preliminares sobre os conselhos e a organização conselhista
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Preliminares sobre os
conselhos e a organização
conselhista
René Riesel
Publicado no # 12 de Internationale Situationniste, setembro 1969, tradução para o
espanhol de Juan Fonseca publicada em DEBATE LIBERTARIO 2 - Serie Acción
directa - Campo Abierto Ediciiones Primera edición: mayo 1977. Traduzido do
espanhol.
"O governo operário e camponês decretou que Kronstadt e os navios
rebeldes devem submeter-se imediatamente à autoridade da República
Soviética..
Portanto, ordeno a todos que levantaram a mão contra a pátria socialista
que deponham as armas de imediato. Os desobedientes serão desarmados,
detidos e entregues às altas autoridades soviéticas. Os comissários e outros
representantes do governo que se encontram detidos, devem ser libertados
já. Só quem se render incondicionalmente poderá contar com a misericórdia
da República Soviética. Ao mesmo tempo, ordenamos que seja preparada a
repressão e a submissão dos amotinados pelas armas. Toda
responsabilidade pelos prejuízos que possa sofrer a população pacífica
recairá sobre os amotinados contra-revolucionários.
Esta advertência é a definitiva."
Trotski, Kamenev. "Ultimatum a Kronstadt", 5 março 1921
"A única coisa que temos a dizer é: TODO O PODER AOS SOVIETS!
Tirai vossas mãos deste poder, vossas mãos tingidas com o sangue dos
mártires da liberdade que lutaram contra os guardas brancos, latifundiários
e a burguesia. "
lzvestia de Kronstadt nº6, 7 março 1921
* * *
Há 50 anos, os leninistas reduziram o comunismo à eletrificação, a contra-
revolução bolchevique construiu o estado soviético sobre o cadáver do poder
dos sovietes, a palavra Soviete deixou de traduzir-se por Conselho. Nesse
período, as revoluções ocorridas sempre lançaram na cara dos senhores do
Kremlin a reivindicação de Kronstadt: "Todo o poder aos sovietes, não aos
partidos!" A tendência real do movimento proletário para o poder dos
Conselhos Operários, no decorrer de meio século de tentativas e fracassos
sucessivos, indica para a nova corrente revolucionária que os Conselhos são a
única forma de ditadura anti-estatal do proletariado e o único tribunal que
poderá pronunciar o juízo contra o velho mundo, ao mesmo tempo que
executará a sentença.
[Como nos é necessário precisar a noção de Conselho, descartaremos as
grosseiras falsificações acumuladas pela social-democracia, a burocracia
russa, o titismo e inclusive o benbelismo, mas sobretudo reconheceremos as
insuficiências das breves experiências práticas que até agora se esboçaram do
poder dos Conselhos e os erros das concepções dos revolucionários
conselhistas. (...)] Aquilo para o qual o Conselho tende a ser em sua
totalidade, aparece delineado negativamente pelos limites e as ilusões que
marcaram suas primeiras manifestações e pela luta imediata e sem
compromisso que as classes dominantes empreenderam contra ele, ambos os
fatores causaram sua derrota. O Conselho pretende ser a forma de unificação
prática dos proletários, que se apropriam dos meios materiais e intelectuais
para transformar as condições existentes e realizam soberanamente sua
história. O conselho pode e deve ser a organização em ato da consciência
histórica. Porém nunca em nenhum lugar o poder dos Conselhos chegou a
transpor a separação que congenitamente comportam as organizações políticas
especializadas e as formas de falsa consciência ideológica que estas
produzem. Além do mais, se os Conselhos, como sujeitos principais de um
momento revolucionário, são normalmente Conselhos de Delegados que
coordenam e federam as decisões dos conselhos locais, se pode constatar que
as assembléias gerais de base quase sempre tem sido consideradas como
meras assembléias de eleitores de maneira que o primeiro grau de "um
Conselho" se situaria mais num nível superior que nas assembléias gerais
locais de todos os proletários revolucionários, o próprio Conselho, de onde
qualquer tipo de delegação deve obter em qualquer instante seu poder
(mandato).
* * *
Deixando de lado os traços pré-conselhistas que entusiasmaram Marx na
Comuna de Paris ("a forma política enfim descoberta sob a qual pode se
realizar a libertação econômica do trabalho") e que melhor do que na Comuna
eleita se manifesta na organização do Comitê Central da Guarda Nacional,
composto por delegados do proletariado parisiense, o primeiro esboço de uma
organização própria do proletariado em um momento revolucionário, foi o
famoso "Conselho de Deputados Operários" de São Petesburgo. Segundo as
cifras dadas por Trotski em 1905, uns 200.000 operários enviaram seus
delegados ao Soviet de São Petesburgo, mas sua influência se estendia muito
mais além de sua zona, pois muitos outros Conselhos da Rússia se inspiraram
em suas deliberações e decisões; agrupava diretamente aos trabalhadores de
mais de 150 empresas e além disso acolhia os representantes de 16 sindicatos
que se uniram ao Conselho. Seu primeiro núcleo se formou em 13 de outubro,
mas já no dia 17 instituía por cima dele um Comitê Executivo que, disse
Trotski, "lhe servia de ministério". Sobre um total de 562 delegados, o Comitê
Executivo formavam 31 membros dos quais 22 eram realmente trabalhadores
delegados pelo conjunto dos trabalhadores e 9 representavam os três partidos
revolucionários (mencheviques, bolcheviques e social-revolucionários); no
entanto os "representantes dos partidos não tinham voto nas deliberações".
Podemos admitir, pois, que as assembléias de base estavam representadas
fielmente pelos seus delegados revogáveis, mas evidentemente eles haviam
abdicado de grande parte de seu poder e de maneira totalmente
parlamentarista a favor de um Comitê Executivo em que os "técnicos" dos
partidos políticos tinham uma influência imensa.
Qual foi a origem deste Soviet? Parece que esta forma de organização foi
encontrada por alguns elementos politicamente instruídos da base operária e
que pertenciam a alguma fração socialista. Parece excessiva a afirmação de
Trotski ao dizer que "uma das organizações social-democratas de Petesburgo
tomou a iniciativa da criação de um administração autônoma revolucionária
operária". (Além do mais, destas "duas organizações", quem em seguida
reconhecem a importância desta iniciativa foram os mencheviques).
Entretanto, a greve de outubro de 1905 se erigiu de fato em Moscou em 19 de
setembro, quando os tipógrafos da empresa Sytin se puseram em greve,
fundamentalmente porque queriam que os sinais de pontuação estivessem
entre os 1000 caracteres que constituíam a unidade de pagamento de seu
trabalho. Cinqüenta empresas lhes seguiram e em 25 de setembro as gráficas
de Moscou constituíram um conselho. Em 3 de outubro, "a assembléia de
deputados operários das corporações de artes gráficas, de mecânica,
carpintaria, de tabaco e outras, adotou a resolução de constituir um conselho
(Soviet) geral de Moscou" (Trotski, op. cit.). Vemos, pois, que esta forma
aparece espontaneamente no princípio do movimento de greve. E este
movimento que começou a esfriar nos dias seguintes se vivificou de novo até
alcançar a grande crise histórica de 7 de outubro, quando os trabalhadores
ferroviários, a partir de Moscou espontaneamente começaram a interromper o
tráfego de trens.
* * *
O movimento de conselhos de Turim, de março-abril de 1920, foi iniciado
pelos proletários da Fiat que constituíam um núcleo muito concentrado. Entre
agosto e setembro de 1919, ocorreu a renovação dos eleitos em uma
"comissão interna" – uma espécie de comitê de empresa colaboracionista
fundado por um convênio coletivo de 1906 com o objetivo de integrar melhor
os operários –, o que ocasionou uma transformação completa do papel desses
"comissários" na situação de crise social que então assolava a Itália. Assim,
começaram a se federarem entre eles como representantes diretos dos
trabalhadores. Em outubro de 1019, trinta mil trabalhadores estavam
representados em uma assembléia de "comitês executivos dos Conselhos de
fábrica", que mais parecia uma reunião de contra-mestres que a uma
organização de conselhos dita (sobre a base de um comissário eleito por cada
oficina). Mas o exemplo foi seguido, se estendeu e o movimento se
radicalizou, sustentado por uma fração do Partido Socialista, que era
majoritária em Turim (com Gramsci) e pelos anarquistas piemonteses (Cf. o
folheto de Pier Carlo Masini, Anarchici e comuniste nel movimento dei
Consigli a Torino). O movimento foi combatido pela maioria do Partido
Socialista e pelos sindicatos. Em 15 de março de 1920, os Conselhos
iniciaram a greve com ocupação de fábricas e colocaram em marcha a
produção sob seu absoluto controle. Em 14 de abril, a greve já era geral no
Piemonte. Nos dias seguintes, alcançou grande parte do norte da Itália,
sobretudo entre os ferroviários e os estivadores. O governo recorreu a navios
de guerra para desembarcar em Gênova as tropas que marcharam sobre Turim.
Se o programa dos Conselhos foi aprovado mais tarde pela União Anarquista
Italiana, reunida em Bolonha, em 1 de julho, não ocorreu o mesmo por parte
do Partido Socialista e sindicatos, que conseguiram sabotar a greve mantendo-
a no isolamento. O diário do Partido, Avanti, não publicou a convocatória da
seção socialista de Turim, enquanto que a cidade era tomada por 20.000
soldados e policiais (cf. P.C. Masini). A greve, que teria possibilitado uma
vitoriosa insurreição proletária em todo o país, foi esmagada em 24 de abril.
Sabemos o que ocorreu depois.
Reconhecendo o caráter avançado dessa experiência pouco citada (muitos
esquerdistas crêem que as ocupações de fábrica começaram na França em
1936), devemos assinalar as ambigüidades de seus defensores e teóricos. Por
exemplo, Gramsci, no nº4 de Ordine Nuovo (2º ano), escrevia: “Nós
concebemos o Conselho de fábrica como o princípio histórico que deve
conduzir necessariamente à fundação de um Estado Operário". Por seu lado,
os anarquistas conselhistas estimavam ainda o sindicalismo e pretendiam que
os Conselhos lhe dessem um novo impulso.
Contudo, o manifesto lançado pelos conselhistas de Turim, em 27 de março de
1920, "aos operários e camponeses da Itália" por um Congresso Geral dos
Conselhos (que não aconteceu), formula alguns pontos essenciais do programa
dos Conselhos: "A luta de conquista se faz com armas de conquista e não de
defesa" (refere-se aos sindicatos, organismos de resistência... cristalizados em
uma forma burocrática - Nota da I.S.). Devemos desenvolver uma organização
nova como antagonista direta dos órgãos de governo dos patrões; por isso
deve surgir espontaneamente no lugar de trabalho e reunir todos os
trabalhadores porque todos, como produtores, estamos submetidos a uma
autoridade que nos é estranha e devemos nos libertar dela (...) Eis aqui a
origem da liberdade: a origem de uma formação social que, estendendo-se
rápida e universalmente, nos porá em vias de eliminar do terreno econômico o
explorador e o intermediário, e nos tornarmos donos de nossas máquinas, de
nosso trabalho, de nossa vida...
* * *
Os Conselhos de operários e de soldados na Alemanha de 1918-1919, que
estavam dominados pela burocracia social-democrata e eram alvo de suas
manobras, toleravam o governo "socialista" de Ebert, que se apoiava no
estado maior do exército alemão e nos corpos francos (militares
desmobilizados). Os "7 pontos de Hamburgo" (sobre a liquidação imediata do
antigo exército), apresentados por Dorrenbach e aprovados no Congresso dos
Conselhos de Soldados, iniciado em 16 de dezembro em Berlim, nunca foram
aplicados pelos "comissários do povo". Os Conselhos eram um obstáculo para
a revolução, assim como as eleições legislativas marcadas para 19 de janeiro.
Finalmente, ocorreu o ataque contra os marinheiros de e o esmagamento da
insurreição espartaquista na mesma véspera das eleições.
* * *
Em 1956, o Conselho Operário Central da Grande Budapeste, formado em 14
de novembro, se declarava disposto a defender o socialismo e, ao mesmo
tempo que exigia "a retirada de todos os partidos políticos das fábricas", se
pronunciava pela volta de Nagy ao poder e pela fixação de eleições livres num
prazo dado. A greve geral se mantinha, enquanto as tropas russas esmagavam
a resistência armada. Mas, mesmo antes da segunda intervenção do exército
russo, os Conselhos húngaros pediam eleições parlamentares; isto é,
buscavam chegar a uma situação de duplo poder, quando eram o único poder
real na Hungria frente aos russos.
* * *
A consciência do que o poder dos Conselhos é e deve ser nasce da prática
desse poder. Mas em uma fase que esse poder seja parcial, a consciência pode
ser muito diferente do que pensa tal ou qual trabalhador membro de um
conselho ou inclusive a totalidade de um Conselho: a ideologia se opõe à
verdade em atos que encontra seu terreno no sistema dos Conselhos. Esta
ideologia se manifesta não somente sob forma de ideologias hostis ou sob
forma de ideologias sobre os Conselhos edificados por forças políticas que
querem submetê-los, senão também sob a forma de uma ideologia favorável
ao poder dos conselhos que restringe e dosifica a teoria e a praxis total. Por
último, um puro conselhismo seria também por si mesmo inimigo da realidade
dos Conselhos. Tal ideologia, sob formulações mais ou menos conseqüentes,
comporta o risco de ser veiculada por organizações revolucionárias que, em
princípio estão orientadas para o poder dos Conselhos. Este poder, que é em si
mesmo a organização da sociedade revolucionária e cuja coerência está
objetivamente definida pelas necessidades dessa tarefa histórica tomada como
conjunto, não pode, em nenhum caso, deixar de lado o problema prático das
organizações particulares, inimigas do Conselho ou mais ou menos
veridicamente pré-conselhistas que de todas as formas intervirão em seu
funcionamento. É necessário que as massas organizadas em Conselhos
conheçam e resolvam este problema. Aqui, a teoria conselhista e a existência
de autênticas organizações conselhistas, adquire singular importância porque
neles aparecem já alguns elementos essenciais que estarão em jogo nos
Conselhos e em sua própria interação com os Conselhos.
Toda a história revolucionária mostra que a aparição de uma ideologia joga
um papel não desprezível no fracasso dos Conselhos. A facilidade com a qual
a organização espontânea do proletariado em luta assegurou suas primeiras
vitórias freqüentemente anunciou uma segunda fase em que a reconquista se
operou desde dentro, em que o movimento prescindiu de sua realidade pela
sobra de seu fracasso. O conselhismo é, neste sentido, a nova juventude do
novo mundo.
* * *
Social-democratas e bolcheviques têm em comum a vontade de não querer ver
nos Conselhos mais que um organismo do Partido e do Estado. Em 1902,
Kautsky, inquieto pelo descrédito que alcançava aos sindicatos, no ânimo dos
trabalhadores, propunha que em certos ramos da indústria, os trabalhadores
elegessem "delegados que formariam uma espécie de parlamento que tivesse
como missão regulamentar o trabalho e vigiar a administração burocrática" (A
Revolução Social). A idéia de uma representação operária hierarquizada que
culminaria em um parlamento seria aplicada com muito mais convicção por
Ebert, Noske e Scheidemann. A maneira como esse gênero de conselhismo
trata os Conselhos foi magistralmente demonstrada, para todos os que têm
merda no lugar do cérebro, desde 9 de novembro de 1918, quando para
combater em seu próprio terreno a organização dos Conselhos, os social-
democratas fundaram nas oficinas do Vorwaerts um "Conselho de Operários e
Soldados de Berlim" que contava, como homens de confiança das fábricas,
funcionários e líderes social-democratas.
O conselhismo bolchevique não tinha nem a ingenuidade de Kautsky nem o
descaramento de Ebert. Saltou da base mais radical "Todo o poder aos
Soviets", para cair de patas no outro lado de Kronstad. Em As tarefas
Imediatas do Poder dos Sovietes (abril de 1918), Lenin adiciona enzimas ao
detergente Kautsky: "Os parlamentos burgueses, inclusive os das melhores, do
ponto de vista democrático, repúblicas capitalistas do mundo, não são
considerados pelos pobres como algo seu e para eles (...). Precisamente, o
contato dos sovietes com os trabalhadores é que cria formas particulares de
controle por baixo – eleição de deputados, etc., – formas que devemos agora
nos empenhamos em desenvolver com zelo particular. Por isso, os conselhos
de instrução pública que são as conferências periódicas dos eleitores
soviéticos e seus delegados, reunidos para discutir e controlar a atividade das
autoridades soviéticas neste campo, merecem toda a nossa simpatia e nosso
apoio. Nada seria tão estúpido como transformar os soviets em algo fixo de
antemão, em um objetivo em si. Quanto mais resolutamente nos
pronunciemos por um poder forte e implacável, pela ditadura pessoal em tal
processo de trabalho, em tal momento do exercício de funções puramente
executivas, mais variados serão os meios de controle por baixo com o objetivo
de paralisar toda possibilidade de deformação do poder dos Sovietes, a fim de
extirpar, agora e sempre, a embriaguês burocrática". para Lenin, pois, os
Conselhos devem atuar como grupos de pressão que corrijam a inevitável
burocracia do Estado em suas funções políticas e econômicas, assegurados
respectivamente pelo Partido e os Sindicatos. Os Conselhos seriam, no
máximo, a parte social, que, como a alma de Descartes, é preciso que resida
em alguma parte.
Gramsci tentou melhorar Lênin com um banho de formalidades democráticas:
"Os comissários de fábricas são os únicos e verdadeiros representantes sociais
(econômicos e políticos) da classe operária, porque são eleitos pelo sufrágio
universal de todos os trabalhadores, no próprio lugar de trabalho. Nos
diferentes graus de sua hierarquia, os comissários representam a união de
todos os trabalhadores, tal como esta se realiza nos organismos de produção
(equipe de trabalho, departamento de fábrica, união de fábricas de uma
indústria, união de organismos da indústria mecânica e agrícola de uma
província, de uma região, de uma nação, do mundo), sendo os Conselhos e o
sistema dos Conselhos o poder e a direção social" (artigo de Ordine Nuovo).
Se os conselhos ficam reduzidos ao estado de fragmentos econômico-sociais
que preparam uma "futura república soviética", não cabe dúvida de que o
Partido, esse "príncipe moderno", aparece como o indispensável aparato
político, como o deus mecânico preexistente e desejoso de assegurar sua
existência futura: "O partido comunista é o instrumento e a forma histórica de
libertação graças ao qual os operários, de executantes se transformam em
dirigentes, de massas se transformam em chefes e guias, de braços se
transformam em cérebros e vontades" (Ordine Nuovo, 1919). O tom muda,
mas a ladainha é a mesma: Conselhos, Partido, Estado. Tratar os Conselhos de
maneira fragmentária (poder econômico, poder social, poder político), como
fazem os cretinos conselhistas do grupo Revolution Internationale de
Toulouse, é crer que se apertas o cu, te enrabam menos.
* * *
O austro-marxismo, desde 1918, na linha de lenta evolução que preconiza,
também constrói uma ideologia própria. Max Adler, por exemplo, em seu
livro Democracia e Conselhos Operários, vê acertadamente o Conselho como
instrumento de auto-educação dos trabalhadores, o possível fim da separação
entre executantes e dirigentes, a constituição de um povo homogêneo que
poderá realizar a democracia socialista. Mas reconhece também que o simples
fato de que os trabalhadores detém um poder não é suficiente para garantir-
lhes um objetivo revolucionário coerente: para isto será preciso que os
trabalhadores membros dos Conselhos queiram realizar o socialismo. Como
Adler é um teórico do duplo poder legalizado, isto é, de um absurdo que
forçosamente será incapaz de manter-se aproximando-se gradualmente à
consciência revolucionária e preparando prudentemente um revolução para
mais tarde, se encontra privado do único elemento verdadeiramente
fundamental de auto-educação do proletariado: a própria revolução. Para
substituir o insubstituível terreno de homogeneização proletária, a única forma
de seleção constituída pela formação dos Conselhos, das idéias e dos modos
de atividade coerente nos conselhos, não ocorre a Adler mais que a aberração:
"Para ter direito de voto na eleição dos Conselhos operários bastará pertencer
a uma organização socialista" .
À margem da ideologia sobre os Conselhos, de social-democratas e
bolcheviques, que desde Berlim a Kronstadt tiveram sempre um Trotski ou
um Noske de plantão, podemos afirmar que a ideologia conselhista - ou seja, a
das organizações conselhistas do passado e de algumas do presente - sempre
tem alguma assembléia e alguns mandatos imperativos de menos. Com
exceção das coletividades agrárias Aragão, todos os Conselhos que existiram
até hoje foram "conselhos democraticamente eleitos" somente no mundo das
idéias, ainda quando os momentos máximos de sua prática desmentiam esta
limitação e todas as decisões eram tomadas por Assembléias Gerais soberanas
que dava, seu mandato a delegados revogáveis.
Unicamente a prática histórica, na qual a classe operária encontrará e realizará
todas as suas possibilidades, indicará as formas organizativas concretas do
poder dos Conselhos. No entanto, corresponde aos revolucionários a tarefa de
estabelecer os princípios fundamentais das organizações conselhistas que
nascerão em todos os países. Formulando hipóteses e recordando as
exigências fundamentais do movimento revolucionário, este artigo que deverá
ser seguido por alguns mais, quer abrir um debate igualitário e real. Só
excluiremos aqueles que evitem esta questão destes termos, a saber: aqueles
que declaram-se hoje inimigos de toda forma de organização em nome de um
espontaneísmo subanarquista não fazem mais que produzir as taras e o
confusionismo do antigo movimento; místicos da não-organização, operários
desanimados ao ter-se misturado durante demasiado tempo com as seitas
trotskistas ou estudantes prisioneiros de sua pobre condição, que são
incapazes de escapar dos sistemas organizativos bolcheviques. Os
situacionistas evidentemente são partidários da organização e a existência da
organização situacionista o atesta. Os que anunciam seu acordo com nossas
teses pondo um vago espontaneismo em nosso fazer simplesmente não sabem
ler.
Precisamente por não ser tudo e por não permitir salvar ou ganhar tudo, a
organização é indispensável. Ao contrário do que dizia o carniceiro Noske
(em Von Kiel bis Kapp) a propósito da jornada de 6 de janeiro de 1919, as
massas não foram se apossaram de Berlim nesse dia, ao meio-dia, não porque
tiveram "bons oradores" no lugar de "chefes decididos", mas porque a forma
de organização autônoma dos Conselhos de fábrica não alcançara um grau
suficiente de autonomia para atuar sem "chefes decididos" e sem organização
separada que assegurasse a união. O exemplo de Barcelona, em maio de 1937,
é outra prova do que dizemos: o fato de que as armas surgiram imediatamente,
em resposta à provocação stalinista, mas também que a ordem de rendição
lançada pelos ministros anarquistas foi tão rapidamente obedecida, fala alto e
claro, tanto sobre as imensas capacidades de autonomia das massas catalãs
como da autonomia que ainda lhes faltava para vencer. Amanhã mesmo, será
o grau de autonomia operária o que decidirá nossa sorte.
* * *
As organizações conselhistas que se formarem posteriormente não deixarão de
reconhecer e de retomar como ponto de partida a Definição Mínima das
Organizações Revolucionárias, adotada pela Sétima Conferência da
Internacional Situacionista. Sendo tarefa de tais organizações a preparação do
poder dos conselhos, que é incompatível com qualquer outra forma de poder,
deverão saber que um acordo abstrato dado a esta definição as condena sem
remédio a não ser nada. Por isso seu acordo real se verificará praticamente nas
relações não-hierárquicas no interior dos grupos ou seções que os constituem,
nas relações entre esses grupos e nas relações com outros grupos e
organizações autônomas; tanto no desenvolvimento da teoria revolucionária e
na crítica unitária da sociedade dominante como na crítica permanente de sua
própria prática. Recusando a velha bifurcação do movimento operário em
organizações separadas, partidos e sindicatos, elaborarão seu programa e
prática unitárias. Todas as organizações conselhistas do passado que jogaram
um papel importante na luta de classes consagraram a separação entre os
setores político, econômico e social. Um dos poucos partidos antigos que
merecem ser analisados é o Kommunistische Arbeiter Partei Deutschlands
(K.A.P.D. - Partido Comunista Operário Alemão) que, ao adotar os conselhos
em seu programa, só se propunha como tarefas essenciais a propaganda e a
discussão teórica, "a educação políticas das massas", deixando à Allgemeine
Arbeiter Union Deutschlands (A.A.U.D., União Geral de Trabalhadores da
Alemanha) o papel de federar as organizações revolucionárias das fábricas,
concepção que se distanciava pouco do sindicalismo tradicional. O K.A.P.D.
rechaçava o parlamentarismo e o sindicalismo do K.P.D. (Kommunistische
Partei Deutschlands - Partido Comunista Alemão), assim como a idéia
leninista do partido de massas e preferia agrupar os trabalhadores conscientes,
mas ainda estava preso ao velho modelo hierárquico de partido de vanguarda,
ou seja, profissionais da revolução e redatores assalariados. A recusa desse
modelo, explicitada na negação de uma organização política separada das
organizações revolucionárias de fábrica, levou em 1920 à cisão de uma parte
dos membros da A.A.U.D., que fundaram a A.A.U.D.- E (Allgemeine
Arbeiter Union Deutschlands Einheitsorganisation, União geral dos
trabalhadores da Alemanha - Organização unificada).
A nova organização unitária assumiria, mediante o novo jogo de sua
democracia interna, a tarefa de educação até então desempenhada pelo
K.A.P.D., e se incumbiria da coordenação das lutas: as organizações de
fábricas que federava se converteriam ou transformariam em Conselhos no
momento revolucionário e assegurariam a gestão da sociedade. Assim, a
moderna consigna do Conselho Operário estava ainda mesclada às
recordações messiânicas do antigo sindicalismo revolucionário: as
organizações de fábrica se converteriam magicamente em Conselhos quando
todos os operários estivessem integrados nelas.
Tudo isso levou ao que tinha que levar. Depois do esmagamento da
insurreição de 1921 e da repressão do movimento, os operários, desiludidos
pelo distanciamento do horizonte revolucionário, abandonaram em grande
número as organizações de fábrica que estavam em perigo no momento que
deixavam de ser órgãos de um luta real. A A.A.U.D. era o mesmo que o
K.A.P.D. e a A.A.U.D.-E. A revolução se distanciava na mesma velocidade
que seus efetivos diminuíam. Já não eram mais que organizações portadoras
de uma ideologia conselhista, cada vez mais separada da realidade.
A evolução terrorista do K.A.P.D. e o apoio exclusivo da A.A.U.D. a
reivindicações puramente "alimentícias" produziu em 1929 a cisão entre a
organização das fábricas e seu partido. Mortas em vida, a A.A.U.D. e
A.A.U.D.-E se fundiram grotescamente e sem preâmbulos, ante a ascensão do
nazismo em 1931. Os revolucionários das ambas as organizações se
reagruparam por sua vez para formar a K.A.U.D. (Kommunistische Arbeiter
Uiiion Deutschlands, União de Trabalhadores Comunistas da Alemanha), que
sendo uma organização minoritária com consciência de sê-lo, foi a única que
não pretendeu assumir a organização econômica (econômico-política no caso
da A.A.U.D.-E) futura da sociedade. A K.A.U.D. propôs aos operários a
formação de grupos autônomos, o que asseguraria por si mesmo a união
desses grupos. Mas na Alemanha a K.A.U.D. chegava demasiado tarde. Em
1931, o movimento revolucionário havia morrido há dez anos.
Mesmo que não seja mais que para ouvir-lhes o relinchar, vamos lembrar aos
que ainda se obstinam na querela marxismo-anarquismo, o que a C.N.T.-
F.A.I. (deixando de lado o peso morto da ideologia anarquista, mas com muito
mais prática e imaginação libertadora) se parecia em suas disposições
organizativas ao marxista K.A.P.D.-A.A.U.D. Da mesma maneira que o
Partido Comunista Operário Alemão, a Federação Anarquista Ibérica quer ser
a organização política dos trabalhadores espanhóis conscientes, enquanto que
a A.A.U.D. e a C.N.T. se encarregariam da organização da sociedade futura.
Os militantes da F.A.I., elite do proletariado, difundem a idéia anarquista entre
as massas; a C.N.T. organiza praticamente os trabalhadores em seus
sindicatos. Mas entre as organizações alemã e espanhola há duas diferenças
essenciais, uma ideológica, de onde resultará o que se podia esperar: a F.A.I.
não quer tomar o poder e se contentará com influenciar a totalidade da
conduta da C.N.T.; e a outra é decisiva – a C.N.T. representa realmente a
classe operária espanhola. Dois meses antes da explosão revolucionária, o
congresso cenetista de Saragoça, em 1 de maio 1936, adotou um dos mais
belos programas revolucionários que organização nenhuma do passado
propôs, programa que será parcialmente aplicado pelas massas anarco-
sindicalistas, enquanto seus chefes soçobram no ministerialismo e na
colaboração de classes. Com os favoritos das massas, García-Oliver, Segundo
Blanco, etc., e a subintelectual Montiseny, o movimento libertário antiestatal,
que havia sobrevivido a Kropotkin, o príncipe anarquista, encontrava no fim a
coroação histórica de seu absolutismo ideológico: os anarquistas de governo.
Na última batalha que livrou o anarquismo viria cair sobre si todo o molho
ideológico que era seu ser: Estado, Liberdade, Indivíduo e outras espécies
maiúsculas com que se bajulavam. Enquanto isso, os milicianos, operários e
camponeses libertários salvavam sua honra e adicionavam a maior
contribuição prática ao movimento proletário de toda a história: queimavam
igrejas, combatiam em todas as frentes a burguesia, o fascismo e o
estalinismo; começavam a realizar a sociedade comunista.
* * *
Atualmente, existem organizações que simulam não o ser. Este achado lhes
permite evitar ocupar-se do mais elementar esclarecimento das bases a partir
das quais podem reunir não importa quem (com a mágica etiqueta de
"trabalhador"); não prestar contas a seus semimembros da direção informal
que alguns exercem; dizer não importa o que e, sobretudo, condenar
indiscriminadamente qualquer outra organização possível e qualquer
enunciado teórico, maldito de antemão. Assim, o grupo "Informations
Correspondance Ouvrières", escreveu (I.C.O. nº84, agosto de 1969): "Os
conselhos são a transformação dos comitês de greve sob a influência da
situação mesma e em resposta às necessidades próprias da luta, na dialética
própria da luta. Qualquer outra tentativa para formular, num momento dado de
uma luta, a necessidade de criar conselhos operários denota uma ideologia
conselhista, tal como se pode observar sob formas diversas em alguns
sindicatos, no P.S.U. ou nos situacionistas. O conceito mesmo de Conselho
exclui toda a ideologia". Esses indivíduos não sabem nada do que é ideologia
e a sua se distingue das outras por seu ecletismo invertebrado. Mas têm
ouvido sinos (talvez em Marx, talvez apenas na I.S.) que falavam que a
ideologia era uma coisa ruim e entenderam que toda atividade teórica, do qual
eles fogem como da peste, é ideologia, o mesmo nos situacionistas como no
P.S.U. Mas seu valente recurso à "dialética" e ao "conceito" , adornos de seu
vocabulário, não lhes põe a salvo de uma ideologia imbecil suficientemente
testemunhada por esta frase. Se contamos com o "conceito" de Conselho
somente, ou o que é mais entusiástico, com a inatividade de I.C.O. "para
excluir toda a ideologia", nos Conselhos reais podemos esperar o pior: aí está
a experiência histórica que nega todo o otimismo desse gênero. A superação
da forma primitiva dos Conselhos virá de lutas cada vez mais conscientes e de
uma maior consciência. A imagem mecanicista da I.C.O., quando fala da
perfeita e automática resposta do comitê de greve às "necessidades", que dá a
entender que o Conselho surgirá por conta própria e na sua hora, na condição
sobretudo de que não se fale do assunto, despreza totalmente as experiências
das revoluções de nosso século, que mostram que "a situação por si mesma"
tende mais exatamente a fazer desaparecer os Conselhos ou sua recuperação,
que a fazê-los surgir.
Deixemos essa ideologia contemplativa, sucedâneo degrado das ciências
naturais que quer observar a aparição de uma revolução proletária como uma
erupção solar. Se formarão organizações conselhistas e deverão ser o contrário
de um estado maior que faria os conselhos surgirem por decreto. Apesar de
que o movimento das ocupações de maio de 68 abriu um novo período de
crise social, que se manifestou aqui e ali, desde a Itália até a U.R.S.S., é
provável que demore bastante até se constituirem verdadeiras organizações
conselhistas e se produzam movimentos revolucionários importantes diante
dos quais essas organizações não estão em condições de atuar num nível
importante. Não se deve brincar com a organização conselhista lançando ou
sustentando paródias. Do que não resta dúvida é que os Conselhos terão mais
oportunidades de se manter como único poder se neles se encontram
conselhistas conscientes e em posse da teoria conselhista.
Ao contrário do conselho como permanente unidade de base (constituindo e
modificando constantemente a partir dele os Conselhos de delegados),
assembléia na qual devem participar todos os operários de um empresa
(conselhos de oficinas, conselhos de fábricas) e todos os habitantes de um
setor urbano aderido à revolução (conselhos de ruas, conselhos de bairros), a
organização conselhista, para garantir sua coerência e o exercício efetivo de
sua democracia interna, deverá escolher seus membros conforme o que
aqueles querem expressamente e conforme o que podem fazer efetivamente. A
coerência dos conselhos está garantida pelo fato de que são o poder, eliminam
qualquer outra forma de poder e decidem sobre tudo. Essa experiência prática
é o terreno em que todos os homens adquirem a inteligência de sua própria
ação, no qual "realizam a filosofia". Existe o risco de cometer erros
passageiros e de que não se disponha do tempo e dos meios para os retificar;
mas os Conselhos terão em conta que sua própria sorte é o produto verdadeiro
de suas decisões e que sua existência necessariamente cessará pelo
contragolpe de seus erros não dominados.
Na organização conselhista, a igualdade real de todos na tomada de decisões e
na execução destas não será um slogan vazio, uma reivindicação abstrata. É
evidente que todos os membros de uma organização não tem o mesmo talento,
e que um operário escreverá sempre melhor que um estudante. Mas dado que
a organização possuirá globalmente todas as capacidades necessárias,
complementariamente, nenhuma hierarquia de faculdades individuais virá
sabotar a democracia. A adesão a uma organização conselhista e a
proclamação de uma igualdade ideal é evidente que não fará com que seus
membros sejam todos bonitos, inteligentes e que saibam viver, mas permitirá
que suas atitudes reais para serem mais bonitos, mais inteligentes, etc., se
desenvolvam no único jogo que vale a pena: a destruição do velho mundo.
Nos movimentos sociais que se produzem, os conselhistas não deixarão que
sejam eleitos comitês de greve. Sua tarefa, ao contrário, consistirá em atuar
para que todos os operários se organizem pela base, em assembléias gerais
que decidirão a conduta a seguir na luta. Faz falta que se comece a
compreender que a absurda reivindicação de um "comitê central de greve",
lançada por alguns ingênuos durante o movimento das ocupações de Maio de
68, se tivesse logrado, haveria sabotado mais rapidamente ainda o movimento
para a autonomia das massas, porque quase todos os comitês de greve estavam
controlados pelos estalinistas.
Dado que não pretendemos forjar um plano que valha para qualquer situação
futura, e que um passo adiante do movimento real dos Conselhos valerá mais
que um dezena de programas conselhistas, é difícil emitir hipóteses precisas
no que concerne a relação das organizações conselhistas com os Conselhos
em um momento revolucionário. A organização conselhista – que sabe que
está separada do proletariado – deverá deixar de existir como organização
separada no instante em que forem abolidas as separações, inclusive se a
completa liberdade de associação garantida pelo poder dos Conselhos deixa
sobreviver diversas organizações e partidos inimigos deste poder. No entanto,
é discutível que todas as organizações conselhistas se dissolvam como queria
Pannekoek, desde o momento em que os Conselhos apareçam. Os conselhistas
falarão como tais no interior dos conselhos e não deverão propor uma
dissolução exemplar de suas organizações para logo reunir-se ao lado e
brincar de grupos de pressão sobre a assembléia geral. Assim lhes será mais
fácil e legítimo o combate e a denúncia da inevitável presença de burocratas,
espiões e velhos fura-greves que se infiltrarão por todas as partes. Também
será preciso lutar contra os falsos Conselhos ou os fundamentalmente
reacionários (Conselhos de policiais), que sem dúvida aparecerão, atuando de
maneira que o poder unificado dos Conselhos não reconheça estes organismos
e nem seus delegados. Ao ser exatamente contrário a seus fins, a infiltração
em outros tipos de organizações e por rechaçar toda a incoerência em seu seio,
as organizações conselhistas proíbem a dupla militância. Já dissemos que
todos os trabalhadores de uma fábrica, ou ao menos os que o aceitam, devem
formar parte do Conselho, mas no caso "daqueles que tiraremos da fábrica
com a metralhadora na mão " (Barth) só poderemos achar a solução em seu
momento.
A organização conselhista só poderá se julgada, em ultima instância, pela
coerência de sua teoria e de sua ação, na luta pela desaparição completa de
todo poder exterior aos Conselhos ou que tente constituir-se fora deles. Para
simplificar e não tomar em consideração a onda de pseudo-organizações
conselhistas que estudantes e pessoas obcecadas pelo militantismo
profissional simularão, digamos que não será reconhecida como conselhista a
organização que não se componha pelo menos de uma terça parte de
trabalhadores. E como esta proporção pode parecer como uma concessão, nos
parece indispensável corrigi-la mediante esta regra: se estabeleceria que em
toda delegação para conferências centrais, onde se pode tomar decisões não
previstas por mandato imperativo, os trabalhadores seriam 3/4 do conjunto de
participantes. Em resumo, a proporção inversa à que se deu nos primeiros
congressos do "partido operário social-democrata da Rússia".
Sabe-se que nós não temos nenhuma tendência ao obreirismo, qualquer que
seja a forma que adote. Trata-se de que os trabalhadores "se tornem
dialéticos", do mesmo modo em que o farão, mas então em massa, com o
exercício do poder dos Conselhos, porque são, agora e sempre, a força central
capaz de deter o funcionamento existente na sociedade e a força indispensável
para reinventar todas as suas bases. Além do mais, mesmo que a organização
conselhista não deva separar-se de outras categorias de assalariados, sobretudo
dos intelectuais, é fundamental que esses últimos tenham limitada a
importância que podem tomar, tanto considerando todos os aspectos de sua
vida para verificar se são autenticamente revolucionários e conselhistas, como
limitado seu número de modo que na organização sejam o mínimo possível.
A organização conselhista não aceitaria falar de igual para igual com outras
organizações se estas não são partidárias conseqüentes da autonomia do
proletariado; do mesmo modo que os Conselhos terão que se desfazer não só
dos desejos de recuperação de partidos e sindicatos senão de tudo aquilo que
tenda a fazer-se um lugar sob o sol e a tratar com os Conselhos de poder para
poder. Os Conselhos serão a única potência ou não serão nada. Os meios de
sua vitória já são sua vitória. Com a alavanca dos Conselhos e o ponto de
apoio de uma negação total da sociedade espetacular-mercantil, pode-se
mover a terra.
A vitória dos conselhos não se situa no fim, mas no
princípio da revolução.
René Riesel, 1969
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