resenha de desastrada maquinaria do desejo
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CortzareseuInseparvelCaleidoscpio
DesastradaMaquinariadoDesejo:aProsadoObservatriodeJlioCortazar
DeMnicaGenelhuFagundes,EditoraPortodeIdeias,2009.
PorManuelaNiquetGonalvesDRE:106018468
Mnica Genelhu Fagundes foi doutorada em Literatura Comparada pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro apenas em 2008. H pelo menos oito anos, no
entanto, dedicase ao estudo da produo literria de Jlio Cortzar. O principal fruto
dessa pesquisa Desastrosa Maquinaria de Desejo, tese de doutorado transformada em
livro pela editora Porto de Ideias, na qual analisa uma das obras mais complexas do
escritorargentino:ProsadoObservatrio.
Para compreendermos a tese proposta pela autora, basta um olhar atento ao ttulo
que a nomeia. Nele foi brilhantemente sintetizado e escancaradamente camuflado a
teoria que perpassa todo o texto que o segue. Desastrosa Maquinaria do Desejo. Para
Fagundes, o poema em prosa de Jlio Cortzar mquina porque foi elaborado com a
inteno de produzir novos elementos e de transformar a realidade. Mquina do desejo,
porque busca a semelhana, o contato e a unio do que se encontra separado. Mquina
desastrosa, por fim, porque tem conscincia de que suas tentativas resultaro
inevitavelmenteemfracassosedequeseudestinohdesersempreaeternabusca.
Mas de que tipo de mquina se trataria? A aparelhagem de Cortzar, assim como
os observatrios astronmicos de Sawai Jai Singh por ele fotografados na ndia, seria
especializada na arte do olhar. Seus olhos no se focariam, no entanto, em estrelas e
planetas fora do alcance dos sentidos humanos, nem mesmo em fenmenos
astronmicos e astrolgicos que ainda hoje tentamos explicar. Humilde, voltaria suas
atenes para o mundo real, telrico e por vezes ordinrio que a cerca. Mundo este
formado por enguias e ictilogos, sem se esquecer, claro, dos governantes e seus
sonhadosobservatrios.
Essa estranha maquinaria seria, enfim, como afirma a autora em metfora
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precisa, um caleidoscpio que recolhe elementos da realidade, reordenaos e uneos para
que formem novas imagens capazes de se apresentar com maior legitimidade ao falarem
dos homens e de sua relao com o mundo. Um processo, convm ressaltar, que no
estaria direcionado apenas ao outro, mas tambm a si mesmo, numa atitude reflexiva.
Desse modo, seria capaz de questionar no apenas a sociedade, mas tambm o prprio
ato de observar, gesto humano e mundano, passivo, portanto, de ser estudado,
questionadoelegitimado.
a partir desse princpio terico, por conseguinte, que Mnica Fagundes analisa
o texto e as fotografias contidas em Prosa do Observatrio. No se restringe, no
entanto, anlise dos mesmos, viajando por toda a obra de Jlio Cortzar e fazendo
constantes referncias arte moderna. Assim, oscilando ora entre as fotografias tiradas
dos observatrios indianos e um grande repertrio artstico que inclui Escher, Duchamps
e Tpies, ora entre Prosa do Observatrio e outros momentos da literatura de Cortzar,
aautorafazumaanliseabrangentedodiscursocortaziano.
Mnica Fagundes faz questo, tambm, de localizar Cortzar, nascido em
Bruxelas em 26 de agosto de 1914 e morto em Paris em 12 de fevereiro de 1984, e
Prosa de Observatrio, publicada em 1972, em relao a movimentos representativos
da arte moderna, fazendo paralelos com o Surrealismo, o Cubismo e o Dadasmo.
Nessas analogias, so ressaltados, respectivamente, o j famoso fantstico cortaziano, a
mencionada fragmentao da realidade e, por fim, a viso da arte como forma de
violncia e de choque. Destacandose sempre, porm, as suas respectivas diferenas, de
modoanosedeixarlevarporvnculossuperficiais.
O texto no se restringe, no entanto, apenas aos aspectos estticos presentes em
Prosa do Observatrio. Pelo contrrio, um dos trs captulos de Desastrosa Maquinaria
do Desejo dedicado aos pontos de contato da obra por ela estudada com a sociedade
em que est inserida. Em A gesta da Imagem, portanto, esmiuado o projeto poltico
de Cortzar e explicitada a densidade crtica das imagens formadas pelo caleidoscpio
cortaziano. Demonstrase, desse modo, a conscincia social no apenas de Cortzar,
mastambmdaprpriaterica.
Todo esse caminho percorrido, no podemos deixar de mencionar, fazendo uso
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de uma linguagem que muitas vezes, na maioria delas, para sermos mais exatos, recorre
ao potico. A autora chega mesmo a oferecer um acrscimo, de questionvel utilidade,
obra do escritor argentino. Buscase, desse modo, uma maior interao entre a obra
estudada e a obra produzida. No entanto, apesar de ser manifesto certo talento potico
de Fagundes e de ser vlida a sua iniciativa enquanto formulao terica, desta busca,
certamente,queprovmospontosfracosdolivro.
Uma caracterstica de Desastrosa Maquinaria do Desejo que salta aos olhos e
merece crtica sua excessiva redundncia. Certas afirmaes e conceitos so
mencionados repetidamente, em um exerccio de sinonmia que cansa mesmo o leitor
mais dedicado. Se por vezes se trata indiscutivelmente de uma mudana de ponto de
vista, outras simplesmente so cultivos poticos formais, que nada acrescentam ao que
j havia sido dito anteriormente. Certos extratos da tese, pelo contrrio, mesmo com
tantas reformulaes, acabam padecendo de grande hermetismo, dificultando sua
compreensoedesconcentrandoseuleitor.
Tudo isso, contudo, no desvalida a bela obra de Mnica Genelhu Fagundes que
se torna mais uma pea a nos ajudar na compreenso da extensa obra do escritor
argentino Jlio Cortzar e, consequentemente, na compreenso do homem e da nossa
sociedade. Pea essa que talvez um dia merea, quem sabe, uma tese que nos elucide
algumasdesuaspassagensmaisobscuras.
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