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A formação da Gestão de Recursos Humanos em Portugal: o discurso pós-
revolucionário da magazine Pessoal (1976-1986)
José Nuno Matos
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
ABSTRACT
O desenvolvimento da Gestão de Recursos Humanos (GRH) em Portugal revela
a influência de particularidades nacionais na adoção dos modelos de gestão. Baseado na
análise da magazine Pessoal, editada pela Associação Portuguesa de Gestores e Técnicos
de Recursos Humanos, o principal objetivo deste artigo é analisar o modo como uma série
de acontecimentos políticos verificados entre 1976 e 1986, nomeadamente o fim do
regime autoritário e o início do processo revolucionário, vieram determinar a prevalência
de conceitos normativos no discurso da GRH.
Palavras-chave: Portugal – Processo Revolucionário – Gestão de Recursos
Humanos – Discurso normativo – Discurso Racional
2
Introdução
O fim do Estado Novo, imposto pelo golpe organizado pelo Movimento das
Forças Armadas (MFA) a 25 de abril de 1974, vem animar os ensejos de uma classe
empresarial mais esclarecida, que via nesta mudança a garantia de uma abertura política
e social e de um maior desenvolvimento económico-produtivo. A integração de Portugal
num espaço económico europeu mais amplo, já consignada na adesão ao European Free
Trade Agreement (EFTA) em 1959, surge, em particular, como um horizonte a almejar.
Porém, a evolução dos acontecimentos vem comprovar um terreno desfavorável à
persecução destes objetivos. O clima entre empresários, segundo a Confederação da
Indústria Portuguesa (CIP), era o de uma constante pressão psicológica e política,
inclusivamente exercida pelos meios de comunicação social e pelo próprio governo. A
preocupação central decorre das ocupações de propriedade pública e privada e da
“desproporcionalidade entre as exigências dos trabalhadores e as reais possibilidades das
empresas” (CIP, 1974, 625)1. Nas empresas de maior dimensão, a contestação dos
modelos de gestão de recursos humanos (GRH) por parte de comissões de trabalhadores
e sindicais incluirá a prática do controlo operário2 e o consequente saneamento de
gestores3. Ao percorrermos os primeiros números do boletim Pessoal, publicado pela
Associação dos Técnicos e Gestores de Recursos Humanos (APGTRH), bem como as
entrevistas com os seus precursores e as edições comemorativas (APG, Venda, 2004),
deparamo-nos com um ressentimento e sentimento de injustiça em relação ao processo
revolucionário, derivado de uma atribuição de culpas que, segundo os próprios, haviam
sido responsabilidade de outros que não eles.
1 Ao longo do período de 1974-1975, ocorreram milhares de ocupações de fábricas, terras e casas em
Portugal. Muitas empresas permaneceram, paralelamente, sob controlo operário. Tais acontecimentos
decorreram com o apoio dos meios de comunicação e social e até de estruturas do aparelho de Estado. Entre
estes, é de destacar as dos militares, em particular as das franjas mais radicais do MFA. Para uma análise
mais detalhada deste processo, ver Mailer (1977), Pinto (2014). 2 O controlo operário corresponde a um conjunto de práticas que tende a ocorrer em contextos de crise
revolucionária, quando o poder de Estado se vê confrontado com um contra-poder atuante, com uma lógica
própria, organizado desde baixo e protagonizado por uma série de organizações de base (poder dual). Ao
contrário da auto-gestão e da co-gestão, o controlo operário não visa nem assumir, nem partilhar a gestão
da produção, mas sim, evocando a análise realizada por Ernest Mandel, o exercício por parte de comissões
de trabalhadores do “direito de veto em toda uma série de domínios que dizem respeito à sua existência
quotidiana na empresa ou à duração do seu emprego” (Mandel, 1974, 23). 3 Se bem que as suas causas sejam diversas (suspeitas de ligação entre gestores e PIDE/DGS; circulação de
pessoas entre altas esferas públicas e cargos nas empresas; ajustes de contas pessoais), quase metade dos
processos de saneamento (32 em 68) indiciam o controlo operário sobre a empresa, tendência que se
intensificará a partir de janeiro/março de 1975 (Lima, Ferreira, Santos 1976, 49).
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Fundada em 1963, a então Associação Portuguesa dos Diretores e Chefes de
Pessoal (APDCP) nasce da iniciativa de quadros de importantes grupos económicos como
a CUF do Barreiro (Raúl Caldeira), a SACOR (Henrique Santa Clara Gomes), a SONAP
(Pedro Cabo Fernandez), a Central de Cervejas (Manuela Mota e Cláudio Teixeira), a
Lisnave (Manuel Bidarra) ou a Tabaqueira (Manuel Tavares da Silva), pretendendo
responder, segundo o então presidente Raúl Caldeira, à “falta de ligação entre os
profissionais da área do pessoal” (apud APG, Venda 2004, 10). Sem sede, o grupo reunia
ou nas empresas em que os seus dirigentes trabalhavam ou no Instituto Nacional de
Investigação Industrial4, organismo que classifica como sendo “um bocado talvez contra
a coisa dominante…” (idem, 19). Entre o trabalho desenvolvido pela associação, podemos
nomear a realização de vários encontros nacionais, dedicados a temas como a função
pessoal ou a participação na empresa, e, a partir de 1975, a edição da já mencionada
Pessoal (até à atualidade). Inicialmente sob a forma de boletim, adotando a forma de
revista apenas em 1983, a publicação reúne traduções de revistas estrangeiras, artigos da
autoria dos seus membros e os textos das intervenções nos vários colóquios organizados
pela associação.
O fim do processo revolucionário anuncia a hipótese de retoma do trabalho
iniciado pela APDCP antes do 25 de abril, procurando assim inverter a imagem negativa
e o cenário de desorganização instalado entre a classe gestora. A consolidação
democrática e a perspetiva de integração num espaço económico mais consolidado, a
Comunidade Económica Europeia (CEE), suscita entre os profissionais da área
sentimentos tanto de esperança, como de receio. Se, por um lado, estavam reunidas as
possibilidades de financiamento da mudança de rumo anunciada, por outro, o
alargamento do espaço de atuação das empresas e o consequente aumento da
competitividade exigiam que tal decorresse num curto período de tempo. E a obra a
empreender não era, de todo, modesta.
O objetivo deste artigo é, com base na análise da revista Pessoal no período entre
1975 e 1986, compreender quais as principais linhas a que esta obra deveria obedecer.
4 O Instituto Nacional de Investigação Industrial foi um organismo público criado em 1959, sendo seu
principal objetivo, nas palavras do seu primeiro diretor, o Eng.º Magalhães Ramalho, ex-Subsecretário de
Estado do Comércio e da Indústria, “promover, auxiliar e coordenar a investigação e a assistência que
interessem ao aperfeiçoamento e desenvolvimento industrial do País” (Indústria Portuguesa, 1959, 55). A
sua atividade seria realizada a partir de dois gabinetes técnicos, um dedicado a questões de natureza técnica
(relativas ao capital fixo das empresas) e outro subordinado a assuntos relacionados com a organização do
trabalho. A este nível, o instituto será responsável pela organização de diversos cursos e jornadas de
produtividade, com vista à formação de quadros.
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Num primeiro momento, analisaremos a receção do processo revolucionário por parte dos
associados da APG, a qual não se limitará à denúncia de abusos e injustiças, mas
igualmente ao reconhecimento de potencialidades inerentes a algumas das experiências
realizadas. Num segundo momento, tentaremos identificar quais as prioridades políticas
da associação, tendo em mente que as questões de classe, relativas ao lugar dos gestores
de recursos humanos na empresa, são inseparáveis da sua relação com o Estado, com as
empresas e com os sindicatos. Por fim, em jeito de conclusão, procuraremos evidenciar,
à luz das mudanças políticas verificadas no período entre 1976 e 1986 e dos
desenvolvimentos ocorridos em Espanha, a lógica de evolução das posições defendidas
pelos gestores de recursos humanos, em particular na área da legislação do trabalho.
À luz destes objetivos, o nosso estudo parte de uma análise histórica que,
concentrada nas perspetivas e diagnósticos publicados na imprensa editada pela APG,
contribui precisamente para o questionamento do universalismo e presentismo tão
característicos do discurso emanado pelas indústrias de RH e seus profissionais (Booth,
Rolinson, 2006). Os conceitos e categorias então divulgados, em particular por
conferências apresentadas pelos especialistas do ramo, contribuíram para a organização
inicial de um estado de arte e, seguindo a terminologia de Michel Foucault, a
possibilidade de “definir aquilo de que fala e, por conseguinte, de o fazer aparecer, de o
tornar nomeável e descritível” (Foucault, 2005, 72). A precisa disposição dos objetos de
estudo e de intervenção – os trabalhadores – e o emprego de uma estratégia que não
governa contra eles e sobre eles, mas através deles, implica que os seus responsáveis,
numa fase prévia, se sujeitem eles próprios a esta gestão (Foucault, 1991, 91, Gay,
Salaman, Rees, 1996).
O cumprimento destes objetivos encontra-se, contudo, dependente de uma série
de condições, sejam eles económico-estruturais, internacionais ou relacionados com
acontecimentos políticos (Guillen, 1994, 21). Estes, por sua vez, determinarão a
prevalência de um discurso de gestão predominantemente normativo ou racional (Kunda,
Barley, 1992, Abrahamson, 1997, Rodríguez-Ruiz, 2014). O primeiro parte de uma
abordagem soft e colaborativa, defendendo a promoção de valores e sentimentos
partilhados entre os trabalhadores, um meio de garantir um compromisso moral com a
empresa. A segunda é fundada numa conceção hard e calculista, enfatizando a relação
entre o aumento de produtividade e o reforço de técnicas de gestão específicas,
direcionadas à maximização das competências dos trabalhadores e baseando-se mais no
5
seu interesse do que nas suas almas e corações (Legge, 1995, Goorderham, Nordhaug,
Ringdal ,1999).
O predomínio de um determinado tipo de discurso encontra-se sujeito a uma
flutuação histórica. Esta, segundo Kunda e Barley (1992), decorre de forma alternada, ou
seja, uma abordagem normativa é sempre seguida por uma racional e vice-versa. Com
base nesta tese, Abrahamson (1997) estabelece uma relação, por um lado, por
movimentos pendulares que ocorrem em conjugação com ciclos “Kondratieff” de
expansão (discurso racional) e contração (discurso normativo); e, por outro, com os
níveis de performance aspirados pelas empresas e os realmente obtidos, influenciados
pelos níveis quer de absentismo, quer de conflituosidade laboral (Abrahamson, 1997,
492). Como tal, para o período histórico considerado, o discurso da GRH tende a
desenvolver-se ao longo dos seguintes estádios: Relações Humanas (normativo),
Racionalismo Sistémico (racional), Cultura Organizacional (normativo) e, conforme
proposto por Abrahamson (1997), Flexibilização Racional (racional).
Gestão de Recursos Humanos e Processo Revolucionário
Embora a APDCP não tenha sofrido represálias políticas da parte do Estado Novo,
a narrativa dos acontecimentos desenvolvida pelo boletim destaca o conflito de ideias
com o antigo regime e a vigilância exercida pela polícia política, em parte justificada
pelos contactos internacionais da associação com congéneres estrangeiros, pertencentes
à European Association for Personnel Management. À semelhança do que se verificou
em Espanha, a atribuição de relevância ao «fator humano» nas relações de produção era
advogado por grupos católicos (Guillén, 1994, Rodríguez, Gantman, 2011, Rodríguez-
Ruiz, 2014). Inclusivamente, alguns dos seus membros, em geral académicos, viriam a
ter um importante papel na viragem reformista no seio do regime, iniciada a partir de
1968, cujo principal objetivo era a modernização das suas estruturas e, por via legislativa,
a das empresas nacionais.
Algumas das suas principais figuras, em particular Henrique Santa Clara Gomes
(eleito presidente da associação em 1969) e Manuel Bidarra, foram membros da SEDES
– Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, um grupo com raízes
democratas cristãs. Nas palavras do então presidente da APG Castilho Soares, se a
associação “não foi – certamente que o não foi – uma escola de “revolucionários do censo
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comum” (como diria Gramsci) não deixou de ser, no entanto, um instrumento valioso de
divulgação das técnicas mais modernas de gestão, das formas mais evoluídas de
organização humana nas empresas e das relações de trabalho” (Soares, 1976, 76).
A eclosão do movimento de Maio, após o 25 de abril, e o saneamento das empresas
não poupará, contudo, os gestores, conforme o relato de Henrique Santa Clara Gomes,
“No 25 de Abril, com a chamada revolução democrática, parece que o odioso das empresas, ou
seja, quem foi colocado em cheque, questionado, foram os diretores de pessoal, quando não eram mais do
que mandatados, procuravam fazer o melhor em termos de respeito humano, consideração, respeito pelo
trabalho, valorização das funções de cada um, racionalização do trabalho. Mas o 25 de Abril tinha de
encontrar forçosamente alguém, e foram os diretores e chefes de pessoal” (apud APG, Venda, 2004, 40).
Após dois golpes militares frustrados, conduzidos por militares conservadores (o
primeiro a 28 de Setembro de 1974 e o seguinte a 11 de Março de 1975), várias medidas
políticas contra as elites empresariais vieram a ser adotadas, em particular a
nacionalização da banca. Para as comissões de trabalhadores, tal significava o
reconhecimento não só das suas suspeitas de sabotagem económica, como dos seus
poderes no seio das empresas. Uma vez que uma parte substancial da economia se
encontrava concentrada em grupos económicos, foram várias as empresas de ponta
(serviços, químicos, aço, metal) que se tornaram propriedade pública (Makler, 1979, 154,
Noronha 2013, 291). Tal veio a implicar, segundo o historiador Harry Makler, um
movimento “contra o centro da classe tecnocrata, a grande parte empregada em novos
setores” (Makler, 1979, 154).
As demissões, perseguições e até prisões que foram realizadas eram, segundo o
gestor Álvaro Barreto, fruto de assembleias “na maioria das vezes minoritárias e
orientadas por demagogos oportunistas, especialistas na criação de estados emocionais”,
ao invés “de um processo cuidadosamente levado, com regras de atuação bem definidas
e dando garantias integrais de julgamento isento e imparcial” (Barreto, 1976, 59). A
descrição posteriormente realizada por Manuel Alarcão e Silva, membro da APGTRH,
apresenta os gestores como constituindo um corpo maioritariamente recrutado entre
diplomados “quase sempre pertencentes à considerada média e alta burguesia, pois eram
também essas classes que mais alimentavam as nossas universidades” (Alarcão e Silva,
1976, 89). Às diferenças de classe entre gestores e operários associava-se a posse de
“vários privilégios desde o estatuto de remuneração diferente até aos sinais exteriores de
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prestígio e uma certa liberdade com o patrão, perante o qual, por sua vez, por virtude das
suas próprias limitações e pela referida falta de solidariedade de classe, se encontrava
bastante desprotegido e, logo, dependente” (idem, 90). Compondo uma classe com
interesses específicos, a sua condição não impede a aproximação ao patronato e a procura
de “posições e privilégios porventura injustificados, no reforçar do espírito de classe, no
recusar a crítica e o diálogo” (idem, 92).
Desorganizados e colocados em posições que lhes conferiam um estatuto social
elevado, os gestores não se revelaram capazes de reformular as bases da sua identidade,
o que implicaria a concomitante alteração dos seus poderes e funções ao nível da
organização do trabalho. Mesmo aqueles considerados insuspeitos de filiações
reacionárias viram a sua autoridade ser questionada por uma dinâmica que afrontava a
própria ideia de uma gestão profissionalizada, adjudicada a um conjunto de técnicos,
então remetidos a uma desvalorização tanto simbólica, quanto material.
Face a essa perda, procuram adaptar-se à realidade. A 22, 23 e 27 de novembro de
1974, a APG organiza o seu VII Encontro Nacional subordinado ao tema «Reflexões
sobre as Lutas de Classes e a Gestão do Pessoal». Embora os convites à participação de
representantes da Intersindical e de diplomatas da URSS, da Roménia, da Checoslováquia
e da Hungria, tenham sido goradas, a associação contou com a presença da professora
Stanislava Borkoswka, da Universidade de Lodz (Polónia) e do sindicalista italiano Mario
Umnia (APG 2004, 41). Meses mais tarde, Dragoljub Kavran, filósofo e membro da
Associação de Cientistas de Administração Pública Jugoslava, realizaria dois colóquios,
em Lisboa e Coimbra, sobre a experiência da autogestão no seu país. Publicada no número
17 da Pessoal, já em 1976, a sua intervenção destacará a relevância dos gestores neste
processo. Embora, alegadamente, fossem os trabalhadores a tomar as decisões básicas
relativas ao funcionamento das fábricas, por meio de “um referendo por exemplo, ou
através de um conselho de trabalhadores, que é eleito de dois em dois anos” (Kavran,
1976, 21), tais poderes não dispensavam a existência de uma divisão de trabalho entre
gestores e executores.
Um ano depois, em 1975, o VIII Encontro Nacional da APG seria organizado em
torno do tema «As Relações de Trabalho numa Sociedade em Evolução para o
Socialismo». Nas suas conclusões, a associação destaca, entre outros pontos, a “rejeição
de que o poder dos trabalhadores se exerça contra os quadros, os quais são igualmente
trabalhadores”, e as diversas “possibilidades de utilização isenta das técnicas, sem que
intervenha uma opção de classe” (APGTRH, 1976, 22). No fundo, argumenta-se que a
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gestão pertence a um domínio que ultrapassa a natureza do regime: seja ele capitalista,
seja ele socialista, terá sempre que contar com o saber de técnicos e especialistas.
O fim do processo revolucionário dará lugar ao restabelecimento das funções
então perdidas, isto apesar da existência de “quadros seriamente traumatizados […] a
quem se tem de dar a possibilidade de recuperação” (Ribeiro 1978, 16). A afirmação é de
Manuel Van Hoff Ribeiro, futuro presidente da APG (1980-1981) e chefe de gabinete de
Manuel Tito de Morais, secretário de Estado do Emprego do VI Governo Provisório, uma
nomeação que, à altura, refletia a importância das posições da APG sobre matérias
laborais (APG, Venda, 2003, 56) e assinalava ventos a favor da «normalização»,
confirmados pelo golpe militar de 25 de novembro de 1975.
No encerramento do IX Encontro Nacional da APGTRH, um ano depois, o
discurso de encerramento do seu presidente René Cordeiro concentrar-se-á em torno da
importância do fator «conflito». Ao invés das abordagens tradicionais que viam na
repressão a solução para o problema, o gestor começa por o interpretar como “um
ingrediente necessário em todas as formas de organização social” (Cordeiro, 1976, 155).
Aceitando-se a sua existência, há que tratá-lo de forma adequada, cabendo aos
profissionais da GRH “a responsabilidade de compreenderem como podem eles [os
conflitos] ser reconhecidos nas suas aparências, reduzidos, alterados ou transformados
em fatores positivos” (idem, 157). Ao longo do colóquio serão várias as intervenções a
perfilhar este tipo de metodologia, à luz da qual as lutas sociais de 1974 e 1975 irão
adquirir todo um novo sentido. A sua origem nas empresas, não em setores de atividade
económica, por comissões de trabalhadores e não por sindicatos, revela, segundo o jurista
Bernardo Xavier, a “riqueza extraordinária da intervenção dos trabalhadores nas
empresas” (Xavier, 1976, 19), expressa por várias vias, entre as quais o saneamento:
“A verdade é que a própria pessoa, o empresário […] passou a depender ainda da aceitação, quando
não da confiança, da comunidade dos trabalhadores. Eu não vou discutir se estão bem ou mal, ou se o
caminho pelo qual avançou neste sentido foi certo ou errado. […]. Basta consultar o Diário do Governo
para se ver que, nas múltiplas intervenções do Estado nas empresas, se diz que se nomeiam os senhores A,
B e C porque merecem a confiança dos trabalhadores, porque foram eleitos pelas comissões de
trabalhadores, por aí fora. Os exemplos são muitos e poderíamos multiplicá-los. O que aconteceu ao escalão
superior portanto na própria entidade gestora da empresa passa, por maioria de razão, a acontecer nos
próprios quadros da empresa. Todo o enormíssimo movimento a que se chamou saneamento, corresponde
ainda a essa realidade, a uma influência direta da comunidade de trabalho em relação aos quadros da
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empresa. Continuo a dizer que não faço aqui uma exposição crítica deste tipo de problemas, apenas aponto
factos” (idem, 20).
Se à primeira vista, tais ações poderiam ser encaradas como “meras usurpações
revolucionárias dos legítimos poderes empresariais”, para o autor tal interpretação
encontra-se longe da realidade, pois “essa ordem, efetivamente, já não existe” (idem, 21).
Independentemente do seu grau mais ou menos colaborativo, a comissão de trabalhadores
“é um órgão da empresa para a empresa” (idem, 19), cuja dinâmica se desenvolverá de
acordo com as circunstâncias ao redor.
A resposta, como tal, reside na adoção da lógica normativa preconizada pelas
Relações Humanas, segundo a qual o sentimento coletivo que subjaz os grupos (formais
ou informais) no seio da empresa deve ser devidamente aproveitado e integrado no
processo de gestão dos trabalhadores. Este, por sua vez, requeria a aquisição de soft skills
a nível comunicacional e emocional por parte dos gestores, de forma a inspirar motivação
e a conseguir criar dinâmicas de grupo (Barley, Kunda, 1992, 375). O predomínio de um
discurso essencialmente normativo encontra-se igualmente relacionado com o elevado
nível de conflituosidade laboral. Neste sentido, a garantia de melhores condições de
trabalho e a institucionalização de comissões de trabalhadores eram imaginados como
meios de prevenção de uma organização autónoma dos trabalhadores (Guillén, 1994, 25,
Abrahamson, 1997, 524).
Das Relações Humanas à Cultura Organizacional
O processo revolucionário havia, certamente, constituído um fator determinante
no atraso verificado ao nível do desenvolvimento da GRH em Portugal. No entanto, os
desafios impostos aos gestores estava longe de se limitar ao antagonismo demonstrado
pelos trabalhadores. Num diagnóstico então realizado pela associação, em 1976, baseado
num inquérito respondido por 50 profissionais de várias funções5, foi possível constatar
5 Do universo dos entrevistados (baseado numa amostra não representativa), 68% eram profissionais de
alto nível (entre os 40 e os 49 anos); 28%, do sector intermédio e 4% de chefia inferior (entre os 30 e os 39
anos). Cerca de 30% desenvolvia atividade em empresas de 301 a 500 trabalhadores, 14% de 2000 a 10
000 trabalhadores e 12% de 500 a 1000. No que respeita à sua formação, 54% possuía licenciatura e 16%
bacharelato, encontrando-se no seu seio um número relativamente elevado de profissionais que
abandonaram os seus estudos a meio, em geral por terem iniciado o seu percurso nas empresas (Cordeiro,
1976, 12).
10
as dificuldades no seu exercício. Relativamente ao acesso às teorias da motivação, a título
de exemplo, os inquiridos revelavam um conhecimento das propostas realizadas por
Maslow («hierarquia das necessidades»), Herzberg («teoria dos fatores de motivação») e
McGregor («teoria x e y») (Cordeiro, 1976). Porém, a tentativa de emprego destas teses,
realizada por 59% dos entrevistados, obteve uma eficácia moderada em 46% dos casos,
sintoma de uma “certa atmosfera pessoal e empresarial – leia-se organizacional – que
normalmente não existe” (Cordeiro, 1976, 20). O parco interesse das empresas no
fomento desta função é igualmente denunciado pela ausência de uma gestão de tipo
participativa em cerca de 60% das entidades empregadoras dos inquiridos. Por sua vez,
entre as que entre as que recorriam a tal instrumento, não se encontrava uma só empresa
com mais de 2000 trabalhadores (idem, 34). Finalmente, embora a generalidade dos
inquiridos apontasse a formação obtida no exercício de funções como a principal fonte de
aquisição de capacidades, uma grande parte das empresas, mesmo as de grande dimensão,
não demonstravam a preocupação adequada, obrigando os interessados a recorrer aos
serviços de empresas exteriores.
Quadro I – Análise de conteúdo dos artigos publicados na magazine Pessoal
(1976-1986)
1976/77 1978/79 1980/81 1982/1983 1984/85 1986 Total
Relações
Humanas
61 40 28 9 6 1 145
Racionalismo
Sistémico
18 29 18 22 16 1 104
Cultura
Organizacional
- 9 10 30 16 17 82
Flexibilidade
Racional
- - 9 8 31 27 75
Fonte: Guillén (1994)
O predomínio de uma análise baseada no modelo de Relações Humanas (1976-
1981) poderá assim ser interpretado não só como o produto de um contexto pós-
revolucionário, mas igualmente como refletindo a procura de reconhecimento
profissional. Conforme se pode constatar no Quadro I, a magazine dedica algum espaço
à divulgação de técnicas baseadas no modelo de Racionalismo Sistémico, defendendo que
a empresa deveria ele própria constituir uma infraestrutura logística, baseada no
planeamento, na gestão previsional de recursos humanos e numa série de dispositivos
11
quer de seleção, quer de avaliação dos trabalhadores. Em geral, as peças publicadas
destacam a importância da qualificação dos trabalhadores ou o papel desempenhado por
novas tecnologias.
Uma comunicação realizada pela própria APGTRH dedicada à microinformática
em Portugal começa, precisamente, por comparar as empresas portuguesas às suas
congéneres europeias. As primeiras apresentam “menores custos de mão-de-obra e fracos
índices de produtividade, características estas com influência na própria orientação do
investimento estrangeiro. Estes, procurando fundamentalmente os baixos níveis salariais,
têm assumido um papel importante na criação de postos de trabalho, sem contudo ser
decisivo na fixação de tecnologias de ponta” (APGTRH, 1982, 4). Tal explica, segundo
a associação, a tardia implantação em Portugal, pautada por uma formação
exclusivamente dada pelos próprios fornecedores de equipamentos, de forma intensiva,
“carente de rigor científico, desintegrado do ensino das matérias cujos problemas o
computador iria auxiliar a resolver, e veiculando unicamente as soluções propostas pelo
fabricante” (idem, 5). Porém, a duplicação do parque informático no período entre 1975
e 1980 e a introdução de cursos de informática nas universidades representam, a seu ver,
indicadores otimistas:
“Do mesmo modo que a automatização industrial fez desaparecer o operário indiferenciado (o
transporte de cargas foi mecanizado), a automatização dos escritórios fará desaparecer o burocrata
indiferenciado, isto na medida em que haverá tendência para que as tarefas executivas sejam diretamente
feitas por quem domina os parâmetros. É de maior interesse que esta tendência seja acarinhada e estimulada,
pois caso contrário, corre-se o risco de vir a criar uma nova classe de operadores terminais e de máquinas
buróticas” (idem, 10)
Porém, como podemos observar no mesmo Quadro, o Racionalismo Sistémico
nunca veio a obter uma posição dominante na revista. Ao contrário do que se verificou
em países como os Estados Unidos (Barley, Kunda, 1992), o discurso da GRH em
Portugal não parece desenvolver-se de forma alternada entre lógicas normativas e
racionais, constatando-se a primazia das primeiras. Assim, a enfâse nas Relações
Humanas tende a dar lugar à Cultura Organizacional, em particular do modelo de
produção magra (lean production) de objetos diferenciados e versáteis aplicado pela
Toyota, sob a liderança do gestor e vice-presidente executivo Taiichi Ohno. Concebida a
partir do sistema de reaprovisionamento dos supermercados, e numa completa inversão
do sistema de produção em escala fordista, a Toyota envereda por um produto distinto,
12
cuja rentabilidade exige a permanente auscultação dos consumidores e a capacidade de
resposta aos seus interesses, produzindo-se apenas o necessário, sem quaisquer erros ou
falhas, stocks ilimitados e necessidade de manutenção das velhas cidades industriais
(Coriat, 1991, 29). As mudanças na forma de se trabalhar, fruto de toda uma nova
parafernália tecnológica, são à primeira vista paradoxais. A autonomação, expressão que
resulta da fusão dos conceitos de autonomia e automação, vem dispensar algum do saber-
fazer das poucas categorias de operários profissionais que haviam mantido alguma da sua
autonomia ao longo do fordismo. Contudo, a sua função não será reduzida a uma
execução parcelar, mas sim a uma polivalência de tarefas, compreendendo, cada uma, o
manuseamento de várias máquinas e o diagnóstico, manutenção e controlo de qualidade
da sua produção. A complexificação da performance será acompanhada por uma maior
participação dos trabalhadores na delineação de meios, em particular através da reunião
de empregados e dirigentes intermédios de um mesmo setor em círculos de qualidade
(CQ).
Serão vários os artigos da revista Pessoal dedicados ao elogio deste método. A
publicação chegará mesmo a dedicar-lhe um número especial, ao longo do qual serão
enumeradas as suas demais qualidades. Orientado por um “pragmatismo e realismo
condimentados por um forte sentido litúrgico” (Silva, 1982, 3), ao CQ será atribuído o
poder de aliança da criatividade, expressão e autoformação individual. Esta conjugação,
segundo Tavares da Silva, ex-gestor da Tabaqueira e um dos fundadores da associação,
não resulta de “um aproveitamento dos traços culturais japoneses”, mas da “aplicação
sistemática, e a todos os níveis de responsabilidade, das teorias dos sociólogos industriais
e psicólogos acerca do papel do grupo de base” (idem, 10). Qual pequena comunidade no
seio da fábrica, o CQ funcionará como infra-estrutura base da “endoutrinação do pessoal”
(idem, 6). A receção do toyotismo por parte dos gestores portugueses far-se-á
consubstanciar pela crítica as práticas nacionais. A aplicação das teses nipónicas, segundo
o gestor de qualidade da Firestone Paulo Penim, limitava-se a duas empresas: a Magnetics
– Peripherals System, desde 1982, e a própria Firestone, onde, à altura, se iniciava a
atividade dos primeiros CQ. A indiferença a que os seus métodos eram votados refletia,
na sua visão, “as características específicas da população fabril portuguesa marcadas por
um passado de gestão centralizadora nas organizações, as alterações decorrentes do 25 de
Abril de 1974, a crise financeira e de produtividade das empresas portuguesas” (Penim,
1984, 39). Este último elemento, além do já mencionado antagonismo laboral, explica a
prevalência de um discurso normativo, dado que as suas técnicas constituem
13
frequentemente “substitutos baratos de técnicas racionais de aumento de produtividade”
(Abrahamson, 1997, 502). Estas obrigariam a uma despesa de investimento na qual as
empresas nacionais não parecem encontrar-se particularmente interessadas.
A flexibilidade, novo paradigma de gestão e de vida
A crítica ao modelo de gestão de RH preconizado em Portugal é inseparável, como
temos vindo a analisar, da defesa de uma empresa renovada e, concomitantemente, de
uma relação de trabalho renovada. Desde 1976 que a legislação do trabalho havia sofrido
reformas, nomeadamente com a introdução dos contratos a prazo, dispositivo responsável
pela diminuição do vínculo temporal da relação contratual entre trabalhador e empresa.
Se bem que a proibição dos despedimentos sem justa causa seja, frequentemente, evocada
como principal causa do aumento do recurso a este instrumento, são vários os artigos, já
em finais da década de 70, a denunciar o objetivo de “manter em regime de instabilidade
muitos trabalhadores que poderiam e deveriam ocupar postos de trabalho com carácter
permanente” (Fonseca, 1979, 22). A própria APGTRH, numa conferência do grupo
Eurolatino, classifica o fenómeno de “mercado «paralelo» ou «não institucional» de
emprego” (APGTRH, 1982, 8) que traduz uma estratégia de gestão essencialmente
defensiva.
A crítica realizada não visa a sua utilização, mas sim o seu peso estratégico, em
detrimento de outras dimensões de uma flexibilização mais lata da força de trabalho. Dois
anos mais tarde, Jorge Marques, ex-presidente da APG, adotará outro tipo de designações
na análise da proliferação deste tipo de contratos, como “formas particulares de emprego”
ou “soluções alternativas ao desemprego” (Marques, 1984, 8, 9). A promoção de tais
dispositivos reflete a aproximação à Flexibilidade Racional, um modelo de gestão
baseado na flexibilização e individualização dos vínculos contratuais. A uma primeira
análise, estas medidas poderão ser interpretadas como refletindo o perpétuo domínio do
fator custo. Porém, a relativa atenção dedicada a outros modelos de gestão, levam-nos a
concluir que a noção de flexibilidade advogada não se limita a ser meramente numérica,
salientando-se a necessidade da sua aplicação em paralelo com outras medidas: “ritmos
de trabalho adaptados, através da reorganização dos horários”, uma maior polivalência a
nível interno e externo, licenças sem vencimento, trabalho ao domicílio, trabalho a tempo
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parcial, créditos de horas, trabalho ao fim-de-semana, ou redução do número de dias de
trabalho semanais (idem, 8, 9).
Um ano depois, na 1.ª Conferência «Recursos Humanos: Desafio da Crise e
Modernização da Economia», organizada pela APG em 1985, o enfoque seria, contudo,
algo distinto. Reunindo várias figuras de proa da política e da economia (o então ministro
da Indústria e da Energia Veiga Simão, o então ministro da educação José Augusto
Seabra, o empresário Belmiro de Azevedo6, José Luís Judas, pela CGTP, e João Proença,
em representação da UGT), é possível identificar duas linhas essenciais, entre outras, a
atravessar algumas das intervenções. Em primeiro lugar, a responsabilização do processo
revolucionário pela situação de crise vivida, com duas intervenções do Fundo Monetário
Internacional em 5 anos (1979 e 1983). Veiga Simão, em relação ao período de 74-75,
aponta a “inconsistência nacional” e a “anarquia de pensamento” que vieram associar
“medidas progressistas a outras de conservadorismos imobilista, donde resultou o
afastamento da Escola do Mundo do Trabalho” (Simão, 1985, 5). O gestor Gomes Mota,
por sua vez, responsabilizaria o processo revolucionário quer pela rigidez dos acordos de
empresa, quer pela “falta de preparação dos gestores e técnicos de Recursos Humanos da
época pós-Revolução para enfrentar um quadro negocial difícil, exigente e conflituoso”
(Mota, 1985, 19). Por fim, o ex-administrador da TAP João Botequilha defende que uma
“firme estratégia global de desenvolvimento, de progresso e de modernização [...] passa
pelo despertar de energias humanas mal consumidas no tumulto estéril das lutas políticas
e ideológicas ou adormecidas numa indiferença que se generaliza perigosamente a todo
o corpo social” (Botequilha, 1985, 22).
Em segundo lugar, é possível constatar um discurso, em termos de forma, mais
ousado e objetivo nas propostas que advoga e, no seu conteúdo, cada vez mais próximo
da defesa do primado do mercado e da liberalização das leis de trabalho. Para as energias
mal consumidas evocadas por João Botequilha não existiria “outra terapêutica que não
fosse [...] a de flexibilizar a Economia, libertando-a dos constrangimentos do poder do
Estado: diminuir as despesas públicas, baixar os impostos, acentuar a livre concorrência
quebrando as situações monopolistas e os excessos de regulamentação”(idem, 22) ou
ainda proceder-se à “maleabilização do estatuto que preside às relações do trabalhador
com a Empresa” (idem, 22).
6 Ex-presidente da SONAE, um dos maiores grupos empresariais portugueses, essencialmente na área do
retalho e software. Atualmente, é um dos 3 portugueses presentes na lista Forbes dos indivíduos mais ricos
do mundo.
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Uma análise mais depurada deste receituário será realizada por Fernando Adão da
Fonseca, à altura diretor do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica
Portuguesa e docente na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa7.
Partindo da análise do fenómeno do desemprego, o economista e consultor defende que,
além da consideração dos efeitos a longo prazo da evolução tecnológica, o seu aumento
se prende com o “preço relativo do fator trabalho e da energia” (Fonseca, 1985, 14). Por
outro lado, como argumenta, o seu cálculo tende a subavaliar “o emprego oculto,
constituído pelo excesso de trabalhadores em muitas empresas relativamente às suas
necessidades” e a sobreavaliar “todos aqueles que estão registados como não tendo
emprego mesmo quando entretanto se encontram a trabalhar por conta própria” (idem,
14). A solução para este problema, a seu ver, passa por profundas mudanças nas políticas
de emprego, ao nível da
“simplificação dos quadros jurídico normativos que regulam a prestação […]. Em particular será
fundamental ter em mente o reforço da liberdade de contrato das partes nele intervenientes bem como
possibilitar a redução dos RH em excesso e o despedimento com fundamentos de carácter objetivo inerentes
às necessidades de evolução tecnológica da empresa, bem como à inaptidão do trabalhador” (Fonseca,
1985, 15).
A serem efetivas, as alterações produzidas no mercado de trabalho teriam que
alargar-se para lá das fronteiras físicas da empresa. A relação entre a oferta e a procura,
intrínseca a qualquer mercado, serve de base à sua proposta de diminuição do valor a
pagar a quem não trabalha, dada a “elevada correlação entre o subsídio de desemprego e
o período de tempo em que os desempregados se mantêm inativos, antes de aceitarem
trabalho por eles considerado mal pago ou trabalho a tempo parcial. A liberdade de
trabalho é um direito fundamental. Falar em direito de trabalho com o salário que eu quero
é porém um contrassenso” (idem, 14). Ao gerar uma maior pressão sobre o desempregado,
a diminuição do seu rendimento conseguiria assim cumprir duas metas consociadas:
“baixar o preço relativo do fator trabalho e portanto diminuir o desemprego” (idem, 15).
7 Ambas seriam, ao nível do ensino académico, um importante veículo do ideário neoliberal.
16
Conclusões
O desenvolvimento da GRH em Portugal apresenta claras semelhanças com o
processo verificado em Espanha. Relativamente ao período compreendido entre 1950 e
1974, ambos os países partilham traços políticos e económicos, como o regime político
então prevalecente, o aumento do investimento externo, a migração de uma grande parte
da força de trabalho excedentária (um dado positivo na balança de pagamentos) ou a
existência de uma indústria turística em desenvolvimento (Guillén, 1994, 183). Os dois
países apresentam igualmente constrangimentos económicos estruturais, relacionados
com a predominância de pequenas empresas voltadas para uma atividade estritamente
nacional e, associado, à ausência de interesse no investimento na área dos RH, com a
exceção de algumas empresas, frequentemente multinacionais (idem, 198). Por fim, é
possível identificar tendências similares nos movimentos de trabalhadores, quer ao nível
da estratégia de luta durante o fascismo (infiltração nos sindicatos oficiais), quer no que
respeita às conjunturas de protestos, marcadas por uma quase coincidência histórica (1969
em Espanha e 1973 em Portugal) (idem, 184, 185).
Contudo, e apesar de poderem ser integradas num cluster Latino (Brewster, 1995,
Goorderham, Nordhaug, Ringdal 1999), existem diferenças históricas que, a nosso ver,
explicam distintos desenvolvimentos ao nível do discurso da GRH. O processo
revolucionário em Portugal, em contraste com a Transição pacífica em Espanha, é
singularizado como uma das principais causas do atraso estrutural. Este argumento surge
geralmente associado à produção de um passado mitológico (Booth, Rowlinson, 2006,
11), marcado pela elevação das qualidades do gestor: da sua perseverança e firmeza
perante o que identificam como injustiças, ou da sua capacidade na identificação de
problemas e soluções.
Em meados da década de 50, a ditadura franquista será confrontada com o
reacender da conflituosidade laboral, contraposta por uma estratégia mista de repressão e
de cooptação e, mais tarde, por um conjunto de reformas políticas destinadas a assegurar
o controlo sobre a evolução dos acontecimentos. Em Portugal, a enfâse modernizadora
do regime era bastante menor que em Espanha, conforme exemplificado pela Lei do
Condicionamento Industrial, a qual submetia qualquer mudança a nível de equipamento
a aprovação governamental. A mudança ensaiada por Marcelo Caetano viria a ser
efémera, dada a conjuntura de crise internacional e a insistência em travar uma guerra nas
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colónias ultramarinas, com consequências não só a nível orçamental, mas igualmente a
nível humano.
No seguimento dos protestos verificados a partir de 1973, o processo
revolucionário viria condicionar de forma profunda o desenvolvimento da GRH. O
predomínio de um discurso normativo e, correspondentemente, a menor relevância
atribuída a soluções racionais, parecem assim constituir a resposta necessário ao aumento
da conflituosidade laboral. Contudo, a sua incidência terá sido bastante menor nas
pequenas e médias empresas, nomeadamente têxteis e construção civil (Makler, 1979,
160). Podemos assim concluir que, por um lado, a permanência de estruturas industriais
arcaicas, fomentadas pelo próprio Salazarismo, e, por outro lado, a necessidade de atenuar
o antagonismo laboral, conduziram à prevalência de um discurso normativo. Em Espanha,
por sua vez, a maior modernização, quer a nível político, quer económico, ajudam a
explicar a competição entre soluções normativas e racionais ao longo do período entre
1973 e 1980 (Rodríguez-Ruiz, 2014, 264).
Em ambos os casos, a inversão clara da relação a favor de modelos de gestão
racionais ocorre a partir da década de 80, altura em que se verifica uma menor
conflituosidade laboral (visível na diminuição do número de greves, por exemplo). Como
tal, conforme a tese avançada por Abrahamson, a emergência e consolidação de um
discurso normativo encontra-se diretamente relacionado com a ausência de uma dinâmica
sindical ao nível das empresas (Abrahamson, 1997, 554).
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