américa latina - lambert

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Dominação no passado, das forças políticas pré- nacionais: “caciquismo” e “caudilhismo” Jacques Lambert Referência: LAMBERT, Jacques. América Latina: estruturas sociais e instituições políticas. Companhia Editora Nacional, 1969, pp. 435. De forma geral, no interior das antigas colônias hispânicas e portuguesas a organização social se pautava em pequenos grupos fechados em si mesmos cujos chefes possuíam o poder e autonomia de fato. “Não foram nações latino-americanas que se tornaram independentes entre 1810 e 1825, mas personalidades e pequenas comunidades: inicialmente as cidades, cujos cidadãos reunidos em assembleias haviam sido os primeiros a repudiar a soberania espanhola, mas também os grandes proprietários, chefes de clãs e chefes de bandos” (p. 195). A liberação das forças políticas centrífugas no período crítico Durante o período colonial a metrópole conseguiu mitigar as tendências anárquicas em uma sociedade cujos elementos constitutivos são bastante diversos entre si. Entretanto, com a independência e, por conseguinte, com o “vazio político” deixado ante o fim do império colonial, a América Latina ficou a mercê de aventureiros e de um grupo de notáveis, os quais formavam uma força centrífuga com propensão ao desmembramento dos territórios em pequenas soberanias (p. 196). De qualquer forma, a divisão dos territórios recém libertos seguiu em geral o modelo administrativo traçado pelos espanhóis, além de basear-se em fronteiras naturais. Apesar do movimento pela independência, o autor afirma que não foram Estados nacionais cuja liberdade política foi angariada mediante longos conflitos armados, mas sim territórios esparsos sem qualquer ideologia nacionalista ou de integração capaz de condensar toda a força centrífuga que atuava sobre o subcontinente. No início o que existia era um nacionalismo desencarnado, isto é, uma ideia abstrata nem um pouco realista se

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Dominao no passado, das foras polticas pr-nacionais: caciquismo e caudilhismoJacques Lambert

Referncia: LAMBERT, Jacques. Amrica Latina: estruturas sociais e instituies polticas. Companhia Editora Nacional, 1969, pp. 435.

De forma geral, no interior das antigas colnias hispnicas e portuguesas a organizao social se pautava em pequenos grupos fechados em si mesmos cujos chefes possuam o poder e autonomia de fato. No foram naes latino-americanas que se tornaram independentes entre 1810 e 1825, mas personalidades e pequenas comunidades: inicialmente as cidades, cujos cidados reunidos em assembleias haviam sido os primeiros a repudiar a soberania espanhola, mas tambm os grandes proprietrios, chefes de cls e chefes de bandos (p. 195).

A liberao das foras polticas centrfugas no perodo crticoDurante o perodo colonial a metrpole conseguiu mitigar as tendncias anrquicas em uma sociedade cujos elementos constitutivos so bastante diversos entre si. Entretanto, com a independncia e, por conseguinte, com o vazio poltico deixado ante o fim do imprio colonial, a Amrica Latina ficou a merc de aventureiros e de um grupo de notveis, os quais formavam uma fora centrfuga com propenso ao desmembramento dos territrios em pequenas soberanias (p. 196).De qualquer forma, a diviso dos territrios recm libertos seguiu em geral o modelo administrativo traado pelos espanhis, alm de basear-se em fronteiras naturais. Apesar do movimento pela independncia, o autor afirma que no foram Estados nacionais cuja liberdade poltica foi angariada mediante longos conflitos armados, mas sim territrios esparsos sem qualquer ideologia nacionalista ou de integrao capaz de condensar toda a fora centrfuga que atuava sobre o subcontinente.No incio o que existia era um nacionalismo desencarnado, isto , uma ideia abstrata nem um pouco realista se observarmos a estrutura social da poca. O grande propulsor desse movimento foi a independncia das treze colnias norte-americanas no final do sculo XVIII, as quais se organizaram em uma federao independente aps rechaar o domnio ingls. Apesar da defesa desta ideologia pelos libertadores os lderes das lutas pela independncia cujo ideal era a reunio dos territrios em uma nica grande nao havia uma tendncia generalizada na Amrica espanhola subdiviso do subcontinente em senhorias e cidades livres numa estrutura federalista. Sendo assim, na primeira metade do sculo XI, no era da federao de naes latino-americanas que se podia tratar, mas da criao de naes que ainda no existiam na Amrica Latina (...) (p. 198).

As foras polticas pr-nacionais no momento da independncia (p. 199)Diante deste quadro, a primeira tarefa imposta s elites idealizadoras do movimento independente era a prpria criao dos Estados desde o seu princpio, o que compreendia a vitria sobre a propenso desagregao reinante na sociedade hispano-americana da poca. Havia uma srie de elementos disjuntores mais ou menos organizados, sendo eles:1) Grandes latifundirios: eram a fora poltica mais bem organizada e slida, vez que a economia hispnica colonial era essencialmente baseada no sistema das haciendas. Possuam autonomia de fato e ansiavam pela ordem aps a independncia, embora muitas vezes no se encontravam propensos a submeterem-se a qualquer autoridade poltica constituda.2) Fora poltica das cidades: devido ao fato de serem o grande lcus das exportaes eram propcias s ideias de integrao nacional, pois no toleravam o desmembramento em favor dos grandes proprietrios de terra.3) As comunidades indgenas: embora no tiveram grande importncia no perodo ps-independncia do ponto de vista poltico eram, de qualquer forma, exemplos de comunidades que haviam mantido sua organizao social nos modelos pr-colombianos, tornando-as modelos de resistncia colonizao espanhola.4) Semibandoleiros: eram grupos constitudos por toda a espcie de gente, muito poderosos e cuja formao se dera em isolamento. Era formado por aventureiros de qualquer origem (ndios, africanos, mestizos e boiadeiros gachos e llaneros), bem como de soldados do exrcito. Vivendo como nmades, fizeram sua fama e sobreviviam por meio de pilhagens, bem como impuseram ditaduras.Todas essas foras polticas da Amrica independente, com exceo, s vezes, das das cidades, foram canalizadas por fidelidades pessoais: cada uma delas obedecia cegamente a seu chefe hereditrio ou improvisado (p. 199). Essas lideranas pessoais foram denominadas de caciques, quando ocorria em territrio colonizado por espanhis, e de coronis, quando se tratava de territrio brasileiro.

Caciquismo e coronelismo

De acordo com a anlise do autor, esses dois fenmenos so inerentes vida poltica latino-americana do sculo XIX. Apesar de estar em franca decadncia, algumas de suas prticas sobreviveram ao longo dos anos, estando muito ligadas ao isolamento e presena do latifndio. Como os Estados latino-americanos eram extremamente fracos, sua soberania era constantemente desafiada pela autoridade de lderes pessoais que exerciam poder poltico, social e econmico dentro de uma aldeia, uma propriedade, um cl ou at mesmo um exrcito. Esses caciques deviam proteo a seus clientes, os quais, em contrapartida, lhe deviam fidelidade, seja para revolta ou seja para eleio (p. 200).Nesse tipo de sociedade pr-estatal, a suprema virtude social no era o patriotismo, mas a lealdade para com o chefe ou, melhor: a forma de patriotismo nessa sociedade era a fidelidade para com o grupo e seu chefe. (...) Enquanto o caciquismo permaneceu preponderante, o efeito legtimo da conquista do poder, fosse pela violncia ou por eleies, era a explorao desse poder em proveito do grupo vitorioso e de seu chefe. Quando a conquista se realizava pela violncia, implicava, outrora, a pilhagem pelas tropas vitoriosas; quando se realizava por eleies, autorizava a explorao das verbas oficiais (p. 200-1). Os caciques tambm podiam ser dspotas esclarecidos; porm, mesmo que deixassem de lado suas ambies pessoais a fim de buscar o desenvolvimento econmico da nao, ele jamais poderia se esquecer de seus clientes. Nas palavras do autor, (...) suas intenes podiam ser puras, mas deveria persegui-las por meios que, numa sociedade nacional, so impuros (p. 201).O principal efeito do caciquismo era o enfraquecimento da soberania e autoridade estatais, a mesmo que alguma outra fora conseguisse subjug-lo antes de desmembrar a sociedade nacional. O caudilhismo, ditadura de um cacique mais forte que os demais, foi, geralmente, o instrumento brutal e inbil, porm eficaz, que comeou a submeter o caciquismo a uma disputa nacional (p. 201).

Do caciquismo ao caudilhismo

A reunificao da Amrica espanhola apenas foi possvel graas interveno, em algum momento da histria, da ditadura do caudilho. O Brasil conseguiu escapar dos seus efeitos graas continuidade da monarquia imposta por Dom Pedro I.Para o autor, o caudilhismo (...) uma modalidade hispano-americana de um fenmeno geral que acompanha o encontro entre ideologias democrticas e estruturas sociais arcaicas de carter pr-nacional (p. 202). Isso porque as guerras civis que ocorreram no subcontinente nesta poca resultaram de rivalidades pessoais entre caciques que as dissimularam com pretextos de federalismos e conservadorismos.(...) O caudilhismo resultado da falta de maturidade poltica das sociedades hispano-americanas no scu. XIX, mais do que consequncia de uma incapacidade poltica congnita das populaes. Sob a influncia das ideologias polticas vitoriosas na Europa do sc. XIX, diante do prestgio das instituies da democracia representativa, a Amrica Latina obrigada a basear a legitimidade do poder sobre a soberania do povo expressa pela eleio, muito embora ainda no se tenha livrado das estruturas e das lealdades de tipo feudal: a legitimidade invocada pelos governos no reconhecida por uma parte da sociedade. Na estrutura pr-nacional, que persistiu por muito tempo aps a independncia, essa legitimidade importada no consegue convencer mais do que a pequena elite que a adotara do estrangeiro e, mesmo a ela, convence na medida em que apenas a beneficia. A natureza das eleies, que nada mais exprimem do que a homogeneidade de cada grupo e a fidelidade de seus membros aos respectivos chefes, no estimula os grupos vencidos, nem seus chefes, a curvarem-se diante dos resultados, quando seus interesses ou, at mesmo, apenas suas ambies, devam sofrer com isso (p. 203).Neste regime, tanto o uso da fora quanto a cdula eleitoral eram meios legtimos para ascender-se ao poder poltico. Quando surgia a ocasio de demonstrar coragem e astcia suficientes para desafiar o cacique-chefe na regio, o aspirante a caudilho, se conseguir subjugar as foras de seus rival, transforma-se de cacique em caudilho, e a repblica dos notveis abre espao para o cesarismo (p. 204).

Natureza do poder poltico dos caudilhos

O poder do caudilho nacional nunca onipotente e pacfico: enquanto seus aliados no forem eliminados ou no se contentarem com sua parte nos despojos seu domnio permeado de intrigas.A origem ilegal e a natureza de seu poder obrigam os caudilhos quase inevitavelmente, a recorrer violncia para perpetuar o seu poder, ainda mais do que para estabelec-lo: mesmo os melhores tendem, com o correr do tempo, a tornar-se tiranos. Ainda mais difcil, para ele, evitar fazer-se temer, porque o poderio da ideologia democrtica, na Amrica Latina do sc. XIX, no permite que o caudilho consagre o poder absoluto que deseja exercer por instituies apropriadas ao seu servio. Na maioria das vezes, para chegar ao poder, o caudilho dever ter afirmado sua vontade de restabelecer o verdadeiro jogo da democracia poltica, falseado pelos seus adversrios: ter pegado em armas em nome da liberdade, porque a legalidade fora violada, porque as eleies haviam sido fraudadas, ou poderiam vir a s-lo, porque os dirigentes haviam-se corrompido, etc. O primeiro cuidado do ditador deve ser, portanto, o de restabelecer, em toda a sua pureza, as instituies democrticas e de inserir na constituio, que nunca deia de promulgar ou de prometer, as mais minuciosas garantias contra o exerccio do poder pessoal e contra os atentados ao direito do homem (p. 205).A ilustrao deste cinismo pode ser feita atravs do exemplo de Porfrio Daz, ditador paraguaio que expressava tamanho respeito s formas constitucionais que ao expirar seu mandato presidencial em 1880 no emendou tampouco tentou a reeleio: apenas nomeou em seu lugar Manuel Gonzlez, um testa de ferro. Deve-se, tambm, respeitar a separao dos poderes imposto pelas constituies, quase sempre presidencialistas e, para no assistir limitao do prprio poder pelas cmaras, preciso conseguir boas eleies e assegurar-se da obedincia dos eleitos (p. 205).A autoridade do caudilho depende, portanto, da utilizao de meios ilegais de coero sobre aqueles com os quais o respeito s formas da democracia representativa obriga a simular que se partilha o poder. Nesse caso difcil no recorrer corrupo, mas a prpria corrupo raramente suficiente para reduzir os adversrios impotncia e para impor obedincia aos fiis. O caudilhismo acaba sempre por apoiar-se no arbtrio de uma polcia onipresente e, muitas vezes tambm, sobre capangas que so mais fceis de desmentir (p. 206). o caso do gaucho Rosas.Importante ressaltar que apesar de assumirem-se como conservadores ou reformadores, a essncia do caudilhismo era uma forma de reao contra o governo dos notveis, caracterizado pela demagogia. Isso porque os caudilhos assumiam a liderana de um bando, de um territrio ou de um exrcito atravs do apoio das classes mais baixas e desfavorecidos, que acabavam se tornando sua clientela (p. 209).A revolta contra o governo dos caudilhos, portanto, era muito mais dos notveis do que do povo. Deu-se com o cesarismo latino-americano o mesmo que com dos imperadores romanos: no era a plebe, nem os peregrinos, mas sim os patrcios que se queixavam do arbtrio imperial (p. 210).