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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6477
Requerente: Rede Sustentabilidade
Requerido: Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Relator: Ministro CELSO DE MELLO
Imunidades parlamentares. Artigo 102, § 1º, da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Regra de
foro por prerrogativa de função. Pedido de
interpretação conforme à Constituição Federal para
reforma de decisão prolatada em situação concreta.
Inadmissibilidade de tutela de situações subjetivas
via ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de
interpretação conforme com o precedente
estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal na QO
na AP nº 937. Inutilidade processual do pedido, tendo
em vista a significativa correspondência textual entre
Constituição Federal e do Estado do Rio de Janeiro,
no ponto. Pedido de fixação de tese para estabelecer
consequências normativas não previstas no
paradigma da AP nº 937. Improcedência. Situações
como as de reeleição para mandatos sucessivos não
foram objeto de solução explícita pelo Plenário. Em
controvérsias envolvendo a extensão de sua
competência, essa Suprema Corte tem prestigiado
aplicação de regime de direito estrito, que deve
regular também a aplicação do precedente.
Manifestação pelo conhecimento parcial da presente
ação e, no mérito, pela improcedência dos seus
pedidos.
Egrégio Supremo Tribunal Federal,
O Advogado-Geral da União, tendo em vista o disposto no artigo
103, § 3º, da Constituição da República, bem como na Lei nº 9.868, de 10 de
novembro de 1999, vem, respeitosamente, manifestar-se quanto à presente ação
direta de inconstitucionalidade.
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 2
I – DO PAPEL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NO CONTROLE
ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE
É preciso enfatizar, desde logo, duas premissas preliminares da
presente manifestação do AGU.
Primeira: o Advogado-Geral da União, na presente sede, manifesta-
se nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição de 1988, ou seja, enquanto curador
da constitucionalidade da norma constitucional estadual impugnada, ou seja,
defendendo-lhe a constitucionalidade e, portanto, a respectiva presunção de
constitucionalidade.
É precisamente essa a nobre tarefa que a literalidade da Constituição
de 1988 confia ao Advogado-Geral nos termos do seu art. 103, § 3º, verbis:
“Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade,
em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o
Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.”
Segunda. Há manifestação recente do Plenário deste Egrégio
Supremo Tribunal Federal sobre o tema objeto da presente Ação Direta, qual seja,
a ADI nº 5824, em 08/05/2019, que, conforme será exposto nesta peça, milita em
favor da constitucionalidade da norma estadual impugnada nesta ação.
Note-se: a razão que poderia habilitar eventual não defesa da
constitucionalidade da norma pelo Advogado-Geral, qual seja, a existência de
entendimento firme do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade em
situação normativa análoga, não se constata como ocorrente na jurisprudência
dessa Suprema Corte. Portanto, o que se tem é, isso sim, situação que robustece
ainda mais a presunção de constitucionalidade do dispositivo constitucional
impugnado.
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 3
II – DA AÇÃO DIRETA
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de
medida cautelar, proposta pelo partido político Rede Sustentabilidade, tendo por
objeto o artigo 102, § 1º, da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, que dispõe:
Art. 102. Os Deputados são invioláveis por suas opiniões, palavras e
votos.
§ 1º Os Deputados, desde a expedição do diploma, serão submetidos a
julgamento perante o Tribunal de Justiça.
O requerente registra que esse Supremo Tribunal Federal teria
estabelecido, no precedente da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937 (DJe de
11/12/2018), que as regras constitucionais de foro por prerrogativa de função
deveriam ser interpretadas de forma limitada, aplicando-se apenas a crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados a funções parlamentares; e
apenas até o momento final da instrução processual, quando então a competência
não seria mais afetada pelo advento de novos mandatos.
Após referir esse precedente, a inicial ocupa-se de fazer referência ao
julgamento de um caso específico em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro (HC nº 0011759-58.2020.8.19.00), em que, segundo afirma,
teria sido conferida à cláusula do foro especial uma latitude diferenciada daquela
fixada na jurisprudência dessa Suprema Corte.
Na percepção do requerente, a aplicação literal ou extensiva da
norma do artigo 102, § 1º, da Constituição Estadual do Rio de Janeiro seria
“inconstitucional por evidente afronta ao art. 53, § 1º, conforme interpretação
constitucional já assentada pelo STF, e ao art. 27, §1º, ambos da Constituição
Federal, bem como afronta material e direta ao princípio do juiz natural (art. 5º,
LIII), ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV) e ao princípio da
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 4
segurança jurídica (art. 5º, XXXVI)1” (fl. 09 da petição inicial).
Segundo a exposição da inicial, a Constituição de 1988 teria
garantido o primado republicano, buscando impor a aplicação das leis às
autoridades públicas que tenham cometido infrações jurídicas. Por uma questão
de coerência lógica, as exceções ao princípio geral de responsabilização deveriam
ser interpretadas de maneira estrita, tendo sido essa a visão prevalente na
referência jurisprudencial da QO na AP 937, quando o Supremo Tribunal Federal
fixou a interpretação da norma do artigo 53, § 1º, à Constituição Federal, cujo
texto seria correspondente ao do artigo 102, § 1º, da CERJ.
O requerente afirma que a regra de prerrogativa de foro deveria ser
aplicada mediante redução teleológica, evitando-se que ela atinja investigações
por ilícitos sem relação funcional com a atividade parlamentar. Ademais, pondera
que essa interpretação deveria ser imposta de maneira uniforme em todo o país,
sendo inegável, a seu ver, que a decisão proferida no TJRJ destoou do
entendimento assentado pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, argumenta que os fatos investigados no HC nº
1 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
(...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...)
Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado
na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os
Deputados Federais acima de doze.
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.
(...)
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras
e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal.”
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 5
0011759-58.2020.8.19.00 não teriam relação com a função parlamentar; que a
competência do TJRJ não poderia ser prorrogada indefinidamente, mesmo com o
fim do mandato estadual; e que não se poderia considerar a sucessão de mandatos
como fato significativo para prorrogação de foro.
Com respaldo nessa fundamentação, e considerando haver perigo de
prescrição com a demora na análise do caso, o partido requerente postula, em sede
cautelar, um provimento concreto, para que se determine que o TJRJ mantenha na
primeira instância as investigações relacionadas ao HC nº 0011759-
58.2020.8.19.00, bem assim que sejam obstadas novas interpretações ampliativas
até o julgamento final da presente ação direta.
A título de pedido definitivo, requer seja conferida “interpretação
conforme a Constituição Federal do § 1º dos art. 102 da Constituição Estadual
do Rio de Janeiro, para excluir a interpretação de qualquer prorrogação ou
extensão do foro por prerrogativa de função ao término do mandato de deputado
estadual” (fl. 27 da petição inicial), com fixação de tese segundo a qual “Ao
término do exercício do cargo, cessa a imunidade formal de foro por prerrogativa
dele decorrente, independentemente de assunção ou não de outro cargo
posteriormente, inclusive em reeleição para o mesmo cargo, momento no qual os
processos serão remetidos à primeira instância, exceto se já publicado o
despacho de intimação para apresentação de alegações finais”.
O processo foi distribuído ao Ministro Relator CELSO DE MELLO, que,
nos termos do rito previsto pelo artigo 12 da Lei nº 9.868/1999, solicitou
informações à Assembleia Legislativa do Estado doo Rio de Janeiro e ao Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, após o que determinou a oitiva do
Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República.
Em atendimento à solicitação, a Assembleia Legislativa Estadual
manifestou-se pelo não conhecimento da causa, salientando a inadmissibilidade
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 6
do uso de ação direta de inconstitucionalidade para atribuição de efeito vinculante
direcionado a ações judiciais específicas, acrescentando já ter havido ajuizamento
de reclamação constitucional em relação à decisão tomada pela 3ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça local no processo nº 0011759-58.2020.8.19.00.
No mérito, a Casa Legislativa reiterou ser o foro diferenciado uma
garantia ao exercício do mandato e da própria independência dos órgãos
jurisdicionais, não se confundindo com privilégio.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por sua vez,
informou o conteúdo da decisão que foi prolatada no âmbito do HC 0011759-
58.2020.8.19.00, em que se determinou remessa de procedimento de investigação
cautelar ao Órgão Especial do TJRJ, acrescentando que a decisão estaria sob
impugnação por recursos especial e extraordinário.
Na sequência, vieram os autos para manifestação do Advogado-
Geral da União.
III – INADMISSIBILIDADE DE AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE PARA TUTELA DE SITUAÇÕES
CONCRETAS
Preliminarmente, cumpre enfatizar que a presente ação direta é
claramente incabível para fins de obtenção de tutela jurisdicional sobre situações
concretas, sobretudo quando já estejam elas sob escrutínio das instâncias
competentes.
É assente na jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal que, em
regra, os processos objetivos de controle de constitucionalidade não se prestam a
obter o controle judicial de situações jurídicas individualizadas. Nessa sede de
fiscalização, somente podem figurar como objeto de controle atos com mínimo
coeficiente de generalidade, como consta dos seguintes precedentes:
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 7
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DECLARAR A
INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSIÇÕES DA LEI
COMPLEMENTAR 86/2014 DO ESTADO DO AMAPÁ QUE
ATRIBUÍRAM AO GOVERNADOR DO ESTADO A NOMEAÇÃO
OU ESCOLHA DE PESSOAS PARA CARGOS DE CHEFIA NA
DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL, BEM COMO A
PRERROGATIVA DE AUTORIZAR E INTERROMPER O
AFASTAMENTO DE DEFENSORES PÚBLICOS ESTADUAIS E A
INICIATIVA DA LEI QUE FIXA O REAJUSTE DOS SUBSÍDIOS
DOS MEMBROS DA DEFENSÓRIA PÚBLICA ESTADUAL.
EXAME DA VALIDADE DA MANUTENÇÃO DAS NOMEAÇÕES
DE ADVOGADOS INSCRITOS NA OAB-AP PARA O EXERCÍCIO
DE ATRIBUIÇÕES DOS DEFENSORES PÚBLICOS ESTADUAIS.
ATOS ADMINISTRATIVOS DE EFEITOS CONCRETOS.
QUESTÃO NÃO CONHECIDA NO ACÓRDÃO EMBARGADO.
MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO QUANTO AO
PONTO. DESNECESSIDADE. ERRO MATERIAL E
OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NÃO PROVIDOS. 1. Os embargos de declaração
objetivam a correção dos vícios elencados no artigo 1.022 do Código
de Processo Civil, quais sejam, obscuridade, omissão, contradição ou
erro material do pronunciamento judicial decisório. 2. In casu, a ação
direta de inconstitucionalidade foi julgada parcialmente procedente tão
somente para declarar a inconstitucionalidade das expressões
“nomeado pelo Governador do Estado, por indicação do Defensor
Público-Geral” (constante dos artigos 12 e 16), “para que o Defensor
Público-Geral indique ao Governador do Estado” (constante do artigo
14, XIV) e “indicado pelo Defensor Público-Geral e nomeado pelo
Governador do Estado” (constante dos arts. 19, 46, 100, 101 e 103) o
“Ouvidor será escolhido pelo Chefe do Poder Executivo” (todo o artigo
49), bem como das expressões “pelo Governador do Estado” (artigo 79,
caput e § 1º), “a juízo do Governador do Estado” (artigo 79, § 2º) e “de
iniciativa do Governador do Estado” (constante artigo 76), todas da Lei
Complementar 86/2014 do Estado do Amapá, por lesão aos artigos 24,
XIII e § 1º, e 134 da Constituição Federal. 3. Em sede de embargos de
declaração, o recorrente sustenta a necessidade de fixação de “prazo
razoável para que as normas sejam mantidas em vigor, sendo ideal que
este prazo seja suficiente para que o Estado do Amapá possa realizar o
concurso público para provimento de cargos de Defensor Público; possa
nomear os aprovados e ainda que os nomeados tenham concluído o
tempo de seu estágio probatório”, pois, “caso não seja deferida a
modulação dos efeitos da decisão em tela, declarando-se de imediato a
inconstitucionalidade das normas impugnadas, a população carente do
Amapá ficará desprovida do serviço de assistência judiciária gratuita,
que vem sendo realizado, ainda que de forma inconstitucional e
deficitária, por advogados em cargos comissionados”. 4. A ação direta
não foi conhecida na parte em que impugnou “atos praticados pelo
Governo do Estado do Amapá ao contratar advogados inscritos na
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 8
Ordem dos Advogados do Brasil daquele Estado, por meio de
cargos de comissão, para integrar a Defensoria Pública Estadual”,
por se tratar de atos administrativos de efeitos concretos,
insuscetíveis de exame em sede de controle abstrato de
constitucionalidade. Portanto, o acórdão ora embargado não
implicou na invalidação imediata das nomeações já realizadas de
advogados inscritos na OAB-AP para o exercício de atribuições dos
Defensores Públicos estaduais. Demais disso, tendo em vista o
considerável decurso de tempo desde a comunicação do teor do acórdão
ora embargado, verifica-se que o Governo do Estado do Amapá já teve
prazo razoável para realizar concurso público para provimento de
cargos de Defensor Público estadual. A plena vigência da Lei
Complementar 80/1994 de escopo nacional afasta potencial situação de
insegurança jurídica ou excepcional interesse social, razão pela qual o
pedido de modulação dos efeitos foi expressamente indeferido no
acordão embargado. 5. Inexistência de erro material ou de obscuridade
no acórdão embargado. 6. Embargos de declaração não providos.
(ADI nº 5286 ED, Relator Ministro: LUIZ FUX; Órgão julgador:
Tribunal Pleno; Julgamento em 23/11/2018; Publicação em
29/11/2018; Grifou-se)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTROLE
NORMATIVO ABSTRATO – JUÍZO DE
CONSTITUCIONALIDADE QUE DEPENDE DE CONFRONTO
ENTRE DIPLOMAS LEGISLATIVOS – ATO DESTITUÍDO DE
NORMATIVIDADE – INSUFICIÊNCIA DE DENSIDADE
NORMATIVA – AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA – PARECER
DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO
PROVIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO – DECISÃO QUE SE
REPORTA AOS FUNDAMENTOS QUE DERAM SUPORTE AO
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – MOTIVAÇÃO “PER
RELATIONEM” – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA
TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA –
RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Não se legitima a
instauração do controle normativo abstrato, quando o juízo de
constitucionalidade depende, para efeito de sua prolação, do prévio
cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outras normas
jurídicas infraconstitucionais editadas pelo Poder Público. A ação direta
não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico
de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A
válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame
“in abstracto” do ato estatal impugnado seja realizado, exclusivamente,
à luz do texto constitucional. A inconstitucionalidade deve transparecer,
diretamente, do próprio texto do ato estatal impugnado. A prolação
desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de
controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies
jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num
desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da
ilegitimidade constitucional do ato questionado. Precedente: ADI
842/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. – Crises de legalidade – que
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 9
irrompem no âmbito do sistema de direito positivo – revelam-se, por
sua natureza mesma, insuscetíveis de controle jurisdicional
concentrado, pois a finalidade a que se acha vinculado o processo de
fiscalização normativa abstrata restringe-se, tão somente, à aferição de
situações configuradoras de inconstitucionalidade direta, imediata e
frontal. Precedentes. – O controle concentrado de
constitucionalidade somente pode incidir sobre atos do Poder
Público revestidos de suficiente densidade normativa. A noção de
ato normativo, para efeito de fiscalização abstrata, pressupõe, além
da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu
coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua
impessoalidade. Esses elementos – abstração, generalidade,
autonomia e impessoalidade – qualificam-se como requisitos
essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para
atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de
eficácia subordinante de comportamentos estatais ou determinante
de condutas individuais. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal tem ressaltado que atos estatais de efeitos concretos não se
expõem, em sede de ação direta, à fiscalização concentrada de
constitucionalidade. A ausência do necessário coeficiente de
generalidade abstrata impede, desse modo, a instauração do
processo objetivo de controle normativo abstrato. Precedentes. – O
Supremo Tribunal Federal tem salientado, em seu magistério
jurisprudencial, a propósito da motivação “per relationem”, que
inocorre ausência de fundamentação quando o ato decisório – o
acórdão, inclusive – reporta-se, expressamente, a manifestações ou a
peças processuais outras, mesmo as produzidas pelo Ministério Público,
desde que, nestas, se achem expostos os motivos, de fato ou de direito,
justificadores da decisão judicial proferida. Precedentes. Doutrina. O
acórdão, ao fazer remissão aos fundamentos fático-jurídicos expostos
no parecer do Ministério Público – e ao invocá-los como expressa razão
de decidir –, ajusta-se, com plena fidelidade, à exigência jurídico-
constitucional de motivação a que estão sujeitos os atos decisórios
emanados do Poder Judiciário (CF, art. 93, IX).
(ADI nº 2630 AgR, Relator Ministro: CELSO DE MELLO; Órgão
julgador: Tribunal Pleno; Julgamento em 16/10/2014; Publicação em
05/11/2014; Grifou-se)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – DEFESA DE
INTERESSES INDIVIDUAIS E CONCRETOS EM SEDE DE
CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE –
INADMISSIBILIDADE – NATUREZA OBJETIVA DO PROCESSO
DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE
CONSTITUCIONALIDADE – IMPUGNAÇÃO TÓPICA OU
FRAGMENTÁRIA DE DIPLOMAS LEGISLATIVOS CONEXOS
QUE INTEGRAM COMPLEXO NORMATIVO INCINDÍVEL –
INVIABILIDADE – RECURSOS DE AGRAVO IMPROVIDOS.
INADEQUAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO
PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS E
CONCRETOS – CONSEQUENTE INADMISSIBILIDADE DA
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 10
AÇÃO DIRETA. – O controle normativo de constitucionalidade
qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado,
exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema
constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por
função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata
do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de
relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria
juridicamente estranha ao domínio do processo de controle
concentrado de constitucionalidade. – A tutela jurisdicional de
situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole
constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de
constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto,
revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e
legitimidade (CPC, art. 3º). Doutrina. Precedentes. DIPLOMAS
NORMATIVOS QUE INTEGRAM COMPLEXO NORMATIVO
INCINDÍVEL – NECESSIDADE DE IMPUGNAÇÃO
ABRANGENTE DE TODAS AS NORMAS UNIDAS PELO
VÍNCULO DE CONEXÃO – INOCORRÊNCIA – INVIABILIDADE
DA AÇÃO DIRETA. – Tratando-se de normas legais e de diplomas
legislativos que se interconexionam ou que mantêm, entre si, vínculo
de dependência jurídica, cabe ao autor da ação direta, ao postular a
declaração de inconstitucionalidade, abranger, no alcance desse
“judicium”, todas as regras unidas pelo vínculo de conexão, sob pena
de, em não o fazendo, tornar inviável a própria instauração do controle
concentrado de constitucionalidade. – Em situação de mútua
dependência normativa, em que as regras estatais interagem umas com
as outras, condicionando-se, reciprocamente, em sua aplicabilidade e
eficácia, revela-se incabível a impugnação tópica ou fragmentária de
apenas algumas dessas normas, considerada a circunstância de o
complexo normativo que elas integram qualificar-se como unidade
estrutural incindível, a inviabilizar questionamentos seletivos e isolados
de determinadas prescrições normativas. – Em tal contexto, e pelo fato
de referidas normas integrarem a totalidade do sistema, não se admitem,
em sede de controle normativo abstrato, impugnações isoladas ou
tópicas, sob pena de completa desarticulação e desagregação do próprio
sistema normativo a que se acham incorporadas. Precedentes.
(ADI nº 2422 AgR, Relator Ministro: CELSO DE MELLO; Órgão
julgador: Tribunal Pleno; Julgamento em 10/05/2012; Publicação em
30/10/2014; Grifou-se)
É justamente por isso, aliás, que a legislação de regência das ações
diretas de inconstitucionalidade – a Lei nº 9.868/1999 – veda, no seu artigo 182, a
intervenção de terceiros concretamente interessados.
A exceção a esse postulado ampara apenas a técnica da arguição de
2 “Art. 18. Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação declaratória de constitucionalidade.”
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 11
descumprimento de preceito fundamental, e mesmo assim desde que comprovada
a relevância da controvérsia judicial instaurada e a indisponibilidade de outros
meios processuais para a reforma do ato do poder público.
Fora dessa única hipótese de exceção, não cabe buscar remédio para
decisões judiciais adversas no âmbito de processos objetivos. Mesmo no tocante
à arguição de descumprimento de preceito fundamental, é inadmissível proceder
ao seu acionamento como sucedâneo recursal, como ilustrado no acórdão abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL EM ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. DIREITO
ELEITORAL. DECISÕES JUDICIAIS. COLIGAÇÕES.
AUTONOMIA E CARÁTER NACIONAL DOS PARTIDOS
POLÍTICOS. INAFASTABILIDADE JURISDIONAL. LEI
9.504/1997. LEI 9.096/1995. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE.
MEIO CAPAZ DE SANAR A CONTROVÉRSIA DE FORMA
GERAL, IMEDIATA E EFICAZ. 1. A arguição de descumprimento de
preceito fundamental, em sua modalidade incidental, possui seu
interesse processual correlato às ações eleitorais ajuizadas. 2. Tendo em
vista os objetos serem pronunciamentos judiciais submetidos
regularmente ao sistema recursal eleitoral, constata-se que esta ADPF
foi funcionalizada pela parte Agravante como verdadeiro sucedâneo
recursal. Precedentes. 3. O requisito da subsidiariedade coloca-se como
óbice ao processamento da ADPF, pois é possível a utilização de ADI
ou ADC como veículo processual com aptidão para conferir
interpretação conforme à Constituição aos dispositivos da Lei 9.096/95.
Precedentes. 4. Agravo regimental em arguição de descumprimento de
preceito fundamental a que se nega seguimento.
(ADPF nº 266 AgR, Relator Ministro: EDSON FACHIN; Órgão julgador:
Tribunal Pleno; Julgamento em 12/05/2017; Publicação em
23/05/2017)
Tendo em vista o caráter ostensivamente concreto do pedido de
reforma de decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não pode
essa pretensão ser conhecida nesta via.
IV – MÉRITO
Conforme relatado, o partido requerente investe contra dispositivo da
Constituição Estadual do Rio de Janeiro (artigo 102, § 1º), sob a alegação de que
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 12
a ele deveria ser aplicada interpretação conforme à Constituição Federal, para
tornar exigível a mesma leitura que tem sido aplicada pelo Supremo Tribunal
Federal ao artigo 53, § 1º, da Constituição Federal desde o precedente de Questão
de Ordem surgida na AP nº 937.
Em um primeiro plano, cumpre observar que o pedido de
interpretação acima referido carrega palpável grau de redundância, demonstrativo
da desnecessidade do acolhimento da pretensão da inicial.
Isso porque não há distinção textual relevante entre as disposições
constitucionais que tratam do foro por prerrogativa de função nos âmbitos federal
e estadual. Tanto no ordenamento federal (artigo 53, § 1º), quanto no estadual
(artigo 102, § 1º), a regra de competência enuncia que os parlamentares serão
intitulados ao foro diferenciado desde a expedição do diploma. Salvo no tocante
ao aspecto espacial, não há nada de distintivo na formulação dessas normas,
devendo ambas serem aplicadas de modo simétrico.
Foi forte nessa realidade, aliás, que, ao apreciar a ADI nº 5824, em
08/05/2019, o Plenário desse Supremo Tribunal Federal indeferiu pedido de
medida cautelar a propósito da norma do artigo 102 da CERJ, para afirmar que
deputados estaduais desfrutam das mesmas prerrogativas garantidas aos
parlamentares federais pela Constituição de 1988.
Prevaleceu, na ocasião, voto-condutor do Ministro ALEXANDRE DE
MORAES, para quem a reprodução desse especial regime processual penal nas
esferas subnacionais de poder é um imperativo do modelo federativo vigente na
Constituição Federal. É o que se pode conferir da síntese de julgamento publicada,
pela Suprema Corte, no Informativo semanal nº 939:
O Plenário, por maioria, indeferiu medidas cautelares em ações diretas
de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 33, § 3º, e 38, §§ 1º,
2º e 3º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, os §§ 2º ao
5º do art. 102 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a Resolução
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 13
577/2017 da respectiva Assembleia Legislativa, bem como contra os §§
2º ao 5º do art. 29 da Constituição do Estado do Mato Grosso e a
Resolução 5.221/2017 da respectiva Assembleia Legislativa. Os
dispositivos constitucionais impugnados estendem aos deputados
estaduais as imunidades formais previstas no art. 53 da Constituição
Federal (CF) para deputados federais e senadores. Já as Resoluções
revogam prisões cautelares, preventivas e provisórias de deputados
estaduais e determinam o pleno retorno aos mandatos parlamentares,
com todos os seus consectários.
O Colegiado entendeu que a leitura da Constituição da República
revela que, sob os ângulos literal e sistemático, os deputados
estaduais têm direito às imunidades formal e material e à
inviolabilidade conferidas pelo constituinte aos congressistas, no
que estendidas, expressamente, pelo § 1º do art. 27 da CF.
Asseverou que o dispositivo não abre campo a controvérsias
semânticas em torno de quais imunidades são abrangidas pela
norma extensora. A referência no plural, de cunho genérico,
evidencia haver-se conferido a parlamentares estaduais proteção
sob os campos material e formal. Se o constituinte quisesse
estabelecer estatuto com menor amplitude para os deputados
estaduais, o teria feito expressamente, como fez, no inciso VIII do
art. 29, em relação aos vereadores.
A extensão do estatuto dos congressistas federais aos parlamentares
estaduais traduz dado significante do pacto federativo. O
reconhecimento da importância do Legislativo estadual viabiliza a
reprodução, no âmbito regional, da harmonia entre os Poderes da
República. É inadequado, portanto, extrair da Constituição Federal
proteção reduzida da atividade do Legislativo nos entes federados,
como se fosse menor a relevância dos órgãos locais para o
robustecimento do Estado Democrático de Direito.
Acrescentou que reconhecer a prerrogativa de o Legislativo sustar
decisões judiciais de natureza criminal, precárias e efêmeras, cujo teor
resulte em afastamento ou limitação da função parlamentar não implica
dar-lhe carta branca. Prestigia-se, ao invés, a Carta Magna, impondo-se
a cada qual o desempenho do papel por ela conferido.
Em uma análise inicial, portanto, não há interesse jurídico objetivo
em impor, ao ordenamento constitucional do Estado do Rio de Janeiro, a mesma
interpretação vigente para o ordenamento constitucional federal, já que essa
mimetização, no caso, opera-se ao natural.
Desse modo, são desprovidos de utilidade os pedidos vertidos na
primeira parte dos itens “c” (“ao término do exercício do cargo, cessa a
imunidade formal de foro por prerrogativa dele decorrente”) e “d.i” (“o foro por
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 14
prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o
exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”) da petição inicial.
Isso é verdadeiro apenas para as partes dos pedidos de interpretação
conforme referidas acima, que postulam o reconhecimento de que a imunidade
formal cessa com o fim do exercício do mandato. Mas a inicial vai além, e requer
uma interpretação que estabeleça a impossibilidade de “qualquer prorrogação ou
extensão do foro por prerrogativa de função ao término do mandato” (item b,
dos pedidos da petição inicial).
Ao comportar essa abrangência, porém, a pretensão autoral desfralda
uma inferência que não foi expressamente consolidada no julgamento da QO na
AP nº 937 e que, na verdade, destoa do entendimento que tem sido aplicado por
decisões do próprio Supremo Tribunal Federal após esse marco decisório.
Não houve, nesse precedente, o equacionamento da questão sobre a
possibilidade de se manter a regra de foro diferenciado quando houver
continuidade de mandato, sem lapso interruptivo.
A propósito, o Ministro GILMAR MENDES registrou o seguinte em
voto escrito apresentado na QO na AP nº 937:
Tampouco resta claro como ficará o entendimento em relação à
sucessão de cargos públicos. Como ficam os processos em caso de
reeleição? E em caso de assunção de outro cargo? Se um Deputado
Federal respondendo a ação penal é eleito Prefeito, o STF enviará os
autos à primeira instância ou ao Tribunal de Justiça? Uma acusação por
atos de Governador, posteriormente eleito Senador, é remetida a qual
instância?
A ponderação consignada por Sua Excelência veio a ganhar
concretude em 08/05/2018, em julgamento conduzido pela Segunda Turma dessa
Suprema Corte, pertinente ao Inquérito nº 4.118 (DJe de 05/09/2018), quando se
definiu que a reeleição pode constituir motivo idôneo para a prorrogação de regra
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 15
de foro diferenciado, conforme se extrai da seguinte manifestação do Ministro
Edson Fachin, que oficiou como Relator daquela causa:
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (PRESIDENTE E
RELATOR) - Também registro que resta sem objeto petição carreada
neste inquérito pela ilustre Procuradora-Geral da República, visto que
esta Turma acaba, portanto, de, ao concluir o julgamento desse
inquérito, afirmar a sua competência para processar e julgar
crimes que são imputados numa determinada denúncia, no caso,
esta, praticados em uma legislatura por deputado federal, e que
vem a exercer, por força de reeleição, novo mandato de deputado
federal. Portanto, prejudicada a questão suscitada pela ilustre
Procuradora-Geral da República. E, assim, anunciado também, este
prejuízo com resultado do julgamento do Inquérito 4.118. (Grifou-se)
Posteriormente, solução no mesmo sentido – a consagrar a
possibilidade de prorrogação de foro por prerrogativa de função em hipótese de
reeleição – veio a ser decretada no âmbito do RE nº 1.253.213, também julgado
na Segunda Turma, tendo recebido a seguinte ementa:
Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Constitucional e
Processual Penal. 3. Nos casos de delito cometido por prefeito no
exercício e em razão do cargo, a competência será do Tribunal de
Justiça, quando, cessado o mandato no qual os crimes foram praticados,
houver continuidade pela reeleição consecutiva. Precedentes. 4. Agravo
improvido.
(RE nº 1253213 AgR, Relator Ministro GILMAR MENDES; Órgão
julgador: Segunda Turma; Julgamento em 15/04/2020; Publicação em
24/04/2020)
À luz desses últimos paradigmas decisórios, fica evidenciado que –
naquilo em que não é redundante – o pleito formulado pelo requerente se dissocia
de precedentes mais recentes desse Supremo Tribunal Federal, razão pela qual
não deve ser acolhido.
É importante registrar que, embora o Plenário dessa Suprema Corte
tenha assentido com uma redução teleológica quanto à norma do artigo 53, § 1º,
da Constituição Federal, isso não quer dizer que toda e qualquer hipótese não
resolvida pelo precedente da QO na AP nº 937 deva se submeter a um mesmo
pressuposto restritivo. Pelo contrário. Conforme cediço na teoria geral do direito,
ADI nº 6477, Rel. Min. Celso de Mello 16
a analogia e a redução teleológica constituem formas argumentativas de alta carga
criativa, que devem ser aplicadas com o devido temperamento, de acordo com as
características de cada ordenamento e de cada departamento do direito.
A advertência consta do magistério de Dimitri Dimoulis:
Em regra geral, o operador jurídico deve evitar o emprego da analogia
e da restrição de sentido. Esses modos de interpretação se chocam
frontalmente com o significado da norma, que, como constatamos, deve
ser o limite da possível interpretação. Decidir se a analogia e a restrição
são permitidas depende de três fatores: (a) das características gerais do
ordenamento jurídico.; (b) do ramo do direito ao qual pertence a norma
em exame e, finalmente, (c) das características da própria norma que
pode ser mais ou menos pertinente para o caso concreto3.
Sobretudo no tocante às restrições teleológicas, em que há alta
tensão com o aspecto textual dos enunciados jurídicos, a avaliação judicial deve
considerar com o maior zelo possível cada situação aplicativa. Trata-se de
escrúpulo elementar para a preservação de um mínimo de autoridade dos
conteúdos das regras de direito.
Na seara das normas de competência, sobretudo as de implicação
penal, a prática predominante nesse Supremo Tribunal Federal tem sido orientada
por uma visão de direito estrito (ver, p.ex., ACO nº 1315 AgR, Pleno, Relª. Minª.
ROSA WEBER, DJe de 11/02/2016; e AP nº 666 AgR, Pleno, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, DJe de 07/06/2013), o que significa aplicar exatamente o que veiculado
no texto ou nos julgamentos paradigmáticos, nem mais, nem menos.
Assim, no tocante a situações não inseridas explicitamente no
âmbito decisório da QO na AP nº 937, deve prevalecer a mensagem normativa
mais próxima da textualidade da Constituição, e não uma proposta de
recolhimento de sentido.
3 DIMOULIS, Dimitri. Introdução ao estudo do direito. 7ª ed. Ver. Atual. e Ampl., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, p. 160.
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V – CONCLUSÃO
Diante do exposto, o Advogado-Geral da União manifesta-se,
preliminarmente, pelo conhecimento apenas parcial da ação e, no mérito, pela sua
improcedência.
São essas, Excelentíssimo Senhor Relator, as considerações que se
tem a fazer em face do artigo 103, § 3º, da Constituição Federal.
Brasília, 28 de agosto de 2020.
JOSÉ LEVI MELLO DO AMARAL JÚNIOR
Advogado-Geral da União
IZABEL VINCHON NOGUEIRA DE ANDRADE
Secretária-Geral de Contencioso
DANIEL PINCOWSCY CARDOSO M. DE A. ALVIM
Diretor do Departamento de Controle Concentrado