preliminares sobre os conselhos e a organização conselhista

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Preliminares sobre os conselhos e a organização conselhista René Riesel Publicado no # 12 de Internationale Situationniste, setembro 1969, tradução para o espanhol de Juan Fonseca publicada em DEBATE LIBERTARIO 2 - Serie Acción directa - Campo Abierto Ediciiones Primera edición: mayo 1977. Traduzido do espanhol. "O governo operário e camponês decretou que Kronstadt e os navios rebeldes devem submeter-se imediatamente à autoridade da República Soviética.. Portanto, ordeno a todos que levantaram a mão contra a pátria socialista que deponham as armas de imediato. Os desobedientes serão desarmados, detidos e entregues às altas autoridades soviéticas. Os comissários e outros representantes do governo que se encontram detidos, devem ser libertados já. Só quem se render incondicionalmente poderá contar com a misericórdia da República Soviética. Ao mesmo tempo, ordenamos que seja preparada a repressão e a submissão dos amotinados pelas armas. Toda responsabilidade pelos prejuízos que possa sofrer a população pacífica recairá sobre os amotinados contra-revolucionários. Esta advertência é a definitiva." Trotski, Kamenev. "Ultimatum a Kronstadt", 5 março 1921 "A única coisa que temos a dizer é: TODO O PODER AOS SOVIETS! Tirai vossas mãos deste poder, vossas mãos tingidas com o sangue dos mártires da liberdade que lutaram contra os guardas brancos, latifundiários e a burguesia. " lzvestia de Kronstadt nº6, 7 março 1921 * * *

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Page 1: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

Preliminares sobre os

conselhos e a organização

conselhista

René Riesel

Publicado no # 12 de Internationale Situationniste, setembro 1969, tradução para o

espanhol de Juan Fonseca publicada em DEBATE LIBERTARIO 2 - Serie Acción

directa - Campo Abierto Ediciiones Primera edición: mayo 1977. Traduzido do

espanhol.

"O governo operário e camponês decretou que Kronstadt e os navios

rebeldes devem submeter-se imediatamente à autoridade da República

Soviética..

Portanto, ordeno a todos que levantaram a mão contra a pátria socialista

que deponham as armas de imediato. Os desobedientes serão desarmados,

detidos e entregues às altas autoridades soviéticas. Os comissários e outros

representantes do governo que se encontram detidos, devem ser libertados

já. Só quem se render incondicionalmente poderá contar com a misericórdia

da República Soviética. Ao mesmo tempo, ordenamos que seja preparada a

repressão e a submissão dos amotinados pelas armas. Toda

responsabilidade pelos prejuízos que possa sofrer a população pacífica

recairá sobre os amotinados contra-revolucionários.

Esta advertência é a definitiva."

Trotski, Kamenev. "Ultimatum a Kronstadt", 5 março 1921

"A única coisa que temos a dizer é: TODO O PODER AOS SOVIETS!

Tirai vossas mãos deste poder, vossas mãos tingidas com o sangue dos

mártires da liberdade que lutaram contra os guardas brancos, latifundiários

e a burguesia. "

lzvestia de Kronstadt nº6, 7 março 1921

* * *

Page 2: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

Há 50 anos, os leninistas reduziram o comunismo à eletrificação, a contra-

revolução bolchevique construiu o estado soviético sobre o cadáver do poder

dos sovietes, a palavra Soviete deixou de traduzir-se por Conselho. Nesse

período, as revoluções ocorridas sempre lançaram na cara dos senhores do

Kremlin a reivindicação de Kronstadt: "Todo o poder aos sovietes, não aos

partidos!" A tendência real do movimento proletário para o poder dos

Conselhos Operários, no decorrer de meio século de tentativas e fracassos

sucessivos, indica para a nova corrente revolucionária que os Conselhos são a

única forma de ditadura anti-estatal do proletariado e o único tribunal que

poderá pronunciar o juízo contra o velho mundo, ao mesmo tempo que

executará a sentença.

[Como nos é necessário precisar a noção de Conselho, descartaremos as

grosseiras falsificações acumuladas pela social-democracia, a burocracia

russa, o titismo e inclusive o benbelismo, mas sobretudo reconheceremos as

insuficiências das breves experiências práticas que até agora se esboçaram do

poder dos Conselhos e os erros das concepções dos revolucionários

conselhistas. (...)] Aquilo para o qual o Conselho tende a ser em sua

totalidade, aparece delineado negativamente pelos limites e as ilusões que

marcaram suas primeiras manifestações e pela luta imediata e sem

compromisso que as classes dominantes empreenderam contra ele, ambos os

fatores causaram sua derrota. O Conselho pretende ser a forma de unificação

prática dos proletários, que se apropriam dos meios materiais e intelectuais

para transformar as condições existentes e realizam soberanamente sua

história. O conselho pode e deve ser a organização em ato da consciência

histórica. Porém nunca em nenhum lugar o poder dos Conselhos chegou a

transpor a separação que congenitamente comportam as organizações políticas

especializadas e as formas de falsa consciência ideológica que estas

produzem. Além do mais, se os Conselhos, como sujeitos principais de um

momento revolucionário, são normalmente Conselhos de Delegados que

coordenam e federam as decisões dos conselhos locais, se pode constatar que

as assembléias gerais de base quase sempre tem sido consideradas como

meras assembléias de eleitores de maneira que o primeiro grau de "um

Conselho" se situaria mais num nível superior que nas assembléias gerais

locais de todos os proletários revolucionários, o próprio Conselho, de onde

qualquer tipo de delegação deve obter em qualquer instante seu poder

(mandato).

* * *

Deixando de lado os traços pré-conselhistas que entusiasmaram Marx na

Comuna de Paris ("a forma política enfim descoberta sob a qual pode se

Page 3: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

realizar a libertação econômica do trabalho") e que melhor do que na Comuna

eleita se manifesta na organização do Comitê Central da Guarda Nacional,

composto por delegados do proletariado parisiense, o primeiro esboço de uma

organização própria do proletariado em um momento revolucionário, foi o

famoso "Conselho de Deputados Operários" de São Petesburgo. Segundo as

cifras dadas por Trotski em 1905, uns 200.000 operários enviaram seus

delegados ao Soviet de São Petesburgo, mas sua influência se estendia muito

mais além de sua zona, pois muitos outros Conselhos da Rússia se inspiraram

em suas deliberações e decisões; agrupava diretamente aos trabalhadores de

mais de 150 empresas e além disso acolhia os representantes de 16 sindicatos

que se uniram ao Conselho. Seu primeiro núcleo se formou em 13 de outubro,

mas já no dia 17 instituía por cima dele um Comitê Executivo que, disse

Trotski, "lhe servia de ministério". Sobre um total de 562 delegados, o Comitê

Executivo formavam 31 membros dos quais 22 eram realmente trabalhadores

delegados pelo conjunto dos trabalhadores e 9 representavam os três partidos

revolucionários (mencheviques, bolcheviques e social-revolucionários); no

entanto os "representantes dos partidos não tinham voto nas deliberações".

Podemos admitir, pois, que as assembléias de base estavam representadas

fielmente pelos seus delegados revogáveis, mas evidentemente eles haviam

abdicado de grande parte de seu poder e de maneira totalmente

parlamentarista a favor de um Comitê Executivo em que os "técnicos" dos

partidos políticos tinham uma influência imensa.

Qual foi a origem deste Soviet? Parece que esta forma de organização foi

encontrada por alguns elementos politicamente instruídos da base operária e

que pertenciam a alguma fração socialista. Parece excessiva a afirmação de

Trotski ao dizer que "uma das organizações social-democratas de Petesburgo

tomou a iniciativa da criação de um administração autônoma revolucionária

operária". (Além do mais, destas "duas organizações", quem em seguida

reconhecem a importância desta iniciativa foram os mencheviques).

Entretanto, a greve de outubro de 1905 se erigiu de fato em Moscou em 19 de

setembro, quando os tipógrafos da empresa Sytin se puseram em greve,

fundamentalmente porque queriam que os sinais de pontuação estivessem

entre os 1000 caracteres que constituíam a unidade de pagamento de seu

trabalho. Cinqüenta empresas lhes seguiram e em 25 de setembro as gráficas

de Moscou constituíram um conselho. Em 3 de outubro, "a assembléia de

deputados operários das corporações de artes gráficas, de mecânica,

carpintaria, de tabaco e outras, adotou a resolução de constituir um conselho

(Soviet) geral de Moscou" (Trotski, op. cit.). Vemos, pois, que esta forma

aparece espontaneamente no princípio do movimento de greve. E este

movimento que começou a esfriar nos dias seguintes se vivificou de novo até

alcançar a grande crise histórica de 7 de outubro, quando os trabalhadores

ferroviários, a partir de Moscou espontaneamente começaram a interromper o

tráfego de trens.

Page 4: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

* * *

O movimento de conselhos de Turim, de março-abril de 1920, foi iniciado

pelos proletários da Fiat que constituíam um núcleo muito concentrado. Entre

agosto e setembro de 1919, ocorreu a renovação dos eleitos em uma

"comissão interna" – uma espécie de comitê de empresa colaboracionista

fundado por um convênio coletivo de 1906 com o objetivo de integrar melhor

os operários –, o que ocasionou uma transformação completa do papel desses

"comissários" na situação de crise social que então assolava a Itália. Assim,

começaram a se federarem entre eles como representantes diretos dos

trabalhadores. Em outubro de 1019, trinta mil trabalhadores estavam

representados em uma assembléia de "comitês executivos dos Conselhos de

fábrica", que mais parecia uma reunião de contra-mestres que a uma

organização de conselhos dita (sobre a base de um comissário eleito por cada

oficina). Mas o exemplo foi seguido, se estendeu e o movimento se

radicalizou, sustentado por uma fração do Partido Socialista, que era

majoritária em Turim (com Gramsci) e pelos anarquistas piemonteses (Cf. o

folheto de Pier Carlo Masini, Anarchici e comuniste nel movimento dei

Consigli a Torino). O movimento foi combatido pela maioria do Partido

Socialista e pelos sindicatos. Em 15 de março de 1920, os Conselhos

iniciaram a greve com ocupação de fábricas e colocaram em marcha a

produção sob seu absoluto controle. Em 14 de abril, a greve já era geral no

Piemonte. Nos dias seguintes, alcançou grande parte do norte da Itália,

sobretudo entre os ferroviários e os estivadores. O governo recorreu a navios

de guerra para desembarcar em Gênova as tropas que marcharam sobre Turim.

Se o programa dos Conselhos foi aprovado mais tarde pela União Anarquista

Italiana, reunida em Bolonha, em 1 de julho, não ocorreu o mesmo por parte

do Partido Socialista e sindicatos, que conseguiram sabotar a greve mantendo-

a no isolamento. O diário do Partido, Avanti, não publicou a convocatória da

seção socialista de Turim, enquanto que a cidade era tomada por 20.000

soldados e policiais (cf. P.C. Masini). A greve, que teria possibilitado uma

vitoriosa insurreição proletária em todo o país, foi esmagada em 24 de abril.

Sabemos o que ocorreu depois.

Reconhecendo o caráter avançado dessa experiência pouco citada (muitos

esquerdistas crêem que as ocupações de fábrica começaram na França em

1936), devemos assinalar as ambigüidades de seus defensores e teóricos. Por

exemplo, Gramsci, no nº4 de Ordine Nuovo (2º ano), escrevia: “Nós

concebemos o Conselho de fábrica como o princípio histórico que deve

conduzir necessariamente à fundação de um Estado Operário". Por seu lado,

os anarquistas conselhistas estimavam ainda o sindicalismo e pretendiam que

os Conselhos lhe dessem um novo impulso.

Page 5: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

Contudo, o manifesto lançado pelos conselhistas de Turim, em 27 de março de

1920, "aos operários e camponeses da Itália" por um Congresso Geral dos

Conselhos (que não aconteceu), formula alguns pontos essenciais do programa

dos Conselhos: "A luta de conquista se faz com armas de conquista e não de

defesa" (refere-se aos sindicatos, organismos de resistência... cristalizados em

uma forma burocrática - Nota da I.S.). Devemos desenvolver uma organização

nova como antagonista direta dos órgãos de governo dos patrões; por isso

deve surgir espontaneamente no lugar de trabalho e reunir todos os

trabalhadores porque todos, como produtores, estamos submetidos a uma

autoridade que nos é estranha e devemos nos libertar dela (...) Eis aqui a

origem da liberdade: a origem de uma formação social que, estendendo-se

rápida e universalmente, nos porá em vias de eliminar do terreno econômico o

explorador e o intermediário, e nos tornarmos donos de nossas máquinas, de

nosso trabalho, de nossa vida...

* * *

Os Conselhos de operários e de soldados na Alemanha de 1918-1919, que

estavam dominados pela burocracia social-democrata e eram alvo de suas

manobras, toleravam o governo "socialista" de Ebert, que se apoiava no

estado maior do exército alemão e nos corpos francos (militares

desmobilizados). Os "7 pontos de Hamburgo" (sobre a liquidação imediata do

antigo exército), apresentados por Dorrenbach e aprovados no Congresso dos

Conselhos de Soldados, iniciado em 16 de dezembro em Berlim, nunca foram

aplicados pelos "comissários do povo". Os Conselhos eram um obstáculo para

a revolução, assim como as eleições legislativas marcadas para 19 de janeiro.

Finalmente, ocorreu o ataque contra os marinheiros de e o esmagamento da

insurreição espartaquista na mesma véspera das eleições.

* * *

Em 1956, o Conselho Operário Central da Grande Budapeste, formado em 14

de novembro, se declarava disposto a defender o socialismo e, ao mesmo

tempo que exigia "a retirada de todos os partidos políticos das fábricas", se

pronunciava pela volta de Nagy ao poder e pela fixação de eleições livres num

prazo dado. A greve geral se mantinha, enquanto as tropas russas esmagavam

a resistência armada. Mas, mesmo antes da segunda intervenção do exército

russo, os Conselhos húngaros pediam eleições parlamentares; isto é,

buscavam chegar a uma situação de duplo poder, quando eram o único poder

real na Hungria frente aos russos.

* * *

Page 6: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

A consciência do que o poder dos Conselhos é e deve ser nasce da prática

desse poder. Mas em uma fase que esse poder seja parcial, a consciência pode

ser muito diferente do que pensa tal ou qual trabalhador membro de um

conselho ou inclusive a totalidade de um Conselho: a ideologia se opõe à

verdade em atos que encontra seu terreno no sistema dos Conselhos. Esta

ideologia se manifesta não somente sob forma de ideologias hostis ou sob

forma de ideologias sobre os Conselhos edificados por forças políticas que

querem submetê-los, senão também sob a forma de uma ideologia favorável

ao poder dos conselhos que restringe e dosifica a teoria e a praxis total. Por

último, um puro conselhismo seria também por si mesmo inimigo da realidade

dos Conselhos. Tal ideologia, sob formulações mais ou menos conseqüentes,

comporta o risco de ser veiculada por organizações revolucionárias que, em

princípio estão orientadas para o poder dos Conselhos. Este poder, que é em si

mesmo a organização da sociedade revolucionária e cuja coerência está

objetivamente definida pelas necessidades dessa tarefa histórica tomada como

conjunto, não pode, em nenhum caso, deixar de lado o problema prático das

organizações particulares, inimigas do Conselho ou mais ou menos

veridicamente pré-conselhistas que de todas as formas intervirão em seu

funcionamento. É necessário que as massas organizadas em Conselhos

conheçam e resolvam este problema. Aqui, a teoria conselhista e a existência

de autênticas organizações conselhistas, adquire singular importância porque

neles aparecem já alguns elementos essenciais que estarão em jogo nos

Conselhos e em sua própria interação com os Conselhos.

Toda a história revolucionária mostra que a aparição de uma ideologia joga

um papel não desprezível no fracasso dos Conselhos. A facilidade com a qual

a organização espontânea do proletariado em luta assegurou suas primeiras

vitórias freqüentemente anunciou uma segunda fase em que a reconquista se

operou desde dentro, em que o movimento prescindiu de sua realidade pela

sobra de seu fracasso. O conselhismo é, neste sentido, a nova juventude do

novo mundo.

* * *

Social-democratas e bolcheviques têm em comum a vontade de não querer ver

nos Conselhos mais que um organismo do Partido e do Estado. Em 1902,

Kautsky, inquieto pelo descrédito que alcançava aos sindicatos, no ânimo dos

trabalhadores, propunha que em certos ramos da indústria, os trabalhadores

elegessem "delegados que formariam uma espécie de parlamento que tivesse

como missão regulamentar o trabalho e vigiar a administração burocrática" (A

Revolução Social). A idéia de uma representação operária hierarquizada que

culminaria em um parlamento seria aplicada com muito mais convicção por

Page 7: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

Ebert, Noske e Scheidemann. A maneira como esse gênero de conselhismo

trata os Conselhos foi magistralmente demonstrada, para todos os que têm

merda no lugar do cérebro, desde 9 de novembro de 1918, quando para

combater em seu próprio terreno a organização dos Conselhos, os social-

democratas fundaram nas oficinas do Vorwaerts um "Conselho de Operários e

Soldados de Berlim" que contava, como homens de confiança das fábricas,

funcionários e líderes social-democratas.

O conselhismo bolchevique não tinha nem a ingenuidade de Kautsky nem o

descaramento de Ebert. Saltou da base mais radical "Todo o poder aos

Soviets", para cair de patas no outro lado de Kronstad. Em As tarefas

Imediatas do Poder dos Sovietes (abril de 1918), Lenin adiciona enzimas ao

detergente Kautsky: "Os parlamentos burgueses, inclusive os das melhores, do

ponto de vista democrático, repúblicas capitalistas do mundo, não são

considerados pelos pobres como algo seu e para eles (...). Precisamente, o

contato dos sovietes com os trabalhadores é que cria formas particulares de

controle por baixo – eleição de deputados, etc., – formas que devemos agora

nos empenhamos em desenvolver com zelo particular. Por isso, os conselhos

de instrução pública que são as conferências periódicas dos eleitores

soviéticos e seus delegados, reunidos para discutir e controlar a atividade das

autoridades soviéticas neste campo, merecem toda a nossa simpatia e nosso

apoio. Nada seria tão estúpido como transformar os soviets em algo fixo de

antemão, em um objetivo em si. Quanto mais resolutamente nos

pronunciemos por um poder forte e implacável, pela ditadura pessoal em tal

processo de trabalho, em tal momento do exercício de funções puramente

executivas, mais variados serão os meios de controle por baixo com o objetivo

de paralisar toda possibilidade de deformação do poder dos Sovietes, a fim de

extirpar, agora e sempre, a embriaguês burocrática". para Lenin, pois, os

Conselhos devem atuar como grupos de pressão que corrijam a inevitável

burocracia do Estado em suas funções políticas e econômicas, assegurados

respectivamente pelo Partido e os Sindicatos. Os Conselhos seriam, no

máximo, a parte social, que, como a alma de Descartes, é preciso que resida

em alguma parte.

Gramsci tentou melhorar Lênin com um banho de formalidades democráticas:

"Os comissários de fábricas são os únicos e verdadeiros representantes sociais

(econômicos e políticos) da classe operária, porque são eleitos pelo sufrágio

universal de todos os trabalhadores, no próprio lugar de trabalho. Nos

diferentes graus de sua hierarquia, os comissários representam a união de

todos os trabalhadores, tal como esta se realiza nos organismos de produção

(equipe de trabalho, departamento de fábrica, união de fábricas de uma

indústria, união de organismos da indústria mecânica e agrícola de uma

província, de uma região, de uma nação, do mundo), sendo os Conselhos e o

sistema dos Conselhos o poder e a direção social" (artigo de Ordine Nuovo).

Se os conselhos ficam reduzidos ao estado de fragmentos econômico-sociais

Page 8: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

que preparam uma "futura república soviética", não cabe dúvida de que o

Partido, esse "príncipe moderno", aparece como o indispensável aparato

político, como o deus mecânico preexistente e desejoso de assegurar sua

existência futura: "O partido comunista é o instrumento e a forma histórica de

libertação graças ao qual os operários, de executantes se transformam em

dirigentes, de massas se transformam em chefes e guias, de braços se

transformam em cérebros e vontades" (Ordine Nuovo, 1919). O tom muda,

mas a ladainha é a mesma: Conselhos, Partido, Estado. Tratar os Conselhos de

maneira fragmentária (poder econômico, poder social, poder político), como

fazem os cretinos conselhistas do grupo Revolution Internationale de

Toulouse, é crer que se apertas o cu, te enrabam menos.

* * *

O austro-marxismo, desde 1918, na linha de lenta evolução que preconiza,

também constrói uma ideologia própria. Max Adler, por exemplo, em seu

livro Democracia e Conselhos Operários, vê acertadamente o Conselho como

instrumento de auto-educação dos trabalhadores, o possível fim da separação

entre executantes e dirigentes, a constituição de um povo homogêneo que

poderá realizar a democracia socialista. Mas reconhece também que o simples

fato de que os trabalhadores detém um poder não é suficiente para garantir-

lhes um objetivo revolucionário coerente: para isto será preciso que os

trabalhadores membros dos Conselhos queiram realizar o socialismo. Como

Adler é um teórico do duplo poder legalizado, isto é, de um absurdo que

forçosamente será incapaz de manter-se aproximando-se gradualmente à

consciência revolucionária e preparando prudentemente um revolução para

mais tarde, se encontra privado do único elemento verdadeiramente

fundamental de auto-educação do proletariado: a própria revolução. Para

substituir o insubstituível terreno de homogeneização proletária, a única forma

de seleção constituída pela formação dos Conselhos, das idéias e dos modos

de atividade coerente nos conselhos, não ocorre a Adler mais que a aberração:

"Para ter direito de voto na eleição dos Conselhos operários bastará pertencer

a uma organização socialista" .

À margem da ideologia sobre os Conselhos, de social-democratas e

bolcheviques, que desde Berlim a Kronstadt tiveram sempre um Trotski ou

um Noske de plantão, podemos afirmar que a ideologia conselhista - ou seja, a

das organizações conselhistas do passado e de algumas do presente - sempre

tem alguma assembléia e alguns mandatos imperativos de menos. Com

exceção das coletividades agrárias Aragão, todos os Conselhos que existiram

até hoje foram "conselhos democraticamente eleitos" somente no mundo das

idéias, ainda quando os momentos máximos de sua prática desmentiam esta

Page 9: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

limitação e todas as decisões eram tomadas por Assembléias Gerais soberanas

que dava, seu mandato a delegados revogáveis.

Unicamente a prática histórica, na qual a classe operária encontrará e realizará

todas as suas possibilidades, indicará as formas organizativas concretas do

poder dos Conselhos. No entanto, corresponde aos revolucionários a tarefa de

estabelecer os princípios fundamentais das organizações conselhistas que

nascerão em todos os países. Formulando hipóteses e recordando as

exigências fundamentais do movimento revolucionário, este artigo que deverá

ser seguido por alguns mais, quer abrir um debate igualitário e real. Só

excluiremos aqueles que evitem esta questão destes termos, a saber: aqueles

que declaram-se hoje inimigos de toda forma de organização em nome de um

espontaneísmo subanarquista não fazem mais que produzir as taras e o

confusionismo do antigo movimento; místicos da não-organização, operários

desanimados ao ter-se misturado durante demasiado tempo com as seitas

trotskistas ou estudantes prisioneiros de sua pobre condição, que são

incapazes de escapar dos sistemas organizativos bolcheviques. Os

situacionistas evidentemente são partidários da organização e a existência da

organização situacionista o atesta. Os que anunciam seu acordo com nossas

teses pondo um vago espontaneismo em nosso fazer simplesmente não sabem

ler.

Precisamente por não ser tudo e por não permitir salvar ou ganhar tudo, a

organização é indispensável. Ao contrário do que dizia o carniceiro Noske

(em Von Kiel bis Kapp) a propósito da jornada de 6 de janeiro de 1919, as

massas não foram se apossaram de Berlim nesse dia, ao meio-dia, não porque

tiveram "bons oradores" no lugar de "chefes decididos", mas porque a forma

de organização autônoma dos Conselhos de fábrica não alcançara um grau

suficiente de autonomia para atuar sem "chefes decididos" e sem organização

separada que assegurasse a união. O exemplo de Barcelona, em maio de 1937,

é outra prova do que dizemos: o fato de que as armas surgiram imediatamente,

em resposta à provocação stalinista, mas também que a ordem de rendição

lançada pelos ministros anarquistas foi tão rapidamente obedecida, fala alto e

claro, tanto sobre as imensas capacidades de autonomia das massas catalãs

como da autonomia que ainda lhes faltava para vencer. Amanhã mesmo, será

o grau de autonomia operária o que decidirá nossa sorte.

* * *

As organizações conselhistas que se formarem posteriormente não deixarão de

reconhecer e de retomar como ponto de partida a Definição Mínima das

Page 10: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

Organizações Revolucionárias, adotada pela Sétima Conferência da

Internacional Situacionista. Sendo tarefa de tais organizações a preparação do

poder dos conselhos, que é incompatível com qualquer outra forma de poder,

deverão saber que um acordo abstrato dado a esta definição as condena sem

remédio a não ser nada. Por isso seu acordo real se verificará praticamente nas

relações não-hierárquicas no interior dos grupos ou seções que os constituem,

nas relações entre esses grupos e nas relações com outros grupos e

organizações autônomas; tanto no desenvolvimento da teoria revolucionária e

na crítica unitária da sociedade dominante como na crítica permanente de sua

própria prática. Recusando a velha bifurcação do movimento operário em

organizações separadas, partidos e sindicatos, elaborarão seu programa e

prática unitárias. Todas as organizações conselhistas do passado que jogaram

um papel importante na luta de classes consagraram a separação entre os

setores político, econômico e social. Um dos poucos partidos antigos que

merecem ser analisados é o Kommunistische Arbeiter Partei Deutschlands

(K.A.P.D. - Partido Comunista Operário Alemão) que, ao adotar os conselhos

em seu programa, só se propunha como tarefas essenciais a propaganda e a

discussão teórica, "a educação políticas das massas", deixando à Allgemeine

Arbeiter Union Deutschlands (A.A.U.D., União Geral de Trabalhadores da

Alemanha) o papel de federar as organizações revolucionárias das fábricas,

concepção que se distanciava pouco do sindicalismo tradicional. O K.A.P.D.

rechaçava o parlamentarismo e o sindicalismo do K.P.D. (Kommunistische

Partei Deutschlands - Partido Comunista Alemão), assim como a idéia

leninista do partido de massas e preferia agrupar os trabalhadores conscientes,

mas ainda estava preso ao velho modelo hierárquico de partido de vanguarda,

ou seja, profissionais da revolução e redatores assalariados. A recusa desse

modelo, explicitada na negação de uma organização política separada das

organizações revolucionárias de fábrica, levou em 1920 à cisão de uma parte

dos membros da A.A.U.D., que fundaram a A.A.U.D.- E (Allgemeine

Arbeiter Union Deutschlands Einheitsorganisation, União geral dos

trabalhadores da Alemanha - Organização unificada).

A nova organização unitária assumiria, mediante o novo jogo de sua

democracia interna, a tarefa de educação até então desempenhada pelo

K.A.P.D., e se incumbiria da coordenação das lutas: as organizações de

fábricas que federava se converteriam ou transformariam em Conselhos no

momento revolucionário e assegurariam a gestão da sociedade. Assim, a

moderna consigna do Conselho Operário estava ainda mesclada às

recordações messiânicas do antigo sindicalismo revolucionário: as

organizações de fábrica se converteriam magicamente em Conselhos quando

todos os operários estivessem integrados nelas.

Tudo isso levou ao que tinha que levar. Depois do esmagamento da

insurreição de 1921 e da repressão do movimento, os operários, desiludidos

pelo distanciamento do horizonte revolucionário, abandonaram em grande

número as organizações de fábrica que estavam em perigo no momento que

Page 11: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

deixavam de ser órgãos de um luta real. A A.A.U.D. era o mesmo que o

K.A.P.D. e a A.A.U.D.-E. A revolução se distanciava na mesma velocidade

que seus efetivos diminuíam. Já não eram mais que organizações portadoras

de uma ideologia conselhista, cada vez mais separada da realidade.

A evolução terrorista do K.A.P.D. e o apoio exclusivo da A.A.U.D. a

reivindicações puramente "alimentícias" produziu em 1929 a cisão entre a

organização das fábricas e seu partido. Mortas em vida, a A.A.U.D. e

A.A.U.D.-E se fundiram grotescamente e sem preâmbulos, ante a ascensão do

nazismo em 1931. Os revolucionários das ambas as organizações se

reagruparam por sua vez para formar a K.A.U.D. (Kommunistische Arbeiter

Uiiion Deutschlands, União de Trabalhadores Comunistas da Alemanha), que

sendo uma organização minoritária com consciência de sê-lo, foi a única que

não pretendeu assumir a organização econômica (econômico-política no caso

da A.A.U.D.-E) futura da sociedade. A K.A.U.D. propôs aos operários a

formação de grupos autônomos, o que asseguraria por si mesmo a união

desses grupos. Mas na Alemanha a K.A.U.D. chegava demasiado tarde. Em

1931, o movimento revolucionário havia morrido há dez anos.

Mesmo que não seja mais que para ouvir-lhes o relinchar, vamos lembrar aos

que ainda se obstinam na querela marxismo-anarquismo, o que a C.N.T.-

F.A.I. (deixando de lado o peso morto da ideologia anarquista, mas com muito

mais prática e imaginação libertadora) se parecia em suas disposições

organizativas ao marxista K.A.P.D.-A.A.U.D. Da mesma maneira que o

Partido Comunista Operário Alemão, a Federação Anarquista Ibérica quer ser

a organização política dos trabalhadores espanhóis conscientes, enquanto que

a A.A.U.D. e a C.N.T. se encarregariam da organização da sociedade futura.

Os militantes da F.A.I., elite do proletariado, difundem a idéia anarquista entre

as massas; a C.N.T. organiza praticamente os trabalhadores em seus

sindicatos. Mas entre as organizações alemã e espanhola há duas diferenças

essenciais, uma ideológica, de onde resultará o que se podia esperar: a F.A.I.

não quer tomar o poder e se contentará com influenciar a totalidade da

conduta da C.N.T.; e a outra é decisiva – a C.N.T. representa realmente a

classe operária espanhola. Dois meses antes da explosão revolucionária, o

congresso cenetista de Saragoça, em 1 de maio 1936, adotou um dos mais

belos programas revolucionários que organização nenhuma do passado

propôs, programa que será parcialmente aplicado pelas massas anarco-

sindicalistas, enquanto seus chefes soçobram no ministerialismo e na

colaboração de classes. Com os favoritos das massas, García-Oliver, Segundo

Blanco, etc., e a subintelectual Montiseny, o movimento libertário antiestatal,

que havia sobrevivido a Kropotkin, o príncipe anarquista, encontrava no fim a

coroação histórica de seu absolutismo ideológico: os anarquistas de governo.

Na última batalha que livrou o anarquismo viria cair sobre si todo o molho

ideológico que era seu ser: Estado, Liberdade, Indivíduo e outras espécies

maiúsculas com que se bajulavam. Enquanto isso, os milicianos, operários e

Page 12: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

camponeses libertários salvavam sua honra e adicionavam a maior

contribuição prática ao movimento proletário de toda a história: queimavam

igrejas, combatiam em todas as frentes a burguesia, o fascismo e o

estalinismo; começavam a realizar a sociedade comunista.

* * *

Atualmente, existem organizações que simulam não o ser. Este achado lhes

permite evitar ocupar-se do mais elementar esclarecimento das bases a partir

das quais podem reunir não importa quem (com a mágica etiqueta de

"trabalhador"); não prestar contas a seus semimembros da direção informal

que alguns exercem; dizer não importa o que e, sobretudo, condenar

indiscriminadamente qualquer outra organização possível e qualquer

enunciado teórico, maldito de antemão. Assim, o grupo "Informations

Correspondance Ouvrières", escreveu (I.C.O. nº84, agosto de 1969): "Os

conselhos são a transformação dos comitês de greve sob a influência da

situação mesma e em resposta às necessidades próprias da luta, na dialética

própria da luta. Qualquer outra tentativa para formular, num momento dado de

uma luta, a necessidade de criar conselhos operários denota uma ideologia

conselhista, tal como se pode observar sob formas diversas em alguns

sindicatos, no P.S.U. ou nos situacionistas. O conceito mesmo de Conselho

exclui toda a ideologia". Esses indivíduos não sabem nada do que é ideologia

e a sua se distingue das outras por seu ecletismo invertebrado. Mas têm

ouvido sinos (talvez em Marx, talvez apenas na I.S.) que falavam que a

ideologia era uma coisa ruim e entenderam que toda atividade teórica, do qual

eles fogem como da peste, é ideologia, o mesmo nos situacionistas como no

P.S.U. Mas seu valente recurso à "dialética" e ao "conceito" , adornos de seu

vocabulário, não lhes põe a salvo de uma ideologia imbecil suficientemente

testemunhada por esta frase. Se contamos com o "conceito" de Conselho

somente, ou o que é mais entusiástico, com a inatividade de I.C.O. "para

excluir toda a ideologia", nos Conselhos reais podemos esperar o pior: aí está

a experiência histórica que nega todo o otimismo desse gênero. A superação

da forma primitiva dos Conselhos virá de lutas cada vez mais conscientes e de

uma maior consciência. A imagem mecanicista da I.C.O., quando fala da

perfeita e automática resposta do comitê de greve às "necessidades", que dá a

entender que o Conselho surgirá por conta própria e na sua hora, na condição

sobretudo de que não se fale do assunto, despreza totalmente as experiências

das revoluções de nosso século, que mostram que "a situação por si mesma"

tende mais exatamente a fazer desaparecer os Conselhos ou sua recuperação,

que a fazê-los surgir.

Deixemos essa ideologia contemplativa, sucedâneo degrado das ciências

naturais que quer observar a aparição de uma revolução proletária como uma

Page 13: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

erupção solar. Se formarão organizações conselhistas e deverão ser o contrário

de um estado maior que faria os conselhos surgirem por decreto. Apesar de

que o movimento das ocupações de maio de 68 abriu um novo período de

crise social, que se manifestou aqui e ali, desde a Itália até a U.R.S.S., é

provável que demore bastante até se constituirem verdadeiras organizações

conselhistas e se produzam movimentos revolucionários importantes diante

dos quais essas organizações não estão em condições de atuar num nível

importante. Não se deve brincar com a organização conselhista lançando ou

sustentando paródias. Do que não resta dúvida é que os Conselhos terão mais

oportunidades de se manter como único poder se neles se encontram

conselhistas conscientes e em posse da teoria conselhista.

Ao contrário do conselho como permanente unidade de base (constituindo e

modificando constantemente a partir dele os Conselhos de delegados),

assembléia na qual devem participar todos os operários de um empresa

(conselhos de oficinas, conselhos de fábricas) e todos os habitantes de um

setor urbano aderido à revolução (conselhos de ruas, conselhos de bairros), a

organização conselhista, para garantir sua coerência e o exercício efetivo de

sua democracia interna, deverá escolher seus membros conforme o que

aqueles querem expressamente e conforme o que podem fazer efetivamente. A

coerência dos conselhos está garantida pelo fato de que são o poder, eliminam

qualquer outra forma de poder e decidem sobre tudo. Essa experiência prática

é o terreno em que todos os homens adquirem a inteligência de sua própria

ação, no qual "realizam a filosofia". Existe o risco de cometer erros

passageiros e de que não se disponha do tempo e dos meios para os retificar;

mas os Conselhos terão em conta que sua própria sorte é o produto verdadeiro

de suas decisões e que sua existência necessariamente cessará pelo

contragolpe de seus erros não dominados.

Na organização conselhista, a igualdade real de todos na tomada de decisões e

na execução destas não será um slogan vazio, uma reivindicação abstrata. É

evidente que todos os membros de uma organização não tem o mesmo talento,

e que um operário escreverá sempre melhor que um estudante. Mas dado que

a organização possuirá globalmente todas as capacidades necessárias,

complementariamente, nenhuma hierarquia de faculdades individuais virá

sabotar a democracia. A adesão a uma organização conselhista e a

proclamação de uma igualdade ideal é evidente que não fará com que seus

membros sejam todos bonitos, inteligentes e que saibam viver, mas permitirá

que suas atitudes reais para serem mais bonitos, mais inteligentes, etc., se

desenvolvam no único jogo que vale a pena: a destruição do velho mundo.

Nos movimentos sociais que se produzem, os conselhistas não deixarão que

sejam eleitos comitês de greve. Sua tarefa, ao contrário, consistirá em atuar

para que todos os operários se organizem pela base, em assembléias gerais

que decidirão a conduta a seguir na luta. Faz falta que se comece a

Page 14: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

compreender que a absurda reivindicação de um "comitê central de greve",

lançada por alguns ingênuos durante o movimento das ocupações de Maio de

68, se tivesse logrado, haveria sabotado mais rapidamente ainda o movimento

para a autonomia das massas, porque quase todos os comitês de greve estavam

controlados pelos estalinistas.

Dado que não pretendemos forjar um plano que valha para qualquer situação

futura, e que um passo adiante do movimento real dos Conselhos valerá mais

que um dezena de programas conselhistas, é difícil emitir hipóteses precisas

no que concerne a relação das organizações conselhistas com os Conselhos

em um momento revolucionário. A organização conselhista – que sabe que

está separada do proletariado – deverá deixar de existir como organização

separada no instante em que forem abolidas as separações, inclusive se a

completa liberdade de associação garantida pelo poder dos Conselhos deixa

sobreviver diversas organizações e partidos inimigos deste poder. No entanto,

é discutível que todas as organizações conselhistas se dissolvam como queria

Pannekoek, desde o momento em que os Conselhos apareçam. Os conselhistas

falarão como tais no interior dos conselhos e não deverão propor uma

dissolução exemplar de suas organizações para logo reunir-se ao lado e

brincar de grupos de pressão sobre a assembléia geral. Assim lhes será mais

fácil e legítimo o combate e a denúncia da inevitável presença de burocratas,

espiões e velhos fura-greves que se infiltrarão por todas as partes. Também

será preciso lutar contra os falsos Conselhos ou os fundamentalmente

reacionários (Conselhos de policiais), que sem dúvida aparecerão, atuando de

maneira que o poder unificado dos Conselhos não reconheça estes organismos

e nem seus delegados. Ao ser exatamente contrário a seus fins, a infiltração

em outros tipos de organizações e por rechaçar toda a incoerência em seu seio,

as organizações conselhistas proíbem a dupla militância. Já dissemos que

todos os trabalhadores de uma fábrica, ou ao menos os que o aceitam, devem

formar parte do Conselho, mas no caso "daqueles que tiraremos da fábrica

com a metralhadora na mão " (Barth) só poderemos achar a solução em seu

momento.

A organização conselhista só poderá se julgada, em ultima instância, pela

coerência de sua teoria e de sua ação, na luta pela desaparição completa de

todo poder exterior aos Conselhos ou que tente constituir-se fora deles. Para

simplificar e não tomar em consideração a onda de pseudo-organizações

conselhistas que estudantes e pessoas obcecadas pelo militantismo

profissional simularão, digamos que não será reconhecida como conselhista a

organização que não se componha pelo menos de uma terça parte de

trabalhadores. E como esta proporção pode parecer como uma concessão, nos

parece indispensável corrigi-la mediante esta regra: se estabeleceria que em

toda delegação para conferências centrais, onde se pode tomar decisões não

previstas por mandato imperativo, os trabalhadores seriam 3/4 do conjunto de

Page 15: Preliminares Sobre Os Conselhos e a Organização Conselhista

participantes. Em resumo, a proporção inversa à que se deu nos primeiros

congressos do "partido operário social-democrata da Rússia".

Sabe-se que nós não temos nenhuma tendência ao obreirismo, qualquer que

seja a forma que adote. Trata-se de que os trabalhadores "se tornem

dialéticos", do mesmo modo em que o farão, mas então em massa, com o

exercício do poder dos Conselhos, porque são, agora e sempre, a força central

capaz de deter o funcionamento existente na sociedade e a força indispensável

para reinventar todas as suas bases. Além do mais, mesmo que a organização

conselhista não deva separar-se de outras categorias de assalariados, sobretudo

dos intelectuais, é fundamental que esses últimos tenham limitada a

importância que podem tomar, tanto considerando todos os aspectos de sua

vida para verificar se são autenticamente revolucionários e conselhistas, como

limitado seu número de modo que na organização sejam o mínimo possível.

A organização conselhista não aceitaria falar de igual para igual com outras

organizações se estas não são partidárias conseqüentes da autonomia do

proletariado; do mesmo modo que os Conselhos terão que se desfazer não só

dos desejos de recuperação de partidos e sindicatos senão de tudo aquilo que

tenda a fazer-se um lugar sob o sol e a tratar com os Conselhos de poder para

poder. Os Conselhos serão a única potência ou não serão nada. Os meios de

sua vitória já são sua vitória. Com a alavanca dos Conselhos e o ponto de

apoio de uma negação total da sociedade espetacular-mercantil, pode-se

mover a terra.

A vitória dos conselhos não se situa no fim, mas no

princípio da revolução.

René Riesel, 1969