o passado modos de usar enzo traverso
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,
o PASSADO,
MODOS DE USAR
HISTÓRIA, MEMÓRIA E POLÍTICA
ENZO TRAVERSO
edições unipop
o passado, modos de usar.
História, memória e política.
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histoirc, mi'mmrc, po1itiyUl'
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1. J I 1)1' \() JiC\'crciro dc 2012
Introdução - A emergência da memória 9
I - História e memória: uma dupla antinómica? 21 Rememorafão 21 Jeparaf'ÕeJ 29 Empatia 38
11 - O tempo e a força Tempo histórico e tempo da memória ((Memórias fortes) e «memórias fracaJ)
111 - O historiador entre juiz e escritor Memóna e eJI.Tita da hútória ~ érdade e jUJtifu
IV - Usos políticos do passado A memória da Jhoah como ((religião ávih) O edipxe da memória do (,'l)munúmo
V - Os dilemas dos historiadores alemães O deJapareámellto dofasciJ'mo Li Shoah, a RDA e o ant[fascúmo
VI - Revisão e revisionismo MetamotjiueJ de um mnceito A palavra e a roisa
Nota bibliográfica e agradecimentos
Notas
55 55 71
89 89
100
109 109 120
129 129 138
149 149 155
165
169
A memória de &/and Lew (19~~-2005)
,(A história é sempre contemporânea,
ou seja, polítiCa)}
Antonio Gramsci
Quaderni dei can:ere
Introdução
A emergência da memória
São raras as palavras tão banalizadas como «memó
ria), A. sua difusào é ainda mais impressionante dada a
sua entrada tão tardia no domínio das ciências sociais.
Durante os anos 1960 e 1970 ela estava praticamente
ausente dos debates intelectuais. Não figura na edição
de 1968 da lntertlational Encydopedia oi lhe Soda! SúenreJ,
publicada em Nova Iorque sob a direcção de David L.
Sills, nem na obra colectiva intitulada Faire de I'lIÍ.rtoire,
publicada em 1974 sob a direcção de Jacques le GofE
e Pierte Nora, nem mesmo em Krywords, de Raymond
Williams, um dos pioneiros da história culturaP. Alguns
anos mais tarde teria já penetrado profundamente no
debate historiográfico.
9
,
.-\ «memória» é recorrentemente utilizada como si
nónimo de história e tcm uma particular tendência para
absorvê-la, tornando-se ela própria numa espécie de
\categoria meta-histórica. Captura o passado numa rede
de malha mais larga do que a disciplina tradicionalmen
te denominada história, aí depositando uma dose bem
maior de subjectividade, de «vivido», Em suma, a me
mória aparece como um história menos árida e mais
«humana»2. ~-\ memória invade hoje em dia o espaço
público das sociedades ocidentais. a passado acompa
nha o presente e instala-se no seu imaginário colectivo
como uma ((memória» extremamente amplificada pelos
meios de comtmicação e frequentemente regida pelos
poderes públicos, ~.\ memória transforl!la..::.s.c em «ob~es
sã?_.<;<?-,::~~~nl:?~~~V:~}) .e. a v:alorização, por vezes mesmo a
sacraliza~ão, dos «lugares de memória» engendra uma
verdadeira «topolatriro,.',. Esta memória superabllildan
te e saturada sinaliza o espaço-t, Tudo doravante con
tribui para «fazer» memória. a passado transforma-se
em memória colectiva depois de ter sido seleccionado
e reinterpretado segundo as sensibilidades culturais,
as interrogações éticas e as conveniências políticas do
presente. Assim toma forma o «turismo da mem~.~~l»!.
com a transformação de locais históricos em museus e
em lugares de visitas organizadas, dotadas de estruturas
de acolhimento adequadas (hotéis, restaurantes, lojas de
10 r
recordaçõcs, etc), e promovido junto do público atra
vés de estratégias publicitárias dirigidas.
Os centros de investigação e as sociedades de his
tória local são incorporados nos dispositivos deste
turismo da memória em que por vezes encontram os
seus meios de subsistência. Por um lado, este proces
so decorre indubitavehnente de uma rqjicarãfL.dsL-RJJ,f.f11-
~~, ou seja, da sua transformação em objecto de con
sumo, estetizado, naturalizado e rentabilizado, pronto
para ser utilizado pela _indústria do turismo. e do es
pectáculo, especialmente pelo :§;~a, .o historiador é
frequentemente chamado a participar nesse processo,
na qualidade de «profissional» e de «especialista» que,
nos termos de alivier Dumouhn, faz da sua arte um
«produto comerciab) da mesma forma que o são os
bens de conswno que invadem as nossas sociedades.
A Public IIútory americana, com os seus historiado
res a trabalhar para instituições ou mesmo empresas
privadas sujeitas à lógica dO J~'c~~~': há muito que nos
indica o caminhos. Por outro lado, este fenómeno
parece-se igualmente, em vários aspectos, ao que Eric
Hobsbawm chamo~~'<~~ inven~ã~'~ d~ tradi~ç-ã~~~ um '---.~-, -'~-'-~' "."
passado real ou mítico em torno do qual se constro
em práticas ritualizadas que visam reforçar a coesão de
um grupo ou de uma comunidade, legitimar algumas
instituições e inculcar valores na sociedade. Por outras
11
palavras, a memória tende a tornar-se o vector de uma
«religião civil» do mundo ocidental, com o seu sistema
de ~;f~;~~, ~~~~ças, símbolos e !!nugiaS7. ____ •• __ •• ___ " •• '--_0.' ._ ••• ,_ o •• _ ~"--'
De onde vem esta obsessão memorial? A sua prove
niência é múltipla, mas deve-se sobretudo a uma crise
de IrmumúJào no seio das sociedades contemporâneas.
Poderia evocar-se a esse propósito a distinção sugeri
da por \Valter Benjamin entre a «experiência transmi
tida» (l-!.ifahruniJ e a «experiência(~yid~»_ (Erlebnú). A
primeira perpetua-se quase naturalmente de uma ge
ração para a outra, forjando as identidades dos gru
pos e das sociedades num tempo longo; a segunda é
a vivência individual, frágil, volátil e efémera. No seu
Parsagen-Ü:/erk, Benjamin considera a «experiência vivi
da» como um traço marcante de modernidade, com o
ritmo e as metamorfoses da vida urbana, os choques
eléctricos de urna sociedade de massas e o caos calei
doscópico do universo mercantil. .-\ Etjàhrung é típica
das sociedades tradicionais e a Erlebnú é própria das so
ciedades modernas, por vezes como marca antropológi
ca do liberalismo, do individualismo possessivo, outras
vezes como produto das catástrofes do século Àrx, com
o seu cortejo de traumas que afectaram gerações intei·
ras sem que fosse possível inscreverem-se como urna
herança no curso natural da vida. A modernidade, se
gundo Benjamin, caracteriza-se precisamente pelo de-
12
climo da experiência transmitida, um declínio marcado ---:-:--- '"------- --"
simbolicamente ~lo início da Primeira Guerra l\Iun-
diaL Durante esse ,momento de grande trauma europeu,
muitos milhões de pessoas, sobretudo jovens campo
neses que tinham aprendido com os seus antepassados
a viver segundo os ritmos da natureza, no interior dos
códigos do mundo rural, foram brutahnente arranca
dos ao seu universo social e mentaiS, Foram subitamen--'-te submersos «numa paisagem em que quase nada era
reconhecível além das nuvens e, no meio, num campo
de forças atravessado de tensões e explosões destruti
vas, o minúsculo e frágil corpo humaoQ))Q, Os milhares
de soldados que voltaram da frente de guerra, mudos e
amnésicos, comocionados pelos Shell Shotk/ provoca
dos pela artilharia pesada que bombardeava, sem cessar,
as trincheiras inimigas, corporizaram esse corte entre
duas épocas; a da tradição forjada pela experiência her
dada e a dos cataclismos que se furtam aos mecanismos
naturais de transmissão da memória, As desventuras do
Jmemorato di Co!!egno - um ex-combatente amnésico de
dupla identidade, ao mesmo tempo filósofo de Verona
e operário tipográfico de Turim - que apaixonaram os
italianos no período entre as duas guerras, e inspira
ram obras de Luigi Pirandello, José Carlos l\Iariátegui
-" Noml: dado na Prirnl:ira GUl:rra Mundial ao ljUl: hojl: SI.:
dl.:signa, na hríria militar, por combal Jlress readio» (CSR). N.T
13
e Leonardo Sciascia, inscrevem-se nessa mutação pro
funda da paisagem memorial europeia 10. Mas, no fun
do, a Grande Guerra não fazia mais do que completar,
de uma forma convulsiva, um processo cujas origens
foram magistralmente estudadas por Edward Palmer
Thompson num ensaio sobre o advento do, ,te_~p(~)" ~e
cânico, produtivo e disciplinar da sociedade industriaP I.
Outros traumas marcaram a «experiência vivida}) do
século X.X, sob a forma de guerras, genocídios, depu
rações étnicas ou repressões politicas e militares. A re
cordação que deles resultou não foi efémera nem frágil.
Para várias gerações incapazes de ter uma percepção da
realidade que não fosse a de um universo fracturado foi >
mesmo uma recordação fundadora que, porém, não se
constituiu como uma experiência do quotidiano trans
missível a uma nova geração 12. Uma primeira resposta
à nossa questão inicial poderia, assim, formular-se da
segtúnte forma: a obsessão memorial dos nossos dias é
um produto do declinio da experiência transmitida num
mundo que perdeu as suas referências, desfigurado pela
violência e atomizado por um sistema social que apaga
as tradições e fragmenta as existências.
É necessário que nos interroguemos sobre as formas
dessa obsessão. A memória - a saber, as representações
colectivas do passado tal como se forjam no presente
- estrutura as identidades sociais, inscrevendo-as numa
14
continuidade histórica e dotando-as de um sentido, ou
seja, çie um conteúdo e de uma direcção. A sociedades
humanas possuíram, sempre e em todo o lado, uma me
mória colectiva mantida através de ritos, cerimónias e
mesmo po/itú't/J'. /\s estruturas elementares da memó~~_
<;9.I.~<:!~~_~!:~_~dem na comemoração dos mortos. Tradi
cionalmente, no mundo ocidental, os ritos e os monu
mentos funerários celebravam a transcendência cristã
- a morte como passagem para o Além - c, ao mesmo
tempo, reafirmavam as hierarquias sociais «aqui em bai
xo». N a modernidade, as práticas comemorativas meta
morfoseiam-se. Por um lado, com o fim das sociedades
do Antigo Regime, democratizam-se ao investirem a
sociedade no seu conjunto; por outro, secularizam-se
e tornam-se funcionais, veiculando novas mensagens
dirigidas os vivos. A partir do século XIX, os monu
mentos comemorativos consagram os valores laicos (a
Pátria), defendem princípios éticos (o Bem) e politicos
(a Liberdade) ou celebram acontecimentos fundadores
(guerras, revoluções). Começam a tornar-se símbolos
de um sentimento nacional vivido como uma «religião
civih>. Segundo Reinhart Koselleck, «O declínio da in
terpretação cristã da morte deixou o campo livre para
interpretações puramente políticas e sociais}}':>. Iniciado
com a Revolução Francesa, berço das primeiras guerras
democráticas do mundo moderno, o fenómeno apro-
15
fundou-se depois da Grande Guerra, quando os mo
numentos aos soldados caídos em combate começaram
a organizar o espaço público em todas as povoações.
Hoje, o trabalho de luto mudou de objecto e de
formas. Nesta viragem de século, Auschwitz tornou-
-se a base da memória colectiva do mundo ocidenta1. A
política da memória - comemorações oficiais, museus,
filmes, etc. - tende a fa7:er da Shoah a metá~?!~_~~,:.j culo x.~ como idade de guerras, de totalitarismos, de "
genocidios e de crimes contra a humanidade. N o centro
deste sistema de representações instala-se uma figura
nova, a y;~;;;~~71ã,\o sobrevivente dos campos nazis. ,-_._- _ ... -- _. '''" ~ -- ..
1\ recordação de que é portador e a atenção que lhe
é reservada (após décadas de indiferença) abalaram o
historiador, ao criarem desordem na sua oficina c ao
perturbarem o seu modo de trabalho. Por um lado, o
historiador teve de se render à evidência das limitações
dos seus procedimentos tradicionais e das suas fon
tes, bem como ao contributo indispensável das teste
munhas para a reconstrução de experiências como o
universo concentracionário e a máquina exterminadora
do nazismo. A testemunha pode oferecer-lhe elemen
tos de conhecimento factual inacessíveis através de
outras fontes, mas sobretudo pode ajudá-lo a restituir
a qualidade de uma experiência histórica cuja textura se
modifica depois de enriquecida pelas vivências dos seus
16
actores. Por outro lado, o aparecimento da testemunha
c, em consequência, a entrada da memória na oficina
do historiador vieram pôr em causa alguns práticas ha
bituais, como por exemplo as de uma história estrutural
concebida enquanto um processo de acumulação) no
tempo longo, de vários estratos (território, demografia,
trocas, instituições, mentalidades) que permitem apre
ender as coordenadas globais de uma época, mas que
deixam muito pouco espaço à .~':!,!Ü~!!~~da~e dos ho
mens e das mulheres que fé;em a História1.\.
Entrámos, para usar as palavras de Annette
Wieviorka, na ~<~ra da, testemunha», que, colocada sobre
wn pedestal, encarna um passado cuja recordação é pres
crita como wn dt:ver cívicol~JA testemunha identifica-se
cada vez mais com a vítima, outra marca desta era. Igno
rados durante décadas, os sobreviventes dos campos de
extermínio nazis tornaram-se hoje,5_0~tra ª sua vontade,
ícones~~os., São cristalizados nwna posição que não
escolheram e que nem sempre corresponde à sua ne
cessidade de transmitir a experiência vivida. Outras tes~
temunhas, antes apontadas como heróis exemplares, tal
como a resistência que pegou em armas para combater
o fascismo, perderam a sua aura ou caíram mesmo no
esquc,çims:;nto •. engolidas pelo «fim do comunismo» que,
eclipsado da história com os seus mitos, na sua queda
arrastou as utopias e as esperanças que havia encarnado.
17
A memória destas testemunhas já só a poucos interessa,
numa época de humanitarismo onde já não há venádos
mas apcna(;7i~~sta dissiroetria da recordação - a sa
cralização das vítimas antes ignoradas e o esquecimento
de heróis anteriormente idealizados - indica a ancora
gem profunda da memória colcctiva no presente, com as
suas mutações e regressões paradoxais.
A memória conjuga-se sempre no presente, que de
termina as suas modalidades: a sucessào de aconteci
mentos de que se devem guardar recordações Cc de tes
temunhas a escutar), a sua interpretação, as suas «lições)),
etc. Ela transforma-se em questão política e toma a for
ma de uma injunção ética - 9.<idc.ycr.da mcrnó!ia~-=- que
frequeftemente se transforma em fonte de abusos]('. Os
exemplos não faltam. Todas as guerras destes últimos
anos, da primeira à segunda guerra do Golfo, passan
do pela guerra do Kosovo e pela do ~\feganistão, foram
também guerras da _rne~-~~_i~ pois foram justificadas pela
evocação ritual do dever de memória l7• Saddam Hussein,
Arafat, i\.filosevic e George W Bush foram comparados
co~_,~_~e.~ nas palavras de ordem das manifestações,
nos cartazes, nos meios de comunicação e no discurso
de alguns líderes políticos. O islamismo político é muitas
vezes identificado com o fanatismo nazi. O historiador
israelita Tom Segev indica que Menahem Bcgin tinha
vivido a invasão israelita do Lbano, em 1982, como um
18
acto reparador, um sucedâneo fantasmático de um exér
cito judaico que teria expulso os nazis de Varsóvia em
194yH. i\Iais recentemente, em 2002, o Consistório cen
tral dos israelitas de 1 "rança declarou que o país estava à
beira de uma onda de antissemitismo comparável à que
se abateu na Alemanha nazi durante a Noite de Cristal
em Novembro de 19381'J. Para o escritor português José
Saramago, em contraposição, a ocupação israelita dos
territórios palestinos seria comparável ao Holocaus
t020• Durante a guerra na ex-]ugoslávia, os nacionalistas
sérvios viam as depurações étnicas contra os albaneses
do Kosovo como uma vingança contra a antiga opres
são otomana, enquanto em França os profissionais do
anticomunismo viam as bombas sobre Belgrado como
tuua defesa da liberdade contra o totalitarismo. ~\ lis
ta poderia cont.inuar, .\ dimensão política da memória
colectiva - e os abusos que a acompanham - não pode
deixar de afectar a maneira de escrever a história,
Este livro propõe-se explorar as relações entre a
história e a memória e analisar alguns aspectos do uso
público do passado. A matéria que se oferece a essa
reflexão é inesgotável. Baseei-me em alguns temas co
nhecidos e sobre os quais tenho trabalhado nos últimos
anos. Outros de igual importância ficaram excluídos ou
são pouco evocados neste ensaio, que pretende partici
par num debat~;;'~o-e'aínda'emábe::J
19
I História e memória:
uma dupla antinómica?
Rememorarão
História e memória nascem de uma mesma preocu
pação c partilham o mesmo objecto: a elaboração do
____ pass_ad? No entanto, existe uma «hierarquia)) entre as
duas. De acordo com Paul Ricoeur, a memória possui
um estatuto matriáa/1• A história é um relato, uma es
crita do passado segundo as modalidades e as regras de
um oficio - de uma arte ou, com muitas aspas, de uma
«ciência» - que tenta responder a questões suscitadas
pela memória. A história nasce, portanto, da memória,
libertando-se desta ao colocar o ,passado à distância, ao
considerá-lo, segundo a expressão de Oakeshott, como
21
«um passado em SD)~. A história acaba, enfim, por fa
zer da memória um dos seus domínios de investigação,
como prova a história contemporânea. Também cha
mada de «história do tempo presente», a história do sé
culo XX analisa o testemunho dos actores do passado e
integra o relato oral nas suas fontes, a par dos arquivos e
de outros doclUTIentos materiais ou escritos. Em suma,
a história nasce da memó~a, de que é uma das dimen
sões, e posteriormente, adaptando uma postura auto
-reflexiva, transforma a memória num dos seus ol!}"ect?J.
Proust continua a ser uma referência obrigatória
para toda e qualquer meditação sobre a memória. Nos
seus comentários sobre a obra Em BUJm do Tempo Per
dido, Walter Benjamin sublinha que Proust «não descre
veu uma vida tal como ela foi, mas uma vida como a re
memora alguém que a vivew). E continua comparando
a {{memória involuntária» de Proust - que traduz como
«trabalho de rememo ração espontânea» (1-!.inl!,edenken),
onde a recordação é a embalagem e o esquecimento é o
conteúdo - com um «trabalho de Penélope» onde é «o
dia que desfaz o que a noite tinha fcito». Cada manhã,
ao acordar, «não temos em mãos mais do que algumas
franjas, em geral frágeis e lassas, da tapeçaria do vivido . .;
que o esque~lffiento em nos tecew) .
Tirando a sua força da experiência vivida, a memó
ria é eminentemente sul?jectiva. Fica ancorada aos fac-
22
tos a que assistimos, dos quais fomos testemunhas, ou
mesmo actores, e às impressões que deixaram no nosso
espírito. A memória é qualitativa, singular, pouco preo
cupada com comparações, com a contextualização, ou
com generaliza~ões. Quem a transporta não necessita
de apresentar provas. O relato do passado prestado por
tuna testemunha - sempre que não seja um mentiroso
consciente - será sempre a sua verdade, ou seja, a ima
gem do passado em si d~post~. Pelo seu carácter sub
jectivo, a memória nunca é cristalizada; mais se parece
com um estaleiro aberto, em contínua operação. Nào
é apenas, segundo a metáfora de Benjamin, «a tela de
Penélope» que se modifica todos os dias devido ao es
quecimento que «ameaça» em permanência, para reapa
recer mais tarde, por vezes muito mais tarde, tecida de
lUTIa forma diferente. Não é só o tempo a erodir e a en
fraquecer a recordação. A memória é uma construção,
sempre filtrada por conhecimentos adquiridos poste
riormente, pela reflexão que se segue ao acontecimento,
por experiências que se sobrepõem à primeira e modifi
cam a recordação. O exemplo clássico é, uma vez mais,
o dos sobreviventes dos campos nazis. Muitas vezes, o
relato da permanência em Auschwitz por um ex-depor
tado judeu e comunista modifica-se consoante a sua re
lação com o Partido Comunista. Durante os anos 1950,
antes da ruptura com o Partido, coloca a sua identidade
23
política em primeiro plano ao apresentar~se como um
deportado antifascista. Depois, durante os anos 1980,
conswnada a ruptura, considera-se em primeiro lugar
um deportado judeu, perseguido como judeu e teste
mWlha do aniquilamento dos judeus na Europa. Bem
entendido, seria absurdo distinguir entre dois testemu
nhos prestados pela mesma pessoa em dois momentos
diferentes da sua vida, elegendo um como falso e outro
como verdadeiro. Os dois são autênticos, mas cada um
deles ilumina uma parte da verdade filtrada pela sensi
bilidade, pela cultura e também, poderia acrescentar-se,
peIas representações identitárias, ou mesmo ideoló
gicas, do presente. Resumindo, a memória, individual
ou colectiva, é uma visão do passado que é sempre fil
trada pelo presente. Nesse sentido, Benjamin definiu o
procedimento de Proust como uma «presentificação»
(Vet:.~egenwdrligulJi/. Seria ilusório pensar-se no «antes»
(das GeweJ"ene) como uma espécie de «ponto h.X(M de que
nos poderíamos aproximar através de wna reconstrução
mental a pOJ/enon. O «acontecido» é em larga medida
configurado pelo presente, visto ser a memória a «esta
beleceD) os factos: trata-se, segundo Benjamin, de uma
«revolução coperniciana na visão da histórill»5. Benjamin
reafirma es t:r conceito nas «reflexões teóricas» do seu
PaJJagen-Werk, quando considera «o passado em colisão
com o presente», acrescentando que «é o presente que
24
polariza o acontecimento (das Gwhehen) em história
anterior e história posterioo). A história, continua Ben
jamin, «não é apenas uma ciência», já que é «ao mes
mo tempo uma forma de rememoração (c.illgedenken»)ú.
?-.1ais recentemente, numa linha semelhante, François
Hartog forjou a noção de «presentismo» a fIm de des
crever uma situação em que «o presente se tornou o
horizonte», um presente que, «sem futuro e sem pas
sado», permanentemente engendra os dois segundo as
suas necessidades 7.
1 \ história, que no fWldo, lembrava Ricoeur, não é
mais do que wna parte da memória, escreve-se sem
pre no presente. Para existir como campo do saher, no
entanto, a história deve emancipar-se da memória, não
rejeitando-a mas colocando-a à distância. Um curto-cir
cuito entre história e memória poderia ter consequên
cias prejudiciais para o tt""J.balho do historiador.
Uma boa ilustração deste fenómeno é oferecida
pelo debate dos últimos anos em torno da «singula
ridade) do genocídio judeuil• A irrupção desta contro
vérsia no domínio do historiador relaciona-se, inevi
tavelmente, com o percurso da memória judaica, com
a sua emergência no seio do espaço público e a sua
interferência nos métodos tradicionais de pesquisa que
foram subitamente confrontados com autobiografias
e com arquivos audiovisuais que apresentam os teste-
25
munhas dos sobreviventes dos campos de concentra
ção. Se uma tal «contaminação» da historiografia pela
memória se revelou extremamente frutuosa, nào deve
no entanto ocultar uma observação metodológica tão
banal como essencial: a memória JÚIJ"ulariza a histó
ria, na medida em que é profundamente subjectiva,
selectiva, muitas vezes desrespeitadora da cronologia,
indiferente às reconstruções de conjunto e às raciona
lizações glo bais . .A sua percepção do passado não pode
ser senào irrcdutivelmente singular. Onde o historia
dor não vê mais do que uma etapa de um processo,
do que um aspecto de um quadro complexo em mo
vimento, a testemunha pode captar um acontecimento
crucial, o ponto de viragem numa vida. O historiador
pode decifrar, analisar e explicar as fotografias conser
vadas do campo de Auschwitz. Ele sabe que aqueles
que descem do comboio são judeus, ele sabe que o SS
que os observa fará uma selecçào e que a grande maio
ria das figuras daguela fotografia não terá mais dos
que algumas horas de vida à sua frente. A uma teste
munha, essa fotografia dirá muito mais. Lembrar-se-á
das sensações, das emoções, dos ruidos, das vozes, dos
cheiros, do medo e da desorientação da chegada ao
campo, da fadi&.a de wna longa viagem efectuada em
condições horrf~·eis, sem dúvida da visão do fumo dos
crematórios. Dito de outra forma, lembrar-se-á de um
26
conjunto de imagens e de recordações todas elas sin
gulares e completamente inacessíveis ao historiador,
senào com base num relato a pOJteriori, fonte de uma
empatia incomparável àquela que a testemunha pôde
reviver. A fotografia de um Hiijt/iI{p'· significa aos olhos
do historiador uma vítima anónima; para um paren
te, um amigo ou um camarada de detenção, evoca um
mundo absolutamente único; para o observador exte
rior, não representa - como diria Siegfried Kracauer
- mais do que uma realidade «não redimida)) (1I1!er/rir/f·
O conjunto daquelas recordações forma uma parte da
memória judaica, uma memória que o historiador nào
pode ignorar e que deve respeitar, que deve explorar
e compreender, mas à qual não se deve submeter. O
historiador nào tem o direito de transformar a sin
gularidade dessa memória num prisma normativo da
escrita da história. A sua tarefa consiste muito mais
na inscrição dessa singularidade da experiência vivida
num contexto histórico global, tentando esclarecer as
causas, as condições, as estruturas, a dinâmica de con
junto. Isto significa aprender com a memória depois
de a passar pelo crivo de uma verificação objectiva,
empírica, documental e factual, assinalando, se ne
cessário for, as suas contradições e armadilhas. Este
* Prisioneiro. N.T
27
procedimento pode ajudar a recordação a tornar-se
mais nítida, a clarificar os seus contornos, a tornar-se
mais exigente, e também a trazer luz sobre aquilo que
na lembrança não é redutível a elementos factuais]().
Se pode haver uma singularidade abJolJlta da memó
ria, a da história será sempre relativa" . Para um judeu
polaco, Auschwitz significa qualquer coisa de terrivel
mente único: o desaparecimento do universo humano,
social e cultural onde nasceu. Um historiador que não
consiga compreender isso jamais conseguirá escrever
um bom livro sobre a Shoah, mas o resultado da sua
pesquisa também não seria melhor se concluísse - tal
como o fez, por exemplo, o historiador norte-america
no Steven Katz - que o genocídio judaico foi o único
da história'~. Segundo Eric Hobsbawm, o historiador
não se deve subtrair a um dever de universalismo:
«Uma história que diga respeito apenas aos judeus (ou
aos negros americanos, aos gregos, às mulheres, aos
proletários, aos homossexuais, etc.) não será uma boa
história, mesmo que possa reconfortar quem a prati
ca.»!.}. É normalmente muito difícil, para os historia
dores que trabalham sobre fontes orais, encontrar o
equilíhtto justo entre empatia c distanciação e entre
o reconhecimento das singularidades e a perspectiva
geral.
28
5 eparafões
É apenas a partir do início do século XX, quando os
paradigmas do historicismo clássico entraram em
crise, questionados simultaneamente pela filosofia
(Bergson), pela psicanálise (Freud) e pela sociologia
(T Ialbwachs), que história e memória passaram a for
mar um par ant1nómico. Até então a memória era con
siderada o substrato subjectivo da história. Para I regel,
a história (GcJ(hú;hte) possuía duas dimensões comple
mentares, uma objectiva e outra subjectiva: de um lado,
os acontecimentos (reJ geJtae); do outro, a sua narração
(hiJtoria remm geJtarum); isto é, os «factos» e o seu ({re
lato históricQ)'~. A memória acompanha o desenrolar
da história como uma espécie de sua protectora, já que
constitui o seu «fundamento interion), c as duas encon
tram a sua rea/i:;pf-ão no Estado, cuja história mnla (<<a
prosa da História»)L') rcllccte, como um espelho, a ra
cionalidade intrínseca. Hegel apresenta esse domínio
estatizado do passado sob a forma alegórica do conflito
entre Cronos, o deus do tempo, c Zeus, o deus políti
co. Cronos mata os seus próprios filhos. Engole tudo
à sua passagem, não deixando rasto. Mas Zeus conse
gue dominar Cronos, porque criou o Estado, capaz de
transformar em história tudo aquilo que Mnemósina, a
deusa da memória, pôde colectar após a passagem de
vastadora do tempo. Na Fenomenologia do Espírito, a me-
29
mária define a historicidade do Espírito (Ceist), que se
manifesta simultaneamente como «recordaçãm) (Erin
nerunJ'J e movimento de «interiorização» (Er-Innerunj) ,
enquanto que o Estado constitui a sua expressão exte
rioru,. Para Hegel, apenas os povos estatizados, dota
dos de uma história escrita, possuem uma memória. Os
outros - «os povos sem história» (gexchúhtlose V01ker), ou
seja, o mundo não europeu desprovido de um passado
estatal e do seu relato codificado pela escrita - não po
dem superar o estádio de uma memória primitiva, feita
de «imagens» mas incapaz de se condensar em consci
ência histórica17• Daqui resulta uma visão dupla da his
tória, como prerrogativa ocidental e como dispositivo
de dominação. Nào só é pertença exclusiva da Europa,
como só pode existir enquanto relato apologético do
poder1/l, aquilo que Benjamin denunciou como empatia
historicista com os vencedores1!).
No entanto, no seguimento da crise do historicis
mo, da crítica ao paradigma eurocentrista no período da
descolonização e, depois, com a emergência das clas
ses subalternas como sujeitos políticos, a história e a
me~ria dissociaram-se. A história democratizou-se,
rompendo as fronteiras do Ocidente e o monopólio das
elites dominantes; a memória, por sua vez, emancipou
-se da dependência exclusiva da escrita. A relação entre
história e memória reconfigurou-se como uma tensão
30
dinâmica. ~\ transição não foi nem linear nem rápida
e, de runa certa forma, ainda nào foi concluída. Nos
últimos trinta anos, os historiadores alargaram as suas
fontes, mas continuam a privilegiar os arquivos, que nào
deixaram de ser o depósito dos vestigios de um pas
sado conservado pelo Estado. Só recentemente é que
os «subalternos» foram reconhecidos como sujeitos da
história e se tornaram objecto de estudo. E foi ainda
mais recentemente que se começou a tentar escutar a
sua voz. Em 1963, François Furet ainda pensava que
podia integrar as classes subalternas na história apenas
num plano quantitativo, tomando-as em consideração
unicamente sob o signo «do número e do anonimato»,
como elementos «perdidos no estudo demográfico ou
sociológico», ou seja, como entidades condenadas a
permanecer «silenciosas)f~(). No fundo, para aguele ad
mirador de Tocqueville, as classes trabalhadoras perma-
neciam ainda como «povos sem história».
no decurso dos
;\ mutação
anos 1960. operou-se precisamente
~\ primeira grande obra de história social das classes
subalternas, The Makilzg qf the Englúh Lf70rkineg ClaJJ, de
Edward Palmer Thompson, data de 1963; a Hútoire de la
folie à I'âge daJJique, de Foucault, data de 1964; e o pon
to de partida da micro-história, 11 formaggio e i vermi, de
Carlo Ginzburg, que reconstrói o universo de um mo
leiro de Prioul no século XVI, data de 1976::1• De igual
31
modo, para a historiografia, as mulheres só passaram a
ter uma história há trinta anos22• Até então, as mulheres
estavam excltúdas da mesma forma que o estavam os
«povos sem história}} de Hegel. Os Suba/tern StudieJ, por
seu lado, nasceram na Índia no início dos anos 1980.
O seu objectivo é rescrever a história já não como «a
obra da Inglaterra na Índia}), nem como a das elites
indianas formadas durante a dominação colorrial, mas
como história dos «subalternos», o povo cuja «pequena
voz» (sma/f voice) procura escutar-se e que «a prosa da
contra-insurreição» depositada nos arquivos de Estado
não nos pode restituir, pois a sua função consiste exac
tamente em submergi-Ial-'. É neste contexto de alarga
mento das fontes do historiador e de questionamento
das hierarquias tradicionais que se inscreve a emergên
cia da memória como uma nova oficina de escrita do
passado.
O primeiro a codificar a dicotomia entre as flutu
ações emocionais da recordação e as construções ge
ométricas do rdato histórico foi ;\faurice I-Ialbwachs,
na sua ohra já clássica sohre a memória colectiva. Aí
denunciou o carácter contraditório da expressão «me
mória histórica» por unir dois elementos que, a seu ver,
se opõem. Para Halbwachs, a história começa onde ter
mina a tradição ~(se decompõe a memória social»l~,
estando as duas separadas por uma clivagem insanável.
32
A história supõe wn olhar exterior sobre os aconteci
mentos do passado, enquanto a memória implica uma
relação de interioridade com os factos relatados. A
memória perpetua o passado no presente, enquanto a
história fixa o passado numa ordem temporal fechada,
acabada, organizada seguindo procedimentos racionais
i nos antípodas da sensibilidade subjectiva do vivido. i\ I
II memória atravessa as épocas, enquanto a ~is.t~ria as se- .
para. No fundo, Halbwachs opõe a multlplicH.lade das
memórias - ligadas aos indivíduos e aos grupos que
delas são portadores e sempre elaboradas em quadros
SOCIaIS definidos25 - ao carácter unitário da história,
que se declina em histórias nacionais ou em história
universal, mas que exclui a coexistência de vários re
gimes temporais nwn mesmo rclato::'i,. Em resumo,
Halbwachs opõe uma história positivista - o estudo
científico do passado, sem interferências com ü presen
te - a uma memória subjectiva baseada nas vivências
dos indivíduos e dos grupos. Radicalizando a pers
pectiva, compara a clivagem que separa a história da
memória à que opõe o tempo matemático ao «tempo
vivido» de Bergson17• A história, refere o autor, igno
ra as percepções subjectivas do passado ao privilegiar
cortes convencionais, impessoais, racionais e objectivos
(Halbwachs refere o exemplo da Cbronologie univerJelfe, de
Dreyss, publicada em Paris em 1858fH.
33
Essa dicotomia foi retomada, mais recentemente,
por Yosef IIaym Yerushalmi que, na sua qualidade
de historiador, se apresenta como um recém-chegado ao
mundo judaico. Numa comunidade unida pela religião,
a imagem do passado foi forjada no decorrer dos sé
culos graças a uma memória ritualizada que fixava as
modalidades e os ritmos de uma temporalidade judaica
separada do mundo exterior. Por consequência, a his
toriografia judaica nasce de uma ruptura com a memó
ria judaica, a única que anteriormente tinha assegurado
uma continuidade, em termos de identidade e de auto
-representação, no seio do mundo judaico. Essa ruptura
foi marcada pela Emancipação judaica, movimento que
engendrou um processo de assimilação cultural com o
meio envolvente e, no interior da comunidade, o des
moronamento da antiga organização social centrada na
sinagoga. Inscrevendo-se num mundo secularizado e
adaptando as divisões temporais da história profana, a
história judaica - cujo início foi marcado pela escola da
l17úienid}~/i dej' .1udet1tumi, nascida em Berlim no início
do século XIX - não poderia senào operar uma ruptu
ra, pelas suas modalidades, fontes e objectivos, com a
memória judaica~').
A antinomia entre história e memória foi reafir
mada por Pierre Nora, a quem se deve a renovação, a
partir dos anos 1980, do debate historiográfico sobre
34
a memóna. Recuperou para si a tese de Ilalbwachs,
mas apresentando uma visão bem mais problemática
das vicissitudes da escrita da história. i\lemória e histó
ria, explica Nora, estão longe de ser sinónimos, já que
«tudo as opõe). A memória é «a vid.,\», o que a expõe «à
dialéctica da recordação e da amnésia, inconsciente das
suas deformações sucessivas, vulnerável a todas as uti
lizações e manipulações, susceptível de longas latências
e de súbitas revitahzações». Ora, esse «vínculo vivido
no presente eterno» não pode ser assimilado à história,
representação do passado que, mesmo se problemática
e sempre incompleta, se quer objectiva e retrospectiva,
fundada na distância. A memória é «afectiva e mágica»,
com tendência para sacrahzar as recordações, enquanto
a história é uma visão secular do passado, sobre o qual
constrói «um discurso critiCO»). A memória tem uma vo
cação singular, ligada à subjectividade dos indivíduos e
dos grupos, a história tem uma vocação universal. «.Ao.
memória é um absoluto e a história apenas conhece o
relativo».311 A partir dessa constatação, Nora não pode
conceber senão uma relação entre história e memória,
a de uma análise e reconstrução da memória segundo
os métodos das ciências sociais de que a história faz
parte. Nessa perspectiva, Nora abriu um novo campo
historiográfico extremamente ambicioso: reconstruir a
história nacional em torno dos «lugares da memória»,
35
do território às paisagens, dos símbolos aos monumen
tos, das comemorações aos arquivos, dos emblemas aos
mitos, da gastronomia às instituições, de Joana d'Arc à
Torre Eiffel.
Todavia, longe de serem o quinhão exclusivo da
memória, os riscos de sacralização, mitificação e am
nésia espreitam permanentemente a escrita da própria
história e uma grande parte da historiografia moderna
e contemporânea caiu nessa armadilha, O projecto de
Nora não escapa a essa regra, ao reservar um espaço
bem modesto para o passado da França colonial en
tre a multitplicidade de «lugares de memória>" Segundo
Perry Anderson, o mais severo dos seus críticos, o pro
jecto editorial de Nora reduz as guerras coloniais fran
cesas, da conquista da Argélia à derrota na Indochina,
«a uma exposição de bugigangas exóticas que poderiam
ter estado presentes na exposição universal de 1931. O
que valem os lugares de memón'a que se esquecem de in
cluir Diên Biên Phú?,)"'l
i\. história, da mesma forma que a memóna, não
tem apenas as suas falhas; pode também desenvolver
-se e encontrar a sua razão de ser no desaparecimento
de outras histórias e na negação de outras memórias,
Como referiu Edward Saíd, a arqueologia israelita, que
procura trazer à superfície os traços milenares do pas
sado judaico da Palestina (vista por alguns como uma
36
«arqueologia - religião nacionab), escavou a terra com
o mesmo afinco com que os bulldozeri destruíram os
traços materiais do passado árabo-palestino~2,
Por outro lado, deve ter-se em conta a influência da
história sobre a própria memória, já que não existe me
mória literal, original e não contaminada: as recorda
ções são constantemente elaboradas por uma memória
inscrita no espaço público, submetidas aos modos de
pensar colectivos, mas também influenciadas pelos pa
radigmas especializados da representação do passado,
Esta situação deu lugar a lul)ridos - certas autobio
grafias cntram nessa categoria - que permitem à me
mória revisitar a história, destacando os pontos cegos
e as generalizações apressadas, e à história corrigir as
armadilhas da memória, obrigando-a a transformar-se
em análise auto-reflexiva e em discurso crítico, Uma
obra como Oi que mmmbem e OJ que Je Ja/vam, de Pri
mo Levi3\ articula história e memória num relato de
novo tipo, inclassificável, fundado sobre um vai e vem
permanente entre os dois, Pierre Vidal-Naquet, na sua
auto-biografia, relata as suas recordações com o rigor
de um historiador que verificou as suas fontes e sub
mete a sua memória ao teste de apresentação de provas,
dando-lhe, no entanto, a forma de um balanço retros
pectivo e muitas vezes crítico, Não se trata apenas do
Jetl relato, como refere no prefácio, porque ele tem em
37
conta a correspondência dos seus pais, o diário do seu
pai e o diário que a sua irmã começou a escrever depois
da detenção e deportação dos seus pais, mas também
e sobretudo porque se apoia no seu conhecimento de
todo um período histórico. «É nesse sentido - escreve
- que se trata tanto de um livro de história como de mc
mória, um livro de história de que sou, a uma Só vez, o
autor e o objccto.)r'~ Pcrtencendo ao mesmo tempo ao
registo da memória e ao da história, estes dois exemplos
não entram na dicotomia estabelecida por Halbwachs,
Yerushalmi e Nora.
Empatia
A mesma oposição entre história e memória está for
temente presente na historiografia do nacional-socia
lismo, como ° demonstrou claramente, em meados
dos anos 1980, a correspondência entre dois grandes
historiadores, Martin Broszat c Saul FriedEinderJ·'i. Pro
curando sustentar a sua defesa de uma historicização
do nazismo capaz de romper a tendência para «insu
larizan> o período de 1933-1945 por ra7:ões morais,
Bros7,at reivindica um método cientifico capaz de se
emancipar da «recordação mítica» das vítimas.v,. A me
mória dos sobreviventes do genocídio dos judeus sus
cita evidentemente o seu respeito, mas deveria ficar ex-
38
cluída das fontes do historiador e não interferir com o
seu trabalho. Face ao positivismo radical de tal posição,
perguntamo-nos se ela não encobre a parte de memó
ria vivida e afectiva presente na historiografia alemã do
pós-guerra, nomeadamente a historiografia do nazismo
elaborada pela «geração da Hillet:j/(gend\> li. Para lá dos
julgamentos que sobre esses resultados - muitas vezes
notáveis - possam ser feitos, wna constatação impõe
-se: wna característica partilhada pela maior parte dos
seus representantes reside precisamente na exclusão das
vítimas do nazismo do seu campo de investigação, para
não dizer do seu horizonte epistemológico. Essa carac
terística perpetuou-se, aliás, no trabalho de uma nova
geração, muitas vezes centrada na análise da máquina de
morte do nazismo, mas que raramente se interessa pelo
testemunho das vítimas, Nessa historiografia, as vítimas
ficam num plano secundário, anónimas e silenciosas·1H•
Esse problema poderia ser também abordado a par
tir de uma outra perspectiva. O recalcamento dos anos
negros na Alemanha do pós-guerra - recalcamento da
S'thuk!lrC{g/* e dos crimes nazis - não terá tido, entre os
seus efeitos, o de transformar numa espécie de tabu os
bombardeamentos que destruíram as cidades alemãs,
* Juventude hitleriana. N.T
** A questão da culpa. N.T.
39
tema que tem sido ignorado até a uma época recente,
tanto pela literatura como pelo cinema e pela historio
grafia? Essa é a hipótese sugerida por W. G. Sebald, para
quem a ausência de qualquer debate público e de obras
literárias sobre esse trauma colectivo se deve ao facto
de «um povo que havia assassinado e explorado até à
morte milhões de homens ter ficado impossibilitado de
exigir às potências vitoriosas que prestassem contas so
bre a lógica de uma política militar que tinha ditado a
erradicação de cidades alemãs»"w.
Opor radicalmente história e memóna é, pOIS,
uma operaçào perigosa e discutível. Os trabalhos de
Halbwachs, Yerushalmi e Nora contribuíram para mos
trar as diferenças profundas que existem entre história
e memória, mas seria errado deduzir daí a sua incom
patibilidade ou considerá-las como irredutíveis. O que
a sua interacção cria é um campo de tensões no interior
do qual se escreve a história. Sem dúvida que Amos
Fukenstein tem razào quando indica, no ponto de en
contro entre história e memória, a emergência de um
terceira instância, a que chamou IXJIlJt:iêmia húlónaio.
A correspondência com Broszat foi, aliás, o ponto
de partida de Saul Friedlander para uma reflexão fecun
da sobre as condições de escrita da história. Se o histo
riador não trabalha fechado na clássica torre de marfim,
ao abrigo dos rumores do mundo, também não vive
40
dentro de uma câmara frigoríf1ca, imune às paixões do
mundo. Ele está submetido às condicionantes de um
contexto social, cultural e nacional. Não escapa às influ
ências das suas recordações pessoais, nem às de um sa
ber herdado, de que pode tentar libertar-se, não através
da sua negação, mas de um esforço de distanciamento
crítico. Nessa perspectiva, a sua tarefa não consiste em
tentar pôr de lado a memória - pessoal, individual e
colectiva - mas em colocá-la à distância e em inscrevê
-la num conjunto histórico mais vasto. Há então no tra
balho do historiador uma dimensào de frall!ferenáa que
orienta a escolha, a abordagem e o tratamento do seu
objecto de pesquisa, e da qual ele deve estar consciente.
Friedlander define assim a escrita da história, recorren
do ao léxico da psicanálise, como um acto de «perla
boraçãQ) (working Ihrough) . .-\ distância cronológica que
separa o historiador do objecto da sua investigação
cria uma espécie de ecrã protector, mas a emoção que,
muitas vezes de forma imprevista e súbita, ressurge no
decurso do seu trabalho inevitavelmente quebra este
diafragma temporal41. Esta empatia ligada à vivência in
dividual do historiador não tem necessariamente efeitos
negativos. Pode também revelar-se frutuosa, se o histo
riador dela estiver consciente e a souber «dominaD)~2.
A obra de FriedIander constitui um bom exemplo
de uma tal capacidade de domínio. Em Nazi Germal!Y
41
and lhe Jewj', inscreveu uma constelação de «destinos in
dividuais» num relato histórico global da Alemanha no
período anterior à Segunda Guerra :Mundial. Foi assim
capaz de ultrapassar a chvagem tradicional dos estudos
do nazismo: de wn lado as pesquisas, feitas essencial
mente nos arquivos, que focalizam a atenção sobre a
ideologia e as estruturas do regime; do outro lado, uma
reconstrução do passado exclusivamente fundada sobre
a memória das vítimas, por vezes baseada numa vasta
literatura testemunhal, outras preservada nos arquivos
visuais e sonoros. FriedEinder tentou integrar essas duas
perspectivas para chegar a uma reconstrução global
do processo histórico, introduzindo a voz das vítimas
numa narrativa que de outro modo se reduziria à análise
das decisões políticas e dos decretos administrativos-tl.
Apesar da sua postura positivista, os historiadores
alemàes da geração da Hitletjux,cl1d, ou seja, aqueles que
nasceram entre 1925 e o início dos anos 1930 (Martin
Broszat, Hans Mommsen, Andreas Hillgruber, Ernst
Noite, Hans-Ulrich \Xlehler, etc.), tendem, também
eles, a estabelecer uma empatia com os actores de um
passado que implica recordações pessoais. As investi
gações sobre a história da vida quotidiana sob o na
zismo (AI!ta..~igesthü#e) desenham, na maior parte das
vezes, um quadro social de que as vítimas simplesmente
desaparecem+!. Outros não escaparam à armadilha do
42
relato apologético. Para Andreas Hillgruber, jovem sol
dado da \Xlehrmachf em 1945, ao descrever o último
ano da Segunda Guerra Mundial, o historiador «deve
identificar-se com o destino da população alemã de
leste e com os esforços desesperados e custosos do
Oi/hee," ( ... ) que visavam defender essa população
contra a vingança do exército vermelho, as violações
colectivas, os assassinatos arbitrários e as inúmeras de
portações, e manter abertas rotas terrestres e marítimas
que permitissem aos alemães dos territórios orientais
fugir em direcção ao Oeste ... »I~. Ora, como lhe re
cordou Jürgen Habermas, a resistência encarniçada da
Wehrmacht nesse último ano de guerra foi também o
que permitiu a continuação das deportações para os
campos de concentração nazis, onde as câmaras de gás
continuavam a funcionar.
Tradicionalmente, a historiografia não se apresen
tou sob a forma de um relato polifónico pela simples
razão de que as classes subalternas não eram tomadas
em consideração, o que resultou na redução da narra
ção do passado aos relatos dos vencedores. Foi esse
historicismo que Benjamin denunciou nas suas TCJeJ
* Conjunto da:; força:; armada:; da ,\\cmanha durantc o Tcrcciro Rcich.
H I ':xército de Le:;te. NT.
43
Jobre o conceito de hiJtóna, descrevendo o seu método
como uma forma de empatia unilateral com os ven
cedores~(,. Na verdade, essa «empatia» - a Einjiihlung
do historicismo clássico - não é sempre sinónimo de
apologia. Alguns recusam-na, como Ian Kershaw, na
sua biografia de Hitler, por ele apresentada como um
trabalho de um historiador «estruturalist3),~7. A sua
escolha é motivada tanto pela inconsistência da vida
privada do führer, que reduziria toda a empatia a uma
adesão aos seus desígnios políticos, como pelo seu de
sejo de distinhJUir a sua biografia da, mais antiga, de
Joachim Fest. Fascinado pela (rgrandiosidade demoní
aca)) de Hitler, Fest não conseguiu deixar de lhe reser
var, mesmo sem intenção, «um bom lugar no panteão
dos heróis alemães»~s. Outros adaptaram uma atitude
de empatia critica - muito mais um motivo de abalo
do que de identificação (mais do que empatia, devería
mos falar de aproximação ({heteropática,,)~<) - que ajuda
a «compreendem o comportamento dos actores sem
procurar justificá-los. p, o esforço empreendido por
Hanna Arendt ao penetrar no universo mental do .r.r _Adolf Eichmann, esforço que não foi compreendido
e que não lhe foi perdoado aquando da publicação do
seu ensaio sobre a «banalização do mah,~(l. É também
o sentido do trabalho micro-histórico de Christopher
Bowning, que tentou compreender por que meio e por
44
que etapas certos «homens comuns", como os mem
bros do 101.0 batalhão de reserva da policia alemã na
Polónia em 1941, se puderam transformar numa equi
pa dc massacre prof1ssionaPl.
Os percalços que resultam de uma empatia de sentido
único, desprovida de distância critica em relação ao seu
objecto, são mais frequentes quando a polifonia dos ac
tores se torna inaudível, escutando-se apenas uma voz,
não havendo lugar a uma interacção entre memórias an
tagonistas no espaço público. Se na Argélia a indepen
dência deu rapidamente lugar a uma história oficial da
guerra de libertação, em França o esquecimento não se
podia eternizar. Deveria, mais tarde ou mais cedo, dar
lugar a uma escrita da história alimentada pela multiplici
dade de memórias. A memória da França colonial, a dos
pied-noir/, a dos harki/"', a dos emigrantes argelinos e dos
seus filhos, e ainda a do movimento nacional argelino,
mantida também pelos seus representantes entretanto
exilados, enleiam-se numa memória da guerra da Ar
gélia que impede uma escrita da história fundada sobre
uma empatia unilateral, exclusiva. A escrita dessa histó
ria só se pode fazer sob o olhar vigilante e critico de vá
rias memória paralelas, que se exprimem no espaço pú-
t Cidadãos franceses LJue viviam na ,\rgdia. N'!'.
H Milicianos nativos ao serviço do exército francês. N:L
45
blico. Esta interacção de memórias obrigou mesmo os
próprios torcionários a sairem do seu silêncio, a formu
larem a sua versão do passados2• Concluindo, história e
memória interagem aqui, para retomar uma expressão
muito pertinente de David N. J\lyers, como «categorias
flutuantes no seio de um campo dinâmico»~-'.
Do outro lado dos Alpes, a paisagem memorial e his
toriográfica é bem diferente. Pouco antes da sua morte,
George L. Mosse, um dos mais fecundos historiadores
do fascismo do pós-guerra, fez o elogio do seu cole
ga italiano Renzo De Felice, bem conhecido pela sua
monumental biografia de Mussolini. O principal méri
to de De Felice, segundo ~fosse, residia precisamente
na sua empatia com o fundador do fascismo, no facto
de ter «tentado proceder desde o interior, imaginando
como o próprio .i\fussolini concebia os seus actos»''>-I.
Na sua autobiografia, Mosse conta, em jeito de anedo
ta, wn episódio da sua adolescência em que se cruzou
com o ditador italiano. Em 1936, T\Iosse estava em Flo
rença com a sua mãe. O Eixo, entre a Itália fascista e
a Alemanha nazi, tinha acabado de ser estabelecido, o
que provocou agitação entre os judeus alemães que se
tinham refugiado na península, temendo ser entregues
às autoridades nazis (ameaça que se concretizará pela
expulsão em massa em 1938, com a promulgação das
leis raciais). A mãe do jovem Mosse decidiu então escre-
46
ver a J\Iussolini para lhe pedir a sua protecção, depois
de lhe relembrar o auxílio financeiro que o seu marido,
um importante editor alemào durante a República de
Weimar, lhe havia oferecido antes da sua chegada ao po
der. A curta chamada telefónica que o Dm;e fez à sua mãe
para a tranquilizar mostra, segundo George L. i\.-fosse,
o «carácter de ;\fussolini, ou pelo menos o seu sentido
de gratidãQ)-'i~. Ao contrário de }.fosse, De Felice não
tinha anedotas pessoais para contar sobre o ditador ita
liano, mas tentou compreender a sua personalidade ao
longo dos diferentes volumes da sua biografia, enorme
traballio escrito com uma Eit~fiihllJllg sempre crescente
ao longo dos anos. Pouco antes da sua morte, De Felice
publicou uma obra muito controversa, RoJ"J"o e J\.Tero, na
qual interpreta a última etapa do itinerário de ~lussolini,
ou seja, o seu papel na guerra civil italiana de 1943-1945.
Segundo De l'elice, «j\.Iussolini, agrade-nos ou não, acei
ta o projecto de Hitler por motivação patriótica: foi um
autêntico "sacrifício" no altar da defesa da pátria»~('. Os
historiadores franceses estão familiarizados com esta
tese, já defendida por Robert Aron, que apresentou o
regime de Vichy como um ~~escudo» proteetor contra
os tormentos de uma ocupação total do país~7 (evitando
desta forma um destino semelhante ao da Polônia).
Os historiadores do colonialismo fascista trouxeram
à luz documentos que tinham sido ignorados pelas pes-
47
quisas arquivísticas, bastante extensas, de De Felice. O
ditador italiano demonstra aí um aspecto diferente do
seu carácter e esses documentos emprestam um outro
significado tanto ao seu sentido de gratidão como ao
seu espírito de sacrificio. A 8 de Julho de 1936, Mussoli
ni telegrafou a Rodolfo Graziani, um dos principais res
ponsáveis militares durante a guerra da Etiópia, uma di
rectiva autorizando-o «mais uma vez ( ... ) a levar a cabo
de forma sistemática a política de tcrror e de extermínio
contra os rebeldes e populações suas cúmpliCCs>}S8. Com
uma notável devoção patriótica, Graziani não hesitou
em utilizar as armas químicas para pôr fim à resistência
criope. E foi com gratidão que Mussolini reconheceu os
seus méritos, ao nomeá-lo ministro da Defesa da Repú
blica de Saló no Outono de 1943.
Foi através da pesquisa de runa enorme quantidade
de documentos destc género que alguns investigadores
italianos puderam reconstituir a história do genocídio
fascista na Etiópia em 1935-1936. ivIas o rcconheci
mento desse gcnocídio permanece uma aquisição (no
fim de contas, muito recente) exclusivamente historio
gráfica. Nunca penetrou verdadeiramente na memória
colectiva dos italianos, para quem, no seu con;lUlto, a
recordação da guerra da Etiópia permanece como uma
aventura ingénua e inocente, bem resluuida pela letra
de uma célebre canção da época, que todos conhecem,
48
F"a:ella nera, um concentrado de estereótipos do imagi
nário colonial. Um conjunto de circunstâncias históricas
(as crises, guerras e ditaduras conhecidas pela Etiópia
até ao presente, tal como a reduzida imigração etiope
em Itália, que nunca foi wn lugar de formação de uma
elite intelectual e política africana) impediu que a voz
das vítimas desse genocídio encontrassem um lugar no
relato italiano dessa guerra. Apesar dos seus esforços,
a historiografia não poderá tapar os buracos de uma
memória mutilada. No melhor dos casos, esta tornar
-se-á, como na Alemanha, uma história na qual haverá
«crimes sem vítimas}) ou vítimas completamente anó
nimas sem identidade e sem rosto. Nós não conhece
mos a·versão da guerra contada pelos companheiros de
I-Iailou Tchebbedé, um dos chefes de resistência etíope;
dele conhecemos apenas as fotos da sua cabeça exibida
como um troféu pelos soldados italianos;'). Esperemos
que os estudos pós-coloniais venham brevemente que
brar esta dialéctica asfixiada entre história e memória.
Na sua última obra, Hülo~y. Tbe L.aJt ThingJ" Bq(ore lhe
I AS!, Siegfried Kracauer utiliza duas metáforas para de
finir o historiador. A primeira, a do judeu errante, visa a
historiografia positivista. Como «Punes, cl memorios(»),
o herói do célebre conto de Borges, Ahasvérus, que atra
vessa os continentes e as épocas, nada pode esquecer e
está condenado a deslocar-se incessantemente, carrega-
49
do com o seu fardo de recordações, memória viva do
passado de que é o infeliz guardião. Alvo de compaixão,
ele não encarna qualquer sabedoria, nenhuma memória
virtuosa ou educativa, apenas wn tempo cronológico,
homogéneo e vazid'jo. A seglUlda metáfora, a do exilado
- poderíamos também dizer a do estrangeiro, seglUldo a
definição de Georg Simmel -, faz do historiador uma
figura de e_',:traterntonalidade. À semelhança do exilado,
dividido entre dois países, a sua pátria e a sua terra de
adopção, o historiador encontra-se clivado entre o pas
sado que explora e o presente em que vive. É assim
obrigado a adquirir wn estatuto «extraterritoriab~, em
equihbrio entre o passado e o presente(,]. Como o exila
do, que é sempre um outsider no país de acolhimento, o
historiador procede a uma intrusão no passado. No en
tanto, da mesma forma que o exilado se pode familiari
zar com o país de acolhimento, e sobre ele fazer incidir
um olhar crítico, simultaneamente interior e exterior,
feito de adesào e distanciação, o historiador - não é a
norma, é uma virtualidade - pode conhecer em pro
fundidade uma época já passada e, graças ao seu olhar
retrospectivo, reconstituir os seus traços com uma mui
to maior dareza do que os contemporâneos. A sua arte
consiste em reduzir ao máximo as desvantagens que a
distância provoca e tirar o maior proveito das vantagens
epistemológicas que dela provêm.
50
Enquanto «passado!) (Gren:::gánger) extraterritorial,
o historiador é devedor da memória, embora, por seu
lado, actuc sobre esta, já que contribui para a formar e
para a orientar. Precisamente porque, em vez de viver
encerrado numa torre, participa na vida da sociedade
civil, o historiador contribui para a formaçào de uma
consciência histórica e, portanto, de wna memória mledi
va (plural e inevitavelmente conflituosa, atravessando o
conjunto do corpo social). Dito de outra forma, o seu
trabalho contribui para aquilo que Habermas chamou
«uso público da história>~62. Trata-se de uma constatação
que não precisa de ser sublinhada: os debates alemães,
italianos e espanhóis em torno do passado fascista, os
debates franceses em torno do passado vichista e colo
nial, os debates argentinos e chilenos em torno do lega
do das ditaduras militares, os debates europeus e ameri
canos em torno da escravatura - a lista seria inesgotável
_, ultrapassam largamente as fronteiras da investigação
histórica. Invadem a esfera pública e interpelam o nos
so presente.
o livro de Ludmila da Silva Catela, f\.To babrá flores en
la tumba dei paiado, sobre a memória das vítimas da dita
dura militar argentina, é um bom exemplo de investiga
ção histórica que faz da memória o seu objecto, ao mes
mo tempo que se inscreve num contexto sensível, ine
vitavelmente participando numa utilização pública da
51
história(,". Trata-se, desde logo, de hútória ora!, porque a
autora fez um inquérito entre os familiares (pais, filhos,
irmãos e irmãs) dos desaparecidos de La PIata, cidade
onde a repressão militar foi particularmente virulenta
e extensiva. É o relato do seu medo, da sua esperança,
da sua espera, da sua ira, da sua coragem, da sua ne
cessidade de agir, do seu alívio depois de cada pequena
acção pública. Trata-se, em seguida, de história polítúu:
como se começaram a organizar, como encontraram a
força para agir publicamente, como inventaram formas
de luta (denúncia, contra-informação) e símbolos (o
paiiue!o", etc.). De que forma estas acções responderam
a um imperativo moral, a uma necessidade pessoal, e
Como deram lugar a um movimento político Com um
forte impacto no conjunto da sociedade civil. Como
as mães, e por vezes as avós, que eram domésticas, se
tornaram as dirigentes de um movimento da socieda
de civil contra a ditadura militar. Trata-se ainda, a par
da história oral e da história política, de antropologia e
púcologia: um estudo sobre o sofrimento e sobre a im
possibilidade do luto ligados ao desaparecimento. Os
familiares sabem que os desaparecidos morreram mas
não os podem considerar como tal porque os seus cor
pos nunca foram encontrados. Daí a especificidade, e
* Ll.:oço quI.: as mulhl.:rcs usam na cabl.:ça. N:L
52
até a criatividade, de uma rememoração que acompa
nha esse luto simultaneamente inesgotável e impossível
(os desfiles das Madrel, o aparecimento dos panuelos, as
fotografias dos desaparecidos na imprensa, o «assédio»
às autoridades, a abertura dos arquivos, os processos,
a procura dos corpos das vítimas, os eüTadles, ou seja,
as denúncias públicas em frente às casas dos torcioná
rios, etc.). Uma rememoração profundamente ancorada
no presente, como o provam as madrej" e os hijoj" que
apoiam os piquetes dos desempregados, porque a luta
dos piqueteroi pela «dignidade humana» é a mesma que
a dos seus filhos e dos seus pais mortos pela ditadura,
Assim é este livro de história, fundado numa empatia
crítica que volta a dar um rosto e uma voz a quem a
ditadura militar tinha querido apagar sem deixar rasto,
explorando a sua memória, através da suas famílias, na
Argentina de hoje,
53
II
o tempo e a força
Tempo hÍJlórico e tempo da memória
A história e a memória têm as suas próprias temporah
dadcs, que se cruzam, se chocam e se entretecem cons
tantemente, sem que, no entanto, cheguem a coincidir
inteiramente entre si. A memória é portadora de uma
temporalidade que tende a pôr em causa o continuum da
história. Walter Benjamin ilustra-o nas suas Teses sobre
o cOflaito de históda. Na tese XV é evocado um episó
dio curioso da revolução de Julho de 1830: ao cair da
noite, depois dos combates, em vários locais de Paris e
ao mesmo tempo, as pessoas disparavam sobre os reló
gios como se quisessem parar o dia 1• A temporalidade
da revolução - a Revolução Francesa tinha introduzido
55
um novo calendário - não é a dos relógios, mecânica e
vazia, mas antes, esclarecia Benjamin, a da «lembran
ça», a da revolução como acto redentor da memória
dos vencidos. Nos seus comentários sobre as teses de
Benjamin, l'vrichael Lówy mostra uma outra imagem es
pantosamente homóloga à dos insurrectos de 1830. É
uma fotografia datada de Abril de 2000, onde figuram
indígenas a disparar sobre o relógio das comemorações
oficiais do quinto centenário da descoberta do BrasiF.
~"\ memória dos oprimidos não se priva de protestar
contra o tempo linear da história. Ela exige, segllildo
Benjamin, «um presente que não é de forma alguma
a passagem do tempo, mas antes a sua paragem e bloqueÍQ)-'.
Para ter lugar, a prática historiográfica exige um dis
tanciamento, uma separação ou mesmo uma ruptura
com o passado, pelo menos na consciência dos con
temporâneos. Isto constitui uma premissa essencial
para proceder a uma his/oáâzação, ou seja, uma perspec
tivação histórica do passado. Essa distância instala-se
muito mais através de fracturas simbólicas (por exem
plo na Europa, 1914, 1917, 1933, 1945, 1968, 1989,
etc.) do que em virtude de um simples distanciamento
temporal. A essa distância engendrada por uma ruptu
ra corresponde normalmente a acumulação de certas
premissas materiais da investigação; desde logo, a cons-
56
f
tituição e abertura de arquivos privados e públicos. Mas
esta condição é secundária e derivada. A Era dos Extre
mos de Eric Hobsbawm ou a obra colectiva O Sérulo dos
Comunismos não poderiam ter visto a luz do dia antes da
queda do Muro de Berlim e do desmoronamento da
URSS~. Um trabalho pioneiro como Le Breviaire de la
IJaine de Uon Pohakov (1951) pressuplUlha nào apenas
o fim da guerra e a queda do nazismo, como também a
possibilidade de consultar os arquivos que tinham per
mitido instruir os processos de Nuremberga'. Enfim,
para escrever um livro de história que nào seja somen
te um trabalho de erudição é também necessária uma
procura social, pública, o que remete para a intersecção
da investigação histórica com os percursos da memória
colectiva. É por isso que La Des/n/dio" deJjlJ~fs d'l;;urope
de Raul Hilberg teve um impacto muito reduzido no
momento da sua primeira edição em 1960, tornando-se
uma obra de referência apenas a partir dos anos 1980().
A memória, por seu lado, tende a atravessar várias
etapas que poderíamos, retomando o modelo proposto
por Henry Rousso em Le S)ndrome de Vidry, descrever
da seguinte forma: pritneiro, um acontecimento mar
cante, uma viragem, muitas vezes um trauma; depois,
uma fase de recalcamento, mais tarde ou mais cedo
seguida de uma inevitável anamnese (o «regresso do
recalcadQ)) que pode, por vezes, converter-se em ob-
57
sessão memoriaF. No caso do regime de Vichy, esse
modelo corresponde ao fim da guerra e à Libertação,
ao recalcamento dos anos 1950 e 1960, à anamnese a
partir dos anos 1970 e, por fim, à obsessão actual. No
caso alemão: a Schulc!frage de ]aspers em 1945, o recal
camento no período de Adenauer, a anatnnese a partir
de 1968 e, por fim, uma obsessão com o passado que
teve o seu ponto culminante com a Hislorikerstreit', o
caso Goldhagen, a polêmica Bubis-Walser e a exposição
sobre os crimes da Wehrmacht organizada pelo InstituI
.flk S o~/a!forschung de Hamburgo.
Duran te a fase do recalcamento, a reivindicação do
«direito de memória» assume um tom critico, quando
não a aparência de uma revolta ético-política contra
o silêncio cúmplice. Quando o governo de Adenauer
incluiu entre os seus ministros antigos nazis, como
Hans Globke, um dos autores das leis de Nuremberga,
: Adorno considerou a expressão «superar o pa~~-ad-~):'
(Vergangenheif Bewii/t(f!,ung), então muito em voga, como
uma mistificação que procurava «virar definitivamente
a página e se possível apagá-la da própria memória».
Falar de «reconciliação» significa neste caso reabilitar
os culpados, numa época em que «a sobrevivência
do nazismo dentro da democracia representa maior
* A controvérsia dos historiadores. NT
58
perigo potencial do que a sobrevivência de tendências
fascistas dirigidas !'"ontra a democracia»ll. Jean Améry
reivindica o seu «ressentimento» quando «o tempo fez
o seu trabalho, em paz», e «a geração dos extermina
dores» envelhece placidamente, sob o respeito geral;
e neste cenário, conclui, é ele quem «carrega o fardo
da culpa colectiva», não eles, «o mundo que perdoa
e esquece»'). Pelo contrário, durante a fase da obses
são, como a que hoje atravessamos, o «dever de mem
ória» tende a se tornar uma fórmula retórica e con
formista.
A historiografia seguiu, grosso modo, o percurso
da memória. Não seria difícil mostrar que a produção
histórica sobre Vichy e sobre o nazismo conheceu um
assinalávcl desenvolvimento no momento da anamne
se e alcançou um pico durante a fase da obsessão. Foi
alimentada por essas etapas e, por sua vez, moldou-as.
Basta pensar na Alemanha Federal, que domina hoje
em dia a investigação sobre o genocídio dos judeus,
mas onde, nos anos 1950, os trabalhos pioneiros de
]oseph Wulf c Léon Poliakov foram rejeitados como
<<I1ão científicos»w. Esta correlação não é, todavia, li
near: as temporalidades histórica c memorial podem
também entrar em colisão, numa espécie de {(llão-con
temporaneidade» ou de «discordância dos tempos» (a
U/lgleúh~eitl~f!,keit teorizada por Ernst Blochll).
59
São Inumeráveis os exemplos de coexistência de
temporalidades diferentes. A literatura, o cinema e uma
imensa produção sociológica analisaram o conflito
entre tradição e modernidade, que assume, sobretudo
nas grandes cidades, a forma de wn choque geracional
entre pais emigrados e filhos nascidos no país de aco
lhimento. Os judeus polacos de Nova Iorque descritos
por Isaac Bashevis Singer, os paquistaneses de Londres
narrados por Hanif Kureishi, os italo-americanos fil
mados por Martin Scorcese nos seus primeiros traba
lhos, justapõem no seio de uma mesma familia visões
do mundo e modos de vida distintos que remetem para
percepções do tempo e para memórias completamen
te diferentes, por vezes incompatíveis. Os zapatistas de
Chiapas fazem coabitar o tempo cíclico das comunida
des indígenas com wn projecto político de libertação
que se inscreve numa narrativa marxista da modernida
de (embora liberta de mitologias progressistas) e tam
bém no «presente perpétuo)) do mundo contemporâ
neo, o da dominação globalizada que combatem12.
Queria apresentar como exemplo um caso significa
tivo e paradoxal de discordância de tempos, de colisão
entre o olhar histórico e a memória colectiva: a recep
ção do ensaio de Hannah Arendt sobre o processo de
Eichman em Jerusalem, cujo subtítulo, «a banalidade
> do mah); provocou escândalo 0. Esse processo foi pre-
60
cisamente uma viragem que pós fim ao longo período
de ocultação e esquecimento do genocídio dos judeus
e deu início ao momento da anamnese. Pela primeira
vez, o judeucídio' tornou-se um tema de reflexão para
a opiniào pública internacional, muito além do mundo
judaico. Foi também um momento catártico de liber
tação da palavra, já que um grande número de sobre
viventes do extermínio nazi veio ao processo prestar
testemunho. Ora, no momento em que o mundo to
mava consciência da amplitude do genocídio judaico,
que aparecia agora como um crime monstruoso e sem
precedentes, Hanna Arendt focalizava o seu olhar em
Eichmann, um representante típico da burocracia ale
mã que encarnava, a seus olhos, a banalidade do mal.
_Arendt, cujos escritos dos anos 1940 provam ter sido
dos primeiros, nwn mundo então cego, a perceber a
dimensào desse crime, já nào concentrava a sua atenção
nas vítimas mas nol~arrasco. i\doptava aquilo que Raul
Hildberg definiria, bastante mais tarde, como a «pers
pectiva do executoo)l"', um executor que ela podia enfim
observar olhos nos olhos, em carne e osso. Ao adoptar
essa perspectiva, Arendt confrontava-se com um crime
monstruoso perpetrado por executores que nào eram
monstros habitados pelo ódio e pelo fanatismo, mas
* Na vcrsão orihrinal, «judéocidc). N:J:
61
gente normal., Os observadores e os comentadores do
1 processo, pelo contrário, tinham adoptado uma outra
perspectiva, a da memória dos sobreviventes que re
viviam o seu sofrimento no presente. A ferida estava
ainda aberta e a sangrar; apenas tinha estado escondida
e aparecia agora à luz do dia. A sua atenção estava con
centrada nos testemunhos dramáticos prestados duran
te o processo pelos sobreviventes, em face dos quais
Eichmann não era mais do que um símbolo. Em tais
circunstâncias, a bailai idade do mal invocada por .-\rendt
nào foi vista como uma noção susceptível de compre
ender as motivações e as categorias mentais dos execu
tores mas, muito simplesmente, como uma tentativa de
banalizar um dos piores crimes da História da humanidade''>,
O modelo tomado de empréstimo a Henry
Rousso pode, contudo, conhecer numerosas variantes.
Na Turquia, por exemplo, a memória e a história do
genocidio dos armênios nunca podem ser elaboradas
e escritas no espaço público. Foram desenvolvidas fora
do país, na diáspora e no exílio americano, com todas
as consequências que isso implicau,. Por um lado, a me
mória erigiu-se não apenas contra o esquecimento, mas
sobretudo contra um regime político que oculta e nega
o crime no presente. Por outro lado, a escrita da história
sofreu diversos entraves, visto que a ocultação passou
62
r
pelo encerramento dos arquivos e a multiplicaçào dos
obstáculos à investigação17.
O recalcamento pode perpetuar-se também de ou
tras formas. A. memória do estalinismo é profundamen
te heterogéllea, uma vez que é simultaneamente memória
da revolução e do Gulag, da «grande guerra patriótica»
e da opressão burocrática. Acompanhou, durante várias
décadas, um regime no poder. Nesse contexto, a sua ex
pressão pública aparecia como uma forma de combate
- e assim foram considerados os livros de Gustav I-Icr
ling, de Alexandre Soljenitsyne, de Vassili Grossman e
de Varlam Chalamov - contra um regime que não se
podia arquivar como passado, nem colocar à distância.
Essa memória é hoje em dia asfixiada, dez anos depois
da queda da URSS. O processo de integração da me
mória do estalinismo na consciência colectiva iniciou-se
no decurso dos anos 1980, no período de Gorbatchev,
quando se multiplicaram as associações dos antigos
deportados e as reivindicações em favor da reabilita
ção das vítimas. Esse movimento foi bruscamente in
terrompido sob a presidência de Ieltsine, que marcou
uma viragem. O trabalho de luto e de apropriação de
um passado proibido abriu caminho a para uma reabi
litação massiva da tradição nacional. A vergonha ligada
à tomada de consciência do estalinismo foi substituída
pelo orgulho de um passado russo (a que pertencem tan-
63
to os czares como Estaline)IH. Um fenômeno análogo
caracterizou os países do ex-Império Soviético, onde a
in tradução da economia de mercado e a emergência de
novos nacionalismos marginalizaram completamente a
recordação das lutas por wn ((socialismo de rosto hu
mano»,
Em I tália, onde o antifascismo foi o pilar das ins
tituições republicanas nascidas no fim da Segunda
Guerra j\.fundial, a interpretação histórica do fascismo
foi, durante uns bons trinta anos, indissociável da sua
condenação ética e política. A partir do fim dos anos
1970 desenvolveu-se uma nova leitura do passado,
muito mais preocupada em colocar em evidência os
consensos sobre os quais se apoiou o regime de Mus
solini e, ao mesmo tempo, decidida a libertar-se dos
constrangimentos da tradição anti fascista. Durante os
anos 1990, essa viragem historiográfica acentuou-se
com o fim dos partidos que tinham criado a república
(o Partido Comunista, a Democracia Cristã e o Partido
Socialista) e a legitimação dos herdeiros do fascismo
como força de governo (a actual Aliança Nacional).
Esta mutação foi acompanhada pelo regresso do re
calcado (o fascismo) ao espaço público, com efeitos
inesperados e paradoxais. Por um lado, traduziu-se no
fim do esquecimento das vítimas do genocídio judai
co (anteriormente sacrificados no altar da guerra de
64
libertação nacional, na qual todos os deportados se
tornaram automaticamente mártires da pátria, portan
to deportados políticos) e, por outro lado, na reabili
tação do fascismo, ou seja, dos seus perseguidores. A
crise dos partidos e das instituições que encarnavam a
memória anti fascista criou as condições para a emer
gência de uma outra memória, até então silenciosa e
estigmatizada. O fascismo é agora reivindicado como
uma parte da história nacional, o antifascismo rejeita
do como uma posição ideológica «antinacionah> (o 8
de Setembro de 1943, data da assinatura do armistício
e início da guerra civil, foi apresentado como um sím
bolo da «morte da pátria»I'). O resultado foi, no Outo
no de 2001, um discurso do presidente da República,
Carla Azeglio Ciampi, comemorando indistintamente
«todas» as vítimas da guerra, ou seja, judeus, soldados,
resistentes e milicianos fascistas, agora afectuosamen
te apelidados «(OS rapazes de Salà»2(1. Dito de outro
modo, tratou-se de uma comemoração conjunta dos
que morreram nas câmaras de gás e dos que os identi
ficaram, prenderam e deportaram, como se, ao render
homenagem, o Estado não tivesse que se pronunciar
sobre os valores e as motivações dos actos praticados,
ou, pior ainda, como se pudesse colocar no mesmo
plano carrasCOS e vítimas, objectos de memórias «si
métricos e compatíveis»~I.
65
Nessa perspectiva, a instituição por decreto gover
namental de um «dia da memória» (27 de Janeiro) para
comemorar as vítimas da Shoah foi logicamente seguida
pela instituição de dois outros dias: o «dia da rccorda
ÇãOi) (10 de Fevereiro) e o «dia da liberdade» (9 de No
vembro). O primeiro visa evocar os italianos expulsos da
Ístria em 1947, com base mun tratado internacional, e
aqueles que foram mortos pela resistência jugoslava en
tre 1943 e 1945, atirados para fendas nas montanhas que
encimam Triestc (Poibe). O segundo dia celebra a recor
dação das vítimas do comunismo que simbolicamente
recuperaram a liberdade no dia da queda do !..1uro de
Berlim. A simetria antitotalitária torna-se assim perfeita,
mesmo se a sua consequência, como nos lembra Claudio
Magris, consiste em transformar a igualdade das vítimas
- todas dignas de memória e de pietaJ - em «igualdade
das causas pelas quais elas morreraw)22, ao misturar cri
mes de natureza completamente diferente. Essa simetria
antitotalitária coincide agora, porém, com wna dissime
tria da memória nacional que mantém viva a recordação
das vítimas italianas da resistência titista mas esquece,
tranquilamente, as vítimas jugoslavas da ocupação pro
tagonizada pelo fascismo italiano, cuja violência asswniu
contornos semelhantes à dos nazis na frente orientaF-'. E
nem será preciso referir que as vítimas do colonialismo
italiano escapam a esta lógica de memória antitotalitária.
66
r
Em Espanha, a recordação da guerra civil foi con
fiscada e instrumentalizada pela propaganda do regime
franquista que, durante trinta e cinco anos, organizou o
apagamento dos rastos da sua própria violência enquan
to estigmatizava a dos republicanos. Depois da morte ~
do ditador, em 1975, a opção por uma transição pacífica \
para a democracia no quadro das instituições monárqui
cas foi aceite pelo conjunto das forças políticas, tanto de
direita como de esquerda, 9:ue partilhavam o receio de
uma outra guerra civil (o que prova que a sua memória,
ainda que subterraneamente, estava bem vivaf'· 1.las,
contrariamente à .\frica do Sul dos anos 1990, onde,
graças ao trabalho da comissão «Verdade e Justiça)), a
transição pacífica para a democracia pós-aparthcid pôde
ser acompanhada de um reconhecimento da verdade e
de uma elaboração do luto, em Espanha optou-se por
wna transição amnésica, prolongando o recalcamento
ofici~l por mais de uma geração. Foi apenas no final
dos anos 1990 que a questão da memória da guerra ci
vil voltou ao primeiro plano. Enguanto a historiografia
dedicou a sua atenção à violência do regime franguista
_ procedendo a uma nova contagem das vítimas, até
aí bastante deficitária~:; - ou a outros fenômenos an
teriormente ignorados, caso do exílio republicano2<>, a
nível da sociedade civil iniciou-se um trabalho de luto
pelas vítimas da ditadura gue havia sido impossibilitado
67
,. --
pela amnistia e pelas formas políticas da transição. Fo
ram exumados os restos mortais de várias centenas de
militantes republicanos, anarquistas ou comunistas que
tinham sido fuzilados de forma sumária, sem processo
e sem certidão de óbito, e que, como tal, haviam ficado
fora dos cemitérios, sem direito a wna sepultura legal.
O luto clandestino das famílias pôde finalmente tornar
-se público, provocando uma anamnese colectiva e sus
citando um vasto debate sobre a relação da Espanha
contemporânea com o seu passadon . Nesse contexto
surgiu a tentação ilusória e mistificadora de uma memó
ria reconciliada super partes, manifesta na decisão gover
namental, em Outubro de 2004, de fazer desfilar juntos,
nwna festa nacional, um velho exilado republicano e um
ex-membro da Divúión A!(!'I que Franco enviou para a
Rússia em 1941 a fim de combater ao lado dos exércitos
alemães. Ocorreu também, inevitavelmente, wn debate
sobre o destino dos inwneráveis monumentos erigidos
em honra do Caudillo e que decoram as cidades e vilas
espanholas: devem ser conservados como lugares de ",
memória (uma memória que, para uma parte da socie
dade, assume uma feição nostálgica)? Devem ser demo
lidos, à semelhança do que foi feito em todos os países
da Europa Central no momento da queda das ditaduras
estalinistas, num gesto emancipador, neste caso muito
(se não mesmo demasiado) tardio? Há wna dezena de
68
r anos que estas questões sào apaixonadamente debatidas
em Espanha, país onde a memória está longe de se en
contrar apaziguada.
Na .\rgentina, ao invés, a memória dos crimes da di
tadura militar começou a manifestar-se na cena pública
antes do fim da própria ditadura, ajudando ao seu isola
mento e deslegitimação (escrevo «memória) porque os
desfiles com as fotos dos desaparecidos eram já formas
de comemoração). Devido às modalidades específicas
que a criminalidade do regime assumiu - o desapareci
mento de dezenas de milhares de pessoas cujos corpos
nunca foram encontrados -, a fase do luto e da dor
perenizou-se, não houve lugar para o esquecimento. ~"o
mesmo tempo, por causa das formas que a transição
para a democracia assumiu, sem ruptura radical, sem
um verdadeiro saneamento das instituições militares,
com alguns processos a que se seguiram leis de amnistia
que deixaram os carrascos impW1es, a memória não deu
lugar à história2H• L\ ditadura militar não se desmoro
nou como o fascismo na Europa em 1945, retirou-se
discretamente de cena. Em suma, não foi possível es
tabelecer uma distância em relação ao passado: houve
um distanciamento cronológico mas nào uma separarão
marcada por rupturas simbólicas fortes. Somos aqui
confrontados com aquilo a que Dan Diner chamou
um «tempo comprimidQ) (!!plaute Zeit) que se recusa a
69
dar-se como passado:!'.!. Uma das condições fundamen
tais para o nascimento de uma historiografia das ditadu
ras do Cone Sul, tanto a chilena como a argentina, nào
está ainda estabelecida.
o que nos leva, de novo, a IsraeL Se o processo
Eichmann é um exemplo de colisão entre a memória
e a escrita da história, o itinerário do sionismo oferece
outros exemplos de encontros (tardios) entre os dois.
É o caso da releitura da guerra de 1948 pelos «novos
historiadores~) israelitas (Benny Ivlorris, Ilan Pappé e
outros). Tendo por base uma investigação arquivística
- embora ignorando a historiografia palestini~na e os
testemunhos dos refugiados -, esses historiadores pu
seram radicalmente em causa o mito sionista da «fuga~~
palestina e apresentaram a guerra de 1948, se não como
uma expulsão planificada, pelo menos enquanto um
conflito que se tornou, de fado, a ocasião para realizar o
pro;ecto sionista de um Estado judaico J'em árabeJ. His
toriadores como l1an Pappé detectaram nesta guerra
traços de uma campanha de depuração étnica. Essa his
toriografia confirma os relatos da Nakba (a «catástto
fe~~), a recordação do êxodo preservada pela memória
dos refugiados e reconstituída por uma historiografia
palestina nascida no exílio sob o impacto desse, trau
ma3(). Essa memória e essa escrita da história tinham
até agora permanecido acantonadas no mundo árabe,
70
r colidindo quer com o relato sionista (a história como
epopeia nacional judaica), quer com a consciência his
tórica do mundo ocidentaL Uma vez que o Estado de
Israel tinha sido criado como uma forma de reparação
pelo genocídio sofrido pelos judeus na Europa, seria
difícil admitir que o seu nascimento tivesse coincidido
com um acto de opressão. Essa convergência entre o
relato palestino da Nakba e a revisão do relato da «guer
ra de libertaçãm~ pela historiografia judaica é a premissa
indispensável para que duas memórias nacionais pos
sam um dia coexistir num espaço comum (sob a forma
de dois Estados, de uma federação ou de um Estado
binacional). Existiria assim uma convergência entre o
«tempo comprimido» da memória palestina - a I\:akba
como eterno presente - e uma anamnese israelita im
pulsionada pelo trabalho historiográfico.
((Memórias fortes» e ((memón'as fracas))
A única diferença entre uma língua e um dialecto, diz
um aforismo diftmdido entre os povos minoritários, é
que uma língua é protegida por uma policia e tUll dialec
to não. Poderia estender-se essa constatação à memória.
Existem memórias oficiais, alimentadas pelas institui
ções, ou seja, os Estados, e memórias subterrâneas, es
condidas ou interditas. A «visibilidade~~ e o reconheci-
71
mento de uma memória dependem também da força de
quem a possui. Dito de outra forma, existem «memó·
rias fortes}} e «memórias fracas)}. Na Turquia, a memória
arménia é ainda hoje proibida e reprimida. N a América
Latina, a memória indígena exprimiu-se durante o quin
to centenário da descoberta do continente como uma
memória antagonista, directamente oposta à memória
oficial dos Estados nascidos da colonização e do ge
nocídio. Força e reconhecimento não são dados fixos
e imutáveis, evoluem, consolidam-se ou fragilizatIl-se,
contribuindo em permanência para a redefinição do es
tatuto da memória. Numa época em que a URSS era
uma grande potência, e o movimento operário dispu
nha de uma força social e política considerável, a me
mória comunista era poderosa, sectária e arrogante;
hoje parece novamente atirada para a clandest.inidade.
Perpetua-se como recordação de uma comunidade de
vencidos, estigmatizada, quando não abertamente cri
minalizada, pelo discurso dominante. A memória armé
nia permanece fraca, já que os seus negadores dispõem
de um Estado reconhecido no plano internacional, a
quem os outros Estados frequentemente preferem não
recordar o passado, por conveniência econÓmica ou
geopolítica. i\ memória homossexual apenas agora
começa a exprimir-Se publicamente. Durante déca
das, as associações que representavam os homossexu-
í
ais deportados para os campos de concentração nazis
foram expulsas manu militan' das celebrações oficiais
como portadoras de uma recordação vergonhosa e ino
minável. As leis que tinham permitido a sua deporta
ção - o parágrafo 75 do código penal da República de
Weimar - foram abolidas bem tardiamente no pós
-guerra, quando um grande número de ex-deportados
já tinha sido indemnizado.
A memória da Shoah, cujo estatuto é hoje tão uni
versal que funciona como «religião civiL> do mundo
ocidental, ilustra bem essa passagem de uma «memória
fraca" a uma «memória forte". O historiador americano
Peter Novick estudou essa mutação no seio da socieda
de americana-'H. Abordou quatro etapas fundamentais.
Primeiro, os anos de guerra, quando para os Estados
Unidos da América o principal inimigo era o Japão.
Roosevelt teve nesse período uma preocupação maior:
evitar que a intervenção americana na Europa apare
cesse como uma «guerra pelos judeus». Durante este
período, o extermínio dos judeus não é, em nenhum
momento, objecto de uma atenção particular e o país
não estava minimamente atormentado pelos remorsos
de não ter podido, ou de não ter querido, impedir tal
crime. Os judeus não deram prova, à época, de uma
maior consciência ou sensibilidade no que respeita aos
acontecimentos trágicos do velho mundo do que os
73
outros cidadãos americanos; no fim do conflito, esta
vam sobretudo orgulhosos do seu país, que contribuíra
para a derrota do nazismo.
Durante um segundo período - os anos 1950 e a pri
meira metade dos anos 1960 -, o judeucídio está ausen
te do espaço público. ~'\ lembrança do Holocausto não
encontra terreno fértil mas exigências da luta contra
o «totalitarismOi). No momento em que a Guerra Fria
faz da URSS o inimigo totalitário contra o qual devem
ser mobilizadas todas as energias do «mundo livre», a
evocação dos crimes nazis pode desorientar a opinião
pública e criar obstáculos à nova aliança com a Repú
blica Federal da Alemanha. Os judeus americanos são
suspeitos de simpatia para com o comunismo. Julius e
Ethel Rosenberg serão dos poucos a falar de Auschwitz
na América dos anos 1950, durante o processo que os
condenará à morte, e as instituições judaicas opõem-se
a toda e qualquer edificação de monumentos ou luga
res comemorativos referentes ao massacre hitleriano.
É o tempo de valorização dos heróis e de exibição da
força como uma virtude nacional: os judeus america
nos querem identificar-se (e integrar-se) nessa América
conquístadora c, sobretudo, não querem aparecer como
uma comunidade de vítimas.
A transição inicia-se, segundo Novick, no decurso
dos anos 1960. E inica-se, desde logo, com o proces-
74
r 50 Eichmann, que constitui a primeira aparição pública
da memória do 1101ocausto. Continua, posteriormente,
com a guerra dos Seis Dias, em 1967, após a qual o
termo «HolocaustO», até então pouco ou nada utiliza
do para definir o genocídio dos judeus, entra no uso
corrente. Essa guerra produziu wna clivagcm singular
que persiste: uma grande parte dos judeus da diáspora
vive o conflito como ameaça de um novo aniguilamcn
to, enquanto a opinião árabe considera Israel como um
poder neocolonial. Desde então que a memória de Aus
chwitz está intimamente ligada à percepção do conflito
israclo-árabe, com todos os curto-circuitos ideológicos
e os usos políticos a estes associados. Aí reside uma das
fontes do negacionismo difundido no mundo árabe,
que não tem relação com a história do antissemitismo
europeu. Para wna parte da opinião árabe, a Shoah seria
wn «mitO») judaico utilizado, se não mesmo fabricado,
para legitimar uma política de opressão dos palestinos.
Israel, pelo contrário, tem tendência a olhar a recusa
árabe através do prisma da Shoah, a tal ponto que os
responsáveis de Tsahal tinham o hábito de chamar às
fronteiras de 1967 «a fronteira de Auschwitz»"'~. Para
uns, o nascimento de Israel é o símbolo de uma ressur
reição, para os outros, de uma catástrofe, a Nakba: wna
confrontação violenta entre memórias que não conse
guem encontrar a via de um diálogo.
75
Em 1982, indignado com os crimes cometidos du~
rante a ocupaçào israelita do Ltbano, o director do
Instituto de História das Ciências da Universidade de
Tel-Aviv, Yehuda Elkana, sobrevivente de Auschwit7.,
publicou no diário Haaretz um artigo provocador suge
rindo aos seus concidadàos a virtude do esquecimento.
«Nós, nós devemos esquecer». É preciso construir o fu
turo, escreveu ele, e não «ocupar-se, dia e noite, com o
simbolismo, as cerimónias e a herança do genocídio. O
jugo da memória deve ser extirpado das nossas vidas»"'·'.
Redescobria assim as virtudes cívicas do esquel:immto, que
os gregos antigos tinham prescrito como uma política
de reconciliação, em 403 a.c., depois da oligarquia dos
Trinta Tiranos·'~. O sentido da reflexão de Elkana é cla
ro: se o esquecimento é, tratando-se dos perseguidores
e dos que recolheram a sua herança, repreensível, a me
mória nào é sempre virtuosa e pode ser também fonte
de abusos.
A última fase é aberta pela difusào da série televisiva
H%m/ul (1978), que terá um impacto tremendo, tanto
nos Estados Unidos como na Europa, especialmente
na Alemanha. O genocídio judaico torna-se um prisma
de leitura do passado e um elemento essencial de de
finição tanto da consciência histórica ocidental como,
sobretudo, da identidade judaica. Tornou-se um objecto
de investigação científica e de ensino (desde então que
76
os Holot-auJ"t Studtú são uma disciplina consolidada na
lUliversidade), de comemoração pública (com a criação
de monumentos, memoriais, museus, cerimónias ofi
ciais) e mesmo de reificação mercantil pelos média e
pela indústria cultural (Hollywood). A memória do ge
nocídio conhece então, sublinha N ovick, um processo
de (a~;;,:>~~i~:'PfiioJou seja, entra na consciência históri---------- . -------..... ca dos Estados Uniqos, e deL!atra/iS!!.f:~,i até se tornar
numa espécie de «religião civID>, com os seus dogmas
(o seu carácter único e incomparável) e os seus «santos
seculares» (os sobreviventes transformados em ícones
vivos). O surgimento de tal memória oficial inscreve
-se num contexto cultural marcado pelo abandono, por
parte dos judeus americanos, do ethoJ integracionista
dos anos 1950 e 1960, a favor de um ethoJ particularis
ta. A fórmula de \Viesel - o Holocausto como acon
tecimento que tem tanto de único como de lUlÍversal
- resume bem essa americanização do Holocausto e ao
mesmo tempo a sua transformação em pilar da iden
tidade étnico-cultural judaico-americana. Essa identifi
cação com as vítimas, explica Novick, é possível não
pela fraqueza mas pelo poderio dos judeus no seio da
sociedade americana. Daí o seu cepticismo: ~a sacrali
EO do Holocausto é uma má política da memória:
Se ;-';~~~~-~~t;-d~-~;ci~";~~-~~:~-d~- iudeucidi~': sublinha ainda, desempenhou um papel importante na
77
, .
v
formação da consciência histórica europcia, nos Esta
dos Unidos favorece, pelo contrário, uma «eva.rào da res
ponsahilidade moral e política~)3~. Chegamos assim ao
paradoxo da criação de um museu federal do Holocaus
to, consagrado a uma tragédia consumada na Europa,
enquanto nada de comparável existe para as duas expe
riências ftmdadoras da história americana, que são o ge
nocídio dos índios c a escravidão dos negros. Enquan
to se inaugurava o museu do Holocausto em 1995, 05
Correios emitiam um selo que 'celebrava o bombardea
mento atômico de Hiroshima e Nagasalci como o feliz
acontecimento que havia posto fim à Segunda Guerra
l\.1undial'\!'. Na sua última obra, Olhando o Sofrimento do.!"
Outros, Susan Sontag apontou o dedo a esse uso muito
selectivo da memória. O Holocausto, escrcvc, foi «na
cionalizadO) e transformado em vector de wna política
da memória singularmente alheada dos crimes em que a
América não dcsempenhou o papel de libertadora mas
antes de perseguidora. «Instituir wn museu que contas
se esse grande crime que foi a escravidão dos africanos
nos Estados Unidos da América significaria relembrar
que o mal estava aqui. Os americanos, pelo contrário,
preferem relembrar o mal que estava lá, e de que os
~,stados Unidos ( ... ) estão isentos. O facto de este país,
como todos os outros, tcr um passado trágico, não se
compagina inteiramente com a confiança fundacional,
78
ainda pujante, no destino excepcional americano.»,17
Nos Estados Unidos, acrescenta Novick, «a memória
do Holocausto é tão banal, tão inconscqucnte, que não
é verdadeiramente uma memória, precisamente por ser
tão consensual, desligada das divisões rcais da sociedade
americana, apolítú·{J)3H. Novick não é o primeiro a fazer
esta constatação. I lá dez anos, ;\rno .i\Iayer denunciou
um «culto da recordaçãO) rapidamente transformado
em «sectarismo exacerbado», graças ao qual o massacre
dos judcus sc tinha desligado das circunstâncias histó
ricas totalmente profanas que o tinham gerado, ficando
isolado numa mcmória sacralizada, «de que não é per
mitido desviar-se e que se subtrai ao pcnsamento crítico
e contextualww.
As manifestações exteriores dessa «memória forte»
lembram o namJúmo mmpassÍlJo denunciado por Gilbert
Achcar a propósito do ritual comemorativo das vítimas
~ do.-!.1A~.S_çtc_mbro de 2001-m. O Ocidente, incorporan
do as vítimas no seu imaginário, na sua consciência, na
sua memória, e assim transformando-as em elemento
constitutivo da sua própria identidade, aut:>-celebra-sc.
quando as comemora. Semelhante situação não teria
sido possível logo após a guerra, quando as vítimas do
Holocausto, longe de surgirem como representantes tí
picos do mundo ocidental, eram entendidas como «ju
deus de leste», encarnação de wna alteridade negativa e
79
mal tolerada no seio das diferentes comunidades nacio
nais. O silêncio da cultura ocidental sobre Auschwitz
em 1945 inscreve-se na mesma lógica que preside à in
diferença ou à compaixão distante com que, nos nossos
dias, reage às violências que devastam o Sul ou contem
pla as vítimas das suas próprias guerras «humanitárias)).
Um contra-exemplo de iímemória forte)) merece,
contudo, ser mencionado. O impressionante «~lemo
riaI aos judeus europeus assassinados)) (Denkmal/ür die
ermordeten Juden Europas) inaugurado em Maio de 2005
em Berlim revela um uso público do passado bem di
ferente daquele denunciado nos Estados Unidos por
Peter Novick e Susan Sontag. Erigido no coração da
capital alemã, ao lado da porta de Brandeburgo, en
tre o Reichstag e a Potsdamer Platz, este gigantesco
monwnento sóbrio e frio cobre um espaço de quase
20 mil m 2 com milhares de estelas em betão de altu
ra desigualo\l. O seu arquitecto, o americano Peter
Eisenman, não quis conceder à sua obra uma simbolo
gia explícita, deixando ao público a sua própria inter
pretação. As visões são bastante díspares: alguns viram
um cemitério, um labirinto, um campo de trigo, um mar,
outros ainda uma terrível caricatura da arquitectura to
talitária do Terceiro Reich ou um triunfo do «ornamen
to da massa)) (no sentido de Kracauer) numa imensa
construção sem conteúdo. Na senda de Régine Robin,
80
T
podemos ver o monumento como uma dessas iícons
truções desconcertantes) - a cidade de Berlim alberga
várias - que «transmite qualquer coisa do passado na
sua ilegibilidade, não na sua ine:;..,p/imbi/idade})o\2. Este mo
numento é o resultado de um intenso debate intelectual
e potitico que se desenrolou durante mais de dez anos
tanto no seio da sociedade civil como no Bundestag·.
Ligado a um centro de documentação, este memorial
único no seu género preenche várias funções: é um mo
numento à memória dos judeus exterminados e também
de advertência à nação alemã. Dito de outra forma, um
_actQ de_piedade para com as vítimas e uma relembrança
40 ~ri~e dirigida à nação que engendrou os seus res
ponsáveis e que recebeu a sua herança. ~\lguns, como
o escritor 1\fartin Walser, viram na obra um inaceitável
«monumento à vergonha» (S,handma~; outros, como o
filósofo Jürgen Habermas, a prova de que a Alemanha
integrou Auschwitz na sua consciência histórica. De
uma certa maneira, este memorial cumpriu a sua fllil
ção antes mesmo de ver a luz do dia, se tomarmos em
consideração os debates apaixonados que suscitou. Tes
temunha também as mutações que fizeram da Shoah
uma «memória forte», no fim de uma controvérsia que,
de início, não excluía outras opções. Entre a proposta
.. Parlamento da Alemanha. NT
81
de Helmut Kohl, chanceler no momento em que a dis
cussão se iniciou, que desejava um monumento «a todas
as vítimas da guerra e da tirania», e a escolha final de um
Holocau.rt Denkmal, foi percorrida uma distância consi
deráveL A proposta de Kohl visava diluir os crimes na~
zis numa comemoração global das vítimas da guerra, in
cluindo os judeus, os civis e os soldados alemães, as ví
timas do genocídio e as vítimas dos bombardeamentos
aliados, os deportados e os seus perseguidores caídos
durante o conflito. Alguns anos antes, o chanceler Kohl
tinha~se distinguido pela sua visita, na companhia do
presidente norte-americano Ronald Reagan, ao cemité
rio militar de Bitburg onde estão enterrados numerosos
SS. Logo após a reunificação, em 1993, conseguiu trazer
o SPD para o seu lado, ao inaugurar em Berlim um novo
memorial da Alemanha Federal (Zen/rale Gedenkstiit!e der
Bundurepublik Deu!schlandJj. O local escolhido para o
memorial foi a Neue LVa"he, edifício erigido no coração
de Berlim no irúcio do século XIX pelo arquitecto Karl
Friedrich Schinkel, que foi durante dois séculos o espe
lho fiel das políticas memoriais dos diferentes regimes
que se sucederam na Alemanha. Nascido como um
local de recordação dos combates patrióticos contra a
opressão napoleónica, transformou-se sob a Repúbli
ca de Weimar num monumento aos mortos da Grande
Guerra e, mais tarde, sob a República Democrática Ale-
82
r !
mã, em memorial dedicado às vítimas do fascismo. Com
a sua pietá esculpida por Kiithe Kollwitz entre as duas
guerras, o local comemora agora todas as «vítimas» da
Segunda Guerra Mundial (a palavra alemà Opferdesigna
tanto as vítimas inocentes como os mártires)~-'. f.~ pa
tente que o I fofocaus! Denkmal rompe com esta memó
ria ambígua que mostra explicitamente o seu caráctcr
apologético. Contudo, a escolha final de um memorial
do Holocausto (e não de todas as vítimas do nazismo)
expõe-se ao risco que ameaça toda e qualquer «me
mória forte»: o de esmagar as memórias mais «fracas».
Do historiador Reinhart Koselleck ao escritor Günter
Grass. passando pelo f1lósofo Micha Brumlik, numero
sas personalidades criticaram o carácter judeo-centrado
desse monumento. «A.ceitar um monumento exclusiva
mente para os judeus ,- escreve Koselleck - significa
legitimar uma hierarquia fundada sobre o número de ví
timas e sob a influência dos sobreviventes, aceitando no
ftmdo as mesmas categorias de extermínio adoptadas
pelos nazis. Enquanto nação dos executores, nós deve
riamos interrogar-nos sobre as consequências de uma
tallógica.»-t-t Koselleck propunha assim erigir um mo
numento concebido como «monumento de advertência
(Mahnma~» dirigido aos alemães e consagrado à recor
dação do conjunto das vítimas do nazismo. Habermas.
que considera legítima a escolha de um memorial do
83
)
Holocausto, tendo em conta o papel desempenhado
pelos judeus na história da Alemanha, admitiu implici
tamente a boa ftuldamentação desta crítica, escrevendo
que esse monumento tomava ª __ p~l[~~~ .os judeus, pdo
I to~o~-\ L\inda assim, confrontado com as reivindicações
de oulras vítimas, o governo federal decidiu criar dois
memoriais suplementares, um dedicado aos ciganos e
outros aos homossexuais deportados.
Como memória e história não estão separadas por
uma barreira inultrapassável, mas sim em interacção per
manente, existe uma relação privilegiada entre memórias
«fortes» e a escrita da história. Quanto mais forte é a me
mória - cm termos de reconhecimento público e institu
i cional-~ mais o passado de que é vector se toma suscep-
f tivel de ser explorado e historicizado. O exemplo de Raul
Hildberg citado anteriormente ilustra bem esse fenóme
no. No fim da guerra, quando a memória do Holocausto
era «fracID>, Franz Neuman aconselhou-o a mudar o tema
do seu doutoramento, dizendo-lhe abertamente que com
tal pesquisa jamais iniciaria uma carreira universitária
(e, com efeito, durante um longo penodo Hilberg perma
neceu um marginal no mlUldo académico americano, onde
terminou a sua carreira, na Universidade de Vermont)-U..
Hoje em dia, a expansão da memória da Shoah no es
paço público é acompanhada pelo desenvolvimento dos
HolOtUUJl StudieJ"nos campus universitários. De forma aná-
84
Ioga, é quase banal interpretar a emergência dos estudos
pós-coloniais e do multiculturalismo como uma con
sequência, a longo prazo, da descolonização, do acesso
dos antigos povos colonizados ao estatuto de sujeitos
históricos e do aparecimento, no seio das instituições
cientificas, de uma intelligentsia de origem indiana ou afro-
-amencana.
Não se trata, evidentemente, de estabelecer uma
relação mecânica de causa e efeito entre a «força» de
uma memória de grupo e a amplitude da historiciza
ção do seu passado. Não foi a força institucional nem
a visibilidade mediática dos Bororos que levou Claude
Lévi-Strauss a escrever Trútes Trópü"OJ. Essa relação não
é directa, uma vez que se define no seio de contextos
diferenciados e está submetida a múltiplas mediações,
mas seria absurdo negá-la .. A memória das vítimas do
massacre de Nankin, a capital da China nacionalis
ta, perpetrado pelo exército imperial japonês durante
a ocupação da cidade em Dezembro de 1937-17, ou a
memória das «mulheres de confortQ) forçadas a pros
tituir-se pelas autoridades japonesas durante a Segunda
Guerra .~vfundial foram durante muito tempo circuns
critas aos seus descendentes, sem presença no espaço
público-lH• Foi a emergência da China e da Coreia do Sul
como grandes potências económicas que transformou
essa memória num elemento das relações diplomáticas
85
entre esses dois países e o Japão, obrigando este a reco
nhecer os seus crimes e a apresentar um pedido oficial
de desculpas.
Estas considerações são também válidas, em larga
medida, para a memória da guerra da Argélia. Podemos
certamente falar, a propósito do reconhecimento recen
te dos crimes do exército francês entre 1954 e 1962,
de um «regresso do recalcadm>, ligado às etapas de ela
boração do passado colonial francês. Não há dúvida,
contudo, que esse reconhecimento está também ligado
à emergência de uma memória argelina - mais precisa
mente beur' - que se exprime actualmente no interior da
sociedade francesa, onde os descendentes dos antigos
colonizados constituem uma minoria importante. O re
conhecimento do massacre de 17 de Outubro de 1961,
no coração da capital, Paris, não foi negociado entre o
governo francês e as autoridades argelinas (contraria
mente ao caso do massacre de Sétif, de Maio de 19454'}
Permanece essencialmente simbólico, limitando-se a
algumas declarações de responsáveis políticos, a uma
decisão judicial, a uma placa comemorativa colocada na
presença do presidente da câmara da capital, mas, ainda
assim, fez o seu caminho na sociedade francesa. Trata
-se sobretudo da consequência de um vasto movimen-
86
to, no qual as lutas da geração beur pela igualdade e pela
reapropriação do seu próprio passado se conjugaram
com os esforços de uma historiografia pós-colonial,
susceptivel de integrar a voz dos colonizados no seu
relato do passado; e, ainda, poderíamos acrescentar,
com a resistência de uma pequena minoria de arquivis
tas que, entrando em guerra com a hierarquia da sua
corporação que esteve desde sempre ao serviço da ra
zão de Estado, colocaram a verdade histórica à frente
das suas carreiras ~II. A emergência dessa memória pós
"colonial abalou a memória da esquerda francesa que ti
nha até então ignorado o massacre de Outubro de 1961,
ocultando-o através da comemoração dos seus próprios
mártires: as nove vítimas da manifestação de Charonne
de 8 de Fevereiro de 1962 . .:\ esquerda foi assim con
frontada com as suas falhas de memória, que mais não
fazem do que revelar a sua submissão a um imaginário
colonial, com as suas hierarquias, que atribuem mais va
lor à vida dos anticolonialistas franceses do que à vida
dos nacionalistas argelinos.
87
III o historiador entre juiz e escritor
Memória e escrita da história
o !ú{p/liJtú' tum - rótulo sob o qual reagrupamos um
conjunto de correntes intelectuais nascidas nos Estados
Unidos América do encontro, no final dos anos 1960,
entre o estruturalismo francês com a filosofia analíti~
ca c o pragmatismo anglo-saxónico - teve um efeito
frutífero na historiografia contemporânea 1• Permitiu
quebrar a dicotomia que separava até então a história
das ideias e a história social, assim como ultrapassar
os limites simétricos de uma história do pensamento
auto-referencial e de um historicismo fundado sobre a
ilusão de que a interpretação histórica se redu:ziria ao
simples reflexo de uma prática rigorosa de objectivação
89
e contextualização dos acontecimentos do passado. O
lingui.ffi( furn sublinhou a importância da dimensão tex
tual do saber histórico, reconhecendo que a escrita da
história é uma prática discursiva que incorpora sempre
um}_ par!~"_g~_iª~_oJogia, de representações e de códi
gos literários herdados que se refractam no itinerário
individual de lUTI autor. Fazendo isso, permitiu estabele
cer uma dialéctica nova entre realidade e interpretação,
entre textos e contextos, redefinindo as fronteiras da
história intelectual e questionando de forma salutar o
estatuto do historiador, cuja implicação multiforme no
seu objecto de estudo não se pode continuar a ignorar.
Esta corrente conheceu também desenvolvimentos dis
cutíveis, muitas vezes denunciados (e sobre os quais se
concentrou de forma quase exclusiva a sua recepção na
Europa continental). A mais generalizada das suas de
rivas metodológicas foi, segundo as palavras de Roger
Chartier, a tendência para «lUTIa perigosa redução do
mWldo social a uma pura construção discursiva, a um
puro jogo de linguagetru/-. Os proponentes mais radi
cais do Jinl'"ui.ftir turn renunciaram, deste modo, à busca
da verdade que preside à escrita da história, esquecendo
que «o passado que ela toma como objecto é uma re
alidade exterior ao discurso e que o seu conhecimen to
pode ser controladmr'. Levando ao extremo algumas
prem1ssas desse movimento, chegaram mesmo a de-
90
fender uma espécie de «pantextualismm) que Dominick
LaCapra qualificou de «criacionismo secularizado»./: a
história não seria mais do que lUTIa construção textu
al, constantemente reinventada segundo os códigos da
criação literária. Porém, a história não é assimilável à li
teratura, uma vez que a múe en IJútoire do passado, isto é,
o tornar o passado em história, deve sujeitar-se à reali
dade e a sua argumentação não pode evitar a obrigação
de, quando necessário, apresentar provas. É por isso
que a al1rmação de Roland Barthe~, segundo a qual «o
facto nunca tem mais do que uma existência lingtÚsti
~~)\ não é aceitáveL Como não o é o relativismo radical
de Haydcn \X1hite que, considerando os factos históri
cos como artefactos retóricos subsutTÚveis a um «pro
tocolo línguistico», identifica a narrativa histórica com a
invenção literária, uma vez que as duas têm como fun
damento, a seu ver, as mesmas modalidades de repre
sentação. Segundo \X1hite, «as narrativas históricas [são]
ficções verbais em que os conteúdos são tão inventados
como encontrados, e cujas formas estão mais próximas
da literatura do que da ciência>/'. Tanto Barthes como
\X1hite ausentam o problema da objectividade do con
teúdo do discurso histórico. Se a escrita da história as
sume sempre a forma de um relato, este último é quali
tativamente diferente de uma ftrçao romanesca7• Não se
trata de negar a dimensão criadora da escrita histórica,
91
uma vez que o acto de escrever implica sempre, como
lembrou Michel de Certeau, a construção de uma frase
«enquanto se percorre um espaço supostamente bran
co, a página»!!. No entanto, De Certeau não deixava de
acrescentar que a escrita não pode evitar uma relação
com o dado: «O discurso histórico pretende dar um con
teúdo ,::erda~~.~!o (que releva do verificável) mas sob a
forma de umar narração.»\ \X1hite tem razão em alertar
para os perigos da ilusão positivista que consiste em
fundar a história sobre uma pretensa auto-suficiência
dos factos. Sabemos, por exemplo, que os arquivos _
as principais fontes dos historiadores - nunca são um
reflexo imediato e <<neutro}} do real, uma vez que tam
bém podem mentir. É por isso que exigem sempre um
trabalho de dcscodificação c interpretação\(). O erro de
White consiste na confusão entre a narrarão hirtórü'a (o
mire en hirtoire através de um relato) e a fiC(ão histótica (a
invenção literária do passado)l1. Eventualmente, po
deríamos considerar a história, segundo as palavras de
Reinhart Koselleck, como uma «ficção do factuab)12. É
certo que o historiador não se pode esquivar ao pro
blema da «passagem a textm) da sua reconstrução do
passado'"', mas nunca poderá, se pretender fazer his
tória, arrancá-Ia à sua irredutível base factual. Diga-se
de passagem que é ai que reside toda a diferença entre
os livros de história sobre o genocídio judaico e a li-
92
tet:'atura negacionista. uma vez que as câmaras de gás
permanecem um fado antes de se tornarem um objecto
de construção discursiva e de uma «passagem a intriga
histórica}) (hiJtonáll emplotemenl)'~. Poi precisamente o
desenvolvimento do negacionismo que levou François
Bédarida a reconsiderar, no decurso dos anos 1990, a
posição de «um certo desdém» que os historiadores ti
nham tido tendência a manifestar, durante as décadas
precedentes, face à noção de fadO, e a «exortá-los vigo
rosamente a não rejeitarem o bebé-objectjvidade com
a água do banho positivistro}L'i. O questionamento do
historicismo positivista e do seu tempo linear, «homo
géneo e vazim), da sua causalidade determinista e da
sua teleologia que transformam a razão histórica em
ideologia do progresso, não implica necessariamente a
rejeição de qualquer noção de objectividade factual na
reconstrução do passado. Pierre Vidal-Naquet colocou
o problema em termos muito claros: «se o discurso his
tórico não estivesse ligado, mesmo que através de todo
o tipo de intermediários, ao que nós chamaremos, à fal
ta de melhor, o real, estaríamos ainda no discurso. mas
esse discurso deixana d~'sér hist6ricQ)}16.
o relativismo radical de Hayden \X1hite parece coin
cidir de forma bastante paradoxal com o fetichismo
do relato memorial, oposto a qualquer arquivo do real,
defendido incansavelmente por Claude Lanzmann, o
93
realizador de Shoah. Esse filme extraordinário foi um
momento essencial, em meados dos anos 1980, tanto
para a integração do genocídio dos judeus na consciên
cia histórica do mundo ocidental, como para a integra
ção do testemunho entre as fontes do conhecimento
histórico. Os trabalhos sobre a memória tiveram nesse
filme um impulso importante e, sem dúvida, que não
será exagerado afirmar que o estatuto do testemunho
na investigação histórica não voltou a ser o mesmo
após esta obra. No entanto, esse resultado não satisfez
Lanzmann, que veio a considerar o seu filme como um
+-_~~~~~_'l:~e~:~, ~~_~ foi ~~!?~tit~in~o ~_ P?~~~ __ e __ 'p()~~? o aconteClmento real, até ao ponto de recusar o valor dos
«arqU1vos», ou seja, das provas factuais desse aconte
cimento (por exemplo, as fotografias da exterminação
realizadas pelo S onderkommando de Auschwitz em Agos
to de 1944)17. Lanzmann defendeu este ponto de vista
várias vezes, nomeadamente em 2000, quando o filme
foi de novo mostrado nas salas de cinema: «Shoah nào
é um filme sobre o Holocausto, não é um derivado, não
é um produto, mas umiã~~·~~~i~e~i?.ó_riginário. Que
isso agrade ou não a um certo número de pessoas ( ... ),
o meu filme não faz apenas parte do acontecimento da
Sh~ah: ~le contribui para a constituir como aconteci
mento.»I~ Desta forma, primeiro Lanzmann ertgiu em
«monumento) - é a sua própria expressão - os teste-
94
munhos coligidos em Shoah. Depois, opôs o seu «mo
numento)) ao «arquivo)), qualificando de «insuportável
pretensiosismo interpretativO) o esforço dispendido
pelos historiadores na análise de certos documentos
herdados do passado. Por fim, JJlbJ/itJliu o seu filme ao
acontecimento real, reivindicando mesmo o direito de i , ~ des..twir as proyas...dª-.~tência. E este o sentido
de uma sua hipérbole provocadora, que causou grande
ruído aquando da estreia do filme de Steven Spielbcrg,
A Lista de S,fJindler. «E se eu tivesse encontrado um fil
me - um filme secreto porque era estritamente proibido
- rodado por um SS mostrando como três mil judeus,
homens, mulheres e crianças, morreram juntos, asfi
xiados numa câmara de gás do crematório II de Aus-
! chwitz, se eu tivesse encontrado isso, não só não o teria
I mostrado, como o teria destruído. Não sou capaz de
~zer porquê. É assim mesmo.)19 Afirmar desta forma
peremptória que Shoah é a Shoah significa simplesmen
te reduzir esta última a uma construção discursiva, a um
relato moldado pela linguagem no qual o testemunho
deixa de remeter para uma realidade factual originária
e fundadora, mas na qual, pelo contrário, a memória se
basta a si própria ao constituir-se como acontecimento.
E uma vez que S hoab se apresenta como wna suces
são de diálogos cujo protagonista é sempre o próprio
Lanzmann, o filme revela também a postura narcísica
95
do seu autor, que se considera ele próprio, em última
análise, como um elemento consubstanciaI do aconte
cimento.
Acrescente-se que Lanzmann não se limita a subs
tituir o acontecimento pela memória, já que ele a opõe
à história, ou seja, ao relato do passado que visa a sua
interpretação. «Não compreenden), escreve, foi a sua
«lei de ferrO» durante os anos de preparação de Shoah:
uma «cegueira» que reivindica não só como condição do
«acto de transmitin) implícito à sua criação, mas também
como postura epistemológica que opõe «à questão do
porquê, com a sucessão indefinida de frivolidades aca
démicas ou de patifarias que esta não cessa de induzir:!.(\).
Essa postura remete para a regra que os nazis haviam
imposto em Auschwitz: Hier úl kein WarntJ/» (<<aqui, não
há porqub», regra que Primo Levi achava «repulsiva»:!.l,
mas que I.anzmann decidiu interiorizar -~~~~ a sua pró
pria «lei». É dificil não ver nessa interdição do «porquê»
uma sacralização da memória (alguns chamam-lhe uma
forma de «religiosidade seculanr2;») de matiz bastante
obscurantista. Trata-se de uma interdição normativa da
compreensão que atinge o coração do próprio acto da
escrita da história como tentativa de interpretação, aqui
lo a que Lcvi chamava «a salvação da compreensão» (Ia
salva:;,/one dei capire) e que a seus olhos constihÚa o objec
tivo de todo o esforço de rememoração do passado21.
96
Uma outra forma de substituição da memória à re
alidade histórica é sugerida por um filósofo de entre
os mais originais dos últimos anos, Giorgio Agamben.
No seu Ce qui rufe d'Aughwit!V interroga a ({aporia» no
cerne do extermínio dos judeus, <<uma realidade tal que
excede necessariamente os seus elementos factuais»,
criando assim uma clivagem {{entre os factos e a ver
dade, entre a constatação e a comprecnsãO)2~. Para sair
desse impasse, socorre-se de Primo Levi que, em Os
que sUí-umbem e OJ· que se salvam, apresenta o {(muçulma
no» - o detido de Auschwitz chegado ao último esta
do de esgotamento físico e de aniquilação psicológica,
reduzido a um esqueleto incapaz de pensamento e de
palavra - como a «testemunha integral». É ele, escre
ve Levi, a verdadeira testemunha, aquele que tocou o
abismo e que não sobreviveu para o contar, de quem
os sobreviventes seriam, no fundo, o porta-voz: «Nós,
nós falamos por eles, por delegação.»~5 Enquanto Levi,
ao invocar a figura do «muçulmano», queria sublinhar
o carácter precário, subjectivo, incompleto dos relatos
feitos pelas testemunhas realmente existentes, os sobre
viventes, aqueles que não tinham visto Ha Górgona», ou
seja, aqueles que tinham escapado às câmaras de gás,
Agamben, por seu lado, transforma o «muçulmanO) no
paradz!!,ma dos campos nazis. A prova irrefutável de Aus
chwitz, e logo a refutação derradeira do negacionismo,
97
escreve em conclusão da sua obra, reside precisamente
nessa impossibilidade de testemunhar. Segundo Agam
ben, ~-\uschwitz é «o que é impossível de testemunhar»
e os sobreviventes dos campos da morte, ao tomarem a
palavra no lugar do «muçulmanm), aquele que não pode
falar, não são mais do que testemunhas dessa impos
sibilidade do testemunh02r,. Aos seus olhos, o núcleo
profundo de Auschwitz não se encontra no externúnio,
mas na produção do «muçulmano», essa figura híbri
da entre a vida e a morte (non-uomo)27. É por isso que
ele a transforma num ícone (tomando como pretexto
a modéstia de que faz prova Primo Levi quando indica
os limites do seu próprio testemunho). Mas essa visào
dos campos nazis como lugares de dominação biopoli
tica sobre os detidos reduzidos à «vida nmm (nuda llida)
carece singularmente de espessura histórica. Agamben
parece esquecer que a grande maioria dos judeus ex
terminados nos campos nazis não eram «muçulmanos»,
uma vez que não eram enviados para a câmara de gás
no final das suas forças mas no próprio dia em que
chegavam ao camp02H. Se Agamben pôde negligenciar
um facto tão evidente, é precisamente porque isso não
constitui, a seu ver, o cerne do problema. Toda a sua ar
gwnentação parte do postulado segundo o qual a prova
de Auschwitz não reside no fado do extermínio - uma
verdade que se encontra desqualificada na sua perspec-
98
tiva pelo hiato que separa o acontecimento da sua com
preensão - mas na impossibilidade da sua enunciação,
incarnada pelo «muçulmano». Se ~-\uschwitz existiu, não
foi tanto porque existiram câmaras de gás, mas porque
os sobreviventes puderam restituir uma voz ao «mu
çulmano», a «testemunha integrab>, arrancando-o do
seu silêncio. ~lais wna vez, a história é reduzida a uma
~_st:~Ç~? linguísti~a de._q~~, a .meITl0ria - dissociada
do real - consti,tul a tra~a. Fundar a crítica do nega
cionismo numa tal ~~.~~~í_sica da linguagel1~ (de inspi
f'Ação tanto existencialista como estruturalista2')) é uma
operação duvidosa que corre o risco de manter intacta
a «aporia» de Auschwitz, ao mesmo tempo que retira
à sua verdade a sua base material. Podemos também
compreender o desconforto com que os sobreviven
tes de ~\uschwitz, as testemunhas realmente existentes,
acolheram C'e qui rufe de AUJ'chwitZ' Philippe Mesnard c
Claudine Kahan sublinharam justamente esse aspecto
do problema na conclusão da sua crítica: K.,\ escuta da
quilo que podem dizer os sobreviventes, como podem
dizê-lo, dá lugar [no livro de AgambenJ a uma glosa so
bre o silêncio que lhes é assim imposto. No lugar deste,
Agamben apresenta o muçulmano, a única testemunha
que vale a seus olhos, um ser sem referência - a partir
do qual Agamben pode precisamente construir a sua
própria referência -, abandonado pela identidade, cuja
99
existência se reduz ao espaço que na linguagem ocupa a
sua imagem quase transparente.»)31J
Verdade e Justiça
N a relação complexa que a história estabelece com a
memória inscreve-se o vínculo que as duas mantêm
com as noções de Vé;dade e de justlça>Este vínculo
torna-se hoje cada vez mais problemático com a ten
dência crescente para uma leitura judiciária da história
e uma «judiciarização da memória) 'I. Doravante no
centro da nossa consciência histórica, a visão do século
x..X como um século de violência conduziu frequente
mente a historiografia a trabalhar com categorias ana
líticas tomadas do direito penal. Os actores da história
são, assim, cada vez mais frequentemente colocados
no papel de executores, vítimas e testemunhas 31• Os
exemplos mais conhecidos que ilustram essa tendência
são os de Daniel J. Goldhagen e de Stéphane Courtois.
O primeiro interpretou a história da Alemanha moder
na como um processo de construção de uma comuni
dade de executores". O segundo, ao trocar as vestes
do historiador pelas do procurador, reduziu a história
do comunismo ao desenvolvimento de uma operação
cnmtnosa para a qual reclama um novo processo de -~N·~·;~~b~-;ga.1-1.
100
No fundo, a relação entre justiça e história é uma ve
lha questão (veja-se a intervenção dos mais eminentes
historiadores durante o processo de Zola, em 1898-' -'),
que hoje volta à ordem do dia por uma série de pro
cessos no decurso dos quais numerosos historiadores
foram convocados na qualidade de testemunhas. Seria
difícil compreender os processos Barhic, Touvier c Pa··
pon em França, o processo Priebke em Itália ou ainda
as tentativas de instrução de um processo a Pinochet,
tanto na Europa como no Chile, sem os relacionar com
a emergência, no seio da sociedade civil desses países e
na opinião pública mundial, de uma memória colectiva 1: ~--- --.------_. __ .-----_. __ .,._------------".- .. ,,- "--._, do fascismo, das ditaduras e da Shoah. Esses p~õcessos- .' '
foram momentos de rememoração pública da história
onde o passado foi reconstituído e julgado numa sala
de tribunaL No decorrer das audiências, os historia
dores foram convocados para «testemunham, ou seja,
para clarificar graças às suas competências o contexto
histórico dos factos em julgamento. Diante do tribunal,
os historiadores prestaram juramento declarando como
qualquer testemunha: (~uro dizer a verdade, somente a
verdade e nada mais que a verdade.w'() Esse «testemu
nhm) J"tIÚ genen:r colocava evidentemente questões de
ordem ética, mas também retomava questões mais anti
gas de ordem epistemológica. Punha em causa a relação
da justiça com a memória de um país e a do juiz com
101
o historiador, com as suas modalidades respectivas de
tratamento das provas e do estatuto diferente da verda
de quando ela é produzida pela investigação histórica
ou é enunciada pelo veredicto de um triblUlal. .-\ten
to à distinção entre os domínios respectivos da justiça,
da memória e da história, I-Ienry Rousso recusou-se a
testemunhar no processo Papon, justificando a sua es
colha com argumentos rigorosos e em vários aspectos
esclarecedores. «.A justiça - afirmou - coloca a ques
tão de saber se um indivíduo é culpado ou inocente;
a memória nacional é resultante de uma tensão exis-
I tente entre ~s recordações me~oráveis e com~~or~veis e os esqueClmentos que perm1tem a sobreV1venc1a da
, comunidade e a sua projecção no futuro~ a história é
uma operação de conhcci.met}.t.9_"t;_de _elucidação. Estes ~-
três registos podem sobrepor-se e foi o que se passou
durante os processos~~~;contra a humanidade.
~las era desde logo colocar-lhes aos ombros um fardo
insuportável: não poderiam estar, de forma equivalen-:
te, à altura dos requerimentos respectivos da justiça, da
memória e da história.w'7
Essa mistura de géneros parece recuperar o anti
go aforismo de Schiller, retomado por IIegel, sobre o
tribunal da história: Die W'"e!(p,eJtfJidJte ist daJ If'/e/(p'erúht,
«A história do mundo é o tribunal do mundo», afo
nsmo que secularizou a moral e a ideia de justiça, ao
102
situá-la na temporalidade do mlUldo profano e fazendo
do historiador o seu guardião 1H. Podemos interrogar
-nos sobre a pertinência dessa afirmação a propósito
de processos que, longe de julgarem um passado já
ido e então encerrado, susceptível de ser contemplado
de à distância, não foram mais do que momentos de
elaboração de «um passado que não quer passan). No
entanto, para a parte civil, assumiram os traços de uma
Nêmesis reparadora da História. Contra esse adágio
hegehano, era inevitável opor um outro: o historiador
não é um juiz, a sua tarefa não consiste em julgar mas
antes en(·~~~p~-~-~~der: Na sua Apologie pour I'histoire,
Marc Bloch deu-lhe uma formulação clássica: «Quan
do o especialista observou e explicou, a sua tarefa está
terminada. Ao juiz resta ainda dar a sentença. Ao silen
ciar qualquer inclinação pessoal, pronuncia-a segundo
a lei? Achar-se-á imparcial. Ele sê-lo-á, com efeito, no
sentido dos juízes. Não no sentido dos especialistas.
Porque não se pode condenar ou absolver sem tomar
partido por um quadro de valores que já não releva de
nenhuma ciência positiva.))19 Mas deve também ser lem
brado que, em Une étran..~e défaite, Bloch não se abstém
de julgar e, se não queremos preconizar uma visão já
gasta (e ilusória) da historiografia como ciência «axiolo
gicamente neutra»), somos obrigados a reconhecer que
todo o trabalho histórico veicula também, imphcita-
103
mente, um julgamento sobre o passado. Seria falso não
ver mais do que arrogância detrás do aforismo hegelia
no sobre a história como «tribunal do mundQ}). Pierre
Vidal-Naquet relembra, nas suas memónas, a im
pressão que lhe causou a passagem marcante de
Chateaubriand em que este atribui ao historiador,
«quando, no silêncio da abjecção, já só se ouve o resso
ar das correntes do escravo e a voz do delatoD), a nobre
tarefa da «vingança dos povos». Antes de ser a fonte de
lUlla vocação, relembra, este desejo de redenção e de
justiça foi para ele <<uma razão de viveú)-1°.
A contribuição mais lúcida sobre esta delicada ques
tão é a de Carlo Ginzburg, por ocasião do processo
Sofri em ltália-11. O historiador, sublinha Ginzburg, não
deve erigir-se em juiz, não pode emitir sentenças. A
sua verdade - resultado da sua pesquisa - não tem um
carácter normativo; permanece parcial e provisória, ja-~'-." _._-_._- - ---
mais definitiva. Apenas os regimes totalitários, onde os
historiadores são reduzidos à categoria de ideólogos
e de propagandistas, possuem uma verdade oficial. A
historiografia nunca está cristalizada, uma vez que em
cada época o nosso olhar sobre o passado - interroga
do a partir de novos questionamentos, sondado com
a ajuda de categorias de análise diferentes - se modi
fica. O historiador e ° juiz, no entanto, partilham um
mesmo objectivo: a procura da verdade e esta busca da
104
verdade necessita de prova ... Verdade c prova são duas
noções que se encontram no cerne do trabalho tan
to do juiz como do historiador. A escrita da história,
acrescenta Ginzhurg, implica além disso um procedi
mento argumentativo - uma selecçao dos factos e uma
organização do relato - cujo paradigma continua a ser
a retórica de matriz judicial. A retórica é «uma arte da
persuasão nascida diante dos tribunais»-t~; foi aí que,
diante de um público, se codificou a reconstrução de
um facto através das palavras. Isto não é negligenciá
vcl, mas acaba aqui a afinidade. A verdade da justiça é
normativa, definitiva e vinculativa. Não procura com
preender mas estabelecer responsabilidades, absolver
os inocentes e punir os culpados. Comparada à. verda
de judiciária, a do historiador não é apenas provisória
e precária, é também mais problemática. Resultado de /'
uma operação intelectual, a história é analítica c refle
xiva, procurando pôr em evidência as estruturas subja- !
centes aos acontecimentos, as relações sociais nas quais I estão implicados os homens e as motivações dos seus 1
actos-1-'. Em suma, é uma outra verdade, indissociável
da interpretação. Não se limita a estabelecer os factos,
tenta colocá-los no seu contexto, explicá-los, formu
lando hipóteses e procurando as causas. Se é verdade
que o historiador adapta, para retomar ainda a defini
ção de Ginzburg, um «paradigma indiciáriQ»+\ a sua
105
interpretação não possui a racionalidade implacável,
guantificável e incontestável das deduções de Sherlock
/-lolmes.
Os mesmos factos engendram verdades distintas. Se
a justiça cumpre a sua missão ao designar e condenar
o culpado de um crime, a história começa o seu traba
lho de pesguisa e interpretação ao tentar explicar como
este se tornou um criminoso, gual a sua ligação com a
vítima, o contexto em que agiu, assim como a atitude
das testemunhas que assistiram ao crime, que reagiram,
que não souberam como impedi-lo, que o toleraram ou
aprovaram. Estas considerações podem servir para re
forçar a posição dos historiadores que decidiram não
«testemunhar» durante o processo de Papon. As suas
motivações são tão válidas como as dos que acederam à
convocatória dos juí7.es. Estes últimos fizeram-no para
não se subtraírem, enquanto cidadãos, a wn dever cívi
co que o seu ofício tornava, a seu ver, ainda mais im
perativo. Por um lado, o seu «testemunhO}) contribuiu
para confundir os géneros e conferir o estatuto de wn
veredicto histórico oficial a um veredicto judicial, trans
formando o tribunal em «tribunal da História». Por ou
tro lado, pôde clarificar um contexto e relembrar factos
gue se arriscavam a ficar ausentes tanto das actas do
processo como da reflexão gue a acompanhou no seio
da opinião pública.
106
«J\.foralizar a história»+\ essa eX1gênCla avançada
por Jean Améry na suas sombrias meditações sobre o
passado nazi, está na origem dos processos evocados
anteriormente .. \s vítimas e os seus descendentes vive
ram-nos como actos simbólicos de reparaçào. Noutros
casos, continuam a bater-se para que esses processos
venham a ter lugar, como hoje em dia fazem, no Chi
le, os sobreviventes da ditadura de Pinochet e os seus
descendentes. Não se trata de identificar justiça e me
mória, mas muitas vezes fazer justiça significa também
render justiça à memória. A justiça foi, ao longo de
todo o século x...X - pelo menos desde Nuremberga, se
não mesmo desde o caso Dreyfus - um momento im
portante na formação de uma consciência histórica co
lectiva. A imbricação da história, da memória e da jus ti-
'.jça está no centro da vida colectiva. O historiador pode
operar as distinções necessárias, mas não pode negar
essa imbricação; deve asswni-Ia, com as contradições
decorrentes. Charles Péguy teve essa intuição durante
o caso Dreyfus, quando escreveu que «o historiador
não pronuncia juízos judiciários; não pronuncia juízos
jurídicos; poderíamos quase dizer que não pronuncia
sequer juízos históricos; elabora constantemente juízos
históricos; está em trabalho perpétuQ») 16. Poderíamos
ver aí uma confissão de relativismo; na realidade, é o
reconhecimento do carácter instável e provisório da
107
verdade histórica que, para lá do estabelecimento dos
factos, contém a sua parte de juízo indissociável de
uma interpretação do passado como problema aber
_.!~~ ~mais do que inventário fechado e d~finiti,~~~~~tc arquivado.
108
IV Usos políticos do passado
/l memória da 5 hoah como ((religião 'Úli/»
Poderemos fazer um uso crítico da memória? A este
respeito as comemorações do sexagésimo aniversário
da libertação do campo de Auschwitz oferecem-nos
matéria abundante para reflexão. A própria dimensão
das comemorações, nas quais participaram dezenas de
chefes de Estado, é em si mesmo um fenômeno notá
vel. Revela, certamente, o lugar que ocupa o genocídio
dos judeus na paisagem memorial deste início do século
XXI e a sua integração na nossa consciência histórica.
As diferenças entre essas comemorações e as do cin
quentenário são igualmente reveladoras. Bastante mais
modestas, as comemorações do cinqucntenário ficaram
109
marcadas pelo receio do esquecimento. A muito recente
reunificação da Alemanha levantava interrogações legí
timas quanto ao lugar que a memória dos crimes nazis
ocuparia num pais que voltara a ser «normaL> e, diziam
algtuls, se libertara dos seus fantasmas. Temia-se que
o fim da divisão - uma espécie de recordação perma
nente do passado e do nazismo segundo Güoter Grass,
um dos mais acérrimos críticos da reunificação - fosse
pretexto para um novo recalcamento. Hoje em dia, é
forçoso constatar que esse recalcamento nào teve lugar,
que a memória do nazismo, ainda que sempre conflitu
aI, permanece viva tanto na Alemanha como no resto
do mundo ocidental. O receio do esquecimento já nào
existe. Se existe um receio, deve-se mais, como subli
nharam alguns comentadores, aos «excessos da memó
rim>. O risco não é o de esquecer a Shoah, mas o de
fazer um mau uso da sua memória, de embalsamá-la, de
a fechar nos museus e de neutralizar o potencial críti
co, ou, pior, de a submeter a um UJ'O apologético da actual
ordem mundial.
Não creio ter sido o único a sentir um certo incó
modo perante as imagens de Dick Cheney, Tony Blair
e Sílvio Berlusconi em Auschwitz. ~\ sua presença pa
recia enviar-nos uma mensagem tranquilizadora, mas
no fundo apologética, que consistia em ver o nazismo
como uma legitimação em negativo do Ocidente liberal,
110
considerado como o melhor dos mundos. O I1olo
causto funda assim uma espécie de teodiceia secular
que consiste em rememorar o mal absoluto para nos
convencer que o nosso sistclna encarna o bem abso
luto. Nos dias seguintes, durante uma emissào de rá
dio, num programa de manhã de domingo, com uma
grande audiência, um politólogo francês repetiu várias
vezes que K.:\uschwitz nào é Guantánamo» . ..:\uschwitz
não é Guantánamo: a insistência em sublinhar tal facto,
evidente e incontestável, levanta uma interrogação. E
ca-se com a impressão que para alguns a comemoração
da libertação dos campos de Auschwitz seria uma boa
ocasião para demonstrar que, no fundo, Cuantánamo
não é assim tão grave. Ora, não se trata de estabelecer
uma homologia entre Auschwitz e Guantánamo, mas
sim de questionar se depois de Auschwitz podemos
tolerar Guantánamo ou Abou-Ghraib, se não existe
algo de indecente no facto de serem precisamente os
responsáveis por Guantánamo e Abu-Ghraib que nos
representam durante uma cerimónia consagrada às ví
timas do nazismo. Para não falar de Putin, o carrasco
dos chechenos, que conseguiu a façanha de~ na sua alo
cução em Auschwitz, não pronunciar uma única vez a
palavra «judeus». O problema já se tinha colocado, há
uma dezena de anos, durante a guerra da ex-Jugoslávia.
A quem escandalizava a comparação entre Milosevic e
111
Hitler, certamente excessiva, ~Iarek Edelman, um dos
últimos sobreviventes do gueto de Varsóvia, retorquiu
que Srebrenica era, a seus olhos, uma «vitória póstuma
de Hitlev)l.
Seria sem dúvida mais frutuoso aproveitar as co
memorações do sexagésimo aniversário da libertação
de Auschwitz para iniciar uma reflexão crítica sobre o
presente, tentando responder às interrogações sobre as
nossas sociedades que são levantadas pela memória dos
campos de concentração nazis. Esse exercício já tinha
sido tentado, logo após a guerra, por Horkhcimer e
:\dorno, os nomes cimeiros da Escola de Frankfurt. Em
contra-corrente à visão então dominante, que consistia
em interpretar o nazismo como a expressão de uma re
caída da civilização na barbárie, viam-no como o resul
tado de uma dialéctica negativa que tinha transformado
a razão de instrumento emancipador em instrumento
de dominação e o progresso técnico e industrial em re
gressão humana e social. Adorno definia o Holocausto
como a expressão de «uma barbárie que se inscreve no
próprio princípio da civilizaçãO))2. Contra a tendência
tranquilizadora que vê no nazismo uma legitimação em
ne...f!,ativo do Ocidente liberal, estes filósofos lançaram um
sério grito de alerta. O totalitarismo nasceu no seio da
própria civilização, é seu filho. Essa civilização continua
a ser a nossa e nós continuamos a viver num mundo em
112
que Auschwitz delimita um horizonte de possibilidade,
ainda que essa violência possa assumir outras formas
ou outros alvos.
Podemos compreender Habermas quando escre
ve que é apenas «depois e por ~-\uschwit7. (nadJ und
durcbAuJ'chwitZP" que a Alemanha integrou o Ocidente-'.
É com efeito sob o impacto do genocídio dos judeus
que a Alemanha iniciou uma ruptura com a sua auto
-percepção tradicional enquanto comunidade étnica
(exclusivamente fundada sobre o direito de sangue)
e começou a redesenhar a sua identidade segundo as
linhas de uma comunidade política, como uma nação
de cidadãos. Trata-se de uma consequência frutuosa da
memória do Holocausto. Mas o Ocidente não se reduz
ao Estado de direito e à democracia liberal. O nazismo
não se inscreve na história do Ocidente apenas como
expressão extrema do contra-Iluminismo. 1\ sua ideolo
gia e a sua violência condensaram várias tendências pre
sentes na Europa desde o século XIX: o colonialismo,
o racismo e o antissemitismo moderno. Foi um filho da
história OcidentaL E a Europa liberal do século XIX foi
a sua incubadora.
O problema que se coloca é então o da ligação da
Shoah com o processo de civilização. O Holocausto
implicou o monopólio estatal da violência que Norbert
Elias e .Max Weber, na senda de Hobbes, tinham inter-
113
pretado como um vector de pacificação da sociedade
e, por consequência, como uma conquista do proces
so de civilização. Para se poder realizar, esse genocídio
pressupunha as estruturas constitutivas da civilização
moderna: a técnica, a indústria, a divisào do trabalho,
a administração burocrático-racional. 1ioi a técnica
industrial que permitiu a produção em série da mor
te. Resumindo, a fórmula convencional - que diz que
Auschwitz funcionava como uma fábrica produtora de
morte - não implica, certamente, que todas as fábricas
sejam um campo de externúnio potencial, mas impõe
um questionamento sobre a normalidade das nossas so
ciedades modernas e sobre a sua compatibilidade com a
violência totalitária que, longe de suprimir essa norma
lidade, a pressupõe e a utiliza. Depois de ter constatado
que «o Holocausto nào atraiçoou o espírito da moder
nidade», o sociólogo Zygmunt Bauman sublinhou que
«as condições propícias à perpetração do genocídio são
especiais mas nào de todo excepcionais. Raras, mas não
únicas ( ... ). No que diz respeito à modernidade, o ge
nocídio não é nem uma anomalia nem um disfuncio
namentm}.J.
Pensar a ligaçào de Auschwitz com a modernidade
ocidental pode levar a colocar em causa a nossa <<nor
malidade}}. Os centros de retenção onde sào colocados
os estrangeiros em situação irregular e os requerentes
114
de asilo - que proliferaram na Europa no decurso dos
últimos anos - não são evidentemente comparáveis aos
campos de concentração nazis. Possuem, no entanto,
no seio das sociedades democráticas, alguns traços es
senciais que definem o paradigma do campo de con
centração, ou seja, segundo Giorgio Agamben, «um es
paço que se abre quando o estado de excepção começa
a tornar-se a regra}}"'. São, com efeito, espaços anómi
cos em que tudo é possível, não porque sejam conce
bidos como espaços de aniquilamento, mas porque se
tratam de /1I~~ares de não-direito. As pessoas aí internadas
correspondem à definição de «pária» dada por Hannah
Arendt: um fora-da-lei, nào porque tenha transgredido
a lei, mas porque não há nenhuma lei que o possa reco
nhecer e proteger. Indivíduos, acrescenta Arendt evo
cando os apátridas, que são «supérfluos» aos olhos da
comunidade das nações. O ~\lto Comissariado das Na
ções Unidas para os refugiados contabiliza 50 milhões
no mundo de hoje. Várias dezenas de milhar são inter
nados todos os anos em países da União Europeia, in
visíveis, como presenças «metaforicamente imateriais})!>.
Existe uma passagem de AJ Origens do Totalitatúmo que
hoje não pode ser lida sem que sejamos remetidos para
a actualidade: «antes de fazer funcionar as câmaras de
gás, os nazis tinham cuidadosamente estudado a ques
tão e tinham descoberto, para sua grande satisfação, que
115
nenhum país iria reclamar essa gente. O que é impor
tante registarmos é que tinha sido criada wna condição
de completa privação de direitos bem antes de ter sido
contestado o direito de viver.)7
I lá também, no entanto, tuna outra memóna de
l\uschwitz. Na época em que o genocídio judaico es
tava ausente do discurso oficial, a sua recordação sus
citava uma reflexão e um comprometimento que não
tinham nada de conformista. Em França, a memória de
Auschwitz e Buchenwald foi tuna alavanca poderosa
para as mobilizações contra a guerra da Argélia.;\ Fran
ça colonial, que torturava e matava, evocava recordações
a todos aqueles que, alguns anos mais cedo, se tinham
batido contra a ocupação alemã. Alain Resnais realizou
}\'Tuit eI Brouillard em 1955 como wna forma de lembrar
a história. Testemunhando em 1960 no processo de
Francis Jeanson, julgado por ter criado em França uma
rede de apoio à FLN, Pierre Vidal-Naquet comparou os
massacres cometido na Argélia pelo exército francês às
câmaras de gás de Auschwitz, onde os seus pais tinham
sido mortos. J\ comparação era certamente exagerada,
como veio a reconhecer nas suas memórias.'!. Hoje em
dia, tais posições suscitariam a cólera dos «guardiões do
templo» da memória do Holocausto. São posições que
revelam uma paisagem memorial e política bem dife
rente da nossa e também os limites da historiografia (no
116
sentido mais tradicional do termo), numa época em que
a distinção entre campos de concentração e campos
de externúnio estava longe de ser clara. r..fas revelam
também a presença de uma recordação ainda recente,
viva, quente, que funcionava como uma incitação muito
forte para lutar contra as injustiças e as opressões do
presente. Foi essa recordação que inspirou a decisão de
vários dos signatários do «1\fanifesto dos 121» pela in
submissão na Argélia, e foi evocada em vários dos pro
cessos da época. Para o trotsquista holandês Sal Santen,
sobrevivente dos campos nazis e depois condenado em
1960 por ter participado na criação de uma fábrica de
armas clandestina para a FLN, não havia dúvida que
o compromisso anticolonialista não fazia mais do que
prolongar o compromisso aotifascista. ~\ comparação
entre crimes nazis e violências coloniais atravessa os
escritos de Frantz Fanon e mesmo as declarações do
Tribunal Russell sobre o Vietoame.
A memória de Auschwitz, subterrânea mas activa,
é uma chave igualmente indispensável para explicar o
antifascismo do movimento estudantil e da esquerda re
volucionária depois de 1968. Esse substrato da memó
ria colectiva, à época ocultada no discurso oficial, podia
por momentos reemergir à superfície, como aquando
da expulsão de Daniel Cohn-Bendit pelo general de
Gaulle, que fez descer à rua dezenas de milhares de jo-
117
--
vens gritando «nós somos todos judeus alemães». Esse
slogan possuía então uma força libertadora cujo alcance
é hoje difícil de compreender.
Na Alemanha, após o silêncio da era Adenauer, a
memória de Auschwitz iria reaparecer, logo a partir
dos anos 1960, como um motor do protesto estudan
til. Uma nova geração exigia que a anterior prestasse
contas, recolocando em causa o passado alemào c de
nunciando as ligações que uniam a nova Alemanha de
Bona ao Terceiro Reich. Não se trata de idealizar essa
revolta ou de esconder os seus limites e ambiguidades.
V ários analistas sublinharam os resíduos de um nacio
nalismo de traços antissemitas que poderia estar apenas
adormecido na virulência do antissionismo, do anti-im
perialismo e do antiamericanismo da esquerda extrapar
lamentar'). Mas tal nào deveria impedir de observar que
esta revolta foi o ponto de partida de todas as querelas
das décadas seguintes em torno do «passado que nào
quer passan~ e da formação de uma consciência histó
rica nova em que a memória dos crimes nazis constitui
um elemento central.
Essa rememoração encontrou uma ilustração literá
ria notável, em 1975, em W' 011 le J'Ol1lfenir d'ellfallce, de
Georges Perce. Esse romance articula-se em torno de
um duplo relato, o da memória e o de uma ficção políti
ca inspirada na actualidade: por um lado, as suas recor-
118
dações de órfão, filho de judeus polacos emigrados em
França, deportados e exterminados em Auschwitz; por
outro, a crónica de wna sociedade totalitária, IF', situada
na América Latina, organizada como uma sistema to
talitário fundado sobre o princípio da competição des
portiva e que acaba em massacre. O romance termina
com as seguintes palavras: «Eu esqueci as razoes que,
com doze anos, me fizeram escolher a Terra do Fogo
para aí instalar W: os fascistas de Pinochet encarrega
ram-se de dar ao meu fantasma uma última ressonância:
várias ilhotas da Terra do Fogo são hoje em dia campos
de deportação.~) 111
Podemos, todavia, encontrar exemplos recentes de
wn bom uso da memória do Holocausto. Por exemplo,
o do africanista Jean-Pierre Chrétien que publicou em
Abril de 1994 um artigo no Libération em que denun
ciou os crimes de um «nazismo tropicab, no Ruanda 11.
De um ponto de vista analítico, o conceito não parece
muito pertinente, na medida em que assimila dois geno
cídios, o dos Tutsi e o dos judeus, muito diferentes pe
los seus contextos, pela natureza dos regimes políticos
que os conceberam e pelos meios com que foram per
petrados. Contudo, do ponto de vista do uso público
da história, esse conceito foi muito bem escolhido. Em
Abril de 1994, quando a opinião pública aparecia ainda
largamente incrédula e indiferente face aos massacres
119
que os média caracterizavam frequentemente como
«conflitos tribais», falar de «nazismo tropicab) tinha um
sentido, o de se apoiar na consciência histórica do mun
do ocidental, onde a Shoah ocupa hoje em dia um lu
gar central, para chamar a atenção sobre run genocídio
em curso. Tratava-se de mostrar que o Ruanda estava
a viver uma tragédia tão grave como a Shoah e que era
necessário reagir para a tentar impedir. De um ponto
de vista ético-político, a noção de «nazismo tropical»
era portanto perfeitamente justificada. Infelizmente, é
mais fácil comemorar genocídios, sobretudo a décadas
de distância, do que impedi-los.
o edipJe da memória do comunismo
Em I.1 jpleen contre I'oub/ie, Dolf Oehler mostrou até
que ponto a cultura francesa do Segundo Império foi
assombrada pela memória de Junho de 1848, numa
sociedade que tentava exorcizar por todos os meios a
recordação dessa revolta que se tornou quase inomi
náve112• Hoje acontece qualquer coisa de semelhante.
:\ própria ideia de revolução é criminalizaua, automa
ticamente remetida para a categoria do «comunismo»
e assim arquivada no capítulo «totalitarismo» da histó
ria do século XX. Foi assimilada ao Terror e o Terror
reduzido à execução coerente de uma ideologia crimi-
120
nosa13• O capitalismo e o liberalismo parecem ter-se
tornado novamente o destino inelutável da humanida
de, como tinham sido descritos por ~ \dam Smith na
época da Revolução Industrial e por Tocqueville depois
da Restauração. Não é identificada uma nova ordem
a construir, de que apenas poderíamos ver os traços
gerais, mas um sistema social e político apresentado
como a única resposta possível para os horrores do
século x...x. O contraste com a paisagem memorial do
século agora findo é evidente. Durante os momentos
mais sombrios da «era dos extremos», quando o velho
mundo estava sacudido por uma guerra destntti\'a que
lembrava um quadro de Hieronymus Bosch, quando
se generalizava o sentimento de que a humanidade
estava à beira do abismo e a civilização se arriscava a
conhecer um eclipse definitivo, o comunismo aparecia,
aos olhos de milhões de homens e de mulheres, como
runa alternativa pela qual valia a pena lutar. Na idcia de
comunismo havia certamente uma parte de ilusão, de
mistificação e de cegueira de que apenas uma minoria,
de entre os seus defensores, tinha consciência. Estava
contudo fortemente enraizado na sociedade, na cultura
e nas expectativas das classes populares. Comunismo
era uma palavra portadora de múltiplos significados.
Queria dizer tomar em mãos o seu próprio destino,
emancipar-se, bater-se contra o fascismo, contra a in-
121
justiça, contra a opressão, construir uma sociedade de
iguais. Remetia também para realidades mais sombrias:
o avanço «libertadom do Exército Vermelho, a discipli
na, a razão do partido, o culto de Estaline. ~-\spirações
libertárias, cálculos maquiavélicos e ameaças totalitárias
ombreavam-se numa dialéctica histórica que a «era dos
extremos» tinha levado ao seu paroxismo. Em França e
em vários outros países do Oeste europeu, a memória
do comunismo é em primeiro lugar a de uma «contra
-sociedade»I.J - caserna, igreja e comunidade fraternal
à vez - que já não existe. Se as sombras e as contra
dições que essa ideia de comunismo transportava são
doravante bem visíveis, se as suas ilusões estão destruÍ
das, temos de reconhecer que também o seu horizonte
de esperança desapareceu. Os movimentos de mas
sas mais radicais já não ousam reclamar-se dele, nem
reivindicá-lo. Os zapatistas mexicanos não falam de
comunismo mas de dignidade e justiça. As forças que
se mobilizaram no decurso destes últimos anos con
tra a mundialização neo-liberal, de Seattle a Génova,
têm ideias muto claras sobre aquilo que não querem
- um mundo rei ficado e transformado em mercadoria
-, mas não ousam propor um modelo alternativo de
sociedade. Os estudantes chineses reunidos na Praça
de Tiananmen em 1989 não reivindicavam, como em
Praga em 1968, um «socialismo de rosto humano», mas
122
a liberdade e a democracia. Nos países da Europa cen
tral, são numerosos os que, depois de terem lutado por
um socialismo autêntico, se tornaram responsáveis nào
apenas pelo regresso à democracia mas tamhém pela
restauração do capitalismo.
Introduzida na consciência histórica do mundo oci
dental desde () fim dos anos 1970 como um aconteci
mento central do século XX, a recordação dos campos
de morte nazis uniu-se, após a queda do :Muro de Berlim
e o desmoronamento do Império Soviético, à memória
do «socialismo realmente existente». Tornaram-se indis
sociáveis, como os ícones de uma «era de tiranos», de
finitivamente acabada]'. A elaboração da memória dos
passados fascista e nazi, iniciada alguns anos antes em
vários países europeus, - enleou-se com o fim do co
munismo. A consciência histórica do carácter assassino
do nazismo serviu de parâmetro para medir a dimensão
criminal do comunismo, rejeitado em bloco - regimes,
movimentos, ideologias, heresias e utopias incluídas
- como um dos rostos do século da barbárie. A noção
de totalitarismo, antes arrumada nas estantes menos
CDnsultadas das bibliotecas da Guerra Fria, conheceu
wn regresso espectacular como a chave de leitura mais
capaz, se não a única, de decifrar os enigmas de uma era
de guerras, ditaduras, destruições e massacres1('. Uma
vez decapitado o monstro totalitário com cabeça de
123
Jano, o Ocidente conheceu uma nova juventude, qua
se uma nova virgindade. Se o nazismo e o comunismo
são os inimigos irreduúveis do Ocidente, este deixa de
constituir o seu berço para se tornar a sua vítitna, cri
gindo-se o liberalismo como o seu redentor. Esta tese
exprime-se sob diferentes variantes, das mais vulgares
às mais nobres. A versão vulgar é a do filósofo do De
partamento de Estado americano, Francis Fukuyama,
para o qual a democracia liberal designa, no sentido hc
geliano do termo, «o fim da I·Estória», implicando que
é impossível conceber um mundo que seja ao mesmo
tempo distinto e melhor do que o mundo actual 17. A
versão nobre é a de François Furet. Sublinhando, em O
PaJ.rado de uma I1uJ"éio, que <mem o fascismo, nem o comu
nismo foram os sinais inversos de um destino providen
cial da humanidade»'~, Furet deixa entender que um tal
destino providencial na verdade existe c é representado
pelo seu inimigo comum: o liberalismo.
Depois de ter assimilado o movimento e os apare
lhos políticos, a revolução e o regime, as suas utopias e
a sua ideologia, os sovietes e a Tcheca, os historiadores
da nova Restauração empreenderam a condenação em
bloco do comunismo como uma ideologia c uma prá
tica intrinsecamente totalitárias. Desprendida de toda
a dimensão libertadora, a sua memória foi alojada nos
arquivos do século dos tiranos.
124
É certo que o século XX suscitou uma interrogação
fundamental quanto ao diagnóstico de ~farx relativo
ao papel do proletariado como libertador da humani
dade. A Revolução Russa (e, na sua senda, as que se
lhe seguiram) engendrou um reb>1me totalitário. Tudo
aquilo contra o qual o comunismo, desde Babeuf e
l..1arx, se havia insurgido - a opressão, a desigualdade,
a dominação - converteu-se pouco tempo depois na
sua condição normal de existência. A violência «partei
ra» da história foi institucionalizada como o seu modo
de funcionamento. O aparelho concebido como meio
tornou-se o seu próprio fim, um fetiche que exigia o
seu quinhão de vítimas sacrificiais. O movimento gue
tinha prometido a emancipação do trabalho, finalmente
liberto da sua forma capitalista, deu lugar a um sistema
de alienação e de opressão.
o comunismo, tal como nós o conhecemos nas suas
formas históricas concretas depois de 1917, foi engo
lido com o século que o tinha engendrado. Após uma
época de guerras e de genocídios, de fascismos e de
estalinismo, o socialismo já só subsiste, como nas suas
origens, na sua forma utópica. Mas esta utopia é, dora
vante, fortemente carregada pelo peso da história, que
a transforma, segundo as palavras inspiradas de Daniel
Bensaid, numa «aposta melancólicID)'9. Alimenta-se de
um sentimento agudo das derrotas sofridas, das catás-
125
trofes sempre possíveis, e csse sentimento torna-se no
verdadeiro fio condutor que tece a continuidade da his
tória como história dos vencidos.
Ao contrário de Marx, que definia as revoluções
como as «locomotivas da História», Benjamin inter
pretava-as como o «travão de emergência)), que pode
ria parar o curso do comboio rumo a uma catástrofe
eternamente renovada e, assim, romper o continuum da
história20• A metáfora de Marx continuava prisioneira
da mitologia do progresso que ao longo de todo o sécu
lo XIX tinha tido o seu símbolo no caminho-de-ferro,
expressão da sociedade industrial, imagem da potência
e da velocidade. Depois dos carris de Birkenau, depois
das vias-férreas que os zekl construíram nos gulags da
Sibéria, as locomotivas já não evocam a revolução.
Nós já não estamos no meio da tempestade, como
os nossos antepassados do período de entre-guerras.
Vivemos, pelo menos provisoriamente, numa paisagem
pós-catastrófica, ao abrigo das calamidades que afligem
outras regiões do planeta. E com a catástrofe afastou-se
a revolução, o seu corolário. Uma vez que o seu «cam
po de experiência» se afasta de nós como um passado
já ido, o seu «horizonte de esperança» tornou-se invi
síveFI. Não sabemos se o comunismo poderá um dia
i' Prisionóros nos campos d~ trabalho forçado. NT
126
voltar a ser um «horizonte de esperança», uma «utopia
concreta», como o definia Erost Rloch. O que é certo
é que o seu campo de experiência se eclipsou da nossa
paisagem memorial e que espera ainda a sua anamnesc.
Desse ponto de vista, a memória do comunismo co
nheceu uma parábola análoga à de outros movimentos
emancipadores. Como sublinharam vários historiado
res, 1-1aio de 68 já não evoca, no imaginário colectivo,
a maior greve geral da história francesa, mas o rito de
passagem para uma sociedade individualista e o mo
mento de formação de uma nova elite «liberal-libertá
ria». A analogia mais impressionante é sem dúvida a do
anücolonialismo, cuja memória pública conheceu um
eclipse quase total. Uma gigantesca revolta dos povos
colonizados contra o imperialismo foi esquecida, re
coberta por outras representações do «Sub) do mundo,
acumuladas durante três décadas: primeiro, a das valas
comuns do Camboja e do Ruanda; depois, as «guer
ras humanitárias»~ e por último o terrorismo islâmico,
cujos porta-vozes substituíram a imagem do guerrillero.
Os ex-colonizados ainda não adquiriram o estatuto de
sujeitos históricos, transformaram-se simplesmente
em «vítimas», objecto de salvamento pelos países de
senvolvidos, que continuam a cumprir, como no século
XIX, a sua «missão civilizadora», agora envolta na capa
ideológica dos «direitos do homem». Assim enterra-
127
da, a recordação do comunismo e do anticolonialismo
como movimentos emancipadores, como experiência
de constituição dos oprimidos em sujeito históricos,
subsiste como memória escondida, por vezes como
contra-memória oposta às representações dominantes.
128
v Os dilemas dos
historiadores alemães
o deJapareâmento dnfasúsmo
A Alemanha constitui um laboratório interessante para
estudar a interacção entre a memória do nazismo e a
escrita da sua história. Neste país, a emergência de uma
consciência histórica do genocídio dos judeus coinci
diu com o desaparecimento da noção de «fascismQ) do
campo historiográf1.co. Raros são os historiadores que
se envolveram numa análise comparada dos fascismos',
raríssimos aqueles que hoje aceitam considerar o fascis
mo como um fenômeno de alcance europeu. Depois
de no mundo académico se ter «acertado o passO) com
a reunif1.cação, sobram apenas alguns sobreviventes da
129
historiografia da Alemanha de leste. É a própria noção
de fascismo que, para lá do Reno, parece constituir uma
espécie de tabu. O fenómeno não é novo. Estava iden
tificado desde 1988 por Timothy Mason, um grande
investigador que colocou a história comparada dos fas
cismos no centro da sua obra. Num artigo significativa
mente intitulado «\Vhatever happcned to «fascism»?»,
sublinha uma tendência que se acentuou no decorrer da
década seguinte: o desaparecimento, na historiograt1.a
alemã, do conceito de fascismo 2•
Os últimos vinte anos foram marcados, na Alema
nha, por cinco grandes debates, alguns exclusivamen
te no interior da disciplina, outros projectados para o
exterior, até se tornarem grandes debates da socieda
de. O primeiro foi a «controvérsia dos historiadores>,
(húton'kcrstrei~, que polarizou em 1986-1987 a atenção
dos média e teve um impacto considerável além das
fronteiras alemãs. Depois, no ano seguinte, a corres
pondência entre Martin Broszat e Saul FriedIander, que
não saiu das revistas e das publicações especializadas,
mas que constitui uma reflexão metodológica de pri
meira importância. Em 1996, foi a controvérsia em tor
no do livro de Daniel J. Goldhagen sobre os «carrascos
voluntários de Hitlen, que fez furor, com fortes reper
cussôes na cena internacional. Por fim, as polémicas
exclusivamente internas à historiograt1.a e puramen-
130
te «germano-alemãs,>, suscitadas pelo Hútoákertai de
1998, e a que se seguiram altercações em torno de uma
exposição itinerante sobre os crimes da \X'ehrmacht.
Primeiro debate, portanto, o I-lislorikcrJtreit, iniciado
em 1986-1987 pelas teses de Ernst Nolte sobre o pas
sado alemão «que não quer passan>. A sua interpretação
do nazismo como reacção à Revolução Russa c, sobre
tudo, a sua visão do genocídio dos judeus como «cópia»
de um «genocídio de classe,> perpetrado pelos bolche
viques foram objecto de polémicas bastante divulgadas.
Jürgen Habermas foi o principal antagonista de Noite,
a quem acusou de ter encontrado wna maneira cómoda
de «liquidar os danos», de «normalizan> o passado e de
dissolver a responsabilidade histórica pelos crimes do
nacional-socialismo].
o segundo debate teve lugar um ano mais tarde, em
suplementos da imprensa diária e nos ecrãs de televisão:
tun debate metodológico destinado a ter um impacto
muito forte nos meios de investigação. Publicado qua
se simultaneamente em alemão e em inglês, a corres
pondência já mencionada entre rvlartin Broszat e Saul
Friedlander abordava a delicada questão da possibili
dade e dos limites de uma historicização do nazismo,
revelando em simultâneo a fecundidade do diálogo e as
'" Jornada historiográfica. N.T.
131
diferenças de abordagem geradas a partir de dois pon
tos de observação distintos: o de um historiador alemão
e o de um historiador judeu4• Deve sublinhar-se esta
diferença, que constitui um dos aspectos centrais des
sa correspondência, não para «etnicizan} o debate, mas
para relembrar as diferentes perspectivas epistemológi
cas que sustentam a «posição>} do historiador (aquilo a
que Karl ?\{annheim chamou o seu Standort)\ isto é, a
sua inserção num contexto social, político, cultural, na
cional e memorial específicd'.
Terceiro debate: em meados dos anos 1990, a obra
do politólogo americano Daniel Goldhagen suscitou,
bem para lá dos meios universitários, um vasto debate
público sobre a ligação da sociedade alemã com o regi
me nazi e o grau de implicação dos alemães «normais})
na efectivação dos crimes nazis. Se a tese de Goldhagen,
visando apresentar o genocídio judaico como um «pro
jecto nacional» alemão, foi objecto de sólidas críticas
por parte da maioria dos historiadores, foi também um
momento importante na confrontação da Alemanha
reunificada com o seu passado nazi e na formação de
uma consciência histórica, especialmente entre os jo
vens, no centro da qual se inscreve a memória de Aus
cw1tz7• A abordagem funcionalista, que via os crimes
do nazismo como o produto de uma máquina de mor
te, impessoal e quase anónima, foi fortemente abalada
132
por Goldhagen, que colocou a tónica na participação
activa dos alemães nesses crimes ao desviar a atenção
dos campos de extermínio para as execuções em mas
sa levadas a cabo pelas unidades especiais do 55 (as
Einsatzgruppen), pelos batalhões de polícia e pelo exér
cito.
Quarto debate: em 1998, o tradicional encontro de
historiadores alemães, que tem lugar de dois em dois
anos, foi marcado por debates muito intensos a respeito
do passado da sua disciplina. O compromisso com o
regime nazi, ou mesmo a adesão aberta, por parte de
certas figuras de proa da historiografia do pós-guerra
- como Werner Conze e Theodor Schieder, os antigos
mestres de vários investigadores que dominam a disci
plina hoje em dia - foi objecto de revelações e de criti
cas muito severas8• Foi esse congresso que desenhou o
perfil de uma nova geração - no sentido histórico, c não
simplesmente cronolóbr"ico do termo, segundo a defini
ção de Mannheim - que emergiu no decurso da última
década. (por vezes mesmo mais cedo, especialmente no
caso de tun dos porta-vozes da vaga contestatária, Gõtz
Aly'l.) Foi de certa forma inevitável que, após ter sido
um dos vectores privilegiados da elaboração de uma
consciência histórica e do desenvolvimento de um vas
to debate na sociedade sobre o uso público da história,
a comunidade de historiadores se visse obrigada a cen-
133
trar o seu olhar sobre o seu próprio percurso e a proce
der, muito honestamente e portanto dolorosamente, à
sua autocrítica. Existe aqui uma identificação completa
entre o juiz e o historiador, num processo em que os
historiadores se constituíram como jW7:es dos seus pró
prios antecessores e da sua própria história.
Quinto debate: a exposição sobre os crimes da Wehr
marcht, organizada pelo Institut fLir Sozialforschung de
Hamburgo e inaugurada em 1995, tem uma longa e tor
mentosa história, cuja conclusão podemos referenciar
ao ano de 2002 lO• Resultado de um importante trabalho
de investigação, essa exposição rompeu com um lugar
-comum instalado na opinião pública alemã, segundo o
qual o exército não teria estado implicado nos crimes
do nazismo, que teriam sido responsabilidade quase ex
clusiva dos SS e da Gestapo. Apoiando-se num vasto
material ilustrado por imagens e documentos da época,
a exposição de Hamburgo mostrava que, pelo contrá
rio, o exército tinha perpetrado numerosos massacres
de populações civis na União Soviética - sobretudo na
Ucrânia e na Bielorrússia - e na Sérvia, ao mesmo tempo
que participava na eliminação dos judeus. Tinha estado
no centro de uma guerra de conquista e de extermínio
contra o comunismo, os povos eslavos, os judeus e os
ciganos, guerra que foi radicalizada face à resistência so
viética e que tinha rapidamente assumido as característi-
134
cas de uma guerra colonial e de uma cruzada antissemi
ta. Os milhões de jovens soldados que tinham servido
sob o uniforme da Wehrmacht representavam o con
junto da sociedade alemã, com a qual mantinham con
tactos e trocavam informações. r..Iostrar a implicação da
\Vehrmacht no genocídio dos judeus significou, por
tanto, _~~~_ol!~ _o, mi_t~_ .~eE~E.9.<2."o~_'L,-!a) o~ <~lem~es. «nãQ.
sabiam»,
As ferozes polémicas suscitadas por esta exposição
atingiram o seu ponto alto em 1999, quando os seus de
tractores conseguiram provar a presença de alguns docu
mentos falsos (quatro fotografias de crimes do NKVD
atribuídos erroneamente à \Xlehrmacht) e impor o seu en
cerramento, Depois do trabalho de investigação de uma
comissão de inquérito independente que rejeitou todas as
alegações de falsificação e de manipulação, a exposição
foi enfim reaberta em 2002, expurgada das fotografias
controversas - uma parte núnima no conjunto dos docu
mentos reunidos - e acompanhada de um novo catálogo
enriquecido por um importante aparato crítico ll.
--'~ .. ' ""._~~~'.~.
É verdade que estas controvérsias apresentam ca
racterísticas muito diferentes. Trata-se respectivamente
del~~is)randes debates de sociedade que ultrapassaram
largamente as fronteiras de uma disciplina científica (o
Historikcntrcit, o caso Goldhagen e a exposição sobre os
crimes da Wehrmacht), de uma reflexão metodológica - --- -------- - ._---,-".~-,~-- --- -- -
135
sobre a interpetação de um passado que se furta aos
procedimentos tradicionais da historicizaç_ilo (a corres
pondência Boszat-Friedliinder) e, por fim, de uma crise
de identidaqe J19 interior de uma comtuüdade intelectu
al (o Hútorikertag de 1998), Mas, no entanto, se virmos
bem, as três primeiras controvérsias, que constituem
também a premissa e a base sobre a qual se desenvolve
ram as outras, andam em torno de uma mesma questão:
a J'illgularidade hútón'ü1 do nazismo e dos seus crimesl~,
O reconhecimento dessa singularidade é doravante o
postulado implícito à maior parte das pesquisas alemãs
sobre o nazismo, Não se trata aqui de pôr em causa essa
singularidade, que podemos muito bem admitir e que
constitui, em vários aspectos, uma aquisição importan
te da historiografia, O que merece ser sublinhado, em
contrapartida, é o seu corolário, ou seja, as consequên
cias problemáticas, algumas vezes inquietantes, que
acompanharam esse reconhecimento, Na primeira linha
dessas consequências negativas deve inscrever-se, preci
samente, __ ? dcs~pa~ec~ento do conceito d~ fascismó,l
Sobre essa questão crucial, temos a impressão de
que todos se posicionaram silenciosamente, mas com
firmeza, ao lado de Karl Dietrich Bracher, o historiador
liberal-conservador que com mais coerência sempre re
jeitou o conceito de fascismo. Há mais de quarenta anos
que Bracher opõe a sua visão «totalitarista» da Alema-
136
nha nazi às diferentes teorias do fascismo, categoria que
para ele só se aplica à ''Itália de Mussolini". ~-\lguns dos
seus discípulos, como Hans-Hclmut Knütcr, recusam
mesmo atribuir ao fascismo o estatuto de um concei
to (BegtilJj, reduzindo-o a uma simples «palavra de or
dem» (schlagwor~, a uma ideologia e a um instrumento
de propagandal~. Essa atitude não é nova. O que é isso
sim novo é que a ela adiram\, historiadores e ?oli~ólogos
provenientes da esquerda, c~-;;-\V~ifg~~g Krau~haar ou Dan Diner. O primeiro defende hoje em dia a ideia
de totalitarismo, que apresenta como antinómico em
relação ao fascismo (sendo a Alemanha nazi totalitária,
já não poderia ser fascista)l~. O segundo publicou re
centemente uma ambiciosa e interessante tentativa de
«compreensão» do século XX (Daj"Jabrhundert venteben),
em que praticamente não recorre à noção de fascismo ll"
O nacional-socialismo aparece aqui como um fenóme
no exclusivamente alemão, completamente distinto e
independente do fascismo italiano, tanto no seu conte
údo como na sua forma, insusceptível de ser associado
a um fenómeno fascista de escala europcia. Na maior
, parte dos casos os historiadores que continuam a utili
zar a noção de fascismo são os representantes da escola
, histórica da antiga RDA, como Kurt Patzold, marxis
tas como Reinhard Kühnl17, ou discípulos de esquer
'da de NoIte, como Wolfgang Wippermannl8, Entre os
137
....
grandes historiadores da RFA, a única excepção é Hans
Mommscn, autor de uma obra imponente e notável
mas que, no entanto, não se distingue pelo seu com
paratismo. Mommscn reconhece a pertinência do uso
do conceito de fascismo, mesmo se a ele não recorre. É
significativo que a única obra hoje em dia disponível na
Alemanha sobre os fascismos seja traduzida do polaco:
St'hulen des HaJJeJ, de Jerzy W Borejsza l9•
Outro sinal revelador dessa mutação na paisagem in
telectual é o abandono da noção de fascismo por quem
',mais tinha contribLÚdo para a sua difusão: Ernst NoIte.
Celebrizado no inicio dos anos 1960 graças a um livro
ambicioso em que interpretou o fascismo como um fe
nómeno europeu de que analisa três variantes principais
- o regime de Mussolini em Itália, o nacional-socialismo
alemão e a Adioufrauraise -, hoje em dia NoIte prefere
qualificar o nacional-socialismo como totalitarismo, para
,o qual tentou dar uma explicação «histórico-genétic3»20.
A Shoah, a RDA e o antifasásmo
N a origem deste «ostracismOJ) conceptual encontramos,
bem entendido, vários factores. Podenamos sublinhar
pelo menos quatro, ligados tanto à evolução intnnseca
da investigação histórica como a uma mutação da pai
sagem memorial da Alemanha.
138
o primeiro vem dos limites hoje evidentes das teo
rias clássicas do fascismo, nomeadamente as de inspira
ção ~~a. Dificilmente poderemos ficar satisfeitos
com uma explicação do nazismo como expressão, se
gundo a fórmula canónica, dos sectores mais agressivos
do grande capital e do imperialismo alemão, ou mesmo,
em termos mais matizados, como simples resultado de
uma alteração das relações de força entre as classes~l.
Os limites de uma tal leitura são agora reconhecidos,
ainda que, diga-se de passagem, as interpretações mar
xistas, nos nossos dias pouco frequentadas, são muitas
vezes bem mais ricas e complexas do que se pensa (os
marxistas estão entre os primeiros a ter falado do fas
cismo em termos de totalitarismo, de policracia, de ca
risma, de psicologia de massas, etc.f2. A indiferença às
bases de classe do nazismo corre o risco de levar a um
impasse tão grave como uma leitura do Estado hitle
nano em termos simplesmente classi~tas., Se ninguém
pode seriamente pretender que as câmaras de gás fo
ram projectadas pelo capitalismo monopolista alemão,
a implicação deste no sistema concentracionário nazi é
incontestável, tal como o apoio das elites alemãs tradi
cionais ao regime nazi até ao fim da Segunda Guerra
Mundial.
o segundo factor procede da amplitude das diferen
ças entre o fascismo italiano e o nacional-socialismo,
139
sobretudo no plano da ideologia. O antissemitismo, que
ocupa run lugar central na mundivisão e nas políticas
nazis, está ausente no fascismo italiano até 1938, dezas
seis anos depois da chegada ao poder de l\fussolini De
uma forma mais geral, as matrizes culturais do fascismo
italiano (a presença de uma componente «de esquerda)}
nas suas origens), a sua exaltação do Estado «totalitá
riO)) (em vez da piJikúche Gemeinsthafi) e mesmo a sua
definição do nacionalismo (mais espiritualista do que
biológica), revelam diferenças tão profundas em relação
ao nacional-socialismo que uma visão monolítica do
fascismo como fenómeno homogêneo, cujas variantes
nacionais fossem apenas superficiais, é necessariamente
contestáveF".
Se é certo que essas lacunas e essas limitações ob
jectivas favoreceram o questionamento do conceito
de fascismo, um terceiro factor que determinou o seu
eclipse é de natureza essencialmente política. A noção
de fascismo era um dogma para a escola histórica da
RD~-\, num contexto em que eram muito débeis as fron
teiras entre investigação e ideologia, entre interpretação
do passado e apologia da ordem dominante. Com a
reunificação, essa noção desapareceu após a demolição,
no sentido literal do termo, da escola histórica que a
defendia. Esse processo foi acompanhado primeiro
por um questionamento, seguido pela sua rejeição radi-
140
cal, de uma outra noção, a de anti fascismo, que apare
cia muito mais como wna ideologia de Estado do que
como a herança de um movimento de resistência. O
estudo da resistência comunista - cuja amplitude está
longe de ser negligenciáveF~ - permaneceu apanágio da
historiografia leste-alemã, submetida a um forte con
trolo ideológico. A Oeste, foi privilegiada a oposição
no seio do exército, que teve como momento final o
atentado contra Hitler em Julho de 1944, enquanto a
história social tendia a colocar entre parêntesis o pró
prio conceito de resistência (U7 iderstand), desviando a
atenção para as diferentes formas de «dissensão)) ou de
«inadaptaçãO)) (Rtsisten!:j da sociedade civil face ao regi
me. Como sugeriu Saul Friedlander, a consequência do
uso desse conceito - que literalmente significa «a imu
nidade, num sentido biológico»2.i - era legitimar a visão
lenitiva e apologética, largamente difundida no seio da
opinião pública desde 1945, de uma sociedade civil ale
mã em última análise estranha aos crimes do nazismo.
Com o desenvolvimento dos estudos sobre a vida quo
tidiana (AlltagsgesdJichte) na Alemanha nazi, a resistência
perdia o seu interesse2(,. Essa mutação era ainda mais
fácil uma vez que apenas a historiografia da RDA podia
legitimamente considerar-se herdeira de uma tradição
antifascista; não se considerariam, certamente, os histo
riadores oeste-alemães pertencentes ao que hoje em dia
141
é corrente chamar-se a «geração da Hitletjugencb) e ainda
menos os seus mestres que dominavam a disciplina du
rante a era Adenauer e que antes de 1945, em muitos
casos, haviam aderido ao partido nazi.
Existe uma diferença fundamental em relação à his
toriografia italiana, cujas discussões actuais procedem
do questionamento de um {<paradigma ~~tif~s~~~:)_~~=
bre o qual ela se tinha reconstituído após 1945. Este
quadro estaria incompleto, porém, sem um outro ele
mento político. O conceito de fascismo, na sociedade
oeste-alemã dos anos 1960 e 1970, designava mais o
P~~~~!1te do que o passado e servia para motivar a luta
contra as tendências autoritárias de um sistema político
nascido das cinzas do Terceiro Reich. Segundo a céle
bre fórmula de Adorno, o perigo representado pela so
brevivência do fascismo _na democracia era bem maior
do que a ameaça de um retorno ao fascismo~7. A solidez
das instituições democráticas alemãs, de que a reuni fica
ção foi um teste decisivo, mostrou o carácter datado e
agora obsoleto de uma tal concepção.
Vamos agora ao quarto elemento, sem dúvida o mais
importante. O que mais contribuiu para o abandono da
noção de fascismo no seio da historiografia alemã foi
a emergência de uma consciência histórica fecundada
pela memória de Auschwitz. O fascismo aparece como
uma categoria demasiado geral para compreender
142
.Auschwitz. O carácter único do extermínio dos judeus
da Europa não pode ser explicado por um conceito
que foi também aplicado à T tália de j\Iussolini, à Es
panha de Franco, ao Portugal de Salazar, à ~\ustria de
Dollfuss, à Roménia de .Antonescu, etc. A noção de
fasci~mQ, escreve Dan Dincr numa fórmula categóri
-~a, '«não permite chegar ao núcleo de .Auschwitz»~H. O
eclipse do conceito de fascismo aparece assim como o
epílogo de um longo caminho da historiografia alemã
que desemboca numa visào do passado no centro da
qual se inscreve, doravante, a Shoah, o «ponto fix(») do
sistema nazi, caracterizado por uma irredutível {<unici
dadc» (EinZ.Zgartigkeil). ~\ forma empenhadíssima como
alguns historiadorcs se desembaraçaram do conceito de
fascismo aparece quase como uma espécie ~!~~~_~~.?_
',_~_ompe.r:.satório, através do qual tentaram apagar o lon
go período durante o qual os seus precursores foram
incapazes de pensar e de investigar o genocídio dos ju
deus.
Surge então um problema grave: a noção de totali-_
~~arismo, que conheceu um renascimento espectacular
no decurso da última década, na Alemanha como no
resto da Europa, será a mais apta para analisar uma tal
singularidade? O deslocamento do comparatismo his
tórico da ligação entre o fascismo italiano e o nazismo
para a ligação entre o nazismo e o comunismo será mais
143
clarificador para compreender a natureza do regime hi
tleriano e a singularidade dos seus crimes? Colocar em
paralelo o\«duplo passado totalitáriO)}!da Alemanha - o
do Terceiro Reich e o da mA ou, retomando a fórmu
la de Étienne François, o de um regime que acumulou
uma montanha de cadáveres e o de um regime que acu
mulou uma montanha de dossiers2\1 - permitirá chegar
a conclusões de um maior valor heunstico? É duvidoso.
Não se trata de contestar o valor da noção de totali-, tarismo -i limitada ~as r_e_a.U- nem de recusar uma com-
paração entre os crimes do nazismo e os do estalinismQ,.
O problema surge do uso que disso se faz. Por que se
deverá pensar o totalitarismo e o fascismo como cate-
1?0ri~~.ana~ticas incompatíveis e alternativas? Por que se
deverá atribuir um maior alcance heurístico à compara
ção entre nazismo e comunismo do que à comparação
entre fascismo e nazismo?\Não se trata também de ne-'-.. . -,.- .,_.-
o gar a singularidade histórica dos crimes nazis, uma vez
que o extermínio industrial dos judeus da Europa é uma
caractenstica singular do nacional-socialismo. Mas, se
as câmaras de gás não têm equivalente fora do Terceiro
Reich, as suas premissas históricas - o antissemitismo, o
racismo, o colonialismo, o contra-iluminismo, a moder
nidade técnica e industrial- estão largamente presentes,
em graus de intensidade distintos, no conjunto do mun
do ocidental Por outro lado, a singularidade dos crimes
144
do nazismo não exclui a sua pertença, apesar de todas
as suas particularidades, a uma família política mais
vasta, a dos fascismos europeus.: Ora, é precisamente
esta hipótese que, desde o Hútorikerslreit até aos mais
recentes debates em torno do Livro l\Tegro do Comunis
mo (cujo impacto na Alemanha nào foi negligenciável),
'praticamente se eclipsou. ~\ssistimos assim, apesar dos
avanços incontestáveis da investigaçào, ao regresso de
um «consenso antitotalitárim} que, para pegar nas pala
vras de Jürgen Habermas a propósito da .\lemanha de
antes de 1968, supunha um a prion· «anti-anti fascista» \(1.
Resumindo, o eclipse do fascismo surge do encontro
entre duas tendências: por um lado, o consenso antito
talitário libera~_~_~~~nti-=!I!~~~_~,~~~a~), por outro, a emer
gê~~rad;~~a consciência histórica fundada sobre a _ .. - - - ------_ .. ----
memória da Shoah e o reconhecimento da sua singula-
ridade. Em Itália, estas tendências foram impulsionadas
por certas correntes da historiografia que, fortemente
amplificadas pelos média, teori?:aram uma clivagem
radical entre fascismo e nazismo a fim de reabilitar o t,· ... - -'."'-' fascismo e criminalizar o antifascismo. O fascismo ita-- -, _._, ,.,,,- "-~.-liano, afirmava Reo?:o De Pelice, durante uma entrevista
que suscitou enorme alvoroço, fica fora do «cone de
sombra do Holocaustm) ,!. Este fenómeno perverso
- o reconhecimento da singularidade do judeucídio que
actua na Alemanha como vector de formação de uma
145
consciência histórica e em Itália como pretexto de uma
reabilitação do fascismo - é uma fonte permanente de
mal-entendidos e ambiguidades.
Os riscos de tais tendências são os que Martin Broszat
tinha denunciado no início da sua correspondência com
Saul Friedlander, e que este último parece hoje em dia
admitir, pelo menos em parte: um «Ísolamentm> do pas
sado nazi que impede captar os seus vínculos com os-I
outros fascismos europeus e, de uma maneira mais ge
ral, com o modelo civilizacional do mundo ocidental.
Reconhecer esses vínculos não significa (<normalizar»
ou reabilitar o nazismo, mas antes «desnormalizaD) a ci
vilização que é a nossa e colocar em causa a história da
Europa. Se existe um Sondcnvcg alemão, este nào explica
as origens do nazismo mas apenas o seu resultado32.
Dito de outro f}!-..o_do, a singularidade da Alemanha nazi
deve-se à sua\(íntes~~):Jue nào se realizou nos outros pa
íses, entre vário~-élémentos - antissenútismo, fascismo,
Estado totalitário, modernidade técnica, racismo, euge
nismo, imperialismo, contra-revolução, anticomunismo
- aparecidos no conjunto da Europa no fim do século
XIX e que com a Primeira Guerra }"Iundial foram for
temente _disseminados à escala continental.
Este (<isolamento» arrisca-se a afastar a historiografia
alemã das principais correntes da investigação inter
nacional, onde a legitimidade do conceito de fascismo
146
como «tipo ideal» é geralmente admitida. São inumerá
veis os historiadores, nos anos mais recentes, que /17.e
ram e fazem uso dele. Além disso, a rejeição da n(),çãq
de fascismo (e por consequência de antifascismo) não
faz mais do que recolocar a eterna questão das relações
entre história e_~-ºria. Abre um hiato radical entre
--;-hi~;~rici~açào actual do nacional-socialismo e a per
, cepção que tinham os seus contemporâneos, quando
\ o fascismo, antes de ser uma categoria analitica, era
\ um perigo contra o qual se tinha de lutar c quando o
I'i antifascismo, antes de se tornar uma ideologia de Es
\ tado, constituía um ethoJ partilhado pela Europa demo
, crática e, nesse contexto, pela cultura alemã no exílio.
I.
147
(
148
VI Revisão e revisionismo
Melamorjóses de um conceito
«Revisionisffim) é uma palavra camaleão que assumiu
ao longo do século XX significados diferentes e con
traditórios, prestando-se a usos múltiplos e suscitando
muitas vezes mal-entendidos. As coisas complicaram
-se ainda mais por ter sido apropriada pel~ seit~> int~r
nacional que nega a existência das câmaras de gás e o
genocídio dos judeus da Europa em geraP. Os negacio
rustas tentaram apresentar-se como os porta-vozes de
uma escola histórica «revisionista): oposta a uma outra
escola, que eles classificam como «cxterminacionistID), c
que inclui, bem entendido, o conjunto dos estudos his
tóricos dignos desse nome, seja qual for a sua corrente,
149
consagrados ao genocídio judaico. A fim de defende-
ram as suas teses, os negacionistas lançaram em 1987
uma revista intitulada AnnaleJ d'lJi.floire réviJioflflúte que se )
tornou depois Rivue d'hütoire révúioflflúle. É inútil acres--~---~
centar que esse movimento - cuja verdadeira intenção
Pierre Vidal-Naquet pôs a nú ao rebaptiza-Ios «os aS-I \
sassinos da memória»~ - nunca atingiu o seu objecti-
vo, uma veZ que não obteve o menor reconhecimen-
to no seio da historiografia nem foi aceite no debate
público. ;-\0 invés - este facto foi muitas vezes sublinha-
do -, o seu aparecimento teve o efeito de estimular a
investigação que no decorrer dos últimos anos alcançou
um conhecimento muito mais preciso c detalhado dos
meios e das modalidades do processo de extermínio
dos judeus.
Os negaciorustas, contudo, conseguiram contami
nar a linguagem e criar uma confusão considerável em
torno do conceito de revisionismo. François Bédarida
recordava-o há uma dezena de anos, quando escreveu
que os negadores dos judeucídio, ao se apropriarem
desse termo, tinham praticado (ruma verdadeira usurpa- ~ çãQ). Tinham tomado uma palavra existente que tradu
zia «uma atitude mais que honorável, wna atitude à vez
legítima e necessária, para lhe darem uma respeitabilida
de enganadora e falsa»)3. É agora indispensável, quando
utilizamos o termo, explicitar o seu significado, como o
150
fez por exemplo Pierre Vidal-Na'luet, gue assinala no
início das suas~~ .. ~22.~.~_~E~':'~!i~E-iJ>,~QJ~(~.?_~La,,_ ~ sua escolha deliberada em o utilizar numa acepção res- '.
" tritiva, limitada à «doutrina segundo a qual o genocídio
praticado pela Alemanha nazi contra os judeus e os ci
ganos não existiu e apenas releva do mito, da fabulação
e da fraude». Vidal-Naguet prossegue sublinhando os'
diferentes sentidos que a palavra pode veicular segundo
os contextos, relembrando que também ela conheceu
os seus títulos de nobreza. Em França, escreve, «os pri
meiros revisiorustas modernos» foram os partidários da
revisão do processo que tinha terminado com a conde~
nação do capitão ~~~~:ed Dreyf~
Em linhas gerais,_ ~~hist?ria do revisionismo - nega
cionismo excluído - poderia reduzir-se a três momen
tos principais: uma controvérsia marxista, um cisma no
interior do mundo comunista e também, no sentido
mais lato, uma série de debates historiográficos poste
riores à Segllilda Guerra Mundial. Primeiro, o revisio
rusmo clássico, pelo qual a palavra foi introduzida no
vocabulário da cultura política moderna: trata-se evi
dentemente da Bernsteilldebatte, que despoletou no fim
do século XIX no seio da social-democracia alemã e
se estendeu imediatamente ao conjw1to do movimento
socialista internacional. O antigo secretário de Engels,
Eduard Bernstein, teorizava a necessidade de «reVeD)
151
u
certas concepções de Marx, como a polarização cres
cente entre as classes na sociedade burguesa ou, ainda, a
tendência para o colapso do capitalismo devido às suas
crises internas. Destas' revisões teóricas.I!Bernstein tira
va conclusões políticas que visavam harmonizar a teoria --'-----r
da social-democracia alemã com a sua prática, a de um
grande partido de massas que tinha abandonado a via
revolucionária e se encaminhava para uma política re
formista-\ O «revisionismo>; foi vigorosamente critica
do por Kautsky, Rosa Luxemburgo e Lenine, mas nin
guém pensou em algum momento expulsar Bernstein
do SPD e a querela, por vezes de um alto nível teórico,
permaneceu sempre dentro dos limites do debate de
~deia~JFoi seguida de outras «revisões» - por Rodolfo
Mondolfo em Itália, Georges Sorcl em França c Henri
de Man na Bélgica - que levaram alguns dos seus pro
ll).otores do socialismo para O fascismd'. O termo co
meçava assim a estender-se para lá dos meios marxistas.
Nos anos 1930, qualificava-se de «revisionista» Vladimir
Jabotinsky, que rejeitou a via diplomática defendida pe
los fundadores do sionismo político (Herzl, Nordau) c
que projectava a criação de um Estado judaico na Pales
tina através do uso da força7•
A controvérsia socialista assumirá uma conotaçào
--~g:má.1ica, quase religiosa, após o nascimento da Uniào
Soviética e a transformação do marxismo em ideologia
152
l de Estado,} com os seus dogmas c os seus guardiães da
ortodoxia. A palavra «revisiorusta» torna-se então um
epíteto infamante, sinônimo de «traiçào». Foi ampla
mente utilizada durante o cisma jugoslavo em 1948 e
sobretudo durante ü conflito sino-soviético, no início
dos anos 1960. Por vezes, tornou-se um adjectivo asso
ciado a um substantivo mais insidioso, como na fórmu
la ~Jll_~~_a_~~~~~?~~'sta;;:~ue os ideólogos do Cominform
gostavam de aplicar ao marechal Tito.
As controvérsias em torno de Bernstein, Jabotinsky
e Tito porém nào diziam respeito - pelo menos direc
tamente - à escrita da história. O terceiro campo de
aplicação da noção de revisionismo, pelo contrário, diz
respeito à historiografia do pós-guerra. Várias tentati
vas que visavam renovar a interpretação de uma épo
ca ou de um acontecimento, colocar em causa a visão
dominante, foram qualificadas de «revisões);. Essa pa
lavra visava sublinhar o seu carácter inovador, e nào
deslegitimá-las, e os seus representantes foram sempre
reconhecidos como membros de corpo inteiro da co
munidade dos historiadores. Entre as «revisões» mais
marcantes, poderíamos relembrar a que foi impulsio
nada no início dos anos 1960 por fritz Fisher, que re
novava o debate sobre as origens da Primeira Guerra
l'vlundial (relembrando, contra a tendência dominante
no seio da historiografia alemã, as visões pan-germa-
153
nistas do estado-maior prussiano)!!. Depois, a dos poli
tólogos americanos que, como Gabriel Kolko, puseram
em causam a tese então corrente das origens soviéticas
da Guerra Fria'). Mais recentemente, tivemos a «revisãO)
de um historiador como Gar Alperowicz a respeito da
bomba atômica: a escolha americana de lançar as bom
bas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki em Agosto
de 1945 foi, explicou, mais uma tentativa de afirmar
uma superioridade estratégica dos Estados Unidos da \
América sobre a União Soviética - fazendo pesar sobre I
a cena mundial o seu monopólio da arma nuclear - do
que de colocar um fim à guerra poupando mais vidas
hwnanas, como argumentava o presidente Truman lll.
Nos Estados Unidos, qualificam-se ainda hoje de «re
visionistas» os sovietólogos como J\loshe Lewin, Arch
Getty e Sheila Fitzpatrick que, desde os anos 1970, se
distanciaram das abordagens anticomunistas da época
da Guerra Fria e começaram a estudar, para lá da fa
chada totalitária do regime, a história social do mundo
~_ r':l.s~o_ e ~_~~~ti~ol.~.).Mas numerosas «revisões» apare
ceram também na Europa. Por exemplo em Itália, no
início dos anos 1960, num debate historiográfico sobre
o Rúorgimenlo, onde «revisionismo» se refere às teses de
Gramsci e Salvemini acerca dos limites do processo de
i unificação nacional dirigido pela monarquia piemonte
saJ:~. Alguns anos mais tarde, François Furet procede à
154
«revisão» da interpretação jacobino-marxista da Revo
lução Francesa - interpretação a que chama «vulgata
populista-leninista» - e orienta-se para uma rcleitura
liberal da ruptura de 1789, apoiado em Tocqueville e
. .'\ugustin Cochin, suscitando um vasto e polémico de
bate intemacional13• Aquando do bicentenário da Re
volução, esta tese antes «revisionista» impôs-se como
a leitura dominante. A última «revisão» importante, já
mencionada em capítulos anteriores, é a dos (<novos
~istoriadores» israelitas. Rompendo com certos mitos
persistentes, Benny Morris e Illan Pappé apresentaram
o conflito de 1948 em toda a sua complexidade, como
wna guerra simultaneamente de auto-defesa e de depu
ração étnicaH; Uma guerra em que o Estado hebraico
que tinha acabado de ser proclamado lutava, por um
lado, pela sua sobrevivência, e procedia, por outro lado,
à expulsão de várias centenas de milhares de palestinos.
Aqui está um exemplo de «revisãO) nos antípodas de
.
qu.al.quer objectivo .apolo.gét.iCO' e .. que se esforça, PelO~ contrário,~..!!U'_0rJ!W_ª,"I.lID·~ período çJ.e_amnésia I çolectiva e de ocultação o"~<:i.al do passado. : l
A palavra e a coisa
Estas «revisões» historiográficas convidam-nos a preci
sar algumas questões de~ primeira diz respei-
155
to ao uso das fontes. Se o relato histórico é uma recons
trução dos-~cimentos do passado «tal como ver
dadeiramente aconteceID~, segundo a fórmula canónica
de Ranke (wie es eigentlicb gewesen) - definição certamente
simplificadora mas nem por jsso fal~.~_-, então algu
mas «rev:isões)~ inscrever-se-ão de forma natural no seu
desenvolvimento. A descoberta de novas fontes, a ex
ploração de arquivos e o enriquecimento dos tcsternU·"'. _.' I
nhos podem fazer incidir uma nova luz sobre aconteci-o. I
mentos que se julgava serem perfeitamente conhecidos'
.. c:m de que tínhamos um conhecimento erróneo. A revi
são em baixa do número de vítimas do gulag na URSS
- estimado em dez milhões por Robert Conquest, redu
zido a um milhão e meio pelas pesquisas mais recentes 1.'i
- foi o resultado de wna análise escrupulosa das fontes
e do acesso a uma documentação essencial até então
inacessível.
Outras «revisões» dependem de uma mudança de
( pa~~1i~~a.. i;l';rpreta!ivo. Por vezes, a introdução de um
novo paradigma pode estar ligado a fontes até então
ignoradas, como sabem todos aqueles - ou melhor,
aquelas - que começaram a elaborar uma história das
mulheres (necessariamente revisionista, uma ve7- que
implica uma mutação do olhar, dos objectos e das fon
tes na forma de fa:ler a história). A história escreve-se
sempre no presente e o questionamento que orienta a
156
nossa exploração do passado modi6ca-se segundo as
épocas, as gerações, as transformações da sociedade
e os percursos da memória colectiva. Se a nossa visão
da Revolução Francesa ou da Revolução Russa já não
é a mesma de há cinquenta anos ou de há um século,
tal não resulta apenas da descoberta de fontes inéditas,
mas de wna pers~~~~~5~? __ hi_s,tó_ric:a nO\~a, própria da
nossa _época, Não é difícil reconhecer que a leitura ro
mântica da Revolução Francesa proposta por I\Iichelet,
a leitura marxista de Albert Soboul e a leitura liberal de
Furet pertencem a distintos contextos históricos, cultu
rais e políticos.
Nessa acepção, as «reV1SÕeS~) da história são legíti
mas e mesmo necessárias. No entanto, algumas revisões
- aguelas que qualificamos habitualmente como ({fevi
sionismo» - implicam umá;irt{~em éti~~P~-I!;i;;)na nossa
forma de olhar o passado. Correspondem ;~'que Jürgen
Habermas chamou, durante o Histon'kerstrút, a emer~
gência de «tendências apologéticas» na historio yrafial(,.
Utilizado nesse sentido, o conceito de «rev:isionismm>
assume necessariamente uma conotação __ negativa, Não
é portanto surpreendente que certos historiadores acu~
sados de «revi sionismo» tenham tentado justificar que a
«revisão» faz parte da forma de trabalhar do historiador
e que, por definição, este último seria sempre «revisio
nista>~. Na sua correspondência com François Furet,
157
+ Ernst Nolte sublinhou que «as «revisões» são ~_.pão de J . 'cada dia\de que o trabalho científico se alimenta»17.
É bem evidente que mmca ninguém se queixou dos
historiadores «revi sionistas» por terem usado arquivos
inexplorados ou por terem baseado os seus trabalhos
sobre uma documentação nova. O que lhes é aponta
do é o ,'~Le_ctl:r~líri_~~subjaccnte à sua releitura do
passado. Um exemplo clássico de uma tal revisão é jus
tamente a de Ernst Noite. Em DereuroPiiische Bii';"p,erkri~g
apresenta os crimes nazis como a simples. «cóp(a,» . de \
uma «barbárie asiática» introduzida pelo bo1chevi~~~'~I: em 1917 . .---\meaçada de aniquilação, a Alemanha reagiu I' exterminando os judeus,_.~~nstrutOJ:~.s .. cio !~gi~e .!Jol
c~~vi.9-~e, cujos crimes constituem para Noite o «pre
cedente lógico e factuab) dos crimes nazis lll• A ausência
total de distância crítica em relação às suas fontes - a li
teratura nazi da época - justifica algumas perplexidades,
como bem sublinhou Hans-Ulrich Wehlerl'l, mas o pro
blema fundamental não resulta do manuseamento das
fontes. É evidente que o resultado da historicização do
nazismo proposta por Noite é uma releitura do passado
em que a Alemanha já não ocupa a posição de opressor
mas a de vitima. E as suas vítimas reais, a começar pelos
judeus, são considerados, no melhor dos casos, como
«danos colaterais», e, no pior, como a fonte do mal, já
que responsáveis pela Revolução Bolchevique20•
158
Quanto ~Renzo De I'e~~:; a sua pesquisa monumen
tal sobre a Itilia fascista produziu numerosas«;r~~~Õe-;;;; \ -._._--... _,
que são hoje aquisiçôes historiográficas em regra acei-
tes, como por exemplo o reconhecimento da dimensão
; «:~_~o_l~~~onária>, do primeiro fascismo, do seu carácter
modernizador ou ainda do «consensQ» obtido pelo re
gime de l\Iussolini no seio da sociedade italiana, sobre-
\ tudo durante a guerra da Etiópia21• Bem mais discutível,
pelo contrário, é a sua interpretação da guerra civil ita
liana, entre 1943 e 1945, como sendo a consequência
da escolha antinacional de uma minoria de resistentes,
a maior parte deles comunistas. Ou ainda, como já vi
mos, a sua concepção do fascismo italiano como um
regime completamente distinto, pelas suas raízes, a sua
ideologia e as suas metas, do nazismo, com o qual teria
estabelecido uma aliança contra-natura em 1940. Ou,
por fim, a forma como De Felice faz de Mussolini um
«patriota» que teria escolhido sacrificar-se ao fundar a
J República de Saló, a fim de poupar a Itália a um des
I tino comparável ao da Polónia. Trata-se aqui de uma I
releitura apologética do fascismo fundada sobre a re-
abilitação de Mussolini. Se lhe acrescentarmos que as
suas teses são desenvolvidas num livro - li rOJSO e i! nenr2
- cuja publicação coincide com o advento do primeiro
governo de Berlusconi, que incluía pela primeira vez
desde o fim da guerra uma partido «pós-fascista» her-
159
.. ~
\
deito da República de Saló, esta revisào histórica apa-
rece como suporte intelectual de un:._P-~~~cto político_.1
restaurador. -------~-
Somos quase tentados _~._~P?r~ revisão his~~ri.ca ___ .
francesa à de De Felice e dos seus discípulos. Em Fran
ça, no trilho de Zeev Sternhell e de Robert J. Paxton
(ums israelita e um americano), os historiadores pro
cederam a uma «revisãO) que permitiu reconhecer as
raí~es autóctones do regime de Vichy, o seu carácter
autoritário ou mesmo fascista, a parte activa que to
mou no colaboracionismo e a sua cumplicidade com o
genocídio dos judeus2'. Em Itália, em oposição, sob o
impulso do último De Felice, apareceu uma tendência
historiográfica que fez da .!~abilita~ão do fascismo o se~_.
objectivo declarado.
As revisões que acabo de mencionar - independente
mente do seu objectivo e valor - ultrapassam as frontei
ras da historiografia enquanto disciplina científica para
tocarem um campo mais vasto, o da relação que cada
país estabelece com o seu passado, aquilo que Haber-
_ ~,as ~efi_~iu"~_ a_tr.~vés de uma fórmula notável, comd~ uso j público da f)útóric?~. Dito de outra maneira, essas revisões
questionam, para lá de uma interpretação dominante,
uma consciência histórica partilhada, uma responsabi
lidade colectiv~ a, respeito do pas§.<lgo. Tocam sempre
acontecimentos fundacionais - a Revolução Francesa, a
160
Revolução Russa, o fascismo, o nazismo, a guerra israe
lo-árabe de 1948, etc. - e a sua releitura do passado tem
sobretudo a ver, muito para lá da interpretação de uma
determinada época, com a nossa forma de ver o mun1
do em que vivemos e a nossa identidade no presente.
Existem portanto revisões de natureza diferente: algu
mas são fecundas, outras discutíveis, outras, enfim, pro
fundamente nefastas. Fecunda é a revisão dos «oovos
historiadores» israelitas que reconhece uma injustiça até
agora negada, que se junta à memória palestina e lança
as bases para um diálogo israc1o-paIestino. Discutível
I é a revisão de f'uret que acaba, em O PaJ,wdo de If!lla "! ,\J!'!!.~~,. por pôr radicalmente em causa toda a. tradição \
revolucionária ~ fonte, a seus olhos, dos totahtansmos
modernos ~ e por fazer uma apologia melancólica do li
beralismo como hori~onte inultrapassávcl da história2\
Nefastas, por fim, são as revisões de Noite e De Felice
cujo objectivo ~ ou pelo menos a consequência - é o de
recuperar a imagem do fascismo e do nazismo.
Se algumas revisões da história devem ser comba
tidas, podemos interrogar-nos sobre a utilidade de as
catalogar numa mesma categoria negativa - o «revisio
nismo» - que relembra o <anferno» onde antigamente
se guardava a literatura pornográfica na Biblioteca Na
cional. Transformada em combate «anti-rcvisionista»,
a crítica das teses de NoIte e de De Felice arrisca-se
161
a conhecer uma deriva semelhante à da controvérsia
marxista ,sobre o revisionismo evocada anteriormente,
ou seja, a passagem de um debate de ideias a uma prá
tica(in(i~ís·í~ excomunhão de todos aqueles que
-sê-';f;;~~;;;-d~·:ma ortodoxia predefinida, de um câ
none normativo. Isto é, falar de «revi sionismo» remete
sempre para uma história teologlzada:\ O anti fascismo
transformado em ideologia de Estado nos países do
bloco soviético, nomeadamente na RDA, deu a lon
go prazo resultados desastrosos, comprometendo fi
nalmente a sua própria legitimidade. Sem chegar às
mesmas proporções, a retórica anti fascista consensual
que reinou em Itália durante quarenta anos teve con
sequências lesivas para a investigação histórica. A obra
de Claudio Pavone - historiador de esquerda e antigo
resistente - que interpreta a Resistência não apenas
:- como uma luta de libertação nacional mas também
como uma guerra de classe, e sobretudo como uma
f g~~~~~!~·~.'~/, ~~~a ape~.~_s __ ~.~_199Õ2(~- E~-p~~~~~p~lavras: o antifascismo institucionalizado e transformado em
epopcia nacional não foi um antídoto eficaz contra
a reabilitação do fascismo. Deve evitar-se que algo
análogo se produza com a Shoah, doravante tornada,
como vimos, numa «religião civil» do Ocidente, com
as consequências positivas mas também com todos os
perigos que daí resultam.
162
As tendências apologéticas na historiografia do fas
cismo e do nazismo devem ser combatidas mas não
contrapondo-lhes uma visão normativa da história. É
por isso que as leis contra o negacionismo podem reve
lar-se perigosas. Se o negacionismo deve ser combatido
e isolado em todas as suas formas - o de Robert Fauris
son e o de David lrving, tal como o de Bernard Lewis,
aparentemente mais respeitáveF' -, vários historiadores
(entre os quais me incluo) expressaram a~_~~~_~dú~-'idassobre a oportunidade de o sancionar pela lei, o que le
varia a instituir uma/verdade histórica oficial protegida I ~ __ _ _ --- . - .. ~ I pelos tribunais,. com o efeito perverso de transformar
Il os assassinos da memória em vítimas de uma censu
J ra, defensores da liberdade de expressão. Dito de outro _.-- .~ -.~ .. _-.~
, ,
modo, se aceitarmos a noção de «revisionismm) teremos
de admitir o princípio de uma história oficiaL Ko:ysztof
Pomian tem razão ao afirmar que não deveriam eXIstir
nem historiadores oficiais nem historiadores revisionis-
tas, mas apenas historiadores críticoS2H• «Revi sionismo»
é uma palavra herdada de um século onde o engaja-\ I mento dos intelectuais passava pelo seu compromisso I 1· 13~~) e partiJan. Acreditou-se, na a tura, que vestlr
I um uniforme ideológico era o melhor meio para de-
fender valores. O preço dessa escolha foi, demasiadas
vezes a demissão dos intelectuais da sua função crítica. -' ____ L _______ - - __ o,
Hoje tal situação já não tem cabimento. Incorporada
163
na linguagem e de uso corrente nas polémicas, a noção
de «revisiorusmo» continua a ser muito problemática e
frequentemente nefasta. Proponho que não seja utiliza
da, a não ser para cÍ~~i~ar uma controvérsia datada, há
mais de um século levantada por Bernstein.
164
T
Nota bibliográfica e agradecimentos
Um primeiro esboço deste ensaio foi apresentado
na Universidade de La Plata, na Argentina, na Prima
vera de 2002, durante um colóquio organizado pela
Comisión Provincial por la Memoria, instituição que re
úne os arquivos da ditadura militar dos anos 1975-1983
e constitui um lugar essencial para o estudo da memória
dos «desaparecidos)) na região de Buenos Aires. Uma
versão italiana surgiu com o título «Storia e memoria. Gli
usi politici del passatm), na revista Novecento. Per una ston"a
dei tnnpo presente, 2004, n.o 10. O parágrafo do capítulo
IV consagrado ao comunismo foi retirado de uma con
ferência proferida em Berlim na Primavera de 2001, de
pois publicada em Jour fixe initiative berlin (ed.) (2002),
165
Geschichte nachAJ(schwi~ Münster: UNRAST. o capítulo
V é uma comunicação realizada numa jornada de estu
dos sobre o tema «Fascismo, nazismo, comunismo: de
bates e controvérsia historiográficas na Alemanha e em
Itália), organizada sob a direcção de Bruno Groppo, no
Centro de História Social do Século XX do CNRS, em
2001. Uma primeira versão foi publicada, com as actas
deste encontro, na revista Malénau:\:pour I'Hisloire de l10lre
telJlps, 2002, n.o 68, e depois em espanhol (Argentina) na
revista Políticas de la Memoria, 2003-2004, n.04. O último
capítulo é a versão revista de uma comunicação apre
sentada num colóquio dirigido por Catherine Coquio
na Universidade de Paris IV-Sorbonne, em 2002, e foi
publicada sob o mesmo título no volume das actas: Co
guio, Catherinc (ed.) (2003), I ~!Hisloire Irouée. ['o.légatiofls et
lémoignage, Nantes: L'Atalante. Foi em seguida traduzido
para espanhol na revista de Valência Pasqjes, 2004, n.o 14.
Todos estes textos foram completamente revistos neste
ensaio. Gostaria então de agradecer aos amigos gue ini
cialmente me encorajaram a escrevê-los: Patricia Plier,
Elfi Müller, Bruno Groppo e Catherine Coquio. Por fim,
e sobretudo, gostaria de agradecer a Eric Hazan, amigo e
cúmplice na La Fabrique: tanto a forúlâc~mo o conteú
do deste pequeno livro devem muito à sua leitura crítica.
Paris, Junho de 2005
166
T
A unipop agradece à Embaixada de França em Portugal o
apoio à deslocação de Enzo Traverso a Lisboa no contexto
do lançamento deste livro. A unipop agradece igualmente a
colaboração, para o mesmo efeito, do Instituto de História
Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e do Centro
.Mário Dionísio.
167
168
Notas
Introduçào 1. Sills, David L. (ed.) (1968), Internation(/Il~ncydopedia oi IIJe Sorial SâmceJ, 7 vols., Nova Iorque: Macmillan; Lc Goff, J. c Nora, P. (cds.) (1974), J:'aire de I'histoire, Paris: Gallimard, 1974; \Xlil1iams, Raymond (1976), ~)'words. A Vocabu/afJ! ~f Cu/fure (md Society, Londres: Fontana.
2. Cf. Klein, Kcrwin Lcc (2000), «00 thc Erncrgcncc of Mcmory in Historieal Discoursc», Representations, o.u 69, p.129.
3. Rcichcl, Peter (1998), L'/'d/emflp,ne et la mimoire, Paris: Odilc
Jacob, p. 13.
4. Maicr, Charlcs (1993), «A Surfeit of Mcmory? Rcfl.cctions 00 History, Mclancholy ;l.od Dcoia}», Hirto!]' & MetI/oO', 5, pp. 136-151; Robin, Réginc (2003), T fi Mémoire sall/me, Paris: Stock.
5. Dumoulin, 01ivicr (2003), I.e R;;/e social de I'hiJtorien. De la chaire au prétoire, Paris: Albin Michel, p. 343.
6. Hobsbawm, Eric (1983), (dntroduction: Inventing Traditinns», em Hobsbawm, Eric c Ranger, T. (cds.) (2005), The Im'e1/tion?l Tradition, Cambridge: Cambridge Univcrsity Press,
169
p. 9. [Ed. port.: A bll'm{tlo das Tradições, Rio de Janeiro: Pa:t. e Terra, 1997.1
7. Sobre o conceito de «rdi,l.,rião civil>" cf. sobretudo Gentilc, Emilio (2005), Les Re/~J!ions de la polilique. Enlre délllocralies et to/aliMn·slIles, Paris: Seuil, uma obra largamente inspirada pelos trabalhos de George L. Mosse.
8. Sobre este tema, cf. sobretudo Gibdli, Antonio (1990), l/o/Jiritlrl della J!,IIerra. 1 A Grande Guerra e le trasjimIJaziotli dei 1JJ()fJdo IJlentale, Turim: Bollati Boringhieri.
9. Benjamin, Walter (2000), «Le conteur. Réflexions sur l'ceuvre de Nicolas Lesko\!)), em Benjamin, Walter (2000), (l::m'res lII, Paris: Gallimard, p. 116.
10. Cf. a peça de Pirandcllo, CO"le tu "Ie moi e Leonardo Sciascia, 11 It:atm della metJlona. l .. a smtenza II/e,,,orabde, Milão: Addph.i, 2004.
11. Thompson, E. P. (2004), TetJps, discipline du travail et rapitalisllle indllstneJ, prefácio de Alain Maillard, Paris: La Fabrique.
12. Cf. Agamben, Giorglo (2003), Etifrmce et hi.rtoire. De.rtruction de I'expérience eI o,-{p,ine de I'histoire, Paris: Rivages, p. 25. [Ed. port.: Infância c Históri.a: destruição da experiência da história, Belo Horizonte: UFMG, 2005.j
13. Koselleck, Reinhart (1997), «Les monuments aux morrs, lieux de fondation de l'identité des survivants», I .. 'E:xpérimce de I'histoirt!, ((Hautes Études», Paris: Gallimard-Seuil, pp. 140, 151.
14. Entre os inúmeros contributos para este debate historiográfico, cf. a síntese de Noiriel, Gérard (1996), Sur la «(mSe!) de I'hi.rtoire, Paris: Belin.
1 S. Wieviorka, Annette (1998), ] .. 't:."re dll téllloin, Paris: PI(m.
16. Todorov, Tzvetan (1995), l..es alms de Itlllléllloirl:, Paris: Arléa.
17. Cf. nomeadamente, a propósito da primeira guerra do Golfo, Diner, Dan (1996), Kn"/{p' der En"nne17lng und die Ordnllll,f!, der lFell, Berlim: Rothbuch Verlag.
170
18. Segev, Tom (1993), I..e Septiám Millioll. J..RS IsraélieIJs d 11: ,f!,énocide, Paris: Liana Lévi, p. 464.
19. Cf. l..ibération de 2 de Abril de 2002.
20. Cf. Bédarida, Catherine, «(Le faux pas du romancier José Saramago», J..e Monde de 29 de Março de 2002.
CaPítulo I 1. Ricceur, Paul (2000), J A Mé!llojre, /'bistoire, tOI/M, Paris: SeulI, p. 106. Uma posição análoga tinha já sido defendid'J. com convicção por Hutton, Patrick H. (1993), Histo,:y as an Art oI MelJIO~J', Hanover, N.H.: University Press of New England.
2. Oakeshott, Michad (1962), RatiollaliJIII itl Politics and Olher l;"JS(!}'s, Londres: Meuthen, p. 198.
3. Benjamin, Walter, (Zum Bilde ProustS», I1lulJJinationen, p. 336 (rrad. fr. <<L'image proustienne», (Ellvres 11, Paris: Galimard, p 136).
4.ld, ibid., p. 345 (t"d. fc., p. 150).
5. Benjamin, Walter (1983), Das Passa.gen-U7er.k., Frankfurt/M: Suhrkamp, Bd. 1, p. 490 (trad. fr. Part"J, capital du XIXe siecle, Paris: Éditions du Ccrf, 1989, p. 405).
6. ld., ibid., p. 589 (t",d. fc., p. 489).
7. Hartog, Prançois (2003), R~p'inte.r d'hútoricilé. Présentisme el e:x:Périenm dlf telJlps, Paris: Seuil, p. 126.
8. Retomo aqui uma discussão já apresentada no meu ensaio «La singularité d'Auschwitz. Hypothcses, problcmcs et dérives de la recherche historique», em Coquio, Cathérine (ed.) (1999), Parler de.! ca",ps, penser les ,f!,éflocides, Paris: Albin Michel, pp.128-140.
9. Kracauer, Siegfried (1977), «Die Photographie», Das OrnaIJIent der Masse. Essays, Frankfurt/M: Suhrkamp, p. 32, c, do mesmo autor, The01yof Fi/n/, Nova Iorque: Oxford University Press, 1960, p. 14.
171
10. Cf. I-AlCapra, Dominkk (1998), «History and Memory: In the Shadow of the HolocausD}, Hútory and Memory A(ter Au.rchwiti.; Ithaca: CorneU University Pres;, p. 20. ..
11. Chaumont,Jean-Michel (1994), «Connaissance ou reconnassance? Lcs enjeux du débat sur la singularité de la Shoah}}, 1-" lJébat, n" 82, p. 87.
12. Katz, Steven (1996), «The Uniqucness of thc Holocaust: The Historical Dimensiom}, em Rosenbaum, Alan S. (ed.) (1996), l.r the HolocaJut Unique? Per.rpech'/Je.r on Compm-ative Genocide, Boulder: Westview Press, pp. 19-38.
13. Hobsbawm, Eric (1997), «Identity Hisrory is nor Enough}), On Hi.rtmy, Londres: Wcidenfeld & Nicolson, p. 277. IEd. port.: Sobre (1 Hútdria, Lisboa:Rclógio d'Água, 2010.[
14. Hegel, G. W F. (1965), 14 Raúon dan.r I'Histoire. IntrodllclÍo1J à I" philo.rophie de l'!Ji.rtoire, Paris, (~diti()ns 10/18, p. 193. [Ed. port.: A Razão na HútrJria, J -isboa: Edições 70, 1991.[
1 S. ld., i/';d., pp. 193-194.
16. Hegel, G .W F. (1980), «Phanomenologic dcs Gcistes», Gemmmelle l-f7erke, Bd. 9, Hamburgo: Felix Meiner Verlag, p. 433 (trad. fr. Phà/Oménologie de I'Esprit, Hyppolite, Jean (ed.) (1941) Paris: Aubier Montaigne, t. 11, pp. 311-312) [Ed. Port.: Fenomenologia do Espírito, Petrópolis: Vozes, 2008]. Ver a csse respeito os comentários de d'Hondt, Jacques (1987), Hegel Philosophe de I'hisloire vivante, Paris: Presses Universitaires de France, pp. 349-450.
17. Hegel (1965), ,p. ál., p. 195.
18. Cf. Guha, Ranajit (2002), Hútory at the I jmit of lf7orld-Húto~y, Nova Iorque: Columbia University Press, particularmente o capítulo TIL
19. Benjamin, Waltcr, í<Über den Bcgriff der GeschichteH, Il/umi1JalÍollw, p. 254 (trad. fr. (Eutore.r IlI, op. cil., p. 432).
20. Furcr, François (1963), «Pour une définition des classe inféricures à l'époque moderne}), Annales ESC, XVIll, n." 3, p. 459. Esta passagem é criticada por Ginzburg, Carlo (1980),
172
1..e/rolJJi!~e et les I ers. J "'uI/ÍI'frs d'lIn /lJflfllier dll XVle .ritele, Paris: Aubier, p. 15.
21. Thompson, E. P. (1988), 1 LI FOTf!/(/lifJll de la rlas.re ollvnfre atz~/ai.r{', Paris: Seuil, EHESS [Ed. porr. ForlJlaÇtlo da Cla.rse Opertíria INglesa, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987[; Foucauit, Michel (1964), Húloire de Itl jólie ti I'f{~e dtl.rsiql/e, Paris: Gallimard; Ginzburg (1980), op. cito [Ed. port.: História da J .ol/CUm nfl Idade Clás.rica, São Paulo: Perspectiva, 1978[.
22. Perrot, Michelle (2001), J..es rel1l!JIes OH In stimce.r de I'histoire, Paris: Flammarion.
23. Guha, Ranajit (1983), «The Prose of Counter-Insurgenq'")}, SI/baltem StHdies, n." 2, Nova Deli: Oxford llniversity Press, pp. 1-42, e também, do mesmo autor, «The small Voice of llistor}'>}, ibid., 0.° 9, 1996, pp. 1-12.
24. Halbwachs, Maurice (1997), J 4 AfélJJoire collertin, Paris: Albio Michel, p. 130 [Ed. porr.: A MelJlóritl Coletiva, São Paulo: Centauro, 20051. Sobre Halbwachs, cf. Hutton, Patrick H. (1993), Histo!J' aJ ali Arl 'lI AletJlo~y, IIaoover e Londres: University Press of New England, cap.IV, pp. 73-90.
25. Halbwachs, Mauricc (1994), I..e.r Cadres sodaux de la mémoire (1925), Paris: Albin Michel.
26. Halbwachs (1997), op. cit., p. 136.
27. Id., ibid., p. 157. Ver sobretudo Bergson, Hemi (1959), J 4 PercePlioll dJl dHItI.l"etJlenl, Paris: Presses llnivcrsitaires de France.
28. lIalbwachs (1997), op. ai., p. 161.
29. Yerushalmi, Yosd H. (1982), Zachor. Jewisb Hislory and JeUlisb Memory, Seattle: llniversity af Washington Press (rrad. fr. Zacbor. Histoirejuive el/JIé/JIoire juive, Paris, La Découvertc, 1984, pp. 101, 110-111, 118).
30. Nora, Pierte (1984), «Entre histoire et mémoire. La problématique des lieux}), em Nora, Pierre (ed.) (1984), J..e.r Ijet(x de tJléllloire. 1. I A Républiqm, Paris: Gallimard, p. xix. Para uma análise interessante dessa abordagem, colocada em paralelo
173
com a oposição de Lévi-Strauss entre sociedades «quentes» e sociedades «frias», cf. J .aCapra, Dominick (1998), «History and Memory: in thc Shadow of the Holocaus!», HisloO' and MefJI0'Y Ajler Au.rcIJwÍ/iJ or. cil., pp. 18-22.
31. Anderson, Perry (2005), La Pensée tiMe, Paris: Seuil, p. 53.
32. Said, Edward (2003), Freud and lhe Non-European, Londres: Verso [Ed. port.: Fret/d e OJ Não EuropeuJ, São Paulo: Boitempo Editorial, 20041. A definição de arqueologia como uma «rcli,l,>1ão nacional» é desenvolvida por Silbcrman, Neil Asher (20(H), «Strucrurer le passé. Les lsraéliens, les Palcstiniens et l'autorité symboliquc des monumcnts archéologiques», em Hartog, François e Revcl,Jacques (eds.) (2001), I.LS UsageJ poliliques du pa.rsé, Paris: Úditions de I'EHESS.
33. Levi, Primo (1986), I Jommersi e i salvali, Turim: Einaudi (trad. fr. 11s iVaufragé.r elle.f ReJcapés, Paris: Gallimard, 1989).
34. Vidal-Naquet, Pierre (1995), MéH/oire.r, I, 1.L1 bn".rure eI
I'al/ente 1930-1955, Paris: Scuil-La Découverte, p. 12.
35. Broszat, Martin e Friedliinder, Saul (1988), «Um dic 'Historisierung dcs National-sm:ialismus'. Eln Bricfwcchscl», r 'ierleljahresh~/iefur Zei~e,eJcbichle, n.o 36, (trad. fr. «Sur l'historisation du national-socialismc. Échange de lettres», Bulletin hime.rln"el de la rOlldalioll /luschwiti; 1990, n.o 24, pp. 43-86).
36. Id., ibid., p. 48.
37. Cf. Berg, Nicolas (2003), Der H"locaurl und die westdeutschen Hirton"leer. Etfor.rcbllng und ErinnemnJ!" Gõttingen: Wallstein, pp. 420-424, 613-615.
38. Cf. Herbert, Ulrich (2003), «Dcutschc und jüdische Gcschichtsschreibung über den Holocausb), em Brenncr, Michacl e Myers, David N. (hg.) (2003), Jiidiscbe GeJcbic!JIssc!Jreilm1f.p' beute. Tbelllen, Po.riliol1en, Kontrover.ren, Munique: C. H. Beck, pr. 247-258.
39. Sobre este assunto, cf. Sebald, W. G. (2001), Lllftkn~f!, und Uteratllr, Frankfurt/M: Fischer, p. 21 (trad. fr. De la de.rtructirm COH/tJ/e ilémmt de I'bistoire naturel/e, Arles: Actes Sud, 2004, p. 25).
174
T 40. Funkenstein, Amos (1989), «Collectlve Memorv and Historical Consciousness», Hisl0'Y & Memory, I, n." 1,'p. 11. Cf. também, do mesmo autor, Perception.r ~l1ewisb Hútory, Berkdcy: University of California Press, 1993, pp.l, 6.
41. Priedlandcr, Saul (1992), «Trauma, Transference and 'working through' in Writing the History nf the Shoah)), Histol)' & MeN/ory, o." 1, pp. 39-59, e, também do mesmo autor, «History, Memory, and the Historian. Dylcmmas ano Responsabilities)), I\Tew German Cn/iq/le, 2000, n." 80, pp. 3-15.
42. Dominick LaCapra analisou de furma muito minuciosa as vantagens potenciais deste «desassossego empátic<))} (emp(/tbic unseltlement) na investigação crítica de um acontecimento traumático (U7n"li/(t; History, lF"rili~t; TmulJl{/, John Baltimore: Hopkins University Press, 2001, p. 41). Noutro ensaio, LaCapra indica duas regras básicas a que devemos dar atenção: «a "empatia" com os carrascos implica admitir que, em certas circunstâncias, quem quer que seja pode levar a cabo actos extremos, enquanto a empatia com a vítima implica um respeito c uma compaixão que oào significam nem identificação nem falar no lugar dos outroS)) ({(Tropisms of Intcllcctual Histor)'), RetbinkJnJ!, I li.rtory, 2004, vol. 8, n." 4, p. 525).
43. FriedJander, Saul (1997), J "/-l!lemaglle nazie el les JIÚjs. 1. J.LJ année.r de per.réClftion 1933,1939, Paris: Seuil.
44. Sobre os trabalhos da escola historiográfica dirigida por Martin Broszat no lnstitut für Zeitgeschichte de lvlunique, cf. Broszat, Manin (hg.) (1984), /l/Ita,g{t;e.rclJic!Jte. ]\Teue Perspektive oder TnúaliJiemlli!'?, Munique: Oldenbourg. Uma obra desta escola que escapa a esta tendência, escrita por um historiador pertencente a uma geração posterior, é a de Peukert, Detlev (1987), lflside l\lazi GernJal!y. Conjornlity, Oppo.rition and RaciJtJ/ in F.t1eT)'dqy I ijé, Londres: Penguin Books.
45. Hillgruber, Andrcas (1986), ZlIwúlei Unlergan;;. Die Zer.rclJlagtfll..f!, deJ f)mtscIJen Reicbes und da.r Ende des europaiseben JudetltlJlIIJ, Berlim: Siedlcr, pp. 24-25.
175
r
46. Benjamin, Waltcr, «Übcr den Begriff der GeschichtL")), IIIU1ninationen, p. 254 (trad. fc. CI::uvres llI, op. cit, p. 432).
47. Kershaw, Ian (1998), Hitler. 1889-1936, Paris: Flammarioo, p. 9. IEd. port.: Hitler, ulna Biografia, Lisboa: Dom Quixote, 2009.1
48. Id., ibid., p. 25. A referência implícita diz respeito a Pest, Joachim (1973), Hitler, Paris: Gallimard, 2 vaI. [Ed. port.: Hitler V2, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.]
49. LaCapra (2001), op. cit., p. 41.
50. Acendt, Hanna (1991), EichlJlann à jénlJalflll, Paris: Gallimard [Ed. port.: [!,ichn/(Ifln enl ]mlJa/ém. Um Ensaio .wbre a Banalidade do Ma/, São Paulo: Companhia das Letras, 1999]. Para uma rclcitura c uma contcxtualização da sua obra, cf. Aschhcim, Stcvcn E. (2001), Honna Arendt in Jerusale!!l, Bcrkcley: University af California press.
51. Browing, Christopher (1994), Des homHm ordinaires. J 1
10 1 e Hatai/lon de ré.rerve de la polia al/enJande et /a So/ution ftna/e en Polo)!,ne, prefácio de P. Vidal-Naquet, Paris: Les Belles Lettres.
52. Cf. Général Aussaresses (2001), Semice.r .rpécialtx. A{l',érie 1955-1957. Paris: Perrin.
53. Myers, David N. (2003), «Sdbstreflexion im modernen Erinncrungsdiskurs}), em Brenner e Myers (hg.)(2003), op. cit., p. 66.
54. Mosse. George L. (1998), «Rem,:o De Fclice e il revisionismo storiCO», l"·lufJt'fl Antologia, n.o 2206, p. 181.
55. Mosse, George L. (2000), Con.fronting llistory. A MenJoir, Madison: The University of Wisconsin Press, p. 109.
56. De Felice, Renzo (1995), ROJJO e lVero, Milão: Baldini e Castoldi, p. 114.
57. Aron, Robert (1954), Hisloire de VicJlY, 1940-1944, Paris: Fayard.
58. Citado em Del Boca, Angelo (1996), I l!,as di M'JJSo/ini. II fa,rcimlo e la J!,/lerra d'Etiopia, Roma: Editori Riuniti, p. 75. De
176
Felice não faz referência aos massacres do exército italiano na Etiópia na sua biografia de .Mussolini (MIIHolini il Duce. Gli anti; dei consenso 1929-1936, Turim: Einaudi, 1974, capo VI, pp. 597 -756). Sobre De Felice e a guerra da Etiópia, cf. Labanca, Nicola (2000), ,di razzismo colonialc italiano», em Burgio, Alberto (ed.) (2000), 1\,IeI nrNm del/a mzza. 11 razzislllo flel/a .rtoria d'llalia 1870-1945, Bolonha: Il ;\{ulino, particularmente pp.158-159.
59. Estas fotografias estão reproduzidas em Del Boca (1996), op. cit, pp. 115-116.
60. Kracauer, Siegfried (1969), Húto!J" "I"!Je I..aJI Thitl)!,J H~/(I!'e lhe l .. lIJ/, Nova Iorque: Oxford University Press, p. 157.
61. ld, Ihitl., p. 83. Cf. Simmcl, Gcorg (1983), «bl.kursus übcr den Fremdco>), SoZiologie. Utlter.fllrhl/J~i!,ftI doa die Forn;en der Ver,i!,e.rellschaftun,l!" Berlim: Dunker & llumblot, pro 509-512 (trad. fr. Soâologie, Paris: Presscs Univcsitaircs de France).
62. Esta fórmula foi forjada por Habermas, Jürgcn (1987), "Vom offentlichen Gebrauch der Ilisroric», l-fi.rtorikmlrfit, Munique: Piper, pp. 243-255 (trad. fr. "De l'usage public de l'histoire», ÉcrilJ poliliqlle.r, Paris: Cerf, 1990, recdit. Paris: Champs-Flammarion, pp. 247-260).
63. Catda, Ludmila da Silva (2001), No habrá flores ell la tumba dei p{lJtldo. 1"':1 e::>..perietlcia de recolIJtmcáól1 dei lJIundo de jilllJiliare.r de desapareâdos, J.a Piam: AI Margen. .
Capítulo II 1. Benjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichte», IIllIlJIinatiotletl, p. 259.
2. Lüwy, Michad (2001), 1f:7 aller He1!Janlin: At'l!rUs,rement d'incelldie. Une lertllre des theseJ ((SlIr le conrept d'histoireJ>, Paris: Presses Universitaires de Francc, pp. 105-108. [Ed. port.: Walter Belgamin: apiso de incindio. Ullla leitura das teJes «Jobre o conceito de !Jútón"a, São Paulo: Boitcmpo Editorial, 2005.]
177
3. Bcnjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichtc», IIIlInlinatúmen, p. 259.
4. Hobsbawm, Eric (1 994), A,~e 0/ Extremes. The Short XX'" Centl/1]', Nova Iorque: Pantheon Books [Ed. port.: A Em dos Extret!/M, Lisboa: Presença, 1996J; Pudal, Bernard, Groppo, Bruno c Pcnneticr, Claudc (cus) (2000), Le Siecle dh conmJlmútl/es, Paris: Éditions de l'Atclicr [Ed. port.: O JéCIIlo dos COII/UflÚ"/OJ, Lisboa: Editorial Notícias 2004J.
5. Poliaknov, Unn (1951), Hrét'iaire de la haine, Paris: Calmann-Lévr
6. Hilberg, Raul (1985), The Des/mction 01 European ]ews, 3 vols., Nova Iorque: Holmes & Meicr.
7. Rousso, Hcmy (1990), Le .~'yndrotJle de ViciO' de 1944 ti '/(Jus jOflrs, Paris: Seuil; ver também, sobre as diferentes ctapas, Ricceur (2000), op. cit., p. 582.
H. Adorno, Thcodor \\Z (1963), aWas bedeutet: Aufarbcitung dcr Vergangenheit?», Eillgrilj/ Neetm kriti.rche Mode/le, Frankfurt/i\I: Surkamp.
9. Améry, Jean (1977), jenJelú von Sr/Ju!d und SÜII, Estugarda: Lett-Cotta, Estugarda, p. 120.
10. Cf. Berg, Nicolas (2003), Der Holocaust und die uJestdefltshen his/oriker. Eifor,rhlln..~ 1/nd Erinnemmg, Gi.itinggen: Wallstcin Verlag, pp. 215-219.
11. Bloch, Rrsnt (1935), l,·rb.rchqft die.rer Zeit, FrankfurtjM: Suhrkamp, pp. 104-125; cf. também os ensaios de Daniel Bcnsai'd reunidos em I A di.rcordance des /emp,r, Paris: Éditions de la Passion, 1995.
12. Cf. Baschet, Jérôme (2001), «L'histoire face au présent perpétucL Quelques remarques sur la relation passé-futur}), em Hartog e Revel (eds.) (20(H), op. (il., p. 67.
13. Arendt (1991), op. rit.. Sobre esse proce~so, ver também o filme de Ronny Brauman e Eyal Sivan, Un spécitlhste.
14. Hilberg, Raul (1996), Tbe Politic.r of Memory, Chicago: Ivan R. Dee.
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I I
15. Cf. Diner, Dan (2000), <<Hanna Arendt Reconsidered: über das Banale und das Bose in ihrer Holocaust-Erziihlung}), em Smith, Gary Ced.) (2000), Hantlah AreJldt Revisited. ((EichtJltmn in jertl.ftlle» I//Id die Fo/gm, FrankfurtjM: Suhrbmp, pp. 120-135.
16. Cf. Vidal-Naquet, Pierre (1991), «En part le pouvoir d'un m()L .. », J..es Ju!P, 1(/ mémoire et le présm/II, Paris, La Découverte, pp.267.275.
17. Cf. Tern(m, Yves (1983), J LS Armhliell.r: húloire d'l/n J!.hwride, Paris: Seuil, e Oadrian, Vahakan N. (1996), l-fir/oire dl/ J!/noúde armúúm, Paris: Stock.
18. Cf. Ferreci, Maria (1993), 1 .. (/ tJJetJloritl mutilale. f ,tI Rlmia n'corda, Milão: Corbacio.
19. della Log!:,>1a, Ernesto Gani (1999), l.tl mor/e de/la fa/na, Bari-Roma: Laterza, Bati-Roma.
20. Cf. o texto da alocução do presidente Ciampi em Focardi, Filipo (ed.) (2005), lA }!,Herm del/a nlem(jrid. 14 Re.rúfmza nel di/;atti politico i/aliatlo dai 1945 a I'{~i, Bari-Roma: Laterza, pp. 333-335. A expressão «os rapazes de Saló» foi forjada pelo ex-presidente do Senado Luciano Violante, mcmbro da coligação de centro-esquerda Olivo, durante uma alocução na Primavera de 1996 (incluída numa recolha feita dirigida por Focardi, pp. 285-286). Vcr também a critica feita por Antonio Tabuchi ao presidentc Ciampi (pp. 335-338, trad. fr., «Italie: les fantômes du fascisme)}, 11 AlolJ(le, 19 de Outubro de 20(1).
21. Luzzato, Sergio (2004), IA aisi de/l'antifucisH/o, Turim: Rinaui, p. 31. Luzzato sublinha justamente que todas as democracias modernas se fundam sobre uma «hierarquia retrospectiva da memória», ou seja, sobre escolhas que rcdefinem a sua identidade (p. 30). As memórias «simétricas e compatíveis», hoje reivindicadas pelo chefe de Estado c por uma larga parte da elite política, vêm precisamente colocar em causa as escolhas feitas no momcnto do nascimento da república.
22. Magris, Claudio, «La memoria i: liberta dall'ossessione dei passato», II corriaf del/a Sem, 10 de Fevereiro de 2005.
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23. Cf. Rodogno, D. (2003), II nUO/lO ordine mediterrâneo. I -e politir/Je d'ocCIIPazione de/n/alia fascú/as in F.I/ropa (1940-1943), Turim: Bollati Boringhicri, 2003, e Di Sante, C. (ed.) (2005), l/aliani Jenza onore. I crimin; in Jugos/avia e i proce.r.ri n(l!,ati (1941-1951), Verona: Ombre Corte.
24. Cf. Paloma Aguilar (1996), Memoria)' o/m'do de la gueTm al'i! e.rpafjola, Madrid: Alianza Editorial. Sobre esc tema, cf. as contribuições reunidas em Matérie/lx pour I'histoire de notre temps, 2003, n.o 70, consagrada a «Espagne: la memoire retrouvé (1975-2002)>>.
25. Cf. especialmente Casanova,Julián (ed.) (2002), Morir, matar, Jobrnúú: 111 tlÍoleneia en la dictadura de Franco, Barcelona: Crítica.
26. Muito significativo o impacto da exposição «Exilio», organizada em Madrid em Setembro/Outubro de 2002 pela Fundação FabIo Iglcsias, no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia.
27. Cf. especialmente Aguilar (2006), op. cit., e Campos, Ismael Saz (2004). «EI pasado que aún no puede pasar», Fascúmo.y Fran1uismo, Valência: PUV, pp. 277-291.
28. Groppo, Bruno (2001), «Traumatismos de la memoria c imposibilidad dd olvido en los países deI Cono SUO> em Groppo, Bruno c Flier, Patricia (eds.) (2001), 111 impoJibilidad dei oh'ido, La Plata: Ediciones AI Margen, pp. 19-42.
29. Diner, Dan (1993), «Gestaute Zeit. Massensenvernichtung und jüdische Erzãhlung>), Kreis/áuj, Berlim: Berlin Verlag, pp.123-140.
30. Cf. especialmente Pappé, Ilan (2000), 111 Guerre de 1948 en Pa/e,rtine. Aux ori,gins d" conflit israelo-arabe, Paris: La Fabrique. Cf. também as observações de Warschwski, Michel (2001), Israel-Pala/im. 1 A! déji hillationa/, Paris: Textuel, pp. 39-46. Sobre o nascimento da historiografia palestina, cf. Khaliji, Rashid (1997), Pa!eJtinia!l ldenti!y, Nova Iorque: Columbia LTniversity Press, e também Sanbar, Elias (2001), «Hem de !ieu, hors du temps. Pratiques palcstiniennes de I'histoire», em Hartog c Revel (eds.) (2001), op. ,ti., p. 123.
180
..
31. Novick, Peter (2000), The l-/o!ocrlll.rl il! AllleriCtlI1 I j/e, Nova Iorque: Houghton Miffin.
32. C:f. Diner, Dan (2000), (iC:umulative C:ontingency. Historicizing Lq.,ritimacy in Israel Discourso), 13eyofld tbe COl1ceft'able. Studies 01/ GenJ/tlfl], [',,'i/Zis/1I and lhe l-/o!OCtl!IJ!, Berkeley: University of California Press, p. 215.
33. Cf. Sege\', Tom (1993), op. 0'1., pp. 578-580.
34. Loraux, Nicole (1997), 111 ci/e dil'iJà. I "'oublle da/H la mimoire d :..-lthencs, Paris: Pa)'ot.
.15. Novick (2000), op. cit., p.lS.
36. Cf. Todeschini, i\Iaya Morioka (ed.) (1995), lliros!Jillla 50 (I/H, Paris: Autrernent.
37. Sontag, Susan (2003), Dewnt !a douleur des alllres, Paris: Bourgois. [Ed. port.; Dial1te da DordoJ Outmr, São Paulo: Companhia das Letras, 2003.J
38. Novick (2000), op. cit., p. 279.
39. Mayer, Arno (1988), tr'/,ry did lhe l-/eflvens !lO! Darken? The Jill,,1 SO/lIlúm in Hútor)', Nova Iorque: Pantheon Books.
40. Achcar, G. (2002), l-e ChocdeJ barbaries, Bruxelas: Complexe.
41. Já existe uma bibliografia abundante sobre esse monumento. Cf. particularmente o catálogo publicado pela fundação que o gere, Stifgung Denkmal fur die ermordeten Juden Europas, Mateáa/en ZIIII' Denk!lla/ for die ermorde!en juden E/lropeu. Berlim: Nicolai Verlag, 2005.
42. Robin, Régine (2001), Berlin challtiers, Paris: Stock, p. 394.
43. Sobre a Neue Wachc, cf. Reichcl, Peter (1998), I ">1IIcmagne el.f(J mémoire, Paris: Odilc Jacob, pp. 212-225.
44. Koselleck, Reinhart (1998), {(wes darf vergessen werden? Das Holocaust MahnmaI hierarchisicrt die OpfeD), Die Zeit, n." 13.
45. Hbermas,]ürgen (1999), (iDer Zeigefinger. DieDeutschen und ihr Denkmah), Die Zeit, n." 14.
46. Cf.llilbceg (1996), op. cit., pp. 61-62.
181
47. Cf. Fogcl, Joshua (ed.) (2000), TIJe NrIf!lJnJ!, Massacre in His-101)' and Histori(Jgrap~fY, Berkcley: Uruversity of California Press.
48. Cf. Buruma, lan (1994), Tbe Wé{,{!es 0/ Guilt. Meti/odes r!f [f/ar in Gertl/rIf?y and fapan, Londres: Phoenix.
49. Cf. Beaugé, Florence, (,Paris reconnait que lc massacre de Sétif en 1945 était "inexcusablc tl», 1..e Monde, 9 de Março de 2005.
50. Cf. Stora, Benjamin (1991), I...{[ Gaftl!,rilll! ri 1'000b/i. J..tl méIIIoire de la ,,{!mrre d>l(f!,érie, Paris: La Découverte. Sobre o massacre de 17 de Outubro de 1961, cf. Einaudi,Jean-Luc (2001), Octolm 1961 Paris: Favard e Grandmaison, Olivier Lecour (ed.) (2001),'!..e 17 octoím /961. Un rrin/e d'État à Paris, Paris: La Dispute.
CaPítulo III 1. Para uma boa apresentação sintética do lin}!,uistic 111m, cf. Dosse, François (2003), / .. (/ marche des Mies. Histoire des ifllellertl/els, histoire ;nlellectllelle, Paris: La Découvcrte, pp. 207-226. Sobre o impacto na história social, cf. Ele)', Geoff 1992, (,De l'histoire social au «tournant linguistique» dans l'historiographie anglo-américaine des ànées 1980», Genises, n.o 7, pp. 163-193.
2. Chartier, Roger (1998), ."-JIl bord de Id falaise. I ~'histoir(' entre cntlfl/des et inqlúitude, Paris: Albin Michel, p. 11.
3. Ih, ibid., p.16.
4. LaCapra, Dominick (2004), «Tropisms of Intellectual Historp>, Rethinkifl)!, Hi.rÜIf)', vol. 8, n." 4, p.513.
5. Barther, Roland (1984), «Le discours de l'histoire», em I.e bruis.rement de 1(/ 1(1Il..!.J,lIe. Essais Cri/iqms IV, Paris: Seuil, p. 175.
6. \X1hite, Hayden (1985), «The historical text as a literary artefaco}, TroPics 0/ Discollrse. Essais in CI/lbmil Critici.flll, Baltimore: John Hopkins Uruversity Press, p. 82. Essa tese tinha já sido formulada em Metahistory. The Hirtor7cal IH/t{~;'/ation in [\iinetulllb-Centlll)' EI/rope, Baltimore: John Hopkins "Gniversity Press, 1973, pp. Xi-xii, 5-7, 427. Para uma apresentação críti-
182
..
ca das teses de White, cf. Chartier (1998), op. d/., capo IV, pp. 108-125, e Kantsteiner, Wulf (1993), «Hayden White's Critique of the Writing of History», Húlo~J' (/nd'J"heofJ\ n." 3, pp. 273-295.
7. Entre as numerosas análises críticas da concepção de histúria de \XThite, cf. Momigliano, Arnaldo (1984), «T ,a retorica della storia della retorica: sui trori di Hayden '\X"hitc», Sm"jondalflenli dell(l storia all/iuJ)!, Turim: Einaudi, pp. 465-476; Chartier (1998), (,Figures rhétoriques et représentation historigue», op. cit., pp. 320-339; c sobretudo Evans, Richard (1999), III f)e
.leme o/ HiJlo,:r, Nova largue: Norton, capo IIl, pp. 65-88 [Ed. port.: EN' DefeS(l da Hútór7a, Lisboa: Temas e Debates, 1999[.
8. de Certeau, Michel (1975), L'l-;'critllre de I'bistoire, Paris: c;.-a1limard, p.12. [Ed. port.: A Esrrila da História, Rio de Janeiro: Forense Uni\'ersitária, 2011.[
9. Id, ibid., r.13.
10. Sobre a ligação dos arquivos à escrita da história, cf. Combe, Sonia (2011), Archit;eJ interdites. I/histoire COfljiJq/fée, Paris: La Découverte.
11. LaCapra (2011), op. dt., pp. 1-42. É a partir de consideraçôes análogas que Paul Ricoeur tende a qualificar de antinomia o par (rdato histórico/relato ficcionab) (RicU!ur (2000), op. rit., p. 339).
12. Kosdleck (1997), «Histoire socialc et histoirc des concepts)}, op. dt., p. 110.
13. Robin (2003), op. 0'1., p. 299.
14. Cf. sobre esse debate aS contribuições reunidas em Friedlander, Saul (ed.) (1992), Pro/;illJ!, lhe I jlJlitJ of Re-preJenlaliom. i.\,TaziJIJI alld lhe ((Final Solution», Cambridge: Harvard Univerist}' Press (especialmente o debate entre H. White, «} listorical Emplotment and the Problcm of Tr1Jth», pp. 37-52, e Carlo Ginzburg, (<Just ()ne Witness», pp. 82-96). Ginzburg retira das teses de \xrhite uma nova versão da filosofia idealista do jovem Benedeto Croce, expressa numa obra de 1893 intitulada' ..r[ Storia ridoita .roito il roncelto J!.enemle de/farle (pp. 87 -89).
183
15. Bédarida, François (2003), «Tcmps préscnt ct préscnee de I'histoire)), Hisloire, critiql/e et responmbilité, Bruxelas: Complexe, p. 51.
16. Vidal-Naquet, Pierre (1987), l..es assassins de la tIIétlloire, Paris: La Découverte, pp. 148-149.
17. Lanzmann, Claude, «La question n'est pas celle du document mais celle de la vérité», Le Monde, 19 de Janeiro de 2001, p. 29. Trata-se de um comentário à exposição «.Mémoirc des camps» (cf. Chéroux, Clément (ed.) (2001), Mémoire des ((Jmps. Photograpbie des ramps de concentralion et d'exterminalioH nazis (1933-1999), Paris: Marval). A posição de Lanzmann foi desenvolvida por Wajcman, George (2001), (<La croyancc photographiquc», l..es Temps Modernes, n." 613, pp. 47-83, e por Pagnoux, Elisabeth, «Reporter photographc à Auschwitz», ibid., pp. 84-108. Sobre este debate cf. a obra fundamental de Didi-Huberman, Georges (2003), Imuges 1JJalgré tout, Paris: F,ditions Minuit, assim como o excelente ensaio de About, IIsen c Chcroux, Clément (2001), «L'histoire par la photographie», ntlldn pIJoloy,rap!Jiqlles, n." 10.
18. Lanzmann, Claude, «Pader pour les morts», Le Alonde de débat, Maio de 2000, p.15.
19. Lanzmann, Claude, «Holocauste, la rcprésentation impossiblc», J..e Monde, 3 de Março de 1994, p. Vll.
20. Lanzmann, Claudc (1990), «Hier ist kein Warum», .AII Jujel de S!Jol/h. 1..e film de Claude I..rJH::(fllann, Paris: Belin, p. 279.
21. Levi, Primo (1997), «Se questo c un uomo», Opere I, Turim: Einaudi, p. 23. [Ed. port.: Se IJ/o É' um Homem, Alfragide: Teorema, 2009.]
22. La(apra (1998), «Lanzmann's Shoah: "Here There 1s No \'(rhy"», op. ril., p. 100.
23. Levi (1997), «La riccrca dclle radiei)>, op. cit., p. 1367.
24. Agamben, Giorgio (1998), Que! elH mta di AlISchu!itZ' I .'arc!Jitt/o e i/ ttfstimofle, Turim: BoUati-Boringhieri, p. 8. [Ed. Port.: O qm Resla dtf AJ(sdJJ1i~ São Paulo: Boirempo Editorial, 2008.]
184
-
25. Levi (1997), «1 sommcrsi e i salvarh>, op. rit., p. 1056.
26. Agambcn (1998), op. cit., p. 153.
27. Id, ibid, p. 47.
28. Robin (2003), op. cit., p. 250.
29. Cf. LaCapra, Dominick (2004), <<i\pproaehing Limit Event: Siting AgambeID>, HútolJ' ill Transit. E:vperieIJce, Identity, CntiraITlJer)IJ', lthaca: Comell University Prcss, p. 172.
30. Mcsnard, Philippe c Kahn, Claudine (2001), GiorJ!/o AJ!PlllbeJI d l'iPmme d'AflH!J11'it:{; Paris: Kimé, p. 125.
31. Cf. a introdução de Henry Rousso à sua recolha r TielD·. 1 :i:f!élleJllenl, la mélJ/oire, I'hi,rloire, Paris: GaUimard, 20D1, p. 43.
32. Cf. HiUberg, Raul (1993), ExéCII!mt:r, I'ICtinJe.r, limo/lIs, Paris: Gallimard. Esta tendência é sublinhada por Evans, Richard L. Evans (2002), «History, Mcrnory and thc Law. Thc IIistoricn as Expert 'W'itnesSl>, Hi.r/01:'Y (Jtld TheofJ', vo!. 41, n." 3, p. 344.
33. Goldhagen, Daniel J. (1997), 1..e,r l30lfrrealJx l'OIOlllaim de Hitler, Paris: Seui!. [Ed. port.: Os CarmJmr r 'Ohm/ários de Hitlel~ Lisboa: Editorial Noticias, 1999.]
34. Courtois, Stéphane (ed.) (1997), 1..( Jjvre lIoir du ronJlIIIJnlJm6. Crime,r, terrem, répreHioll, Paris: Laffont. [Ed. port.: O J jr'l'o N~v,ro do Comunismo, Lisboa: Quetzal, 1998.}
35. Cr. Jeannency, Jean-Noel (1998), I..e Pa,rsé danJ /e prétoire. I/bá/ofim, le jI~v,e el le journaliste, Paris: Scuil, p. 24, e Dumoulin (2003), "p. àt., pp. 163-176.
36. Cf. Baruch, Mare Olivier (1998), «Proccs Paptm: imprcssinns d'audicncc», l.e Dé/;at, n." 102, pp. 11-16. Cf. sobre esse tema, Durnoulin (2003), op. ri/., e Frei, Norbert, Van Laak, Dirk c Stolleis, Michael (hg.) (2000), Ge.rchiclJle vor Cedcht hi.rto· rih,., Richler /In d/e S/lcbe nach G'erct'htigkeit, MuniqU(:: C H. Bcck.
37. Rousso, Henr)' (1998), I.rJ Ha/ltúe du pa.rsé, Paris: Textucl, Paris, p. 97. Cf. também Cnnan, l~rjc e Rousso, Hcnry (1996), r ·ielD', un pa.r,ré qui ne paJSe pa.r, Paris: Gallimard, pp. 235-255.
185
38. Schiller, Friedrich (1992), «Resignatiom>, Iférke und Brieji:, Berlim: Dcutschcr Klassiker Verlag, Bd. 1, p. 420. Cf. Koscllcck, Reinhart (1990), «Historia magistra vitac», 11: FIIhtr ptusé. Conlriblltion a la sémantiqtle des temps historiqlles, Paris: EHESS, p. 50; e também, para uma actualização do problema, Bensai·d, Daniel (1999), Qlli esl le j/(I!,e? POlir enl fin;r {J1!ec le tribun(fl de !His/oire, Paris: Fayard [Ed. port.: Quem É o JuiZ? Direito e Direitos do HotJIem, Lisboa: Instituto Piaget, 2001].
39. Bloch, Marc (1974), «L'analyse historiquc», Apologie pour (histoire, ParL~: Armand Colin, p. 118. Carr, Edward H. (1961), IV/Jat is HistOl)'?, Londres: Macmillan, capo I.
40. Vidal-Naquet (1995), op. dI., pp. 113-114 (esta passagem é retirada de Chateaubriand, AlénHúe d'OIl/re-tombe, Paris: La Pléiade-Gallimard, p. 630).
41. Ginzburg, Carlo (1991), I1gitfllice e lo .rlorico, Turim: Einaudi, Turim. [Ed. port.: ensaio incluído em A Micro-História e Olltro.r E!1.faios, Ijsboa: Difel, 1991.]
42. Id., ;/;id.
43. Aquilo que conduziu George Duby, talvez de uma forma um pouco prematura, a cscrever que «a noção de verdade histórica modificou-se ( ... ) porque a história doravante interessa-se menos nos factos do que nas rdaçõcs» (1 ~'Hisloire COlltinlle, Paris: Odilc Jacob, 1991, p. 78). [Ed. port.: A Hú/ória COflliflll{(, Rio de Janeiro: Zahar, 1993.]
44. Ginzburg, Carlo (1986), «Spie, radiei di un paradigma indiziario», Miti, e",blfnll~ sPie. Moifol0l:ia e sloria, Turim: Einaudi, pp. 158-209.
45. Améry (1977), op. ri!.
46. Péguy, Charles (1987), «Le jugcmcnt historique», OI!Ul'!·e.r, voL I, «La Pléiade», Paris: Gallimard, p. 1228. Este texto está incluído em Hartog e Revel (eds.) (2001), op. rit., p. 184.
186
Capítulo IV 1. Entrevista a J\hrek Eddman por Pol Mathil, l..e Soir de Abril de 2003.
2. Adorno, Thcodor W: (1969), «Erzichung naeh Ausehwie9\ Stic/JJl'orte. KiritJcIJe Afoddle 2. Frankfurt/ M: Suhrkamp.
3. Habermas (1987), «ümscience historique et idcntité post-traditiondb>,op. cito (trad. fr.), p.294.
4. 13auman, Zygmunt (1989), Moderity a/Jd tlJe //olo({/IIJI, Cambridge: Polity Prc~s, p. 114. [Ed. Port.: J\lodemidade I" UOlo(tlflJ/o, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.J
5. Agamben, Giorbrio (2002), «Qu'est-ce qu'un camp?», M?ytJJ.f Jans fim, Paris: Rivages, p.49.
6. Sossi, Frederica (2003), «Témoigner de I'invisiblc», em Cnquio, Catherine (ed.) (2003), /;l JiJtoire lrollie. I\Tég,aliolls el ·/eJllOl;I!,Il(/j!,C, Nantes: L'Atlante, p. 398.
7. Arendt, Hannah (2002), 11S Origines d" tOlalitarisme, Paris: Quarto-Gallimard, p. 598. [Ed. port.: As On;!!,ms do Totah·/an.rN/O, T .isboa: Dom Quixote, 2006.]
8. Vidal-Naquet, Pierre (1998), MélJloire 11. 11 Tro/lble el la 11f/J/ii:re, Paris: La Découverte-Seuil, p. 107.
9. Cf. Diner, Dan (1993), V"e,kehrle lFel/een, FrankfurtjM: Eichborn, 1993.
10. Perec, Georges (1975), W ou lI! SOllvenir d'm/ance, Paris: Gallimard, p. 220.
11. Chrétien,Jean-Pierre, «lIn nazisme tropical», Libérat;oll de 26 de Abril de 1994.
12. Ochlcr, Dolf (1996), J 1: Splem (ontre /'ouhli. Juin 1848. f3alldelaire, f/auberl, Heine, Herzen, Paris: Payot.
13. Cf. Wahnich, Sophic (2003), 1 A T .iberlé 011 la '"0rt. I;ssai .wr la Terretlr el le tUTon·sme, Paris: La Fabrique.
14. Cf. Lavabre, Marie-Claire (1994), LI' fil rOIl/,/. Sociolog,ie de la AfélJ10ire co"""l1niste, Paris: Presses de la Fondation de Scienccs Poli tique. O conceito de «contra-sociedade» foi forjado por
187
Kriegel, Annie (1974), COlmmmis",cs au mirror jTançais, Paris: Gallimard, p. 183.
15. A fórmula pertence a Hildebrand, Klaus (1987), «Das Zeitalter der TyraneO», Historiker.rlrúf. Dú dokl/fmntation der KontnJ/!o:re /Im die Einzigartigkút der NationalsoziahjtisdJelJ jlldelllJfrnichttmg, Munique: Piper, pp. 84-92.
16. Para uma história desse conceito, cf. Traverso, Enzo (ed.) (20()}), 11 ToJalitansme. 11 XXe sitele en débat, Paris: Seuil.
t 7. Fukuyama, Francis (1993), 1.4 Fln de I'hislojre d le dcrnúr hO!JJ1!Ie, Paris: Flammarion. [Ed. port.: O Fim da História e o Últi!JJo Homem, Lisboa: Gradiva, 1999.]
t 8. Furet, François (1995), l.e Ptlssé diflJe jllllsúm. Essai sllr I',dée de coIJlImmislJle aI( XXe siée/e, Paris: I "affont -Calmann-Lévy, p. 18. [Ed. port.: O Passado de Iftlla fllI.riio, Lisboa: Presença, 1996.[
t 9. Bensai'd, Daniel (1997), T.e Pari ,,,é1ancolique. MélalJ/orphoses de la politiqlle, politique de las tIIela!llorphose.r, Paris: Fayard.
20. Benjamin, Walter (1977), (~Einbahnnstrasse», GesalJ1ll1clc Schiften, Frankfurt/M: Suhrbmp, Bd. 1,3, p. 1232.
21. Cf. Kosclleck (1990), «"Champ d'cxperience" et "horizon d'attente"; dl:uX categories historiques)}, op. ril., pp. 307-329. Sobre o advento da idcia de comunismo, cf. sobretudo as reflexões de Anderson, Perry (1992), «The Ends of History», A zom oI eng{{!!,cment, Londres: Verso [Ed. porr.: Zona de Compromisso, São Paulo: UNESP, 19961.
CaPítulo V 1. Schieder, Wolfgang (1983), F{IscIJiJIIII/.r af.r Soziale 13I1JJ!~!!,1/n.!!',
Gôttingen: Vandenhoeck & Ruprecht.
2. Mason, Tim (1995), «Whatever happened to "Fascism"?», I\./{JztSm, fàsáslI/ tlnd lhe fFork/n;; Class, Ersf!)'J I?y Tilll MaJon, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 323-331.
3. Noite, Ernst (1987), «Vergangenhcit, die nicht vcrgehen will.», e I Iabcrmas, Jürgcn (1987), «Ein Art Schadensabwick~ lun~), l-lútorikerslreil, Munique: Piper, pp. 39-47 e 62-76.
188
4. Broszat, Martin e FiedHinder, Saul (1988), «Um die "historisierung dcs National-sozialismus". Rin Briefwechsc1», I 'ie!tl1!Jalmsh~/iefi)r Zei{!!,e.rchirvte, n." 36.
5. Mannheim, Karl (1969), Id{'o/~l!,ie IInd LItople, Frankfurt/M: Verlag Schulte & Bulmke, pp. 130-131.
6. Cf. Herhert, lJlrich (2003), «Deutsche un jüdische Geschichsschreibung üher den Holocaust», em Brenner e Meyers (hg.) (2U03), op. ri/., pp. 247-258. Este postulado está no centro da reconstruçào da trajectória da historiografia alemã por Berg (2003), op. ci/.
7. Goldhagen (1997), op. cito Cf. a esse respeito Traverso, Enzo (1997), «La Shoah, les historiem et \'usage public de I'histoire», L 'HolJ!me el la .wciété, n." 125, pp. 17-26.
8. Cf. Schulze, \x!infried e Oexle, Otto G. (hg.) (1999), Deu/J(vl! Hislorikt:r 1, T\Jational.wzialim11fs, Frankfurt/M: Fischer. Para uma visào de conjunto, cf. Cattaruzza, Marina (1 999), ~~Ordinar.y Alen? Gli storici tedesci durante il nazionalsocialismo», Co///etllpomnea, 11, n." 2, pp. 331-339.
9. l-lusson, Edouard (2000), Comprendre Hitlerel la Shoab, Paris: Presses Universitaires de Francc, pp. 271-272.
10. Cf. Bartov, Omer (2002), ~~The German Exhibition Controversy. The politics of cvidence», em Bartov, O., Grossman, A. e Nolan, M. (eds.) (2002), Crimes if U/(lr. Gllilt tll1d Denial in TJnnlieth Cef/t/lry, Nova Iorque: The New Press, pp. 43.60. IEd. Port.: Crimes de Guerra, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.!
11. Insutut fúr Sozialforschung (hg.) (2002), Verbrechen der Wehr!JJacht. Dimensionen des T crnichlJm,gkrie,geJ 1941-1944, Hamburg(): Hamburger Edition.
12. Traverso, Enzo (1999), 1~La singularité d'Auschwitz. Próblemes et dérives de la recherchc historique», em Catherine Coquio (ed.) (1999), op. ci/., pp. 128-140.
13. Bracher, Karl-Dietrich (1976), Zei{!!,eschich//ich KO/llrOlJersen. Um Fa.rchúmu.r, Tolalitarimllf.r, Dell/okra/ie, Munique: Piper.
189
14. Knuttcr, Han-Hclmut (1993), Die FaschúIIJus-Keu/e. Da.r /etze Attjj!,mbol der det/tschen I jnken, Frankfurt/i\.I: Ullstcin, p. 14.
15. Kraushar, Wolfgang (2001), «Die auf dcm Iinkcn Auge binde Linke. Antifaschismus und Totalitarismus», Linke Geisteifahrer. DenkanstOsse jür eine antitotalitàre J .inke, Frankfurt/M: Verlag Neue Kiritik, pp. 147-155.
16. Diner, Dan (1999), Das Jahrhundert versteben. Ein universa/bislorisdJe Deutun!!" Munique: Luchterhand.
17. Kuhnl, R. (1998), Der FaJchúf1Ius, Berlim: DisteI.
18. Wippcrman, W (1995), Faschúnlllstheon"en. Die E:'nhvirk/un.l!, der Dúklluion l'on den Anjànl!' bis hei/te, Darmstadt: Primus Verlag.
19. Borejsn, Jerzy w. (1999), Schulen des HaSSfs. Faschistische .rysthm in Elfropa, Frankfurt/M: Fischer.
20. Noite, Ernst (1970), I..e FasristJIe dalls JOtl épOqllf, Paris: Julliard. A sua interpretação (histórico-genética» do totalitarismo é apresentada na sua correspondência com François Furet, rtucirf1le eI coIJlIJumi.rf1le, Paris: Plon, 1998 [Ed. port.: filS
cismo e COHllllrú",o, Lisboa: Gradiva, 1999].
21. Para um balanço geral da historiografia da RDA sobre o nazismo, cf. Roth, Karl Heim (2001), (Glam un Elend der DDR - Geschichtswissenschaft ueber Faschimus un zwciten Weltkrieg», 13f1lletin Jür FúschirnlllJ ulld Wellktiegiforschllng, n. U 17, pp. 66-72. Sobre a questão do genocídio judaico, cf. Kwiet, Konrad (1976), «Historians of the German Democratic Republic, Atisemitism and Persecutiofi», l..eo l3aeck Instilllle ) 'earbook, vol. 21, pp. 173-198.
22. Cf. Beetham, David (ed.) (1983), Maoosts in Jace oJ Hlsds",. lYíüinc~s I!y Marxisls on Fasasm iro", lhe Inler-War Penod, Manchester: Manchester University Press.
23. Traverso (2001), ü.e totalitarisme. Jalons pour la histoire d'un débab>, op. cit., p. 27.
24. Ü historiador da Alemanha Federal Herman Weber estima em 150 mil o número de comunistas aprisionados pelo rc,l;.,>1me nazi e em 20 mil os que foram executados (KOImJllmislisrber
190
W'iderJttllld l!,~J!,e!l die j-liiler-IJiklalllr, 1933-1939, Berlim: Gedenkstatte deutscher Widerstand, 1990, p. 3).
25. FriedEinder (2002), «The Wchrmacht and Mass Extermination of the Jews», em Bartov, Grossman e Notan (eds.) (2002), ,p. dt,
26. Broszat, Martin (1986), «Resistenz un W'iderstanID), jVacIJ
Húleri, i'vlunique: CH. Beck, pp. 68-91. Para uma apresentação desse debate, cf. Kershaw, lan (1997), Qu'e.r/-re qm /1' na:::..i.rmd PrebláJJeJ eI per.rpectilJ/:J d'inlerpretlllion, Paris: Folio-Gallimard, capo 8. Para uma critica do conceito de rl'JiJlen;;v cf. Friedlander, Saul (1993), Me",o1J', History, Exlerminaliotl ~l lhe jeJl'.f 0./ blrope, Bloominh>1on: Indiana University Press, pp. 92-95.
27. Adorno, Theodor W. (1984), «Que signifie : repenser le J.~ passé?», MrJdelles m'tiqlleJ, Paris: Payot, pp. 97-98.
28. Diner, Dan (1995), (v\ntifaschistische Wcltanschauung. Ein Nachruf), KniJlàllje, Berlim: Berlin Verlag p. 91. Para seguir a emergência do I [olocausto no centro do debate historiográfico na Alemanha Federal, cf. Berg (2003), op. li!., pp. 379-383.
29. François, Étienne (1999), «Révolution archivistique et réécriture de !'hiswire I'Allema6'11e de l'Rsb), em Rousso, Henry (ed.) (1999), [\;'aziJlJ/e eI slalinisme. Hisloire el !IIétl/oire mll/paries. Paris: Complcxe, p. 346.
30. Habermas (1987), «Conscience historique et identité post-traditionalle»),op. cil. (trad. fr.), pp. 315-316.
31. Cf. entrevista a Renzo De Fclice em Jacobelli, Jader (ed.) (1998), II JtlSc/.rIJlO e l!,!i Jloná ({p"f!,i, Bari-Roma: Larerza, p. 6. Para um paralelismo entre a abordagem de Noite c a de De Felice, cf. Schiedler, Wolfgang (1991), (Zeitgeschichtliche Vershrankungen über Ernst Noite und Remo De Felice», Annali dell'lflJtllnl!; ifam-,f!,frtl/lWicode Trtf/to, XVII, pp. 359-376.
32. Steinmetz, Geoq,,'C (1997), (<.German exceptionalism and the origins of Nazism: the career of a concepb>, em Kershaw, [an e I.cwin, Moshe (eds.) (1997), Stalinism tlnd Nailslll. The Dictatorships in COIJ;parisotl, Cambrid!-,'C: Cambridge University Press, p. 257.
191
Capítulo VI 1. Entre as últimas obras importantes comagradas a este tema, cf. 19nouct, Valéric (2000), Há/oire dll rélJisionisme en FranCf, Paris: Seuil; Brayard, Florent (1996), COHlmenl l'idée I'Íflt fi M. Rassi/Jier, Paris: Fayard; c Prcsco, Nadinc (1999), Fabrica/;M d'ull antirémite, Paris: ScuiL
2. Vidal~Naquct (1987), op. rit.
3. François, Bédarida (1993), CO!lltJlent fsl-i! possible que Ir (,Rét'ÍsionniJIIle» exhle?, Rcims: Prcsscs de la Comédic de Rcims, p. 4.
4. Vidal-Naquct (1987), «Thcscs sur le révisionnisrnc), op. cil., p.108.
5. Bcrn$tcin, Edouard (1974), 11s Présupposés &, socltlhsme, Paris: Seui!. !Ed. porto Os Pressupostos do Socialismo c as Tarefas das Social-Democracia, Lisboa: Dom Quixote, 1976.\
6. Sobre a projccção curopcia deste debate, cf. Bongiovanni, Bruno (1997), «Revisionismo c totalitarismo. Storic c significati», Teon"a pohtira, XIII, n." 1, pp. 23-54. Parte das peças deste debate foram reunidas por Weber, Henri (ed.) (1983) Kaul.rry, l../fxfmIJllrJ!" Hmnekoek, SoriaüsHle, la poie occidenlale, Paris: Presses LTnivcrsitaircs de Prance.
7. Laquer, \X'alter (1973), «Par le fer et par le feu: Jabotinsky et le révisionnisme», Hútoire du úonútJI, Paris: Calmann-Le\'y, pp.371-420.
8. A esse propósito, cf. sobretudo Husson (2000), op. cit., eap. 111, pp. 69-84.
9. Kolko, Gabriel (1968), The Politics oI Ifár, Nova Iorque: Random House.
10. Alperovitz, Gar, /JtO!!lir /Jip/ol!lary. Hiro.rbima and Polsdam, Nova Iorque: H:n!-,'Uin Books, 1985, e The Deeision to Use lhe Alomi, 130mb, Nova Iorque: Vintage Books, 1996.
11. Para uma apresentação do conjunto de trabalhos dessa escola, cf. Werth, Werth (1996), «Totalitarisme ou révisionnisme? L'histoire soviétique, une histoirc en chantien), (;(1111-
192
4
tlllftlioftJIe, n.O 47-4~, pr. 57-70. Entre os trabalhos de síntese dessa corrente historiográfica, cf. Fitzpatrick, Shcila (1994), Tbe Rm.rúm Re/'oltdÍon, Nova Iorque: Oxford University Press.
12. Cf. Pavone, Claudio (2000), «Negazionismi, rimozioni, revisionismi: storia o politica?», em Colloti, Enzo (ed.) (2000), r(/J(ÚJIIO e an/~fa.rcistJlo. Rjtllozioni, rel'isiolli, nelPziofli, Bari-Roma: Laterza, pp. 34-35.
13. Cf. sobretudo Furet, François (197~), J>emer la Ràoll/t;Ofl jraJ/(tlise, Paris: Gallimard [Ed. port.: Pen.ft/r a Rel'Oll/(tlo r'rancem, Lisboa: Edições 70, 198~[. Para uma reconstrução desse debate, cf. Kaplan, Steven L. (1993), /LJdim 89, Paris: FaY<J.rd. Entre os críticos do revisionismo de Furet, cf. Vovellc, Michel (2001), «RétlCx10ns sur l'interprétation révisionnistc de la Ré~ volution française», Combales pOlIr la Ril'Olutiotl !Ttltl((/úe, Paris: La Découverte. Sobre a projecção internacional desse debate, cf. Bongiovanni, Bruno (1989), «Rivoluzione borghese o rivoluzione dei politico? Note sul revisionismo storiografico», em Bongiovanni, Bruno (1989), J.L repliebe della Jloria. Karl Marx
Ira la rit'olllziolle fmncese e la critim dela pollitica, Turim: BoHati Boringhieri, pp. 33-61, e Comnincl, G. C. (1987), RdIJinking lhe forme/J RetJOlulion. MarxÍJm and lhe Revisionisl Ch{/lltl1~l!,e, Londres: Verso.
14. Para uma reconstrução do conjunto do debate, cf. Grcilsammer, llan (1993), I..l1 NOllve/le HÍJloire d'lsrael, Paris: Gallimard, e Pappé (2000), op. ril.
15. Wenh, Nicolas (1993), «Goulag: les vrais chiffres», L'Histoire, n.o 169, p. 42.
16. Habermas (1987), «Einc Art Schadensabwicklung. Die apologetischen Tendenzen in der deutschen Zeitgcstchichtsschreibung», op. cit., pp. 62-76.
17. Furet e Noite (1998), op. ril, pp. 88-89.
18. Noite (1987), <Nergangenheit, die nicht vergehen will», op. cil., pp. 39-47, e IA Guerre dále ellropéene 1917-1945, Paris: Editions dcs Syrtes, 2000.
193
19. Wehler, Hans-Ulrich (1988), l-;nlsorgllttJ!, der deul.rcben Ver.~at{v,e1tbeit? Ein polemischer I-:Jsqy zum (His/orik.erslreit)), Munique: Bcck.
20.1·'riedliinder (1993), «A ConAiet af Mcrnorics ? Thc Ncw Gcrman Debate about thc "Final Solution"», o/J. ci/., pp. 33-34.
21. Para uma visão de conjunto da obra de Renzo De Fc!ice na historiografia italiana do fascismo, cf. Santomassino, Gianpasqualc, «li rualo di Rcnzo De Fclicc}), em Colloti (ed.) (2000), ,p.dl., pr. 415-429.
22. De Fclicc (1995), op. cito
Z3. Cf. sobretudo Paxton, Robcrt J. (1997), 111 France de r /id!y, Paris: Seui!.
_':i..) 24" ~abcrm~s (1987), «De l'usagc publiç de l'histoirc», t.a7tJ r <. po/dlque, 0f>' ClI. (trad. r.), pr. 247-260.
25. Furet (1995), op. cito Retomo a critica de Bcosrud (1999), oj>. cito
26. Pavonc, Claudio (1990), Una guerra cil'lle. Sl'{l!:l;io slIlla nlorah'tà della Resútenza, Turim: Bollaci Boringhieri.
27. A respeito de Irving, cf. Evans, Richard J. (2002), Telh'ng lies abOli! Hitler. Tbe Holocaust, l-listoIJ' a/ld !be David lrving Táal, Londres: Verso; a respeito de Bernard J. Lewis, que considera o genocídio dos arménios <mma visão arménia da história», cf. Ternon, Yvcs (1994), «Lettre ouverte à Bernard Lcwis et à quelques autrcs», em Davis, Leslie 'A. (1994), J A Pr()/'ince de la morto /lrc/lil!eJ (/tlIéricaine.r ronrernan! !e iÚlOcide des AmJéniem,
Bruxelas: Complexe, pp. 9-26.
28. Pomian, Krzysztof (2002), «Storia uff1cialc, storia rcvisionista, storia critica», Alappe dei Not'emlto, Milão: Bruno Mondadon, pr. 143-150.
194
Outros títulos das edições unipop:
QllelJ} canta o Estado-ilação?
Judith Butler e Gayatri Spivak
(Fevereiro de 2012)
o direito de fuga
Sandro Mezzadra
Ca publicar)
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