escasso e limita a possibilidade do deve ser;4. existe uma incerteza mal definida, que domina todo o sistema social; consequentemente,5. os problemas, a que se refere o plano, so quase-estruturados(4) (p. 580).

    Com esses postulados, supera-se tambm a exigncia de que o sistema esteja em equilbrio, a fim deque a atividade sobreviva.

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    Se uma das vantagens do modelo sistmico que ele chama a ateno entre sistemas polticos eoutros sistemas (HILL, 1993, p. 17), a abordagem de MATUS, introduzindo uma nova conceituao demeio-ambiente, vai bem mais alm, ao considerar que os atores e os outros sistemas so elementosintrnsecos ao modelo de planejamento. MATUS ainda introduz dois conceitos importantes: o desituao e o de momento(5). Este ltimo ser extensamente utilizado, dado que possibilita um recortedinmico e mais adequado ao enfoque analtico usado, aAnlise de Poltica. Evitou-se a adoo doprimeiro conceito, porquanto envolveria uma postura acadmica um tanto controversa, na medida em

    que implica diferentes leituras e explicaes de uma mesma realidade. Alm do mais, a opo pelaAnlise de Poltica facultou uma compreenso satisfatria do problema proposto, nos termos doenfoque de HAM e HILL, com a achega do conceito de momento, de MATUS.

    2.7 A Anlise de Poltica e os nveis de anlise

    O analista das polticas pblicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da poltica (politics) demaneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questes relacionadas funo do Estado nasociedade contempornea e distribuio de poder entre diferentes grupos sociais.

    Para uma anlise adequada necessrio explorar trs nveis. Nveis que podem ser entendidos, aomesmo tempo, como nveis em que se do realmente as relaes polticas (policyepolitics) e comocategorias analticas, isto , como nveis em que estas relaes devem ser analisadas. So eles:

    1. do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). o nvel superficial dasligaes e redes intra e inter agncias, determinadas por fluxos de recursos e de autoridadeetc., em que a anlise est centrada no processo de deciso no interior das organizaes e nasrelaes entre elas. o que se pode denominar nvel da aparncia ou superficial.2. do processo de deciso. o nvel, em que se manifestam os interesses presentes nombito da estrutura administrativa, isto , dos grupos polticos presentes no seu interior e queinfluenciam no contedo das decises tomadas. Dado que os grupos existentes no interior deuma instituio respondem a demandas de outros grupos externos, situados em outrasinstituies pblicas e em organizaes privadas, as caractersticas e o funcionamento damesma no podem ser adequadamente entendidos a no ser em funo das relaes de poderque se manifestam entre esses grupos. o que se pode denominar nvel dos interesses dos

    atores.3. das relaes entre Estado e sociedade. o nvel da estrutura de poder e das regras desua formao, o da infraestrutura economicomaterial. o determinado pelas funes doEstado que asseguram a acumulao capitalista e a normatizao das relaes entre osgrupos sociais. o que explica, em ltima instncia, a conformao dos outros dois nveis,quando pensados como nveis da realidade, ou as caractersticas que assumem as relaes aserem investigadas, quando pensados como nveis de anlise. Este nvel de anlise trata dafuno das agncias estatais que, em sociedades capitalistas avanadas , em ltima anlise,o que assegura o processo de acumulao de capital e a sua legitimao perante a sociedade. o que se pode denominar nvel da essncia ou estrutural.

    Ciclo Iterativo da Anlise de Poltica e seus Nveis

    aparncia ou superficial

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    A figura acima ilustra o Ciclo Iterativo da Anlise de Poltica e os seus respectivos Nveis de Anlise.Ela mostra que anlise deve desenvolver-se de forma reiterada (em ciclos de retroalimentao) doprimeiro para o terceiro nveis e vice versa buscando responder as perguntas suscitadas pela pesquisaem cada nvel. Como indicado, no terceiro nvel onde as razes ltimas destas perguntas tendem aser encontradas, uma vez que ele o responsvel pela manuteno da estabilidade poltica e pelalegitimidade do processo de elaborao de polticas.

    No momento de formulao da poltica quando, atravs da filtragem das demandas, seleo dostemas e controle da agenda, ocorre um processo de enfrentamento entre os atores com ela envolvidoscujo grau de explicitao, pelas razes que se explora nas sees que seguem, bastante varivel. Elevai desde uma situao de conflito explcito, onde h uma seleo positiva das demandas que serefere s funes que so necessrias para manuteno de formas de dominao na organizaoeconmica, como suporte acumulao de capital e resoluo de conflitos abertos at uma de no-tomada de deciso, que opera no nvel negativo da excluso dos temas que no interessam estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrria), selecionando os que entram ouno na agenda atravs de mecanismos que filtram ideologicamente os temas e os problemas.

    Nos momentos da implementao e da avaliao outros mecanismos de controle poltico seestabelecem tendo por cenrio os dois primeiros nveis e, como mbito maior e mais complexo dedeterminao, o terceiro.

    atravs do trnsito entre estes trs nveis que, depois de vrias reiteraes, possvel conhecer ocomportamento da comunidade poltica presente numa rea qualquer de poltica pblica, e destamaneira chegar a identificar as caractersticas mais essenciais de uma poltica. Este processo envolveexaminar a estrutura de relaes de interesses polticos construdos pelos atores envolvidos; explicar arelao entre o primeiro nvel superficial das instituies e o terceiro nvel mais profundo da estruturaeconmica.

    Para ilustrar este ponto, pode-se dizer que a anlise de uma poltica implica, primeiramente, emidentificar as organizaes (instituies pblicas) com ela envolvidas e os atores que nestas seencontram em posio de maior evidncia. Em seguida, e ainda no primeiro nvel (institucional) deanlise, identificar as relaes institucionais (isto as sancionadas pela legislao, pblicas etc.) que

    elas e seus respectivos atores-chave mantm entre si.

    Passando ao segundo nvel, passa-se a pesquisar as relaes que se estabelecem entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse existentes no interior de uma instituio e de gruposexternos, situados em outras instituies pblicas e em organizaes privadas. As relaes de poder,coalizes de interesse, formao de grupos de presso, cooptao, subordinao etc., devem sercuidadosamente examinadas de maneira a explicar o funcionamento da instituio e as caractersticasda poltica. A determinao de existncia de padres de atuao recorrente de determinados atores-chave e sua identificao com o de outros atores, instituies, grupos econmicos, partidos polticosetc., de modo a conhecer os interesses dos atores, o objetivo a ser perseguido neste nvel de anlise.

    O terceiro nvel de anlise , finalmente, o que permitir, mediante uma tentativa sistemtica decomparar a situao observada com o padro (estrutura de poder e das regras de sua formao)

    conformado pelo modo de produo capitalista - sua infraestrutura economicomaterial e suasuperestrutura ideolgica -, explic-lo. atravs do estabelecimento de relaes entre a situaoespecfica que est sendo analisada ao que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avanado (ouperifrico, no caso latino-americano) que se pode chegar a entender a essncia; isto , entenderporque as relaes que se estabelecem entre as vrias pores do Estado e destas com a sociedadeso como so.

    Pode-se entender o percurso proposto neste captulo, e de resto por muitos dos pesquisadores daAnlise de Poltica, como uma tentativa sistemtica de percorrer este caminho de ida e voltaapoiando-se sempre no mapa que este terceiro nvel de anlise proporciona.

    3. Vises do Estado e Anlise Poltica

    A natureza do modelo que o analista utiliza para entender as relaes entre Estado e sociedade crucial para os resultados que se obtm ao analisar (e elaborar) uma poltica pblica. A tal ponto, que

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    os resultados que muitas vezes se obtm podem variar consideravelmente segundo a viso que seadote. claro que a escolha da viso a ser adotada como guia para a anlise no neutra. Mesmoquando se trata apenas de descrever e no de prescrever, neste caso como em outros que envolvemuma escolha onde a postura ideolgica dificilmente pode ser colocada de lado, a opo realizada no simplesmente metodolgica. No obstante, a escolha deve dar-se tendo em vista as caractersticasespecficas da poltica em anlise. O que implica dizer que mesmo a viso particular do analista acercado conjunto dos rgos e polticas que conformam o Estado seja mais prxima a uma das quatro vises

    (entendidas, sempre e como em outros casos em que modelos de anlise so propostos, de situaesextremas), ele no deve descartar a possibilidade de que a anlise da poltica em foco tenha, comoguia metodolgico, uma das outras vises.

    Esta seo apresenta as vises Pluralista, Marxista, Elitista e Corporativista.

    3.1 A viso Pluralista

    A viso Pluralista enfatiza as restries que colocam sobre o Estado um grande espectro de grupos depresso dotados de poder diferenciado nas diversas reas onde se conformam as polticas pblicas(embora nenhum possa ser considerado dominante), sendo estas um resultado das preferncias destesgrupos. O Estado (ou seus integrantes) considerado por uma de suas variantes como um entre estesgrupos de presso.

    Esta viso tem como interlocutor a viso Marxista clssica, contrapondo-se a ela e reafirmando ademocracia como valor fundamental e o voto como meio de expresso privilegiado dos indivduos. Apoliarquia (democracia real) e a ao de grupos de presso adotada, entretanto, como umaconcepo mais realista.

    A aceitao da interpretao Pluralista implica na adoo de uma viso incremental (em oposio racional) sobre o processo de elaborao de polticas, como se ver posteriormente.

    3.2 A viso Elitista

    A viso Elitista pode ser considerada como uma derivao/ extenso da Pluralista. O esforo de

    superao das bvias limitaes (e irrealismo) da viso Pluralista levou aceitao da existncia deelites, proposta como fundamento terico da viso Elitista.

    A viso Elitista (ou neo-pluralista) ressalta o poder exercido por um pequeno nmero de bemorganizados interesses societais e a habilidade dos mesmos para alcanar seus objetivos.

    3.3 A viso Marxista

    A viso Marxista aponta a influncia dos interesses econmicos na ao poltica e v o Estado comoum importante meio para a manuteno do predomnio de uma classe social particular.

    Entre as suas subdivises importante destacar:

    Instrumentalista: Entende o Estado liberal como um instrumento diretamente controladode fora pela classe capitalista e compelido a agir de acordo com seus interesses (ela regemas no governa). Capitalistas, burocratas do Estado e lderes polticos formam um grupocoeso em funo de sua origem de classe comum, estilos de vida e valores semelhantes etc..(afinidade com a viso Elitista). (Miliband). Estado como rbitro: Quando existe relativo equilbrio entre foras sociais, a burocraciaestatal e lderes poltico-militares podem intervir para impor polticas estabilizadoras que,embora no sejam controladas pela classe capitalista, servem aos seus interesses. Emsituaes normais (que no as de crise) o Estado atua como rbitro entre fraes da classedominante. A burocracia estatal vista, diferentemente da corrente funcionalista, como umsegmento independente/distinto da classe dominante, embora a servio de seus interesses de

    longo prazo. (Poulantzas). Funcionalista: A organizao do Estado e apolicy making condicionada pelo imperativoda manuteno da acumulao capitalista. Funes: preservao da ordem, promoo daacumulao de capital, e criao de condies para a legitimao. Os gastos governamentais

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    para manter essas funes so: gastos sociais, investimento social (para reduzir custos deproduo), e consumo social. Enfatiza os processos macro e no, por exemplo, a questo docarter da burocracia ou das elites. (OConnor) Estruturalista: O Estado visto como um fator de coeso social, com a funo deorganizar a classe dominante e desorganizar as classes subordinadas atravs do uso deaparatos repressivos ou ideolgicos (Althusser). Escola da lgica do capital: Deduz a necessidade funcional do Estado da anlise do

    modo de produo capitalista. O Estado entendido como um capitalista coletivo ideal. Eleprov as condies materiais gerais para a produo; estabelece as relaes legais genricas;regula e suprime os conflitos entre capital e trabalho; e protege o capital nacional no mercadomundial (Altvater). Escola de Frankfurt: O Estado entendido como uma forma institucionalizada de poderpoltico que procura implementar e garantir o interesse coletivo de todos os membros de umasociedade de classes dominada pelo capital. Combina as vises funcional e organizacional.(Offe).

    3.4 A viso Corporativista

    A viso Corporativista, mantendo a nfase na atuao de grupos de presso (organizaes detrabalhadores e patres), coloca que estes passam a ser integrados no Estado. Este entendido comoum mecanismo de controle de conflitos entre os grupos, subordinando-os aos interesses maisabrangentes e de longo prazo dos Estados nacionais num ambiente de crescente concorrnciainternacional e busca de competitividade e diminuio do crescimento econmico dos pasescapitalistas. Embora os primeiros Estados corporativos tenham sido autoritrios, depois de 1945, vriosadotaram o neo-corporativismo como forma de concertao.

    A premissa em que se apoia esta viso a de que os indivduos podem ser melhor representadosatravs de instituies funcionais/ocupacionais do que atravs de partidos polticos e mesmo do queunidades eleitorais geograficamente definidas. Trabalhadores, atravs de sindicatos; empregadores,atravs de federaes: fazendeiros, atravs de cmaras de agricultura. As unidades de categorias soreconhecidas pelo Estado como possuindo monoplio de representao (podendo assim ser por elecontroladas) e responsabilizadas por funes administrativas em lugar do Estado.

    3.5 Um quadro sinptico

    A figura abaixo oferece um quadro sinptico das vises acima caracterizadas.

    Vises Do Estado Capitalista Moderno

    Nele as quatro posies esto colocadas em situaes opostas, querendo indicar-se com isto asdiferenas ideolgicas que guardam entre si. O trao vertical separa - esquerda - as que aceitam a

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    hiptese de existncia de um poder concentrado. A importncia da burocracia no controle do aparelhode Estado e a autonomia relativa deste em relao classe dominante. As flechas, finalmente, indicamas possibilidades tericas de derivao das vises.

    Assim, a viso Elitista pode ser considerada como uma extenso da Marxista, uma vez que consideraoutros fatores que no os econmicos como determinantes na formao de elites polticas.

    A viso Corporativista pode ser considerada como resultado da nfase colocada pelas interpretaesneo-Marxistas no papel central do Estado no processo poltico. Por outra via, convergente, da nfasecolocada pela interpretao Elitista no papel das state elites.

    As vises Pluralista, Elitista e Corporativista so ao mesmo tempo vises/ interpretaes e propostasnormativas de organizao da sociedade e da economia no capitalismo. A Marxista, pelo contrrio,constitui-se numa crtica formao social capitalista. A proposta normativa que apresenta transcendeos limites do capitalismo.

    4. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporneo

    O estudo das organizaes deve muito a Max Weber, com seu enfoque da burocracia no Estado

    moderno. Ele desenvolveu proposies sobre a estrutura das organizaes, em que a administrao seapoia na racionalidade formal. Segundo HAM e HILL (p. 132-133), WEBER objetivando estabelecerum tipo genrico de organizao e explicar por que motivo ela cresce em importncia apontou asseguintes caractersticas definidoras de burocracia:

    1. uma organizao contnua, com uma ou mais funes especficas, cuja operao delimitada por certas regras: a consistncia e a continuidade, no interior da organizao, sogarantidas pelo registro de todos os atos, regras e decises inerentes organizao;2. a organizao dos funcionrios est na base da hierarquia: o escopo da autoridade, nointerior dessa hierarquia, claro, definindo os direitos e deveres dos funcionrios, em cadanvel hierrquico ento especificado;3. os funcionrios so separados da propriedade dos meios de administrao e produo:eles so livres, estando sujeitos autoridade somente no que diz respeito a suas obrigaes

    oficiais, enquanto funcionrios de uma organizao;4. os funcionrios so indicados, no eleitos, baseando-se essa indicao em critriosimpessoais, e so promovidos por mrito; e5. pagam-se salrios fixos aos funcionrios e as regras de emprego e relaes de trabalhoso previamente definidas: a escala de salrios graduada de acordo com a posio dosfuncionrios na hierarquia, e o emprego permanente, estando garantida uma certaestabilidade e previsto o pagamento de penses aps a aposentadoria.

    A discusso sobre o papel da burocracia no Estado capitalista contemporneo pode ser entendida apartir do ideal Weberiano nele introduzindo os desvios impostos pela realidade. Balizam estadiscusso perguntas como:

    Quem controla a burocracia? Os polticos, as elites, a opinio pblica? Ela est submetida apenas a controles internos? Como atua a burocracia? Ela age segundo seus prprios interesses (bureau maximazing, bureau shaping)? Em termos econmicos funciona como um monoplio administrador de preos equantidades em seu prprio interesse (public choice) Como se organiza?

    A reflexo sobre a burocracia d-se num contexto marcado pelo embate capitalismo x socialismo (queterminaria por extinguir o Estado e a prpria burocracia). No ter a benevolncia do marxismo oficialante a burocracia sovitica neutralizado a crtica que deveriam fazer seus partidrios burocracia dassociedades capitalistas.

    pergunta de como se afasta a burocracia real do paradigma ideal Weberiano, ou o que , hoje, umbom burocrata, autores como Chapman respondem:

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    a burocracia pode ser um instrumento que permite atenuar o poder econmico daburguesia - defendendo a democracia - (viso pluralista) ou agir em conformidade com ele - autonomia relativa - (viso elitista).

    Muitos advogam que, pelo menos nos pases capitalistas avanados, o poder decisrio da burocraciano processo depolicy makingparece ser capaz, em situaes normais, de contrabalanar os interesseseconmicos. Mas at que ponto a burocracia pode atuar num ambiente distinto? No estar ela presa

    s formas de dominao existentes (conservadorismo intrnseco)?

    O fato que ela possui um poder cada vez maior de definir o carter das polticas pblicas no mbitode um sistema presidido por Estado crescentemente corporativo, que combina a propriedade privadados meios de produo com o controle pblico exercido por uma burocracia constituda de filhos daclasse mdia que acedem a privilgios no mbito do Estado de bem-estar.

    A corrente dapublic choice que prope a privatizao e a reforma do Estado parece visualizar, na suaverso mais de direita, o mercado como regulador da burocracia, enquanto que uma viso mais deesquerda entende a participao e controle pblicos como um antdotos eficazes ao poder daburocracia.

    Em suma, as contribuies tericas a respeito das organizaes e da burocracia pblica ultrapassarama perspectiva do formalismo idealizado por Max WEBER. Alguns estudos, ao longo das ltimasdcadas, deslocaram a nfase para o ambiente das organizaes, enquanto outros deram prioridade sregras e s estruturas, bem como s relaes entre as organizaes, os indivduos e as estruturasinformais. A evoluo das abordagens evidenciou as conexes entre questes organizacionais internase o contexto externo.

    5. Poder e tomada de deciso

    O estudo dos processos de deciso um importante ponto de partida para entender as relaes depoder.

    A anlise sobre poder e deciso parte do debate entre elitistas e pluralistas, que diferem nasconcepes sobre a distribuio do poder na sociedade atual, como tambm nos mtodos de anliseque devem ser usados para proceder a investigao.

    Num dos estudos seminais acerca das elites governantes, Robert Dahl (1958) tomou como ponto departida os resultados do trabalho de , por um lado, Floyd Hunter (1953) sobre o poder local (concluindoque o controle estava nas mos de um pequeno grupo de indivduos-chave) e do estudo de e WrightMills (1956) a respeito do poder nacional, nos EUA (que apontava a existncia de uma elite formadapelos militares, corporaes e agncias estatais). Segundo ele, os mtodos utilizados por HUNTER eMILLS no foram suficientemente rigorosos para justificar suas concluses a respeito da existncia deelites.

    Defendendo um ponto de vista pluralista (em contraposio ao elitista), ele entende que os

    pesquisadores deveriam analisar casos em que existam diferenas de preferncia entre os atores:quem estuda o poder deve analisar decises reais, envolvendo atores que possuam prefernciasdiferentes, e explorar se as preferncias de uma hipottica elite dominante so adotadas no lugar dasde outros grupos. Isso porque, para DAHL (1958:203), A tem poder sobre B, na medida em que elepode levar B a fazer algo que, de outra forma, no faria. E conclui: Atores cujas prefernciasprevalecem em conflitos sobre questes polticas-chave so os que exercem o poder em um sistemapoltico.

    Segundo outros autores, existe consenso de que os conflitos sobre assuntos-chave fornecemevidncias sobre a natureza da distribuio de poder, mas estas evidncias precisam sersuplementadas por anlises de no-tomada de deciso. Em alguns casos, a no-tomada de decisoassume a forma de deciso e, ao contrrio do que postulam os pluralistas, pode ser investigada com ametodologia que estes propem. Mais complicado estudar o poder quando exercido como formador

    de opinio. Essa dimenso considerada por muitos como sendo a mais importante e o aspecto maisdifcil da pesquisa de poder. Esta discusso metodolgica o que leva HAM e HILL a chamar aateno para o fato de que muitas vezes os debates sobre a distribuio de poder na sociedade

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    desenvolvem-se no terreno das metodologias de pesquisa utilizadas e definies, desviando o foco danatureza e estrutura do poder.

    De modo a tornar mais focada a discusso, estes autores descrevem o debate travado entre osanalistas vinculados s vertentes elitista e pluralista, a partir de meados da dcada de 50, englobandoas relaes que podem ser estabelecidas entre o poder e sua determinao ou influncia sobre asdecises tomadas em mbito governamental.

    Embora se adote aqui o roteiro de apresentao por eles formulado, vale uma lembrana, que talvezparea bvia. Neste caso, como em tantos outros que se apresenta ao longo deste captulo, e queenvolvem escolhas metodolgicas, a opo do analista no deve dar-se em funo de qualquerconsiderao normativa. Trata-se de escolher um modelo descritivo; isto , que melhor descreva arealidade existente. Algo que represente, explique, o que e no o que deve ser. Assim, embora oenfoque de apresentao que adota o captulo procure revelar o embate ideolgico que preside adiscusso acadmica, isto no deve ser tomado (pelo contrrio!) como uma inteno de sugerir aoanalista que seu trabalho de anlise deva implicar escolhas que no aquelas baseadas exclusivamentena fidedignidade, da aderncia em relao ao mundo real.

    5.1 O debate entre pluralismo e elitismo

    Este debate revela as divergncias de posio entre os estudos de DAHL, por um lado, e os deHUNTER e MILLS, por outro, sobre a existncia de uma elite dominante, beneficiria das decises edos resultados das polticas pblicas em cidades norte americanas, nos trabalhos de DAHL e HUNTER,e para todo os EUA, no estudo de Mills.

    Em seu trabalho, DAHL (1961) aponta que os mtodos de pesquisa utilizados por Hunter e Mills noforam suficientemente rigorosos para justificar suas concluses. Utilizando a metodologia que props,no seu estudo emprico acerca de New Haven (publicado sob o ttulo de Quem governa), ele concluias desigualdades (cumulativas ou no) em recursos de poder, a forma de tomada de decisesimportantes e o padro de liderana (se oligrquico ou pluralista). E concluiu que, no perodo de 1780 a1950, ocorreu uma transio gradativa, em New Haven, da oligarquia para o pluralismo.

    Outros estudos sobre educao e sade concluram que o poder no estava concentrado em gruposparticulares, como tericos elitistas haviam suposto. Pelo contrrio, devido ao fato de os recursos, quecontribuem para o poder, estarem dispersos na populao, o poder estava fragmentado entre diferentesatores. Embora apenas algumas pessoas tivessem influncia sobre questes-chave, a maioria tinhainfluncia indireta, atravs do poder do voto. Essa abordagem evidenciou a importncia de considerarcomo decises-chave so tomadas e como as preferncias, no s da elite, mas tambm dos outrosgrupos de atores, atuam no processo.

    DAHL afirma no haver encontrado evidncias da existncia de uma elite que seria beneficiada pordecises e orientaes das polticas pblicas. Diferentemente, MILLS afirmara, antes dele, que umaelite de poder composta de militares, corporaes e agncias de Estado governava os EUA, eHUNTER, examinado a distribuio do poder em Atlanta, relatara ter observado que o poder nestacidade se concentrava sob o controle de um certo nmero de indivduos-chave.

    A crtica de DAHL aos estudos elitistas concentra-se no fato de que os trabalhos que afirmam haverencontrado evidncias da existncia de beneficirios de polticas pblicas teriam examinado areputao de poder (posio ou status) de indivduos em sua comunidade ou organizao. SegundoDAHL, estas pesquisas no teriam se detido sobre as decises reais que teriam sido tomadas e se,nestas decises, as preferncias expressas por algum grupo de poder teriam sido de fato atendidas emlugar das de outros grupos. Estas seriam as bases da metodologia proposta por DAHL para o exameda influncia do poder nas decises.

    5.2 As duas faces do poder

    HAM e HILL afirmam que os trabalhos de DAHL, longe de resolverem as pendncias entre elitistas e

    pluralistas, teriam aberto uma nova perspectiva de estudos sobre o exerccio do poder quandoBACHRACH e BARATZ (1963), criticando as concluses de DAHL, afirmam que o exame do poder nopoderia ficar restrito a decises chave ou a um comportamento efetivo.

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    Estes autores formularam um complemento definio de DAHL sobre o poder afirmando que opoder tambm exercido quando um ator A utiliza suas foras para criar ou reforar valores sociais epolticos e prticas institucionais que venham a restringir o debate a questes que possam serpoliticamente incuas A.

    Esta definio d origem aos conceitos de mobilizao de opinio ou de conformao do processopoltico a questes seguras. Desta forma, os autores apontam para a existncia de duas faces do

    exerccio do poder:

    uma explcita, atuando no nvel dos conflitos abertos sobre decises chave e outra, no aberta, em que os grupos jogam para suprimir os conflitos e impedir suachegada ao processo de elaborao da poltica ( agenda de poltica).

    BACHRACH e BARATZ contriburam para o surgimento de uma nova fase do debate sobre a deciso eo poder, ao sustentar que pesquisar o poder no envolve simplesmente o exame de decises-chave,como propunha a metodologia de Dahl. Para eles, o poder tambm exercido, quando A utiliza suasenergias para criar ou reforar valores sociais e polticos e prticas institucionais que limitam o escopodos processos polticos considerao pblica somente das questes incuas para A.

    Citam, como exemplo, as questes sobre preconceito de cor, nas quais se vem claramente as duasfaces do poder: uma operando nos conflitos abertos sobre decises-chave, e a outra, buscandosuprimir conflitos e fazendo de tudo para o assunto no entrar no processo poltico, mediante o queBACHRACH e BARATZ denominam de no-tomada de deciso.

    A idia forte dos autores no campo metodolgico que a metodologia de DAHL para pesquisar o poder inadequada ou, pelo menos, parcial. Isto porque a teoria pluralista baseada numa concepo liberalque iguala os interesses das pessoas a preferncias por elas expressadas. Mas se os interesses daspessoas forem entendidos no como aquilo que elas afirmam ser, a natureza destes interesses podeser inferida atravs da observao da ao e da no-ao polticas

    Assim, uma anlise completa deve perceber tanto o que de fato acontece como aquilo que noacontece, e revelar os meios pelos quais a mobilizao de opinio atua para limitar o escopo do debate.

    BACHRACH e BARATZ definem a no-tomada de deciso como sendo a prtica de limitar o alcancereal da tomada de deciso a questes seguras, atravs da manipulao de valores dominantes nacomunidade, mitos, procedimentos e instituies polticas. A no-tomada de deciso existe quando osvalores dominantes, regras do jogo aceitas, as relaes de poder entre grupos e os instrumentos defora, separadamente ou combinados, efetivamente previnem que certas reclamaes transformem-seem assuntos maduros que exijam deciso, diferindo de assuntos que no se devem tornar objeto dedeciso (entrar na agenda de poltica).

    Nesta caracterizao, convm chamar a ateno ainda para que a conceituao apresentada pode serdistinguida de situaes como a deciso de no agir ou a deciso de no decidir. Nestes dois casos, ostemas ou assuntos focos de debate so explicitados. Isto , entram na agenda e so objeto de uma

    deciso de no agir. Na situao de no-tomada de deciso sequer se permite que as questes edemandas venham a se tornar temas para uma eventual deciso.

    Autores como EASTON (1965a), ao trabalhar com seu enfoque sistmico do processo poltico tambmapontam o fato de que existe um modo de regulao de demandas polticas que busca proteger epreservar a estabilidade de sistemas polticos, e adotando um ponto de vista bastante semelhante,discute a existncia de gate-keepers que ajudam a controlar o fluxo de assuntos para dentro da arenapoltica.

    BACHRACH e BARATZ vo mais alm ao enfatizar os meios pelos quais os interesses estabelecidosse protegem pela no-tomada de deciso. Assim, a regulao da demanda no uma atividade neutra,mas, sim, contrria ao interesse das pessoas e grupos que procuram uma realocao de valores.Segundo eles, ento, a forma como certos interesses presentes no processo poltico protegem-se dos

    que pretendem alterar o status quo so as estratgias de no-tomada de deciso.

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    O processo de regulao de demandas seria, portanto, uma forma de atuao polticafundamentalmente no neutra buscando, de fato, favorecer ou preservar interesses de pessoas ougrupos. Esta posio est inserida no interior de uma concepo para a ao poltica onde adistribuio de poder percebida como muito menos equilibrada do que acreditam DAHL e os autoresda vertente pluralista(6).

    CRENSON (1971) corrobora, atravs de um estudo de caso, as crticas de BACHRACH e BARATZ aos

    pluralistas e afirma que a ao observvel oferece um guia incompleto para pesquisar o exerccio dopoder. De fato, ao colocar que como uma das implicaes das suas anlises, que a distribuio depoder tende a ser menos equilibrada que a referida pelos pluralistas, a viso elitista nega no terrenometodolgico a afirmao de que as no-decises sero no-pesquisveis quando no se puderidentificar reclamaes encobertas e conflitos que no entram na agenda de poltica. Isto , senenhuma queixa ou conflito puder ser descoberta pode-se afirmar que a no-tomada de deciso podeno ter ocorrido.

    Assim, respondendo rplica dos pluralistas, que afirmavam que a no-tomada de decises seria nopesquisvel, BACHRACH e BARATZ apresentam a possibilidade de seu estudo atravs dolevantamento de demandas, reclamaes ou conflitos que no entraram na arena poltica: se nenhumaqueixa ou conflito puder ser descoberta, ento existiria uma situao de consenso poltico e umasituao de no-tomada de deciso no teria ocorrido.

    Diante das crticas de que sua metodologia e seus conceitos no seriam adequados para investigar (econtribuir para resolver) questes relativas a conflitos potenciais ou emergentes, e que assim eralegtimo considerar a no-tomada de deciso como um tipo de deciso, os partidrios da viso elitistaforam reformulando suas posies.

    WALSH argumentou que preciso examinar no apenas os conflitos abertos, mas o sistema dedominao: quem ganha em uma organizao no o faz somente atravs de batalhas. Na verdade,quem conquista vantagens, beneficia-se dos valores dominantes, que agem como padres ou critriospara a operao de uma organizao. Dessa forma, o poder exercido, ainda que conflitos abertospossam no ocorrer.

    nesse ponto que a chamada segunda dimenso do poder descoberta por BACHRACH e BARATZcomea a dar lugar a uma nova viso. Aquela que enfatiza que o poder pode ser usado para manipularos interesses e preferncias das pessoas e, assim, aumentar ainda mais o poder de quem o detm. isto que diferencia a posio de LUKES (1974), examinada a seguir, daquela assumida porBACHRACH e BARATZ.

    5.3 A terceira face do poder

    Segundo LUKES, o poder pode ser estudado em trs dimenses:

    1. a dos conflitos abertos entre atores sobre assuntos-chave, quando o exerccio do poderpode ser observado atravs da metodologia proposta pela concepo pluralista;

    2. a dos conflitos encobertos, quando ocorre a supresso das reclamaes impedindo quecheguem a ser includas na agenda de deciso, como em BACHRACH e BARATZ, com a no-tomada de deciso; e3. a dos conflitos latentes, quando o exerccio do poder se d conformando as prefernciada populao, de maneira a prevenir que nem conflitos abertos nem encobertos venham a semanifestar (conflitos latentes ou potenciais).

    LUKES chama a ateno para algo distinto ao conceito de no-tomada de deciso. Algo distinto dedecidir, no decidir ou decidir no agir porque os assuntos nem sequer se tornam matria de deciso(permanecem encobertos).

    Para esclarecer sua posio, LUKES formula uma nova definio de poder que por ele utilizada: A

    exerce poder sobre B na medida em que A influencia ou afeta B de um modo que contraria osinteresses de B.

    http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#6a%236ahttp://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm#6a%236a
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    Ele se refere, portanto, a uma situao em que o poder usado de forma abrangente, mas difusa esutil, para impedir que at mesmo conflitos encobertos e assuntos potenciais que poderiam vir a entrarna agenda de poltica se conformem.

    Uma situao em que se manifesta a terceira face do poder ocorre quando os valores dominantes, asregras do jogo, as relaes de poder entre grupos, efetivamente impedem que determinadosdesacordos possam vir a se transformar em disputas que demandem decises.

    Neste tipo de situao, a existncia de consenso no indica que o poder no esteja sendo exercido. Aspreferncias das pessoas (tal como entendidas pelos pluralistas) j seriam conformadas pelasociedade em que vivem (socializao pela educao, mdia etc.), dando lugar a uma situao em queestas poderiam ser significativamente diferentes de seus interesses reais. Estes, ento, s poderiamser por eles percebidos como tais, dando margem a conflitos abertos ou mesmo encobertos, emsituaes de elevada autonomia relativa dos atores sociais sobre os quais atua este processo demobilizao ou manipulao - de opinio.

    5.4 A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e deciso

    A discusso que se estabelece entre as duas vises pluralista e elitista - no plano metodolgico, setorna ainda mais complexa e interessante com a contribuio de LUKES quando ele afirma que o poderteria que ser estudado segundo aquelas trs dimenses. Isto explicita a existncia de mais um grau dedificuldade de anlise das situaes e processos concretos atravs dos quais polticas so formuladas.

    Visto que o interesse dos cidados apontado pela viso pluralista como o fundamento principal dasescolhas realizadas, a proposio de que os interesses manifestos, os que aparentemente (mas noefetivamente, segundo os elitistas) esto em jogo, podem ser apenas o resultado da manipulao deinteresses reais, coloca para aquela viso um problema metodolgico insolvel (impesquisvel).

    A pesquisa do poder teria ento que se valer de outros conceitos e relaes, seno alternativos,suplementares aos propostos pela viso pluralista. Um deles seria o de sistema de dominao: osistema de valores dominante que atua na sociedade e, em particular, no interior das organizaes, emfavor de certos grupos. Outros seriam os mecanismos ideolgicos de difuso do sistema de crenas e

    valores; os quais no devem ser entendidos como uma manipulao simples, evidente e nem mesmoconsciente. Eles conformam uma situao em que as elites no precisam lutar para exercer o poder.

    evidente que o exerccio do poder tende a beneficiar os grupos que o detm. O que esses conceitospretendem desnudar o fato de que mesmo as aes pontuais de um determinado grupo subordinadopoder podem no ser tentadas devido postura fatalista de que suas reclamaes nunca seroatendidas.

    oportuno lembrar, entretanto, que mudanas econmicas ou polticas numa determinada sociedadepodem tornar possvel a incluso na agenda de poltica de assuntos at ento no considerados porqueenvolvidos na penumbra que caracteriza a terceira face do poder. Mudanas que permitam umaumento do grau de autonomia relativa dos atores sociais subordinados em relao aos dominantes, ou

    mais precisamente, ao processo de mobilizao de opinio que estes instrumentalizam o que poder-se-ia referir como um ganho de conscincia poltica faria com que conflitos latentes pudessememergir.

    No decorrer do debate entre as duas vises, os pluralistas passam a admitir que necessrio examinaras relaes entre poder, interesses das pessoas e as preferncias por elas manifestas. Isto , relaxa-sea posio pluralista extrema, baseada na concepo liberal, que iguala os interesses das pessoas ssuas preferncias expressas , de que os interesses das pessoas so o que elas afirmam ser. E, destaforma, altera-se tambm a premissa metodolgica de que a natureza desses interesses no pode serinferida pela observao de situaes de no-tomada de deciso.

    Essa argumentao coloca dois problemas: o primeiro refere-se s situaes em que as pessoas agemou no, contrariamente aos seus interesses (quando as elites conseguem controlar suas opinies e

    preferncias); o segundo que o modo mais efetivo de dominao de um grupo de poder prevenir osurgimento e crescimento de conflitos.

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    Os mecanismos ideolgicos so caminhos atravs dos quais as pessoas interpretam o mundo,transmitem e perpetuam um sistema de valores e verdades. Esses mecanismos resultam na dominaode uns grupos por outros, cujos interesses estes grupos passam tambm a defender ou servir. Torna-se ainda mais complexa a situao quando se tem em conta que ideologias dominantes refletem aexperincia de vida de todas as classes e so consenso, porque refletem o modo de vida dasociedade, como um todo (SAUNDERS, 1980). Ademais, a manipulao consciente faz da ideologiauma fora poderosa, subjacente aderncia da comunidade a um conjunto de normas e metas

    aparentemente auto-impostas, auto-reguladas ou naturais.

    Mecanismos de seleo de assuntos, tpicos do capitalismo regulado pelo Estado, incluem tanto os detipo ideolgico e comportamental, como os de tipo repressivo (polcia, justia) e estruturais (limitesimpostos pelas demandas da acumulao capitalista que podem ser tratados pelo Estado).

    Do ponto de vista metodolgico, argumenta a viso elitista, que como o Estado capitalista, para melhorservir aos objetivos da acumulao, precisa aparentar neutralidade, ele deve adotar um padroconsistentemente viesado de filtragem de assuntos; o que torna realmente difcil pesquisar situaes deconflito encoberto ou latente.

    Como situaes em que existe cooptao, ou que envolvem a delegao de poder de deciso acomisses que nunca se renem, ou ainda que envolvem a conformao de interesses mediantemecanismos de controle ideolgico podem ser pesquisadas?

    interessante, embora possa ser considerada hipcrita, a reao pluralista ao conceito desenvolvidopor LUKES: a pesquisa dos interesses reais poderia ser feita atravs de avaliaes acerca de quemganha e quem perde em determinadas situaes. Mas, a pergunta de quem se beneficia?, apesar deinteressante, pouco tem a ver com a de quem governa?

    De acordo com essa formulao, examinar quem ganha e quem perde, em uma comunidade ousociedade particular, revela aqueles cujos interesses reais foram ou no contemplados. TantoSAUNDERS quanto BACHRACH e BARATZ concordam em que a questo central, nas pesquisassobre o poder, diz respeito a quem se beneficia. Segundo POLSBY (1980, p. 208), saber quem sebeneficia tema interessante e frutfero para a pesquisa, mas difere da questo relativa a quem

    governa. Para ele, mesmo demonstrando que um dado status quo beneficia algumas pessoas de formadesproporcional, isso no prova que tais beneficirios possam, no futuro, vir a agir efetivamente, paraimpedir mudanas; isto governar. Seria isso um lembrete til de que indivduos se podem beneficiar,de forma no-intencional, da elaborao de polticas.

    Quando o poder exercido como formador de opinio, torna-se mais complicado estud-lo. No entanto,este ngulo o que mais importa. Por isso, a despeito dos problemas de realizar a sua pesquisa, umgrande esforo vem sendo feito e alguns caminhos foram apontados, em particular o do empregosimultneo de teorias aparentemente conflitantes. Segundo BLOWERS (1984, p. 250-251) bvio queperspectivas diferentes iluminam aspectos diferentes do conflito do poder e cada uma delas incompleta. Essa observao pe em relevo a importncia da multidisciplinaridade einterdisciplinaridade nas pesquisas sobre o poder.

    As abordagens disciplinares tradicionais da cincia poltica revelam bastante fora analtica quando setrata da fase ativa do conflito e quando h evidncias para embasar a idia da existncia departicipao, de receptividade e do papel dos atores. A crtica neo-elitista , de certa forma,complementar. O estruturalismo com raiz na abordagem da economia, com sua nfase na natureza declasse dos interesses e das foras econmicas subjacentes e com sua negao da importncia da aoindividual na explicao da natureza dos resultados dos conflitos leva a anlise adiante. Ela podeauxiliar, mesmo sem os determinantes de interesses de classe ou foras econmicas, porquantobastaria o conceito de grupos de poder, que incluem elites profissionais e burocrticas. Ressalte-se,porm, que as estruturas no so fixas e imutveis: ao invs disso, elas se modificam pela ao ealgumas aes podem ser, de propsito, direcionadas tentativa de modificao das estruturas. Aordem reinante renegociada, incessantemente. Essa renegociao, decerto, no constitui umprocesso fcil, mas, ao abordar os determinantes da tomada de decises, ela no deve ser, emabsoluto, desconsiderada.

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    1.O quadro abaixo sistematiza a proposio de HAM e HILL que, reunindo a contribuio deBACHRACH e BARATZ e de outros autores, sugerem cinco formas que a no-tomada de deciso podeassumir e que deveriam ser tomadas como guia para a pesquisa:#

    guia para a pesquisa de situaes de no-tomada de deciso

    usar a fora de forma indireta ou velada para impedir que demandas cheguem ao

    processo poltico (no limite, o terrorismo); usar o poder para impedir o surgimento de questionamentos atravs da cooptao; invocar regras ou procedimentos existentes, criar novos ou modificar os existentes comoforma de bloquear reivindicaes (mandar fazer estudo detalhado, criar uma comisso) invocar a existncia de valores supremos para evitar ou desviar contestaes nodesejadas (referncia a valores como impatritico, imoral); dissuadir atores mais fracos de agir indicando sutilmente, por antecipao, as reaesque podero ocorrer.

    5.5 Um quadro sinptico

    A figura abaixo oferece um quadro sinptico do contedo apresentado acima.

    O ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISO(as trs faces do poder) (as trs faces do poder)

    tipos de conflito:

    Conflitos abertos(DAHL: viso

    pluralista)

    Conflitos encobertos(BACHRACH e BARATZ)

    Conflitos latentes(LUKES)

    concepes de poder:

    A tem poder sobre B,

    na medida em que Aleva B a fazer algoque de outra formano faria

    A cria ou refora valores e

    prticas institucionais querestringem o debate aquestes politicamenteincuas A

    A exerce poder sobre B

    quando influencia B deum modo que contrariaseus interesses

    pesquisa sobre situaes de:

    conflitos abertos edecises-chave

    no-tomada de deciso

    limitao do alcance datomada de decisoatravs da manipulaode valores

    6. Os modelos de tomada de deciso: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo

    Como indicado acima, a expresso elaborao de polticas d conta de trs processos ligados atravsde laos de realimentao, que denominamos de momentos, mas que so mais comumente (emboraequivocadamente, no nosso entender) referidos como fases ou etapas. Esses processos sousualmente separados, para fins de anlise, em formulao, implementao e avaliao de polticas.

    O debate acerca do grau de objetividade e racionalidade com que deve ser efetivado o primeiro destesprocessos o processo decisrio ou da formulao de polticas, ou ainda, o momento de definiopreliminar de objetivos e estratgias atravs da ao dos analistas, fazedores de poltica ou mesmodos dirigentes pblicos, um tema importante da Anlise de Polticas. A posio aparentementepredominante no debate entre a viso racional e a incremental aquela que atribui a esta ltima ummaior peso aos fatores de ordem poltica (politics) nas escolhas que so efetivamente realizadas no

    decorrer do processo decisrio. Podem ser encontradas na literatura diversas abordagens que buscamverificar os limites e relaes entre racionalidade, poder e deciso e desta forma fazer com que a

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    Anlise de Poltica possa de fato ser um suporte s decises e uma ferramenta para a melhoria doprocesso de elaborao de polticas.

    6.1 As origens do debate

    Ham e Hill utilizam um enfoque histrico que o aqui adotado para entender as origens deste debate.Para tanto, examina-se os autores mais representativos das duas vises, estudando, especialmente, as

    abordagens crticas de LINDBLOM (1965), SIMON (1945), DROR (1964), e ETZIONI (1967), sobre osmodelos racional-compreensivo, de racionalidade limitada, incremental e de anlise estratgica,buscando pontos em comum e relaes entre eles.

    Partindo das duas posies extremas, possvel mostrar como se pode ir gerando uma posturaeqidistante e ecltica. Reconhecendo que os dois modelos - incremental e racional - so lentesconceituais irreconciliveis enquanto tais, o objetivo chegar a uma viso adaptvel s diferentessituaes encontradas na realidade.

    As duas devem, de fato, ser interpretadas como modelos idealizados do processo de tomada dedeciso que se baseiam em posies no limite antagnicas acerca da estrutura de poder na sociedadecapitalista, da concepo do Estado e do papel da burocracia.

    Para entender mais claramente a questo, cabe lembrar a distino clssica entre:

    Modelo ideal: uma construo mental, um exerccio artificial de raciocnio que consiste,inicialmente, em selecionar aspectos de uma dada realidade (ou sistema), que atuaro comovariveis do modelo, e imputar relaes de causalidade entre estas. Ele uma caricatura que,mais do que explicar a realidade, permite contrast-la e explic-la como um desvio em relaoao modelo; Modelo descritivo: partindo do modelo ideal, e identificando os limites que condicionam oprocesso de deciso, pode-se chegar a modelos que descrevem satisfatoriamente a realidade; Modelo prescritivo: supe uma inteno acerca de como deve ser a realidade.

    Existe uma fundada associao entre o incrementalismo e a postura descritiva da anlise poltica, eentre o racionalismo e a postura normativa. No obstante uma preocupao recorrente dos autoresque pesquisam o tema formular um instrumento normativo que evite o irrealismo do racionalismo e aincompletude do incrementalismo.

    A viso incremental coloca que a ao de partidrios de posies distintas interessados eminfluenciar as decises no mbito do processo poltico, ao provocarem um ajuste mtuo e contnuoentre suas posies, asseguraria o ideal democrtico do pluralismo. Coloca, por outro lado, que oracionalismo, por no considerar os interesses polticos existentes na sociedade, conduziria engenharia social e ao autoritarismo.

    Simon, em O comportamento administrativo (1945), ao concentrar a nfase na busca por eficciaadministrativa no interior das organizaes para a anlise do processo de deciso avana na

    caracterizao das duas vises.

    Segundo ele, a viso racional envolve comparar (e escolher) as alternativas que melhor sirvam obteno de um dado resultado. Ela envolve:

    Listar todas as estratgias alternativas;

    1. determinar todas as conseqncias que decorrem de cada estratgia alternativa;2. avaliar comparativamente cada um dos conjuntos de conseqncias.

    Simon reconhece que seu enfoque possui limitaes. Isto porque, pergunta ele:

    1. que valores devem ser usados para guiar o processo de escolha? como identificar osvalores das organizaes?

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    2. as organizaes no so homogneas. Os valores a elas imputados terminam sendoaqueles dos indivduos dominantes;3. a tomada de deciso no se processa da forma lgica, abrangente e objetiva inerente aoprocedimento racional;4. como separar fatos e valores, e meios e fins no processo decisrio se os meios para tantotambm supem valores.

    Simon evolui, em 1957, para um conceito mais realista de bounded rationality: a alternativa escolhidano precisa ser a que maximiza os valores do tomador de deciso; s precisa ser boa o suficiente.Portanto, no todos os cursos alternativos de ao precisam ser ponderados.

    Lindblon (1959) parte da viso de racionalidade restrita de Simon para formular seu enfoque decomparaes limitadas sucessivas. Ao invs de partir de questes bsicas e construir a anlise debaixo para cima (mtodo da raiz), parte da situao existente buscando alter-la incrementalmente(mtodo dos galhos).

    Contrapondo-se a posies da abordagem racionalista, ele tem como preocupao central produziruma anlise ampla sobre as caractersticas do processo de tomada de decises. O processo decisrio percebido como algo bem mais complexo do que prope a abordagem racional, sem princpio ou fime com limites um tanto incertos. A democracia vista como determinando um processo contnuo detomada de decises relacionadas s polticas pblicas que sero definidas, formuladas eimplementadas e sobre problemas ou demandas sociais e polticas que sero ou no includas naagenda de decises governamentais. Nesta configurao, o governo e a poltica so tambm vistospelo autor como processos contnuos de deciso.

    Ele aponta para o fato de que a preocupao da cincia poltica em produzir estudos sobre o processodecisrio, ento incipiente, havia-se iniciado devido a necessidade de uma maior racionalidade,controle e criao de possibilidades para a avaliao dos resultados obtidos na atividade pblica (degoverno). A preocupao com a racionalidade , por isto, muito influente nos estudos sobre Anlise dePolticas desde a sua origem.

    Segundo ele, a reflexo sobre o tema da racionalidade exige a resposta s seguintes perguntas:

    as decises dos dirigentes pblicos so, em alguma medida, sustentadas por umcomportamento de carter racional? os analistas podem oferecer formas de trabalho cientfico que venham a garantir algumapoio contra a incerteza que caracteriza os processos de deciso em mbito governamental?

    Respondendo a estas perguntas, Lindblon afirma que, nos sistemas polticos, as pessoas buscamapropriar-se de informaes, estudos e resultados de investigaes ou anlises cientficas parafortalecer suas prprias posies, ou de seus grupos de interesse, e justificar suas decises. Este seriao principal obstculo ao uso das ferramentas de Anlise de Polticas ou mtodos de trabalho de baseracional no processo de elaborao de polticas. Este seria tambm o ponto desde onde se instauramos conflitos entre a anlise e a poltica. Ainda que os estudos especializados, baseados eminformaes bem fundamentadas, sejam aceitos como componentes importantes nos processosdecisrios, sua influncia limitada. Na viso do autor estes limites seriam:

    a prpria Anlise de Poltica, e as pessoas que a realizam, podem cometer erros; os processos de investigao baseada na cincia ou em mtodos racionais so muitomais lentos e custosos do que o permitem os prazos e capacidade de financiamento na esferapblica; a anlise por si s no capaz de avaliar a importncia social e poltica e selecionar osproblemas que necessitam ser enfrentados prioritariamente, isto , no se pode decidir osconflitos a respeito de valores e interesses apenas com estudos ou investigaes que seapresentam como racionais, cientficos ou metodologicamente corretos.

    Outro autor que contribuiu significativamente ao tema FORESTER (1989). A partir dos estudos de

    LINDBLOM e MARCH (1978 e 1982), ele apresenta uma sistematizao que explicita as diferenasentre a posio racional-compreensiva e a vertente analtica que percebe limites racionalidade no

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    processo decisrio. baseando-se na sua importante contribuio, que se organizou o quadroapresentado a seguir:

    Uma sntese da discusso sobre a racionalidade

    Na posio racional-compreensiva os analistastrabalhariam com:

    Na viso baseada em uma racionalidade limitada:

    1. problemas bem definidos os problemas so ambguos e pouco determinados

    2. uma lista completa de alternativas para suaconsiderao

    a informao para identificao de alternativas precria e muitas alternativas so desconhecidas

    3. uma base completa de informao sobrecontexto e ambiente

    a informao sobre o contexto ou ambiente problemtica incompleta

    4. viso adequada sobre os impactos de cadaalternativa

    os impactos das possveis alternativas levantadas desconhecido

    5. informao completa sobre os valores einteresses dos cidados e grupos de interesse

    os interesses, valores e preferncias no so bemestabelecidos

    6. competncias, recursos e tempo suficientes o tempo, as competncias e os recursos solimitados

    A posio de Forrester que, dado a conscincia dos limites da utilizao de mtodos inteiramenteracionais para a tomada de deciso, o que se acaba fazendo em termos prticos adotar esquemassimplificados para a busca de compreenso sobre cada situao. Em situaes em que prevalecem osjuzos e preconceitos estabelecidos, as tradies e prticas anteriores, e quando nem todas asalternativas para cursos de ao so examinadas, sendo escolhida a primeira que se apresenta comosatisfatria e no a que seria tima so a regra e no a exceo.

    A opo por adotar uma postura racional-comprensiva na formulao de polticas pode